Você está na página 1de 4

FACAMP – Faculdade de Campinas

Curso de Relações Internacionais


Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais – Lapri V
1º Semestre de 2011
Catarina Rodrigues Duleba RA: 200910938

Comentário do Filme “Roger & eu”

“Roger & eu” é um documentário de 1989 do polêmico cineasta Michael


Moore. O filme descreve a situação de sua cidade natal, Flint, em Michigan,
EUA, ao perder 30.000 postos de trabalho com o fechamento de fábricas da
General Motors (GM). Assim, começa a jornada de Moore para mostrar as
consequências desastrosas do encerramento das atividades da GM na cidade
e, sua busca por Roger Smith, presidente da GM, com a intenção de convidá-lo
a visitar Flint e comentar sobre o assunto.

O fechamento das fábricas foi, na verdade, uma estratégia de


competitividade da empresa, deslocando as fábricas para o México em busca
de mão-de-obra mais barata, para então, poder investir em negócios bem
lucrativos como a indústria de armas e empresas de alta tecnologia. Isso não
só gerou milhares de desempregados, como também devastou a cidade, que
dependia de seu parque industrial desde a década de 1930. A empresa que,
um dia então levantou a cidade foi a mesma responsável por sua miséria.

Sofrendo com o desemprego, Flint começou a enfrentar problemas de


pobreza e violência. Investindo no turismo, o poder público local até buscou
novas fontes de renda para a cidade, construindo hotéis, parque temático,
centro cultural, porém todas tentativas fracassaram, e a cidade passou a ser
considerada como a pior para se viver por uma grande revista. Os
desempregados tiveram que se submeter ao trabalho autônomo e ao
subemprego, sendo assim, trabalhos com maior flexibilidade. Além disso, o
movimento sindical estava fragilizado. O filme também mostra cenas de
famílias sendo despejadas de suas casas até na véspera do Natal.
Podemos compreender os acontecimentos de Flint a partir do texto de
David Harvey. Em seu texto, “Do Fordismo à Acumulação Flexível”, David
Harvey analisa o que levou a queda do fordismo e a ascensão do que o autor
chama de acumulação flexível. Ao início, o autor aponta alguns problemas
enfrentados desde meados dos anos 1960, como o problema fiscal norte-
americano, a redução do poder dos Estados Unidos de regulamentar o sistema
financeiro internacional e a competitividade com novas áreas. Para o autor, a
rigidez foi o principal elemento que tornou difícil para o fordismo conter os
problemas inerentes ao capitalismo e isso ficou claro no período de 1965 a
1973. Essa rigidez pôde ser percebida nos investimentos de capital fixo de
larga escala e também nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho.
Apenas a política monetária se apresentava como solução a essa rigidez,
emitindo papel moeda como instrumento de estabilização do sistema,
entretanto, essa política aprofundava ainda mais a onda inflacionária.

Por consequência, a recessão profunda em 1973 pôs em curso


elementos que desestabilizaram o compromisso fordista e portanto, foi preciso
reestruturação econômica e reajustamento social e político, observados nas
décadas de 1970 e 1980, criando um ambiente social de oscilações e
incertezas. A partir de novas experiências se deu a emersão de um novo
regime de acumulação, chamado por Harvey de acumulação flexível.

O que marca a acumulação flexível é a contraposição ao paradigma


fordista, ou seja, a rigidez do sistema que levou à sua própria deterioração. O
processo de produção, os mercados de trabalho, os padrões de consumo
foram flexibilizados, desarticulando tudo o que existia até então. Houve uma
revolução tecnológica cujo principal objetivo era reverter o quadro de queda da
produtividade e da lucratividade da crise fordista. A acumulação flexível é
fundamentada pelo surgimento de novos setores de produção, novos
mercados, fornecimento de serviços financeiros diferenciados e alto grau de
inovação tecnológica, comercial e organizacional, o que implicou em mudanças
rápidas nos padrões de desenvolvimento desigual, seja entre regiões
geográficas, seja entre setores produtivos. Com essa nova dinâmica capitalista,
foi possível rearticulações nas relações de trabalho, permitindo aos capitalistas
exercerem maior pressão de controle de trabalho sobre os trabalhadores.
Portanto, a acumulação flexível envolveu um aumento no nível de desemprego
estrutural, rápida destruição e reconstrução das habilidades, ganhos modestos
ou inexistentes nos salários reais e retrocesso do poder sindical. Ademais,
houve mudanças na organização industrial, aumentando a subcontratação e o
trabalho temporário, o que abriu oportunidades para a formação de pequenos
negócios.

Dessa forma, empresas globais passaram a propagar novas ideias e


estilos de vida, criando mecanismos ideológicos para justificar a exploração de
trabalho, sem se responsabilizar por isso. Da mesma maneira, difundiu-se a
imagem de necessidade de governos fortes que possam restaurar a saúde da
economia. Para tanto, era preciso uma progressiva retirada de apoio ao Estado
do bem-estar social, transformando tal aspecto em virtude governamental para
os neoconservadores.

Assim, podemos entender que o processo à acumulação flexível levou a


desindustrialização dos países centrais, provocando novas configurações nas
relações de trabalho, o que podemos observar no filme de Michael Moore.
Devido à competição global, as empresas tiveram que se adaptar e deslocar
sua produção para países periféricos com mão-de-obra mais barata, como a
GM fez. Com a mobilidade e a flexibilidade, houve um maior controle do
trabalho pelos empregadores, gerando empregos temporários e
subcontratação, assim como visto no documentário, além do enfraquecimento
do poder sindical, exatamente como o dos trabalhadores das fábricas da GM. A
superação do modo de produção fordista não tornou o sistema capitalista mais
“justo” e não trouxe um acordo pacífico entre trabalhadores e empregadores,
pelo contrário, perpetuou a exploração, só que com artifícios ideológicos mais
eficazes, promovendo o individualismo. Como podemos observar no
documentário, a cidade de Flint enfrentou problemas com o desemprego, a
pobreza e a violência, ainda assim, os trabalhadores não conseguiram se
identificar como classe e, a sociedade se apresentava pouco preocupada com
os valores coletivos, já que a nova modalidade de acumulação se apoiava em
uma cultura de individualismo e competição.
Referência Bibliográfica:

HARVEY, D. A transformação político-econômica do capitalismo no final


do século XX (parte II). In: __________. A condição pós-moderna. 8a edição,
São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 135-162.

Você também pode gostar