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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
INTERUNIDADES EM ESTÉTICA E HISTÓRIA DA ARTE

Dominique Raquel Cohen

Cenografia para além do Teatro

São Paulo
2007
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Dominique Raquel Cohen

Cenografia para além


além do Teatro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte da Universidade de São Paulo, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em Estética e
História da Arte.

Área de Concentração: Estética e História da Arte.


Orientador: Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Correa.

São Paulo
2007
II

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho,


por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo
ou pesquisa, desde que citada a fonte.

COHEN, Dominique Raquel.

Cenografia para além do teatro. São Paulo, 2007, 120 f:

Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo - Programa de Pós-


Graduação Interunidades em Estética e História da Arte ECA/FAU/FFLCH.

Orientador: Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Correa

1. Produção e circulação da Arte. 2. Artes Plásticas. 3. Xxxxx. Cenografia


além do Teatro. I. Título
III

FOLHA DE APROVAÇÃO

Dominique Raquel Cohen


Cenografia para além do Teatro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


Interunidades em Estética e História da Arte da
Universidade de São Paulo para a obtenção do título de
Mestre em Estética e História da Arte.

Área de Concentração: Estética e História da Arte.

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof(a). Dr(a). ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________Ass. _______________________________________

Prof(a). Dr(a). ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________Ass. _______________________________________

Prof(a). Dr(a). ___________________________________________________________________

Instituição: _________________________Ass. _______________________________________


IV

Este trabalho é dedicado a Matheus, Raquel e Thomas

pelo amor e apoio incondicional em todos

os momentos desta longa caminhada.


V

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Victor Aquino Gomes Correa, meu orientador, pelo
apoio e compreensão em todos os momentos.

Ao MAC por tornar possível esta experiência.

A Neusa Brandão por acolher com sensibilidade minhas dúvidas e


inseguranças ao longo deste percurso.

A Cristiana Checchia Chila, amiga querida desde sempre, pela iniciativa que
deu origem a este trabalho.

Aos amigos do coração pela confiança e carinho sempre disponíveis.


VI

RESUMO

COHEN, D. R. Cenografia para além do Teatro.


eatro 2007. 120 f. Dissertação
(Mestrado) - Interunidades em Estética e História da Arte, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2007.

No universo do espetáculo a cenografia se consolidou enquanto linguagem artística,


cuja mensagem expressiva, investida de simbolismos e rica de visualidade, vai ao
encontro das demandas éticas, estéticas e do imaginário das platéias.
O estudo em questão busca investigar o contexto no qual esta linguagem foi
reconhecida e absorvida pelo mercado de produção de bens culturais; situar o
deslizamento da práxis cenográfica, do universo do palco em direção a novos
espaços de atuação; estabelecer as características da cenografia como ferramenta
na comunicação de conteúdos imagéticos em torno do consumo, seja ele de
produtos ou de conceitos.

Palavras chave: cenografia, linguagem, simulacro, visualidade, espetáculo, consumo.


VII

ABSTRACT

COHEN, D. R. Scenography beyond Theatre. 2007. 120 f. Essay (Masters


Degree) - Interunidades em Estética e História da Arte, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2007.

In the universe of the spectacle, scenography has consolidated itself as an artistic


language, with its expressive message, invested in symbolisms and rich visuality,
meeting audience’s ethical, esthetical and imaginary demands.
This essay investigates the context in which this language has been recognized and
absorbed by the productive market of cultural assets; situates the slippage of the
scenographic praxis from the universe of the stage to new spheres of action;
establishes the scenographic characteristics in its role as a tool for imagerial
content communication around the consumption of products and /or concepts.

Key words: scenography, language, simulacrum, visuality, spectacle, consumption.


VIII

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1. O Teatro Trianon, com um de seus maiores sucessos: Cala a Boca


Etelvina,
Etelvina de Armando Gonzaga. Companhia Procópio Ferreira. Rio de Janeiro,
1925. Acervo Procópio Ferreira (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997) ............................................................................................................... 21

Figura 2. Casa do Tio Pedro,


Pedro de Oduvaldo Vianna, Teatro Trianon. Rio de Janeiro,
1920. Arquivo Brício de Abreu/ Funarte (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 21

Figura 3. Canta Brasil,


Brasil Revista de Walter Pinto, no Teatro Recreio. Rio de Janeiro,
1945. Arquivo Brício de Abreu/ Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 22

Figura 4. Cenografia para Vestido de Noiva de Tomás Santa Rosa. . Rio de


Janeiro, 1943. Arquivo Funarte.(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997) ............................................................................................................... 24

Figura 5. Vestido de Noiva,


Noiva de Nelson Rodrigues: a força visual de Ziembinsky,
diretor. Rio de Janeiro, 1943. Arquivo Funarte.(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 24

Figura 6. Pélleas e Melisande de Maeterlink, no Teatro Municipal do Rio de


Janeiro, direção de Ziembinsky e cenários de Santa Rosa. Rio de Janeiro, 1944.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .................................... 25

Figura 7. Sérgio Cardoso na montagem de O Mentiroso,


Mentiroso de Godoni. Teatro
Brasileiro de Comédia. 1949. ( Brasil: Palco e Paixão. Um século de Teatro.
2004/2005) ...................................................................................................................... 26

Figura 8. Anjo Negro de Nelson Rodrigues, direção e figurino de Ziembinsky,


cenário de Sandro Polônio, com Maria Della Costa. Rio de Janeiro, 1948. Arquivo
Funarte (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) ........................ 27
IX

Figura 9. Paulo Autran e Maria Della Costa em Ralé,


Ralé de Gorki, Teatro Brasileiro de
Comédia, direção de Flaminio Bollini Cerri, cenários e figurinos de Túlio Costa.
São Paulo, 1951. Foto Fredi Kleemann / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 29

Figura 10. A Moratória,


Moratória de Jorge Andrade, cenários de Gianni Ratto. Teatro Maria
Della Costa, São Paulo, 1955. Arquivo pessoal do cenógrafo. ( Espaço
Cenográfico News, periódico, 2004) ................................................................................. 30

Figura 11. Maria Della Costa em O Canto da Cotovia,


Cotovia de Anouilh, direção e
cenários de Gianni Ratto, figurinos de Luciana Petrucelli. São Paulo, 1954. Foto
José de Queiroz Mattoso / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997) ............................................................................................................... 31

Figura 12. Leonardo Vilar, Odavlas Petti e Amélia Bittencourt em O Pagador de


Promessas,
Promessas direção Flávio Rangel, cenários de Cyro Del Nero. São Paulo, 1960.
Arquivo Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX,
1997) ................................................................................................................................ 34

Figura 13. A Visita da Velha Senhora,


Senhora de Durrenmatt, cenários e figurinos de Jean
Gilon, direção de Walmor Chagas. São Paulo, 1962. Foto Fredi Kleemann / CCSP.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .................................... 35

Figura 14. Morte e Vida Severina,


Severina de João Cabral de Melo Neto, direção de
Clemente Portella, cenários e figurinos Flávio Império. Teatro Experimental
Cacilda Becker, 1960. Foto Fredi Kleemann – Multimeios/Divisão de
Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999) ............................................................................ 36

Figura 15. Andorra de Max Frisch, direção de José Celso Martinez Corrêa,
cenários e figurinos Flávio Império. Teatro Oficina, 1964. Foto Derly Marques –
Multimeios/Divisão de Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999) ........................................ 36

Figura 16. Pequenos Burgueses de Gorki: stanislavskiano Grupo Oficina, cenários


e figurinos de Anísio Medeiros, direção de José Celso Martinez Corrêa. São Paulo,
1963. Arquivo Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século
XX, 1997) .......................................................................................................................... 37
X

Figura 17. Coro de Hécuba,


Hécuba de Eurípedes, direção de Rodrigo Santiago, cenários
e figurinos de Sarah Febes, Escola de Teatro da Universidade do Pará, Belém,
1966. Acervo Carlos Miranda. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997) ............................................................................................................... 37

Figura 18. O Balcão de Genet,


Genet na montagem espetacular de Vítor Garcia (direção
e figurino) com cenários e platéia verticais de Wladimir Pereira Cardoso, no
Teatro Ruth Escobar. Em cena, Thereza Raquel. São Paulo, 1969. Fotos Ariovaldo
Santos / JB. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .................. 38

Figura 19. Cemitério de Automóveis


Automóveis,
omóveis espetáculo de Vítor Garcia: uma revolução
no espaço cênico. 1970. Foto Adir Gomes. ( Brasil: Palco e Paixão. Um século de
Teatro. 2004/2005) .......................................................................................................... 40

Figura 20. Carlos Zara, Beatriz Lyra, Paulo Gracindo e Rogério Fróes em O Preço,
Preço
de Arthur Miller, direção de Luís de Lima, cenários e figurinos de José Dias,
1970. Arquivo Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século
XX, 1997) .......................................................................................................................... 41

Figura 21. A força plástica de Macunaíma na direção de Antunes Filho.


Adaptação da obra homônima de Mário de Andrade feita por Jacques Thieriot e
Grupo de Arte Pau-Brasil, cenários e figurinos de Naum Alves de Souza. São
Paulo, 1978. Foto Derly Barroso /CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 41

Figura 22. As malas e o sentimento de solidão dos exilados: Boal em Murro em


Ponta de Faca.
Faca Direção de Paulo José, cenários de Gianni Ratto. Rio, 1979. (Clóvis
Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) ................................................ 42

Figura 23. A Falecida de Nelson Rodrigues, direção de Osmar Rodrigues Cruz,


cenários e figurinos Flávio Império. Teatro Popular do SESI, 1979. Foto Tereza
Pinheiro – Multimeios/Divisão de Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999) ...................... 42

Figura 24. O Doente Imaginário,


Imaginário de Moliére, direção Cacá Rosset. Public Theater,
Nova Iorque, 1989. Acervo de José Anchieta. (José Anchieta, Auleum, a Quarta
Parede, 2002) .................................................................................................................... 44
XI

Figura 25. Sonho de uma Noite de Verão,


Verão de W. Shakespeare, direção Cacá
Rosset. Delacorte Theater, Nova Iorque, 1990. Acervo de José Anchieta. (José
Anchieta, Auleum, a Quarta Parede, 2002) ........................................................................ 45

Figura 26. O Livro de Jó,


Jó de Clara Góes, cenário de José Dias, figurino de Samuel
Abrantes e direção de Moacyr Góes. Rio de Janeiro, 1993. Acervo de José Dias.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .................................... 46

Figura 27. Com cenário de Fernando Mello, Cartas Portuguesas,


Portuguesas de Mariana
Alcoforado, adaptação de Júlio Bressane, direção de Bia Lessa. Rio de Janeiro,
1991. Foto Tamas / Acervo Bia Lessa. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 46

Figura 28. Trilogia Kafka – A Metamorfose,


Metamorfose espetáculo de Gerald Thomas com
cenários de Daniela Thomas. Rio de Janeiro, 1988. Foto Ary Brandi / CCSP.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .................................... 47

Figura 29. Império das Meias Verdades,


Verdades texto e direção de Gerald Thomas. São
Paulo, 1993. Foto Heloísa Greco Bortz / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997) .......................................................................................... 48

Figura 30. Paraíso Zona Norte,


Norte de Nelson Rodrigues, direção de Antunes Filho,
cenários e figurinos de J. C. Serroni. Caracas, 1989. Foto de Emídio Luisi (Modos
Cenográficos, catálogo, 1994) .......................................................................................... 49

Figura 31. Paraíso Zona Norte,


Norte de Nelson Rodrigues, direção de Antunes Filho,
cenários e figurinos de J. C. Serroni. Caracas, 1989. Foto de Emídio Luisi (Modos
Cenográficos, catálogo, 1994) .......................................................................................... 49

Figura 32. Gilgamesh,


Gilgamesh pelo Centro de Pesquisa Teatral / SESC, direção e texto de
Antunes Filho (baseado em épico da Babilônia), cenários e figurinos de J.C.
Serroni. Em cena Luís Melo e Raquel Anastásia. São Paulo, 1995. Foto João
Caldas / CCSP (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) .............. 50

Figura 33. Péricles,


Péricles de Shakespeare, adaptação e direção de Ulysses Cruz,
cenários e figurinos de Hélio Eichbauer. São Paulo, 1995. Foto João Caldas /
CCSP (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997) ............................ 51
XII

Figura 34. Antonio Nóbrega e Rosana Almeida em Brincante,


Brincante texto de Bráulio
Tavares, direção e cenografia de Romero de Andrade Lima. São Paulo, 1992. Foto
Ary Brandi / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX,
1997) ................................................................................................................................ 51

Figura 35. Três momentos de As Três Irmãs,


Irmãs direção de Bia Lessa e cenários de
Gringo Cárdia, Rio de Janeiro, 19 . Acervo de Gringo Cárdia ( Espaço
Cenográfico News, periódico, 2004) ................................................................................. 52

Figura 36. Rota espetáculos de Deborah Colker e cenários de Gringo Cárdia, Rio
de Janeiro, 1997. Acervo de Gringo Cárdia ( Espaço Cenográfico News, periódico,
2004) ................................................................................................................................ 53

Figura 37. Estande do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de


São Paulo, na Feira SABER, edição 2002, São Paulo ........................................................... 85

Figura 38. Estande da General Eletric - GE , na Feira NEGÓCIOS DOS TRILHOS,


edição 2001, São Paulo ....................................................................................................... 87

Figura 39. Estande do Consulado da Argentina, na Feira ABRAS, edição 2000,


São Paulo .......................................................................................................................... 88

Figura 40. Estande da Jaraguá, em feira de negócios industriais, 2002, São Paulo ............ 88

Figura 41. Estande da Omega Mega Light, na EXPOLUX, edição 2004, São Paulo ............. 91

Figura 42. Estande da Weber Quartzolit, na FEICON, edição 2003, São Paulo ................... 91

Figura 43. Desfile do estilista Mário Queiroz, Inverno 2006, SPFW, São Paulo .................. 95

Figura 44. Outro momento do desfile, Inverno 2006, SPFW , São Paulo ............................. 95

Figura 45. Coleção de Verão da Fórum, 2005, SPFW , São Paulo ........................................ 97
XIII

Figura 46. Coleção de Mário Queiroz em clima de protesto, Verão 2006, SPFW,
São Paulo .......................................................................................................................... 98

Figura 47. Coleção de Ronaldo Fraga, Inverno 2005, SPFW, São Paulo ............................ 99

Figura 48. Coleção da Alphorria, Inverno 2005, SPFW, São Paulo ................................... 100

Figura 49. Vitrine para fabricante de relógios. Produção de Sylvia Demetresco ............. 103

Figura 50. Vitrine para fabricante de compostos e beneficiados de alumínio.


Produção de Sylvia Demetresco ....................................................................................... 104

Figura 51. Vitrine para varejo de roupa feminina. Produção de Sylvia


Demetresco ..................................................................................................................... 105

Figura 52. Vitrine para varejo de acessórios para moda feminina. Produção de
Jack Mello ......................................................................................................................... 106

Figura 53. Vitrine para varejo de moda feminina. Produção de Sylvia


Demetresco ..................................................................................................................... 107

Figura 54. Festa da Pepsi on Stage. A pista de dança está lotada e muitos
convidados se acumulam do lado de fora. Porto Alegre, Maio 2006 ................................. 109

Figura 55. Outro momento do Espaço Pepsi on Stage, agora sem audiência. Porto
Alegre, Maio 2006 ........................................................................................................... 109

Figura 56. Evento de lançamento de produtos da linha Boticário, no Amni Hot


Spot, a semana da moda dos jovens criadores. São Paulo, 2.005 ..................................... 111

Figura 57. Intervalo dos desfiles. São Paulo, 2.005 ......................................................... 111
XIV

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Possibilidades de Intervenção Cenográfica ......................................... 82


XV

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÂO .................................................................................................. 16

1.1 A linguagem da Cenografia ...................................................................... 16


1.2 Proposta de Trabalho ............................................................................... 18

2. A NATUREZA DA LINGUAGEM
LINGUAGEM CENOGRÁFICA: CONCEITUAÇÃO E ESTRATÉGIAS 20

2.1 No Brasil .................................................................................................. 20


2.2 A Experiência Cenográfica ........................................................................ 54
2.3 Linguagem, Signo e Representação .......................................................... 60
2.4 O Espetáculo ............................................................................................ 68
2.5 Cenografias possíveis .............................................................................. 71

3. CENOGRAFIA E OS NOVOS
NOVOS ESPAÇOS DE ATUAÇÃO:
ATUAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO ....... 75

3.1 A construção da aparência ...................................................................... 75


3.2 Possibilidades do Território Cenográfico ................................................. 81
3.2.1 Estandes ............................................................................... 83
3.2.2 Desfiles de Moda ................................................................... 93
3.2.3 Vitrines ............................................................................... 102
3.2.4 Eventos e Festas.................................................................... 108

4. CONCLUSÃO ................................................................................................. 113

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 116
Cenografia para além do teatro 16

1. INTRODUÇÃO

1.1 A linguagem da Cenografia

A cenografia enquanto manifestação criativa é parceira indissociável da

narrativa teatral, remontando à Grécia Antiga. O termo cenografia deriva do latim

scenographia, que, por sua vez, tem origem no grego skenographie, composição de

skené, cena e graphein, escrever, desenhar, pintar, colorir. 1

Desde os primórdios do teatro, portanto, a cenografia, como uma grafia de

cena, um desenho de cena, produz uma vasta gama de imagens codificadas que são

apreendidas pelo público. A relação entre os diferentes elementos de um projeto

cenográfico estabelece uma urdidura – de conteúdos e significados – a ser

comunicada e partilhada com a audiência, e cuja recepção, que implica numa

atribuição de sentido e valor, vem a ser, no entanto, absolutamente particular.

1 “O termo cenografia (skenographie, que é composto de skené, cena e graphein, escrever, desenhar,
pintar, colorir) se encontra nos textos gregos – A poética, de Aristóteles, por exemplo. Servia para
designar certos embelezamentos da skené. Posteriormente é encontrado nos textos em latim (De
arquitectura, de Vitrúvio): scenographia. Era usado provavelmente para definir no desenho uma noção
de profundidade. No Renascimento os textos de Vitrúvio foram traduzidos e o termo cenografia
passou a ser usado para designar os traços em perspectiva e notadamente os traços em perspectiva do
cenário no espetáculo teatral. A cenografia existe desde que existe o espetáculo teatral na Grécia
Antiga, mas em cada época teve um significado diferente, dependendo da proposta do espetáculo
teatral.” MANTOVANNI, A.,1989, p.13
Cenografia para além do teatro 17

Podemos afirmar que a cenografia, na qualidade de expressão artística e

cultural remonta historicamente às raízes da humanidade. Conceitualmente, o

sentido que se dá à práxis cenográfica hoje, é bastante distinto de sua origem, em

razão das grandes transformações sociais, econômicas e tecnológicas

desencadeadas nos séculos XVIII e XIX; mudanças que revolucionaram os processos

de produção e circulação da comunicação nas sociedades modernas.

Com a consolidação da cultura de consumo a cenografia, até então

circunscrita aos palcos, é ‘descoberta’ pelo mercado produtor comercial; verifica-se

um deslizamento da linguagem cenográfica em direção a novas áreas de atuação:

exposições, cinema, televisão, desfiles, feiras e eventos institucionais, por exemplo.

Assim como outras linguagens artísticas, a cenografia é reconhecida como

uma ferramenta, cujo know-how pode ser utilizado na comunicação simbólica de

mensagens, relacionadas ao universo do consumo: seja ele de produtos, de

conceitos, de lazer e cultura ou ainda, de estados de prazer.

Este aspecto parece indicar que os processos comunicativos da cultura de

consumo podem ser ativados pela linguagem cenográfica.


Cenografia para além do teatro 18

1.2 Proposta de Trabalho

O propósito deste trabalho é investigar e discutir a utilização de conceitos da

prática cenográfica para além do universo teatral, cuja demanda em outras

atividades não ligadas ao palco se evidencia a partir do século XX.

Através de um estudo da estória do teatro moderno no Brasil, vai se buscar

identificar qual o repertório de ações empregadas pela cenografia em seu processo

de comunicação, em torno de questões como: O que a cenografia comunica? Como

se dá o processo de comunicação? Quem é o receptor desta comunicação? A

discussão abrange ainda a qualificação das atribuições artística e técnica do ofício

cenográfico.

O instrumental teórico fornecido pela semiótica será usado, mais adiante,

para identificar entre outras questões, as características da cenografia enquanto

linguagem, os elementos que ela utiliza e, as narrativas que ela é capaz de produzir.

Em seguida, vai-se proceder à análise do contexto de formação do mercado

produtor de bens de consumo, para o qual a cenografia passa a ser reconhecida

como uma importante ferramenta de linguagem, na comunicação dos conteúdos

relativos ao consumo.
Cenografia para além do teatro 19

Para proceder ao estudo de caso foi estabelecida uma classificação das

possibilidades de atividades cenográficas com quatro (04) segmentos distintos. O

recorte definido para este estudo analisa um dos segmentos, que trata

exclusivamente da produção em espaços comerciais, debruçando-se sobre a

produção nacional.

Os procedimentos adotados para a execução deste estudo implicam em um

extenso trabalho de pesquisa, com consulta a publicações especializadas e

correlatas ao tema - livros, periódicos, teses e catálogos -, assim como registros e

informações de profissionais da área investigada. E ainda, o estudo e análise de

vários projetos cenográficos na área de produção comercial.

Apesar de sua abrangência este projeto não tem a intenção de estabelecer

conclusões específicas acerca do estudo que fundamenta suas considerações, e sim,

de discutir em termos mais gerais o papel da cenografia, oriunda da vivência teatral,

na difusão da cultura de consumo.


Cenografia para além do teatro 20

2. A NATUREZA DA LINGUAGEM CENOGRÁFICA: CONCEITUAÇÃO E


ESTRATÉGIAS

2.1 No Brasil

A cenografia teatral brasileira, isto é, o desenho de cena criado aqui,

destinado aos nossos palcos segundo uma estética própria, nasceu em meados de

1940. Até então, a produção cenográfica nacional - expressa com freqüência pela

palavra décor - manifestava-se segundo referências européias, especialmente sob a

tutela da estética francesa, e cuja visão de entretenimento predominava sobre a

unidade artística da obra cênica.

Porém, este período marca o início de uma intensa atividade remodeladora

em nosso teatro que vai atuar simultaneamente sobre os conceitos e as técnicas

empregados até então. Texto, interpretação e cenografia são tratados em

conformidade segundo uma concepção mais moderna e culturalista da arte cênica.

Veremos aí o princípio de um movimento de emancipação estética originado

nas companhias cariocas, como Os Comediantes e paulistas, como o Teatro

Brasileiro de Comédia; é nesse momento que o velho dogma do telão pintado no

fundo do palco começa a dar sinais de esgotamento e, na falta de profissionais do


Cenografia para além do teatro 21

Figura 1. O Teatro Trianon, com um de seus maiores sucessos: Cala a Boca Etelvina,
Etelvina de Armando
Gonzaga. Companhia Procópio Ferreira. Rio de Janeiro, 1925. Acervo Procópio Ferreira (Clóvis
Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 2. Casa do Tio Pedro,


Pedro de Oduvaldo Vianna, Teatro Trianon. Rio de Janeiro, 1920. Arquivo
Brício de Abreu/ Funarte (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 22

Figura 3. Canta Brasil,


Brasil Revista de Walter Pinto, no Teatro Recreio. Rio de Janeiro, 1945. Arquivo
Brício de Abreu/ Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 23

ofício cenográfico sintonizados com novos tempos, a colaboração de artistas de

outras áreas passa a ser solicitada.

É o caso de Tomás Santa Rosa1, que em 1943 desenhou a revolucionária

cenografia de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski,

que além de uma grande realização foi considerada o marco zero do moderno

teatro brasileiro.

A partir de 1950, a concepção cênica dos espetáculos busca harmonizar o

texto, a direção, a cenografia, os figurinos, a iluminação e a interpretação. Com uma

conduta de jamais dissociar a concepção do texto da visualidade de cena o Teatro

Brasileiro de Comédia foi o lançador de espetáculos elegantes e primorosamente

produzidos, dirigidos todos por encenadores trazidos da Europa. Uma oficina

própria de confecção de cenários e um ateliê de figurinos permitiram-lhes erradicar

definitivamente o cenário arranjado, improvisado ou adaptado. A variedade

estilística da produção do TBC, mesmo que superficial em alguns momentos oferece

como que um mostruário de possíveis soluções cenográficas. De seu repertório

constam espetáculos de ambientação histórica, comédias de costume, peças

simbolistas, realistas, teatro clássico italiano, peças românticas, futuristas e o ainda

experimental teatro do absurdo, o que possibilitou ao público e artistas aprenderem

1 “Artista plástico e cenógrafo de rara sensibilidade, seu principal trabalho no campo do teatro ocupa
um espaço importante na história do teatro brasileiro: Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com a
direção de Ziembinski, que, de um dia para o outro revolucionou, derrubando-a, a conceituação
cenográfica (se assim se pode chamar algo quase inexistente) que dominava os palcos nacionais.”
RATTO, 2001, p. 172
Cenografia para além do teatro 24

Figura 4. Cenografia para Vestido de Noiva de Tomás Santa Rosa. . Rio de Janeiro, 1943. Arquivo
Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 5. Vestido de Noiva,


Noiva de Nelson Rodrigues: a força visual de Ziembinsky, diretor. Rio de Janeiro,
1943. Arquivo Funarte.(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 25

Figura 6. Pélleas e Melisande de Maeterlink, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,


direção de Ziembinsky e cenários de Santa Rosa. Rio de Janeiro, 1944. (Clóvis Levi, Teatro
Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 26

Figura 7. Sérgio Cardoso na montagem de O Mentiroso,


Mentiroso de Godoni. Teatro Brasileiro de Comédia.
1949. (Brasil: Palco e Paixão. Um século de Teatro. 2004/2005).
Cenografia para além do teatro 27

Figura 8. Anjo Negro de Nelson Rodrigues, direção e figurino de Ziembinsky, cenário


de Sandro Polônio, com Maria Della Costa. Rio de Janeiro, 1948. Arquivo Funarte
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 28

a ver e a realizar cenografias significativas.

Ao organizar a I Bienal de Artes Plásticas de Teatro em 1957, o crítico teatral,

jornalista e ensaísta Sábato Magaldi manifesta-se sobre a produção cenográfica

predominante:

O papel da cenografia é problema que vem preocupando os estetas e


realizadores desejosos de lançar as bases de um espetáculo
harmonioso. Não se admite agora o “vedetismo” cenográfico, que
encantaria a vista como um valor isolado. O cenário está em função do
texto e – não se pode esquecer – do entendimento que o diretor tem
do texto. Se não houver identidade de concepção do diretor e do
cenógrafo, não se conseguirá realizar um espetáculo equilibrado.2

Na esteira do sucesso do TBC, companhias teatrais começaram também a

trazer da Europa não apenas diretores, mas cenógrafos e figurinistas, que deixaram

sua marca e contribuição no desenvolvimento de nossa cenografia. Importados

diretamente das escolas de arte italianas Aldo Calvo, Bassano Vaccarini, Mauro

Francini, Túlio Costa e Gianni Ratto - cenógrafo do Scala de Milão que veio para o

Brasil atraído pelo convite de passar da cenografia à direção – nos presentearam

com originalidade e uma complexidade de soluções adequadas para reeducar toda

uma geração de espectadores e artistas.

Somando as influências das duas vertentes de formadores do moderno

desenho cênico brasileiro – os artistas plásticos e os cenógrafos estrangeiros -

surgiu nos anos 60 a primeira geração genuinamente brasileira de cenógrafos. Seus

2 MAGALDI, S., O Estado de São Paulo, 21 ago. 1957 apud KATZ, R.; HAMBURGER, A., 1999, p. 20
Cenografia para além do teatro 29

Figura 9. Paulo Autran e Maria Della Costa em Ralé,


Ralé de Gorki, Teatro Brasileiro de
Comédia, direção de Flaminio Bollini Cerri, cenários e figurinos de Túlio Costa. São
Paulo, 1951. Foto Fredi Kleemann / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama
do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 30

Figura 10. A Moratória


Moratória, de Jorge Andrade, cenários de Gianni Ratto. Teatro Maria Della Costa, São Paulo,
1955. Arquivo pessoal do cenógrafo. ( Espaço Cenográfico News, periódico, 2004).
Cenografia para além do teatro 31

Figura 11. Maria Della Costa em O Canto da Cotovia,


Cotovia de Anouilh, direção e cenários
de Gianni Ratto, figurinos de Luciana Petrucelli. São Paulo, 1954. Foto José de
Queiroz Mattoso / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX,
1997).
Cenografia para além do teatro 32

componentes, entre eles Flávio Império, Lina Bo Bardi, Luís Carlos Ripper, Anísio

Medeiros e Napoleão Moniz Ferreira, transitam dentro de uma nova conformação

das vanguardas artísticas, influenciadas principalmente por uma ideologia

socialista, acrescida de algumas doses de antiimperialismo, além de um certo

nacionalismo latente. Essa nova geração, que saberá usufruir de seu aprendizado,

oriundo da experiência do TBC, tem como marca maior a percepção da

interdependência entre o produto artístico e o modo de produção e vão

desencadear uma revolução visual nos palcos locais cujos reflexos se fazem

presentes ainda hoje. Neste período, o teatro foi beneficiado com o surgimento de

novos e importantes grupos, como o Arena e o Oficina, em São Paulo, e o Tablado,

no Rio de Janeiro.

É tempo também de discussão sobre a questão de classes, nacionalizada e

presente no universo imagético de nosso teatro; a favela e o cortiço, como tema

abordado com certa freqüência, são um desafio cenográfico encarado por vários

grupos. De Flávio Império, a respeito de uma prática cenográfica “regionalista”

associada a sua passagem pelo teatro Arena, a jornalista e crítica de teatro

Mariângela Alves de Lima analisa:

O sentido cenográfico começa, portanto, na pré-história da cena, no


modo de produção peculiar da cultura brasileira, e a cenografia não
deve apenas adaptar ou transpor determinadas formalizações, mas
incorporar criticamente a história contida nos elementos que utiliza
para compor um espaço e um ambiente. (...) Por mais que a
cenotécnica e a iluminotécnica avancem no sentido de emparelhar-se
com o desenvolvimento industrial, suas cenografias deixarão sempre
Cenografia para além do teatro 33

claro que o trato cênico tem um caráter artesanal, próprio de um país


pobre que vive o paradoxo, na economia e na cultura, de uma
convivência nem sempre pacífica entre o arcaico e o moderno. 3

O início da década de 1970 descortina um novo questionamento, sobre o

tratamento cenográfico até então restrito ao palco; desta vez a modificação da

situação da platéia e a discussão do edifício teatral como área de representação

torna-se imprescindível, mais importante até do que o exame sistemático de novos

recursos dramatúrgicos ou interpretativos. Destacam-se as criações de Hélio

Eichbauer, Naum Alves de Souza e o Grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone.

O experimentalismo no uso do espaço fica explicitado na montagem de

Cemitério de Automóveis, de Victor Garcia, com cenografia de Wladimir Pereira, e

representa um ostensivo divisor de águas no sentido desta experimentação,

conforme descreve Mariângela Alves de Lima:

Garcia escolheu um galpão industrial para seu espetáculo e cercou-o


internamente com passarelas para que as cenas pudessem se
desenvolver ao longo de três paredes. Havia também um praticável
central e, ao fundo desse praticável, uma colossal massa de ferro-
velho sustentada por roldanas. A cenotécnica movia essa massa,
provocando uma ruidosa fricção. Enquanto isso o espectador, cercado
de todos os lados por áreas de representação, podia girar a cadeira e
selecionar a cena que mais o atraísse, uma vez que havia
acontecimentos simultâneos. A visibilidade era sempre parcial, ou seja,
ninguém poderia ver tudo ao mesmo tempo. Com isso, eliminava-se a
convenção do tempo teatral, uma vez que a assimilação seqüencial
tornava-se impossível. Inspirado na teoria de Antonin Artaud, o
espetáculo procurava comunicar-se por meio da superestimulação
dos sentidos.4

3 Extraído do texto Flávio Império e a Cenografia do teatro Brasileiro de Mariângela Alves de Lima em
KATZ, R.; HAMBURGER, A., 1999, p.23
4
Ibid., p.34)
Cenografia para além do teatro 34

Figura 12. Leonardo Vilar, Odavlas Petti e Amélia Bittencourt em O Pagador de Promessas,
Promessas
direção Flávio Rangel, cenários de Cyro Del Nero. São Paulo, 1960. Arquivo Funarte. (Clóvis
Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 35

Figura 13. A Visita da Velha Senhora,


Senhora de Durrenmatt, cenários e figurinos de Jean Gilon,
direção de Walmor Chagas. São Paulo, 1962. Foto Fredi Kleemann / CCSP. (Clóvis Levi,
Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 36

Figura 14. Morte e Vida Severina,


Severina de João Cabral de Melo Neto, direção de
Clemente Portella, cenários e figurinos Flávio Império. Teatro Experimental
Cacilda Becker, 1960. Foto Fredi Kleemann – Multimeios/Divisão de
Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999).

Figura 15. Andorra de Max Frisch, direção de José Celso Martinez Corrêa,
cenários e figurinos Flávio Império. Teatro Oficina, 1964. Foto Derly Marques –
Multimeios/Divisão de Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999).
Cenografia para além do teatro 37

Figura 16. Pequenos Burgueses de Gorki: stanislavskiano Grupo Oficina, cenários e figurinos de
Anísio Medeiros, direção de José Celso Martinez Corrêa. São Paulo, 1963. Arquivo Funarte.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 17. Coro de Hécuba,


Hécuba de Eurípedes, direção de Rodrigo Santiago, cenários e figurinos de
Sarah Febes, Escola de Teatro da Universidade do Pará, Belém, 1966. Acervo Carlos Miranda.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 38

Figura 18. O Balcão de Genet, na montagem espetacular de Vítor Garcia (direção e


figurino) com cenários e platéia verticais de Wladimir Pereira Cardoso, no Teatro
Ruth Escobar. Em cena, Thereza Raquel. São Paulo, 1969. Fotos Ariovaldo Santos
/ JB. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 39

Na década seguinte as associações dos grupos teatrais se dão na forma de

produções coletivas e parcerias importantes entre diretores teatrais e cenógrafos

vão se firmando: Cacá Rosset e José de Anchieta, Moacyr Góes e José Dias, Bia Lessa

e Fernando Melo, Gerald Thomas e Daniela Thomas e Antunes Filho e J. C. Serroni.

Nos anos 90, uma nova safra de jovens cenógrafos (entre eles Fernando

Mello da Costa, Gelson Amaral, Gringo Cárdia, Márcio Medina, Márcio Tadeu,

Marcos Pedroso e Renato Theobaldo, só para citar alguns nomes) desponta no

panorama de criadores da cenografia nacional, iniciando um avanço consistente

sobre espaços que transcendem o teatro.

A trajetória descrita até aqui é fruto de um processo produtivo baseado em

experiências profissionais consistentes e tem credenciado o Brasil a fazer parte da

elite internacional do ofício cenográfico – como atesta o prêmio máximo da

Quadrienal de Cenografia, Indumentária e Arquitetura Teatral de Praga, na

República Tcheca, recebido pela representação brasileira em 1995. Porém, o país

carece, ainda hoje, de escolas de nível universitário nessa área, bem como de

escolas técnicas que formem mão de obra especializada. Além disso, quase não

conta com publicações em língua portuguesa que tratem do assunto e nem possui

qualquer organismo estruturado que o insira nos fóruns e debates internacionais.

A discussão torna-se ainda mais pertinente quando fica claro que o mercado
Cenografia para além do teatro 40

Figura 19. Cemitério de Automóveis,


Automóveis espetáculo de Vítor Garcia: uma revolução no espaço
cênico. 1970. Foto Adir Gomes. ( Brasil: Palco e Paixão. Um século de Teatro.
2004/2005).
Cenografia para além do teatro 41

Figura 20. Carlos Zara, Beatriz Lyra, Paulo Gracindo e Rogério Fróes em O Preço,
Preço de
Arthur Miller, direção de Luís de Lima, cenários e figurinos de José Dias, 1970.
Arquivo Funarte. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 21. A força plástica de Macunaíma na direção de Antunes Filho. Adaptação


da obra homônima de Mário de Andrade feita por Jacques Thieriot e Grupo de
Arte Pau-Brasil, cenários e figurinos de Naum Alves de Souza. São Paulo, 1978.
Foto Derly Barroso /CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século
XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 42

Figura 22. As malas e o sentimento de solidão dos exilados: Boal em Murro em Ponta de Faca.Faca
Direção de Paulo José, cenários de Gianni Ratto. Rio, 1979. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um
Panorama do século XX, 1997).

Figura 23. A Falecida de Nelson Rodrigues, direção de Osmar Rodrigues Cruz, cenários e figurinos
Flávio Império. Teatro Popular do SESI, 1979. Foto Tereza Pinheiro – Multimeios/Divisão de
Pesquisas/IDART (Flavio Império, 1999).
Cenografia para além do teatro 43

de trabalho de cenografia cresceu muito nestas últimas décadas; que o universo

cênico teve suas fronteiras ampliadas, aventurando-se para além da prática teatral;

estamos assistindo a uma inevitável expansão em direção a frentes distintas e ao

mesmo tempo complementares: cinema, televisão, instalações, eventos institucionais

e feiras comerciais, desfiles de moda, enfim, diversas intervenções e representações,

onde se busca criar atmosferas, espaços, comunicações daquilo que se quer que

esteja ali e que, só com a contribuição de um cenário podem estar.

Claro está que, neste percurso de crescimento e maturação, a cenografia se

estabeleceu como um processo de comunicação através de uma linguagem; teria

como função atender às necessidades estéticas e do imaginário das platéias, com

uma mensagem expressiva investida de simbolismos. É o que sugere Gianni Ratto:

Você se deu conta da significação cenográfica de um estádio quando


vai assistir a um jogo de futebol torcendo por um dos dois times?
Observe bem os dois lados: eles são aparentemente iguais embora
antagônicos e têm a possibilidade de assumir alternadamente o
valor que você dá a eles. Quando você se senta para participar do
jogo, um dos gols é o território do inimigo contraposto ao outro. O
espaço no qual os dois times contendem é o território dramático de
uma guerra shakespeariana. Estou fazendo esta consideração
porque gostaria que você se desse conta de como um lugar, que não
é necessariamente o edifício teatral, pode assumir – e assume –
todos os valores dramaticamente potenciais que contém e provoca.5

5 RATTO, 2001, p. 21-22


Cenografia para além do teatro 44

Figura 24. O Doente Imaginário,


Imaginário de Moliére, direção Cacá Rosset. Public Theater, Nova Iorque, 1989.
Acervo de José Anchieta. (José Anchieta, Auleum, a Quarta Parede, 2002).
Cenografia para além do teatro 45

Figura 25. Sonho de uma Noite de Verão,


Verão de W. Shakespeare, direção Cacá Rosset. Delacorte Theater,
Nova Iorque, 1990. Acervo de José Anchieta. (José Anchieta, Auleum, a Quarta Parede, 2002).
Cenografia para além do teatro 46

Figura 26. O Livro de Jó,


Jó de Clara Góes, cenário de José Dias,
figurino de Samuel Abrantes e direção de Moacyr Góes. Rio de
Janeiro, 1993. Acervo de José Dias. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro,
Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 27. Com cenário de Fernando Mello, Cartas Portuguesas,


Portuguesas
de Mariana Alcoforado, adaptação de Júlio Bressane, direção de
Bia Lessa. Rio de Janeiro, 1991. Foto Tamas / Acervo Bia Lessa.
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 47

Figura 28. Trilogia Kafka – A Metamorfose,


Metamorfose espetáculo de Gerald Thomas com cenários de Daniela
Thomas. Rio de Janeiro, 1988. Foto Ary Brandi / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 48

Figura 29. Império das Meias Verdades,


Verdades texto e direção de Gerald Thomas. São Paulo, 1993. Foto
Heloísa Greco Bortz / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 49

Figura 30. Paraíso Zona Norte,


Norte de Nelson Rodrigues, direção de Antunes Filho,
cenários e figurinos de J. C. Serroni. Caracas, 1989. Foto de Emídio Luisi (Modos
Cenográficos, catálogo, 1994).

Figura 31. Paraíso Zona Norte,


Norte de Nelson Rodrigues, direção de Antunes Filho,
cenários e figurinos de J. C. Serroni. Caracas, 1989. Foto de Emídio Luisi (Modos
Cenográficos, catálogo, 1994).
Cenografia para além do teatro 50

Figura 32. Gilgamesh,


Gilgamesh pelo Centro de Pesquisa Teatral / SESC, direção e texto de Antunes Filho
(baseado em épico da Babilônia), cenários e figurinos de J.C. Serroni. Em cena Luís Melo e Raquel
Anastásia. São Paulo, 1995. Foto João Caldas / CCSP (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do
século XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 51

Figura 33. Péricles,


Péricles de Shakespeare, adaptação e direção de Ulysses Cruz,
cenários e figurinos de Hélio Eichbauer..São Paulo, 1995. Foto João Caldas / CCSP
(Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século XX, 1997).

Figura 34. Antonio Nóbrega e Rosana Almeida em Brincante, texto de Bráulio


Tavares, direção e cenografia de Romero de Andrade Lima. São Paulo, 1992.
Foto Ary Brandi / CCSP. (Clóvis Levi, Teatro Brasileiro, Um Panorama do século
XX, 1997).
Cenografia para além do teatro 52

Figura 35. Três momentos de As Três Irmãs,


Irmãs direção de Bia Lessa e cenários de Gringo
Cárdia, Rio de Janeiro, 1998. Acervo de Gringo Cárdia ( Espaço Cenográfico News,
periódico, 2004).
Cenografia para além do teatro 53

Figura 36. Rota, espetáculos de Deborah Colker e cenários de Gringo Cárdia, Rio
de Janeiro, 1997. Acervo de Gringo Cárdia ( Espaço Cenográfico News, periódico,
2004).
Cenografia para além do teatro 54

2.2 A Experiência Cenográfica

Como qualquer atividade artística, a cenografia exprime, através do material

e das formas que utiliza, um conjunto de emoções e idéias relativas e pessoais.

Recorrendo ao dicionário como fonte imediata para a definição da palavra

“cenografia”, encontra-se: “Arte e técnica de projetar e dirigir a execução de

cenários para espetáculos teatrais”, segundo o Aurélio6, e ainda, com alguma

variação, “Arte, técnica e ciência de conceber e executar a instalação de cenários

para espetáculos”, no Houaiss7.

Para o cenógrafo e figurinista José de Anchieta, premiado em 1995 com a

Triga de Ouro, na quadrienal de Cenografia de Praga,

(...) discutir cenografia é assunto difícil, pois ela de certa forma, não
se insere nos conceitos de arte admitidos por grande parte da
crítica. Talvez porque no decorrer dos séculos não tenha se firmado
como tal em função de sua clara posição como “pano de fundo” para
ressaltar o trabalho do ator, que desde os primórdios do teatro
reinou soberano. Ou talvez ainda – e aí reside o fulcro da questão –
ela tenha secularmente se restringido ao “lugar teatral” como parte
inerente do edifício, sem nunca ter se destacado do equipamento
que lhe é essencial: a “caixa preta”. O “lugar teatral” é o edifício que

6 Aurélio... Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. RJ: Editora Nova Fronteira 1986, 2 ª edição
revista e ampliada. p. 380
7 Houaiss... Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. RJ: Editora Objetiva 2004, 1ª reimpressão. p. 671
Cenografia para além do teatro 55

compõe o teatro em si e a “caixa preta” é o palco, composto por


coxias, urdimento, cordames, etc.8

Pode-se assinalar que o resultado do trabalho de cenografia passa

pelo árduo exercício de ser uma arte a serviço de, como disse bem o cenógrafo,

figurinista e arquiteto teatral Aldo Calvo, “a arte de interpretar o texto visual e

cenotecnicamente, respeitando e solucionando o critério de marcação, criando uma

forma de encantamento num período curto e rápido” 9, para que situações possam

se desenvolver dentro do espaço que ela propõe, tirando partido dos materiais

cênicos que ela promove. Por cenografia podemos entender tanto o que está

contido num espaço quanto o próprio espaço.

Cenografia não é apenas um signo que denota e conota um


ambiente e/ou uma época, ou que informa um espaço,
configurando-o: a boa cenografia é a que participa também da ação
narrativa, que não é apenas algo externo a ação, decorativamente,
mas que se identifica até com o estado psicológico dos personagens
ou o ambiente da cena. Como o nome está dizendo, a cenografia é
uma escritura da cena, é uma escrita não-verbal, icônica, que deve
imbricar-se nos demais elementos dramáticos, trágicos ou
cômicos.10

Por isso nunca é demais frisar que cenografia não é decoração, nem
composição de interiores; cenografia não é pintura nem escultura: é
uma arte integrada. Nunca é demais repetir que cenografia é a
composição resultante de um conjunto de cores, luz, forma, linhas e
volumes, equilibrados e harmônicos em seu todo, e que criam
movimentos e contrastes. Cenografia é um elemento do espetáculo –
ela não constitui um fim em si.11

8 ANCHIETA (Costa), J., 2002, p. 29.


9 CALVO, A. 1980, A cenografia do TBC: minha experiência de trabalho, em FERRARA, J. A.; SERRONI, J.
C., 1980, p. 28.
10 PIGNATARI, D.,1984, p. 72.
Cenografia para além do teatro 56

Cenografia é o espaço cênico dramatizado. Dramático no sentido de


encontrar uma atmosfera, comover como espaço. Ser teatral. Um
espaço só se torna cenografia quando inserido num contexto
dramático, na cena, com a presença de uma narrativa, luz, som,
etc.12

A verdadeira cenografia é determinada pela presença do ator e seu


traje; a personagem que se movimenta nas áreas que lhe são
atribuídas cria constantemente novos espaços alterados,
consequentemente, pelo movimento dos outros atores: a soma
destas ações cria uma arquitetura cenográfica invisível para os olhos
mas claramente perceptível, no plano sensorial, pelo desenho e pela
estrutura dramatúrgica do texto apresentado.13

A palavra cenografia, aliás, tem sido contestada por artistas que


trabalham de forma integrada ao processo de construção de um
espetáculo. Em certa ocasião Flávio Império adotou a palavra “visual”
para designar um tipo de trabalho que não é apenas a resolução,
através da forma e da cor, de uma idéia do diretor. É um trabalho
portador de sentido e indissoluvelmente ligado a outros elementos
de composição do espetáculo. De qualquer forma a crise da palavra
cenografia, com sua vinculação ao gráfico, serve para indicar que a
hierarquia na construção da obra cênica alterou-se e um cenógrafo
não se satisfaz mais com a função de criar um contorno, um
envoltório para o ato cênico.14

Cenografia é tudo o que é registrado plasticamente em cena – seja na

música, teatro ou publicidade. É um apanhado coeso de cenário, figurino, adereços,

iluminação ou até mesmo a marcação de cena, isto é, a movimentação dos

atores/personagens, porque também estes estabelecem fluxos, massas, volumes,

11 DIAS, J., A importância da cenografia. In Internet site O PERCEVEJOnline, Número 7, 1999


12 SERRONI, J. C., 2004, Edifício Teatral – Arquitetura Cênica. In Espaço Cenográfico News #21, São
Paulo, Outubro 2004
13 RATTO, G., 2001, p.38
14 LIMA, M. A. de A cenografia de J. C. Serroni. In Catálogo de Evento Uma experiência cenográfica - J.
C. Serroni e o CPT SESC (SESC 1989)
Cenografia para além do teatro 57

num determinado espaço. Trata-se da composição em um espaço tridimensional -

o ‘lugar teatral’ – onde se vão estabelecer tensões, equilíbrio e desequilíbrio,

movimento e contrastes, através de elementos básicos como luz, cor, formas,

volumes e linhas. “Não podemos confundir cenografia com decoração. Cenografia é

um elemento do espetáculo (teatral, cinematográfico, etc.) e decoração é sinônimo

de arquitetura de interiores.” 15

Parece haver, ainda, certa sobreposição dos termos cenografia e cenário. Não

se deve, porém, confundi-los. Por cenário entende-se o conjunto dos diversos

materiais e efeitos cênicos, que serve para criar a realidade visual ou a atmosfera

dos locais onde decorre a ação. O cenário está inserido dentro da cenografia, que é

um espaço conceitual mais abrangente: o espaço do espetáculo, qualquer seja a sua

natureza.

Ao relatar sua experiência com o diretor Klaus Viana, na montagem de O

Exercício, de Lewis Carlino, José de Anchieta observa a singularidade do processo de

criação de um cenário:

Passadas algumas semanas, sentado no palco vazio com Klaus,


peguei um giz e comecei a desenhar a proposta que me vinha à
cabeça. Risquei toda a parede negra do fundo do palco, com
rabiscos e conceitos escritos. Klaus ollhou-me emocionado e disse:
– Pronto, aí está o cenário. Não vamos precisar de mais nada, estes
desenhos já compõem tudo o que tenho na cabeça para a realização
do espetáculo. E assim ficou o cenário, um monte de rabiscos pelas
paredes e duas cadeiras, apenas. Uma simplicidade monástica, uma
luz correta e duas magníficas interpretações (...) Aparentemente,

15 MANTOVANI, A., 1989, pg. 41


Cenografia para além do teatro 58

este espetáculo não tinha cenário, mas ele estava presente com toda
a força expressiva do seu significado.16

O percurso criativo da cenografia, na elaboração do conjunto visual da obra,

está associado a um embasamento teórico, a conhecimentos que podem fornecer

um lastro para a descoberta de soluções técnicas específicas para cada área da

produção cenográfica. Segundo Gianni Ratto, é indispensável

(...) que o cenógrafo seja um homem de cultura mais do que de


erudição. O leque de seus conhecimentos deve abranger a noção de
tudo que possa ser utilizado em benefício de seus projetos. A
informação permanente, o estar em dia com o grande discurso das
artes, vivenciar mudanças e revoluções, não ter medo de buscar a
informação lá onde ela pode ser obtida, é condição básica para a
manutenção de uma bagagem indispensável para um alto nível
profissional.17

Ao discorrer sobre a formação necessária para o ofício cenográfico, o

cenógrafo e arquiteto cênico J. C. Serroni observa que na busca de uma linguagem

pessoal é fundamental ao futuro profissional a compreensão da importância do

desenho, da leitura, da necessidade de conhecimento da história, da literatura, da

arquitetura, das artes em geral e de forma mais profunda:

José Dias, Cyro Del Nero, Raul Belém, José de Anchieta, Gianni Ratto,
Hélio Eichbauer e tantos outros (...) quando tomamos conhecimento
de que cenógrafos como estes falam que em sua formação artística,
humanística, técnica e filosófica passaram pela biblioteca de
Alexandria, por Vitrúvio, e pelo conhecimento da Grécia antiga até
Svoboda (...) podemos imaginar de certa maneira a distância que
separa esses grandes mestres dos jovens cenógrafos que hoje estão
em formação. 18

16 ANCHIETA, J., 2002, pg. 41


17 RATTO, G., 2001, p. 110
18
SERRONI, J. C., 2006, Cenografia: Uma Arte e um Ofício. Editorial do Espaço Cenográfico News #29,
São Paulo, Outubro 2006
Cenografia para além do teatro 59

Contudo, além de senso crítico e formação técnico-cultural, a capacidade de

realizar do cenógrafo implica fundamentalmente no exercício de observação: um

estado de espírito que atua como filtro seletivo das emoções. As informações

obtidas através do olhar atento do cotidiano são fundamentais para o cenógrafo, e,

conforme salienta José de Anchieta, “de posse deste punhado de informações,

caberá a ele destruir, triturar, desmanchar, rever, esticar, embolar, rasgar tudo, até

deixar aflorar aquilo que realmente interessa: a realidade redesenhada do avesso”.19

19
ANCHIETA, J., 2002, pg. 27
Cenografia para além do teatro 60

2.3 Linguagem, Signo e Representação

A cenografia, como qualquer outro meio de comunicação artística, possibilita

a leitura do espetáculo por parte do público, implicando, portanto na existência de

uma linguagem e códigos próprios.

Temos que começar a pensar em termos de cenografia não como


uma “coisa”, mas como um conceito. A cenografia é um conceito, e é
um conceito no território da linguagem, ou seja, a cenografia implica
no conjunto de signos visuais que comunica alguma coisa aos
espectadores, uma idéia, uma emoção, enfim, a cenografia tem o
propósito da comunicação.20

Sendo assim, deve-se destacar que uma investigação sobre a natureza da

comunicação dos signos, no repertório cenográfico, é possível por intermédio da

teoria semiótica, aqui empregada como ferramenta para o propósito desta

pesquisa.

Ao tratar da questão da comunicação, Lúcia Santaella, professora e teórica da

semiótica, aponta para a crescente expansão e multiplicação dos signos no mundo

moderno; desde o advento da fotografia, passando pelo cinema, a explosão da

imprensa e das imagens, seguida pela revolução eletrônica que trouxe consigo o

20
MILLARÉ, S., 1998 apud ANCHIETA, J., 2002, p. 39 - 40
Cenografia para além do teatro 61

rádio, a televisão, as variadas formas de registro sonoro e visual e, mais

recentemente, as novas mídias surgidas no bojo da revolução digital. E sugere a

adoção de um percurso metodológico-analítico que busca tratar das questões

relativas às diferentes naturezas que as mensagens podem ter, tanto nos processos

de referência ou aplicabilidade, assim como nos modos, desde que no papel de

receptores, percebemos e entendemos as mensagens, enfim, como reagimos a elas.

Desse modo, a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio


movimento interno das mensagens, no modo como elas são
engendradas, nos procedimentos e recursos nelas utilizados (...)
buscar nas definições e classificações abstratas de signos, os
princípios-guias para um método de análise a ser aplicado a
processos existentes de signos e às mensagens que eles
transmitem, tais como aparecem em poemas, músicas, pinturas,
fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em
qualquer meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto,
cine ou videográfico etc.21

Podemos utilizar também os referenciais estabelecidos por Décio Pignatari,

poeta, ensaísta e teórico da comunicação, no sentido de consolidar a acepção de

“linguagem” e “código”. Para Pignatari:

(...) código e linguagem são basicamente uma e mesma coisa, a


ponto de podermos dizer que o Português é um código, e o Inglês,
outro. O que não impede que, em certas circunstâncias, e para maior
clareza se faça uma distinção entre linguagem e código, (...) O termo
código teria, então, uso estritamente técnico. (...) As mensagens
podem ser codificadas quando já expressas por meio de signos
(letras por exemplo) (...) Dessa forma, as linguagens teriam um
longo desenvolvimento orgânico, enquanto que os códigos seriam
inventados para algum fim específico e sujeito a regras explícitas.
(...) De outra parte, convém fazer a distinção entre língua e
linguagem, (...) consideramos as línguas como manifestações
particulares, fundamentais, embora, da linguagem, e a Lingüística
como um ramo da Semiótica, que pode assim ser considerada como

21 SANTAELLA, L., 2002, p. 05


Cenografia para além do teatro 62

A Linguagem (ou: princípios que comandam toda e qualquer


manifestação da linguagem). No estudo da linguagem, uma última
distinção se faz ainda necessária: entre linguagem-objeto e
metalinguagem. Linguagem-objeto é a linguagem que se estuda;
metalinguagem é a linguagem com que se estuda, é a linguagem
instrumental, crítico-analítica, que permite estudar a linguagem-
objeto sem com ela se confundir. (...) A metalinguagem é um
processo dinâmico mas é comum ver como ela tende a se estratificar
em código, confundindo-se então com jargão técnico,
especializado.22

Por sua vez, o filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce estabelece,

em sua teoria semiótica, uma abordagem codificada para a compreensão dos

processos de comunicação e como essa se aplica a partir da percepção. Classifica os

signos como padrões que incluem todos os aspectos ontológicos e epistemológicos

do universo sígnico; o problema da referência, da realidade e ficção, a questão da

objetividade e o problema da verdade. “ Um signo ou representâmen, é aquilo que,

sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém, (...) isto é, cria na mente

dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido (...) O

signo representa alguma coisa, seu objeto.”23

Santaella exemplifica o que seria signo:

Esclareçamos: o signo é uma coisa que representa uma outra coisa:


seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder
de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. Ora o
signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto
ele só pode representar este objeto de um certo modo e numa certa
capacidade. Por exemplo: a palavra casa, a pintura de uma casa, o
desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboço de uma
casa, um filme de uma casa, a planta de uma casa, a maquete de

22 PIGNATARI, D., 1977, p.39


23 PEIRCE, C. S.,1984, p. 94
Cenografia para além do teatro 63

uma casa, ou mesmo o seu olhar para uma casa, são todos signos
do objeto casa. Não são a própria casa, nem a idéia geral que temos
de uma casa. Substituem-na, apenas, cada um deles de um certo
modo que depende da natureza do próprio signo. A natureza de
uma fotografia não é a mesma de uma planta baixa.24

A respeito da recepção ao signo, Décio Pignatari observa o seguinte:

De qualquer forma, convém reter a idéia de signo enquanto alguma


coisa que substitui outra. Assim procede Charles Morris, um dos
estudiosos da linguagem ao nível do comportamento, baseado nas
experiências de Pavlov sobre os reflexos condicionados. Assim como
o toque de uma sineta, paulatinamente, vai provocando, num
cachorro, uma seqüência de reações semelhantes à que antes lhe
provocava a visão do alimento (ao qual o toque fora condicionado),
assim um signo pode ser definido como toda a coisa que substitui
outra de modo a desencadear (em relação a um terceiro) um
complexo análogo de reações.25

Para Peirce, o signo tem uma natureza triádica, ou seja, ele pode ser

analisado em si mesmo, em suas propriedades, no seu poder para significar; na sua

referência àquilo que ele se refere, indica ou representa; nos tipos de interpretação

que ele tem a capacidade de despertar em seus usuários.

A observação de um objeto resulta na interação entre ele e o observador; um

caminho de comunicação é aberto e o objeto transmite mensagens às quais o

observador reage. Essas reações constituem o escopo do estudo de Pierce, que as

classifica em estados de consciência:

Parece, portanto, que as verdadeiras categorias da consciência são:


primeira, sentimento, a consciência que pode ser compreendida
como um instante do tempo, consciência passiva da qualidade, sem
reconhecimento ou análise; segunda, consciência de uma
interrupção no campo da consciência, sentido de resistência, de um

24 SANTAELLA, L., 1983, p. 58


25 PIGNATARI, D., 1977, p. 24
Cenografia para além do teatro 64

fato externo ou outra coisa; terceira, consciência sintética, reunindo


tempo, sentido de aprendizado, pensamento.26

Apesar do símbolo não ser necessariamente o próprio objeto, de maneira

geral ele representa o seu objeto. Essa relação de mediação entre o objeto e o

símbolo é discutida por HEGEL27, apud PIGNATARI28, quando enuncia que o símbolo

consistiria na representação de um significado que não se conjuga com a

expressão, com a representação. Mantém-se sempre, portanto, uma diferença entre

idéia e forma, donde se conclui que símbolo seria a forma convencionada de atribuir

valor a um objeto.

A representação é qualidade inerente à existência do espetáculo; o ator

quando representa o faz com seu corpo e voz e, por mais que assuma a

personagem, nunca a será; no máximo o símbolo que a representa. O mesmo se dá

com a cenografia, que ao traduzir um lugar ou situação, por mais verdadeira e

realista que possa parecer, será ainda assim o símbolo deste lugar. Trata-se,

portanto, de um simulacro29, pois nunca poderá substituir completamente o objeto.

26 PEIRCE, C. S., 1995, p.14


27 HEGEL, G. W. F., 1974, p. 44
28 PIGNATARI, D., 2004, p.11
29 Simulacrum é a tradução latina de eídolon grego. Não é errado, portanto, vertê-lo por sua vez à
palavra imagem. No entanto, o eídolon, no uso que precisamente Platão faz dessa palavra no Teeteto e
na República, tem três acepções afins entre si: em primeiro lugar, é a imagem, a representação de uma
coisa; em segundo lugar, constitui sua réplica ou simulacro; por último, a pretensão ilusionista que
confunde a réplica ou simulacro do mundo com a sua realidade e converte essa mesma realidade na
ficção de um espetáculo, na irrealidade da experiência e da vida, definidas como pura negatividade do
singular, limitado e intranscendente. Podemos distinguir essas três acepções com novos conceitos. O
da representação de uma coisa por meio de um signo ou uma imagem, através da qual se mantém
uma relação interativa entre ela e o representado no meio de uma experiência. O simulacro como
aquela representação que compete ontologicamente com o ser representado, o sobrepuja, elimina e
finalmente substitui, para se converter no único ser objetivamente real.
Cenografia para além do teatro 65

Nesse sentido Ferrara avalia que toda a representação é uma imagem, um

simulacro do mundo a partir de um sistema de signos e, aponta inclusive para esta

característica de gesto codificador do universo onde “se infere que o objeto mais

presente e, ao mesmo tempo, mais exigente de todo processo de comunicação é o

próprio universo, o próprio real”.30

Sendo assim, quando a imagem representada se distancia do objeto de forma

intencional, essa representação passa a ser um simulacro do objeto. A interpretação

do simulacro é pessoal e depende das referências do espectador; ou seja, o real é

aquilo que nós acreditamos que seja.

Porque desde a perspectiva renascentista até a televisão, que pega o


fato ao vivo, a cultura ocidental foi uma corrida em busca do
simulacro perfeito da realidade. Simular por imagens como na TV,
que dá o mundo acontecendo, significa apagar a diferença entre o
real e o imaginário, ser e aparência. Fica apenas o simulacro
passando por real. Mas o simulacro, tal qual a fotografia a cores,
embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real, espetacular,
um real mais real e mais interessante que a própria realidade.31
.

Fica claro que a cenografia se utiliza de simulacros para comunicar; no

ambiente cenográfico uma porta pode ter o formato, a textura e o volume de uma

porta real, porém, ao ser confeccionada com papelão e, então, carecendo de

estrutura apropriada, não atenderia sua função primeira, que é a de delimitar

espaços. Inserida numa situação onde o ator não a manuseia, ela cumprirá seu

30 FERRARA, L., 1997, p.07


31 SANTOS, J. F., 1980, p. 02
Cenografia para além do teatro 66

papel de simulacro, permitindo que o público a interprete como simbólica ou

realista.

Os signos simbólicos reconhecidos como simulacro estão a serviço da ilusão,

característica peculiar do espetáculo. Pode-se especular, ainda, que esta seja uma

estratégia decorrente de uma atitude estética, que transcende o ambiente do

espetáculo.

“Copiar a realidade pode ser uma coisa boa, mas inventar a realidade é

melhor, muito melhor”, disse certa vez Giuseppe Verdi32. Pois bem, a magia da

cenografia está justamente neste caminhar no limite entre o falso e o verdadeiro; e,

embora tudo que se apresente na cenografia seja aparentemente “ilusório”, o sujeito

que assiste ao espetáculo assume conscientemente seu direito à crença

incondicional; assimila a cenografia e o espetáculo como absolutamente verdadeiros

porque esta é a proposta a ser compartilhada.

“Numa das tradicionais cenas da Commedia dell’arte, um bufão


aparece em cena e tenta vender uma casa, elogiando-a
grandemente, descrevendo-a com brilho e, para provar seu ponto de
vista, apresenta uma única pedra da construção. Da mesma forma,
falar do teatro do mundo é apresentar uma única pedra e esperar
que o leitor visualize a estrutura total a partir dela. O sucesso de
uma tentativa como essa depende da capacidade de persuadir do
bufão, da força expressiva da pedra e da imaginação do leitor.” Esta
pedra do bufão da Commedia dell’arte é a mentira a que me refiro.
O nosso poder de persuasão reside no fato de iludir o comprador da
casa, o público! Os arquitetos e engenheiros trabalham com coisas
reais, como tijolo, areia, cimento e cal; nós, os cenógrafos,
trabalhamos com tudo isso de maneira invisível: construímos casas

32 Citação atribuída a VERDI, por várias fontes. A mais recente foi na entrevista do crítico literário
ANTONIO CANDIDO para com o jornalista RAFAEL CARIELLO, em 09 de Novembro de 2006, na Folha de
São Paulo.
Cenografia para além do teatro 67

que parecem de alvenaria, mas que na verdade não passam de


cascas coladas em painéis de madeira. Somos especialistas da
ilusão.33

Portanto, no ambiente do espetáculo, falso e verdadeiro são qualificações

reconhecidas pelo mercado consumidor de entretenimento e cultura. “Toda

coletividade necessita de lugares arquetípicos carregados de valores simbólicos; se

a cidade não os oferece, os grupos sociais os criam.”34

33 BERTHOLD, M., 2001, p. 357 apud ANCHIETA, J., 2002, p.23


34 MONTANER, J. M., 1999, p.174
Cenografia para além do teatro 68

2.4. O Espetáculo

Quando se refere ao espetáculo, o filósofo espanhol Eduardo Subirats salienta

sua origem etimológica, do latim specere, cujo significado, ver, remete à

contemplação humana e, por conseguinte, “ ao caráter explosivo dessa

representação, sua destinação a ser exibido e instaurado, no sentido específico que,

todavia, lhe é conferido por seu caráter de representação ou duplicação da

realidade”.35

Ainda, conforme observa o arquiteto e professor Jorge Caron, o espetáculo

como evento público, vai acontecer desde que determinada ação cênica entre em

contato com sua assistência; a partir daí se estabelece um fenômeno de

intercomunicação entre as partes envolvidas.

Implica, também, em que a ação é fruto de um planejamento e de


uma produção e que o público, nesse momento, é cúmplice da ação
proposta. Esta cumplicidade significa que o público está em
condições de decodificar a mensagem cênica e que se estabelece
entre ambos, cena e assistência, uma convenção que conta de um
lado com uma linguagem cênica e de outro com a manifestação do
público que tem, por sua vez, uma linguagem expressiva própria. É
nestas condições, exclusivamente, que podemos definir o
espetáculo. 36

35 SUBIRATS, E., 1989, p.59


36 CARON, J. O., 1994, p. 36-37 apud OLIVEIRA, A. S., 2000 p. 22
Cenografia para além do teatro 69

Tomando por base as categorias universais presentes na fenomenologia

peirceana - considerando aqui que os fenômenos são os cenários - é possível

constatar que em sua apresentação ao receptor, o cenário ideal deve transitar em

três níveis: levar a sentimentos sem que se perceba sua existência (primeiridade);

ser percebido ao entrar em conflito com as coisas que existem no espaço cênico

(secundidade); e criar um interpretante, seja ele lógico ou emocional (terceiridade).

Contudo, é importante ressaltar que, em um espetáculo, estes três níveis só

existem em função dos outros códigos da cena. O interpretante é criado em função

do conflito estabelecido entre os códigos cenográficos e os códigos verbais,

sonoros ou gestuais, pois “um espetáculo é composto por vários elementos

organizados e orquestrados de tal forma que o espectador possa apreciá-los no seu

conjunto”37

A cenografia é um produto que só uma vez será usado; usado para


um, e um só, espetáculo. Não importa se este permanecerá em
cartaz um ano ou cem; num determinado momento tudo terminará e
do que aconteceu somente sobreviverá a vaga, e cada vez mais vaga,
lembrança, de algo que foi belo como um amor antigo do qual
somente sobrou uma foto esmaecida, o desenho de um gesto no
espaço, a entonação de um adeus, a vaga rememoração de um som,
de uma luz, de um consenso; flor ressecada entre páginas
desbotadas de um livro de poesias envelhecidas.38

O público, durante a realização do espetáculo, experimenta como que um

37 MANTOVANI, A., 1989, p.05.


38 RATTO, G., 2001, p. 35
Cenografia para além do teatro 70

estado catártico, quando então a crítica ao inverossímil mostra-se irrelevante. Vai se

estabelecendo, portanto, a suspensão da incredibilidade 39 e a cumplicidade gerada

pelo evento e seu público dá forma ao espetáculo. O estado de suspensão

permanece ativado enquanto perdura o espetáculo e, tão logo este se encerra, a

crítica se restabelece. “O espetáculo não existe antes nem depois, realiza-se

durante.”40

Antes de qualquer outra argumentação, fique claro: a cenografia


pode ser necessária, mas não é indispensável; elemento acessório
liga-se a uma realidade aparente tentando transformá-la em algo
que, ilusoriamente, pretende nos fazer acreditar numa verdade
absoluta (concreta ou abstrata que seja). Verdade transitória, diga-
se de passagem, pois o momento dramático ao qual assistimos está
totalmente dissociado de nossa concretude física, afetando
“somente” o onírico de nossa sensibilidade 41.

39 A expressão suspension of disbelief, aqui traduzida para “suspensão da incredibilidade”, foi


cunhada, pelo poeta inglês Samuel Taylor Coleridge. Em 1798, ele e o poeta William Wordsworth
publicaram a Lyrical Ballads, o qual historiadores literários consideram o marco inicial do movimento
Romântico Inglês. No prefácio, Coleridge comentou que Wordsworth estava publicando poemas
realistas sobre pessoas comuns, mas ele, Coleridge, estava escrevendo coisas mais fantásticas: "Kubla
Khan," "Rime of the Ancient Mariner," ou "Christabel." Ele pediu de seus leitores "that willing
suspension of disbelief for the moment that constitutes poetic faith" , que traduzimos em “aquela
suspensão de incredibilidade voluntária ,por aquele instante que consiste na fé poética”. Este momento
indica a disposição do sujeito de interromper temporariamente o seu sentido crítico, ignorando
eventuais inconsistências da narrativa na qual ele se encontra imerso. Esta ação lhe permite usufruir
uma nova ‘realidade’ que a obra revela. Deriva do conceito de verossimilhança, presente na Poética de
Aristóteles, que postula a idéia retórica de que para convencer é preferível uma mentira plausível a
uma verdade sem credito. A suspensão da incredibilidade é um componente essencial do teatro, tal
como demonstrou William Shakespeare em suas obras. Desta forma o público aceita os elementos
imaginosos ou fantásticos que a estória pode apresentar, sacrificando temporariamente o realismo e a
lógica, em detrimento da fruição e da magia contidos no texto.
40 CARON, J. O., 1994, p.36 apud OLIVEIRA, A. S., 2000 p. 22
41 RATTO, G., 2001, p. 24
Cenografia para além do teatro 71

2.5
2.5 Cenografias
Cenografias possíveis

O deslocamento da linguagem cenográfica para outras áreas de ação além do

palco se evidencia em meados do século XX, com a consolidação dos meios de

comunicação, sua abrangência na difusão de mensagens e a sofisticação dos novos

recursos e tecnologias disponíveis.

Sendo assim, outros eventos de comunicação, associados ao marketing

comercial e cada vez mais presentes em nosso cotidiano, têm se apropriado da

linguagem cenográfica para vender idéias. Apesar deste contexto nem sempre

comportar o espetáculo, ao menos os recursos da cenografia estão presentes nas

construções: o caráter efêmero, a simulação de materiais privilegiando a forma em

detrimento da função, a criação de ilusões.

De alguma forma o fato do cenário ser construído, empregar


materiais em sua linguagem expressiva, permitir o tráfego espacial
dos protagonistas, até sugerir um lugar real, induz uma
aproximação. A identificação falaciosa deriva mais do envolvimento
cúmplice que tende a associar a simbologia de um ambiente à
realidade factual de outro. Em outras palavras, que tende a fundir
linguagens autônomas com discursos distintos pelo ato do
encantamento.42

42 CARON, 1994, p.69 apud OLIVEIRA, A. S., 2000 p. 30-31


Cenografia para além do teatro 72

Nestes momentos, a forma adquire uma significância que transcende a sua

função e os cenários, por terem entre suas atribuições a de qualificar espaços, têm

se prestado a habilitar visualmente algumas intenções.

No debate “Cenografias: Mídias e Linguagens” realizado em 2002 pelo SESC

de São Paulo, a cenógrafa Daniela Thomas lembrou que a cenografia, tanto no

cinema como na televisão, solicita do cenógrafo um olhar, um conceito

extremamente atento, que “estende-se desde a cor do pires sobre a mesa até o

pôr-do-sol ao fundo. Exige também decisões sobre sensações, abstrações, “climas”:

a cena é muito quente, fria? Espaçosa, apertada? Qual o conflito? Deve-se pensar no

tipo de sensação que está se buscando criar no espectador”.

Falando de teatro e televisão J.C. Serroni observa que a questão da escala

também merece atenção. Ele ressalta que a luz, a sombra e o desenho da

perspectiva se equivalem, tanto na televisão como no teatro. “A diferença talvez

esteja na escala de construção cenográfica. A escala das cidades cenográficas da

televisão é uma escala real, com igrejas, ruas, casas, praças, etc.”. No teatro, ainda

segundo Serroni, “ se possui uma caixa de palco de doze metros por quinze metros

de profundidade com oito metros de altura, por exemplo”.43

Para José de Anchieta, a experiência de mais de vinte anos com publicidade

foi uma das melhores escolas de cenografia e direção - uma espécie de dramaturgia

43 SERRONI in BURRINI, 1996, p.44 apud CARDOSO, J. P. F., 2007, In Internet site, Fev. 2007
Cenografia para além do teatro 73

da classe média e do consumo imediato de produtos. Destaca ainda a característica

de produção dinâmica, cuja demanda diária na produção de desenhos de cenários,

equivale à televisão.

O aspecto positivo dessa produção frenética é que todos nós –


profissionais de cenografia e figurino, maquinistas, cenotécnicos,
aderecistas, iluminadores e fotógrafos – púnhamos a mão na massa
todos os dias, como qualquer operário. Experimentávamos tudo o
que nos era possível experimentar (...) nos mais diversos estúdios
de cinema preparando e construindo cenários, ao contrário do teatro
e do cinema de longa metragem, onde hoje fazemos um cenário e o
próximo só dali a um ano ou mais, o que acabava nos fazendo
perder o pique e a convivência diária com o “fazer”. 44

O deslocamento efetivo da prática cenográfica para além do universo teatral

- seu ambiente original - implica na produção de novas referências espaciais, cujos

reflexos sensoriais são percebidos em diversos estratos do cotidiano. “A cenografia

vem se expandindo no mundo da moda (...) no mundo dos shows, nos clipes, nas

montagens de exposições (...) e alguns outros trabalhos mais comerciais como as

vitrines, stands, e montagens de passarelas e palcos”45. Os cenários têm se

adequado a ambientar eventos de compra e venda e, buscando potencializar sua

eficácia, utilizam-se inclusive dos momentos de suspensão da incredibilidade para

envolver as mais variadas platéias.

Restaurantes, hotéis, saguões de condomínio e alguns empetecados


banheiros de apartamento, quase tudo se organiza e se decora como
se fosse um território em que a fantasia, como se diz, virou

44 ANCHIETA, J., 2002, p.228


45 Citação de DANIELA THOMAS durante debate em Novembro de 2002 pela unidade SESC Anchieta em
São Paulo.
Cenografia para além do teatro 74

realidade. O efeito Disneylândia é generalizado, a própria realidade


vai cedendo espaço aos cenários.46

Para avançar a reflexão sobre o panorama da dramatização dos espaços

cotidianos, é importante verificar que papel cabe à cenografia – como mais um bem

de consumo simbólico da indústria cultural – dado a sua característica de mídia

contemporânea; em direção a uma estética de procedimentos na qual o processo se

impõe ao objeto; a forma tende a se impor ao conteúdo.

A informação no campo cenográfico é coisa rara, e isso faz com que


o cenógrafo brasileiro continue aprendendo com acertos e erros do
dia a dia (...) O próprio conceito de cenografia, que durante toda
história da cenografia ocidental sofreu alterações devido a evolução
tecnológica e adaptação a novos espaços, apresenta-se ainda mais
confuso. A existência de diferentes conceitos cenográficos se deve a
esta "mania" da cenografia de entrar em um espaço, reconhecê-lo
em suas particularidades e adaptar-se a suas necessidades até
adquirir uma linguagem própria deste sistema. Esta adequação por
sua vez, leva a mudança em seu processo de desenvolvimento,
escolha de materiais e técnicas de produção. O teatro tem uma
linguagem própria, o que leva a utilização de técnicas e materiais
próprios para sua linguagem, na mesma situação encontra-se a
televisão e os outros campos de atuação cenográfica. As fases de
transição que fizeram com que a cenografia passasse de arte
pictórica a arte plástica; a incorporação da luz elétrica como
elemento comunicacional; o uso de paisagens naturais na fotografia
em movimento do cinema; assim como, a fragmentação da imagem
irradiada da televisão, levaram profissionais e teóricos a discutir o
papel do cenário no espetáculo: sua relação com o espaço, com o
ator e com o público. Hoje, a inexistência do espaço físico parece
afastar a cenografia do seu parentesco mais próximo, as artes
plásticas, por existir apenas no tempo, inclusive no tempo real e
presente, a imagem eletrônica é pura duração (...) Isto acaba levando
a uma nova frente de debates sobre o conceito de cenografia. 47

46 BUCCI, E.,1997, p. 18 apud OLIVEIRA, A.S., 2000, p. 33


47 SARAIVA , H. F. apud ANCHIETA, J., 2002, p. 230
Cenografia para além do teatro 75

3. O POTENCIAL COMUN
COMUNICATIVO DA CENOGRAFIA: UM ESTUDO DE
CASO

3.1 A construção
construção da aparência

Nas sociedades européias, durante toda a Idade Média e Renascimento, a vida

intelectual e artística permanece sob a tutela da aristocracia e da Igreja, atendendo

às suas demandas éticas e estéticas.

Contudo, uma atitude mais autônoma começa a despontar em decorrência

das grandes transformações sociais ocorridas em meados do século XIX, da

revolução industrial na Inglaterra à consolidação da burguesia na França, justamente

sob a ótica dos movimentos artísticos e suas implicações na sociedade: o

romantismo em oposição ao classicismo, o artista como portador oficial de uma

nova consciência e sensibilidade, um cronista de seu tempo, seja através da pintura,

da literatura ou do teatro. O homem alcança a modernidade.

Romantismo, Arte-pela-arte, Futurismo, Dadaísmo e tantos outros

movimentos, se sucedem com suas manifestações artísticas, conduzindo os

cidadãos pelo caminho rumo ao século XX. A incorporação dos crescentes avanços

tecnológicos promove um aumento perceptível na difusão de material visual - ainda

no século XIX, por conta da revolução gráfica, as publicações até então limitadas ao
Cenografia para além do teatro 76

texto são tomadas por ilustrações -, o advento da fotografia e do cinema opera uma

profunda transformação na linguagem, rompe a fronteira do registro visual e vai

conduzindo o homem, e sua produção de bens culturais, cada vez mais em direção

a uma sociedade da visualidade, cujo predomínio da imagem configura-se iminente.

Os processos de democratização, urbanização e industrialização se

intensificam ao redor do mundo; vão produzir uma modernização gradual das

sociedades, estabelecendo mais uma nova etapa econômica e social, cujo progresso

implica na consolidação do sistema de produção, circulação e consumo de bens,

materiais e simbólicos, em seu nível mais abrangente.

O progresso capitalista desnuda uma sociedade contemporânea de

contornos claramente mercadológicos, onde a prevalência da atividade econômica

sobre as demais realizações sociais, emite reflexos que podem ser percebidos em

todos os seus segmentos: política, religião, comunicação, arte, etc. De acordo com o

jornalista e professor João FREIRE Filho, estes movimentos são indicativos da

importância que o consumo adquire para a sociedade moderna, em especial a

européia:

Embora Guy Debord1 tenha indicado que o estágio espetacular do


desenvolvimento capitalista se impôs, de maneira gradual, a partir
de 1920 e fortaleceu-se após a Segunda Guerra Mundial, mais
recentemente alguns estudiosos2 nos levaram a rever essa
genealogia, situando a emergência do espetáculo na Paris e na
Londres da segunda metade do século XIX, onde a expansão da

1 O autor citado é o filósofo e pensador francês Guy Debord cuja obra A Sociedade do Espetáculo pode
ser considerada a precursora de toda a análise crítica da moderna sociedade de consumo.
2 Os autores aqui citados são Susan Buck-Morss, Thomas Richards, Vanessa Schwartz, Don Slater e
Rosalind Williams, todos eles estudiosos da área de Comunicação.
Cenografia para além do teatro 77

publicidade, do marketing, do design industrial e do mostruário


comercial, das galerias, das lojas de departamento e dos shoppings
criava um mundo de sonhos de consumo e uma nova paisagem
urbana estetizada; onde a própria modernidade (seus avanços
tecnológicos, suas conquistas científicas, suas experiências e suas
emoções) era transformada em mercadoria, posta à ver e à venda
nas feiras e exposições internacionais; e onde era ilimitada a
utilização do sensacionalismo para moldar, representar e vender o
banal e o cotidiano como espetáculo.3

Uma primeira etapa da dominação da economia sobre a vida social acarreta -

no modo de definir toda realização humana - uma degradação do ser para o ter ;

numa etapa posterior, ocorre um deslizamento generalizado do ter para o parecer.

Ainda segundo FREIRE Filho, a expansão da propaganda, num mercado

monopolizado pela oferta de bens, explica o fenômeno do consumo moderno

caracterizado pela proeminência dos atributos simbólicos em detrimento das

qualidades estritamente funcionais:

(...) por todo lado, anúncios e campanhas publicitárias aproximam


bens materiais, mesmo os aparentemente mais triviais e insípidos,
do universo das crenças, aspirações e atitudes “românticas”;
oferecem gratificações mais emocionais e espirituais do que
utilitárias; tendem a escamotear a origem manufatureira e fabril de
seus produtos, divulgando-os como concepções imaculadas ou
artigos ligados a uma história mítica; apresentam imagens do
exótico, do natural, do surreal e do inconsciente, no lugar de fatos
empíricos ou argumentos racionais. Não mais encaradas como um
produto social do trabalho humano dotado de propriedades sensuais
úteis para a vida prática das pessoas, as mercadorias passam a ser
tratadas como algo naturalmente munido de faculdades,
propriedades, valores e significados intrínsecos (masculinidade,
feminilidade, elegância, sex appeal, ousadia, inteligência,
modernidade), transferíveis ao consumidor mediante as relações
místicas e abstratas de compra e posse (a mediação mágica do

3 FREIRE Filho, J., 2003, p. 10.


Cenografia para além do teatro 78

dinheiro) e não por intermédio das relações orgânicas do fazer e do


construir (por meio da práxis).4

Ao abordar a questão da predominância do valor da aparência de uma

mercadoria em detrimento de seu verdadeiro valor de uso (sua utilidade espontânea

e não mediada), o pensador alemão Wolfang Haug alerta para um mecanismo cuja

prática tende a gerar o que ele chama de indústria da imagem, uma nova “estética

da mercadoria”:

(...) a maneira mediante a qual a beleza (uma “segunda pele” da


mercadoria, independente de seu corpo material) é desenvolvida
tecnicamente a serviço da realização do valor de troca. A construção
de uma “promessa de valor de uso”, indispensável para impulsionar
as vendas, envolve o apelo cientificamente calculado aos sentidos e
às necessidades do consumidor, transfigurando o comércio moderno
numa verdadeira “tecnocracia da sensualidade”. 5

O filósofo francês Guy Debord refere-se à sociedade moderna de consumo

como uma sociedade da performance, na qual nada pode ser imaginado, pensado

ou realizado senão em forma de espetáculo. O espetáculo ao qual se refere Debord

pode ser percebido como um desdobramento inerente ao funcionamento da ordem

capitalista; na medida em que a institucionalização da produção seriada relega o

homem ao papel de mais uma das engrenagens do sistema, ele perde a visão do

todo e, portanto, a capacidade de valorar o produto final acabado - a mercadoria

que ele próprio ajudou a produzir perde o sentido. Esta abstração generalizada se

estabelece como representação do caráter intercambiável de todos os bens, passa a

4
FREIRE Filho, J., 2003, p. 09
5 HAUG, 1997, p. 98
Cenografia para além do teatro 79

determinar a natureza da própria realidade, e se consolida sobre as fantasias e

ilusões da mercadoria.

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições


de produção se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação. 6

Considerado em sua totalidade, o espetáculo é ao mesmo tempo o


resultado e o projeto do modo de produção existente. Não é um
suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada.
É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas
particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo
direto de divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da
vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha
já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha. Forma
e conteúdo do espetáculo são, de modo idêntico, a justificativa total
das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo também
é a presença permanente dessa justificativa, como ocupação da
maior parte do tempo vivido fora da produção moderna. 7

Imagem, espetáculo, visualidade, entretenimento. A cultura de consumo

destaca-se por sua capacidade de construção de universos imagéticos em torno das

mercadorias e produtos, através da conversão dos ‘ambientes’ voltados para o

consumo, em lugares cativantes, fascinantes e sedutores. Este procedimento se

consolida na contemporaneidade, desde que a informação visual prevalece sobre

todas as outras, como mecanismo de comunicação das sociedades; deste modo o

sentido da visão, privilegiado em detrimento dos outros, e segundo Debord, o mais

abstrato e mais sujeito à mistificação, é o que corresponde à abstração generalizada

que informa a sociedade do espetáculo.

6
DEBORD, 2005, p. 13
7 Ibid., p. 14-15
Cenografia para além do teatro 80

É compreensível, neste panorama, que a cenografia com suas qualidades de

representação da realidade e do sonho, seja reconhecida como ferramenta

comunicativa para uma sociedade habituada ao consumo dos bens materiais e

simbólicos.
Cenografia para além do teatro 81

3.2 Possibilidades do Território Cenográfico

Em se tratando da produção nacional, o avanço das intervenções promovidas

pela cenografia, em eventos socioculturais dos mais variados matizes, tem se

intensificado nos últimos 30 anos.

Este deslizamento da práxis cenográfica - do teatro para outras áreas do

entretenimento - materializa-se em duas frentes de atuação: de um lado a

manutenção de um mercado consumidor ávido pelo consumo dos mais diversos

bens e novidades; de outro lado a consolidação da cenografia como linguagem da

comunicação, investida de autenticidade plástica (conferida pelo caráter erudito do

teatro) e cujos atributos simbólicos são manejados em função de narrativas

expressivas que visam atender a múltiplas dramaturgias.

No âmbito do universo cenográfico podemos hoje relacionar os seguintes

grupos de ação:
Cenografia para além do teatro 82

1. Do Palco 2. Da Câmera 3. Do espaço 4. Do espaço

Sócio-
Sócio-Cultural Comercial

Teatro TV Exposições de arte Estandes

Ópera Cinema Carnaval Desfiles de Moda

Dança Publicidade Vitrines

Música Eventos e Festas

erudita

popular

Tabela 1. Possibilidades de Intervenção Cenográfica.

Existe ainda uma categoria que poderíamos qualificar como cenografia

indireta, formada das seguintes atividades complementares: figurinos, iluminação,

programação visual, ilustrações e maquiagem. Já os parques lúdicos e temáticos,

que também são exemplos do uso de cenografia, configuram uma categoria híbrida

de espaços de natureza social cujo produto de consumo associado é o lazer.

O recorte estabelecido no estudo que segue está circunscrito à produção

nacional e, tem como objetivo avaliar o potencial comunicativo dos recursos

cenográficos indicados no Grupo 04, relacionado ao segmento do espaço comercial.


Cenografia para além do teatro 83

3.2.1 Estandes

Os estandes são os espaços expositivos que compõe as grandes feiras de

negócios - eventos para a divulgação e exibição de novidades e lançamentos nas

áreas de produção de bens e serviços. São iniciativas essencialmente comerciais e

setorizadas e, portanto, dirigidas a um público na maioria dos casos, homogêneo e

bastante especializado.

O calendário anual de feiras e negócios da cidade de São Paulo, por exemplo,

conta hoje com aproximadamente 90 eventos, nos mais diversos setores desde

produtos da indústria alimentícia, automobilística, farmacêutica e cosmética,

passando pelos segmentos da informática, editorial e da comunicação, para citar

apenas algumas das áreas envolvidas.

Trata-se de um mercado de grandes proporções, tanto no volume de

operações como nos elevados valores que envolve e, cujo crescimento apresentado

desde a primeira feira, realizada em São Paulo, na década de 1950 - a Feira

Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), no pavilhão do Parque do Ibirapuera - confirma

a eficácia desta ferramenta como geradora de negócios.

Portanto, a empresa que participa de uma feira de negócios através da

contratação de um estande o faz buscando investir na manutenção da sua imagem


Cenografia para além do teatro 84

institucional; tanto junto ao seu público já constituído quanto na expectativa de

ampliar o leque de potenciais novos clientes e assim, divulgar a sua marca.

A operação de produção do espaço do estande implica na identificação do

público alvo, na qualificação dos objetivos da comunicação pretendida pelo cliente

e, conseqüentemente na elaboração desta mensagem através de um projeto

cenográfico. O tamanho do espaço adquirido e a sua localização na planta da feira,

assim como o período de duração são as informações iniciais na orientação de um

projeto.

No entanto, o orçamento disponível é um fator preponderante para o projeto,

e influencia uma série de decisões, desde o dimensionamento dos espaços internos

(área de exposição de produtos, recepção do público, serviço de bar/cafeteria, sala

de atendimento vip e depósito de materiais) até os serviços contratados

(recepcionistas, pontos de telefonia e internet, circuito interno com monitores de

plasma, som ambiente, material de divulgação e brindes, entre outros).

As soluções a serem adotadas para a exposição mais eficaz de um produto

ou serviço implicam inicialmente no impacto visual que o estande desperta no

visitante-passante, em meio a um ambiente também ocupado pela concorrência; e

onde todos têm por objetivo apresentar a mensagem mais atraente e confiável.

Desta feita, o projeto deve contemplar:

• Soluções construtivas e visuais no conjunto da obra, para destacar o estande

com relação aos concorrentes.


Cenografia para além do teatro 85

• Criar referenciais emocionais para conquistar e atrair o visitante para dentro

do estande.

• Criar um percurso de visitação coerente, cuja informação técnica exposta

tenha credibilidade, situando o assunto abordado, no tempo e no espaço;

• Escolher materiais adequados ao processo construtivo, à duração do evento e

ainda como reforço à recepção emocional por parte dos visitantes.

As imagens que seguem serão analisadas do ponto de vista de suas características

cenográficas.

Figura 37. Estande do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São


Paulo, na Feira SABER, edição 2002, São Paulo.
Cenografia para além do teatro 86

Apesar do aspecto “arejado” proporcionado pela configuração diagonal das

paredes com relação à planta do espaço, este é um modelo de estande dos mais

tradicionais, que se utiliza de uma estrutura modular composta de painéis dupla-

face e de pilares e acabamentos em alumínio (o conjunto é conhecido como estande

de octanorm, que vem a ser o nome do fabricante alemão, original deste sistema

construtivo). Consiste num sistema de encaixes deslizantes que permite uma

montagem rápida e simples; e o manuseio, transporte e armazenagem, assim como

a montagem e desmontagem destas estruturas, requerem um mínimo de

especialização na mão-de-obra empregada; por estas razões reinou soberano e

absoluto durante anos no mercado dos estandes.

Porém, apesar das vantagens acima descritas, o sistema modular limita

consideravelmente a qualidade visual do conjunto. A possibilidade na alteração das

cores dos painéis de acabamento e a distribuição das paredes na diagonal (a outra

possibilidade de montagem segue a planta, ou seja, as paredes montadas coincidem

com a projeção no piso) não são suficientes para que possa haver uma grande

diferenciação de um estande para o outro.

Num mercado onde a concorrência se acirra a cada dia, a diferenciação de um

espaço voltado para a divulgação do produto é imprescindível. Esta busca pela

distinção, pela originalidade, levou a uma primeira mudança significativa na

sistemática de produção dos estandes, que passaram a ser construídos segundo o

sistema misto, ou seja, a estrutura de octanorm, que resolve a questão da


Cenografia para além do teatro 87

montagem estruturada de custo acessível, passou a constituir a base do estande. E,

as fachadas principais e os elementos elevados (como totens, testeiras, logomarcas

e outros volumes com grande projeção do conjunto) passaram a ser construídos

segundo outras tecnologias – estruturas de madeira ou metal e revestimentos mais

nobres como aplicação de pinturas texturizadas, chapas de acrílico, chapas

metálicas e outros materiais.

Figura 38. Estande da General Eletric - GE , na Feira NEGÓCIOS DOS TRILHOS, edição
2001, São Paulo.
Cenografia para além do teatro 88

Figura 39. Estande do Consulado da Argentina, na Feira ABRAS, edição 2000, São
Paulo.

Figura 40. Estande da Jaraguá, em feira de negócios industriais, 2002, São Paulo.
Cenografia para além do teatro 89

Nos três (03) exemplos acima é possível vislumbrar a presença da estrutura

de octanorm, cujos perfis e acabamentos de alumínio são bastante visíveis. E ainda,

cada um dos estandes conta com interferências maiores e mais vistosas sobrepostas

ao ‘miolo’ da instalação, na intenção de fazer ‘desaparecer’ a estrutura que a

sustenta.

Pode-se deduzir daí que a qualidade de singularidade na apresentação visual

do estande é a característica mais privilegiada no momento do projeto. Esta é uma

situação onde as soluções oferecidas pela linguagem cenográfica são aplicadas para

que se atinja um objetivo de natureza comercial.

De qualquer maneira já se podem vislumbrar as novidades obtidas através de

soluções cenográficas. O estande da GE (fig. 38) apresenta volumes pontiagudos

nas esquinas do estande, que projetadas para frente e para o alto, dão leveza ao

conjunto, quando parecem que elevam o volume todo do piso. Os dois volumes

cilíndricos e de cor forte do balcão de recepção, contrastando com o tom

predominante da construção, sinalizam claramente o acesso de entrada ao espaço,

ou, a opção do início do percurso estabelecida no projeto. A floreira instalada na

base do totem pontiagudo humaniza o espaço e reforça a sinalização do acesso.

O estande do Consulado da Argentina (fig. 39) tem volumes construídos além

da estrutura-base, cujos avanços verticais fazem com que o conjunto pareça maior

do que é. A opção por volumes esguios incorpora os perfis metálicos do interior e a


Cenografia para além do teatro 90

grande quantidade de floreiras, volumosas e bastante vistosas, confere ao entorno

um agradável equilíbrio.

O estande da Jaraguá (fig. 40) é o que apresenta o maior número de volumes

construídos, com características assimétricas, e vários elementos curvos que se

sobrepõe e se intercalam. O resultado é bastante singular e seguramente o

diferencia dos outros. O totem que sinaliza a entrada é um simulacro do Memorial

JK, construído em Brasília e, teoricamente, confere imponência ao conjunto; indica

ainda a intenção do projeto que privilegia o ícone em detrimento dos atributos

estéticos.

Mesmo que os estandes de sistema misto consigam atingir a diferenciação

necessária para um estande em uma feira de negócios existe atualmente mais uma

categoria a ser abordada, a dos estandes totalmente construídos.


Cenografia para além do teatro 91

Figura 41. Estande da Omega Mega Light, na EXPOLUX, edição 2004, São Paulo.

Figura 42. Estande da Weber Quartzolit, na FEICON, edição 2003, São Paulo.
Cenografia para além do teatro 92

Nos dois exemplos acima é possível perceber que a opção pelo estande

construído diz respeito principalmente às qualidades estéticas do resultado final.

A Omega Mega Light (fig. 41) optou por uma exibição elegante de seus

produtos. Tanto os materiais utilizados quanto o desenho dos volumes construídos

sugerem uma imagem de modernidade e sofisticação, que se aproximam do

universo da decoração. Os volumes de madeira e a divisória de cor azul ao fundo

tem uma conotação de ‘tendência decorativa’ (de associação imediata ao universo

da Mostra CasaCor, por exemplo) segmento no qual a empresa se encontra inserida.

A solução encontrada pela Quartzolit (fig. 42) para seu espaço é

extremamente original considerando que seu produto final é utilizado pela indústria

da construção, que neste estágio – da edificação – tem características de apelo

visual próximas do zero. E, no entanto o estande com sua configuração modulada

que alude aos andaimes – elementos comuns a este universo da construção – tem

movimento, leveza, consegue expor a marca em diversos sentidos e alturas e ainda

permite que os produtos sejam posicionados de maneira a não truncar o espaço de

circulação.

Nestes dois casos as estratégias de cenografia foram usadas para valorizar os

produtos e inserí-los em seus respectivos ambientes de negócio, com soluções

plásticas e estéticas sofisticadas e inovadoras. E uma relação Custo x Benefício nota

10.
Cenografia para além do teatro 93

3.2.2 Desfiles de Moda

A moda no Brasil enquanto indústria assistiu a um crescimento efetivo nas

últimas três décadas e vários são os fatores que contribuíram para este quadro: a

evolução do setor têxtil, a qualidade da matéria-prima nacional que se aprimora a

cada ano, a expansão de cursos técnicos e de nível superior relacionados às varias

etapas de produção da moda. Mas principalmente, o estabelecimento de um

calendário de moda no país para dar uniformidade a iniciativas antes isoladas,

contribui para que a cada dia nos distanciemos, definitivamente, do tempo em que

éramos copiosos plagiadores da moda européia e norte-americana.

Acabou-se a ilusão de que bom é o que é importado. E, nossos criadores

passaram a acreditar no fôlego da identidade brasileira para transpor fronteiras.

Nosso estilismo vive um momento bastante afirmativo no que diz respeito à

consciência, criatividade, profissionalização e reconhecimento, tanto no país como

fora dele.

Nos seus 10 anos de existência recém completados a São Paulo Fashion Week

– a semana de moda de São Paulo – com suas duas edições anuais, consolidou-se
Cenografia para além do teatro 94

como o maior evento em matéria de realização de negócios nesta área, no Brasil e

na América Latina.

Inscrita como atividade econômica no mercado de bens de consumo, a moda

se utiliza das estratégias da linguagem cenográfica para implementar sua operação

de vendas, no sentido de fazer chegar seus produtos até o consumidor final.

À parte das qualidades técnicas como a manufatura de boa qualidade ou a

tecnologia dos materiais empregados, a moda na sociedade contemporânea, é

antes de tudo um conceito, é um estado de espírito, uma atitude; ela envolve pelo

que tem de arrojado e moderno; ela vende pelo que tem de sedutor, pela promessa

de múltiplas personas que oferece; um legítimo objeto do desejo.

Estas são características absolutamente subjetivas que ganham concretude no

momento do desfile, ao serem comunicadas para uma platéia. Ao adentrar numa

sala de desfile o público é convidado a ‘deixar’ o cotidiano e ‘ingressar’ em um novo

espaço, um mundo utópico repleto de ineditísmo e pronto a oferecer experiências

extraordinárias.

A visualidade altamente simbólica exigida pelo caráter espetacular que o

desfile de moda procura alcançar, encontra na natureza teatral da linguagem

cenográfica, como disse certa vez o compositor Caetano Veloso, a sua mais

completa tradução...
Cenografia para além do teatro 95

Figura 43. Desfile do estilista Mário Queiroz, Inverno 2006, SPFW, São Paulo.

Figura 44. Outro momento do desfile, Inverno 2006, SPFW , São Paulo.
Cenografia para além do teatro 96

A solução cenográfica aplica neste desfile (fig. 43 e 44) constrói um espaço

envolvente, cujo clima de romance fica evidenciado pelo divã escolhido, com seu

tecido vermelho e acabamento estofado; que nos remete a Europa de meados do

século XIX. O cavalete ao fundo indica um ateliê, e nos transporta para a Paris dos

impressionistas, Olympia... A iluminação teatral e a performance dos modelos

reforça o clima de sedução.

São poucos os elementos que compõe este espaço, mas, de tão significativos

dispensam qualquer outra intervenção. Fica clara a intenção por trás do produto. O

que está sendo vendido é uma atitude sedutora e absolutamente feminina,

acompanhada de um costume.
Cenografia para além do teatro 97

Figura 45. Coleção de Verão da Fórum, 2005, SPFW , São Paulo.

Mais uma vez a solução cenográfica adotada contém muitas narrativas, agora

fazendo uso de elementos que são uma imitação da vida real (fig. 45). As colunas

remetem de pronto à Grécia da Antiguidade, que com sua topografia pedregosa e

calor intenso parece envolver as modelos.

Os vestidos esvoaçantes, de cores claras, e os penteados altos criam uma

ponte não só com o vestuário daquele período, mas também com uma atitude.

Todas juntas ao fundo, poses marcantes, olhares altivos, assim como deusas da

mitologia.

A estratégia do simulacro implica na utilização de elementos convencionais

de tradição clássica - as colunas ‘gregas’ - que são retirados do contexto histórico


Cenografia para além do teatro 98

ao qual pertencem e são introduzidas neste ambiente da moda, para impressionar

os sentidos e, atuando no nível das aparências.

Figura 46. Coleção de Mário Queiroz em clima de protesto, Verão 2006, SPFW, São Paulo.

Esta instalação se utiliza de elementos já clássicos relacionados às

manifestações de protesto; da revolução de 64 aos caras-pintadas da era Collor,

são atitudes relacionadas a posturas liberais, da juventude, da coragem e das

mensagens politicamente corretas.

As colunas revestidas de cartazes sobrepostos, a bicicleta em primeiro plano,

o megafone na mão, traçam o retrato de uma geração – atemporal - de jovens

buscando um espaço para expor suas opiniões. E as mensagens de protesto.


Cenografia para além do teatro 99

Protesto? Viva os desbundados e os engajados! Uma geração de afirmações

mais do que protestos. E novamente, o que está em jogo é uma atitude, que parece

pode ser comprada junto com a roupa que está sendo exibida.

Compra-se uma roupa e veste-se uma atitude.

Figura 47. Coleção de Ronaldo Fraga, Inverno 2005, SPFW, São Paulo.

Os painéis suspensos de imagens e textos esvoaçantes, reproduzidos em

finas lâminas de tecido, são os elementos que marcam o espírito deste desfile.

As fotos antigas, as palavras manuscritas são sinais de um tempo distante e

ao mesmo tempo suspenso, que paira sobre as situações que se sucedem na

passarela.
Cenografia para além do teatro 100

O costume que tem a tonalidade esmaecida das fotos antigas, cuja cor o

tempo lentamente levou, deixando saudades daquilo de um passado atemporal.

Este cenário contem uma mensagem que é pura poesia, quase melancólica,

desde que o universo onde os figurinos transitam vê sua identidade se desvanecer

lentamente.

Figura 48. Coleção da Alphorria, Inverno 2005, SPFW, São Paulo.

Nesta instalação mais uma vez é retomado o conceito das personas que este

mercado reconhece e alimenta.

As reproduções de grande formato de personagens femininos, retratam

mulheres fragmentadas e os conjuntos suporte/reprodução parecem barreiras,

obstáculos no percurso que a modelo precisa cumprir desde o fundo até a boca da
Cenografia para além do teatro 101

passarela. Qual costume afinal está sendo ofertado? Aquele que a modelo usa ou os

que estão reproduzidos nos painéis? A mensagem é contraditória e portanto não se

estabelece. Quem se habilita a comprar?


Cenografia para além do teatro 102

3.2.3 Vitrines

Desde os armários-gabinetes de curiosidades da Idade Média passando pelos

vendedores-vitrines dos séculos XVIII e XIX, até as grandes caixas de vidro de hoje,

as vitrines se consolidam como espaços representativos de um estratégia para

expor as mercadorias que as sociedades produzem.

Trazida para os dias de hoje, a vitrine deve ser entendida como uma

ferramenta de informação, na construção do capital simbólico de uma marca - com

os modos e estilos de vida a ela agregados - e da identidade das empresas.

Toda a vitrine é um suporte para diversos textos que vão dialogar com o

consumidor. Através de narrativas de caráter simbólico são produzidas encenações

inusitadas, sensuais, lúdicas, com a finalidade exclusiva de estimular o consumo

dos produtos expostos, sejam eles em feiras de negócios, em shopping centers ou

no comércio de rua. Mas, apesar de toda e qualquer abstração na resolução visual

de um projeto, ele sempre refletirá a sociedade e o tempo na qual está inserido.

Tal qual a moda, que lida com conceitos subjetivos para comunicar suas

mensagens, também o vitrinismo utiliza-se de estratégias da prática cenográfica


Cenografia para além do teatro 103

Figura 49. Vitrine para fabricante de relógios. Produção de Sylvia Demetresco.

para consolidar as suas instalações.

Independente da natureza esportiva ou não da coleção de relógios aqui

mostrada, o valor do inusitado contido nesta vitrine reside na metáfora a respeito

do tempo refletida na reprodução da cena que poderia até ser a largada de uma

corrida. Brincadeira entre tempo e corrida, o tempo que voa, passa depressa, e não

se deixa alcançar.

O posicionamento dos relógios, distribuídos em pequenos e harmônicos

conjuntos, sobre a base da vitrine permite um exame inicial do conjunto e, com

paciência, a dissecação de cada um dos modelos ali expostos.


Cenografia para além do teatro 104

Figura 50. Vitrine para fabricante de compostos e beneficiados de alumínio. Produção de


Sylvia Demetresco.

Esta vitrine para feira de negócios tem a difícil missão de vender um produto

da indústria primária, que depois deste estágio ainda vai ser beneficiado, para se

transformar em outro produto ainda.

Neste estágio da cadeia produtiva, as características como qualidade,

durabilidade e versatilidade provavelmente são os pontos de maior valoração.

E novamente a solução oferecida é criativa e inusitada. Desde que o produto

se presta a inúmeras manufaturas pode muito bem ser tratado como um objeto

artístico. A disposição regular de vários cilíndricos perfeitos, brilhantes e

assimétricos atrai irremediavelmente o nosso olhar.


Cenografia para além do teatro 105

Figura 51. Vitrine para varejo de roupa feminina. Produção de Sylvia Demetresco.

Esta encenação tão minimalista só é possível em vista dos costumes que

expõe. As estampas que as roupas apresentam nos remetem de imediato ao

universo da arte concreta. O rigor de linhas, cor e composição encontra seu espaço

natural nos museus e galerias de arte.

A composição assimétrica dos manequins e a reprodução de grande formato

ao centro reforçam esta conotação de mostra, quando as roupas são elevadas à

categoria de obra de arte.


Cenografia para além do teatro 106

Figura 52. Vitrine para varejo de acessórios para moda


feminina. Produção de Jack Mello.

Os acessórios femininos aqui dispostos estão situados num universo luxuoso

e sofisticado. Os móveis de estilo conferem uma aura de glamour, reforçada pela

parcela de manequim, cujas pernas esguias estão vestidas com meia texturadas e

sapatos de salto finérrimos. Literalmente, vestidas para matar.

A ausência da porção superior do manequim sugere que esta personagem

pode ser vestida por qualquer mulher, desde que haja identificação.
Cenografia para além do teatro 107

Figura 53. Vitrine para varejo de moda feminina. Produção de Sylvia Demetresco.

A encenação que aqui se apresenta é precisa quando informa a sua real

finalidade: anunciar a redução no preço das mercadorias que se encontram no

interior da loja.

A ousadia reside na intenção de promover a venda sem revelar o produto, ou

seja, apostando na força que a marca tem em relação a seu público consumidor.
Cenografia para além do teatro 108

3.2.4 Eventos e Festas


Festas

O universo de eventos e festas, dentre as categorias de cenografia para

espaços comerciais, é o que possui o caráter mais efêmero e o apelo mais mercantil.

É um imenso guarda-chuva que abriga todos os tipos de lançamentos de

serviços e produtos; pode também estar inscrito dentro de uma iniciativa mais

abrangente, da qual fazem parte todas as outras estratégias concebidas por um

plano máster de marketing; por exemplo: o lounge de um patrocinador dentro da

São Paulo Fashion Week, a festa de lançamento de um novo modelo de relógio

esportivo no dia do Grande Prêmio Brasil de Automobilismo, ou ainda um camarote

temático no Sambódromo, no período do Carnaval do Rio de Janeiro.

Nestes casos as demandas de projeto implicam em soluções cenográficas de

caráter operacional em detrimento das questões visuais, que muitas vezes são

resolvidas com efeitos de iluminação e sonorização.

O sucesso destas empreitadas está diretamente relacionado com o

envolvimento das platéias, que muitas vezes se caracterizam como formadores de

opinião e lançadores de tendências e modismos.


Cenografia para além do teatro 109

Figura 54: Festa da Pepsi on Stage. A pista de dança está lotada e muitos convidados se acumulam do
lado de fora. Porto Alegre, Maio 2006.

Figura 55: Outro momento do Espaço Pepsi on Stage, agora sem audiência. Porto Alegre, Maio 2006.
Cenografia para além do teatro 110

Os dois momentos retratados acima são exemplos claros do tipo de projeto

cenográfico adotado.

Um espaço fechado foi dimensionado e construído para abrigar a pista de

dança. O pé-direito elevado facilita a instalação de equipamentos de luz e som e

ainda contribui para uma melhoria na circulação do ar. A intervenção decorativa

externa encontra-se instalada na parte superior da fachada, acima da porção em

que os visitantes podem alcançar e a logomarca do patrocinador encontra-se em

lugar de destaque dominando uma grande porção da fachada. Assim a instalação

cenográfica fica preservada e pode ser avistada a distancia.

Ficam bastante explicitadas também as diferenças no momento diurno e no

momento noturno. À medida que a festa se desenrola e o espaço fica com sua

capacidade esgotada os visitantes do evento máster se acumulam ao redor da

entrada. A lotação da pista e a expectativa de conseguir entrar geram uma

informação imediata de sucesso aos visitantes, resultando numa enorme valorização

da marca do patrocinador: ele foi competente ao criar um evento de sucesso que

teve uma enorme audiência.


Cenografia para além do teatro 111

Figura 56. Evento de lançamento de produtos da linha Boticário, no Amni Hot Spot, a semana da
moda dos jovens criadores. São Paulo, 2.005.

Figura 57. Intervalo dos desfiles. São Paulo, 2.005.


Cenografia para além do teatro 112

Esta instalação foi montada no saguão de acesso aos desfiles do Amni Hot

Spot, uma iniciativa para divulgação do trabalho de jovens criadores e estilistas, da

SPFW.

A empresa Boticário, na qualidade de patrocinadora do evento, instituiu um

concurso entre os estilistas participantes para a criação de uma estampa exclusiva,

para decorar uma tiragem especial de embalagens de cosméticos.

A instalação criada previu a exibição das estampas selecionadas - além da

estampa vencedora – montadas em caixas iluminadas e dispostas na forma de obras

de arte; inseridas num ambiente de aspecto contemporâneo, bastante despojado,

com uma iluminação inusitada para valorizar o colorido exuberante de todos os

trabalhos.

Os dois grandes quadros centrais também são caixas iluminadas e os objetos

que ali se encontram são exemplares de toda a linha de maquiagem ali lançada, em

uma diagramação inovadora, que realçou os produtos, mas também os apresentou

como obras de arte.

As imagens registram dois momentos distintos de ocupação do espaço:

durante os desfiles e no intervalo entre eles. No momento de maior audiência a

instalação adquire uma grande proximidade com a platéia, tal qual acontece no

vernissage das galerias de arte.


Cenografia para além do teatro 113

4. CONCLUSÃO

Nos dias de hoje pode-se afirmar que a cenografia empreendeu uma

trajetória consistente em direção a novos espaços de atuação, que transcenderam o

espaço teatral.

Consolidada como linguagem artística, cuja mensagem expressiva vai ao

encontro das mais variadas platéias, a cenografia foi reconhecida como importante

ferramenta na ativação dos processos comunicativos da cultura de consumo.

A observação crítica estabelecida neste trabalho buscou identificar os

eventos que tornaram esse deslizamento possível, com a intenção de levar a

discussão para esferas cada vez mais abrangentes.

Falando da experiência em nosso país foi possível perceber que esta

movimentação da práxis cenográfica provoca uma série de questionamentos de

natureza prática, que dizem respeito a todos aqueles que atuam neste mercado:

técnicos, criativos, estudantes, artistas e profissionais da comunicação em geral.

A pesquisa desenvolvida identificou deficiências no sentido de uma

formação de nível técnico e superior, para aqueles que querem ingressar neste
Cenografia para além do teatro 114

mercado de trabalho, como também para aqueles que já o habitam e, cuja

qualificação profissional deriva de outros segmentos.

Nesse sentido, a experiência adquirida com a vivência teatral foi

determinante ao preencher a lacuna de formação profissionalizante, com suas

possibilidades experimentais e artísticas, mas principalmente, estabelecendo

conceitos teóricos e estéticos para tratar das resoluções espaciais.

Os aprendizados oferecidos pela realidade teatral dizem respeito também à

qualidade da linguagem desenvolvida pela cenografia, uma poética materializada

em imagens: comunicar através de cor, luz, forma, linha e volume; contar uma

atmosfera; comover como espaço. E com isso atender às demandas éticas, estéticas

e do imaginário das platéias.

Apesar destas questões o mercado de trabalho continua em expansão,

dirigindo-se célere a novas frentes de atuação geradas na área da produção

cultural. É compreensível, portanto, que sob este prisma a cenografia com suas

qualidades de representação da realidade e do sonho, seja reconhecida enquanto

ferramenta comunicativa para uma sociedade habituada ao consumo dos bens,

materiais e simbólicos, seja ele de produtos, de conceitos, de lazer e cultura ou

ainda, de estados de prazer.

O estudo do deslizamento da experiência cenográfica em direção a novas

áreas de atuação possibilitou a categorização de quatro (04) segmentos distintos e


Cenografia para além do teatro 115

complementares entre si, com as possibilidades de atividades cenográficas

oferecidas hoje pelo mercado de trabalho: a cenografia no palco, a cenografia na

câmera, a cenografia nos espaços sócio-culturais e a cenografia nos espaços

comerciais.

A parte da visão objetiva da realidade deste mercado de trabalho, que abrange a

categorização estabelecida acima, esta discussão esbarra numa questão

fundamental para quem já transita neste mercado: a existência de certo

preconceito refletido na distinção entre o ‘fazer teatral’ e o ‘fazer comercial’.

Distinção esta muitas vezes provocada pelos próprios profissionais, em vista da

dificuldade de se estabelecer parâmetros de uma capacitação específica para a

prática do ‘fazer cenográfico’.

Talvez um caminho concreto para este entendimento resida, sobretudo, no

debate das questões contemporâneas, pertinentes ao processo da criação e

realização cenográfica.
Cenografia para além do teatro 116

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