DICCIONARIO
DA
LÍNGUA portugueza
DICCIONARIO DE SYNONYMOS
SEGUIDO DO
DICCIONARIO POÉTICO E DE EPITHETOS
-* II
PAR1Z. — TYPOGRAPHIA DE PILLET FILS AINÉ
Rua des Grands-Augustins, I.
DICCIONARIO
DOS SYNONYMOS
POÉTICO E DE EP1THETOS
DA
PAR1Z
EM CASA DE Va J.-P. AILLAUD, GUILLARD E O
Livreiros de suas Magestades o Imperador do Brazll e El-Rei de Portugal
47, RDA SAINT-ANDRÉ-DES-ARTS
1871
4-3 .GW
DOS SYNONYMOS
DA
LÍNGUA portuguezà
INTRODUCÇÂO.
O PrefaçSu, pag. V.
X INTRODCCÇAO.
nistroo definições seguras para bem fixar a synonymia de
muitas palavras, como se pódc ver do contexto de nosso
Diccionario. Era Vieira ião propenso a examinar a syno
nymia das palavras portuguezas, que d'um só synonymo
fez um sermão : Crer em Christo, crer a Christo. Veja-se
Crer em alguém, pag. 197.
Inclinou-nos especialmente a este trabalho a curiosi
dade de ver se podiamos imitar em nossa língua o que
alguns estrangeiros têem feito nas suas, isto é, fixar a
exacta e peculiar significação de cada uma d'aquellas
vozes que o uso, e ainda a autoridade, tem applicado até-
gora ás mesmas idéas, porém que, examinadas com todo
rigor, cxplicão a idéa commum, ou com differentes rela
ções, ou descobrindo nella outras idéas accessorias que a
modificão, de modo que, se nem sempre varião o rigoroso
sentido, ao menos dão á phrase differente energia e
exactidão, e por conseguinte não se podem usar indis-
tinctamente uma por outra, com igual propriedade em
todos os casos.
Seria affectação ridicula o não convir em que as mais
das rezes é mui indifferente seu uso, e em que os syno-
nymos podem ser mui úteis â poesia e ao discurso fami
liar; áquella para variar as cadencias, e facilitar as medi
das e as rimas ; e a este para poder encontrar sem dilação
a palavra que explique sufficientcmente um pensamento
que não exige uma rigorosíssima escolha de termos. Porém
ao orador, ao philosopho, ao sábio, ao facultativo, que lêem
que dar â sua persuasão, ou à sua explicação a maior prc-
stsão, energia e clareza possível, convêm-lhes sobre
maneira escolher aquellas vozes e termos que esmiucem,
por assim dizer, as mais pequenas modificações das idéas
INTBODDCÇlO. II
geraes, que apenas se distinguem no uso comoium.
O estudo d'estas difTerenças tem occupado em todos os
tempos a alguns humanistas antigos e modernos, e seria
ocioso delermo-nos a provar sua utilidade ; só diremos
com M. Guizot : «O estudo dos synonymos exerce a sa
gacidade do entendimento acostumando-o a distinguir o
que seria fácil confundir; determinando o sentido pró
prio dos termos, previne as disputas de palavras de que
são quasi sempre causa os equivocos e amphibologias ; fixa
o uso, do qual vem a ser a testemunha e o interprete;
collige, por assim dizer, as folhas dispersas em que se
contêm os oráculos d'esta imperiosa sibylla ; pôde até
supríl-as ajudando-se dos recursos que a analyse lógica
e grammatical lhe ministrão; faz adquirir ao estylo
aquella propriedade de expressão, aquella precisão, que
é a pedra de toque dos grandes escritores ; em fim euri-
quece a iingua de todos os termos, os quaes distingue
d'um modo positivo, porque não é a repetição dos mesmos
sons, senão a das mesmas idéas, que enfastia e cança
o leitor. •
Possa este nosso opúsculo contribuir para tão deseja
dos fins, e possão nossos leitores corrigir e melhorar tudo
que nelle acharem de imperfeito, lembrando-se queé uma
tentativa e não um diccionario completo de tynonymot,
o qual não existe em língua nenhuma, nem parece possí
vel, pois são immensas as synonymias, e produzirião mais
artigos que palavras tem um idioma. Nem sejâo inexorá
veis em nos accusar de plagiário por nos havermos valido
das idéas, pensamentos e phrases dos mais doutos philo-
logos para redigir este nosso ensaio. Se a ignorância, o
mào goslo. o pouco respeito a nossa venerável linguagem,
XXI INTRODUCÇlO.
introduzem todos os dias termos, expressões e uioaos ou
faltar peregrinos, porque não se accolherá com benevo
lência um opúsculo que, sem oflensa dos bons autores,
tende a melhorar a nossa língua, ajuslando-lbe certa»
roupas que a outras dão garbo e donaire?
O leitor será tanto mais disposto á indulgência quanto
se for convencendo pela experiência que esle opúsculo,
ainda independente do assumpto principal dos synony-
raos, é um repertório tis bellos pensamentos e boa lingua
gem, sem aflectação de purismo nem licença de neolo
gismos, que o homem de bom goslo poderá consultar ooiu
Iructo, e em que o litterato e o escritor publico acharão
mais recursos para variar a phrase e dar elegância ao
eslylo do que em nenhum outro escrito d'este género que
até hoje tenha saído á luz em nossa língua. Attendidas
estas razões, esperámos que o leitor critico, ainda que
nelle encontre muitos defeitos e imperfeições, usará da
benévola indulgência do Lyrico Romano , dizendo
com eile :
. Non ego paucis
OBendar maculis, quas aut incúria fudit
Aut humana parum cavit natura.
Para maior commodidade dos leitores podemos no fim
um índice alphabelico de todos os vocábulos synonymos
para melhor se poderem buscar no corpo do Diccionario
4.-1. HOyUBITfi,
NOVO DICCIONARIO
DE
SYNONYMOS.
1. — A, para.
Duas preposições que se construem regularmente com
os verbos ir, vir, e outros que designão movimento,
e servem a formar o seu complemento, mas que in
dicio, cada uma de per si , differença nolavel na intenção
do que vai ou vem, ou do que falia na ida ou na vinda.
— Ir a, vir a, indica a idéa de pouca demora, ou breve
vinda, ou volta. Ir para dá a entender intenção de grande
demora, ou longa estada, e ás vezes para sempre, ex
cluindo a idéa de regresso ou volta — Sai um homem
pela manhã de sua casa, vaia praça, ao mercado, a casa de
seus amigos, ao campo, etc, e vem á noite para casa; se
lhe esqueceo alguma cousa, vem a casa buscál-a, e volta a
seus negócios até que se recolhe para seu domicilio. —
El-Rei Dom João VIo quando residia em Queluz ia muitas
vezes a Mafra, vinha com frequência a Lisboa ; no verão
hpara o Alfeite, no tempo das caçadas ia para Salvaterra
ou Villa Viçosa, e quando vierão osFrancezes a Portugal
foi para o Brazil. — Esta distincção entre as duas prepo
sições acha-se autorizada por Vieira na seguinte passa
gem : • Porque o pai fez uma viagem para as conquistas
e nunca mais houve novas d'elle, tomastes por devoção vir
os sabbados á Penha de França. » (Tom. I dos Serm. ,
pag. 733).— A regra que a este respeito se pôde dar é a
U. 1
2 ABA
mesma que se dá em francez para as Asas expressões
avoir été e étre allé, a saber : Todas as vezes que se sup
põe regresso ou volta devedizer-se ir, vir a, e quando se
suppõe estada larga ou não ha regresso ou volta deve
dizer-se ir, vir para. >
2. — A baixo , em baixo , de baixo.
As dnas primeiras expressões considerão um corpo
com relação á altura em que se acha sem relação a outro
corpo ; a terceira o considera com relação á situação em que
esta respectivamente a outro corpo ; isto é : está a baixo
ou em baixo o que, numa altura determinada, está num
lugar inferior, ainda que não haja outro corpo por cima;
está de baixo o que tem em cima ou sobre si outra
cousa. — É menos penoso ir costa a baixo do que cosia
a cima; navega-se facilmente agua a baixo, mas com
custo se rema agua arriba. Ficou em baixo, não quiz su
bir. Os que estavão em baixo vião menos do que os que
estavão em cima. O escabello está de baixo da mesa,
e tem o de baixo dos pés. O máo cavalleiro cai facilmente
abaixo do cavallo e fica muitas vezes debaixo d'elle. —
Basta substituir uma expressão por outra nestes exem
plos, para conhecer a propriedade com que explicão res
pectivamente as idéas a que correspondem.
3. — Abatimento, languidez, desalento,
prostração.
Abatimento suppõe diminuição das forças que natu
ralmente tem o corpo, ou decaimento repentino d'um de
sejo vehemente. d'uma paixão vioienla, etc. — Languidez
suppõe debilidade das fibras, ou desengano em que se
esta de não ter já nem meios nem esperança de satisfazer
suas paixões ou de recobrar a dita perdida. — O abati
mento é um estado accidental ; a languidez habituai. Se
dura muito o abatimento converte-se em languidez ; nesta
sempre ha abatimento, e naqueile não ba languidez.
O detalento priva- nos do animo necessário para resis>
ABS 3
tír á desgraça, e até da esperança de melhor fortuna, o
que não acontece com 0 abatimento. — Prostração é
o abatimento levado ao ultimo ponto; é aquelle estado
em que a nossa alma se acha não só fraca para sofiíer os
males que a opprimem, senão que está rendida debaixo
de seu peso.
4* — Aborrecer , odiar , abominar,
detestar, execrar.
Todos estes verbos indicio um sentimento de aversão
a algum objecto, mas em diffcrente gráo e por diversos
motivos. —■ Âborrece-se o que se não pôde soffrer, e tudo
o qne nos causa desgosto ou é objecto de anlipalhia.
Odia-se quasi sempre por capricho, por inveja, por
paixão (V. Odio). Abominámos quando repellimos com
horror cousa torpe, irreligiosa ou que oflende nossa
crença. Detestámos aquillo que desapprovâmos ou con-
demnâmos. Execrámos as cousas impias, sacrílegas e blas-
phemas, as amaldiçoámos com expressões execratorias
(V. Execração). — O doente aborrece os remeilios; o in
vejoso, o ciumento tem odio a seu rival; o homem pio e
de boa vida abomina as devassidões do vicio e os dis
cursos irreligiosos; o peccador arrependido detesta os
erros de sua vida ; o homem temente a Deos execra o
descaro com que o sacrílego e o blasphemo zombão das
cousas sagradas.
5. — Abreviar , encurtar.
Abreviar é fazer mais breve, de menos extensão, dimi
nuir o espaço, reduzir a menos. — Encurtar é fazer mais
curto, menos longo. — Abreviámos o espaço de tempo
quando fazemos uma cousa mais brevemente do que se
esperava ou estava determinado ; abreviámos os dias da
vida quando por necessidade ou imprudência gastámos
mais forças ao que convêm. Os compiladores abrevião
obras grandes reduzindo-as a compendio ou resumo. —
Encurtámos o caminho quando tomámos por um atalho;
4 ABR
encurtámos razões quanto nos explicámos em menos pa
lavras. O homem económico e bem governado encurta a
despeza de sua casa em annos de escassez; o sóbrio
encurta a mantença por temperança, o mesquinho por
avareza. O temor encurta a mão aos covardes.
6. — Abrogaeáo, derogação.
Estas duas palavras puramente latinas (abrogatio,
derogatio) declara» suspensão de lei , com a differcnça
que a primeira indica suspensão total, e a segunda parcial.
—A lei cessa por abrogação quando o legislador rescinde
a lei toda, e fica como se nunca existira ; e pôde cessar
por derogação quando o legislador annulla algumas dis
posições d'ella ficando as outras em vigor. — Esta dis-
tineção funda-se na autoridade de Cicero que disse
com o seu costumado juízo : « tiulla (lex) est, qua non
ipta se sepial difficullaie abrogationis ; » não ha lei
nenhuma que se não enlrinxeire com a dilBculdade de sua
abrogação (Âtt., 3,23). « Videndum e»t, num qua abro-
gatio aut derogatio sit ; > deve ver-se qual haja de ser a
abrogação ou a derogação (Ad Herenn., 2, 10). ' Delege
aliquid derogari, aut [egem abrogari;» derogar alguma
cousa da lei, ou abrogar a lei (De luv , 2, 45). V. Abrogar.
100 AUT
homem austero, nem de temer o severo. — A austeri
dade chega a converter-se em habito, e a severidade o é
por caracter e princípios.
O homem rigoroso ludo exagera, e nada contenta seu
excessivo rigor. O homem severo não se aparta nunca de
seus princípios, ao mesmo tempo que o rigoroso os leva a
um extremo mais prejudicial queutil.
A austeridade comsigo mesmo não é incommoda a
ninguém , a severidade para com os outros pôde ser obra
da virtude ou do vicio, por isso sempre é temida ; todos sc
virão contra o rigor pelos excessos a que de ordinário
arrasta.
141. — Autor, escritor.
Chama-se autor ao que publica uma obra litleraria que
elle compoz, pois esta palavra se refere unicamente á pro-
ducção ou composição d'um escrito. Só faltando deestylo,
se-diz um escritor. Ha autores bons e máos, e o mesmo
acontece com os escritores. No primeiro caso só se attende
ao mérito da obra ; no segundo considera-se o modo como
está escrita. — D'aqui resulta que um mesmo sujeito pôde
ser bom escritor o máo autor; isto é escrever correcta
mente, com elegância, e dizer cousas superficiaes e de
nenhum mérito. Ao contrario pôde ser bom autor e não
bom escritor ; isto é haver composto uma obra cheia de
úteis investigações e sólidos raciocínios, porém escrita
com estylo obscuro, sem ordem nem methodo, e cheia de
erros grammaticaes.
142. — Autoridade , poder, potestade.
Toda a autoridade vem de Deos, e esta é limitada como
seu poder. A natureza e as leis derão ao pai autoridade,
em algumas nações quasi illimitada, sobre seus filhos; um
soberano, segundo as constituições dos differenles povos,
lem maior ou menor autoridade sobre seus súbditos,
porém sempre limitada pela religião, pelas leis, e pelos
costumes, ainda nos governos mais despóticos. Ha lambem
uma autoridade moral e é a que exerce o homem rir
AUT 101
tuoso e honrado sobre os seus similhantes , o homem bené
fico sobre os que favorece e enche de benefícios. A auto
ridade do talento, da razão e do jnizo tem predomínio
sobre nosso entendimento; a autoridade das provas e
das testemunhas decide as causas e os pleitos em juizo ; e
a dos monumentos, dos autores, e sobre tudo da razão, é
quem decide nas matéria de critica. — Toda autoridade
suppõe um superior que manda ou infiue, e um ou muitos
inferiores que obedecem. Cessa a autoridade quando
cessa a submissão e a obediência, se não tem o apoio da
força. Se os súbditos se rebelião, acabou a autoridade do
soberano se com força a não pôde sustentar; será quando
muito uma autoridade de direito mas não de facto.
O poder resulta da combinação de forças physicas e
moraes, por meio das quaes uma pessoa se faz superior a
outras, influindo em suas acções e em sua vontade que di
rige, como lhe apraz e convêm, até ao ponto onde podem
chegar suas forças. — O amor dos povos e a confiança
que têem em sua justiça e rectidão é o maior apoio da
autoridade dos soberanos e de quantos mandão. Quando
é mister recorrer á força para sustentar o poder, acha-se
este tanto mais em perigo quanto cresce o odio á medida
que aquelle se exerce, pois lodo poder tem seus limites
além dos qnaes não pôde passar sem destruir-se a si
mesmo.
A potestade nasce d um poder legal que a sustenta,
que não ha potestade sem poder. — Os nossos clássicos
usão muitas vezes d'esta palavra com a significação geral
de poder, forças; mas de ordinário não usamos d'ella se
não fallandodas pessoas que lêem poder, divinas, angélicas,
e humanas. Vasco da Gama, espantado da horrível figura
que lhe apparecêra, pondo os olhos no céo exclamou :
O' poteitade sublimada I
(CO«í. X.)
Outras vezes se toma por boa sorte, dita, bom exilo em
ilguma empresa, como se lê em Lucena, que fallandodos
leitos do Gama no descobrimento da índia, diz : «Feitos
d'alta ventura » E no mesmo sentido disse Vieira : « As
trez parles do bom negociante são cabedal, diligencia e
mntura. > E moralizando esta sentença, accrescenlou :
«Para a negociação do eéo a todos dá Deos o cabedal, a
todos ollerece a ventura, e só pede a diligencia (II, 2). •
feja-se Afortunado, e o arligo seguinte.
482- — Fortuna, dita.
A palavra fortuna, como acabamos de vêr, em sen sen
tido recto, exiende-se tanto â boa como á ma sorte, e sò
no primeiro d'estcs sentidos pódeolhar-se como synonyma
de dita, porém a voz fortuna representa aquella felici
dade physica e materialmente, a voz dita a representa
moralmente, isto é, em quanto causa satisfação ao que i
possue. Assim que a primeira é mais própria para expli
car o logro ou posse daquelles bens que por uma espécie
de convenção geral se olbão como a felicidade d'esta vida;
v a segunda se applica mais propriamente ao gozo da
quelles que tem verdadeiramente por laes o que os dis-
fructa, sem necessidade d« que os qualifique a opinião,
porque satisfazem seu gosto ou seu desejo
ISA Wt*
Ba muitos homens que têem a fortuna de ser ricos, e
nem por isso iogrão ser ditosos; porém, ao cont: 'trio, o
homem prudente , abandonado da fortuna , pôde ser
ditoso, se sabe conservar em sua desgraça a innocente
paz do coração, c a doce trauquillidade do animo. Veja-
se Feliz.
Toma-se muitas vezes a voz fortuna pelo mesmo bem
pbysico ; porém não se pode fazer o mesmo uso da voz
Aita, que sempre representa1 um gozo moral; é assim
não pode subslituir-se áqiiella nestes exemplos : Algurts
fizerão noutro tempo grande fortuna na Índia ; quando
periga a honra deve sacrificar-se a fortuna e a vida.