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ONE TRACK

Introduction

Em 1981, o artista afro-americano David Hammons (1943) realizou dois diferentes trabalhos
com a famosa escultura monumental de chapas de aço corten verticais, T.W.U, de Richard
Serra, de 1980. O primeiro foi um acontecimento: junto ao amigo Dawoud Bey, Hammons é
fotografado por ele em uma série que ilustra o ocorrido, primeiro o artista posa em frente à
escultura já pixada e com lambes colados, depois se afasta da câmera e se vira, urinando
na escultura, em seguida é registrado entregando um documento a um oficial da polícia.
Este trabalho obteve o título Pissed Off. No mesmo ano, em um segundo momento, o artista
realiza uma intervenção na mesma escultura, colocando no topo dela 25 pares de tênis
amarrados pelos cadarços, que foram jogados, um a um, do chão para o alto, acima de 10
metros de altura. Este trabalho foi nomeado por Shoe Tree.

Medley (Parte I)

“Pra falar a verdade pra você mano, aqui ninguém é milionário não. Mas sabe do que é que
a gente é milionário? Nóis é milionário de felicidade meu parceiro. Porque a felicidade sim é
a ostentação”, introduz o Mc Ruzika ao apresentar sua nova composição, em um vídeo
postado em 2014 em suas redes sociais na internet.

Enquanto Ruzika prepara conscientemente seus fãs para o que seu novo Funk os reserva,
sua face se mantém totalmente séria. Mas ao escorrer da boca do Mc a palavra “felicidade”,
ele abre um leve sorriso. Quando o discurso introdutório acaba, seus olhos pulando, indo e
voltando de onde se encontra a letra da música ao olho da câmera, em que se acha seu
público, surgem sorrisos curtos de canto de boca em sua face, flagrando cada Punchline de
suas rimas.

Bonde dos Milionários inicia assim: “Ma-lo-quei-ro nato/ problemático/ re-vo-lu-cio-ná-rio/ e


poético/ No mundo onde as notas de cem/ valem mais que a própria personalidade/ Eles
compra o que nóis tem/ mas não compra a nossa originalidade”.

Imagine que escrever sobre um artista saído de movimentos legítimos que almejam a
superação, o progresso e a prosperidade poderia ser o mesmo que escutar a música de
Ruzika enquanto, literalmente ao mesmo tempo, compra no mercado secundário pedras
meteoríticas vindas da lua para usá-las em uma exposição de arte contemporânea em uma
cratera astronômica em Parelheiros. Talvez algo parecido tenha ocorrido com o artista
Daniel de Paula ao se deparar com o novo álbum do Produtor e rapper Kanye West,
enquanto definia a compra da passagem da diretora de astronomia do Museu Nacional à
São Paulo, a fim de, com ela, palestrar. Contextos muito diferentes que, sem muitas
cerimônias, se embrenham num sujeito representado neste ensaio, e que definitivamente
une contextos antes inconversáveis.

A felicidade provinda pelo encontro entre aqueles que vieram dos mais diversos contextos
não é um estado, nem uma mera experiência, mas talvez para o que se encontra, para dele
Produzir felicidade. Como se, Produzir uma Mixagem de representações não fosse a
felicidade, mas que o encontro dela com o mundo nos fizessem felizes. Cada representação
apresentada por PJota em Medley entre as molduras pintadas e os planos de fundo
construídos ou apropriados não são simples reajustes de beleza na imagem, mas sérios
Traps ou Boom Baps que celebram o estar junto. Um filósofo, um romano, um africano, um
adesivo de banca de jornal e um tribal se abrigam num estilo Vaporwave nos fundos
metálicos de suas pinturas-instalações. É que a felicidade aí não se pode retirar dos sujeitos
representados, mas desse “entre” invisível que constroem sua composição, como num Hit
do Funk de 2017, que usa uma flauta de 1723 e celebra com isso a simplicidade e
elegância em terem se encontrado.

O sorriso gerado de uma Punchline está na beleza do encontro entre o conhecimento do


que se fala, a sabedoria em como escolhe as palavras e no entendimento que se espera do
outro sobre o que está a dizer. A forma aí é a condição, o estado dos sujeitos e das coisas
no mesmo tempo e espaço. No refrão de Bum Bum Tam Tam encaixado com as notas de
Bach, Produzido e Mixado pelo compositor Mc Fioti, a Punchline se reconhece do mesmo
modo como de quem escuta uma imagem de PJota em Medley. Pois este que sorri ao
compreender que o que tem alí dos anos 1990 rima junto ao barroco, que o greco-romano
conversa eruditamente com o Rap e que o Pop trava um jogo de xadrez com o africano,
reconhece feliz o encontro.

Medley é a expressão norte americana para a palavra francesa pot-pourri, que significa, em
uma Produção musical de um mesmo autor, a união harmônica de diversas músicas,
versos, refrões e etc. em uma única faixa, sem a necessidade de se manter em um mesmo
tema. A prática do Medley remonta-se desde o século XVIII, quando maestros de óperas
clássicas abriam espetáculos misturando trechos de outros compositores.

PJota é um Beatmaker que também Produz, reMixa as Produções do mundo a si e volta a


soltar no mundo como um Produtor musical. O Sample, algo intrínseco ao Gangsta Rap e à
uma diversidade de estilos musicais, é a criação necessária para encontrar e gerar novos
Beats. Apropriar-se é, nesse sentido, naturalmente expropriar da origem, sem esvaziá-la,
dotando-a de uma ressignificação contemporânea ao mesmo tempo que valorizando-a
ainda mais, por sua existência no passado. O Dj assim celebra com felicidade o encontro do
passado no tempo presente, propondo que o futuro o Sampleie, pois deseja que um
Beatmaker lhe re-re-Produza, do mesmo modo com que PJota reivindica uma
atemporalidade mítica nos misticismos de seus trabalhos.

O refrão de Bonde do Milionários de Mc Ruzika, propõe o que neste Medley tenta-se


apregoar: “E quando nóis che-go/ A festa co-me-ço/ É sempre assim ne-go/ Bonde dos
milionários”.

“Tiro, Porrada e Bomba”, um jorro de Beats para cima dos emocionados. Como disse a
funkeira Valesca Popozuda em Beijinho no Ombro, ao aludir a o que enfrentaria quem
tivesse interesse em confrontá-la. A felicidade encontra os milionários quando eles
encontram a festa, e vice-versa.

Cypher - (Parte II)

A prática do Medley no mercado e cultura do Funk é um tanto difusa e não se configura


como o que foi descrito há pouco, como um pot-pourri. Ao invés de um Produtor musical ou
Dj Mixar em uma única faixa uma quantidade alta de músicas de diferentes compositores,
rearranjando seus refrões e Beats, no Funk pode-se facilmente ver um encontro entre
diversos compositores re-apresentando suas músicas já conhecidas junto a outros Mcs
convidados, que, muitas vezes, são ainda desconhecidos pelo público.

No Funk, costuma-se nomear Medley o que no Rap se entende por Cypher. Pois,
sinteticamente, Cypher é um encontro entre compositores a fim de Produzirem uma Track
com suas curtas letras. Track é, neste ensaio, também as obras de PJota. Cypher é uma
expressão norte americana que se refere a união de alguns rappers para fazer um som, ou
melhor, escreverem acerca de um tema ou simplesmente unirem letras pré-existentes a fim
de, sequencialmente, se apresentarem em uma música ou clipe. Popularmente, acredita-se
que um Cypher ocorre por meio do encontro entre rappers que, por estarem juntos,
improvisam algumas rimas. Porém, tanto um Cypher clássico de alguns 5%ers quanto um
atual da nova geração são gerados por meio de novas rimas escritas previamentes pelos
rappers que são convidados a gerá-las no encontro com os outros.

Five Percenters é a expressão que o ex-membro da Nação do Islã, Clarence 13X, usava
para denominar os pertencentes a Five-Percent Nation, ou também Nação de Deuses na
Terra: organização religiosa, educacional e política criada por 13X, que recebeu muitos
adeptos jovens pelo Harlem (NY) da década de 1960. Em 1970 a cultura Hip Hop se
espalhou por New York, saindo do Bronx e alcançando rapidamente o Harlem, fazendo dos
estudiosos jovens 5%ers rappers politizados influenciadores de outros rappers. Dentre a
nomenclatura própria criada e empregada entre os Five Percenters como códigos em
espécie de uma cabala, chamada por eles de Matemática Suprema, havia o termo e
símbolo Cypher, que nada mais é que a derivação do número zero em árabe. No código da
organização, o zero representaria a potência do círculo, que uniria assim o conhecimento, a
sabedoria e o entendimento de modo claro e reflexivo, responsável pelo círculo de
influência pessoal de cada sujeito, sobre o qual cada um teria proximidade, autonomia e
controle, assim como ocorre na rima em Bonde dos Milionários.

O zero, um círculo, a representação da plenitude em algumas culturas e religiões orientais,


nos lembra também a roda, ou melhor, as rodas de dança. Daí, surge a outra história das
Cyphers, também do Hip Hop. Antes mesmo de o Rap se consolidar dentro da cultura Hip
Hop, os B-boy e B-girls Produziam encontros nas ruas para promover e testar novos
passos. Eles chamavam de Cyphers as formações em roda que faziam antes mesmo de
surgir o primeiro Mestre de Cerimônias nas Block Parties do Brooklyn. Assim, o zero, o
círculo e a roda fazem do termo a união, o encontro entre os poetas e dançarinos.

O Medley experimentado narrativamente comigo, PJota, Mc Rukiza, Daniel De Paula, Mc


Fioti, Bach, Kanye West e Valesca Popozuda na primeira parte deste ensaio, é uma Cypher
autorreferente que celebra a apropriação como tema e a expropriação como prática
inventiva.

Esta exposição nomeada Medley é um Cypher.

Circle - (Parte III)

O Cypher realizado por PJota não é um encontro entre autores que reivindica ao seu círculo
de influência profissional uma Produção conjunta de um Single. Em seu Cypher, as
representações apropriadas são sujeitas de si mesmas, no sentido de que as influências do
Beatmaker retornam também Mixadas por ele, como num claro Sample que dá voz ao
compositor apropriado. O que elas transparecem vai além da generalidade de onde saíram:
África, Grécia, anos 1990, Bancas de Jornal e etc. Os compositores que se encontram a
convite de PJota realizam um Medley bem Produzido que sintetiza temas específicos:
filosofia, cultura negra, mitologia grega, crime, misticismo e moda. É o que ocorre, por
exemplo, com o azul do fundo de Cada cabeça uma sentença, pigmento específico do norte
do Marrocos, adquirido em uma cidade chamada Chefchaouen, que se torna característica
por ser quase em sua totalidade pintada de azul, pois sua população acredita que a cor a
aproxima do céu.

E, por conta disso, seria importante juntar a esta roda do ensaio um caso grego entre a
filosofia e o crime, que dispara até hoje especulações, do reconhecido crítico moral e
pensador “anarquista” chamado Cão. A filosofia prática de Diógenes de Sinope é um tanto
difusa e os diversos relatos sobre sua vida se contradizem, gerando até a atualidade certa
confusão dentre os filólogos. Porém, mesmo com a realidade potencial em ficcionalizarmos
ainda mais sua biografia, a representação de Diógenes é um ponto alto neste albúm de
apropriações.

Mas antes disso, faz-se necessário também dizer que o famoso ex-lutador de boxe que dá
nome a uma das Tracks, pinturas-instalações, de PJota em Medley, Mike Tyson, também foi
chamado pejorativamente de cachorro, ao morder e arrancar com os dentes parte da orelha
direita do então lutador Evander Holyfield. Para além disso, até os 13 anos de idade, Tyson
já havia sido preso 38 vezes. Durante o exílio ele converteu-se os islamismo e estudou
largamente filosofia.

O Cão, ou melhor, o filósofo da escola cínica dos socráticos menores, Diógenes de Sinope,
se exilou ou foi exilado de Sinope, sua cidade natal, pois teria “forjado” moedas. Acontece
que seu pai, Iquêsios, reconhecido banqueiro da cidade que ficou responsável pelo dinheiro
do Estado, teria adulterado o capital. Porém, alguns acreditam que o próprio Diógenes o
fez, porque a ele teria sido confiado a superintendência das responsabilidades do pai. E em
seu texto Pôrdalos é possível reconhecer sua confissão. Neste e em outros textos de outros
autores, diz-se que Diógenes recorreu ao oráculo de Delfos a fim de compreender se
deveria ou não realizar o crime. Alguns afirmam que o oráculo o orientou a alterar as
instituições morais e políticas de seu tempo, no que ele teria agido com literalidade, forjando
a moeda estatal.

Se o Diógenes cometeu ou não o crime, não importa neste encontro. O que interessa é que,
primeiro, o Cão é reconhecidamente um “filóso criminoso” que deu partida a perspectiva
política atual sobre o cosmopolitismo e, segundo, sem sombra de dúvidas ele alterou tanto
as instituições morais e éticas da sociedade de seu tempo quanto a atual. É conhecida a
frase de Diógenes que diz: “Sou uma criatura do cosmos, e não do Estado ou uma polis em
particular”, acenando antes de tudo que era ele uma criatura e não somente um homem e
que pertencia ao mundo e não apenas a um governo ou sociedade.

O crime não é o creme, afirma no título da música o grupo de Rap Realidade Cruel.
“Creme? Nem crime, sigo firme, lembre”, é um dos versos da rima do grupo na letra da
música que poderia ser lema de um Diógenes contemporâneo. O filósofo era
constantemente visto pelos cidadãos rolando na areia quente durante o forte verão e
abraçando monumentos cobertos de neve no inverno, demonstrando-se naturalizado, assim
como um cão, às dificuldade da vida material. Ao escolher o “crime” como meio de vida e
constituição de sua filosofia, numa auto-legitimação, Diógenes sabia que não teria
experiências doces e agradáveis como costumam ser os cremes, que teria de viver com
honestidade e simplicidade radicais, como os próprios cães de rua o fazem, andando em
círculos antes de se acomodar.

PJota lança no dia 10 de março de 2018, três dias após a abertura de Medley, o projeto
Between Philosophy And Crime pela Classic Paris. “Entre a filosofia e o crime” é um box
que contém um livro, que faz um compêndio de fotos do artista realizadas em suas
passagens por países de terceiro e primeiro mundo, adesivos de banca de jornal com
diferentes tribais e uma camiseta com uma estampa de uma foto do centro de São Paulo na
frente e nas costas a lista de países em que foram Produzidas as imagens do livro. Este
box, na perspectiva deste círculo, é uma Storytelling bem desenvolvida, que condensa as
influências de PJota em registros sem representação, como apropriações diretas de uma
rima que sintesa uma vida inteira de expropriações.

Assim é, nesta perspectiva, a Produção realizada em Front Line. A Track apresenta três
máscaras representadas, duas oriundas de diferentes culturas africanas e outra grega. Ao
lado esquerdo, no fundo preto do medo e da imaginação, emolduradas com a
representação de um pantone africano de dentes ou ossos brancos, duas figuras, a com
listras é do Congo e a que não olha frontalmente o Pazuzu, reconhecido Deus do Vento da
mitologia Suméria. Ao lado direito, no fundo mais brando, quase cinza, nebuloso e sem
emolduramento representado, emoldurado pela própria placa que o recebe, a figura similar
a divindade do candomblé Exu.

Pjota, com Front Line, gera um círculo “criminoso”, potente como a intelectualidade
espiritual de Diógenes, selvagem como a força simpática de Tyson e coerente com a
diáspora filosófica africana, incriminada constantemente pelo colonizador ocidente. Parece
que o Beatmaker enumera os sujeitos capazes de enfrentar as instituições que não os
acolhe, legítima e os reconhece, sem perderem suas origens.

Full Album

Este ensaio, realizado antes de seu lançamento, resultou em um álbum Ep composto por
quatro partes contínuas, com suaves passagens entre uma Track e outra, e permeado
algumas vezes pelo clássico Boom Bap e outras pelo atual Trap. Com uma minutagem
longa, lembrando a Golden Era tanto nacional quanto norteamericana do Rap, nenhuma
faixa termina a fim de começar outra, pois nesta Ep a variação de Flows líricos e pictóricos
é o que possibilitou Produzir um álbum sem intervalo, sem pausa na Mixagem, como em
uma única Track.

Como uma Storytelling séria, com espaçadas variações bem humoradas, apresenta-se
neste registro do ensaio a ficha técnica dos elementos que constituíram seus encontros e
formaram seu círculo de influência, misturando-os com os Beats de PJota e suas origens
subjetivas.
Bach, ou melhor, Johann Sebastian Bach foi um músico do Sacro Império Romano-
Germânico, atualmente Alemanha, que se tornou mundialmente conhecido por sua
habilidade virtuosa ao órgão e ao violino e, também, por suas composições complexas e
cheias de variáveis na música barroca.

Dentro do Hip Hop, talvez, Sebastian Bach tenha sido reconhecido como um dos primeiros
Beatmakers da história ocidental. Beatmaker, o profissional da música criador de Beats, é
um dos responsáveis mais importantes na atualidade pela instrumentalidade Produzida nas
melodias do Rap. Praticamente, este sujeito constrói a sequência de loops de
instrumentação ao vivo e virtual, Sampleando também outros pedaços de Tracks de outros
artista para isso.

Ao comentar, por WhatsApp, sobre a importância dos planos de fundo de seus trabalhos,
PJota comenta: “o fundo não deixa de ser uma apropriação menos importante, na verdade,
meu trabalho é uma apropriação inteira né. Eu, às vezes, explico que é como fazer um
Beat, como os Beatmakers fazem, os Produtores. Eles pegam uma música pronta e a
Sampleiam, re-organizando-a e gerando assim novos sentidos”.

Block Parties, ou ainda festa em bloco ou um bloco em uma festa, no que consiste a história
do Hip Hop, tiveram seu início nos anos 1970 na região do Bronx (NY), em que enormes
grupos de jovens negros ocupavam com felicidade blocos inteiros de apartamentos
abandonados do bairro. Porém, antes disso, as Block Parties também poderiam se referir às
festas ilegais, realizadas sem autorização estatal, nas ruas do East Side, que bloqueavam
literalmente a passagem pelos bairros. As Block Parties mais conhecidas atualmente do
contexto brasileiro são as reuniões nas ruas de enorme número de jovens periféricos
chamadas Pancadões, ou fluxo. O Pancadão faz referências direta aos Beats da música
Funk, aludindo à uma enorme pancada, ou porrada, pela força do grave nas melodias do
ritmo. Tais festas, são as mesmas responsáveis por também promocionar Hits do Funk,
como as músicas Bum Bum Tam Tam do cantor, compositor e Produtor Mc Fioti e Bonde
Dos Milionários do funkeiro Mc Ruzika.

Umas das expressões mais comuns utilizadas nos contextos do Rap e do Funk é a
chamada “pocas ideia”. Aludindo, de modo formal, naturalmente a ter um discurso resoluto,
claro e sintético, com o uso de poucas palavras, a expressão toma outro significado no uso
entre jovens de periferia. “Pokazideia”, como atualmente se escreve nas redes sociais, nos
leva ao zero, a anulação do discurso, deixando claro ao outro que escuta que o interlocutor
não tem interesse de compartilhar qualquer coisa com ele, fechando o círculo de diálogo.
Pokas é o nome da Track de Pjota que apresenta dois diferentes planos justapostos. Ao
lado esquerdo, o Trap cru metálico de fundo com um ornamento circular em preto de tribal,
salpicado por três pinturas de adesivos pintados em preto e branco que aludem a olhos
aborígenes desenhados em espiral. Ao lado direito, num Boom Bap verde, a representação
de duas cabeças de estátuas gregas quebradas, quase em decomposição, também
salpicadas ornamentalmente pelas mesmas pinturas de adesivos, porém este plano se
Sampleia numa moldura magenta que recorda representações de ondas bizantinas. Há
pouco a ser dito, a não ser que cada palavra contém, como pensava o filósofo Platão, a
ideia dela mesma contida em si. Duas palavras são o bastante para alcançar a anulação. A
final de contas, um menos um é igual a um círculo, um sujeito sem ouvido e outro sem
boca, Pokas, sem idéia.

Dj, Disc Jockey, foi o termo referido a locutores que tocavam músicas nas frequências de
rádio por meio dos discos. Assim como no jóquei, o Dj é o sujeito que monta a
discotecagem com diferentes discos. Ao vivo, sua performance consiste em Mixar uma
sequência de Tracks. Porém, virtualmente, o Dj também recombina as Tracks já existentes
no mundo Produzindo outras novas, tendo também por isso o reconhecimento de um
compositor.

Ep, abreviação para Extended Play, é uma gravação que, por ser longa demais, não se
considera um Single e também por ser muito curta não se classifica como álbum. No Brasil,
a prática de Produção de Eps apareceu na década de 1960 como um índice, pois
anunciavam os lançamentos de álbuns completos no futuro. Um Ep é um mini-álbum que
costuma conter de 3 a 6 Tracks, assim como em viagens curtas a trabalho, em que um
álbum de fotos registram o que interessou PJota em suas transições pelas ruas das cidades
em Between Philosophy And Crime.

Dentro do circuito de arte acostumou-se investigar as poéticas dos artistas, assim como os
artistas se desenvolveram em uma poética particular. O Flow, dentro do Rap, é o que
muitas vezes faz-se facilmente identificar um compositor e cantor, responsável por marcar
sua fluência, fluxo, nas construções das rimas e no modo de cantá-las. Sinteticamente, Flow
definiria o modo fluído com que um rapper faz encontrar sua letra com o ritmo da música, de
acordo com os Beats na Track acompanhados pelas rimas, do mesmo modo que
costumamos encontrar as chamadas poéticas nas trajetórias das Produções dos artistas.

A expressão Flow teve reverberação inicial por meio das Storytellings da vertente Gangsta
Rap. Neste tipo de Rap, ao apresentarem crônicas de crítica social e denúncia política, os
rappers Produziram um Flow mais lento, encaixados em bons Boom Baps. Como
abreviação de gangster, o rapper Gangsta poderia sim ter envolvimento com o crime, mas,
ao relatarem as realidades das periferias dos Estados Unidos da década de 1980, faziam de
suas letras a afirmação de que suas escolhas ao mundo do crime não eram fáceis e a
serem seguidas.

Golden Era do Rap foi um período de cerca de 10 anos, estabelecido aproximadamente


entre 1985 e 1995, em que, para além da multiplicidade de referências culturais
apresentadas pelos rappers à época, demonstrando ecletismo musical, também, se
legitimou pelo forte posicionamento político dos compositores mesclados com as
experimentações instrumentais de diferentes gêneros musicais. A Golden Era não só
coincidiu com o surgimento do Gangsta Rap como também recebeu influência decisiva dos
Five Percenters, a qual é possível reconhecer por muitas expressões e códigos da
organização encaixarem-se nas rimas dos rappers da época.

A Golden Era foi enorme Produtora de Hits, ou melhor, de Hit Single, que refere-se a
quando uma música encontra espaço no mainstream ao mesmo tempo que se torna
conhecida popularmente por meio da divulgação entre os fãs e mesmo nas rádios e redes
sociais atuais.
Para Produzir qualquer música dentro do Rap ou Funk é necessário Mixar. A Mixagem é
uma prática que, por meio de uma multitude de sons fonográficos, são recombinações de
Beats em um ou mais canais de captação. Qualquer som captado, tanto dentro do estúdio
quanto na rua, pode ser Mixado.

Imagine que na Nação do Islã, ideias culturais, políticas e religiosas acerca dos
descendentes afro-americanos da década de 1930, eram Mixadas por Wallace D. Fard,
fundador da organização, da qual Clarence 13X saiu e formou, em uma nova recombinação,
a Five-Percent Nation. Tanto uma quanto a outra tiveram o interesse específico em lutar
pela melhoria das condições econômica, social e espiritual dos negros nos Estados Unidos.

Recentemente PJota afirmou que o interesse pelo continente africano surgiu na infância,
quando ao se deparar com os ornamentos e jóias que se apresentavam em seu círculo de
influência, programas de TV e livros, começou a Produzir combinações destas imagens em
seus desenhos.

O Produtor musical é o que atua diretamente na pré-Produção dos sons. Além de criar
alguns Beats, ele principalmente auxilia na entonação e impostação do músico. O Produtor
seria o regente da Produção musical inteira, conduzindo os elementos e aspectos das
Tracks e dos álbuns.

Punchline é uma linha em formato de soco, ou melhor, um verso da letra do rapper que é
forte por ter a função de atacar outro rapper, marcar território, demonstrar habilidade lírica
ou mesmo ser engraçado. O termo, na verdade, é oriundo da comédia, em que tanto em
seriados cômicos quanto em stand ups usava-se da peculiaridade da narrativa para
terminar apimentadamente uma piada.

Sample, em Medley de PJota, são ornamentos em forma de representação de molduras nos


sons, assim como os Beats são as figuras representadas pelo artista em meio aos círculos
de apropriações que faz em seus sons. Som, nesse caso, é uma Track, ou mesmo, uma
pintura-instalação do Beatmaker, artista. Um Sample, é uma amostra sintética de uma outra
música na Track de um rapper ou de qualquer outro músico. O Sample é uma apropriação
direta de outros gêneros musicais que revolucionou o mundo do Rap na década de 1980.

O Sample, sendo uma moldura bem encaixada na música de outro artista, é o que
possibilitou dar melhor conhecimento e respeito às Storytellings dentro do Rap, pois muitas
vezes sua prática permitiu ilustrar o que nas crônicas da realidade periférica se fazia
necessário denunciar. A personalidade gerida por meio das Storytellings é de altíssima
persuasão, demonstrando enorme relevância social nos anos 1980 dos Estados Unidos e
nos 1990 do Brasil.

Uma Storytelling costuma ser muito longa, assim como o registro deste ensaio, contendo
uma minutagem de até 15 minutos em um única Track, uma faixa de um álbum de um
rapper ou grupo. Atualmente, poucas Storytellings são Produzidas dentro do Rap, até
mesmo porque entende-se que vivemos outro momento histórico, mais rápido e com
abundância de informações de múltiplos contextos. Tal realidade fez surgir, por exemplo,
um outro estilo de Rap, que se formaliza pela instrumentalidade que condensa maior
quantidade de Beats em um curto período. O ritmo Trap iniciou-se na virada do século XX
ao XXI, quando em 2007 se tornou popular por apresentar um instrumental que unia
variados Beats em um, dois e até três tempos da música, gerando assim, naturalmente,
simplicidade de rimas e temas menos profundos nas letras.

Alguns momentos são ritmados pelo Trap nos sons de PJota, quando, por exemplo, o
Beatmaker insere num mesmo plano de representações vasos gregos e figuras africanas
coroadas com adesivos pintados de palhaços. Isso ocorre em Nem tudo que reluz é ouro,
que é uma das Tracks de Medley, e que apresenta um fundo, plano de cor, de apropriação
literal, sem ser coberta por outra camada de tinta, deixando o estilo Varporwave do metal
amarelo tocar livremente.

Vaporwave, onda-de-vapor, é um gênero musical e artístico que tomou corpo ainda nesta
década, em 2010 mais precisamente, dentro de comunidades digitais espalhadas pelas
redes sociais. Sua característica marcante é uma personalidade nostálgica aos anos 1980 e
1990 e, ao mesmo tempo, apresentar forte sarcasmo ao consumo capitalista. As referências
que nele mais ocorrem são elementos estéticos clássicos como estátuas gregas, a
publicidade e cultura de massa japonesa e a estética dos video-games.

Ao ser perguntado porque o interesse tão intenso pelo mundo do crime, PJota informou: “A
relação com o crime, acredito eu, que também venha da minha família, porque minha mãe
trabalhava no sistema carcerário e costumava me trazer os presentes que os exilados lhe
ofereciam e, também, meu avô é um reconhecido advogado criminal, que sempre contava
as histórias de seus casos nas reuniões de família”. Tal relato faz lembrar de Cada cabeça
uma setença, Track de PJota, que apresenta no título a alusão de que dentro do crime
organizado, e até mesmo do sistema judiciário brasileiro, cada preso tem sua sentença
específica, sofrendo aquilo que é de acordo ao seu ato criminoso.

Introduzidos pela expressão que dá nome à pintura-instalação, percebemos que o tribal que
emoldura as três cabeças enfileiradas verticalmente — aludindo aos três poderes estatais
ao mesmo tempo que às três organizações criminosas de maior relevância no país (Amigos
dos Amigos, Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital) — tem um ritmo lento,
como um Boom Bap (é um tipo de Beat clássico do Rap, originário do Soul e do Funk em
forma de loop, responsável pelos maiores clássicos da história do Rap mundial). Ao lado
esquerdo, coroas de arame farpado são representadas uma dentro da outra, da maior para
a menor, e com elas não somente a retomada dos anos 1990 nos vem à tona, como
também a própria figura de Cristo. E, nesse caso, não há nenhum Sample, moldura, que
acompanhem as coroas em perspectiva superior, pois elas mesmas se tornam figuras sem
representação.

PJota parece, em toda sua trajetória mais recente, não somente em Medley e em Between
Philosophy And Crime, realizar uma homenagem à suas experiência na infância. Ao ter
inserido no seu mundo, os contextos dos exilados, do crime, a mãe de PJota o influenciou
definitivamente, assim como seu avô e livros que lia e programas de Tv que ele assistia,
tornando seu círculo de referências o seu próprio círculo de influência.

Este ensaio em formato de Ep é um Medley que, como um ritual, celebra a passagem da


fantasia à realidade de uma Produção.

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