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Lipidose hepática: causas, patogenia e tratamento 1

Introdução

A lipidose hepática, doença também chamada de fígado gorduroso, degeneração gordurosa,


infiltração gordurosa ou esteatose hepática, se caracteriza por um desequilíbrio no metabolismo
que comumente acomete vacas leiteiras de alta produção, felinos e cães em jejum prolongado ou
com sobrepeso, ovelhas e cabras no terço final de gestação, podendo também acometer as aves.
Basicamente, esta desordem metabólica desenvolve-se quando a chegada de lipídeos ao fígado
excede a sua capacidade de oxidação e secreção pelo fígado. O excesso destes lipídeos é
armazenado como triacilglicerol (TAG) no fígado, estando associado à diminuição das funções
metabólicas do fígado, levando às eventuais perdas econômicas e danos à saúde dos animais
acometidos.

Lipidose hepática em animais de produção

A infiltração gordurosa é comum em vacas leiteiras de alta produção poucos dias após o
parto, quando a concentração sérica de ácidos graxos não esterificados (AGNE) está aumentada
devido à lipólise e perda de condição corporal associadas com déficit energético e as alterações
endócrinas que acompanham o parto e início da lactação. Os triglicerídeos atingem o nível
máximo de degradação metabólica ou liberação de lipoproteínas, se tornando excedente no
órgão. Além disso, o déficit energético gera queda na concentração de glicose e aumento
excessivo nas concentrações de corpos cetônicos no sangue caracterizando o balanço energético
negativo. Esta infiltração gordurosa no fígado é significante para bovinos de leite, pois,
aproximadamente 85% da glicose do metabolismo é derivada do fígado, o qual também tem um
importante papel na regulação do consumo, fertilidade e imunidade.

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Fiorentin, E. L. Lipidose hepática: causas, patogenia e tratamento. Seminário apresentado na disciplina
Transtornos Metabólicos nos Animais Domésticos, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Veterinárias, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014. 10 p.
Causas

Em geral, a lipidose pode ser consequência da privação de alimento, do aumento súbito de


energia na dieta ou da interferência na formação de lipoproteínas hepáticas, impedindo a saída
de lipídeos do fígado para a circulação. Em bovinos leiteiros de alta produção é frequente
observar o problema nas primeiras semanas de lactação, principalmente em vacas que chegam
com sobrepeso ao parto. Também pode estar relacionada com apresentação de transtornos após
o parto como hipocalcemia, cetose, deslocamento do abomaso ou qualquer situação que curse
com anorexia.
Tem sido considerado como agente etiológico a excessiva lipomobilização das reversas
corporais até o fígado, seja devido à diminuição do consumo das vacas próximo ao parto ou pela
grande necessidade energética das vacas de alta produção no início da lactação ou, em gado de
corte e ovelhas, gestações gemelares.

Patogenia

O principal fator de risco para o desenvolvimento da lipidose é a obesidade. Vacas obesas no


pré-parto apresentam maior diminuição de consumo de alimento e, consequentemente, um
balanço energético negativo mais severo, razão do maior tamanho do adipócito que diminui a
sua sensibilidade ao beta-hidroxi butirato (BHB), glicose e insulina.
O balanço energético negativo promove a mobilização de gordura para o fornecimento de
energia, através de ácidos graxos não esterificados e glicerol. O glicerol é fonte de glicose no
fígado ou é recombinado com ácidos graxos não-esterificados para a síntese de triglicerídeos.
Através da excessiva transformação de triglicerídeos em ácidos graxos livres, pela beta-
oxidação e consequente produção excessiva de acetil-CoA, que supera a utilização no ciclo de
Krebs, o resultado é o acúmulo de corpos cetônicos (acetoacetato, BHB e acetona), levando ao
aumento da sua concentração e excreção nos fluidos corporais, evidenciando um quadro de
cetonemia, cetonúria e cetoláctia, com esgotamento do glicogênio hepático e hipoglicemia.
O excesso de acetil-CoA não é completamente oxidado até a formação de corpos cetônicos.
Os triglicerídeos para atingirem a circulação deixam o fígado como lipoproteínas de densidade
muito baixa (VLDL), que são complexos solúveis de fosfolipídeos, colesterol, triglicerídeos e
apoproteínas no plasma.
Como consequências do acúmulo de gordura no fígado podem ser detectadas em animais
com lipidose hepática diversas alterações metabólicas, tais como: esgotamento do glicogênio
hepático, transporte alterado das lipoproteínas hepáticas, hipoglicemia, produção de corpos
cetônicos, aumento dos ácidos graxos livres, BHB, bilirrubina e enzimas hepáticas (AST, FA,
LDH, GGT), simultaneamente com diminuição do colesterol, albumina e insulina.
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Vacas com lipidose hepática possuem desempenho reprodutivo diminuído. O atraso no estro
das vacas com fígado gorduroso pode ser explicado pelas baixas concentrações de colesterol
total no soro, devido à diminuição de sua síntese no fígado. Uma vaca com fígado gorduroso
tem um intervalo maior entre o parto e o primeiro estro, podendo ter uma probabilidade até 35%
menor de apresentar estro e até 30% menos chances de emprenhar no início da lactação.
Segundo Bobe et al. (2004), a lipidose pode ser categorizada em moderada ou severa de
acordo com a porcentagem de gordura presente no fígado. O fígado de vacas normais possui
menos de 1% de gordura, enquanto que durante o pós-parto inicial, 5 a 10% das vacas podem
apresentar lipidose hepática severa (acúmulo de gordura acima de 10% da capacidade do
fígado) e 30 a 40% podem apresentar lipidose hepática moderada (acúmulo de 5 a 10% de
gordura).

Alterações patológicas, sinais clínicos e tratamento

Infiltração excessiva de lipídeos causam alterações macro e microscópicas no fígado. O


fígado apresenta volume aumentado, bordas arredondadas e coloração amarelada. Outras
alterações em vacas com severo fígado gorduroso são: miocardite; necrose muscular, ovariana e
renal; necrose e involução da glândula pituitária; involução do pâncreas e sistema linfático;
necrose inflamação e ulceração do trato gastrintestinal.
Os achados histológicos em vacas com fígado gorduroso incluem: cistos gordurosos no
parênquima hepático; hipertrofia dos hepatócitos; danos mitocondriais; volume nuclear
diminuído. As alterações microscópicas afetam a integridade celular e a função dos hepatócitos
e, portanto, causa necrose e extravazamento celular, particularmente em vacas com esteatose
hepática grave, o que é demonstrado pelo aumento das concentrações de enzimas hepáticas e
biliares constituintes no plasma.
A lipidose hepática severa frequentemente é precedida por concentrações elevadas de
cetonas na urina, severa perda de peso e depressão no consumo de alimentos. Vacas com
lipidose hepática moderada também apresentam concentração elevada de cetonas na urina,
porém demonstrando sinais mais brandos. Alguns animais, antes de morrer, exibem quadro
nervoso com tremores musculares, ataxia, incoordenação, inquietude e agressividade. Os sinais
terminais são icterícia e diarreia amarela, fétida.
Não há tratamento comprovadamente efetivo para lipidose. Sugere-se como tratamento
empírico, o emprego dos mesmos tratamentos utilizados na cetose. O foco do tratamento
consiste em reduzir a mobilização da gordura e fornecer uma fonte de energia a fim de favorecer
a função hepática e eliminar o balanço energético negativo. O princípio mais importante no
tratamento da lipidose hepática é a eliminação do balanço energético negativo e dos fatores ou
doenças que o provocam. A administração intravenosa contínua de glicose na velocidade de 100

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a 200 mg/kg/hora pode fornecer energia contínua e induzir a proporção insulina:glucagon que
reduz a mobilização de lipase hormônio-sensível dos ácidos graxos livres e estimula a síntese de
VLDL. Pode-se administrar somente insulina para alterar diretamente esta proporção. Em
bovinos, administram-se 200 U de insulina NPH, em intervalos de 12 horas, para cada 450
quilos de peso, com glicose.
Recomenda-se a utilização de precursores de lipoproteínas, como a colina, um componente
de fosfolipídeos para aumentar a velocidade na qual os triglicerídeos deixam o fígado, na forma
de fosfolipídeos (VLDL). O uso de vitamina B12 e metionina podem prevenir a ocorrência de
lipidose por estarem envolvidas na síntese de lipoproteínas, seja de apoproteínas ou
fosfoglicerídeos.
Os corticoides, como usados no tratamento da cetose, podem ser úteis, mas não devem ser
utilizados repetidamente durante um período longo, porque podem reduzir a resistência do
animal às infecções devido ao seu efeito imunossupressor. O principal efeito benéfico dos
glicocorticóides como tratamento de lipidose é aumentar a gliconeogênese no fígado, o que
aumenta as concentrações de glicose no plasma.
Os tratamentos combinados são preferidos pela maioria dos veterinários porque o
fornecimento de infusão de glicose e corticoides fornece glicose por um longo prazo, enquanto
que a insulina ajuda na absorção de glicose pelos tecidos periféricos.
A digestão nos pré-estômagos pode ser melhorada pela transfaunação, utilizando-se fluido
ruminal de uma vaca normal. Esse procedimento pode aumentar a capacidade de absorção dos
ácidos graxos voláteis, utilizados como fontes de energia, e de precursores da glicose.

Lipidose hepática em pequenos animais

A lipidose hepática felina é a hepatopatia mais comum em gatos, que na maioria das vezes
afeta gatos privados de alimento ou que passaram por períodos de anorexia. Ela também é
conhecida como “síndrome do fígado gordo felino”, considerada um processo patológico que
atinge, no entanto, gatos aparentemente sadios. Esta patologia pode estar associada a outras
disfunções do fígado como colestase intra-hepática, insuficiência hepática intensa, colângio-
hepatite, obstruções ou inflamações biliares e neoplasias intra-hepáticas, sendo, na maior parte
das vezes, idiopática.

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Causas

Esta enfermidade é causada por um desequilíbrio entre a captação hepática dos ácidos graxos
e a sua utilização, acometendo principalmente animais obesos que tenham perdido massa
corpórea. As causas específicas da lipidose hepática incluem obesidade, ingestão calórica
desbalanceada, desnutrição, hepatotoxinas, doenças sistêmicas e doença idiopática. O termo
lipidose hepática idiopática é usado quando não se identifica nenhuma outra patologia
associada.

Patogenia

A patogenia da lipidose hepática está relacionada com o acúmulo excessivo de triglicerídeos


nos hepatócitos. No cão e no gato, o acúmulo de gordura nos hepatócitos pode estar associado a
inúmeros mecanismos, incluindo anormalidades nutricionais, metabólicas, hormonais, tóxicas e
de lesão hepática hipóxica.
A etiopatogenia da lipidose hepática ainda não está completamente esclarecida. Porém,
acredita-se que uma combinação de fatores é responsável pela instalação desta patologia no
organismo, incluindo a diminuição na oxidação de ácidos graxos, a excessiva mobilização
periférica de lipídeos, deficiência na formação de lipoproteínas, acúmulo de triglicerídeos no
fígado.
A lipidose hepática pode ser desenvolvida pela anorexia crônica, obesidade e estresse. No
caso da anorexia, ocorre uma redução nos níveis plasmáticos de insulina na tentativa de manter
os níveis de glicose no sangue. Esta baixa na insulina induz a lipólise que resulta em aumento
de síntese de triglicerídeos no fígado. Além disso, também há uma diminuição de aminoácidos,
tais como, carnitina e arginina, que estão envolvidos no metabolismo de lipídeos provocando
um acúmulo hepático de gordura.
A obesidade promove resistência à insulina com liberação de ácidos graxos, o que resulta em
acúmulo de triglicerídeos hepáticos. Também leva ao aumento dos níveis de fator de necrose
tumoral no tecido adiposo, que eleva o hormônio leptina e acarreta anorexia. As situações de
estresse resultam na liberação das catecolaminas adrenais (cortisol e adrenalina). Este aumento
pode intensificar a ação da enzima lipase hormônio-sensível, responsável pela mobilização de
ácidos graxos, o que ocasiona acúmulo de triglicerídeos hepáticos.
Nos animais acometidos o acúmulo de gordura se torna de tal forma tão acentuado, que
excede a capacidade do fígado de metabolizar e remover os lipídeos da célula hepática. Estima-
se que cerca de 80% dos hepatócitos estejam comprometidos na ocorrência de lipidose. O
acúmulo de triglicerídeos no fígado resulta de desequilíbrio entre a velocidade de absorção
hepática ou síntese dos lipídeos e a eliminação hepática.
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As reservas de lipídeos no fígado podem ser aumentadas pela mobilização dos depósitos de
tecido adiposo durante o jejum, ingestão alimentar de gordura ou síntese hepática de
triglicerídeos a partir de carboidratos. Os mecanismos de dispersão para a remoção dos lipídeos
do fígado, que frequentemente são etapas limitadoras da velocidade, são a oxidação dos ácidos
graxos no interior das mitocôndrias e a secreção de triglicérides na forma de VLDL.
Estes processos levam à aceleração da lipólise periférica e à liberação maciça de ácidos
graxos livres na circulação sanguínea. Esses ácidos graxos livres são capturados pelo fígado e
convertidos em triglicerídeos, que terminam por se acumular em vacúolos nos hepatócitos. O
aumento de ácidos graxos no sangue induz à hiperglicemia e à secreção de insulina, que inibe a
liberação de ácidos graxos por sua ação sobre a lipase hormônio-sensível. Porém, devido a
mecanismos desconhecidos esse processo pode tornar-se falho em gatos obesos.
Gatos com lipidose hepática passam por períodos de anorexia prolongada, tendo como
consequência, uma restrição grave de energia e proteína para o organismo. Assim, o tecido
adiposo é mobilizado para o fígado causando excesso de triglicerídeos hepáticos.
A doença mais frequente em que há o aumento da mobilização dos triglicerídeos para o
fígado é a diabetes mellitus. As outras são colângio-hepatite, obstrução do ducto biliar e
doenças sistêmicas como neoplasias, doença renal, pancreatite e doença hormonais como
hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, entre outras patologias que levam à anorexia.
A patogenia de muitas enfermidades hepáticas nos gatos é complexa e difícil de entender,
devido ao pouco conhecimento que se tem sobre a fisiologia do fígado felino. Existem algumas
diferenças anatômicas importantes que explicam parcialmente razões pela qual o gato é mais
susceptível às enfermidades hepáticas.
Uma diferença anatômica importante no fígado do gato é a presença de um ducto pancreático
que se une com um ducto biliar antes de entrar no duodeno. Esta estreita relação anatômica
propicia que qualquer alteração hepática ou biliar esteja geralmente associada com problemas
pancreáticos. Outra peculiaridade é que o gato tem exigências proteicas maiores que os outros
mamíferos domésticos.
Com respeito ao metabolismo, o fígado felino também é diferente das demais espécies em
relação à deficiência relativa de glicuronil transferase, a qual afeta a habilidade do gato para
metabolizar muitos fármacos, além de ser incapaz de sintetizar a arginina, aminoácido essencial
que faz parte integral do ciclo da ureia. Estas duas diferenças fisiológicas particulares dos gatos
constituem parte importante da patogenia de muitas enfermidades hepáticas felinas.
Outra diferença em relação com as demais espécies é que os gatos parecem estar em estado
de gliconeogênese contínua, além do que o glucagon e a insulina são menos sensíveis à glicose
nos gatos do que em outras espécies.

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Diagnóstico

O diagnóstico da lipidose hepática está baseado na identificação de alterações clínicas e


patológicas associadas com severos danos nas funções do fígado. Os achados clínicos e
avaliação laboratorial sugerem hepatopatia, mas exige-se biópsia hepática para distinguir a
lipidose hepática de outras causas de hepatopatia (colângio-hepatite, peritonite infecciosa felina
e neoplasias). Uma avaliação diagnóstica completa do felino com suspeita de lipidose hepática
deve ser realizada. Se nenhuma outra doença primária for descoberta, então é diagnosticada a
lipidose hepática idiopática.
A anamnese pode revelar as causas precipitantes de anorexia (eventos estressantes para o
felino, alteração dietética para redução de peso e doenças não-hepáticas associadas com
anorexia). No exame físico, os achados incluem hepatomegalia, icterícia, emaciação muscular,
palidez e seborreia.
Os achados hematológicos são inespecíficos, sendo que pode haver anemia não-regenerativa
moderada. O perfil bioquímico sérico inclui as atividades de fosfatase alcalina (FA), alanina
aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), as concentrações de ácidos biliares
em jejum e pós-prandiais e a bilirrubina total que ficam geralmente aumentadas. O achado
bioquímico mais consistente é um aumento de 2 a 5 vezes na FA sérica, que fica geralmente
mais alta em gatos com lipidose do que em outras hepatopatias, acompanhado por gama
glutamiltransferase (GGT) minimamente elevada. Em algumas situações onde o fígado já esteja
bastante danificado, não existirão hepatócitos suficientes para liberarem as enzimas
intracelulares com capacidade de elevação de seus valores no sangue, sendo assim necessário o
uso de outras formas de diagnóstico como, por exemplo, a biopsia deste órgão ou a aspiração
com agulha fina.
Radiograficamente o fígado fica normal a aumentado de tamanho. Os achados
ultrassonográficos incluem hepatomegalia e aumento difuso da ecogenicidade hepática em
comparação com a gordura falciforme.
A citologia por aspiração com agulha fina (CAAF) constitui uma alternativa menos invasiva
à biópsia hepática, que pode proporcionar informações semelhantes, porém os resultados da
CAAF podem ser ocasionalmente enganosos, devido ao tamanho amostral pequeno poder não
ser representativo do processo patológico no fígado. Em uma avaliação citológica, os
hepatócitos ficam espumosos e vacuolizados, estando ausentes células inflamatórias.
Para o diagnóstico definitivo exige-se a biópsia hepática. Na biópsia o fígado fica
macroscopicamente aumentado de tamanho, amarelo, graxento e friável, com bordas
arredondadas. As amostras de biópsia geralmente flutuam em formalina. Em coloração com
hematoxilina e eosina (H/E), observa-se vacuolização intensa dos hepatócitos em um padrão
micro ou macrovacuolar. Geralmente não há inflamação ou necrose.

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Tratamento

O suporte nutricional agressivo é a base do tratamento para a lipidose hepática felina. O ideal
da dieta seria preencher todos os requerimentos básicos de proteína e nutrientes, manter um
balanço energético positivo, promover a regeneração hepática, e facilitar a recuperação do
equilíbrio metabólico e a reversão dos sinais clínicos associados com a síndrome. Para muitos
gatos, o aumento proteico na dieta é recomendado. Pacientes podem ser monitorados de perto
durante as 72 horas da terapia nutricional, período o qual ocorre as mais sérias complicações.
Os melhores resultados clínicos são obtidos com o fornecimento de dietas ricas em proteínas,
contendo calorias e nutrientes em quantidades adequadas. Como consideração geral, a proteína
tem que representar de 10 a 22% das Kcal da dieta. Quantidade inferior deve ser usada quando
sinais de hiperamonemia e encefalopatia hepática existirem. Os carboidratos devem representar
de 20 a 40% das Kcal da dieta. A quantidade de gordura na dieta pode variar de 20 a 60% das
Kcal.
Um tubo de gastrostomia aplicado por endoscopia ou cirurgia é preferível, porque em geral
há a necessidade de tratamento nutricional prolongado (3 a 6 semanas), e o grande calibre do
tubo permite a alimentação de alimento triturado para felino. Os tubos de gastrostomia são bem
tolerados por gatos, e estes animais eventualmente podem ser tratados por donos dedicados. Os
tubos nasoesofágicos são adequados para o fornecimento de alimentos líquidos, para o
tratamento a curto prazo, sendo preferível à alimentação forçada.
Alguns suplementos dietéticos também são úteis, como a carnitina, citrulina, vitaminas do
complexo B, especialmente a tiamina (B1), zinco e óleo de peixe, que fornece quantidades
adicionais de nutrientes e antioxidantes.
O alimento deve ser introduzido aos poucos por um período de 4 a 7 dias. A oferta de várias
refeições contendo pequenas quantidades de alimento é a melhor forma de garantir boa digestão
e absorção adequada de nutrientes e calorias.
As necessidades diárias de energia e proteínas devem ser calculadas. Gatos com lipidose
podem ter necessidades calóricas diárias semelhantes a gatos saudáveis sendo de 60 a 80
kcal/kg/dia. A oferta de alimentos palatáveis deve ser feita juntamente com a alimentação
enteral até que a ingestão voluntária esteja restabelecida e o tubo possa ser retirado. A dieta
terapêutica para lipidose hepática ocorre em conjunto com o manejo dos problemas que estão
associados com a lipidose hepática felina. Hipoglicemia, encefalopatia hepática, hemorragias
gastrintestinais e coagulopatias são associações possíveis da lipidose hepática. Esses problemas
são tratados sintomaticamente, lembrando que o uso de algumas drogas deve ser avaliado por
consequência da disfunção hepática.

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Para ajudar a controlar a hiperamonemia e os sinais da encefalopatia hepática utiliza-se uma
dieta pobre em proteína e com alto teor biológico e utilizam-se produtos que contenham em sua
fórmula química intermediários do ciclo da ureia na forma de aminoácidos ureogênicos, tais
como, a arginina, citrulina e ornitina.
Exige-se frequentemente fluidoterapia intravenosa, sendo esta benéfica no alívio de muitas
complicações. A fluidoterapia deverá ser realizada utilizando solução balanceada de eletrólitos e
complementada com cloreto de potássio no início do tratamento. Deve-se evitar o uso de
solução de lactato, pois pode prejudicar o metabolismo de lactato hepático em gatos com
lipidose hepática.
A alimentação forçada pode ser prolongada (3 a 12 semanas), já que a maioria dos
proprietários é capaz de manejar o tubo de gastrostomia ou esofagostomia em casa durante esse
período. Uma vez que ocorra a normalização dos parâmetros bioquímicos, a alimentação via
tubo é gradualmente reduzida e o gato deve ser estimulado a comer por conta própria. Uma vez
que o gato estiver comendo espontaneamente, sem alimentação enteral por 1 a 2 semanas, o
tubo é retirado.
O prognóstico é de bom a razoável na maior parte dos casos. A taxa de recuperação
dependente do quão estável o gato está no momento da apresentação, da agressividade do
suporte nutricional e da habilidade em controlar o vômito. Geralmente todos os gatos se
recuperam se sobreviverem aos primeiros dias. Quanto mais cedo forem tratados, maior a taxa
de recuperação. Quantos mais cedo se iniciar o tratamento, melhor será o prognóstico. Logo,
deve-se monitorar os níveis séricos de enzimas hepáticas e instituir um suporte nutricional em
qualquer gato obeso que ficar anorético secundariamente a outros processos patológicos.
O potencial para ocorrência de lipidose deve ser considerado em qualquer gato obeso
colocado em dieta hipocalórica. As enzimas hepáticas devem ser monitoradas para avaliar
quanto ao início de uma lipidose.

Referências

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