BELÉM-PARÁ
2015
WILTON RABELO PESSOA
BELÉM-PARÁ
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIENTÍFICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E
MATEMÁTICAS
TESE DE DOUTORADO
Data:
Banca Examinadora:
___________________________________
Prof. Dr. José Moysés Alves
IEMCI/UFPA – Presidente
___________________________________
Profª. Drª. Anna Regina Lanner de Moura
FE/UNICAMP – Membro Externo
___________________________________
Profª. Drª. Sônia Regina dos Santos Teixeira
ICED/UFPA – Membro Externo
___________________________________
Profª. Drª. Andrela Garibaldi Loureiro Parente
IEMCI/UFPA – Membro Interno
___________________________________
Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves
IEMCI/UFPA – Membro Interno
BELÉM
2015
Para Ana Luísa
A vida fora da autografia.
A vida fora da biografia.
A vida fora da caligrafia.
A vida fora da discografia.
A vida fora da etnografia.
A vida fora da fotografia.
A vida fora da geografia.
A vida fora da holografia.
A vida fora da iconografia.
A vida fora da logografia.
A vida fora da monografia.
A vida fora da nomografia.
A vida fora da ortografia.
A vida fora da pornografia.
A vida fora da quirografia.
A vida fora da radiografia.
A vida fora da serigrafia.
A vida fora da telegrafia.
A vida fora da urografia.
A vida fora da videografia.
A vida fora da xilografia.
A vida fora da zoografia.
- A vida inde.
(Arnaldo Antunes)
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. José Moysés Alves pela compreensão, confiança e amizade
durante a produção da tese. O processo de orientação se configurou como um espaço de
relação fundamental para que eu pudesse construir meu percurso de formação e
desenvolvimento pessoal e profissional. Muito Obrigado!
Ao Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves pelo incentivo, sensibilidade que faz do IEMCI
um espaço de valorização das relações humanas e principalmente amizade.
À Profª. Drª. Sílvia Nogueira Chaves pela convivência no grupo de estudos, discussão
de idéias e amizade.
À Profª Drª. Terezinha Valim Oliver Gonçalves, presença constante em minha trajetória
profissional e com quem sempre aprendo e compartilho conhecimentos e ideias em
relação ao ensino de ciências.
À Profª. Drª. Rosália Maria Ribeiro de Aragão e ao Prof. Dr. Francisco Hermes dos
Santos da Silva pelas interlocuções durante o doutorado.
À Profª. Drª. Maria Carmen Villela Rosa Tacca e Profº. Drº. Eduardo Fleury Mortimer
pela análise do texto e contribuições por ocasião do exame de qualificação. À Profª. Drª.
Andrela Garibaldi Loureiro Parente, Profª. Drª. Sônia Regina dos Santos Teixeira e
Profª. Drª. Anna Regina Lanner pelas valiosas contribuições durante a defesa de tese.
Ao Prof. Dr. Eduardo Paiva de Pontes Vieira, pela amizade e trabalho partilhado na
Direção da Faculdade de Educação Matemática e Científica.
À Profª. Drª. Isabel Cristina Rodrigues de Lucena pela ajuda na organização do texto
final da presente tese.
Aos colegas do doutorado, em especial Ana Sgrott, grande amiga e companheira que
partilhou comigo alegrias e desafios que a vida nos apresenta em relação ao doutorado e
fora dele.
Ao professor Miro pela generosidade ao abrir suas aulas como cenário de pesquisa e
estudo, que enriqueceram a elaboração da presente tese.
À minha família, em especial, Ana Luísa, Mário Arthur, Sandra, Ubirajara e Williams.
Muito obrigado!
9
SUMÁRIO
Pág.
3.1 - Professor Miro: Não sei se eu me qualifico como um bom professor, mas que eu
busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade ------------------------------------------57
3.2 - Edu: Qualquer tipo de conhecimento é válido pra nossa vida ---------------------74
3.3 - Lia: Ai! Quando vem aquele mol! Eu não vejo importância na química pra mim.
Pra mim ela tendo ou não, não faz diferença -----------------------------------------------87
3.5 - Nara: Esse ano eu sei que eu tô mais estudiosa, pode ver que às vezes eu fico lá
na frente -----------------------------------------------------------------------------------------106
4. Discussão -------------------------------------------------------------------------------------130
5. Referências ----------------------------------------------------------------------------------139
RESUMO
De modo geral, nas pesquisas sobre o chamado domínio afetivo da educação científica,
a afetividade é considerada como combustível da ação, mas sem tomar parte da
qualidade dessa ação e do pensamento humano. Essa perspectiva tende a nortear
processos de ensino e aprendizagem de ciências nos quais a motivação é identificada
como atividade ou técnica a ser utilizada no início ou em momentos específicos das
atividades escolares. De modo distinto, a perspectiva que adotei neste trabalho,
inspirada na Teoria da Subjetividade proposta por González Rey, concebe afeto e
cognição em constituição mútua, de modo que a motivação é vista como expressão
integral da pessoa, isto é, como produção subjetiva. No presente trabalho apresento os
casos de um professor de química e seis estudantes do segundo ano do ensino médio de
uma Escola Pública Estadual de Belém – PA. Os resultados deste estudo sobre a
motivação de professor e estudantes permitem sustentar a tese de que a motivação em
aulas de química é constituída pela integração de sentidos subjetivos produzidos no
curso do ensino e da aprendizagem e na história dos estudantes e do professor, na escola
e em outros contextos. A ideia da motivação como produção de sentido subjetivo requer
que os processos de ensino e de aprendizagem estejam direcionados para subsidiar essa
produção, na direção de melhor aprendizagem escolar. A perspectiva teórica da
subjetividade possibilita considerar as produções e posicionamentos do sujeito no curso
de suas experiências, superando a ideia da motivação como simples resposta a um fator
externo à pessoa. Nesta perspectiva, a compreensão da motivação para aprender e
ensinar química ganha uma contribuição, pois deixa de ser pensada como algo próprio
do sujeito ou das tarefas escolares e pode beneficiar professores interessados em
inovações nessa área.
ABSTRACT
sentidos subjetivos anteriores não são tomados como a causa das ações atuais do sujeito.
do sujeito, mas como afirma González Rey (2003) à forma em que uma experiência
atual adquire sentido e significação dentro da constituição subjetiva da história do
agente de significação, que pode ser tanto social como individual (p.202). Os processos
sociais passam a ser vistos como processos envolvidos no sistema complexo que é a
subjetividade social, no âmbito da qual o indivíduo é constituinte e simultaneamente
constituído (GONZÁLEZ REY 2003, p. 202).
Assim como Machado (2000) considero que a aula de química é muito mais
do que um tempo durante o qual o professor vai dedicar-se a ensinar Química e os
alunos a aprenderem alguns conceitos e desenvolverem algumas habilidades. Isso
implica em reconhecer as aulas de química como contextos de constituição de sujeitos,
nos quais se participa das relações sociais com toda a sua vida. O ensino e a
aprendizagem de química podem ir além da socialização e aquisição de conhecimento
científico por parte de professores e estudantes, constituindo seu desenvolvimento como
sujeitos.
sujeito para além de aspectos conceituais do conhecimento, que, em geral têm sido
enfatizados na pesquisa sobre a aprendizagem científica (MORAES, RAMOS E
GALIAZZI, 2004).
subjetiva chama atenção para que um dos objetivos do ensino de ciências seja
justamente mobilizar o interesse dos estudantes (POZO E GÓMEZ CRESPO, 2009).
Desse modo, torna-se importante que a pesquisa em educação em ciências, direcione
esforços para entender como os professores podem implicar emocional e
intelectualmente os estudantes na aprendizagem científica (LEMKE, 2005).
Esse desinteresse pode ser percebido também nos objetivos de ensino que de
modo geral são definidos para os componentes curriculares de nossas escolas (LEITE,
2006). Em tais objetivos de componentes como química, física e biologia, são
enfatizados aspectos intelectuais da aprendizagem, sem preocupação com a qualidade
das relações dos estudantes entre si e destes com o professor nas aulas. Também não são
planejadas condições para que os estudantes construam vínculos positivos com o objeto
de estudo. A formação em atitudes, por exemplo, de cooperação entre os colegas e de
interesse pela ciência, tem pouca relevância, se comparada com o ensino de conteúdos
conceituais de ciências (POZO E GÓMEZ CRESPO, 2009).
120 sujeitos e os resultados apontaram que 41% deles não se sentiam motivados para o
estudo da referida disciplina. Dentre as justificativas apresentadas pelos estudantes para
a desmotivação, apareceu a percepção de que a química apresenta grande quantidade de
conteúdos de difícil assimilação e sem relação com suas expectativas profissionais. A
pouca diversificação das atividades desenvolvidas em aula e a baixa utilização de
experimentos também foram associados à desmotivação para estudar química. A partir
de tais resultados, os autores destacaram a importância de analisar as práticas docentes,
tendo em vista a utilização de estratégias que favoreçam a motivação e a aprendizagem
significativa da química.
motivação, contudo, como configuração de sentido subjetivo, o motivo não pode ser
simplesmente identificado de forma pontual com um comportamento concreto. Todo
comportamento do sujeito passa a ser compreendido no contexto de produção de sentido
subjetivo, que considera a pessoa e o contexto da subjetividade social em que
desenvolve suas atividades.
atual.
2. MÉTODO DA PESQUISA
Tais fatos, aliados ao tempo de existência da escola contribuem para que ela
seja reconhecida pela comunidade local como uma das melhores escolas públicas da
cidade, também em termos de sua qualidade de ensino e infraestrutura física. A
qualidade de ensino da instituição é associada, principalmente pelos estudantes, aos
índices de aprovação nos processos seletivos para ingresso no ensino superior, à
assiduidade dos professores e à infraestrutura da escola. A estrutura física da escola
apresenta laboratório de informática, laboratório multidisciplinar de ciências, sala de
dança, quadra poliesportiva e 33 salas de aula, equipadas com centrais de ar. No período
em que desenvolvi a pesquisa, a escola contava com cerca de 4500 estudantes, divididos
nos três turnos, 150 professores e 30 funcionários.
resolvia alguns exercícios. Em seguida, pedia para que os estudantes tentassem resolver
as questões restantes do material impresso.
rendimento escolar, a produção de sentido subjetivo é mais evidente, tendo em vista que
há uma divergência em relação aquilo que a escola propõe como objetivo, ou daquilo
que se espera como processo e resultados de ensino (TACCA, 2006, p.73). Desse
modo, convidei cinco estudantes para participar da pesquisa, contudo, dois deles
declinaram da participação na entrevista, argumentando para isso, falta de tempo, o que
resultou em três casos estudados na turma A. São eles: Ana - 16 anos; Lia - 17 anos e
Edu - 16 anos.
A partir do segundo semestre letivo, incluí três novos sujeitos de outra turma
que eu já acompanhava desde o início do ano e que denominei de turma B. A turma B
tinha 32 estudantes matriculados, sendo 18 do sexo feminino e 14 do sexo masculino. A
escolha dos sujeitos também foi baseada na observação em aula e nos registros do
questionário aplicado para a turma toda. Os participantes da turma B foram: Alice - 18
anos; Luna - 17 anos e Nara - 17 anos. São estudantes que demonstraram maior
disponibilidade e com as quais eu estabeleci a aproximação e a confiança necessária
para o desenvolvimento da pesquisa.
difícil...” Após essas e outras falas dos estudantes perguntei para eles o que achavam da
química, pergunta a qual foi sucedida por uma série de expressões entusiasmadas como:
“Horrível!” e, “Ai eu odeio mesmo!”, ou ainda, “Eu acho legal!”. Refletindo depois
sobre esses acontecimentos pensei que talvez os estudantes não tivessem tido a
oportunidade, em outros momentos de sua escolarização, de expressarem seus próprios
pontos de vista acerca da química e seu estudo. Além disso, eles demonstraram que, de
algum modo, não estavam alheios à temática da pesquisa.
em áreas e aspectos muito distintos da vida das pessoas. Nesse sentido, utilizei o
complemento de frases com a intenção de explorar além da vivência escolar, outros
espaços de vida dos sujeitos, tendo em vista a natureza multifacetada da motivação. O
referido instrumento contou com 46 indutores para os estudantes (apêndice 4) e 45
indutores para o professor (apêndice 5), em parte elaborados por mim, considerando a
especificidade da pesquisa e adaptados do complemento proposto por González Rey
(2005). O complemento de frases foi entregue aos estudantes em momento posterior a
entrevista, com a solicitação que devolvessem após o seu preenchimento, contudo sem
determinar um prazo para a devolução. Para o professor, o instrumento foi utilizado
após a primeira entrevista. Quando recebia o complemento, eu lia e identificava
aspectos que necessitavam ser desdobrados em conversas posteriores.
Um indicador não tem valor como elemento isolado, mas como parte de um
processo de produção de hipótese dentro do qual aparece em inter-relação com outros
indicadores.No decorrer do processo de construção, os diferentes indicadores permitirão
que se gerem processos de inteligibilidade que se reafirmarão por sistemas de
indicadores convergentes em relação a algum núcleo de significação, revelador de
sentido subjetivo sobre as manifestações da pessoa, grupo, processo ou instituição
estudados (GONZÁLEZ REY, 2013).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
CASO 1:
De acordo com o referencial que adotei nesta pesquisa, que requer uma
análise construtivo - interpretativa de um objeto complexo, a configuração subjetiva em
58
O passado não aparece como a soma de fatos objetivos, mas sim como
configuração subjetiva da experiência (GONZÁLEZ REY, 2011), de modo que, de sua
história escolar Miro destacou o esforço empreendido na aprendizagem das disciplinas
escolares. É possível notar seu interesse pelo conhecimento em áreas diversas e uma
59
(Eu, Eu sou, Eu gosto) torna essa informação ainda mais significativa como indicador
da profissão docente não apenas como obrigação profissional, mas como atividade
geradora de emocionalidade, portanto, produtora de sentido subjetivo. Tal interpretação,
associada ao que Miro comentou sobre sua escolha profissional e o trabalho na escola,
demonstra sua motivação pela docência e permite afirmar que a profissão docente é uma
tendência orientadora de sua personalidade (MITJÁNS MARTINEZ, 2008).
Um dia eu vou: olhar pra trás e refletir que eu fiz a minha parte
na educação (Miro – complemento de frases).
Ele não se definiu como bom professor (Não sei se eu me qualifico como um
bom professor), entretanto, destacou sua busca pessoal para atingir esse objetivo (mas
que eu busco, e que eu me esforço muito, isso é verdade). Isto é congruente com o modo
como definiu a si mesmo antes, como simples professor que se esforça continuamente
63
para alcançar um ensino cada vez melhor (Miro – complemento de frases). Essas
expressões estão relacionadas, ao mesmo tempo, a uma capacidade de reflexão sobre a
própria prática e a uma autovaloração positiva. A autovaloração “(...) se expressa na
visão que o sujeito tem de si mesmo, integrada por um conjunto de qualidades e
características que estão emocionalmente comprometidas com as principais
necessidades e motivos da personalidade (MITJÁNS MARTINEZ, 1997, p.68)”. No
caso do professor Miro, entendo que sua autovaloração positiva contribui para que ele
tenha confiança para introduzir mudanças que julga necessárias em suas aulas. Sobre
isso, ele relatou:
A esse respeito, Zeichner (1993) destaca que o fato dos professores serem
mais deliberativos e intencionais quanto a suas ações não implica em um ensino
necessariamente melhor. Isso porque em alguns casos, a maior intencionalidade pode
justificar práticas de ensino que pouco contribuem com o desenvolvimento dos
estudantes, de modo que o mais importante não é pensamento reflexivo em si, mas o
tipo de reflexão empreendida pelo professor.
qual falei anteriormente) e o fato de que em sua prática de ensino, Miro enfatizava as
aulas de resolver exercícios, a partir das quais aborda os assuntos. O conhecimento
químico é reduzido a um esquema, apresentado por meio da exposição do professor e o
foco da aula incide sobre como elaborar as respostas das atividades, momento em que é
possível observar que aspectos como a construção dos conceitos e a participação dos
alunos, destacados por ele, referem-se principalmente à resolução de exercícios durante
as aulas. Sobre isso, ele registrou:
Teve um dia, por exemplo, antes quando eu apenas dava aula, nos
dois últimos horários da noite, que é até dez e meia, aí o que
acontece, às vezes dez horas eles já estavam quase me
expulsando... quando eu trabalho a atividade, eles estão lá tão
69
Não foi difícil perceber que além do empenho que ele percebia nos alunos,
abordar a classificação de cadeias carbônicas e a nomenclatura de compostos orgânicos,
por meio de exercícios objetivos, era outro aspecto que repercutia positivamente em sua
motivação para ensinar esses conteúdos. Sobre isso ele comentou:
lo em outro momento, sobre por que ele considerava errado ficar falando aqui só de
conteúdo. A esse respeito, ele afirmou que:
Olha, uma das coisas que o sistema acaba impondo é que o aluno
lá no vestibular, ele vai ser cobrado dessa química, então... isso
não deveria ser o principal, mas acaba que o sistema te coloca isso
como o principal. (...) na verdade o principal seria uma das formas
de você entender a realidade, entender o mundo, é... é um meio pra
você entender fenômenos. Essa na verdade seria a base de estudar
química, é uma das ciências que vai te ajudar a entender melhor o
que está ao nosso redor, fenômenos do meio ambiente,
alimentação saúde, tecnologia. (...). Mas o sistema acaba
colocando uma química decorativa, uma química sem ser
contextualizada, pro vestibular, o sistema acaba propondo isso.
Mas aos... de pouquinho em pouquinho a gente vai também
71
trazendo para a sala de aula é... visões pra ele entender o que está
ao seu redor, que na verdade pra mim é o principal (Miro –
entrevista 2).
teórica, o que é congruente com o que ele comentou anteriormente sobre a finalidade do
ensino, definida a partir de documentos oficiais, mas que para ele, não estavam de
acordo com a realidade de sala de aula. Para Miro, contextualizar o ensino era
importante para o entendimento da realidade, ao mesmo tempo em que significava
abordar menos conteúdos necessários para a aprovação dos estudantes no vestibular.
Dessa forma, contextualização e ensino de conteúdos se apresentavam para o professor
como duas dimensões isoladas, em que a consideração de uma ocorreria
necessariamente em detrimento da outra.
CASO 2:
3.2 Edu: Qualquer tipo de conhecimento é válido pra nossa vida (...).
Edu morava com os avós maternos, sua mãe era empregada doméstica e seu
pai trabalhava como cozinheiro. Foi morar com os avós, segundo ele, em função de
dificuldades financeiras enfrentadas por seus pais. Era o primeiro ano que Edu estudava
na escola em que desenvolvi a pesquisa. Quando não estava na escola, relatou que
costumava acessar a internet, (ir ao) cinema, ouvir e tocar música, ler, estudar, jogar
vôlei (Edu – questionário). O estudo foi apontado por Edu como uma de suas atividades,
de modo que posso inferir certa importância pessoal atribuída a ele, ao aparecer como
atividade que não está restrita ao momento vivenciado no contexto institucional da
escola.
Durante a observação das aulas, percebi que por diversas vezes parte da
turma se mostrava alheia, especialmente no momento em que o professor copiava no
quadro ou pedia para os estudantes resolverem exercícios. Nesses dois momentos, Edu
acompanhava a exposição do professor, mantinha a atenção no material impresso e
79
E... tipo assim, eu acho que o aprender na escola tem muito de ego,
principalmente na escola pública, que no caso, o ensino não seria
tanto pra esse ego, mas sim pra dar uma noção de vida pras
pessoas, mas o que acontece é: hoje sem o estudo, tipo, a vida
financeira de uma pessoa é bem tensa, é bem triste mesmo.
Então... se puder se esforçar um pouco mais aqui, é menos esforço
que tu vais ter lá pela frente, entendeu? É... tipo vendo isso que tu
percebes as coisas, que se eu pegar agora, me esforçar, estudar
aqui, conseguir passar em uma faculdade, me formar, eu não vou
trabalhar que nem um condenado é... em outros serviços, em
braçal ou até mesmo repetitivos, não é mesmo? (Edu – entrevista).
O que faz diferença para Edu de modo que ele considere algumas aulas de
química até que interessantes e em outras tente não sentir sono? A postura ativa e
reflexiva diante do conhecimento alimenta o sentido subjetivo da aprendizagem para o
jovem, a partir do qual sua motivação para aprender química é potencializada,
principalmente quando aparece associada ao alcance de sua autonomia intelectual. A
esse respeito ele afirmou:
ano anterior começou a faltar às aulas. Por esse motivo, o fato de se sentir
desestimulado, não afetou a percepção que o jovem tinha de si como estudante de
química: (...) só que eu nunca fui ruim de química (...) (Edu – conversação), no que o
esforço empreendido mesmo na aprendizagem de componentes curriculares que afirmou
não gostar contribuiu para isso, o que é uma importante informação acerca de sua
motivação para aprender química: (…) tipo mesmo que eu não goste da matéria eu tento
me esforçar (…) (Edu – Entrevista).
tinha apostilas boas, entretanto avaliou que o jeito que ele desenvolvia as aulas
complicava sua aprendizagem da química. Sobre o professor anterior, Edu afirmou que
também tinha apostila boa, mas destacou que a aula dele completava, argumentando
para isso que era uma aula divertida e que conseguia te envolver. As apostilas dos dois
professores estavam direcionadas para a abordagem do conteúdo químico em si e não
necessariamente para a promoção do envolvimento do sujeito com o objeto de
conhecimento. A meu ver, o que distinguia a prática dos dois professores não era o
material de apoio utilizado, mas sim a qualidade do envolvimento dos estudantes
durante as aulas. Na expressão do jovem, o professor de química do ano anterior
mostrava disposição em promover o interesse dos estudantes pelos assuntos abordados
em aula. Sobre o que significava o envolvimento nas aulas, ele comentou:
CASO 3:
3.3 - Lia: Ai! Quando vem aquele mol! Eu não vejo importância na
química pra mim. Pra mim ela tendo ou não, não faz diferença.
O primeiro contato que tive com Lia aconteceu após a estudante ter faltado
três aulas seguidas. Conforme relatou posteriormente, ela faltou às aulas porque havia
chegado atrasada na escola e não gostava de entrar na sala após o início da aula. Isso
porque, segundo Lia, o professor fala muito com quem chega atrasado e ela não gosta
de ouvir calada. Diante disso, perguntei a ela se não era melhor entrar na sala para não
perder a aula de química, e ela respondeu: De que adiantava? Eu ia entrar e ele não
dava mais frequência e ele, a maioria da avaliação dele, a pontuação, ele tá olhando
ali na frequência (Lia – conversação). A meu ver, esse registro permite a hipótese de
que em sua motivação para aprender química, a jovem estava orientada por fatores
externos, como o recebimento de pontos nas aulas.
Após esse contato inicial, observei que Lia se mostrava bastante inquieta
durante as aulas de química, como se algo a incomodasse. Quando o professor estava no
quadro expondo o assunto, Lia se movimentava constantemente na carteira, abria e
fechava o caderno, escrevia algo na atividade impressa entregue pelo professor. Do
outro lado da sala, eu tinha a impressão de que ela fazia anotações referentes à aula e
tentava resolver os exercícios solicitados pelo professor. Ao me aproximar dela, pude
perceber que na realidade ela pintava o material impresso, escrevia seu nome diversas
vezes nele e o manipulava, dobrando e virando de um lado para o outro. Após a
exposição do professor, em alguns momentos Lia se concentrava, inicialmente tentando
resolver os exercícios do material, porém, logo o deixava de lado, se mostrando
novamente inquieta. Essa postura me levou a inferir que ela não se sentia motivada a
resolver os exercícios, pois desistia diante da primeira dificuldade que encontrava em tal
atividade.
Na ocasião da pesquisa Lia morava com a mãe e duas irmãs mais velhas em
uma ilha distante cerca de 25 km do centro de Belém-PA. Ela ia de ônibus para a escola,
num trajeto que levava em torno de 40 minutos. Era o segundo ano que Lia estudava na
escola em que realizei a pesquisa. Quando não estava na escola ela frequentava um
curso livre de webdesign, que ela escolheu, segundo seu relato, (...) porque eu gosto e
porque não tem cálculo (Lia - conversa informal). Em outros momentos, costumava ir
na praça ou na praia (Lia – questionário).
Lia expressou dificuldade em entender o que era visto nas disciplinas física,
matemática e química, situação que compunha sua representação negativa da escola no
momento em que conversamos. Ela comparou sua turma do ano anterior com a turma
que estava participando e contou que na turma do 1º ano estudantes e professores eram
unidos, mencionando sobre isso, as conversas e os momentos de reunião em que
realizavam os trabalhos escolares. Entretanto, na turma do 2º ano, ela avaliou que as
relações eram pouco amistosas e restritas a cumprimentos formais. Ela relatou:
(…) no primeiro dia que eu entrei nessa sala eu chorei, eu falei que
eu não queria ficar nessa sala. Não queria. Quando eu entrei, o
pessoal todo olhando, estranho, e eu ‘égua’ eu não quero, eu chorei
pra minha mãe, chorei no SOESE1, dizendo pra me mudar de sala,
mas eles não mudaram. A minha sala do ano passado é tudo da
primeira ali, tá todo mundo junto, só eu que caí diferente, eu e
mais outra menina e mais duas dali que era do ano passado. Sendo
que as duas que caíram, ano passado, eu nem falava, a gente nem
falava com elas lá embaixo. E a outra, engravidou e parou de
estudar. Aí pronto, depois eu conheci a Ana, os meninos, aí eu me
entrosei mais, sendo que o pessoal dali ninguém fala, é só aqui
mesmo. (Lia – Entrevista).
1
Serviço de Orientação e Supervisão Escolar
90
O amor que sente pela mãe assumiu um importante sentido subjetivo para
Lia, confirmado pelas expectativas e o compromisso que demonstrou ter com ela. A
jovem demonstrou interesse em terminar logo os estudos ou simplesmente desistir
deles, mas ao mesmo tempo tinha consciência de que não podia, principalmente pelo
compromisso que havia assumido com sua mãe. A esse respeito, ela afirmou:
Sobre o que achava da química, ela escreveu: Ai! quando vem aquele mol!
Eu não vejo importância na química pra mim. Pra mim ela tendo ou não, não faz
92
Ela [mãe] quer que eu seja alguém na vida né? Ela quer que eu
acabe meus estudos, ela quer que eu faça o vestibular, tanto que
ela tá pagando cursinho desde o primeiro ano (Lia – entrevista).
Quanto ao seu envolvimento nas aulas de química, Lia disse que não as
suportava e que não conseguia (...) entender nada, ano passado até que eu entendia
quando a minha professora era a Rosa (professora de química do primeiro ano do
ensino médio), as aulas eram bem melhores, mas esse ano tá uma titica... (Lia -
questionário). Nos registros acima, é possível observar uma produção de sentido
subjetivo que constituía a motivação da jovem para aprender química. Lia se referiu à
professora de química do ano anterior e ao professor que estava na sala de aula naquele
momento, informação que demonstra o sentido subjetivo que os professores têm para
ela, como aqueles que podem possibilitar seu acesso ao conhecimento. Ao mesmo
tempo, na expressão da jovem, professor e aluno apresentam papéis bem definidos, em
que o primeiro detém o saber que deve ser aprendido pelo segundo, momento em que é
possível perceber que ela concebia o aluno em uma posição de passividade em relação
ao conhecimento. Sobre o professor Miro, ela escreveu:
95
Eu não entendo nada que ele fala. Quando era... Como eu te falei,
quando era com a professora Rosa lá embaixo, égua, a professora
Rosa explicava muito bem, tanto que a gente gostava da aula dela,
eu adorava a aula da professora de química, todo mundo da sala,
a gente trabalhava muito com a tabela periódica, eu entendia tudo,
tanto que as minhas notas ano passado eram boas. Tenho oito,
nove em química. Esse ano quatro e meio... (Lia – entrevista).
Ela relatou:
A partir dessa informação perguntei a Lia porque ela dizia que adorava as
aulas da professora Rosa. Ela explicou que:
produção subjetiva e complexa da pessoa, que não pode ser resumida a um fator em
particular.
101
CASO 4
Era o primeiro ano que ela estudava na escola em que desenvolvi a pesquisa
e a jovem afirmou que a escolheu pelo conceito da escola e pelos professores que são
ótimos (Ana – questionário). Em uma conversa informal, ela comentou sobre o que se
baseava o conceito da escola para ela:
Sobre o professor Miro ela afirmou: Ele explica bem e a aula dele é
agradável (Ana – questionário). Ela considerava que o professor explicava bem, mas
atribuía a aprendizagem da química ao seu próprio esforço. Ela comentou:
Ela comentou que sua relação com os colegas de turma na escola que
estudava anteriormente girava em torno do interesse comum pela aprendizagem, para o
105
qual eram unidos, estudavam em grupo e comentavam sobre os assuntos das aulas.
Sobre a escola atual ela destacou as influências negativas de colegas que não tinham
interesse em estudar, o que, segundo seu relato, contribuiu para uma diminuição em seu
rendimento acadêmico:
É que aqui a gente tem mais influência, muita gente doida, mais do
que na escola que eu estudava, e eu tô participando de uma equipe
de mellody, então tem muita festa, direto, todo final de semana.
Mas eu já tô apagando tudo isso, já me afastei agora eu vou estudar
porque eu vou fazer vestibular esse ano, então agora eu vou estudar
(Ana – conversa informal).
CASO 5:
3.5 - Nara: Esse ano eu sei que eu tô mais estudiosa, pode ver que às
vezes eu fico lá na frente...
desenvolvi a pesquisa. As duas primeiras frases trazem expressões diretas sobre sua
felicidade e interesses, enquanto a terceira e a quarta informam sobre a emocionalidade
positiva associada, respectivamente, a um relacionamento afetivo e à atividade de
estudo. A frase em que ela se refere ao estudo, em função de seu caráter emocional é
uma informação indireta da importância que tem a aprendizagem escolar para ela.
Sobre sua história escolar, Nara relatou que durante o ensino fundamental
sempre foi dedicada aos estudos, e que não repetiu nenhum ano até ingressar na escola
onde estudava há quatro anos. A jovem comentou sobre o próprio descuido em relação
aos estudos, mas não se posicionou ativamente em relação aos prejuízos que relatou ter
tido, atribuindo as duas reprovações no 2º ano do ensino médio à entrada na escola atual
e as amizades que fez. Ela afirmou:
Em uma conversa posterior, Nara percebia que estava mais dedicada aos
estudos, argumentando para isso que às vezes sentava na parte da frente da turma e
conversava com as amigas sobre as atividades escolares. Ela explicou:
As amizades são muito valorizadas por Nara, sendo igualadas por ela à
própria felicidade. Além disso, as amizades que fez, associadas à percepção da
qualidade do ensino, são elementos de sentido que constituem sua representação da
escola atual: Eu gosto dessa escola porque fiz muitas amizades, e o ensino é muito bom
(Nara – questionário).
Os estudos são uma fonte de conflito para ela, que pensa em desistir deles,
mas, ao mesmo tempo, considera que não pode deixar de lutar e sonhar e estudar. Essas
informações indicam que a aprendizagem escolar tem para ela um sentido de luta, de
esforço e de prestar conta para os outros. Ela escreveu:
idéia: pra quê matemática? Pra alguns serve, né? Tipo aqueles que
precisam, físico e tal. Mas assim, é... pra mim nunca serviu de
nada, só fez me atrapalhar, eu nunca gostei de cálculo, eu fui
aprender assim esse ano mesmo, ano passado eu passei em
química aqui no colégio, eu me esforcei bastante. Assim, eu
aprendi também várias coisas, coisas da vida, é... às vezes os
próprios professores ensinam a gente, como se deve sei lá,
comportar, ensinam várias curiosidades do mundo todo, coisas da
antiguidade, como foi... então eu acho bem interessante essa parte
assim. Esse ano com certeza eu vou fazer vestibular de Letras, ou
então língua estrangeira, porque eu sou apaixonada por inglês, eu
sempre gostei dessa língua, eu acho um idioma muito legal, essa ou
italiano... eu adoro! (Nara – entrevista).
Eu acho que o que falta no professor de física é... é tipo assim uma
motivação pros alunos, uma coisa que o professor de química tem.
Ele sempre tá ali com a gente, dá pra ver a preocupação dele, já o
professor de física é tipo assim ele vem só pra dar aula, ele só
ensina a matéria dele, ele tipo assim... ‘faça o trabalho, faça’ mas
ele não tá ali em cima da gente, assim do lado... (Nara –
entrevista).
aqui mesmo na sala é isso que é interessante, ele traz pra sala de
aula, a gente nem precisa sair... tipo sei lá naquele dia que ele
pediu pra trazer alguma coisa, naquele pra trazer algum rótulo de
alimento, e aqui mesmo a gente vê ‘olha tá vendo, é assim mesmo,
as tabelas que tinham atrás pra gente ver os componentes
nutricionais... (Nara – entrevista).
Nara destacou o cuidado com a própria alimentação, atitude que afirmou ter
aprendido nas aulas de química. Ela comentou sobre suas aprendizagens em relação ao
referido tema:
CASO 6
3.6: Alice - A química: tem sido meu vício ultimamente
Quando convidei Alice para fazer parte da pesquisa, ela se mostrou animada
e disse que gostava muito das aulas de química e do professor. Em seguida, ao comentar
com suas colegas que tinha sido convidada para colaborar com a investigação, ela
demonstrou uma percepção positiva de seu rendimento acadêmico como estudante de
química: (...) que eu sou boa aluna, tá vendo só? [risos] (Alice – conversa informal).
Alice morava próximo à escola, segundo ela, com a mãe de criação, mais
cinco sobrinhos meus, alguns primos e irmãos (Alice – questionário). Ela ia para a
escola de bicicleta, num trajeto que levava cerca de dez minutos. Sobre sua família, ela
escreveu:
Ela se referiu à mãe apenas de maneira formal, citando o fato de ter lhe dado
a vida. Quanto ao pai, afirmou que não sentia falta, expressões que apontam um
115
Apesar de sua história familiar, ela tinha esperança de ser feliz e acreditava
que os estudos contribuiriam para isso:
Quero saber: tudo aquilo que seja necessário para o meu bem
estar.
Os estudos: É a base para a minha felicidade (Alice –
complemento de frases).
Sobre o que costumava fazer quando não estava na escola, ela escreveu:
De uns tempos pra cá assim que eu já... do meu primeiro ano pra
cá que foi mais difícil porque eu comecei a trabalhar de
madrugada assim, na CEASA, então aí ficou um pouco mais
difícil... saía do trabalho... antes eu estudava de manhã, aí eu saía
do trabalho sete horas, só tomava banho e vinha direto pra cá, ou
seja, não dormia nada, aí já esse ano não, que eu vim estudar à
tarde, a gente chega tem um tempo pra dormir e vem pra aula,
então já tenho muito mais tempo pra dedicar à aula, aí tanto que
eu tenho assim hoje em dia, ultimamente eu ando muito assim é...
viciada em cálculo, essas coisas assim que eu não fazia, eu não
gostava, não suportava cálculo, assim matemática, física,
química... aí agora qualquer tempo que eu tenho assim... eu não
sei o que foi que mudou (Alice – entrevista).
De sua história escolar, Alice relatou a dedicação aos estudos, da primeira até a
oitava série do ensino fundamental, que cursou na mesma instituição. Ela disse:
O te mpo mais feliz: estar ao lado das pessoas que amo (Alice
– complemento de frases).
Ela relatou a dedicação aos estudos, da primeira até a oitava série do ensino
fundamental que cursou na mesma instituição, e que na escola em que desenvolvi o
estudo, ficou em dependência em química e física no primeiro ano e repetiu o segundo
ano do ensino médio. Chamaram atenção, em função das mudanças envolvidas, dois
aspectos destacados pela jovem em sua história escolar: as amizades, aspecto comum
que ela utilizou para se referir às escolas que frequentou e o interesse atual por química,
física e matemática. Sobre o primeiro aspecto, da escola anterior, ela destacou que eram
muitas as amizades e ao ingressar na escola atual, se sentiu sozinha e apareceu o
sofrimento ao não conseguir, num primeiro momento, fazer novas amizades e
consequentemente se sentir aceita pela turma. Entendo que as emoções que a jovem
experimentou ao mudar para a escola atual estão associadas não só aos eventos e
relações que ela vivencia no presente, mas também ao sentido subjetivo de seu passado,
de acordo com o que ela mencionou sobre ele. Podemos ver cada caso como um projeto
de felicidade em que pesam muito as relações com as pessoas e a realização dos sonhos
pessoais, além do comprometimento do sujeito com o próprio projeto.
O segundo aspecto que foi mencionado pela jovem ao relatar sua história
escolar, que considero importante destacar, foi seu interesse atual por química,
matemática e física, conhecimentos que ela se dedicava em seu tempo autodeterminado
e que são recorrentes em sua expressão. A jovem contou que não gostava de matéria de
cálculo, mencionando para isso seu rendimento acadêmico nos anos anteriores: (...) as
minhas médias eram muito baixas (...) eram as matérias... que eu mais me dava mal.
Essas informações reafirmam sua representação dos componentes curriculares citados.
Por outro lado, foi possível consolidar a ideia de que os professores são
importantes para sua motivação, a partir dos desdobramentos que os sentidos subjetivos
deles ganham em sua expressão:
Gosto dela [da escola] de uma maneira razoável... Ela poderia ser
melhor e poderia dar muito mais chances de ensino feito em
pesquisas no laboratório, mas isso quase nem acontece por falta
de recursos que a escola não tem (Alice – questionário).
Caso 7:
Eu moro com a minha avó, com meu tio, com a minha mãe, com
meu padrasto, com a minha tia... Só não moro com meu pai
mesmo, porque ele mora no Rio de Janeiro fazendo não sei o quê.
Eu não paro em escola, porque tipo, a minha família, a gente é
maranhense, aí a gente se mudou de lá. Eu vim pra cá com nove
anos, aí quando eu fiz treze, voltei de novo, porque eu fui com a
minha avó, aí ela não para, vive lá, vive aqui, aí eu não paro junto
com ela. A minha mãe... era babá, mas ela tá de férias agora, aí o
meu padrasto, ele trabalhava numa empresa de seguro, ele fazia as
coisas de... eletricista! Aí minha vó é aposentada... Eu não tenho
contato com meu pai porque eu conheci meu pai, eu tinha quinze
anos, ah! faz três anos, a minha mãe tá com meu padrasto desde
que eu tinha três anos, praticamente um pai pra mim (Luna –
entrevista).
De sua história escolar, Luna destacou que não se considerava uma péssima
estudante e para isso ela argumentou: eu finjo que eu não tô nem aqui. Mencionou
também que nunca tinha reprovado até chegar ao segundo ano do ensino médio. Em
relação à sua história de aprendizagem com a química, ela mencionou seu desinteresse
por cálculo, o que é uma informação importante sobre sua representação da referida
disciplina. Ela situou que tinha mudado e passado a ter mais interesse pelos estudos, o
qual relacionou ao medo de receber um castigo físico de sua mãe. A reprovação no ano
anterior, por sua vez, ocorreu em função da doença que teve. A jovem acrescentou
também o fato de nunca ter tido muitos amigos, que segundo ela poderiam atuar como
incentivadores de seu estudo.
Ela reafirmou estar muito melhor do que antes em relação aos estudos,
contudo definiu a si mesma como uma aluna razoável, demonstrando uma percepção
crítica e que seu desempenho escolar ainda era uma fonte de preocupação. Essa
preocupação estava relacionada ao medo de não conseguir novamente a aprovação no
segundo ano, associado antes à ameaça de castigo físico por parte de sua mãe. Ela
afirmou:
Em meio aos aspectos mencionados, foi possível notar nos registros acima,
que os estudos apareceram pela primeira vez associados a desejos e necessidades dela -
a preocupação com o futuro, o desejo de ingresso no ensino superior e a conquista de
sua realização profissional como médica veterinária - e não apenas a expectativas de
outros. Ela afirmou:
Porque hoje em dia se a gente não tiver o estudo... porque até pra
ser gari é necessário ter o ensino médio completo, então a pessoa
que é formada, a pessoa que tem seus estudos organizados,
tudinho, mestrado... alguma coisa assim é... doutorado, tem mais
chance de conseguir um emprego é... de alto nível do que aquela
pessoa que não tem formação nenhuma (Luna – entrevista).
Ah! A gente teve uma aula lá e nosso assunto foi sobre alimentação
e isso bem, isso faz mal, isso poderia reduzir, isso é bom, isso
poderia mudar, tentar mudar a alimentação vai ser melhor pra
nossa saúde (Luna – conversa informal).
Além dos temas e conteúdos das aulas ela se referiu aos professores, que
para ela era importante que não estivessem direcionados somente para a abordagem dos
conteúdos:
É porque tem uns professores que chegam na sala, dão boa tarde
escreve, escreve, escreve, escreve, aí senta, a gente faz, aí depois
fala, fala, fala, fala pronto acabou a aula, vai embora. Não
professor não precisa ser carrasco, aquele professor lá sério,
bravo. Não, eu acho que ele tem que interagir mesmo com a gente
acho que fica mais interessante a aula, com certeza. Mas agora o
professor de química... as aulas dele tão mais interessantes,
porque ele tá dialogando mais, tá fazendo... como é que se diz...
ah! Sei lá a gente tá interagindo mais, tá dialogando (Luna –
entrevista).
130
4. DISCUSSÃO
Nesta seção apresento uma discussão baseada nos casos estudados, dando
relevo aos aspectos que, em seu sentido subjetivo, constituem a motivação para
aprender e ensinar química. Em tal discussão não tenho a intenção de apresentar os
elementos de sentido como aspectos isolados que antecipariam a qualidade da
motivação dos sujeitos. Entendo que eles são parte de um sistema em movimento, no
âmbito do qual a motivação é vista como expressão integral da pessoa.
131
No caso de Edu, por exemplo, foi possível perceber que ele tinha interesse
em ingressar em um curso superior, mas a família não o apoiava em sua opção
específica, o que gerava dúvidas em sua escolha profissional. No enfrentamento dessa
oposição, apesar da tensão quanto à expectativa familiar, o jovem não cedeu à pressão
para escolher um curso que segundo a representação social fosse financeiramente
promissor, como seus familiares desejavam. Isto expressa o posicionamento de Edu
como sujeito de seu processo de aprendizagem e escolha profissional, que alimentava
seus interesses e potencializava sua motivação, como demonstrou seu envolvimento em
133
No caso de Ana, foi possível compreender que a relação com o irmão era
um espaço de abertura e compartilhamento de ideias e interesses em relação aos
estudos, o que, a partir das emoções geradas, constituía o sentido subjetivo da
aprendizagem na escola. O irmão contribuía fortemente para sua motivação em aprender
química e, com a sua ausência, esse sentido subjetivo desapareceu o que, num primeiro
momento, significou para a jovem a vontade de desistir dos estudos e uma diminuição
em seu rendimento acadêmico.
Lia mudou de turma e se separou dos colegas do ano anterior, com quem
mantinha um bom relacionamento, o que repercutiu negativamente em sua motivação.
Ela via sua relação com os colegas do ano anterior em termos da disponibilidade para
conversar e da união, inclusive nos momentos de produção de trabalhos escolares, o
que, a partir das emoções geradas, produzia um sentido subjetivo que contribuía para
sua motivação. A jovem não se sentia acolhida na turma atual comentando apenas seu
entrosamento com alguns colegas de turma. Contudo, essa relação diferentemente do
que relatou ter vivenciado antes, contribuiu para que ela frequentasse a escola, mas não
se converteu em elemento de produção de sentido que pudesse apoiar sua motivação
para aprender química.
Ana comentou que sua relação com os colegas de turma na escola que
estudava anteriormente girava em torno do interesse comum pela aprendizagem, para o
qual eram unidos, estudavam em grupo e comentavam sobre os assuntos das aulas.
Sobre a escola atual ela comentou as influências negativas de colegas que não tinham
135
interesse em estudar, o que, segundo seu relato, contribuiu para uma diminuição em seu
rendimento acadêmico.
Nos casos de Nara, Alice e Luna, era importante para a motivação das
jovens que seus professores demonstrassem interesse por elas e não apenas pelos
assuntos que ensinavam. Elas mencionaram a necessidade de seus professores
dialogarem com os alunos e considerarem explicações e conhecimentos para além do
material utilizado em aula, o que para as jovens funcionava como incentivo para gostar
dos assuntos abordados.
5. Referências
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scientific and emotional literacy. In: Canadian Journal of Science, Mathematics and
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estudantes do clube de ciências da ilha de cotijuba. In: Revista Ensaio Pesquisa em
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LEMKE, J. L. Research for the Future of Science Education: new ways of Learning,
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SANTOS, Larissa Medeiros Marinho dos. O papel da família e dos pares na escolha
profissional. In: Psicol. estud., Abr 2005, vol.10, no.1, p.57-66
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ZEMBYLAS, M. Emotions and science: teaching present research and future agendas
In: Alsop.S. (Ed). Beyond Cartesian Dualism: Encountering affect in the teaching and
learning of science. Netherlands: Springer, 2005. pp. 122-134
ZUSHO, A., PINTRICH, P. R., & COPPOLA, B. Skill and will: The role of motivation
and cognition in the learning of college chemistry. In: International Journal of Science
Education, 25, 1081-1094, 2003.
146
APÊNDICE 1
Atenciosamente,
_________________________________________________
Wilton Rabelo Pessoa
Contatos: 3201-8070 (IEMCI/UFPA) e 81512651 (celular).
E- mail:wiltonrabelo@yahoo.com.br
147
Eu ___________________________________________, RG nº____________,
responsável por________________________________________________, autorizo
sua participação na pesquisa referida acima.
_____________________, __________de______________________ de 2011.
___________________________________________
Assinatura do responsável
148
APÊNDICE 2
9. Tem algum conteúdo de química que tu não gostas de estudar? Por quê?
10. O que tu achas do professor de química? Como é a tua relação com ele?
APÊNDICE 3
1. Há quanto tempo você trabalha como professor de química? Por que você escolheu
ser professor de química?
7. Tem algum conteúdo que você gosta mais de ensinar? Qual(is)? Por quê?
8. Há quanto tempo você trabalha nessa escola? O que você acha dessa escola?
APÊNDICE 4
APÊNDICE 5
Complemento de frases – Professor
1. Eu gosto:
2. Quero saber:
3. O tempo mais feliz:
4. Os estudos:
5. M inha família:
6. Meus amigos:
7. Meu futuro:
8. Meu pai:
9. Na escola:
10. Eu quero:
11. Não gosto:
12. Os estudantes:
13. M inha mãe:
14. Não consigo:
15. Tenho vontade:
16. A Química:
17. Eu :
18. Se eu pudesse:
19. As aulas:
20. Um d ia:
21. Sinto falta:
22. M inha vida:
23. So fro:
24. Eu me sinto:
25. Algu mas vezes:
26. Eu sou:
27. M inha profissão:
28. Eu prefiro:
29. Gosto de aprender:
30. Meu maior problema:
31. O que eu mais quero:
32. Quando estou sozinho:
33. Para ensinar:
34. Meu maior medo:
35. Muitas vezes penso:
36. Gosto de ensinar:
37. Meu maior desejo:.
38. Nas aulas:
39. Não posso:
40. M inha maior preocupação:
41. Atualmente eu:
42. As atividades de Química:
43. Fico feliz:
44. Esperam que eu:
45.Um dia eu vou: