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Os Quarenta Versos sobre a Realidade + Suplementos

Tradução: Nelson Lara dos Reis

Revisão: Daura Silva França

ADVAITA, a não dualidade, a identidade, é a suprema doutrina. JNANA


MARGA, o caminho do conhecimento, é o meio de alcançá-la: a
autoinvestigação – “QUEM SOU EU?”, é a técnica que Bhagavan ensinou
para trilhar o caminho. Não há explicação mais profunda e compreensível
desta técnica do que seus “Quarenta versos sobre a Realidade” que aqui
passamos a reproduzir:

INVOCAÇÃO

I – Se a Realidade não existisse, poderia haver algum conhecimento da


existência? Livre de todos os pensamentos, a Realidade habita o coração, a
Fonte de todos os pensamentos. A Realidade é por conseguinte denominada
Coração. Como cada um deve contemplá-la? Ser como a realidade é no
Coração, é a sua contemplação.
II – Aqueles que têm intenso medo da morte, procuram refúgio somente
aos pés do Senhor, que não tem nascimento nem morte. Mortos para si
próprios e seus bens, pode o pensamento da morte lhes ocorrer
novamente? Tornam-se imortais.

01.De nossa percepção do mundo resulta a aceitação de um único


Princípio, possuindo várias formas. As aparições que surgem são
aceitas com formas e nomes pela pessoa que as vê, como o filme na
tela na qual ela vê, o que é visto no filme é a luz através da qual vê.
Mas aquele que vê é tudo isto: a tela, o filme e a luz que faz aparecer
as figuras na tela.
02.Todas as religiões postulam os três fundamentos: o mundo, a alma e
Deus, mas é somente a Realidade Única que se manifesta como estes
três. Na verdade, pode-se dizer, que os três são três, somente
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enquanto prevalece o ego. Assim, mergulhar no próprio Ser, onde o


“eu” ou ego, está ausente, é o estado Real.
03.“O mundo é real”. “Não, é apenas uma aparência ilusória”. “O mundo
é consciente.” “Não”. “O mundo é felicidade”. “Não”; qual a utilidade
de tais indagações? O estado que é agradável a todos, é aquele em
que tendo-se abandonado o mundo objetivo, tem-se conhecimento
do seu próprio Ser interior, perdendo assim, as noções tanto de
unidade como de dualidade, do corpo e do ego.
04.Se você acha que tem forma, o mundo e Deus também parecerão ter
forma; se não existe a forma, quem é aquele que vê formas e como?
Sem o olho pode-se ver qualquer objeto? O Ser que tudo vê é o Olho,
e este olho é o Olho da Eternidade.
05.O corpo é uma forma composta de cinco envoltórios; por conseguinte
o termo corpo engloba todos esses cinco envoltórios. O mundo existe
separado do corpo? Alguém já viu o mundo sem o corpo?
06.O mundo nada mais é que objetos vistos através dos cinco órgãos
dos sentidos. Se através desses órgãos dos cinco sentidos, a mente
toma conhecimento do mundo, o mundo não é outra coisa senão a
mente. Pode existir o mundo separado da mente?
07.Embora o mundo e o conhecimento que dele provém surjam e
desapareçam juntos (concomitantemente), é somente através do
conhecimento que o mundo toma forma. Aquela Perfeição da qual o
mundo e o conhecimento surgem e desaparecem, que brilha sem ter
surgido e sem desaparecer é a Única Realidade.
08.Qualquer que seja o nome ou forma através do qual se contemple a
Realidade Absoluta, é apenas um meio de se chegar à Realidade sem
nome ou forma. Somente isto é a verdadeira Realização, na qual
cada um se conhece em relação a esta Realidade, alcança a Paz e se
identifica com ELA.
09.A dualidade do sujeito e objeto e a trindade composta daquele que
vê, a visão e o objeto que é visto, só podem existir se iluminados
pelo Ser. Se alguém se interioriza na busca desta Realidade Única,
esses conceitos desaparecem. Os que vêem esta Realidade são
aqueles que possuem Sabedoria. Eles nunca têm dúvidas (duvidam).
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10.O conhecimento comum é sempre acompanhado da ignorância, e a


ignorância pelo conhecimento; o único conhecimento verdadeiro é
aquele pelo qual se conhece o Ser através da pesquisa: para quem é
o conhecimento e a ignorância.
11.Não seria, verdadeiramente, ignorância conhecer tudo o mais sem se
conhecer a si mesmo, o Conhecedor? Quando alguém está consciente
do Ser, que é o substrato do conhecimento e da ignorância, tanto o
conhecimento quanto a ignorância desaparecem.
12.Isto somente é Conhecimento Verdadeiro, que está além do
conhecimento e da ignorância. O que é conhecido não é o verdadeiro
conhecimento. Desde que o Ser brilhe sem mais nada para conhecer
ou tornar conhecido, somente isto é o conhecimento, não é um
vácuo.
13.O Ser, que é o Conhecimento, é a Única Realidade. O conhecimento
de uma realidade múltipla é falso conhecimento. Este falso
conhecimento, que não é outra coisa senão ignorância, não pode
existir separado do Ser, que é Conhecimento-Realidade. A variedade
de ornamentos de ouro é irreal, uma vez que nenhum deles pode
existir sem o ouro com o qual são elaborados.
14.Se a primeira pessoa, eu, existe, então, a segunda e terceira pessoas
(tu e ele) também existirão. Pesquisando a natureza do eu, o eu
desaparece. Com ele, os conceitos tu e ele também desaparecem. O
estado que resulta, e que brilha como o Ser Absoluto é o Estado
Natural, o Ser.
15.Somente em relação ao presente podem o passado e o futuro existir.
Eles também (passado e futuro), em seu transcurso, são o presente.
Tentar determinar a natureza do passado e do futuro ignorando o
presente é ignorar a Unidade.
16.Separado de nós mesmos, onde estão o tempo e o espaço? Se somos
corpo estamos envolvidos sem tempo e espaço; mas será que o
somos? Somos um, e o mesmo, agora, depois e para sempre; aqui e
em qualquer lugar. Assim, somos um só Ser, sem tempo nem
espaço.
17.Para aqueles que ainda não realizaram o Ser, como também para
aqueles que já realizaram, a palavra “eu” se refere ao corpo mas com
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uma diferença; pois para aqueles que ainda não realizaram o Ser, o
“eu” está limitado ao corpo, enquanto que para aqueles que já
realizaram o Ser, dentro do corpo o “Eu” brilha como o Ser
(ilimitado).
18.Tanto para aqueles que não realizaram o Ser, quanto para aqueles
que realizaram, o mundo é real. Todavia, para aqueles que ainda não
realizaram o Ser, a Verdade é adaptada na medida do mundo,
enquanto que para aqueles que o realizaram, a Verdade brilha como
perfeição sem forma, como o substrato do mundo. Esta é a diferença
que há entre eles.
19.Somente aqueles que não têm conhecimento da fonte da vida e do
livre arbítrio tem dúvidas sobre qual deles prevalece. Aqueles que
conhecem o Ser como a única fonte da vida e do livre arbítrio estão
livres de ambos. Por que haveriam estes de se deixar envolver
novamente?
20.Aquele que vê a Deus sem ver o Ser, vê apenas uma imagem mental.
Diz-se que aquele que vê o Ser vê a Deus. Aquele que tendo seu ego
completamente destruído, vê o Ser, encontrou Deus pois que o Ser
não existe separado de Deus.
21.Onde está a verdade nas escrituras quando declaram que quem vê o
Ser vê a Deus? Como pode alguém ver o próprio Ser? Considerando-
se que cada um é algo separado, e que não pode ver o Ser em si,
como pode então ver a Deus? Somente dissolvendo o ego e
submetendo-se Àquele.
22.O Divino dá Luz à mente e brilha em seu interior. Somente voltando
a mente para o interior e fixando-a no Divino, tornamo-nos UM com
ELE. Não há outro caminho para conhecê-lo, senão através da mente
(dissolvida n’Ele).
23.O corpo não diz “eu”. Ninguém poderá contestar que o “eu” deixa de
existir em estado de sono profundo. Quando o “eu” emerge, tudo o
mais emerge; com a mente atenta, pesquisa de onde surge o “eu”.
24.Este corpo inerte não diz “eu”. A Realidade-Consciência não surge.
Entre os dois e na medida dos limites do corpo, alguma coisa emerge
como sendo “eu”. E isto é conhecido como “Chit-Jada-Granthi (o nó
entre a Consciência e o inerte), e também como escravidão, alma,
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corpo sutil, ego, samsara, mente, e daí por diante. (Samsara= ciclo
de nascimento e morte)
25.(O corpo) chega à existência equipado com uma forma, e assim
permanece enquanto retém a forma. Tendo uma forma, se alimenta e
cresce. Mas, quando se inicia a pesquisa, renuncia-se ao apego à
forma e dela nos desligamos, pelo discernimento de que a forma não
existe por si mesma.
26.Se o ego existe, tudo o mais também existe. Se o ego não existe
nada mais existe. Na verdade o ego inicia tudo. Assim é que a
pesquisa sobre a natureza do ego é o único meio de renunciar a tudo
que não seja verdade.
27.O estado de permanência no “Eu” é o estado sem ego. Sem a busca
por esse estado e sem o seu alcance, como pode alguém conseguir a
extinção de seu ego de modo a que ele não mais apareça? Sem
alcançar isto como se pode permanecer no estado Real, onde se é
somente “Aquilo”?
28.Tal como um homem mergulharia para apanhar algo que tivesse
caído na água, da mesma forma cada um deve mergulhar em si
mesmo, com a mente (dirigida) em uma só direção, controlando a
palavra e a respiração de modo a encontrar o lugar de onde o “eu”
surge.
29.A única pesquisa que leva à Realização do Ser é a procura da fonte
do “eu” com a mente voltada para o interior e sem sequer pronunciar
a palavra “eu”. Meditação sobre “eu não sou isso” “eu sou Aquilo”
pode ser um auxílio na pesquisa, mas, não pode ser a própria
pesquisa.
30.Quando alguém pergunta “Quem sou eu?” no interior de sua mente,
o “eu” individual é enfraquecido, tão logo se alcança o Coração;
imediatamente a Realidade se manifesta espontaneamente como “Eu
Eu”. Embora se revele como “Eu” não é o ego e sim o Ser Perfeito, o
Ser Absoluto.
31.Para aquele que está imerso na graça do Ser, que surge da extinção
do ego, que existe mais para ser realizado? (Ele) só está consciente
do Ser, nada mais. Quem pode sintonizar (captar, entender) seu
estado?
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32.Embora as escrituras proclamem “Tu és Isto”, constitui um sinal de


fraqueza da mente meditar “eu sou isto, não aquilo”, uma vez que
somos eternamente AQUILO. O que é necessário é pesquisar o que
se é na realidade e então assim permanecer (ser sempre o Ser Real).
33.É ridículo dizer “Eu não realizei o Ser” ou então “Eu realizei o Ser”;
existem por acaso dois seres de modo que um seja o objeto de
realização do outro? É uma verdade a ser experimentada por todos a
de que existe somente UM Ser.
34.É devido à ilusão nascida da ignorância que os homens falham em
aceitar Aquilo, que É sempre e para todos, a Realidade inerente que
habita no centro natural do Coração e a permanecer NELA, como
também é pela mesma causa que discutem sobre sua existência ou
não, se tem forma ou não, se é ou não dual.
35.Buscar e permanecer na Realidade que somente É, constitui o único
objetivo. Todos os demais resultados (siddhis), são como as coisas
existentes nos sonhos. Podem, portanto, parecer reais para quem
despertou do seu sono: podem aqueles que estão estabelecidos na
Realidade do Ser, e que portanto estão livres de “Maya”, se iludirem?
36.Somente se o pensamento “eu sou o corpo” ocorrer, a meditação “Eu
não sou Isto e sim Aquilo” auxiliará na permanência no Ser. Por que
deveríamos sempre estar pensando “eu sou Aquilo”. Acaso é
necessário para o homem pensar continuamente “eu sou um
homem”? Não somos sempre Aquilo?
37.A controvérsia “dualismo durante a prática e não dualismo na
Realização”, é também falsa. Enquanto alguém está ansiosamente
pesquisando, como também quando realizou o Ser, quem mais ele
pode ser a não ser o décimo homem? (Isto se refere a uma história
tradicional de um grupo de dez tolos que viajavam juntos. Tinham
que atravessar um rio, e ao chegar ao outro lado da margem queriam
conferir se haviam chegado todos sãos e salvos da travessia. Cada
um dele contou à sua volta, mas cada um contou os outros nove,
esquecendo-se de incluir a si próprio. Pensaram então que o décimo
homem havia se afogado, e começaram a lastimar a perda. Neste
momento um viajante que passava pelo local, perguntou-lhes o que
havia acontecido. Imediatamente o viajante viu a causa do erro e,
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para convencê-los, fê-los andar um a um diante dele, dando-lhes um


tapa à medida que iam passando, perguntando-lhes quantos tapas
haviam sido dados).
38.Enquanto o homem for o fazedor (da Ação), também colhe o fruto de
seus feitos, mas, tão logo ele realiza o Ser, através da pesquisa sobre
quem é o fazedor da Ação, o sentido de fazedor da Ação desaparece
e o triplo KARMA (Sanchita, Agami e Prarabdha) se extingue. Este é o
estado de Libertação Eterna.
39.Só enquanto alguém se considera preso, os pensamentos da prisão e
libertação continuam. Quando alguém pesquisa quem está preso, o
Ser é realizado, eternamente alcançado e eternamente livre. Quando
o pensamento da prisão chega ao fim, pode o pensamento de
libertação permanecer?
40.Se dizem que a libertação é de três espécies: com forma, sem forma
ou com e sem forma, então deixa que te diga que a extinção das
formas de libertação é a única verdadeira Libertação.

SUPLEMENTO AOS QUARENTA VERSOS

Bhagavan Sri Ramana Maharshi

Do livro de Arthur Osborne “Seleciones de Ramana Maharshi”. Traduzido do


espanhol por Vera Carolina R. de Mello – Revisão de Daura Silva França.

01.A associação com os Sábios que realizaram a Verdade elimina os


apegos materiais; eliminando-se estes apegos, destroem-se também
os apegos da mente. Aqueles cujos apegos da mente foram assim
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destruídos, permanecem com o SER, que é imóvel. Alcançam a


Libertação ainda no corpo físico. Tal associação deve ser buscada.
02.Esse Estado Supremo existente aqui e agora, como resultado da
associação com os Sábios, e que permanece através da profunda
meditação – Autoinvestigação voltada para o Coração – não é
alcançada nem com a ajuda de um Guru, nem através do
conhecimento das Escrituras, nem por mérito espiritual, nem por
qualquer outro método.
03.Mantida a associação com os Sábios, qual a finalidade dos diversos
métodos de autodisciplina? Para que serve o quebra-vento quando
sopra o vento sul, fresco e agradável?
04.O calor da excitação mental e corporal não é aliviado pelos (raios) da
lua; a carência e a miséria são eliminadas pela árvore kalpaka
(árvore celestial que concede todas as graças que se lhe pedem); os
pecados são purificados pela água sagrada do Ganges – mas todas as
aflições são eliminadas totalmente com o simples “darshan”
(geralmente se refere à benção dada através do olhar) do Sábio.
05.Nem as águas abençoadas dos locais de peregrinação, nem as
imagens dos deuses, feitas com terra e pedra, podem comparar-se
ao benevolente olhar do Sábio. Aquelas purificam-nos somente após
incontáveis dias de purificação; mas o benevolente olhar que o Sábio
nos concede purifica-nos no mesmo instante.
06.Discípulo – Que é Deus? Mestre – Quem conhece a mente Discípulo –
Minha mente é conhecida por mim, o Espírito. Mestre – Desde que os
Srutis (escrituras) declaram “Deus é UM”, tu, (como conhecedor da
mente), em realidade és Deus.
07.Mestre – Que é a Luz, para ti? Discípulo – De dia, o Sol; à noite, uma
lâmpada. Mestre – Qual a luz que percebe essa Luz? Discípulo – O
olho. Mestre – Qual a Luz que ilumina o olho? Discípulo – Essa luz é o
intelecto. Mestre – Qual a Luz que conhece o intelecto? Discípulo – É
o “EU”. Mestre – Tu és, portanto, a Luz Suprema de todas as luzes.
Discípulo – Isso EU SOU.
08.No interior da Caverna-Coração brilha sozinho o Brahman, como “EU-
EU”, o Atman autoconsciente. Realiza esse Estado de firme
permanência no Ser, penetrando profundamente no Coração através
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da Autoinvestigação, ou através da mente ou com a respiração


controlada. (N. da T. Este versículo encontra-se também no “RAMANA
GITA”, canto nº 2, com pequena variação).
09.Saiba que a Consciência-do-Ser, pura e imutável, no Coração, é o
Conhecimento que, através da destruição do ego, concede a
Libertação.
10.O corpo é tão inerte quanto uma panela de barro. Desde que não
possui Consciência-do-Ser e desde que, quando estamos em (estado
de) sono profundo, isto é, quando não há consciência-do-corpo,
experimentamos o Estado Natural, o corpo não pode ser o “EU”.
Quem aparece como “eu”? De onde provém? Na Caverna-Coração
daqueles que assim busca, e que o conhecem como o SER, o Senhor
Arunachala Shiva refulge como a Consciência de “EU SOU ISSO” (ou
simplesmente EU SOU).
11.“Quem nasce?” Saiba que somente nasceu quem, indagando – “De
onde nasci?” busca a Origem (Fonte) do Ser. O Sábio Supremo é
aquele que nasce eternamente, uma e outra vez, dia após dia.
12.Renuncia à idéia “eu sou corpo”. Pondera e realiza o Ser que é Bem-
Aventurança perene. “Buscar conhecer o SER enquanto se abriga o
corpo é como agarrar-se a um crocodilo à guisa de balsa, para cruzar
um rio”.
13.Caridade, Penitência, Sacrifício, Dever, Yoga, Devoção, Expansão da
Consciência, Substância, Paz, Verdade, Graça, Silêncio, Estado
Supremo, Morte Imortal, Conhecimento, Renúncia, Libertação, Bem-
Aventurança; saiba que todas estas palavras são sinônimas da
extinção da consciência “eu sou corpo”.
14.O Único Caminho do KARMA, BHAKTI, YOGA e JNANA, consiste em
investigar “que é que tem karma (ação), vibhakti (falta de devoção),
viyoga (separação) e ajnana (ignorância)”. Através desta
investigação o ego desaparece e o estado de permanência no SER,
onde jamais existiu quaisquer destas qualidades negativas,
permanece como a Verdade.
15.Há (algumas) pessoas tolas que, por não compreenderem que são
movidas pelo Poder Divino, buscam alcançar todos os poderes
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sobrenaturais da ação. Assemelham-se ao coxo que diz: “posso


exterminar o inimigo se alguém me levantar sobre (minhas) pernas”.
16.Já que a Paz da mente é permanente na Libertação – como podem os
que prendem sua mente aos poderes – que não são obtidos senão
através da atividade da mente – submergir na Bem-Aventurança da
Libertação, que subjuga a agitação da mente?
17.O Senhor suporta o peso do mundo. Saiba que o ego espúrio, que
presume aguentar tal peso, assemelha-se a uma escultura colocada
na base da torre do templo, e que parece sustentar o peso da torre.
De quem é a culpa, se o viajante, em lugar de colocar sua bagagem
na carruagem que leva a carga a qualquer parte, carrega-a sobre a
cabeça, com grande incômodo?
18.No peito, debaixo do tórax, e acima do abdômen, existem seis
vísceras de diversas cores. Destas, uma parece um botão de lótus, e
se encontra dois dedos à direita do centro. Esta é o Coração. (Não se
refere ao órgão muscular da esquerda, e sim ao Centro Espiritual do
Coração, no lado direito do corpo).
19.Está invertido e há, nele, um diminuto orifício onde se acha
firmemente estabelecido, junto com as tendências latentes, etc., uma
escuridão imensa. Ali se apóia todo o sistema nervoso (no sentido
de: tem o seu sustento (Upadesa)). É a sede das forças vitais, da
mente e da Luz da Consciência.
20.Essa Divindade que bilha como o EU na cavidade de lótus do
Coração, é adorada como o Senhor Guhesa (um dos nomes dados a
Arjuna por Sri Krishna, por haver dominado o sonho). Quando,
mediante prática intensa, a “bhavana” (contemplação) “ELE SOU
EU” isto é “Aquele Guhesa SOU EU” se estabelece tão firmemente
quanto a noção do “eu” (está) profundamente arraigada em teu
corpo, e quando permaneceres sempre como a Divindade, Ela
refulge, e a ignorância, que é a noção “eu sou o corpo perecível” se
dissipa, como a escuridão (se dissipa) ao nascer do Sol.
21.“Diga-me o que é que se descreve como o Coração de todos os
indivíduos do mundo; nele que, (como em um) grande espelho se
percebe todo o Universo, como um reflexo” – perguntou certa vez,
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Rama ao sábio Vasishta, e esta respondeu: “Depois de investigar (se


afirmou que) o Coração é duplo em todos os indivíduos.
22.Escuta e entende as características de ambos – uma para ser aceita,
outra para ser esquecida. O órgão que chamamos coração, situado
em um local do peito, no corpo físico, deve ser esquecido. Deve ser
aceito aquele que é a essência do Conhecimento Absoluto. Ainda que
interno e externo, é desprovido de lado exterior e de lado interior.
23.Somente este é o Coração Supremo, e Nele mora todo este mundo. É
o espelho de todos os objetos e a morada de toda a riqueza. Daí
declarar-se a todos os seres viventes que o Conhecimento é o
Coração. Não é uma parte do corpo perecível, insensível como uma
pedra.
24.Portanto, a destruição das tendências latentes da mente faz-se
espontaneamente como resultado de diligente esforço destinado a
manter o ego no Coração, de perfeita pureza e Conhecimento
Absoluto, juntamente com o controle da respiração.
25.Permanecendo sempre no Coração, através da incessante meditação
“Eu Sou o Senhor Shiva, que é Conhecimento Puro, livre de toda
limitação qualitativa”, todos os apegos do ego são eliminados.
26.Tendo investigado os três estados (vigília, sonho e sono profundo),
fixando em teu Coração o Estado Supremo, que está além (dos três
estados) e que é livre de ilusão, desempenha teu papel no mundo, o
herói Raghava (outro nome dado a Rama, herói da epopéia
Ramayana). Realizaste no Coração – ISSO ( o SER), que é a essência
da Realidade debaixo das diversas aparências. Portanto, sem jamais
abandonar este Centro (Coração), desempenha teu papel no mundo
como te aprouver.
27.Ó herói Raghava – Desempenha teu papel no mundo como alguém
dono de entusiasmo e júbilo falsos (irreais); de excitação e ódio
falsos, como alguém que adota uma falsa iniciativa e efetua um falso
esforço!
28.Quem conquistou os sentidos através da Sabedoria, é o (único) Jnani
Verdadeiro, estabelecido no Conhecimento do Ser. Proclama-o como
Fogo do Conhecimento, Esgrimidor do Raio do Conhecimento, Morte
da morte, e Herói que matou a Morte!
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29.Saiba que (as qualidades) de brilho, inteligência e força, são


desenvolvidas naqueles que realizam a Verdade, (assim como) a
(qualidade de) beleza e todas as demais qualidades atraentes
embelezam a natureza com a chegada da Primavera.
30.A mente que está livre das tendências latentes, não se prende,
realmente, à atividade, ainda que aja, assim com alguém que escuta
um relato enquanto sua mente vagueia à deriva (em realidade não
escuta). A mente que está presa (dominada pelas) tendências
latentes, está em atividade, ainda que não aja, como uma pessoa
que, durante um sonho, escala uma montanha e cai num precipício,
mesmo que seu corpo permaneça imóvel.
31.Para o Jnani – em quem está adormecido o corpo grosseiro – os
estados de atividade, samadhi e sonho não significam mais do que o
movimento de uma carruagem e sua parada; o estar preso (ao corpo
grosseiro) assemelha-se ao viajante que dorme na carruagem.
32.O Quarto Estado, que transcende os outros três (estados de vigília,
sonho e sono profundo) é a única Realidade. É conhecido como
“Estado transcendente de sonhar-acordado”. Desde que os três
estados aparentes não existem em realidade, saiba que o Quarto
(Estado) é transcendente.
33.Dizer que sanchita (karma acumulado no passado para ser expurgado
nesta vida) e agami (karma para ser expurgado em vidas futuras)
não tem interferência no Jnani, mas que o prarabdha (karma que é
expurgado na vida presente) tem, constitui simples resposta formal à
pergunta feita por outros. Saiba que, assim como depois da morte do
marido nenhuma de suas viúvas pode deixar de ser (viúva), do
mesmo modo, depois da destruição do fazedor, nenhum dos três
karmas pode subsistir.
34.Para os homens de pouca erudição, a esposa, os filhos, e demais
(etc.), constituem a família. Saiba que, para os ilustrados, existe uma
família composta por inúmeros livros, dentro de suas mentes, e que
são um obstáculo para o yoga (união).
35.De que serve a erudição daqueles que não procuram apagar as letras
do destino(as palavras acerca de “apagar as letras do destino”
referem-se à concepção hindu de que o destino do homem está
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escrito sobre a sua fronte. “Apagar as letras” é transcender o próprio


destino, o próprio karma) perguntando: “Quando ocorreu o
nascimento de nós outros, que conhecemos as letras?” Colocam-se
no mesmo nível de um gramofone. “Que outra coisa são, ó
Arunachala?”
36.Os iletrados são salvos de preferência àqueles cujo ego não se
submeteu apesar de sua erudição. Os iletrados se salvam da
inexorável aflição do demônio da presunção; salvam-se da
enfermidade de uma miríade de pensamentos e palavras; salvam-se
de correr atrás de riquezas. Salvam-se de mais de um mal.
37.Ainda que renuncie ao mundo inteiro e adquira todo o Conhecimento,
em verdade é raro que se salve quem está oprimido pela sujeição ao
vil hábito de ser adulado.
38.O que existe separado do Ser, se permanecermos sempre como o
Ser, sem nos desviarmos deste Estado Natural, nem nos
diferenciarmos jamais dos “demais”? que importa se os “outros”
dizem algo a nosso respeito: em verdade, que importa? Se é apenas
a si mesmos que elogiam ou denigrem?
39.Retém no Coração o sentido da não-dualidade, mas nunca o
expresses na ação. Ó Filho Meu, o sentido da não-dualidade deve
(pode) aplicar-se aos três mundos, mas saiba que, em relação ao
Mestre, jamais se aplica.
40.Proclamo em verdade a quintessência das conclusões estabelecidas
no Vedanta. O que acontece é que, quando o ego é destruído, surge
o SER, que refulge em forma da Consciência Pura!!!

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