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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
A problemática dos direitos fundamentais
aparece inicialmente no momento das lutas con-
tra o Estado absolutista monárquico. O primei-
ro documento que procurou de algum modo
restringir os poderes do monarca surgiu na In-
glaterra de 1215 com a Magna Carta outorgada
por João-sem-terra. Séculos mais tarde, nas ter-
ras do novo mundo, foi proclamada a Declara-
ção de Direitos do Estado de Virgínia, pouco
antes da Declaração de Independência dos Es-
tados Unidos da América, no ano de 1776. No
entanto, as declarações de direitos somente al-
cançaram uma dimensão universal com a De-
claração de Direitos do Homem e do Cidadão,
Anderson Cavalcante Lobato é Pesquisador
Recém-Doutor do CNPq junto ao Curso de Pós- proclamada pelos revolucionários vitoriosos, na
Graduação em Direito da UFPR; Doutor em Direito França de 1789.
pela Universidade de Ciências Sociais de Toulouse - As declarações de direitos inauguraram uma
França. nova fase nas relações entre governantes e
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governados. Se do ponto de vista tradicional Vejamos, pois, alguns aspectos deste longo
ao homem era atribuído tão-somente obriga- processo de constitucionalização dos direitos (A),
ções, com as Declarações de Direitos, o homem, passando pela sua classificação em gerações (B),
visto como indivíduo, adquire direitos, caben- para então analisar particularmente aqueles direi-
do ao governante o dever de garanti-los. Essa tos reconhecidos pela Constituição brasileira de
inversão radical nas relações entre soberanos e 1988 (C).
súditos dá origem ao Estado moderno que evo-
luirá em conformidade com a afirmação e o re- A) A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
conhecimento de novos direitos do homem.1 FUNDAMENTAIS
Fato é que os direitos do homem são, na O processo de constitucionalização dos di-
verdade, direitos históricos, reconhecidos à reitos do homem seguiu a mudança de concep-
medida que as condições da vida em sociedade ção do Estado de direito que, partindo de uma
se transformam; não são, pois, fruto da nature- compreensão estritamente liberal e individua-
za, mas sim da civilização.2 Das declarações de lista do homem, passou a compreendê-lo a par-
direitos até chegarmos à afirmação dos direitos tir de seu contexto social, econômico e cultural.
fundamentais, que adquirem valor jurídico-cons- Trata-se justamente de uma mudança radical do
titucional, os direitos inerentes à pessoa huma- papel do Estado na vida em sociedade, que além
na passaram por um longo processo de reco- de garantir os direitos de liberdade, passa a ser
nhecimento e constitucionalização. A proble- compreendido enquanto promotor do bem-es-
mática dos direitos do homem hoje não seria tar social, permitindo a necessária correção das
tanto a busca de justificação teórica, mas sim desigualdades econômicas e sociais.
de garantir-lhes proteção jurídica e jurisdicio- Há pouco e pouco os direitos do homem ad-
nal. Os países ocidentais, em sua grande maio- quirem um valor fundamental para a própria com-
ria, trazem nas suas Constituições nacionais o preensão do Estado de direito. De fato, o Estado
reconhecimento do valor jurídico-constitucional de direito, representando o Estado constitucio-
dos direitos do homem, porém quando se trata nal submisso às regras do Direito, por si só não
de garantir-lhes efetividade e concretização, os mais podia expressar a idéia de direito inerente no
mecanismos jurídicos e jurisdicionais são ain- seio da sociedade, que, segundo Georges
da precários e de difícil acesso. Para melhor Burdeau, permitiria o nascimento do Estado atra-
compreendermos a proteção dos direitos fun- vés do processo de institucionalização do poder
damentais, será necessário cuidarmos primeira- político, onde “as vontades dos governantes só
mente do processo de seu reconhecimento jurí- têm valor jurídico quando atribuídas ao Estado;
dico-constitucional, para assim identificarmos quer dizer, quando elas estão conformes à idéia
claramente os direitos tutelados (2). Somente de obra a qual o poder institucionalizado é a ener-
então, estaremos em posição de analisar as ga- gia criadora”.3 Seria, pois, necessário identificar-
rantias jurídicas (3) e jurisdicionais (4) de mos claramente a finalidade do Estado que passa
proteção dos direitos fundamentais. a ser considerada enquanto um elemento consti-
tutivo do Estado moderno.4
2. O RECONHECIMENTO JURÍDICO- É importante ressaltar desde logo a estreita
ligação que existe entre a passagem do Estado
CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
liberal de direito ao Estado social de direito e a
As declarações de direitos da primeira evolução dos direitos do homem (I), para então
fase do constitucionalismo liberal adquiriram procurar uma definição dos direitos fundamen-
um valor jurídico extremamente reduzido. É tais inseridos no próprio texto das constituições
certo que cuidavam da afirmação de princípi- dos Estados (II).
os fundamentais que deveriam ser reconhe-
cidos e garantidos pela ordem constitucio-
nal; entretanto, o fato de não estarem inseri- I. A FINALIDADE DO ESTADO E A EVOLUÇÃO DOS
dos no próprio texto da Constituição, difi- DIREITOS DO HOMEM
cultava sobremaneira o processo de garan- Assim como a problemática dos direitos do
tia, seja jurídica, seja jurisdicional. homem, a idéia de Estado de direito surgiu pri-
1
Bobbio, Norberto. A era dos direitos, tradução meiramente na Europa do século XVIII, durante
3
de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Editora Burdeau, Georges. L’État, Paris: Seuil, 1970, p.47.
4
Campus, 1992, p. 100. Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria
2
Bobbio, Norberto. A era … . ob. cit., p. 32 Geral do Estado, São Paulo: Saraiva, 1985, p. 90 e ss.
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a luta contra o Estado absolutista.5 A sua evo- tico do Estado.7 Neste sentido, o Estado legal,
lução histórica começa com a afirmação do Es- embora representando um progresso em relação
tado de polícia, que assumia a função de ofere- ao Estado de polícia, não poderia oferecer ao ci-
cer segurança e promover o desenvolvimento dadão todas as garantias do Estado de direito,
do Estado, sempre através de medidas de in- posto que, de um lado, a ordem jurídica hierarqui-
tervenção administrativa na vida das pesso- zada estava prejudicada em razão da impossibili-
as. Logo se percebeu que freqüentemente a dade de se impor às leis o respeito às regras cons-
administração se colocava acima das leis. De titucionais; por outro lado, e conseqüentemente,
fato, no Estado de polícia se entendia que os não se poderia pensar na existência do controle
governos e a administração poderiam, dis- judicial da constitucionalidade das leis.
cricionariamente e com uma grande liberda- As duas exigências do Estado de direito, em-
de de decisão, impor aos cidadãos todas as bora essenciais à afirmação de um Estado não-
medidas necessárias para se atingir os fins absolutista, não foram suficientes para oferecer a
perseguidos, sempre com fundamento no in- idéia de direito subjacente ao Estado contempo-
teresse público.6 Neste sentido, o Estado de râneo. Assim, procurou-se introduzir um qualifi-
polícia se identificava com o Estado absolu- cativo, a saber: Estado liberal de direito, Estado
tista na medida que, embora sujeito a uma social de direito e Estado democrático de direito.
ordem jurídica, esta não era capaz de estabe- A principal característica do Estado liberal
lecer limites e proteger os cidadãos em face é, sem dúvida, a busca constante pela não-in-
do poder político estatal. tervenção do Estado nas relações entre parti-
O Estado de direito surgiu, então, com o obje- culares. O Estado liberal é conseqüência direta
tivo de submeter o poder político às regras do da luta contra o Estado absolutista e deste
direito. De modo que a administração encontraria modo procura limitar ou conter os poderes do
no direito os limites à ação do Estado em face dos Estado, ao mesmo tempo que procura proteger
direitos reservados aos cidadãos. Portanto, o os indivíduos das possíveis ingerências da ad-
Estado de direito se caracterizaria pela existência ministração na vida privada.
de: (a) uma ordem jurídica definindo os direitos A idéia de Estado de direito liberal traz con-
do cidadão e limitando o poder político do Esta- sigo a somatória de dois princípios inerentes
do; e, igualmente, (b) um controle judicial da apli- ao Estado de direito: (a) a separação de pode-
cação das regras de direito. Este controle seria, res, onde pela divisão ou separação das três
pois, indispensável para a realização do Estado funções essenciais do Estado, legislar, execu-
de direito e poderia ser exercido por juízes ordiná- tar e julgar, poder-se-ia assegurar o controle da
rios ou por juízes especiais, como por exemplo, atividade de um poder político pelo outro de
os juízes administrativos. mesmo nível; (b) o reconhecimento dos direi-
A necessidade do controle judicial da apli- tos individuais, que seriam inseridos no texto
cação das regras de direito conduziria à com- constitucional e assim protegidos pelo contro-
preensão de uma ordem jurídica hierarquiza- le da constitucionalidade das leis.
da, tendo-se como princípio de base a supre- A idéia de Estado social parte da constata-
macia da Constituição. ção de que a não-intervenção do Estado nas
Particularmente interessante foi o exemplo relações particulares teria trazido uma desigual-
francês, onde a evolução para o Estado de direito dade entre os indivíduos. Os mais fortes eco-
passou por uma fase de afirmação da supremacia nomicamente estariam sendo beneficiados em
da lei. Esta situação foi denominada de Estado detrimento dos indivíduos menos favorecidos
legal, onde somente a lei teria a legitimidade po- pelas relações econômicas.
pular necessária para impor limites ao poder polí- Haveria, pois, necessidade de uma interven-
ção do Estado em favor dos mais fracos econo-
5
Magalhães, José Luiz Quadros de. Direitos micamente, que só seria legítima se regulada,
humanos: evolução histórica, Revista Brasileira de limitada e controlada pelo direito.
Estudos Políticos, UFMG, 1992(74/75), p. 109. Assim, no Estado de direito social se pro-
6
Chevallier, Jacques. L’État de droit, Revue du curou primeiramente alargar a enumeração dos
Droit Public et de la Science Politique en France et à direitos individuais que estariam protegidos pela
l’étranger, Paris: LGDJ, 1988, p. 329; Ver ainda: Constituição do Estado, concedendo-lhes, por
Redor, Marie-Joèlle, De l’État légal à l’État de droit. um lado, uma dimensão coletivista, social, eco-
L’évolution des conceptions de la doctrine publicis-
te française (1879-1914). Paris: Economica/PUAM,
nômica e cultural e, por outro lado, afirmando-
7
1992, 389p. CHEVALLIER, Jacques, L’État, ob. cit., p. 333
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se a obrigação do Estado em oferecer os meios II. A DEFINIÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
necessários para a sua concretização. É comum encontrarmos diversas expressões
É flagrante, nos nossos dias, a oposição que buscam designar aqueles direitos inerentes
entre as concepções do Estado liberal e do Es- à dignidade da pessoa humana e que estão, por
tado social de direito. No momento da recons- conseguinte, protegidos pela Constituição. Con-
trução dos Estados destruídos pela segunda tudo, pode-se indicar desde logo certas particu-
grande guerra na Europa, em razão dos movi- laridades que serão de grande utilidade para a
mentos totalitários que souberam canalizar as correta compreensão do significado jurídico-cons-
insatisfações individuais, advindas das desi- titucional dos direitos fundamen-tais. 10
gualdades entre as pessoas, as novas Consti- De fato, por muito tempo utilizou-se a ex-
tuições optaram pela afirmação de um Estado pressão direitos naturais para designar aque-
social de direito.8 les direitos inerentes à natureza do homem e à
No entanto, recentemente, os anos setenta sua finalidade no mundo. Esta expressão esta-
e oitenta foram marcados pelos movimentos va sem dúvida fortemente vinculada à corrente
neoliberais que há pouco e pouco, procuraram filosófica do jusnaturalismo e procurava assim
reformar as constituições sociais e, sobretudo, conceder um caráter universal aos direitos en-
interferir no momento de elaboração das novas tão reconhecidos pelas declarações de direitos.
constituições que surgiram em razão da luta Ainda sob a influência do jusnaturalismo,
contra regimes autoritários, seja na Europa, seja encontramos a expressão direitos do homem
na América Latina. O objetivo principal seria, ou direitos humanos, correntemente utilizada
pois, a desconstitucionalização, ou seja, a su- nos textos de direito internacional. Agrupando
pressão no texto constitucional daquelas maté- diversas correntes filosóficas de caráter huma-
rias, de ordem econômica e social, que segun- nista, esta expressão procura ressaltar igual-
do esta corrente doutrinária estariam dificultan- mente a dimensão de universalidade, designan-
do o natural desenvolvimento da sociedade. do aqueles direitos, supra-estatais. Eles perma-
Procurou-se então um compromisso entre necem profundamente vinculados à idéia das
as posições liberalizantes e socializantes do declarações de direitos, e neste sentido, têm
Estado. Este compromisso foi possível pela clara um valor jurídico-constitucional reduzido.11
afirmação do princípio democrático, onde cada Utiliza-se freqüentemente a expressão liber-
corrente poderia buscar, no debate político in- dades públicas para designar aqueles direitos que
terno, o apoio popular para a implantação de estão tutelados jurídica e jurisdicionalmente. No
programas liberais ou sociais de governo.9 entanto, esta expressão traz consigo uma dificul-
A Constituição brasileira de 1988 adotou a dade quanto à amplitude dos direitos tutelados,
expressão “Estado democrático de direito”, onde identificando-se muitas vezes com a corrente li-
se procurou ressaltar o princípio democrático que beral que concede um efetivo valor jurídico so-
deve prevalecer sob toda a construção jurídica mente aos direitos e liberdades individuais e
criada pelo novo texto constitucional. coletivos.12
De fato, quando a Constituição brasileira de Da mesma forma, quando se quer tratar so-
1988 afirma no seu artigo 1 º que a República Fe- mente de certa e determinada categoria de direi-
derativa do Brasil constitui-se em Estado demo- tos são utilizadas expressões tais como: direi-
crático de direito, assume, na realidade, um com- tos individuais, direitos coletivos, direitos so-
promisso entre as concepções liberal e social, do ciais, econômicos e culturais.
Estado de direito. Assim, a concretização do Es- A expressão direitos e garantias procura
tado de direito pressupõe a realização de certos justamente ressaltar o fato de se prever conjun-
princípios constitucionais, tais como o princípio tamente com os direitos certos mecanismos ju-
da juridicidade, da constitucionalidade, da sepa- rídicos e jurisdicionais que lhes possam dar efe-
ração dos poderes, dos direitos fundamentais, e, tividade e concretização.
no contexto do Estado democrático de direito, o
princípio democrático. 10
LOBATO, Anderson Cavalcante. Le système
mixte de controle de constitutionnalité: le cas du Brésil
8
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao et du Portugal, Tese de Doutorado, Universidade de
Estado Social. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 48 Toulouse, fevereiro de 1994, p. 216
9 11
COELHO, Inocêncio Mártires. Direito, Estado SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Cons-
e Estado de direito. Revista de Informação Legislati- titucional positivo, São Paulo: Malheiros, 1993, p. 162
12
va. Subsecretaria de Edições Técnicas, Brasília, Se- CRETELLA, José Júnior. Liberdades Públicas,
nado Federal, 1990(108), p. 18 São Paulo: Bushatsky, 1974, p. 45
88 Revista de Informação Legislativa
Recentemente, sob a influência dos juspu- direitos da terceira geração, que se caracteri-
blicistas alemães, adotou-se a expressão direi- zam por serem direitos que dependem de uma
tos fundamentais para designar aqueles direi- ação positiva do Estado e estão relacionados
tos inerentes à pessoa humana, inseridos no às questões de ordem social, econômica e
texto das constituições e que se encontram cultural, tais como o direito ao trabalho, à saú-
portanto, tutelados jurídica e jurisdicionalmen- de, à habitação, à educação, ao acesso à cultura
te pelo Estado.13 e ao lazer.
A constitucionalização dos direitos do ho- Nesse momento, observa-se uma mudança
mem garante, pois, o seu reconhecimento enquan- importante na concepção do Estado que deixa de
to direitos fundamentais, juridicamente positiva- ser visto exclusivamente enquanto manifestação
dos e protegidos, posto que são suscetíveis de de um poder despótico e passa a ser reconhecido
serem discutidos e efetivados perante o Judiciá- enquanto poder capaz de garantir o equilíbrio
rio.14 No entanto, o processo de sua incorpora- social e econômico. A sociedade deixa de se pre-
ção constitucional é lento e permanente. E, para ocupar somente com a proteção do indivíduo di-
melhor compreendê-lo, podemos classificar os ante da ação do Estado para, ao contrário, exigir
direitos fundamentais em gerações de direitos, sua ação no sentido da concretização dos novos
identificando-os historicamente. direitos econômicos, sociais e culturais. 15 Pode-
mos citar entre nós o exemplo das constituições
B) A S GERAÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS de 1934 e de 1946, que são representativas deste
O estudo comparativo das constituições dos período.
Estados contemporâneos nos permite identifi- A atual Constituição brasileira de 1988
car três gerações de direitos no longo processo constitui um Estado democrático de direito, onde,
de incorporação nos textos constitucionais. A já dissemos, se percebe uma opção de compro-
primeira geração de direitos situa-se na primei- misso entre o Estado liberal e o Estado social de
ra metade do século XIX e corresponde aos direito. Compromisso este somente possível se
direitos e liberdades de caráter individual, como, baseado no princípio democrático.
por exemplo, a liberdade de religião e de consci- Referimo-nos, no início, ao processo perma-
ência, a liberdade de circulação e de expressão, nente de reconhecimento de novos direitos do
o direito de propriedade e da inviolabilidade do homem que assumem a natureza de direitos fun-
domicílio. A característica comum de todos es- damentais quando incorporados ao texto consti-
tes direitos é a de protegerem o indivíduo con- tucional. Trata-se, pois, do princípio constitucio-
tra o arbítrio ou abuso do Estado. Podemos ci- nal da lista aberta dos direitos fundamentais que
tar entre nós a Constituição imperial de 1824, se encontra expresso no § 2º, do artigo 5º, da
enquanto exemplo deste período de reconheci- Constituição de 1988, nos seguintes termos:
mento dos direitos individuais e, tendo como “Os direitos e garantias expressos
exemplo clássico em direito constitucional com- nesta Constituição não excluem outros
parado, a Constituição belga de 1832. decorrentes do regime e dos princípi-
A segunda geração de direitos fundamen- os por ela adotados, ou dos tratados
tais aparece na segunda metade do século XIX internacionais em que a República Fe-
e corresponde ao reconhecimento dos direitos derativa do Brasil seja parte”.
de caráter coletivo, por exemplo, o direito de O princípio da lista aberta permite, assim, o
reunião, de associação, de greve ou ainda os reconhecimento gradual e permanente de no-
direitos relativos à participação política do ci- vos direitos, decorrentes sobretudo dos trata-
dadão: o sufrágio universal e o direito de cria- dos e acordos internacionais, nos quais o Esta-
ção dos partidos políticos. Um exemplo entre do brasileiro participa.16
nós deste período é, sem dúvida, a primeira Deste modo, percebe-se hoje, no final do
Constituição Republicana de 1891. século XX, o surgimento de uma quarta gera-
Na primeira metade do século XX começa- ção de direitos, correspondente àqueles que se
ram a surgir constituições que reconheciam os relacionam com o progresso da ciência, como o
13 15
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direi-
Constitucional, São Paulo: Malheiros, 1993, p. 472 tos Humanos…, ob. cit., p. 114.
14 16
ECHAVARRIA, Juan Jose Solozabal. Algunas MOTA, Henrique. Le principe de la ‘liste ou-
cuestiones basicas de la teoria de los derechos funda- verte’ en matière de droits fondamentaux, in La jus-
mentales. Revista de Estudios Políticos (nueva tice constitucionnelle au Portugal. Paris: Economica,
época). Madrid: 1991(71), p. 97 1989, p. 179.
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direito à não-manipulação genética, ou ainda vezes preceitos constitucionais aparentemente
aqueles identificados à solidariedade entre os contraditórios entre si ou que deixam sérias
povos, como o direito ao desenvolvimento, ao dúvidas sobre o seu modo de aplicação. So-
meio ambiente e ao patrimônio comum da hu- mente a idéia de compromisso pode explicar e
manidade. Neste sentido, temos notícia do mo- contribuir na interpretação e aplicação concre-
vimento internacional coordenado pela Funda- ta destes preceitos e princípios constitucionais.
ção Cousteau pela adoção, pela Assembléia das Veremos agora que essas questões constituci-
Nações Unidas, dos direitos das futuras gera- onais aparecem com freqüência na enumeração
ções, relacionados à proteção ao meio ambien- dos direitos fundamentais no texto da Consti-
te e ao desenvolvimento social e industrial eco- tuição Federal de 1988.
logicamente sustentável.17 Os direitos fundamentais estão enumerados
Embora tenhamos aqui apresentado, para efei- no Título II da Constituição de 1988, intitulado:
tos didáticos, os direitos fundamentais divididos “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Este
em várias gerações representativas do seu pro- título está dividido em cinco capítulos, com 13
cesso de reconhecimento e constitucionalização, artigos (do art. 5º ao 17). Os direitos individuais
é necessário deixar claro que a dicotomia aparen- e coletivos da primeira e segunda geração de
te entre, por um lado, os direitos de primeira e direitos adquiriram neste final de século uma
segunda geração, isto é, direitos civis e políticos, quase unanimidade, de modo que na Constitui-
que demandariam uma atitude abstencionista por ção compromisso de 1988, eles terminaram ocu-
parte do Estado – direitos de natureza negativa – pando um espaço significativo do Título II. Es-
; e, por outro lado, os direitos da terceira geração, tão, pois, distribuídos em quatro capítulos: Ca-
ou seja, direitos econômicos, sociais e culturais, pítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e
que contrariamente demandariam uma atitude pro- Coletivos”, com o artigo 5º e seus setenta e
motora do Estado – direitos de natureza positiva sete incisos e dois parágrafos; o Capítulo III,
–, esta aparente antinomia pode e deve ser supe- “Da Nacionalidade”, com dois artigos (arts. 12
rada pelo reconhecimento da indivisibilidade e e 13); o Capítulo IV, “Dos Direitos Políticos”,
interdependência de todos os direitos artigos de 14 a 16; e o Capítulo V, “Dos Partidos
fundamentais.18 Políticos”, com o artigo 17.
Resta-nos agora analisar quais os direitos Os direitos fundamentais da terceira gera-
que assumem a qualidade de direitos fundamen- ção, a saber os direitos sociais, econômicos e
tais no contexto brasileiro pela incorporação no culturais, justamente por representarem um pon-
texto da Constituição Federal de 1988. to essencial de conflito, ficaram restritos à enu-
meração do Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”,
C) O S DIREITOS FUNDAMENTAIS RECONHECIDOS PELA com os artigos de 6 a 11. Sendo que o artigo 6º
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 se limita à indicação genérica dos direitos soci-
ais, quais sejam: a educação, a saúde, o traba-
Os constituintes de 1987/88 tiveram uma lho, o lazer, a segurança, a previdência social, a
grande preocupação com os direitos fundamen- proteção à maternidade e à infância, a assistên-
tais. Esta preocupação se concentrou particu- cia aos desamparados. Porém, o desenvolvimen-
larmente no aspecto de sua efetividade. De fato, to desses direitos ficou para o final do texto
somente a incorporação constitucional dos di- constitucional, Título VII, “Da Ordem Econô-
reitos do homem não seria de modo algum sufi- mica e Financeira”, com quatro capítulos: Capí-
ciente para garantir-lhes aplicação concreta. tulo I, “Dos Princípios Gerais da Atividade Eco-
Porém, o Estado democrático de direito é justa-
nômica” (arts. 170 a 181); Capítulo II, “Da Polí-
mente fruto do compromisso assumido entre as tica Urbana” (arts. 182 e 183); Capítulo III, “Da
concepções liberalizante e socializante do Es- Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrá-
tado. É por esta razão que encontramos muitas ria” (arts. 184 a 191); Capítulo IV, “Do Sistema
17
HEIN, Ronny. Jacques Cousteau: um mergu- Financeiro Nacional” (art. 192); bem como o
lho na utopia, in Os Caminhos da Terra, Ed. Azul, Título VIII, intitulado “Da Ordem Social”, com
abril de 1994, p. 48 ss. nada menos que oito capítulos: Capítulo I, “Dis-
18
A partir de uma perspectiva internacional: posições Gerais” (art. 193); Capítulo II, “Da Se-
Antônio Augusto Cançado Trindade, A questão guridade Social” (arts. 194 a 204); Capítulo III,
da implementação dos direitos econômicos, soci- “Da Educação, da Cultura e do Desporto” (arts.
ais e culturais: evolução e tendências atuais. Re-
vista Brasileira de Estudos Políticos. UFMG,
205 a 217); Capítulo IV, “Da Ciência e da Tecno-
1990 (71), p. 16 ss. logia” (arts. 218 e 219); Capítulo V, “Da Comuni-