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A COMPETIÇÃO NA INDÚSTRIA ALIMENTAR NO CENÁRIO DE

MODIFICAÇÕES TECNOLÓGICAS E NO COMPORTAMENTO DO


CONSUMIDOR

RESUMO

O artigo analisa as transformações em curso na produção, na


distribuição e no consumo alimentar, procurando dimensionar o efeito das mesmas
sobre o padrão concorrencial na industria de alimentos. Essas transformações
estão associadas à emergência de um novo padrão tecnológico que elevou o
potencial de inovação das firmas, notadamente, através da diferenciação de
produtos. Contudo, as novas tecnologias provocaram um acirramento da
concorrência, na esfera do processamento da indústria alimentar, entre
processadores e agentes atuando na distribuição, inclusive através das “marcas
próprias”.
Palavras-chave: estratégias; tecnologias; inovação; diferenciação;

ABSTRACT
The article analyzes the current transformations in the food production,
distribution and in consumption, searching to measure their effect on the
competition pattern. These transformations are associated to the emergency of a
new technological pattern that increased the potential of firms’ innovation,
noteworthy, through products differentiations. Nevertheless, these technologies
provoked the competition strengthening in the sphere of food industry, among
processors and agents acting in the distribution, including by means of “own
labels”.
Works-key: strategies; technologies; innovation; differentiation;
INTRODUÇÃO

A produção e o consumo alimentar estão sendo decisivamente afetados


por uma série de transformações iniciadas nas últimas décadas.
No que tange ao consumo, destacam-se mudanças sócio-econômicas
que contribuíram decisivamente à criação de demandas diferenciadas,
notadamente, a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, a multiplicação
de refeitórios nos locais de trabalho, a rápida urbanização, o advento de uma
gama de utensílio de cozinha que facilitam o preparo das refeições, o aumento da
expectativa de vida, preocupações nutricionais associadas aos alimentos, dentre
outras.
Pelo lado da oferta, cabe salientar os efeitos do acirramento da
concorrência em função do alargamento dos mercados decorrentes das políticas
implementadas recentemente. Além disso, e de um modo inter-relacionado, a
produção alimentar está sendo afetada pela pressão advinda da concorrência via
diferenciação.
O potencial de diferenciação das firmas foi significativamente afetado
pelo aporte de um conjunto de tecnologias derivadas da microeletrônica que
propiciou a maior interação entre a oferta e a demanda. Quer dizer, a introdução
da microeletrônica possibilitou a reorganização do processo de produção (oferta)
em função da demanda, sendo esse um requisito no contexto das transformações
acima assinalas. Contudo, a incorporação dessas tecnologias na distribuição tem
conferido menor maior poder de negociação aos agentes atuando nessa esfera,
criando novas formas de concorrência na esfera de processamento da indústria
alimentar.
Desse modo, o artigo analisa as mudanças no padrão de produção e de
consumo alimentar , tendo como objetivo dimensionar os impactos das novas
1

tecnologias sobre o padrão concorrencial. Assim, a segunda seção discute as


transformações na produção, no consumo, e as implicações para a concorrência.
A terceira, trata das especificidades do processo inovativo na produção alimentar
via diferenciação de produtos, apontando os fatores que limitam a inovação nessa
atividade.

2. TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA PRODUÇÃO E NO CONSUMO


ALIMENTAR

Quando se focaliza os movimentos recentes das empresas da indústria


de alimentos, observa-se que suas estratégias estão sendo condicionadas por
uma série de mudanças qualitativas no consumo alimentar, dentre as quais podem
ser citadas: a) o aumento das refeições externas, tipo fast food; b) a diminuição do

1 Procedimentos metodológicos no apêndice 1.


tempo de preparo das refeições, através do uso de alimentos congelados e
produtos pronto para o consumo; c) a introdução de preocupações dietéticas e
nutricionais, aumentando a demanda por produtos de baixo valor calórico; d) o
emprego de novas técnicas de cozimento, com a difusão de equipamentos como o
forno microondas; e) a redução do estoque semanal/mensal, favorecendo o
desenvolvimento de produtos resfriados (RIZZI, 1993).
Dentre outros aspectos, os acima apontados aparecem como tendências
em torno das quais se apresentam promissoras oportunidades em termos de
exploração do mercado para produtos alimentares, com ganhos decorrentes da
diversificação da oferta.
Essas modificações no padrão de consumo que estão norteando a
conduta estratégica das empresas estão atreladas a mudanças de cunho
socioeconômico, destacando-se o aumento da participação feminina no mercado
de trabalho, a diminuição do número de filhos e o crescimento de famílias
monoparentais, bem como a proliferação de refeitórios nas empresas.
Também contribui para a crescente diversificação da oferta de produtos
alimentares o aumento da expectativa de vida e do surgimento da terceira idade
como um mercado específico, bem como a crescente demanda por produtos
relacionados à saúde (light, diet, sem açúcar, com redução do teor de gorduras,
por exemplo) (GREEN, 1990), constituindo uma demanda altamente diferenciada
por produtos, de melhor qualidade e preços relativamente mais elevados.

O conceito de qualidade compreende basicamente aspectos sanitários e


de sabor. O primeiro se manifesta na preferência por produtos saudáveis, exigindo
mais atenção das empresas no que tange às matérias-primas utilizadas na
produção, às embalagens e a todo o sistema de armazenagem e transporte dos
produtos. O segundo aspecto está associado ao uso de ingredientes químicos
para melhorar o sabor, adequando-o às exigências do consumidor.
A maior importância da qualidade, como critério de escolha, em vez do
preço, determina a coexistência de demandas diferenciadas e tradicionais. A
resultante é o estabelecimento de uma estrutura de oferta progressivamente
hierarquizada (GREEN, 1990).
De uma perspectiva mais geral, cabe salientar como fator subjacente às
mudanças no comportamento do consumidor, o processo de urbanização
acelerada que ocorreu nas últimas décadas.
Nas áreas urbanas, o mercado para produtos alimentares é mais
dinâmico, dispondo de maior oferta de produtos domésticos e estrangeiros. Esses
centros concentram um maior número de mulheres no mercado de trabalho, fator
que eleva a demanda por alimentos do tipo fast food, em função da redução do
tempo disponível para o preparo das refeições. A soma desses fatores explica a
preferência por alimentos de conveniência e serviços relacionados (alimentação
"fora de casa").
Outro resultado da urbanização é a substituição de alguns itens da dieta
alimentar por outros, como, por exemplo, cereais por carne. Esse tipo de
substituição decorre de incrementos na renda, propiciando o acesso a fontes de
nutrientes mais caras (carnes, frutas e vegetais), reduzindo o consumo daqueles
considerados comuns.
Desse prisma, a urbanização forneceu a base para o desenvolvimento
de produtos que podem ser lançados e comercializados simultaneamente em
vários mercados, expediente que permite a valorização das marcas das empresas
que passam a ser difundidas em um número crescente de mercados.
Em suma, as modificações no consumo ora assinaladas tiveram um
impacto significativo em termos de oportunidades de expansão para as empresas
alimentar, contudo, isso somente foi possível a partir do advento de novas
tecnologias que permitiram a conversão dessas oportunidades em ganhos.
O principal traço do advento da microeletrônica como base técnica
produtiva é a possibilidade de reorganização do processo de produção (oferta) em
função da demanda. Esse é um requisito necessário nesse novo contexto em que
satisfazer a demanda significa ter uma estrutura que permita a produção em séries
mais restritas, de bens diversificados destinados a atender demandas particulares
(que são elas próprias modificáveis) (CORIAT, 1988).
No que tange a produção de alimentos, a incorporação das novas
tecnologias e da subseqüente flexibilização da estrutura produtiva tornou
possível a “fabricação" de produtos relativamente diferenciados, em séries
limitadas para segmentos restritos da demanda ou para mercados emergentes.
Além disso, elas representam a possibilidade de responder prontamente às
mudanças nas condições de demanda. Quer dizer, a consolidação de uma nova
trajetória tecnológica baseada na maior interação oferta e demanda, afetou
positivamente o potencial de diferenciação de produtos.
Nesse quadro, as economias de escopo tornaram-se tão (ou mais)
importantes que as economias de escala, e, a diferenciação de produtos tornou-se
o principal elemento do padrão concorrencial. Como conseqüência, a proximidade
em relação aos mercados consumidores passou a ser um fator importante para o
desempenho das empresas alimentares, uma vez que facilita o atendimento das
necessidades dos consumidores de um modo mais eficiente e rápido, observando
as particularidades de gostos e hábitos culturais.
De um lado, essa maior proximidade permite o controle das matérias-
primas necessário para que a firma possa auferir as economias de escala; de
outro, permite o maior conhecimento e atendimento das necessidades dos
consumidores, observando-se os hábitos e gostos locais, permitindo a produção
para vários segmentos de mercado e o aproveitamento de importantes economias
de escopo advindas da diferenciação de produtos.
O estabelecimento de um padrão concorrencial centrado na proliferação/
diferenciação explica a ênfase na implementação de estratégias comerciais e
logísticas – especialmente em relação às redes de distribuição e marketing locais
(MARTINELLI JUNIOR, 1999).
A estratégia comercial envolve esforços para a promoção de vendas,
propaganda e publicidade (P&P), e especialmente a criação de marcas de
prestígio, tendo em vista que o consumo de alimentos é fortemente regionalizado
e dominado por marcas locais . A outra estratégia se refere ao estabelecimento de
2

2O êxito da diferenciação/proliferação de produtos alimentares guarda estreita ligação


com a política de marcas, pois é através delas que se fixa na mente dos consumidores as
eficientes sistemas logísticos para o abastecimento, em geral baseado na
proximidade em relação aos canais de distribuição para garantir o escoamento da
produção, agora em escala local/regional/global.
A importância do sistema de distribuição remete à outra fonte de
competição para as empresas que atuam na esfera da produção. A intensificação
da concorrência entre processadores e as redes varejistas foi uma decorrência do
avanço dessas últimas, a partir da difusão de inovações técnicas e
organizacionais que permitiram a organização e a expansão das lojas de auto-
serviços (supermercados), determinando o aumento do poder de negociação dos
agentes atuando no segmento a varejo.
Ao mesmo tempo, o setor varejista se se tornou um eficiente "barômetro"
das tendências às quais as empresas da esfera produtiva devem estar prontas
para se antecipar, a partir das inovações organizacionais recentes, as quais
propiciam a reorganização do processo de produção (oferta) em função da
demanda.
A introdução de sistemas de códigos de barras e de leitura eletrônica
possibilitou o controle dos estoques em "tempo real", fazendo com que, através de
um eficiente monitoramento das entradas e saídas, as preferências dos
consumidores possam ser captadas e repassadas aos fornecedores
(processadores) (WILKINSON e MALUF, 1999).
Esse tipo de participação da distribuição é fundamental para a maior
interação entre oferta e demanda, na medida em que os agentes da distribuição
captam as necessidades dos consumidores, o que serve como matéria-prima para
o desenvolvimento de novos produtos pelos processadores do produto alimentar.
Assim, as novas tecnologias acabaram por favorecer os agentes que
atuam na distribuição, propiciando um aumento de sua participação no circuito
produção-consumo do produto alimentar. Isso determinou um maior poder de
barganha por parte do segmento varejista em relação às empresas do
processamento da indústria de alimentos.
Segundo Green (1990), uma primeira forma de competição entre
processadores e distribuidores foi introduzida a partir de meados da década de
1970, na primeira fase de expansão do "grande varejo" (hiper e supermercados).
Os distribuidores passaram a exigir daqueles o pagamento pela intermediação na
venda de seus produtos. Como reação, os processadores, especialmente as
maiores empresas, passaram a investir somas consideráveis em publicidade, criar
marcas de prestígio, estabelecendo uma relação direta com os consumidores
como meio para forçar os distribuidores a vendê-las. A publicidade reforçou as
atividades das empresas alimentares de dois modos: de um lado, permitiu a
extensão de seus segmentos de mercado frente aos concorrentes, e, de outro,
aumentou seu poder de negociação com os agentes da distribuição.
A partir dos anos de 1980 o segmento de distribuição a varejo teria um
novo ímpeto de crescimento propiciado pela realização de um elevado número de
fusões e aquisições . O aumento da concentração é um objetivo constante das
3

empresas varejistas uma vez que a atividade de distribuição é marcada por

diferenças criadas no produto – não necessariamente diferenças físicas (CONNOR, 1981).


elevadas economias de escala . Essas economias ocorrem porque um acréscimo
4

do número de itens comprados garante ganhos ao supermercado em relação aos


formatos tradicionais da distribuição. Isso explica um grande número de
aquisições em função da possibilidade da rápida expansão da rede de distribuição
a varejo.
Os agentes com atuação na distribuição, além dos estímulos e
facilidades de recorrer às operações F&As, beneficiaram-se amplamente do
avanço tecnológico ocorrido no período recente, aumentando seu poder de
barganha frente aos processadores . 5

A partir desses avanços, os distribuidores concorrem com os


processadores ofertando formatos alternativos às compras dos consumidores,
como produtos de conveniência, embutindo "serviços" e criando produtos de maior
valor adicionado , beneficiando-se de sua proximidade e do maior conhecimento
6

das necessidades dos consumidores.


Contudo, no período recente uma nova forma de concorrência mais direta
está sendo introduzida, através de produtos de "marcas próprias ". A comercialização
7

de alimentos que levam a "etiqueta" de redes especializadas na distribuição


representa uma forma de parceria em que a empresa do processamento abre mão
de usar a sua marca no produto que oferta em favor do uso de uma marca do
varejista .
8

3A estratégia de reestruturação também foi adotada nos segmentos da grande


distribuição, num primeiro momento nos mercados mais dinâmicos dos Estados Unidos e da
Europa, tendo posteriormente se generalizado também nos mercados periféricos.

4As economias de escala surgem em vários pontos da empresa supermercadista: na


compra e nas promoções de vendas; na expansão da rede; nas operações (retornos crescentes);
nos imóveis; na obtenção de financiamentos, além de economias de escopo e de aprendizado
(LEPSCH, 2001, p.61).

5Esse processo também implicou a redução da participação dos atacadistas no circuito


de produção e distribuição, ou seja, uma redução na intermediação entre processadores e
varejistas (COTERILL, 1999).

6Há toda uma gama de produtos-conveniência, como os cortes e embalagens especiais


de carnes, frutas e vegetais frescos, panificação, dentre outros.

7Essa não é uma estratégia recente. As marcas próprias surgiram nos anos de 1970,
porém àquela época eram oferecidas à iniciativa das empresas do processamento, visando a
ampliação do uso da capacidade instalada fornecendo produtos de qualidade inferior em relação
aos produtos principais. O ressurgimento das marcas próprias no período recente resulta da
iniciativa dos distribuidores procurando um melhor posicionamento frente a concorrência e o
aumento das margens de ganhos (PÚBLIO, 2001, p.72).

8Outraforma de parceria em franca expansão envolve duas diferentes empresas de


processamento, em que uma delas fornece o produto que será vendido pela outra sob alguma de
suas marcas, e, às vezes produzindo para vender com sua marca. Um bom exemplo dessa
Isso é comum no caso de produtos "commoditizados" em que há uma
forte competição via preços, levando as firmas a buscarem formas de reduzir
custos. Essa é a lógica da estratégia de marcas próprias por parte da empresa
que fornece: o uso de capacidade ociosa permite o aumento do volume
9

produzido, propiciando a redução do custo com possibilidade de ampliação das


margens de ganho. Do ponto de vista do distribuidor, a lógica está na possibilidade
de ampliação das margens resultantes da redução da dependência em relação às
negociações com seus fornecedores.
No caso dos processadores, a estratégia de lançamento de marcas
próprias pode seguir dois caminhos: a criação de selos com nomes diferentes do
estabelecimento que os comercializa e/ou a utilização de selos com o mesmo nome
do estabelecimento que o comercializa. Em geral, são as redes de supermercados e
hipermercados que ofertam esses produtos, e, em menor escala, algumas redes
atacadistas.
A comercialização de produtos com vários selos apresenta a vantagem de
atender a públicos mais heterogêneos, sem comprometer a imagem do
estabelecimento e permitindo um controle de qualidade menos rigoroso que o uso do
selo com o próprio nome, sendo porém mais oneroso. Ocorre que, sem associação
do produto com o nome do estabelecimento, torna-se necessário planejamento,
marketing e campanhas de propaganda e publicidade (P&P) individuais.
Por outro lado, a associação direta do produto ao estabelecimento que o
oferece propicia maior reconhecimento da marca e credibilidade. A vantagem para a
empresa advém do fortalecimento da imagem da empresa, por exemplo do
supermercado, criando maior fidelidade por parte do consumidor, que só encontra o
produto no local em que é distribuído. Em contrapartida, essa estratégia exige maior
controle de qualidade (PÚBLIO, 2001).

3. A IMPORTÂNCIA E OS LIMITES DA DIFERENCIAÇÃO DE PRODUTOS NA


INDÚSTRIA ALIMENTAR
Como assinalado acima, a diferenciação de produtos é o principal
elemento da disputa dos mercados na indústria de alimentos. Isso porque a
natureza do produto e do consumo alimentar impõe sérias restrições à introdução
de produtos efetivamente novos (inovação propriamente dita, ou inovação
"radical"). Assim, a diferenciação gera vantagens econômicas e comerciais
importantes, fortalecendo o potencial competitivo das empresas, seja no plano
doméstico, seja no plano internacional. Essas vantagens são derivadas de quatro
razões: a) uma linha de produtos mais extensa pode fortalecer a imagem da
empresa ao ampliar a gama de consumidores e permitir a satisfação de suas
necessidades de um modo mais pleno; b) outra vantagem se manifesta nos

estratégia é a parceria da J.Macedo que além de suprir sua oferta produz massas de bolo que a
Sadia vende (BARCELLOS , 1998).

9É evidente que o suprimento do produto com a marca comercial do processador não


requer o uso de toda a capacidade instalada.
benefícios relacionados à proliferação de produtos e da precedência em nichos
10

de mercado potenciais, que podem vir a ser tão importantes, do ponto de vista
estratégico, quanto aqueles em que a empresa já atua, funcionando como
barreiras à entrada de outros concorrentes; c) a expansão de linhas de produto
com a marca comercial da empresa leva à valorização dos ativos intangíveis,
podendo gerar simultaneamente economia de escopo nos gastos com P&P, na
medida em que o nome da empresa é difundido em vários mercados, além de
servir como contraponto ao surgimento das marcas próprias; d) a possibilidade de
uma maior e melhor exposição nos locais de venda dificulta o relacionamento com
novas empresas em função do relacionamento comercial mais antigo ( CONNOR,
1981).
Contudo, o espaço comercial de cada produto impõe limites às
possibilidades de diferenciação. O produto alimentar apresenta vários atributos ou
dimensões, cada um constituindo um espaço comercial (product atribute space), em
geral, não completamente ocupado. A diferenciação é uma das formas de
preencher esse espaço ou torná-lo mais denso.
Quer dizer, os atributos definem os espaços comerciais, que são
modificáveis ao longo do tempo, especialmente em função da evolução da
demanda. Por exemplo, o espaço comercial do pão foi se alargando, passando de
uma produção predominantemente caseira para uma produção em escala
industrial, determinando a oferta de várias opções em termos de apresentação,
tamanho, composição, níveis calóricos, dentre outros aspectos.
O potencial de diferenciação presente no espaço comercial de cada
produto guarda estreita ligação com o "estado da arte", com a evolução da
tecnologia e da demanda.
Esses elementos tanto podem atuar no sentido de facilitar ou de inibir a
trajetória de proliferação/diferenciação. Essa situação pode ser ilustrada pelo
impacto de uma série de utensílios de cozinha, que tiveram uma ampla difusão no
período recente. Nessa linha, destaca-se o uso dos fornos de microondas e de
freezer, impulsionando o desenvolvimento de uma ampla gama de produtos
prontos para o consumo (refrigerados, congelados), ou semiprontos, como os
alimentos pré-cozidos. A introdução desses eletrodomésticos e outros utensílios
de cozinha significou um "salto" tecnológico porque prolongou o tempo de validade
dos alimentos e demarcou uma importante redefinição dos hábitos de consumo,
constituindo uma fonte de constantes inovações.
Além do espaço comercial e dos atributos do produto, a diferenciação de
produtos é limitada por fatores associados à demanda que se subordina aos
aspectos sócio-culturais.
Nessa linha, cabe destacar a diversidade de padrões alimentares entre os
povos e as práticas ético-religiosas. A demanda alimentar, derivada de hábitos, leva
tempo para se modificar (“herança" cultural”). Além disso, há que considerar ainda
que as regulamentações institucionais também podem exercer restrições à demanda
e, conseqüentemente, à estratégia de diferenciação. Fatores como as normas da

10A expressão é empregada por Connor (1981) para ressaltar que o fluxo de inovações inclui
a introdução de novos produtos e não apenas a modificação de produtos já existentes (diferenciação).
saúde pública, as especificações quanto aos ingredientes e os vários insumos para a
produção do alimento, dentre outros, ganham destaque.
Quer dizer, as particularidades da demanda reforçam as dificuldades de
criação de mercados radicalmente novos, realçando a ênfase nas inovações
incrementais nessa atividade, o que reitera a importância da diferenciação de
produtos.
Outro fator que pode restringir o processo inovativo via diferenciação se
de produtos se refere à tecnologia. Esse é um ponto contraditório, pois, ainda que
ela seja um fator que pode incrementar as possibilidades de diferenciação, o alto
grau de heterogeneidade técnica que caracteriza os vários estágios da produção
do alimento para consumo final confere certas particularidades, podendo restringir
seu desenvolvimento. Essas particularidades podem ter origem na influência das
vicissitudes da natureza na produção do bem agrícola destinado ao consumo in
natura ou ao processamento, ou em aspectos da demanda. O ciclo de
crescimento e/ou manipulação de animas e vegetais, ou as condições
edafoclimáticas podem ser citados como exemplos da influência da natureza como
fator de restrição ao desenvolvimento tecnológico ( MARTINELLI JUNIOR, 1999).
O potencial de diferenciação atrelado ao progresso tecnológico, passa a
depender, então, da capacidade das inovações em facilitar a intervenção nos
ciclos naturais, como ocorreu no período recente, quando foram incorporadas as
tecnologias associadas ao paradigma da microeletrônica. Os principais impactos
do progresso técnico na produção de produtos alimentares resultaram das
mudanças em processo e da introdução de novos ingredientes. A atualização
tecnológica representou um incremento da capacidade de intervenção nos ciclos
naturais, afetando significativamente as condições de acesso a ingredientes para
a produção de uma gama de novos produtos.
Do ponto de vista geral, o principal resultado da incorporação das novas
tecnologias foi a flexibilização da estrutura produtiva (oferta), ampliando as
possibilidades de "fabricação" de produtos diferenciados, mas em séries limitadas
para segmentos restritos da demanda ou para mercados emergentes,
contrastando com a forma tradicional de produção em massa (padrão Fordista).
Essa redução da rigidez de estrutura na estrutura produtiva pode ser vista,
também, pela maior interação dos parâmetros da demanda com a oferta, sendo a
primeira um sinalizador para a segunda, portanto, aumentando sua participação
na determinação da direção da trajetória tecnológica. Em outros termos, a
crescente interação demanda- oferta é um indicador da orientação das inovações
para o mercado.
A partir dessas considerações a respeito da natureza do produto e do
consumo alimentar, é possível dizer que a estratégia de diferenciação está voltada
aos processos e à utilização de novos ingredientes. Essa constatação indica que
as características dos produtos e da demanda dificultam estratégias que permitam a
criação de mercados radicalmente novos (escassez de inovações radicais). Como
decorrência disso, tem sido ressaltado que vantagens competitivas derivadas das
inovações, segundo a concepção de Schumpeter (1984), não se colocam com vigor
em vários segmentos da indústria de alimentos (GREEN e ZUNIGAN apud BELIK,
1995).
Com isso, os produtos têm destaque nas estratégias competitivas das
empresas alimentares. A freqüente introdução de novos produtos é uma estratégia
comum adotada pelas líderes da indústria de alimentos (CONNOR, 1981).
O ritmo da inovação e sua importância na indústria de alimentos
dependem também da natureza do produto em termos da velocidade de sua
absorção pelo consumo, pois o lançamento de um novo produto implica a criação
de um adicional, uma vez que as inovações são incrementais.
Assim, além da proliferação de produtos alimentares através de
mudanças físicas no produto, é possível influenciar a percepção de diferenças
associadas a um produto, recorrendo-se à propaganda. Esse expediente
representa um efeito "psicológico" que cria diferenças entre os produtos. Nesse
quadro, o desenvolvimento de marcas é, junto com o fator preço, uma importante
dimensão da estratégia de introdução de novos produtos.
Na verdade, nem o preço nem a marca, necessariamente, representam
diferenças nos produtos, mas ambos conseguem criar diferenças nas mentes dos
consumidores. Ao preferir uma marca a outra, o consumidor vai perdendo seu
referencial em termos de quanto vale o novo produto que incorporou alguma
mudança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O aspecto central do advento das novas tecnologias descritas ao longo


do trabalho se refere a maior interação entre oferta e demanda, propiciada pelas
mesmas. Essa interação é um requisito para o maior conhecimento de hábitos e
gostos locais e atendimento de demandas diferenciadas. Contudo, o progresso
tecnológico também provocou um acirramento da concorrência entre empresas da
esfera produtiva da indústria alimentar e criou novas formas de concorrência. A
incorporação das novas tecnologias na distribuição aumentou significativamente o
conhecimento sobre as preferências dos consumidores, fazendo dessa atividade
um eficiente “barômetro” das tendências às quais as empresas precisam se
antecipar. Assim, a crescente interação entre oferta e demanda acabou por dotar
os agentes da distribuição de maior poder de barganha frente aos processadores.

APÊNDICE 1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esse trabalho tem uma natureza explicativa e descritiva. Cabe salientar


que, a primeira caracteriza pesquisas que têm como preocupação central
identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos
fenômenos; e, a segunda, tem como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou, ainda, o
estabelecimento de relações entre variáveis”
Quer dizer, uma pesquisa de natureza explicativa pode ser também uma
pesquisa descritiva, porquanto a identificação dos fatores que consubstanciam um
fenômeno qualquer exige, em contrapartida, que este seja suficientemente
detalhado e descrito (GIL, 1981, p.).

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