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RESUMO
Neste artigo o autor procura analisar um aspecto da cristologia relativamente es-
quecido nas publicações cristãs, e enfatiza a importância dele desde as primeiras formu-
lações credais. O autor menciona e avalia alguns aspectos da filiação eterna negados por
autores cristãos contemporâneos, assim como a suposta base bíblica usada por eles. Então,
usa os argumentos retirados da Escritura, argumentos elaborados pelo raciocínio teoló-
gico e, finalmente, cita autores cristãos no decorrer da história da Igreja Cristã para
defender a filiação eterna do Redentor, finalizando com os argumentos sobre a impor-
tância dessa filiação para o cristianismo da ortodoxia.
PALAVRAS-CHAVE
Cristologia; Filiação eterna; Ortodoxia, Teologia.
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2 Consulte as obras clássicas de teologia sistemática e você perceberá a ausência desta matéria. O
que temos visto recentemente são autores free lancers que têm ousado tratar do assunto, ainda que não
tenham publicado os seus escritos da forma convencional. Se você quer ter uma boa noção da doutrina
da filiação eterna, verifique no site <www.graceonlinelibrary.org/theology/full.asp?ID=481>, artigos
escritos por J. C. Philpot sobre The eternal sonship of the Lord Jesus Christ, em quatro partes, que podem
dar uma idéia mais abrangente sobre essa importante matéria.
3 Disponível em: <http://www.biblebb.com/mac-h-z.htm>. Ver artigo no verbete Sonship, Re-Exa-
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PHILPOT, J. C. The eternal sonship of the Lord Jesus Christ. Part II. Ver site <http://
www.graceonlinelibrary.org/full.asp?ID=479>.
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Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a
cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está
escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.
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Com respeito ao seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e
foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressur-
reição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor.
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5 Podemos dizer que essa expressão pode se estender aos dias que se seguiram à sua ascensão, pois
neles ele ainda falou revelando aos seus santos apóstolos a verdade sobre de Deus.
6 O texto de Colossenses 1.16 é contundente na afirmação da filiação eterna do Redentor. O contexto
mostra que Paulo está falando do Filho (v. 13), e esse Filho foi o criador de todas as coisas, inclusive das
coisas do mundo espiritual. Antes da ação criadora dele, somente a Divindade Triúna existia. É importante
insistir na verdade de que o Filho é eternamente Filho porque ele é Deus!
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mações sobre a filiação eterna do Redentor. Nelas, Jesus Cristo foi chama-
do Filho de Deus antes mesmo da encarnação.
A filiação eterna pode ser afirmada, pois a Escritura faz menção do
Redentor como Filho de Deus antes da encarnação. Em João 17.5, lemos:
E, agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive
junto de ti, antes que houvesse mundo. O relacionamento de Deus Pai
com o Deus Filho acontece desde a eternidade. A Escritura também ensi-
na, de modo inquestionável, que o Filho teve um relacionamento amoroso
com seu Pai desde antes da fundação do mundo (João 17.24). Portanto, a
filiação do Redentor é eterna, não temporal.
Em João 3.16, Jesus afirma: Porque Deus amou o mundo de tal ma-
neira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça,
mas tenha a vida eterna (cf. 1 Jo 4.9). Dessa forma, ele revela a preexistência
do Redentor como Filho. A palavra unigênito aponta para o fato de ele ser
gerado de Deus, sendo, portanto, eternamente Filho de Deus.
Por inspiração do Espírito Santo, Paulo escreve, em Romanos 8.3,
que Deus enviou o seu próprio Filho em semelhança de carne pecamino-
sa [...]. A encarnação, ou seja, o assumir da natureza humana sob os efei-
tos da queda (daí a expressão semelhança de carne pecaminosa) pressu-
põe uma existência anterior do Redentor como Filho de Deus. A expressão
seu próprio Filho deve ser analisada cuidadosamente: não se trata de
uma filiação por adoção, mas de uma geração eterna. A expressão Seu
próprio Filho sugere uma filiação peculiar, ímpar, num sentido em que
ninguém a possui. É uma filiação que implica uma mesma natureza, pois o
Filho já era Filho de Deus antes de ser enviado ao mundo.
Pode haver uma expressão mais clara que essa para mostrar a
preexistência do Filho do que a afirmação: Deus enviou o seu próprio
Filho?Se o próprio Espírito declara que Cristo é o Filho antes da encar-
nação, não se deveria levantar dúvida quanto a essa verdade. Sem o con-
ceito de filiação eterna, as palavras seu próprio Filho perderão a sua
força e o seu significado.
A descrição paulina de Cristo como o próprio Filho de Deus é no-
vamente usada em Romanos 8.32: Aquele que não poupou o próprio Fi-
lho, antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosa-
mente com ele todas as coisas?. Nesse texto em especial, as palavras não
poupou o próprio Filho são altamente consoladoras: elas nos ensinam
que o Pai poupou outros que seriam seus filhos adotivos pelo fato de não
ter poupado o próprio Filho eterno. Não somente a filiação dos cristãos e a
do Redentor são diferentes, como também o seu tempo. A filiação dos
discípulos de Cristo é temporal, pois acontece quando eles crêem (João
1.12), mas a filiação do não-poupado é eterna (João 17.5), porque ele o
Filho preexistente que foi enviado por Deus a este mundo.
Quando se nega a filiação eterna do Redentor, acaba-se negando o amor
do Pai por ele como o seu próprio Filho eterno (João 17.24), bem como o
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amor do Pai para com os filhos adotivos (cf. João 17.23). A base da filiação
adotiva dos cristãos é que o Redentor, o Cabeça e Irmão mais velho, é o
Filho eterno de Deus. Não existem filhos temporais sem o Filho eterno.
Muita coisa da filiação eterna está embutida na expressão não pou-
pou seu próprio Filho. Deus já havia prometido que os filhos do seu povo
haveriam de ser poupados: naquele dia que prepararei, diz o Senhor dos
Exércitos: poupá-los-ei como um homem poupa a seu filho que o serve
(Ml 3.17). A força dessa passagem depende do entendimento que se tem
do texto de Romanos 8. O mesmo só é corretamente compreendido à luz
do caso do Unigênito de Deus. No tempo próprio, no dia preparado, o Pai
poupou seus filhos porque não poupou o seu próprio Filho. Não haveria
nenhum engano em afirmar que a expressão de João Filho unigênito é
equivalente a seu próprio Filho. A singularidade da filiação do Redentor
nos dois textos aponta para a eternidade da sua filiação, que o difere da
filiação temporal dos demais homens. A beleza e a força da passagem de
Romanos 8.32 ficam comprometidas se o Redentor não for verdadeira-
mente o Filho eterno de Deus, enviado para não ser poupado, a fim de que
fôssemos poupados.
Em sua primeira epístola, o apóstolo João declara: Nisto se mani-
festou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado o seu Filho unigênito
ao mundo, para vivermos por meio dele (1 Jo 4.9). Algumas coisas são
enfatizadas neste verso, das quais não podemos nos esquivar, sob o risco
de torcer a verdade ensinada pelo Espírito Santo. Em primeiro lugar, o
amor de Deus para conosco foi revelado como sendo desde antes da fun-
dação do mundo, pois ele nos amou com amor eterno (Jr 31.2). Em segun-
do lugar, a manifestação efetiva e histórica desse amor foi quando ele en-
viou o seu Filho eterno ao mundo, pois ele já era Filho antes de ser envia-
do. O Verbo não teve que entrar no ventre de Maria para ser Filho, mas
sempre foi Filho e, como tal, foi enviado ao mundo.
O testemunho fornecido pela Escritura mostra que o Filho já era Filho
quando foi enviado ao mundo. Quando o Pai se referiu a meu Filho amado
(cf. Mt 3.17 e 17.5), ele estava afirmando que o Filho já era Filho, não por-
que havia se tornado Filho em qualquer época de sua existência humana. O
relacionamento paternal e filial já existia antes da encarnação. Além disso,
já vimos que esse relacionamento precedeu a própria criação do mundo, o
que aponta inequivocamente para a eternidade da filiação do Redentor.
7 As referências históricas abaixo foram retiradas de um artigo sobre The eternal sonship of Christ,
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8Obs.: Todas as vezes que nas citações expostas aparece a idéia de o Filho ter a mesma substância
(ou a mesma essência) do Pai implica que o Filho tem os mesmos atributos do Pai, o que aponta para a
eternidade do Filho.
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LACTÂNCIO (C.240-C.320)
Quando falamos de Deus o Pai e de Deus o Filho, não falamos deles
como diferentes, nem os separamos, porque o Pai não pode existir sem o
Filho, nem pode o Filho ser separado do Pai, visto que o nome de Pai não
pode ser dado sem o Filho, nem pode o Filho ser gerado sem o Pai [...]
Eles ambos têm uma mente, um espírito, uma substância; mas o primeiro
[o Pai] é como se fosse uma fonte a jorrar, e o último [o Filho] fosse como
uma corrente fluindo dela. O primeiro é como o sol, o último como se
fosse o raio [de luz] provindo do sol (Divine Institutes 4:28 [A.D. 307]).
ATANÁSIO (C.296-373)
Quando estes pontos foram demonstrados, então eles [os arianos]
falaram até mesmo mais descaradamente: Se nunca houve um tempo quan-
do o Filho não era, e se ele é eterno e coexiste com o Pai, então você está
dizendo que ele não é um Filho de forma alguma, mas o irmão do Pai. Ó
homens insensíveis e contenciosos! Na verdade, se dissemos unicamente
que ele coexistia eternamente e não o chamou Filho, a pretensa dificulda-
de deles teria alguma plausibilidade. Mas se dizendo que ele é eterno, nós
o confessamos como Filho do Pai, como seria possível para ele, que é
gerado, ser chamado de um irmão daquele que o gera? [...] Porque o Pai e
o Filho não foram gerados de uma fonte preexistente, de forma que pudes-
sem ser considerados como irmãos. Antes, o Pai é a fonte e o gerador do
Filho [...] É próprio dos homens gerar no tempo, por causa das imper-
feições da natureza deles; mas a geração de Deus é eterna por causa da
natureza de Deus ser sempre perfeita (Discourses against the arians 1:14
[A.D. 360]).
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DÂMASO (C.304-384)
Se alguém diz que o Filho não foi gerado do Pai, isto é, da substân-
cia divina dele próprio, esse é um herege (Tome of Damasus, cânone 11
[A.D. 381]).
AGOSTINHO (354-430)
Do modo como você fala uma palavra que você tem em seu coração
e está com você [...] assim é como Deus emitiu o Verbo, ou seja, como ele
gerou o Filho. E você, na verdade, gerou uma palavra também em seu
coração, sem preparação temporal; Deus gerou o Filho fora do tempo, o
Filho através de quem ele criou todas as coisas (Homilies on John 14:7
[A.D. 416]).
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9 Alguns pontos são retirados do livro de Donald MACLEOD, The Person of Christ, Downers
Grove, Il: InterVarsity Press, 1998.
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I.IV.VII SEM A FILIAÇÃO ETERNA FICAMOS COM UMA REDENÇÃO SEM REVELAÇÃO
A filiação eterna é tão importante que, sem ela, não há possibilidade
de uma salvação revelada. O que resta é uma salvação sem qualquer reve-
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The fourth theological oration, XX. Ver Select orations of Saint Gregory of Nazianzen, NPNF,
Second Series, v. 7, p. 185-434.
11 Apud MACLEOD. The Person of Christ, p. 129.
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lação. Não existe uma salvação sem o Filho, e salvação sem a filiação
eterna do Redentor não é salvação, porque não é salvação de Deus. Sem a
filiação eterna, Deus não teria enviado seu Filho. Portanto, não haveria
Salvador em hipótese alguma, e a humanidade permaneceria em seus pe-
cados. Não se saberia nada sobre uma possível salvação. O Filho de Deus
não poderia ser enviado e, como conseqüência, nenhuma salvação teria
sido revelada.
CONCLUSÃO
Analisamos acima a negação da filiação eterna e os textos usados
pelos adversários dela. A seguir, vimos os argumentos bíblicos emprega-
dos pelos defensores da filiação eterna, os argumentos teológicos e a base
histórica da qual os teólogos fazem uso constantemente. A filiação eterna
sempre foi defendida com todas as forças pela ortodoxia da Igreja Cristã
desde os primeiros séculos do cristianismo. Não podemos abrir mão da
filiação eterna do Redentor com o risco de perder a paternidade eterna de
Deus. Isso traria enormes prejuízos para a fé cristã, se é que tal fé pode
existir sem a noção da existência eterna do Filho, já que do Filho é dito ser
nosso Redentor.
ENGLISH ABSTRACT
In this article the author intends to analyze an aspect of Christology which
has her relatively forgotten in Christian publications, and emphasizes its
importance since the first creedal formulations. Then, the author uses arguments
drawn from Scripture, arguments elaborated by the theological reasoning and,
finally, quotes several Christian authors throughout history of the Christian Church
to defend the eternal Sonship of the Redemeer, finalizing using arguments on the
importance of this doctrine for Christian orthodoxy.
KEYWORDS
Christology; Eternal Sonship; Orthodoxy; Theology.
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