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Gêneros da poesia em Hegel

Para Hegel, a poesia épica é aquela que apresenta “o mundo moral sob a forma de
realidade exterior”. Para ele, tudo o que acontece é determinado por poderes morais,
“sejam divinos ou humanos, e os obstáculos exteriores que se lhe opõem, retardando sua
marcha”. Em outras palavras: o espírito de um deus ou de um homem inicia uma ação
que se defronta com obstáculo no mundo exterior: a poesia épica narra esses encontros e
esses conflitos do ponto de vista da sua ocorrência no mundo exterior, e não do ponto de
vista do espirito que lhe deu origem. “A ação toma forma de um acontecer que se
desenvolve livremente, e ante o qual se obscurece a figura do poeta”. O importante são
os fatos e não a subjetividade do poeta que os conta, ou do personagem que os realiza.
“A missão da poesia épica consiste em recordar tais acontecimentos. Representa assim o
objetivo na sua própria objetividade”, diz Hegel.

O poeta épico, ao contar como ocorreu tal ou qual batalha, deve descrever a batalha com
o máximo possível de detalhes objetivos, sem se preocupar com a sua própria maneira
particular de sentir esses fatos. Um cavalo deve ser descrito como um cavalo,
objetivamente, e não através de imagens subjetivas que o cavalo possa imaginar quando
ver um cavalo.

A poesia lírica é exatamente o oposto da poesia épica, e expressa o “subjetivo, o mundo


interior, os sentimentos, as contemplações e emoções da alma”. “Em vez de recordar o
desenvolvimento da uma ação, sua essência e finalidade consiste em expressar os
movimentos interiores da alma humana”.

O importante na poesia lírica não é o cavalo em si mesmo, mas sim as emoções que o
cavalo pode despertar no poeta. Não são importantes os fatos concretos de uma batalha
campal, mas sim a sensibilidade do poeta estimulada pelo ruído das espadas! A poesia
lírica é completamente subjetiva, pessoal.

Finalmente, a poesia dramática, para Hegel, combina o principio da objetividade (épica)


com o princípio da subjetividade (lirica): “O caráter objetivo da ação que é apresentada
diante dos nossos olhos e o caráter do subjetivo dos motivos interiores, que movem os
personagens e seu destino, que só pode ser o resultado necessário de suas paixões e
ações ”. A ação não se apresenta como na poesia épica, como algo já sucedido, mas sim
como algo que ocorre no momento mesmo em que o estamos presenciando. Na poesia
épica, a ação e os personagens vivem um tempo distinto dos espectadores; na poesia
dramática, os espectadores são transportados à época e ao lugar onde ocorre a ação e
ambos estão no mesmo tempo e lugar. Por isso a empatia, a relação emocional presente
e viva é possível apenas na poesia dramática e não na poesia épica. A poesia épica
“recorda” e a poesia dramática “revive”.

Vemos assim que na poesia dramática coexistem a objetividade e a subjetividade, mas é


importante notar que, para Hegel, esta precede aquela: a “alma” é o sujeito que
determina toda a ação exterior e interior. Como em Aristóteles, eram igualmente as
paixões convertidas em atos as que moviam a ação. Nestes dois filósofos, o drama
mostra a colisão exterior de forças originadas no interior, isto é, o conflito objetivo de
forças subjetivas. Para Brecht tudo acontece à inversa.

Caracteristicas da poesia Dramática,

Sempre Segundo Hegel

Hegel pensa que temos a necessidade de ver os atos e as relações humanas apresentados
diante de nós ao vivo, de corpo presente. Mas, acrescenta, “a poesia dramática não se
limita à simples realização de uma empresa que segue o seu curso pacificamente, mas,
ao contrário, se desenvolve essencialmente em um conflito de circunstâncias, paixões e
caracteres que leva consigo ações e reações, mais um deslance final; assim, o que se
apresenta à nossa vista é o espetáculo móvel e continuo de uma luta animada entre
personagens viventes que perseguem desejos opostos, em meio a situações cheias de
obstáculos e de perigos”.

Sobretudo, Hegel insiste em um ponto fundamental que marcará sua profunda diferença
com a poética marxista de Brecht: “A ação não parece nascer de circunstâncias
exteriores mas sim da vontade interior e dos caracteres dos personagens”. Deste conflito
nasce o deslance, que deve ser, como a ação mesma, ‘subjetivo e objetivo ao mesmo
tempo’; depois do tumulto de paixões e ações humanas, sobrevém o repouso”.

Para que isso possa ocorrer, é preciso que os personagens sejam livres, isto é, é
necessário que “os movimentos interiores da sua alma se possam se exteriorizar
livremente, sem freios e sem qualquer tipo de limitação”. Em resumo, o personagem é
sujeito absoluto das suas ações.

Liberdade do Personagem-Sujeito

Para que o personagem seja realmente livre é necessário que sua ação não seja limitada
a não ser pela vontade do outro personagem, igualmente livre. Hegel dá algumas
explicações sobre o tema da liberdade do personagem sujeito:

1. O animal é inteiramente determinado pelo seu meio ambiente, e portanto não é


livre, estando determinado por suas necessidades básicas de comer, e etc. Até
mesmo o homem, em certa medida, não é livre, porque possui igualmente uma
parte animal. As necessidades exteriores que sofrem os homens, as necessidades
materiais. Os príncipes, por exemplo, que não necessitam trabalhar fisicamente
para ganhar o pão de cada dia, e que tem multidões de servidores à sua
disposição, que podem satisfazer suas necessidades materiais, permitindo assim
ao Principe que exteriorize livremente os movimentos do seu espirito... Segundo
Hegel, essa multidão que cria ao príncipe as melhores condições para que se
converta em personagem dramático não pode, ela mesma, servir aos mesmos
fins – não é bom material para o drama...
2. Uma sociedade altamente civilizada tampouco é a mais indicada para oferecer
bom material dramático, pois os personagens devem aparecer como
essencialmente livre, capazes de determinar seus próprios destinos, e os homens
de uma sociedade desenvolvida estão atados dos pés e mãos a todos os tipos de
leis, costumes, tradições, instituições etc., e nesta floresta legal não podem
facilmente exercer sua liberdade. Com efeito, se Hamlet tivesse medo da polícia,
dos advogados, dos tribunais, dos promotores públicos, etc., talvez não
exteriorizasse os livres movimentos do seu espírito matando a Polônio, Laertes e
Cláudio. E, segundo Hegel, o personagem dramático necessita de toda a sua
liberdade! Caramba!
3. Convém esclarecer que a liberdade não se refere fundamentalmente ao aspecto
“físico”: Prometeu, por exemplo, é um homem (perdão, um deus!) livre. Está
acorrentado a uma montanha, impotente diante dos corvos que lhe vem comer o
fígado, que todos os dias renasce para que no dia seguinte voltem os corvos para
continuar o banquete. Prometeu assiste impotente a este festim diário. Mas
Prometeu pode! Tem poder suficiente para terminar com esse atroz castigos;
basta arrepender-se diante de Zeus, o Deus maior, e este o perdoará. A liberdade
de Prometeu consiste em que pode terminar com seu próprio suplicio no
momento em que assim o desejar, mas livremente decide não fazê-lo.
Hegel conta também a história de um quadro de Murilo que mostra uma mãe a
ponto de bater em seu filho que, desafiante, continua comendo uma banana. A
diferença de poder físico entre a mãe e o filho não impede que o menino tenha
liberdade suficiente para enfrentar sua mãe mais poderosa. Por essa razão, pode-
se escrever uma peça sobre um personagem que esteja na prisão, desde que ele
tenha a liberdade moral de eleger.

Existem outras características que são importantes para a construção de uma obra
dramática:

1. A liberdade do personagem que não deve ser exercida sobre o acidental, o


menos importante, o contingente, mas sim sobre o mais universal, o mais
racional, o mais essencial, o que mais importe à vida humana. A família, a
pátria, o estado, a moral, a sociedade, etc. São interesses dignos do espírito
humano e portanto da poesia dramática.
2. A arte em geral e a poesia dramática em particular tratam de realidades
concretas e não de abstrações, a matemática de números, mas o teatro trata de
indivíduos. É pois necessário mostra-los em toda sua concreção.
3. Justamente porque são universais os interesses gerais com que trabalha o teatro
(e não, pelo contrario, características idiossincráticas), essas forças motrizes do
espirito humano são eticamente justificáveis. Isto é: a vontade individual de um
personagem é a concreção de um valor moral ou de uma opção ética. Exemplo:
o desejo concreto de Creonte de não permitir o enterro do irmão de Antígona é a
concreção, em termos de vontade individual, da intransigência ética em defesa
do bem do Estado; o mesmo pode dizer-se em relação a vontade férrea de
Antígona de dar a sepultura a seu irmão, que é a concreção de um valor moral, o
bem da família. Quando se chocam essas duas vontades individuais, na verdade
estão se chocando dois valores morais. É necessário que este conflito termine em
repouso, como quer Hegel, para que a disputa moral possa ser resolvida: Quem
tem razão? Qual é o maior valor? Etc. Neste caso particular, conclui-se que
ambos valores morais são aceitáveis e corretos ainda que neste caso se
apresentem exagerados: o erro não é o valor em si mesmo, mas o seu excesso.
4. Para que ocorra a tragédia, para que seja verdadeiramente tragédia, é necessário
que os fins perseguidos pelos personagens sejam irreconciliáveis; se por acaso
existe uma possibilidade de reconciliação, a obra dramática pertencerá a outro
gênero: o drama.

De todas essas afirmações hegelianas, a que mais obviamente caracteriza sua Poética é a
que insiste no caráter de Sujeito do personagem. Isto é, que todas as ações exteriores
tem origem no espirito livre desse personagem.

A Má Escolha de Uma Palavra

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