Você está na página 1de 11
O sintoma na civilizacao (O psicanalista e as latusas) Esse titulo, o sintoma na civilizagao, evoca, no momento em que thes falo*, uma data, 15 de Janeiro, data a qual se liga uma certa obsessio. Gostaria de dar a minha conferéncia uma outra antecipago, Esperamos a publicagdo proxima de um seminétio de Lacan, L'envers de la psychanalyse’, ¢ gostaria de, a partir das boas paginas que vocés poderdo ler proximamente em L’Ane? , propor um novo titulo, mais de acordo ‘com 0s ares de nosso tempo: “O psicanalista e as latusas”. Alguns nos dito que o ar que respiramos hoje esta poluldo. Lacan, na ligfo que L’dne publica, nos diz. que o que respiramos hoje é 0 que cle chama a aletosfera. As latusas, a aletostera.... ele estava, nesse dia, com finimo para invenydes verbais. las nfo sto gratuitas, vou tentar mostrar-Ihes, ¢ como vorés nfo dispdem ainda desse texto, vou rapidamente apresenté-to, Atmosfera, aletosfera A aletosfera & uma condensagao de outras duas palavras. Como podem adivinhar, esté feita a partir da palavra atmosfera - atmosfera onde se acredita encontrar-se 0 ar que respiramos - ¢ da palavra “aletheia”: a verdade. A ciéncia, que caracteriza nossa civilizagfo, conseguiu fabricar a aletosfera. E preciso insistir nisso: a ciéncia, Colette Soler aquela que comega com Newton e Descartes, @ grande cincia fisica conseguiu fazer surgir cois que nffo existem na percepeaio. Nenhum empirismo permite dar conta da cincia. Lacan retoma essa fese, ¢ acrescenta que a ciéncia s6 nasce e opera a partir de uma manipulaglio do rnaimero. Do que ele chama “o jogo de uma verdade estritamente formalizada”. O surpreendente & que, a partir desse jogo, algo de novo se produz: no mundo, Algo novo se produz, que assegura um tipo de presenga, uma presenga da ciéneia, ‘Como imaginar esta presenga da ciéncia? “Nibil fuert intellectu quod non prius fait in sensu” - nada hé no intelecto que nao tenha estado antes nos sentidos. Tese empirista, nos Lacan, que, sem diivida, podemos aplicar a cigneia, Mas, acrescenta, os sentidos, sensu, nada tem a ver com a percepgao. Eles sé intervém ao nivel da ciencia, como o que se pode contar. A iéncia s6 toma o que se relaciona aos nossos sensu ao nivel do ouvido, ou do olho, por exemplo, ‘© que pode conduzir a uma numeragiio de vibragées. Isso tem efeitos. © que cremos ser nosso mundo se encontra, por causa da ciéncia, povoado de um niimero consideravel de ondas, ¢ cessas ondas constituem a presenga da ciéncia. Vocés podem, diz Lacan, falar de 164 EBP MG oa = = atmosfera, de estratosfera e de tudo 0 que queiram como esfericidade. Na realidade, as condas contabilizadas pela ciéncia saturam 0 ‘espago de algo que tem fungo de voz - dai o termo aletosfera. Ele dizia isso em 20 de maio de 1970, Houve, nessa época, alguns problemas em ‘uma viagem no espago, na aletosfera. E ele assinalava que os astronautas haviam podido se ‘manter, porque ndio haviam deixado de estar acompanhados pela voz humana. O que ele chama a aletosfera, é 0 fato de que o “silencio dos espagos infinitos” esta agora saturado de vozes para captar. Vozes, das quais € preciso dizer, que sio, talvez, 0 que nos sustenta, o que ‘nos mantém em pé, no sentido proprio e figurado do termo. A aletosfera, para definir esse termo, é, simplesmente, portanto, o lugar onde se situam as fabricagdes da ciéncia. Estamos habituados, no ensino de Lacan, ao termo lugar. Ele nos fala do Outro, como lugar da palavra, lugar do significante. A aletosfera é outro lugar, uma diferencia¢o no ugar do Outro, se assim posso dizer, Fo lugar das fabricagdes da cincia, Em maio de 1970, Lacan evoca os astronautas, hoje poderiamos evocar a guerra que nos espera, porque ela também ndo seria mais pensével sem essas vozes que se cruzam no espago, Deixo esse ponto em uma certa discrigho. Talvez. vocés tenham visto esse filme, cexibido jé faz alguns anos, que se chamava “Alien” Ele tinha um belo subtitulo. Dizia: “no espago, niio se escuta gritar”. Um espago silencioso, um espago onde a voz niio produz onda, é ainda mais aterrorizador que a aletosfera. Aletosfera designa, portanto, o lugar das fabricagées da ciéncia. Mas que esse termo tenha se forjado com a ajuda da “aletheia”, a verdade, pode surpreender-nos. De fato, uma tese de Lacan, que retomamos freqiientemente, diz que a cincia forclui a verdade. A ciéncia nio deixa nenhun lugar, nenhuma expansio possivel, ao que cconstitui a verdade do sujeito. Isso nos imp3e examinar mais de perto o termo verdade. Lacan, ‘em geral, 0 ope ao saber. Temos a impressio de que podemos aprender o saber: enquanto articulagdo de significantes, ele procede da esséncia mesma desses. A verdade é muito mais fugidia. “Eu, na verdade, falo”. E tudo o que dela podemos dizer, ou tudo 0 que ela poderia dizer de si mesma. E para assinalar: ela ndo diz a verdade. Mas se ela fala, ela terd duas vertentes. A primeira vertente se atém ao fato de que teria que passar pelo significante. 5 sobre a vertente do significante - que, em si mesmo, niio significa nada, nem esté essencialmente conectado a verdade -, que se pode desenvolver 0 que Lacan chama “uma verdade formalizade”. ‘Trata-se de uma verdade que se reduz ao manejo de letras ¢ niimeros. fa verdade da légica, onde verdadeiro e falso se escrevem com uma letra, “V" ou “F”. O mais surpreendente & que esse aspecto opera porfeitamente no real mais conereto. # com essa vertente que se fabrica, por exemplo, a aletosfera. Bu, a verdade, falo Za~™ Aquilo pelo que ela passa, Significante, Verdade formalizada, aletosfera A verdade tem, entretanto, uma outra Vertente, que no é aquela que passa pelo fato de falar, mas pelo que ela tem a dizer. O que ela tem 4 dizer, é sobre a sorte do “operado” (“opéré”). A EBP MG, 165 verdade formalizada no opera somente sobre 0 real da fisica, opera também sobre o ser falant. E nesse nivel, ela sempre fez escutar uma sb coisa: o sofrimento. “A verdade se softe”. B uma expressiio que Lacan emprega em seu Seminario “D" un Autre & l'autre”, um ano antes de “Lenvers de la psychanalyse”. A verdade deve dizer 0 softimento que a ciéneia nfo diz. Eo sofrimento é um dos nomes do gozo. O goz0 no se confunde com o prazer misturado ao goz0 sexual, Frend teria podido dizé-lo: a verdade tom que dizer 0 softimento do sexo. O “pansexualismo” freudiano é uma palayra para expressar que, qualquer coisa que diga o ser falante, fala do softimento do ser sexuado, A ciéneia opera uma substragio. Bla nfo deixa de ter uma aderéncia at verdade, por sua vertente formalizada, mas ela subtrai precisamente a mensagem, a dimensto do “gozo do sentido” (“joui sens”). Eu, a verdade, falo “™ (© que ela tem para dizer, | Aguilo pelo que ela passa, ee soften | Significant Verdade formalizada, aletosfera psicanalista recebe essa mensagem. Nao €otinico, hé outros, ¢ talvez haja outros depois dele. Mas ele é uma das figuras que, na Civilizagao, recolhe os gritos da verdade nao formalizada. A ciéncia, por sua vez, conseguiu cortar toda aderéncia com essa substincia gozante, que constitui a desgraga do ser falante. Compreendemos, entéo, porque Lacan chama 0 espago da verdade formalizada, “a insubstincia”, A insubstincia, ou ainda, “a acoisa”(“achose”), Is50 opée 0 espago da ciéncia a0 campo freudiano, no qual nos ocupamos de recolher 0 ‘que, na verdade, niio ¢ de todo insubstincia, mas, 0 contrério, substincia gozante, substncia em Jogo na psicandlise, diz Lacan. Bu, a verdade, filo ‘© que ela tem para dizer, | Aquila pelo que ela passa, Solrimenta, ificante, Substinia | Verde for ante alstostera 3 insubsténeta, Esse termo insubstancia traz grandes conseqiiéncias: estabelece uma separagao entre ciéneia e conhecimento. O conhecimento, que Lacan critica virias vezes, comegando pelo conhecimento antigo, é uma tentativa para conectar os dois niveis da verdade. O que Ihe permite dizer que o conhecimento é, no fundo, uma metéfora da relagdo sexual, Por exemplo, toda a teoria antiga do “eidos” platénico, que dé forma a uma matéria em si mesma informe, est construida com 0 modelo da relagao do principio ‘macho ¢ do principio fEmea, com o modelo da relagdo homem/mulher. O que & coerente com a concepgio do cosmos, onde esferas se acomodam ao redor da terra, como representagio eletiva da harmonia ¢ da completude. Forme Hl Informe = M Relembro um velho filme, “Hotel du Nord”, © cérebre seqtiéncia em que Arletty e Jouvet, ‘casal dilacerado, revidam um ao outro. Havendo Jouvet evocado a atmosfera que reina entre eles, Arletty responde: “Atmosfera, atmosfera, tenho, Por acaso, cara de atmosfera?” O ar que respiramos, como véem, pode inclusive 168 = = - - = - - o = = = = - = - - metaforizar a relagdo do casal. Hoje, néio deveriamos mais dizer atmosfera, mas aletosfera, Bum poueo diffcil, admito, de dizer em uma discussio, ainda nao faz parte dos costumes. Respiramos, pois, a aletosfera, respiramos a presenga das fabricagdes da ciéncia, Quais so as conseqiléncias disso sobre aquele a quem eu ‘chamava, a pouco, 0 operado? Bem, 6 ao nivel do ‘operado que encontramos 0 que Lacan chamava as latusas. As latusas Lacan fabricou esta palavra, Iatusas, a partir do aoristo do verbo do qual deriva “aletheia®, As latusas & 0 nome dos objetos, ‘objetos (a), que so propostos aos operados. £ 0 nome dos objetos que Ihes so propostos e, inclusive, impostos, pelo tempo da ciéncia -latusa (“lathouse”) rima com ventosa (“ventouse”), € isso 6 bem-vindo. Quanto a latusa, no singular, assim empregada por Lacan também nesse texto, é uma palavra que poderia aproximar-se ao que em “Position de 'inconscient”, ele chamava a Jamela. A saber, a propria libido, a libido negativizada pelo simbolo e em busca de uma compensagdo. Daf meu titulo. Propus “o psicanalistae as Iatusas”, precisamente porque 0 psicanalista, em seu ato, deve colocar-se em relago com a latusa, ¢, por outro lado, tem que lidar com as latusas, no plural, as quais podemos fazer equivaler aqui aos objetos. Por que nfo izer simplesmente os objetos? Por que Lacan faz ‘uma construgo para chamar a isso, latusas? Precisamente para nos dizer que o objeto nfo est fora do tempo. Nio &, hoje, o que era na época de Péricles. E provavelmente nao é hoje, o que sera daqui alguns séculos, se ainda houver seres falantes. E que o objeto € fungdo dos discursos. ei ago. B fungao dos discursos que definem a civilizagio, e nossa civilizagao, precisamente, ¢a civilizagio da ciéncia ¢ dos objetos que ela gera. Entio o psicanalista tem que lider com as latusas, nna medida em que as latusas é 0 nome que tomam, hoje, as causas do desejo. Nos dias atuais, sea tese de Lacan estd correta, é a ciéncia que governa nosso desejo, A ciéncia ou seus efeitos, suas conseqtiéncias. O que ressoa com meu primeiro titulo, osintoma na civilizagio. Falta-nos, nto, ser mais precisos sobre o que especifica nossa civilizagio. © discurso do capitalismo Em “Télévision”, em 1972, Lacan emprega a expressti “discurso do capitalismo”, para caracterizar a nossa civilizagto. ‘Quatro anos depois de1968, a consist2ncia, a forga e a presenga de referéncias marxistas eram, evidentemente, muito diferentes do que sto hoje. Durante esses anos, nada do que se pensava na Franga podia economizar a referencia marxista, Atualmente, estamos quase na situayo inversa: nada do que se pretende pensar, ousaria passar pela referéncia marxista, Hi quase uma vergonha ligada a esta referéncia, que também serd provavelmente corrigida, Lacan falava, centfo, de discurso capitalista. Ndo porque tenha ‘ido uma inclinagao para aderir a0 evangelho ‘marxista, uma vez. que ele considerava que 0 ‘marxismo era um evangelho - mas sim que ele evou Marx a sério, a0 ponto de fazer dele 0 inventordo sintoma, Lacan designava como diseurso capitalista a modificago que a ciéncia submeten ao discurso do mestre. O discurso do mestre ¢ 0 significante no poder, o significante um, o significante do mestre no posto de comando. O que ocorre no EBP MG 167 discurso do capitalismo? A énfase é posta sobre 0 trabalho do saber cientifico. O saber trabalha na produc das latusas, dos objetos mais-de-gozar. Podemos dizer que esse saber trabalha sob 0 comando do discurso do significante mestre? Certamente que nio. Escrevemos da seguinte ‘maneira o saber que trabalha e tem, como efeito de produgao, a protiferagao dos objetos de nosso mundo: <=. | significante mestre comanda o trabalho do saber, no discurso do mestre: eee eae oe Com a ciéncia, pelo contrério, temos que lidar com um saber sem mestre, um saber que nada pode deter. Lacan evocou isso freqdentemente: os proprios sdbios certamente no so mestres para deter o saber. Sibios, considerados entre os maiores, se alarmam, tal é © caso de Oppenheimer - Lacan o recorda em varias ocasiées - formam-se comités de ética, como sobre a genética atualmente, mas todo mundo sabe que isso nao detém nada, quaisquer {que sejam as ameagas que pesem sobre a propria vida. O “mal-estar na civilizago” continua sendo nossa referéncia, ainda que as coisas depois tenham tomado uma extenstio completamente incomparivel com a época de Freud. O saber jé niio obedece, ¢ isso levou Lacan a propor, por uma vez, inverter a ordem das letras do discurso do mesire - trata-se, efetivamente, da tinica vez cm que ele fez essa transgressio da ordem légica da sucesstio das letras nos quatro discursos. O sujeito vem no lugar do mestre: aa 5 a Ele inverteu para significarmos, primeiramente, que o saber que trabalha na produgo das latusas nao obedece ao significante mestre, E isso escreve também uma transformagao do proprio sujeito. Uma transformago do sujeito que se emancipa do significante mestre, do significante que, em um, ‘momento, o representa. Trata-se de um ponto que necessita maior explicago, Em todo easo, significa que o discurso capitalista € a ruina do mestre, do mestre antigo, que governa em nome de seu nome de mestre. Ruina do mestre, sucesso de qué? Bem, um outro mestre aparece, que nfo €08,, que é 0 que escrevemos (a), o qual toma, ‘em nossa civilizagéio moderna, a forma concreta do mercado, do mercado de latusas. Entio, se ‘edefinimos nossa civilizagéo cientifica como.a igo onde 0 desejo do sujeito (pois $ designa também 0 desejo) se encontra ao servigo das produgdes do mercado, como redefiniremos 0 mal-estar? Lacan, no seminério D'un Autre & l'autre, nos dé uma definigo muito sintética e muito esclarecedora do mal-estar: 0 mal-estar na civilizagdo consiste em gozar da reniincia 20 goz0. ivi Trata-se de uma expresso aparentemente paradoxal, mas aproximemo-la do texto de Freud. A tese de Freud, em 0 “Mal-estar na civilizagio”, enfatiza a rentincia ao gozo. Enfatiza 0 fato de quea civilizagao exigiria, cada vez mais, sactificios do sujeito, pediria a ele para sacrificar cada ver.mais seu gozo. Hi, em Freud, a idéia de ‘um supereu privador do gozo. Este ponto parece simples, mas é preciso acrescentar que Freud defende, também, que ha na submissio & cexigéncia do supereu, que quer cada vez mais, uma forma de gozo em si mesma. O sofrimento daquele que sucumbe ao supereu é um goz0. 168 EBP MG = - oo = = - = - - - - - - Lacan retoma isso com a idéia, que serd desenvolvida em “Radiophonie”, de que nossa civilizagao da ciéncia e do capitalismo avanga contra 0 que ele chama a aspiragao da falta de ‘gozat. Como se apresenta, em nosso mundo, esse gozar da reniincia ao gozo? Qual é a figura cotidiana? Como se apresenta hoje, para cada um, 1 satisfagdo da reniincia ao goz0? Penso que a figura maior disso € 0 trabalho. Estamos na época do trabalhador. “Trabalhadores, trabalhadorast...” £ assim, como ros bons tempos dos partidos que queriam encarnar o pensamento marxista, que se interpelava o proletariado. Nada de “Senhores, Senhoras!”. Isso é para o burgués. Quando se fala ao proletariado, se diz: Trabalhadores, trabalhadoras! Atualmente, isso jé no é mais que um resto, mas houve um tempo em que isso ressoava poderosamente, Fago-os notar que nés ‘mesmos, psicanalistas, Escola, estamos promovendo o trabalho. Estamos promovendo, idealizando o trabalhador decidido. Prestemos atengfio em nos assegurar em que ele trabalha. Porque ha varios trabalhadores que nfo trabalham necessariamente na mesma coisa. Todos trabalham atualmente: jé no ha mais os que vivem de rendas, ¢ faz muito tempo que os nobres desapareceram, e mesmo 0s ricos trabalham: eles devem administrar sua riqueza e isso é um trabalho. A maior forma de rentincia ao gozo & hoje, o trabalho, e é certo que, nesta remtincia, ha uma satisfado propria. E certo que se nfo se gozasse também do trabalho, nio se trabatharia tanto, Portanto, o trabalho é reniincia ao gozo da vida com que se pode sonbar, agradavel, tranqiila. Rentincia também ao gozo das riquezas que se gasta em produzir, mas esta rentineia traz, a0 ‘mesmo tempo, sua pequena bonificaso, Um outro aspecto da rentincia ao gozo se encontra no consumo de bens. Os bens siio todos cesses objetos que 0 progresso da ciéncia colocou ‘no mundo, todos esses objetos que fazem nossas vidas pretensamente mais confortveis e mais seguras que antes... As méquinas que nos rodeiam, nos sustentam com uma extensfo tal, que basta imaginar, por um instante, um corte ‘eneralizado - nto mais eletricidade, nfo mais lavadora de roupas, nfo mais rédio, nfio mais trem -, para nos encontrarmos no meio de uma catéstrofe de ficglo cientifica. Todos esses objetos so bens que facilitam a vida, mas também algo imposto ao nosso consumo, a0 nosso deseo, Objetos impostos mais do que oferecidos, e que, por um circulo vicioso, nos obrigam a trabathar muito para adquiri-los. Podemos, por outro lado, fazer um paralelo entre as palavras impostas da psicose com os objetos impostos da civilizagao. A questi é, sem davida, esta: aplacar o imperativo do supereu que empurxa & ren(incia de gozar, mas que, ao mesmo tempo, mantém 0 goz0? Aplacé-lo com as latusas? Em ‘outras palavras: podemos pensar um instante em éncia e seus produtos chegardo a reduzir osintoma? Lacan dizia em 75, durante a conferéncia pronunciada em Roma e que ele chamou “La ‘toisiéme™, que o sintoma vem do real que se poe na transversal (“se met en travers”), Em “La science ef la vérite” escreve, pelo contrario, que 0 sintoma tem como causa a verdade. Podemos articular as duas teses: 0 real que se pde na transversal para 0 operado em questo, 0 operado pelo significante, é precisamente a parte da verdade que se sofre. O real, que funda o sintoma possivel quea EBP MG, 169 de cada um, é aquilo que, a cada um, Ihe torna impossivel marchar pelas vias comuns. O sintoma 0 que cada um tem de mais particular e também de mais real. O sintoma é precisamente o que faz ‘com que cada um, em alguma coisa, no consiga, de mancira nenhuma, fazer o que lhe & preserito pelo diseurso do seu tempo, Cada um, certamente, recebe as prescrigdes do discurso por vias particulares. Isso passa, geralmente, em primeiro lugar, pela familia, pelo paie pela mie, ¢ a seguir por toda a educagio, E depois passa também pela voz, pelas grandes vozes do ‘mercado, pois este conta com muitas bocas. So as grandes vozes postas, pela midia, ao servigo do mercado das latusas ¢ que vos dizem com quem devem parecer. Com quem devem parecer para estar em dia, para estar em forma, para parecer Jovem o maior tempo possivel, para parecer um homem que é verdadeiramente um homem, para parecer ~ se vooés so empresérios - um ‘empresario que tem verdadeiramente a agressividade comercial necesséria, para parecer a mulher que tem que ser, a mae que tem que ser ¢, inclusive, a crianga que tem que ser. Todas essas vozes que, no fundo, nos dizem o que temos ‘que consumir para ser um sujeito em consonancia com 0 seu tempo... bem, ocorre que, em cada um, hd um ponto onde isso (“ga”) resiste. 05 sujeitos no chegam a ser completamente idénticos & grande voz da proscri¢&o uniformizante, uniformizante sobretudo por eategorias: crianga, mulher, av6, primeira ‘dade, terceira idade, em breve quarta, etc. Isso é o sintoma, simplesmente. O mercado das latusas nio consegue finalmente absorver completamente 0 desejo dos sujeitos, tomados um a um. A ‘empresa de universalizagao da ciéncia choca-se contra o sintoma, e a psicandlise depende disso. A. psicandlise, seu futuro, sua existéncia, depende do triunfo ou nfo da universalizago da ciéneia, ‘Trata-se de saber se a cincia conseguiré, com seus “gadgets”, fazer esquecer a auséncia da relagdo sexual. Se isso ocorresse, um futuro de Kant com Sade nos seria prometido. Nao desenvolvo este ponto. © sujeito moderno Retorno a psicandlise, Os psicanalistas tém que lidar com o sintoma e com a parte do sujeito que no consegue se universalizar, se universalizar segundo a via moderna, Pois ha varias vias. A universalizagio pode fazer-se por umn S,, um mesmo significante para todos, mas pode também fazer-se, € o que se descobriu nos tempos moderns, néo por um S, do ideal, mas por um mercado tinico, um mereado comum. ‘Temos um futuro de mercado comum. Isso corresponde a um fendmeno muito preciso dos tempos modemos, a chamada desaparigao dos valores, Todo o mundo proclama isso, em todas as partes, ninguém respeita mais, nada, jf nfo ha pacto que valha no mundo. Sé hi uma coisa que vale, é a lei do mercado. Evidentemente, sempre ha retardatarios. E simpético, mas ndo est no espirito dos tempos, que & 0 do fracasso dos semblantes. 'Nossos sujeitos ndo sto aqueles de cingtienta anos atrés. HA sintomas novos. A propria neurose mudou desde Freud. Escutemos 0 destaque que ele deu, no comego do seu ensino, ‘a0 que chamou conflito subjetivo, conflito entre os ideais e as pulsdes. Temos af um “topos” freudianos bem s6lido: um sujeito dividido entre seus ideais e suas pulstes. Tomem o exemplo do “Homem dos Ratos”, Esse é um homem de ideais, Um homem que tem ideais militares, 170 EBP MG, ~- = om = = valores, alguém que enxerga com maus olhos as suas préprias pulses, agressivas, nfo muito Jimpas, etc. Faz muito tempo que as neuroses perderam esse lado de luta maniquefsta, Isso estava em Freud, Freud era um homem de outro tempo, niio muito na moda, como diria Lacan, O que vemos agora? Os norte-americanos nao inventaram “in abstracto” o “boderline”, uma ‘categoria que nfo corresponde a neurose freudiana, nem a psicose manifesta, ¢ que recobre, acreditam eles, um entro-duas. © mesmo se passa com @ categoria do psicopata. Por outro lado, no so eles que inventaram os toxicdmanos, Os toxicdmanos se inventam sozinhos, se assim posso que eles encontram em seu tempo. Podemos falar, com raziio, de um sujeito modemo, Um sujeito dividido, isto é habitado pela falta, uma falta que os valores ndo cobrem, e que se encontra diretamente confrontada com os objetos susceptiveis de restaurar essa falta, fi surpreendente que todos esse sujeitos, aos quais sedenomina “boderlines”, psicopatas, toxicdmanos, inclusive personalidades nareisicas + certamente temos que tomé-los, um por um, isso est no prinepio mesmo da psicanilise, mas nés vamos abord-los aqui a partir da problemética do sujeito moderno -, todos esses sujeitos tém um trago em comutn, Bsses sujeitos nfo so abalhadores. Em relagaio a esses sujeitos, se poderia perguntar se seu trago nfo residitia nisso, ‘que niio pode chamar-se “objegiio de consciéncia”, trata-se de algo mais forte: uma “objegdio de fato”, Fazem objegao de fato a0 ‘grande imperativo de ter que consumir os bens do mercado ¢ de ter que ganhé-los, pela via do trabalho prévio. No é mais que uma conjectura, ‘mas uma conjectura que sul r, Bragas aos meios abordar os casos elinicos fora do que constitui sua Spoca, a civilizagio na qual sto tomados. ‘Muitos outros fenémenos respondem ao fato de que Tepresentante. Dai o sucesso das biografias. O que é uma biografia? Isso opera no caso a caso, ‘No um por um, como em psicandlise. Desse modo, faz valer, aos olhos do mundo, como um sujeito se sujeito moderno perdeu seu arranjou com os embaragos do sexo e da vida. ‘Uma biografia eleva um sintoma a0 exemplo e lhe 46 nome préprio. A biografia toma precisamente ‘que, em um sujeito, nifo entra no movimento da homogencizagio, no movimento do “como todo mundo”, isto é, seu sintoma, e faz.dele um ideal. A multiplicagao das biografias corresponde a um ‘movimento de idealizagiio do sintoma, O clamor da humanidade O psicanalista tem que lidar com tudo iss ‘Tem que lidar com o que Lacan chamou da “Note italienne™, “o clamor da humanidade”. O clamor, boa palavra, que faz assondncia, como por acaso, com desgraga'*. Se nao me equivoco, Lacan a utiliza em outra ocasido, no semindrio sobre a angiistia, onde fala do clamor do “shofar”. No dia do perdiio se toca o “shofar”. A religido diz que & para convidar os homens para lembrar de suas faltas. Lacan propde que trata-se, antes, de lembrar a Deus, para que nfo se esquega dos homens. Nessa ocasido, ele emprega a expresso “o clamor da culpa’, O “shofar”, como clamor da culpa. O que ¢ ento o clamor da humanidade? a verdade que vocifera. A verdade nao formalizada, a parte da verdade que se goza, se goza na dor e se clama. O que se demanda ao psicanalista? Ha a demanda de cada paciente, E ha a demanda social, a qual esté prestes a mover-se, como EBP MG 171 voeds, talvez, saibam. Demanda-se a0 psicanalista acalmar este clamor. Ou seja, reduzir 6 sintoma, reduzir a vociferagto, Pede-se que ele se contraponha a este real do sintoma, Pede-se que reduza o que atrapalha o éxito dos “gadgets”, das latusas. Diria que se pede ao psicanalista que faga passar do clamor ao “ealmor”", Isso seria uma condensagao, uma outra, entre calma e “costumes”. Pede-se que ele faga entrar 0 sinfoma, no que Lacan chama, cm um momento, a apatia do bem universal. 8 uma demanda, Mas trata-se de um desejo? O psicanalista sabe que, em geral, nio se deseja o que se demanda, A pergunta se coloca de todos os modos: 0 psicanalista trabatha para reduzir 0 sintoma? E a pergunta do terapéutico. A demanda terapéutica € exatamente esta: fazer passar do clamor do softimento ao calmor, a0 repouso. Ha duas vias para a psicandlise, Trata- se de um debate presente, ha muito tempo na opinio, que era particularmente intenso em 1968, justamente, Os estudantes, os astudados astudés”), como disse Lacan, se levantaram contra 0 saber universitario, einterpelam a psicandlise, para perguntar-the se trabalhava para a adaptagio a0 mundo capitalista, ou se trabalhava para a verdade particular do sujeito. ‘Ou um ow outro. Nem totalmente um nem outro, diria, pois € muito raro que uma psicanslise opere sem nenhum efeito terapéutico, sem nenbum efeito de alivio do sintoma, Por isso, Lacan devia insist no fato de que a ética analitica se situa mais além do terapéutico. A demanda & terapéutica, e concebemos que seja necessério um desejo de analista muito decidido, para se comprometer com a causa inconsciente contra a ‘causa do mercado, © que € a causa do inconsciente? O alcangat. O inconsciente ¢ imedutivel e a psicandlise tampouco o reduz. O inconsciente & inredutivel porque se atém & alingua (Ia langue). Nesse sentido, se comprometer com a causa do inconsciente nao é se comprometer com a causa da transferéncia, do sujeito suposto saber. O inconsciente é um “saber sem sujeito”. O que quero assinalar, hoje, é simplesmente isso, Esse saber condiciona, constitui a verdade particular, propria de cada sujeito, Entao, nio ha sento verdade particular, propria de cada sujeito para responder ao mal-estar. © verdadeiro se confunde com o singular. Bem, se comprometer com a causa da singularidade de cada um, se colocar a0 setvigo dessa verdade, supde um desejo que se poderia qualificar como inhumamo, ciente é um saber, um saber impossivel de Um desejo inhumano ‘Aqui bumanidade -“pretensa humanidade”, esereve Lacan - no é para ser entendida no sentido da bondade, suposta conatural a todo ser hhumano, mas humanidade enquanto fabricada pelo discurso, enquanto esse termo designa o que ha de universal em cada um. E preciso resistir a0 clamor da humanidade para fazer produzir a verdade singular do sujeito. O clamor da pretensa humanidade 6 0 clamor da humanidade que no quer curar-se, é 0 clamor de uma humanidade que goza com a sua vociferagdo. fi preciso contrariar humanidade que esté no analisante, Desde esse ponto de vista, a escolha é exeludente: ou 0 psicanalista contraria a humanidade universalizants, ou contrariao sintoma. Evidentemente, 0 desejo do psicanalista nfo é 0 de contrariar 0 sintoma, o desejo do analista é analisé-lo, isto 6, fazer valer a verdade que ele culta, Entio, os psicanalistas tém que lidar com 172 EBP MG, as latusas, Tém que lidar com as latusas, pois as latusas sfo todos os objetos que se apresentam ‘como testas-de-ferros da causa do desejo. 0 psicanalista tenta se por em relagio com 0 que seria a latusa, 0 objeto singular que nfo 6 um produto do mercado, esse objeto, do qual Lacan isto 6, que sua esséncia disse que nfio tem id no participa do pensamento, do significante, Construi aqui, seguindo as indicagdes de Lacan, a posi¢do do desejo do analista, como sendo, no fundo, antikantiana. O psicanalista é aquele que sabe que 0 que chamamos 0 sujeito do inconsciente, & 0 sujeito que no pode ser universalizado; esta é sua verdade, seu sintoma. E depois de tudo, para um psicanalista, o que constitui um ser, & 0 que o define como ele mesmo, E toda psicandlise, Lacan o disse sempre, deve conduzir a um: tu és isso. Tu és isso a0 nivel de tua particularidade, ndo semethante a nenhuma outta © psicanalista © 0 mercado Isso nos coloca frente & figura de um psicanalista, cujo desejo constitui um rebotalho da humanidade, se por humanidade entendemos 0 universalizavel. £ preciso, entretanto, admitir que © proprio psicanalista é um objeto do mereado. & um objeto oferecido a todo sujeito, que pode uss: lo, se assim quiser. Ha uma oferta, uma oferta psicanalitica na civilizagao. I preciso, entio, se perguntar como a civilizagfo pode tolerar um objeto como o psicanalista. No grande mercado das latusas surge o psicanatista, que protende ser ‘um objeto novo, um objeto singular, uim objeto nao integrado ao mercado. Notem, ais, que, como todos os objetos do mercado, ele necesita promotores. NEo retrocedamos. Quem so os promotores do psicanalista? Seus primeiros promotores sio os sujeitos suposto saber. Freud, primeiramente, que elaborou um saber, depositou-o em seus textos & conseguiu transmiti-lo, Ble conseguiu convencer a sua época que havia um saber ali, um objeto de valor. E depois esta Lacan. E todos os psicanalistas que, no fundo, contribuem, com seu trabalho, para sustentar 0 saber que é preciso para produzir este objeto. Nesse sentido, 0 psicanalista entraria, talvez, no matema que comentei, no qual o saber cientifico, 8,,trabalha para produzir os objetos do mercado, as Jatusas, (a); ean Com a excegio, que o matema do psicanalista se escreve no sentido inverso: S 1 Podemos perguntar se a civilizagio vai ssuportar ainda por muito tempo, os psicanalistas. ‘io é seguro. Todos os paises do globo mio toleram o psicanalista. HA paises onde & absolutamente excluido que a psicandlise se instale no momento, porque as condigdes do discurso no o permitem. E nos lugares onde ela esté melhor implantada, na Europa, na América do Sul, o edu se nubla. A Escola Européia de Psicandlise era uma urgéncia, Porque nos paises europeus, 0 Estado comega a regulamentar a psicandlise, Na Itélia, regulamentou as psicoterapias ¢ ja no se pode mais operar como psicanalista sem respeitar a lei que regulamenta feito ja as psicoterapias. Na Alemanha, isso es hha muito tempo o a psicandlise est moribunda, apesar de algumas pessoas que tentam levantar 0 nariz sobre a superficie, Na Franga, nfo EBP MG 173 chegamos de fato a isso, porque aqui existiu Lacan. © poder nio pode ignorar que existiu Lacan e que seu ensino esta vivo. Na Espanha, ha veleidades de fazer o mesmo que na Itélia. Na Inglatefra, isso ja esta em vias de se realizar, O passe Eyoco uma atmosfera densa, gostaria de {erminar minha intervengao com outro tom. Mantemos atualmente um debate sobre o lugar do passe na Escola de psicanilise. Propomos instaurar o passe na entrada, em uma Escola de psicandlise, Isso tem um sentido frente as ameagas que se apresentam, No passe, um sujeito que tenha feito uma psicandlise, que se tenba tomado psicanalista, o que nem sempre acontece, o que tampouco, ¢ obrigatdrio, tenta justificar sua pretensao de ocupar 0 lugar do analista. Tenta justificd-la, porque ele soube deduzir de sua propria anilise, porque sua propria andlise he fz aparecer. No passe, se demanda a0 sujeito que fale de sua psicanlise e deixe perceber como, de sua psicandlise, péde surgir um possivel psicanalista. O lugar central do passe, em. uma Escola, & correlato do empreendimento de sustentar o saber que & preciso, para que o objeto Psicanalista continue tendo primazia sobre 0 mercado, ‘Trata-se de um saber particular. Mais além de um efeito terapéutico, mais além de um efeito «de mudanga ao nivel do softimento do sintoma, a psicandlise tem objetivos de saber, de verdade epistémica, Bla visa fazer perceber ao sujeito 0 que ele era, E uma diferenga entre a psicandlise e as psicoterapias, existe uma outra, ao nivel da forma de operar. As psicoterapias, que obtém, as vezes, resultados, os obtém mesclando os sentidos. A ambigio da psicandlise, segundo a oricntagao lacaniana, é operar a partir da propria verdade formalizada. A psicanilise recebe a verdade que se sofre, enquanto a ciéneia a forclui. Mas os psicoterapoutas, os sacerdotes, todas as associagées, que sfo feitas para isso, recebem também o sofrimento, Em qué se diferencia o psicanalista? Ele recebe o clamor da verdade que se softe, mas, ¢ nisso ele se aproxima da ciéncia, pretende operar sobre ela a partir de sua causa significante, isto é, por meio de uma aposta no que poderfamos chamar 0 saber, © a verdade formal. O passe tem a mesma ambigdio. No passe, se demanda ao sujeito que testemunhe, que transmita, que faga saber 0 resultado de sua anilise, Ble deve fazer saber como acedeu, a partir de sua andlise, 2 um desejo inédito, o desejo de saber. Notas 13, Lacan, “Le séminaire”, Livre XVI, L’envers de la psychanalyse, Seuil 1991. 2LAne, n. 45, janvier-mars 1991. 3 J. Lacan, “La troisiéme”, Lettres de LEP, n.16, ‘nov. 1995, pp. 178 eseguintes, 4 J. Lacan. “Note italienne”, Ornicar?, n.25 * Conferéneia pronunciada em Nantees (Franga), em 12 de janeiro de 1991. ** NT Em francés, “clameur” e “mathew “** NIC. Soler faz um jogo de palavras entre “clatteur” e “calmeur” (neologismo criado por ela). Traduzido do original em francés “Le symptéme dans {a civilisation (Le psychanalyste et les lathouses)", “Travaux, n.6, Nantes, 1991, p.42-49. Tradugdio: Oscar Cirino 174 EBP MG, VULULLLLLLVLUREVTVURURVTRTTTURVUDVVRVVARTITT Ter

Você também pode gostar