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28/08/2017 Parecer N.

º E-07/07 - Ordem dos Advogados

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2007 (/advogados/pareceres-da-ordem/conselho-geral/2007/) Parecer N.º E-07/07

Parecer N.º E-07/07


6 DE JULHO, 2007

I
CONSULTA

1. Por “Exposição/Requerimento”, subscrita por 7 Advogados e dirigida ao Senhor Bastonário, é solicitada a emissão de Parecer pelos “...competentes órgãos da
Ordem dos Advogados”, relativa a uma diligência de busca, exame, recolha e apreensão de documentos, efectuada no dia 8 de Março de 2007 nas instalações da
Empresa “X, LDA.” por Agentes da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA (doravante designada pelas iniciais “AdC”), no Gabinete e no computador do Dr. F
.................., Advogado de Empresa. (1)

2. O Dr. F ................... está devidamente inscrito na Ordem dos Advogados, com domicílio profissional nas aludidas instalações da Empresa “X, LDA.”, em virtude de
o seu exercício funcional de Advogado decorrer de vínculo jurídico-laboral estabelecido com esta Sociedade, circunstâncias estas expressamente invocadas – e
documentalmente provadas – junto dos Agentes da AdC, antes da concretização das buscas, exame, recolha e apreensão de documentos no Gabinete de trabalho
deste Advogado.

3. Por deliberação do Conselho Geral, de 20.04.2007, foi determinado que o signatário, na sua qualidade de Presidente do Instituto dos Advogados de Empresa da
Ordem dos Advogados, emita o presente Parecer.

(1) Pelo facto de o processo de contra-ordenação movido pela AdC se encontrar em segredo de Justiça, não se identificam as partes.

II
PARECER

1. “Órgão competente da Ordem”:


1.1. Importa averiguar previamente se o Conselho Geral será o órgão competente da Ordem dos Advogados para os efeitos da apreciação da
“Exposição/Requerimento” em causa.

1.2. Com tal finalidade, devemos reter e sistematizar as concretas petições efectuadas na “Exposição/Requerimento”:
a) Parecer sobre a “...ilicitude e manifesta e flagrante nulidade...” das buscas, apreensão, leitura e exame de documentos no Gabinete de Advogado de Empresa, com
inscrição em vigor na Ordem;
b) Solicitação “...se considerado necessário ou relevante...”, de esclarecimentos à AdC sobre esta diligência efectuada pelos seus Agentes;
c) Promoção das “...necessárias diligências para assegurar a defesa...” do Advogado de Empresa em causa, designadamente, “...vir a Ordem a exercer os direitos de
Assistente no competente processo judicial, se e caso o mesmo venha a existir”.

1.3. No que respeita aos dois primeiros pedidos (sendo que o segundo é instrumental do primeiro), apesar de as alíneas c) e f) do nº 1 do artigo 50º do Estatuto da
Ordem dos Advogados (Lei nº 15/2005 de 26 de Janeiro) – doravante designado abreviadamente por EOA – contemplarem competências específicas do Conselho
Distrital (“c) Zelar pela dignidade e independência da Ordem dos Advogados e assegurar o respeito dos direitos dos Advogados”; “f) Pronunciar-se sobre as questões
de carácter profissional”) às quais, de algum modo, se poderiam subsumir, incidentalmente, as questões em análise, certo é que é ao Conselho Geral que o mesmo
EOA, no artigo 45º, alínea d), atribui, clara e directamente, a competência genérica para “deliberar sobre todos os assuntos que respeitem ao exercício da
profissão”. Nesse âmbito, o Conselho Geral, como órgão colegial deliberativo de carácter permanente da Ordem (“...órgão de Direcção e gestão da Ordem”, na
expressão do Dr. António Arnaut), tem uma competência deliberativa genérica sobre tudo o que respeite ao exercício da profissão de Advogado e, instrumentalmente
(alínea j) do nº 1 do artigo 45º), para aprovar ... os pareceres dos seus membros e os solicitados pelo Bastonário a outros Advogados” (sublinhado nosso).

1.4. O terceiro pedido formulado na “Exposição/Requerimento” (promoção da defesa do Advogado e eventual constituição como assistente em processo judicial)
merece algumas considerações complementares:
O artigo 66º do EOA, no âmbito e na sequência das Atribuições da Ordem consignadas na alínea e) do artigo 3º do mesmo Estatuto, estabelece que os “...Advogados
têm direito de requerer a intervenção da Ordem dos Advogados, para defesa dos seus direitos ou dos legítimos interesses da classe, nos termos previstos neste
Estatuto”.
Por seu turno, o artigo 5º concretiza em termos operacionais esta intervenção, prevendo, designadamente, a possibilidade de a Ordem “...exercer os direitos de
assistente ou conceder patrocínios em processos de qualquer natureza” (nº 2, “in fine”), sendo para o efeito representada, nos termos conjugados do nº 1 e nº 3,
deste mesmo artigo 5º:
- ou pelo Bastonário, no caso de, formalmente, envolver o exercício de competências do Conselho Geral;
- ou pelos Presidentes dos Conselhos Distritais ou pelos Presidentes das Delegações ou Delegados, se as competências envolvidas pertencerem aos órgãos
respectivos;
- ou, em qualquer dos casos, por Advogado expressamente mandatado para o efeito pelo Bastonário para o exercício do patrocínio da Ordem (nºs 2 e 3 do artigo 5º e
alínea h) do nº 1 do artigo 39º).

Ora, correspondendo este terceiro pedido formulado na “Exposição/Requerimento”, em bom rigor, à componente adjectiva da pretensão fundamental que, como
vimos, cabe no âmbito da competência deliberativa do Conselho Geral, parece igualmente claro que o Sr. Bastonário poderá desencadear os mecanismos de
eventual impulso processual e patrocínio, enunciados no referido artigo 5º do EOA.

1.5. Por isso, e em conclusão sobre este ponto prévio, se dirá que o Conselho Geral é o órgão da Ordem dos Advogados legalmente competente para apreciar as
questões ora apresentadas e sobre elas deliberar em conformidade.

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2. Síntese dos Factos mais relevantes
2.1. Em 8.03.2007, apresentaram-se nas instalações da sede da sociedade “X, LDA.” Agentes da AdC, munidos de Credenciais passadas por essa Autoridade e de
“Mandato de Busca e Apreensão” subscrito por um Magistrado do Ministério Público, determinando tal diligência relativamente a todos os documentos, em suporte
escrito ou digital, e objectos que se mostrassem necessários à obtenção de prova, directa ou indirectamente relacionadas com “práticas restritivas de concorrência”.

2.2. Independentemente do contexto, fundamento e âmbito desta diligência – de que se não cura nesta sede, porque não apropriada – os Agentes da AdC, e já no
decurso da mesma, anunciaram que pretendiam incluir o Gabinete de Trabalho do Sr. Dr. F.................. e o seu computador como objecto da busca e apreensão de
documentos.

2.3. Foram então advertidos de que o Dr. F....................... era Advogado de Empresa, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e com domicílio profissional
na sede da Empresa, circunstâncias estas devidamente documentadas e exibidas as respectivas provas.

2.4. Os Agentes da AdC foram mesmo expressamente advertidos de que a documentação constante do Gabinete do Advogado estava protegida por segredo
profissional e de que a diligência de busca e apreensão só poderia ser efectuada nos termos dos artigos 70º, 71º e 72º do EOA, bem como dos artigos 177º, nºs 3 e 4
e 180º, nºs 1 a 3 do Cód. Processo Penal (aplicável “ex vi” artigo 22º da Lei nº 18/2003 de 18 de Junho, e artigo 41º, nº 2 do RGCO).

2.5. Contudo, os Agentes da AdC, invocando que o Dr. F.................. seria um mero “trabalhador assalariado” da Empresa e não um Advogado independente, e
pretextando ser esse o entendimento da Comissão Europeia a esse propósito, rejeitaram a oposição ensaiada à diligência, a qual teria de ser “convolada” em
arguição de alegadas invalidades, mas apenas após a conclusão da diligência e pleno cumprimento do mandato respectivo.

2.6. Não obstante a reiterada insistência promovida de imediato pelos Advogados da Sociedade junto da hierarquia respectiva, os Agentes da AdC promoveram e
efectuaram então a diligência de busca e apreensão no Gabinete e no computador do Dr. F............... – sob protesto deste – sendo que, depois de lidos e analisados
pelos referidos Agentes tais documentos, os colocaram em envelope fechado e lacrado, que, alegadamente seria entregue às competentes autoridades judiciais para
decisão sobre a licitude ou ilicitude da busca em causa.

2.7. No final da diligência, os Advogados da Empresa apresentaram um requerimento, dirigido ao Presidente da AdC, arguindo todas as irregularidades e nulidades
da diligência em causa, que ficou anexo ao “Auto de Apreensão”.

3. Apreciação
3.1. A questão fundamental em causa nestes autos é o segredo profissional dos Advogadose sua extensão e âmbito, quer subjectivos, quer objectivos.

No plano subjectivo, o que está verdadeiramente em causa é saber se o segredo profissional do Advogado se reporta e impõe a todos os Advogados como tal,
independentemente de o respectivo exercício funcional decorrer em plano liberal (ou societário) ou de vínculo jurídico-laboral (vulgo, “Advogados de Empresa”), ou
então, se devem deles ser excluídos estes últimos (alegadamente, por não serem “independentes” das respectivas entidades patronais).

No plano objectivo, encontramos duas vertentes, de inspiração histórica e sistémica, mas confluentes na sua vertente teleológica: Na verdade, enquanto nos
sistemas de inspiração anglo-saxónica de “common law”, o segredo profissional tem um semblante de direito do cliente do Advogado a garantir e preservar a
confidencialidade, já nos sistemas continentais de direito civil, se acentua mais a componente de dever/obrigação do Advogado. Pragmaticamente, desta dupla
vertente resultam configurações algo distintas (embora funcionalmente complementares) no plano objectivo, uma vez que a tradição anglo-saxónica focaliza o
segredo na natureza e no conteúdo dos documentos e/ou informações em si, enquanto nos sistemas continentais é o facto de tais documentos e/ou informações
serem emitidos pelo Advogado no seu exercício funcional.

3.2. Em Portugal o segredo profissional dos Advogados, que decorre como corolário dos princípios constitucionais do direito “...à informação e consulta jurídicas e ao
patrocínio judiciário...” (nº 2 do artigo 20º da CRP) e das correspondentes prerrogativas legais (artigo 208º da CRP), encontra a sua sede normativa fundamental no
EOA, designadamente no seu artigo 87º. A consagração normativa deste princípio fundamental (que, na virtuosa pena de ANTÓNIO ARNAULT (1) “...foi sempre
considerado honra e timbre da profissão «condição sine qua non da sua plena dignidade»...”) é efectuada em termos absolutos e sem quaisquer restrições objectivas
e/ou subjectivas, apenas se admitindo excepções perfeitamente circunscritas e determinadas (e controladas) casuisticamente pela Ordem dos Advogados (nº 4 do
artigo 87º).

Por seu turno e decorrente deste princípio estruturante da Advocacia, nos artigos 70º e seguintes do EOA, estabelecem-se também fortes condicionantes a quaisquer
diligências de apreensão e buscas “...em escritório de Advogados ou qualquer outro local onde faça arquivo”, impondo a presença de um Juiz e do Presidente
do Conselho Distrital (ou da Delegação ou Delegado) da Ordem dos Advogados (vide, igualmente, artigos 177º, nº 3 e 180º do Código de Processo Penal).

3.3. Por outro lado, em lado nenhum encontramos qualquer discriminação legal negativa de qualquer Advogado (desde que com inscrição em vigor na Ordem dos
Advogados), designadamente de qualquer Advogado que exerce a sua profissão no âmbito de uma relação jurídico-laboral.

Antes pelo contrário, o artigo 68º do EOA veio explicitamente consagrar, “urbi et orbe”, a plena compatibilidade de exercício da Advocacia com a subordinação
jurídica.

Mais do que isso, tal preceito veio mesmo salvaguardar e garantir o exercício da Advocacia nesse contexto de vínculo jurídico-laboral nos ditames da isenção,
autonomia e independência técnicas do Advogado e dos princípios deontológicos da profissão.

3.4. Ora, a posição defendida pelos Agentes da AdC, diga-se desde já, é, para além de anacrónica, manifestamente insubsistente. É anacrónica, porque pretende
reflectir uma doutrina da Comissão Europeia dos já longínquos anos 80 e sustentada num tristemente célebre Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias (TJCE), normalmente referido pelas iniciais AM&S (“Australian Mining and Smelting Europe Ltd v. Comission, 155/79, Rec. 1982, p.1575”), tirado em
18.05.1982. Neste processo, que se iniciara em 1979, o TJCE, embora tenha reconhecido o privilégio do segredo profissional relativamente aos Advogados
Externos, em virtude do expresso reconhecimento desse privilégio por todas as legislações dos Estados-Membros Europeus (apesar de alguns matizes
particularistas), veio estabelecer uma discriminação negativa para os Advogados Internos, ou Advogados de Empresa, nos seguintes termos: “...there are to be
found in the national laws of the Member States common criteria, inasmuch as those laws protect, in similar circumstances, the confidentiality of written
communications between lawyer and client provided that, on the one hand such communications are made for the purposes and in the interest of the client’s rights of
defense and, on the other hand, they emanate from independent lawyers, that is to say, lawyers who are not bound to the client by a relationship of employment”
(sublinhados nossos). Este Acórdão constituiu, pois, o marco determinante de tão insólita doutrina da Comissão Europeia nos anos oitenta, a que o Comissário
Monti(2), já nos anos noventa, pretendeu dar maior ênfase. De resto, esta decisão do TJCE de 18.05.1982, foi neste aspecto surpreendentemente fundamentalista,
na medida em que o próprio Advogado Geral, Sir Gordon Slynn havia declarado que “«Lawyer» is accepted by the Comission to cover both a lawyer in private practice
and a salaried lawyer, employed by a Company, so long as he is effectively subject to a comparable regime of professional ethics and discipline as is the lawyer in
private practice in the Member State in wich he practices.”(3) Subjacente a este fundamentalismo do Acórdão “AM&S”, estava, com efeito, o pressuposto de que os
Advogados de Empresa, com vínculo jurídico-laboral, não seriam autónomos, nem independentes, nem, tão pouco, estariam vinculados a qualquer ética, deontologia
e disciplina profissionais próprias da profissão de Advogado e asseguradas de forma institucional autónoma. Contudo, os direitos internos da larga maioria dos
Estados-Membros infirmavam completamente esse pressuposto negativo, na medida em que os Advogados de Empresa estavam (e estão) inseridos em quadros de
exigência, melhor dizendo, de vinculação a rigorosa axiologia ética, deontológica e disciplina profissionais institucionalmente assegurada, tal como os
Advogados exercendo em profissão liberal.

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E em Portugal, como acima se demonstrou, são inquestionáveis, sobretudo após o novo EOA, tais quadros de vinculação axiológica!

3.5. Mas, na esteira de uma certa ortodoxia jurisprudencial inaugurada por este Acórdão, o TJCE teve ensejo de, pelo menos por duas vezes, usar como prova
determinante de práticas anticoncorrenciais, documentos e pareceres jurídicos produzidos por Advogados Internos (casos “JOHN DEERE”(4) e “SABENA”(5)). O que
a este propósito é interessantíssimo notar é que em qualquer destes casos tais pareceres jurídicos dos Advogados Internos aconselhavam a não implementação de
tais práticas anticoncorrenciais ...

3.6. Este controverso Acórdão tinha, obviamente, de suscitar a maior reacção por parte dos Advogados de Empresa, os quais têm vindo, sobretudo nas últimas
décadas, a ganhar relevo decisivo na Europa. Pode mesmo dizer-se que tal Acórdão foi o “leit motiv” para a constituição em 1983 da “EUROPEAN COMPANY
LAWYER ASSOCIATION” – ECLA, que hoje representa mais de 30.000 Advogados de Empresa Europeus e que tem empreendido uma luta sem tréguas contra a
doutrina deste Acórdão.
E, convenhamos, com algum sucesso ...

3.7. Efectivamente, o caso “AM&S” iniciou-se em 1979 e, durante este mais de quarto de século, muita coisa mudou, a começar pelo próprio Século!
As mudanças são notórias, quer na União Europeia e respectivo Direito Europeu, quer nos Direitos dos países membros, quer mesmo nas profissões jurídicas. Já
salientámos, quanto a este último aspecto, o enorme incremento do papel funcional e institucional dos Advogados de Empresa, que a ECLA estima cobrir
actualmente cerca de 90% da consulta jurídica das Empresas na Europa.
Para além disso, o reforço da autonomia e independência técnicas dos Advogados em geral e, em particular, dos Advogados de Empresa, constituiu um dos
objectivos fundamentais do “Código de Conduta para Advogados na Comunidade Europeia”adoptado em 1988 , pelo C.C.B.E. (“Council of the Bars on Law
Societies of the European Community”), o qual foi subscrito por todas as Ordens e Associações de Advogados na Europa, membros da ECLA, e pela Ordem dos
Advogados Portuguesa em particular.
No seu parágrafo 2.1.1., tal Código é explícito nos seguintes termos:
“The many duties to wich a lawyer is subject require his absolute independence, free from all other influence, especially such as may arise from his personal interests
or external pressure”.
O mesmo CCBE, autêntico arauto dos princípios e dignidade da profissão do Advogado, promulgou em 22.02.2001 uma “Declaração de Princípios sobre o
Segredo Profissional dos Advogados”, erigindo este como um direito fundamental do cidadão.

3.8. Significativas mudanças surgiram, entretanto, e em primeiro lugar, no próprio Direito da Concorrência Comunitário, designadamente através do Regulamento nº
1/2003, o qual, embora tivesse estabelecido avanços e desenvolvimentos particularmente relevantes na actuação e cooperação das “Autoridades Nacionais” da
Concorrência, veio consignar, no nº 2 do seu artigo 22º um princípio fundamental, que poderemos designar de “descentralização do direito adjectivo ou
instrumental”:
“...Os funcionários das Autoridades dos Estados membros responsáveis em matéria de concorrência incumbidos de proceder às inspecções e os Agentes por ela
mandatados exercem os seus poderes nos termos da respectiva legislação nacional” (sublinhados nossos). Se houvesse quaisquer dúvidas sobre o império da lei
portuguesa na concreta actuação dos Agentes da AdC no caso em análise, elas ficariam imediatamente dissipadas perante este princípio de remissão para o Direito
interno por parte desta norma comunitária.
Como justamente salientam em douto parecer (ainda inédito), os Drs. José Luis Vilaça, Luis Miguel Romão e Alexandre Mestre (6)1, “...Quer isto significar, em termos
práticos, que ... se a Autoridade da Concorrência portuguesa levar a cabo uma inspecção em Portugal a pedido da Comissão, vigorarão as regras de procedimento
portuguesas, não podendo assim, ... ser remetidos documentos que estejam sob a protecção de «legal privilege» ao abrigo do direito português, mesmo que o Direito
Comunitário os qualifique como não devendo ser objecto de tal privilégio...”.

3.9. Contudo, e independentemente do exposto, importa reconhecer que a própria Jurisprudência Comunitária Europeia, evoluiu muito desde o Acórdão AM&S.
3.9.1. Desde logo, em dois interessantíssimos casos, denominados abreviadamente por “Carsen Case” (6) e por “Interporc Case” (7), nos quais, no fundo , estava em
causa o privilégio do segredo profissional dos próprios Juristas Internos da Comissão, e em que, mau grado o Acórdão AM&S, a Comissão defendeu e viu
reconhecido tal privilégio aos Juristas seus funcionários.
E, note-se, com a agravante de os Juristas Internos da Comissão nem sequer serem membros de qualquer Ordem Profissional, não estando, assim, sujeitos a
qualquer sistema institucional de garantia da Ética, deontologia e disciplina profissionais!
Ora, estes dois casos denunciam claramente e apenas um movimento inelutável no seio do TJCE no sentido de ultrapassar a caduca doutrina do caso “AM&S”.
3.9.2. É precisamente nesse âmbito de inegável evolução da Jurisprudência dos Tribunais Comunitários que importa citar uma importantíssima e recente decisão,
ainda que interlocutória, do Presidente do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (designado abreviadamente por TPI) (9) que determinou
inequivocamente a protecção da confidencialidade das comunicações escritas com os Advogados Internos das Empresas, desde que estes se encontrem sujeitos a
regras estritas de conduta profissional equivalentes às que são impostas pelos Advogados Externos.
É certo que este Despacho do Presidente do TPI, veio depois a ser revogado, após recurso da Comissão, por Despacho do Presidente do TJCE (10), mas
basicamente e apenas com o fundamento da não verificação do requisito de urgência dos procedimentos cautelares usados nestes processos.

3.10. Acresce, por outro lado, que – embora não seja relevante para o caso concreto em apreço, dada a inequívoca solução da legislação interna portuguesa –
sempre se dirá que na larga maioria dos direitos internos Europeus, a actividade dos Advogados de Empresa está vinculada a regras éticas, deontológicas e de
disciplina profissional, devidamente asseguradas de forma institucional (seja por via de ordens profissionais comuns, ou específicas), pelo que o privilégio de segredo
profissional se impõe de forma absoluta nas respectivas ordens jurídicas.(11)

3.11. De qualquer forma, e regressando, por força da citada norma remissiva de “descentralização adjectiva”, ao direito interno português, parece claro, como acima
se fundamentou, que a actuação da AdC constituiu violação flagrante do disposto nos artigos 68º, 87º, 70º e 71º do EOA, afrontando claramente um dos princípios
fundamentais do exercício da Advocacia – o segredo profissional. Em decorrência lógica de plano processual, parece também evidente que a diligência de busca e
apreensão de documentos em causa poderá ter violado também os artigos 177º, nº 3 e 180º, nºs 1 a 3, ambos do Cód. Processo Penal, aplicáveis “ex vi” artigo 22º
da Lei nº 18/2003 de 18 de Junho e artigo 41º, nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Nem se diga que o facto de os Agentes da AdC terem procedido à apreensão dos documentos encontrados no gabinete e no computador do Dr. F...................... e
colocado os mesmos, em seguida, em envelope fechado e lacrado, salvaguardaria a legalidade de tal diligência.
Na verdade, os Agentes da AdC, antes de procederem à referida envelopagem, leram e analisaram a documentação em causa, o que, só por si, constitui violação
do segredo profissional do Advogado.
Assim, para além da consequente nulidade da diligência em causa, devidamente arguida, quer prévia, quer posteriormente, não será mesmo de excluir a
possibilidade de se invocar a prática do crime previsto e punido pelo artigo 195º do Código Penal (“violação de segredo”).

4. Perante o exposto, e no pressuposto de que este Parecer colherá a aprovação do Conselho Geral, chegou o momento de concretizar a posição que a Ordem dos
Advogados, através dos respectivos órgãos, poderá assumir no caso concreto, no âmbito das considerações no item 1.4. deste documento.
Como aí se referiu, o artigo 5º, nº 2, “in fine” do EOA prevê a possibilidade de a Ordem “...exercer os direitos de assistente ou conceder patrocínios em processos de
qualquer natureza...”, com o consequente impulso adjectivo – instrumental do Bastonário.
Nesse contexto, se o Advogado Dr. F............, visado na diligência de busca e apreensão de documentos, decidir tomar a iniciativa de requerer qualquer procedimento
criminal e/ou cível contra os Agentes da AdC, e/ou contra a própria AdC, a Ordem dos Advogados, “...para defesa dos direitos ... da classe ...” (artigo 3º, alínea e) do
EOA), poderá constituir-se assistente.
Para além disso, e no âmbito da segunda parte da estatuição do nº 2 do artigo 5º do EOA, poderá a Ordem, outrossim, deliberar patrocinar o Advogado Dr. F..........
em quaisquer processos judiciais em que, eventualmente, ele venha a ser parte, tendo por objecto ou causa a diligência da apreensão e busca efectuada no seu
Gabinete e no seu computador.

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Ademais, considerando a gravidade inusitada desta agressão contra o Segredo Profissional do Advogado – um dos princípios fundamentais e estruturantes da
Advocacia – julgo perfeitamente justificável que, para além da disponibilidade da Ordem para os efeitos judiciais que se vem de referir, o Conselho Geral e o
Bastonário signifiquem, enérgica e formalmente, junto da AdC, um protesto veemente por este atentado à Advocacia Portuguesa. Como enfaticamente se refere no
Parecer do Conselho Geral nº E-14/2002, de 12 de Abril de 2002 (Relator: Jaime Medeiros), “...sendo o segredo profissional um dever de ordem pública, caberá à
Ordem, enquanto pessoa colectiva de direito público, defender o Estado de Direito e zelar pela função social e cumprimento dos princípios deontológicos da profissão
de advogado...”.

5. Conclusões
5.1. O Conselho Geral é o órgão da Ordem dos Advogados com competência para deliberar sobre a “Exposição/Requerimento” apresentada;

5.2. A questão fundamental em causa é o Segredo Profissional dos Advogados, consagrado em Portugal no artigo 87º do EOA, com incidência instrumental nos
artigos 70º e seguintes do mesmo diploma;

5.3. Não há em Portugal qualquer discriminação legal e estatutária negativas dos Advogados de Empresa;

5.4. O artigo 68º do EOA compatibiliza o exercício da advocacia com o vínculo jurídico-laboral e garante mesmo esse exercício, nesse contexto, nos ditames da
isenção, autonomia e independência técnicas do Advogado e dos princípios deontológicos e disciplina da profissão;

5.5. A posição assumida pelos Agentes da AdC, ao efectuarem a diligência de busca e apreensão de documentos no Gabinete de Trabalho e no computador do Dr.
F..........., Advogado de Empresa, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, é inspirada numa Doutrina da Comissão Europeia, exclusivamente baseada num
Acórdão do TJCE de 18.05.1982 (caso “AM&S”), que reconheceu o privilégio de Segredo Profissional aos Advogados Externos, mas não aos Advogados de Empresa
(“in house lawyers”), alegadamente por estes não serem “independentes”;

5.6. Todavia, o pressuposto básico desse Acórdão era o de que os Advogados de Empresa não estariam vinculados a qualquer ética, deontologia e disciplina
profissionais próprias da profissão de Advogado e asseguradas de forma institucionalmente autónoma;

5.7. Nos direitos internos da larga maioria dos Estados-Membros da UE, os Advogados de Empresa estão vinculados a axiologia ética, deontológica e disciplina
profissionais, institucionalmente asseguarada;

5.8. Desde o Acórdão “AM&S” houve evolução notória quer no Direito Europeu, quer na Jurisprudência comunitária, quer ainda nos direitos internos da maioria dos
Estados-Membros;

5.9. O “Código de Conduta para Advogados na Comunidade Europeia”, do C.C.B.E. reforçou os princípios da independência e autonomia técnicas dos Advogados, e
foi subscrito por todas as Ordens e Associações de Advogados na Europa, incluindo as representativas dos Advogados de Empresa; no mesmo âmbito, o C.C.B.E.
promulgou em 22.02.2001 a “Declaração de Princípios sobre o Segredo Profissional dos Advogados”;

5.10. O nº 2 do artigo 22º do Regulamento nº 1/2003 veio consignar o princípio fundamental de que os funcionários das Autoridades dos Estados Membros em
matéria de Concorrência devem no exercício das suas actividades exercer os seus poderes “... nos termos da respectiva legislação nacional” (“descentralização do
direito adjectivo ou instrumental”);

5.11. A actuação da AdC constituiu violação flagrante dos artigos 68º, 87º, 70º e 71º do EOA, bem como, em decorrência lógica de plano processual, dos artigos
177º, nº 3 e 180º, nos 1 a 3, ambos do Cod. Proc. Penal, com a consequente nulidade da diligência em causa, podendo, ademais, tal actuação considerar-se
subsumível ao artigo 195º do Código Penal;

5.12. Se o Advogado Dr. F.............. decidir tomar a iniciativa de requerer qualquer procedimento criminal e/ou cível contra os Agentes da AdC ou contra a própria
AdC, a Ordem dos Advogados poderá constituir-se assistente para “defesa dos direitos da classe”;

5.13. Poderá, igualmente, a Ordem (Conselho Geral) deliberar patrocinar o Advogado Dr. F............... em quaisquer processos judiciais em que, eventualmente, ele
venha a ser parte tendo por objecto ou causa a diligência a que os autos se reportam;

5.14. Em todo o caso, e independentemente do que se referiu nas duas conclusões precedentes, sugere-se que a Ordem formule junto da AdC o mais vivo protesto
por este atentado à Advocacia Portuguesa.

Este é o meu parecer, s.e.o.

Lisboa, 27 de Junho de 2007

João Lourenço
Presidente do Instituto dos Advogados de Empresa

Notas:
1- in “Iniciação à Advocacia – História – Deotologia – Questões Práticas”, 5º Ed. Coimbra Editora 2000, p.65

2- Em carta que dirigiu à ECCLA, o Comissário Monti referia: “Because in-house lawyers are not independent and have to follow the instructions given by the
management of the company, they could be used as na instrument to commit infringements and conceal documentation on such infringements if they were to benefit
from legal professional privilege”.

3-case 155/79 AM&S (1982) ECR, p.1646-1647

4-John Deere OJ 1985 L 35/58, para.21

5-Sabena OJ 1988 L 317/47

6-“Conteúdo e Extensão do Direito à Confidencialidade das comunicações entre Advogado e Cliente à Luz do Direito Comunitário e do Direito Nacional”, p.g.18

7-“Carsen vs.Council of the European Union”, case T-610/97, de 3 de Março de 1998

8-“Interporc Im und Export Gmbh vs. Commission of the European Comunities”, case T-92/98, de 7 de Dezembro de 1999

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9-Despacho de 30.10.2003, nos Procs. Apensos T-125/03R e T-253/03R, Akzo Nobel Chemicals Ltd e Akcros Chemicals Ltd, vs. Comissão Europeia

10-Despacho de 27.09.2004, Comissão/Akzo Nobel, Proc. nº c-7/04 P® ainda não publicado, mas citado pelo Parecer de J. L. Vilaça, L. M. Romão e A.M. Mestre
acima referenciado, pag. 29.

11-As únicas e claras excepções serão a Itália e o Luxemburgo

Relator: João Lourenço

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