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Volume 1

Brasília, 2018
Volume 1
Governo Federal

Presidente da República
Michel Temer

Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão


Ministro Dyogo Henrique de Oliveira

Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,


Desenvolvimento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico
e institucional às ações governamentais – possibilitando
a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de
desenvolvimento brasileiros – e disponibiliza, para a
sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

Presidente
Ernesto Lozardo
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Rogério Boueri Miranda
Diretor de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Alexandre de Ávila Gomide
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas
José Ronaldo de Castro Souza Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Alexandre Xavier Ywata de Carvalho
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação
e Infraestrutura
Fabiano Mezadre Pompermayer
Diretora de Estudos e Políticas Sociais
Lenita Maria Turchi
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais
Ivan Tiago Machado Oliveira
Assessora-chefe de Imprensa e Comunicação
Regina Alvarez
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br

Os textos que compõem esta publicação foram


elaborados com base nos dados disponíveis até
agosto de 2017.
Sumário

Apresentação v
9 Saúde
Como ser universal com qualidade
81

1
Crescimento Econômico
10
Risco Regulatório
Retomar a expansão acelerada Sobra regulamentação,
da renda per capita falta governança
1 91

2
Regime Fiscal
Regras para o crescimento
sustentado
9
11 Modelo de Concessões
Mais eficiência, mais investimento
101

3 12
Mercado de Trabalho Pesquisa e Inovação
Mudanças institucionais Aprimorar políticas públicas de
e produtividade incentivo à C&T
19 109

4 Reforma da Previdência
Aspectos de uma reforma obrigatória
29
13 Petróleo e Gás
Da crise à recuperação
119

5 14
Reforma Tributária Energias Renováveis
Racionalizar o sistema Definir políticas para o setor
tributário 39 129
Financiamento do Desenvolvimento
6 15
Inserção Internacional
Enfrentar os obstáculos do Desenvolvimento exige uma nova
longo prazo agenda internacional
49 137

7 16
Educação Básica Sustentabilidade
A obrigação da reforma ampla Objetivos de desenvolvimento
61 sustentável nos Desafios da Nação
147

8
Educação Superior
Os caminhos para a
modernização
Notas
71 155
Apresentação

A
história das nações socialmente prós- para se alcançar a linha de chegada demarcada
peras e tecnologicamente avançadas pelos quatro objetivos do Desafios da Nação.
reforça a relevância de se ter um con- Para tanto, requer-se permanente esforço
junto de objetivos e medidas que leve o Brasil de negociações político-sociais. Isso exigirá
a se tornar uma nação desenvolvida. Este constantes avaliações das oportunidades, ali-
é o propósito geral do projeto denominado cerçadas em estratégias programáticas, prag-
Desafios da Nação. máticas e sustentáveis no longo prazo. Nesse
sentido, os agentes econômicos (investidores,
A prosperidade e a riqueza das nações produtores, trabalhadores) e os governos ne-
são resultantes da solidez das estratégias do cessitam dos requisitos básicos das prioridades
desenvolvimento econômico-social, as quais do Desafios: livre negociação; eficiência das
devem estar fundamentadas em cinco pilares: instituições econômicas; estabilidade e pre-
i) qualidade das instituições jurídicas, econômi- visibilidade das regras e normas econômicas
cas e políticas; ii) estabilidade e previsibilidade próprias das instituições que articulam o con-
dos marcos regulatórios próprios do desenvol- junto do processo de desenvolvimento (marco
vimento; iii) representatividade da sociedade; regulatório); reforma tributária que contem-
iv) racionalidade e equilíbrio dos gastos públi- ple racionalidade, simplicidade e estabilidade
cos; e v) criteriosos processos nas escolhas das regras; instituições financeiras públicas e
das proposições consideradas prioritárias. privadas voltadas à promoção do desenvolvi-
mento competitivo; abertura econômica para
O Desafios da Nação é um projeto de de- se promoverem ganhos de eficiência macroe-
senvolvimento nacional que consiste em conômica por meio do comércio e dos inves-
proposições que promoverão a elevação da timentos; e vários outros aspectos que serão
produtividade dos fatores de produção. Elas abordados em um conjunto de diagnósticos,
subsidiarão a feitura do Plano Plurianual (PPA) diretrizes e proposições para o desenvolvi-
do governo federal. Cabe mencionar que este mento socioeconômico sustentável.
plano contemplará programas de desenvolvi-
mento dos futuros governos, sempre preser- As propostas contidas neste documento
vando seu intuito focal: a elevação da produti- partem de uma premissa básica: a realização e o
vidade nacional. aprimoramento das reformas fiscal, trabalhista,
previdenciária e tributária são essenciais para o
Iniciou-se esta apresentação enfatizando aumento da eficiência alocativa na economia.
a relevância da prosperidade da nação. Cabe Entende-se que, sem as reformas estruturais,
ressaltar que a prosperidade econômica e econômicas e institucionais, o Brasil continuará
social é uma meta de chegada. As reformas se defrontando com elevados custos socioeco-
em curso –fiscal, trabalhista, previdenciária e nômicos, elevado desemprego estrutural e baixa
tributária – representam o ponto de partida produtividade. Logo, sem as reformas e o pro-
do desenvolvimento sustentável. As proposi- cesso de contínuo aprimoramento, os objetivos
ções deste documento consistem na trajetória do Desafios da Nação tornam-se impraticáveis.
O sucesso do projeto depende da qualida- Ademais, o Desafios da Nação abarca um
de das reformas em curso. Na expectativa de conjunto de temas, prioridades e proposições
realizações satisfatórias das reformas, este que podem ser aprimorados, modificados ou
projeto de crescimento e de desenvolvimento expandidos ao longo do tempo, à medida que
sustentável contempla quatro objetivos espe- as realidades mudem. Portanto, não se trata
cíficos convergentes: i) assegurar o aumento de um programa cujos temas e prioridades se-
contínuo da renda real por habitante; ii) pro- jam imutáveis ou insubstituíveis. Importa que
mover a plena inclusão social; iii) desenvolver haja um planejamento de médio e longo pra-
e absorver tecnologias estruturantes; e zos, no qual tanto as demandas sociais e dos
iv) promover, em todas as áreas socioeco- agentes econômicos, como as dos governos e
nômicas e estruturais, a produtividade e a dos ODS, sejam atendidas. Isso, por sua vez,
competitividade dos fatores de produção. implica a exigência de se transformar a nação
As proposições de cada capítulo visam pos- brasileira em um ambiente em que haja plena
sibilitar que a dinâmica econômica do livre condição de se expandir o capitalismo corres-
mercado transcorra com previsibilidade e ponsável democrático de mercado, comparti-
segurança em meio à competitividade global. lhado entre governo e iniciativa privada nacio-
Pode-se dizer que os quatro objetivos citados nal, assim como entre governo, instituições e
confluem juntos para o mesmo vértice: eleva- empresas internacionais.
ção constante da produtividade dos fatores da
produção nacional. Com base nas proposições deste docu-
mento, ao Ipea caberá a missão de apoiar a
O resultado do desenvolvimento proposto – elaboração de planos de desenvolvimento se-
a elevação da produtividade dos fatores – toriais e monitorar, analisar e avaliar o proces-
dependerá adicionalmente de dois elemen- so da sua implementação, assim como propor
tos críticos: a redução do custo do capital e novos conteúdos. Os objetivos e as proposi-
a diminuição do custo da produção. Esta du- ções do Desafios da Nação foram concebidos
pla redução de custos permitirá a elevação e pelos pesquisadores do Ipea, desenvolvidos
a manutenção dos investimentos privados de em parceria com pesquisadores seniores de
longo prazo, repercutindo na maior eficiência universidades e centros de pesquisa no Brasil
do capital e do trabalho, assim como possibili- e no exterior, e validados por oficinas e deba-
tando o pleno emprego da mão de obra. tes consubstanciados em textos de apoio que
fundamentam os temas apresentados. Ao todo,
Os temas e as proposições do Desafios estiveram envolvidos 37 pesquisadores do Ipea
da Nação não apenas contemplam os quatro e 40 pesquisadores externos; foram realizadas
supramencionados objetivos deste projeto, 32 oficinas temáticas sobre os dezesseis temas
mas também incorporam os Objetivos do De- trabalhados, e produzidos 36 artigos de apoio.
senvolvimento Sustentável (ODS), pactuados
entre países-membros das Nações Unidas em
um processo que teve importante participação Desafios e oportunidades da
do Brasil. As metas dos ODS estão incorpora- globalização
das nas diversas proposições dos capítulos
deste documento, de maneira que as diretrizes O Brasil é uma nação que reconhece a impor-
atendam tanto à urgência da agenda da eleva- tância da globalização e aceita os seus desa-
ção da produtividade nacional quanto à pauta fios. Ilusório seria alimentar a esperança de um
proposta pelas Nações Unidas no tocante às progresso baseado exclusivamente no tama-
responsabilidades sociais, ambientais e de ou- nho do mercado interno e na riqueza existen-
tras ordens. te. Estes em si não geram ganhos efetivos de

vi
produtividade, tampouco ensejam a difusão do cadeias de produção global, terem escala de
conhecimento tecnológico nos ritmos e esca- produção, adaptarem-se continuamente ao
las requeridos pelo crescimento sustentado do progresso das integrações tecnológicas inter-
país. É preciso contar com uma base institucio- setoriais e à interatividade das relações co-
nal e produtiva capaz de transformar a riqueza merciais que se expandem por meio de novas
em prosperidade distributiva, estimulando ren- tecnologias, as quais transcenderão os limites
da e diminuindo as desigualdades sociais. do mercado produtivo e de consumo local.

Entende-se que a globalização não seja uma A prosperidade não tem atalhos. Ela requer
panaceia, mas um ambiente de desafios e opor- sólidas instituições econômicas, políticas e ju-
tunidades, em meio à competitividade de inúme- rídicas, crescimento com distribuição de renda,
ros participantes aptos à concorrência global. segurança e bem-estar social. Satisfeitas essas
Além da possibilidade da integração econômica condições, a globalização torna-se uma janela
e tecnológica produtiva, o grande desafio a que de oportunidades às nações, contribuindo para
a globalização induz é aumentar a capacidade reduzir o atraso econômico, social e cultural.
de as sociedades terem pleno acesso aos bens e As sugestões deste documento indicam inter
serviços de qualidade ofertados nos mercados. alia medidas para o Brasil tirar mais proveito das
Dificuldades nessa área não se podem atribuir à oportunidades proporcionadas pela globaliza-
globalização em si, mas a instituições econômi- ção, removendo certas barreiras que limitem ou
cas inadequadas, assim como a políticas equivo- impeçam o progresso socioeconômico do país.
cadas de desenvolvimento.

Uma sociedade isolada das demais econo- Mudar o Brasil em uma geração!
mias deixa de progredir. No entanto, a eficácia O objetivo de acelerar o crescimento econômi-
da abertura econômica, que fortaleça os elos co para dobrar mais rapidamente a renda per
produtivos internos, deve ser fruto do amadure- capita dos brasileiros e dar um salto no nível da
cimento das instituições nacionais (leis, regras produtividade dos fatores é extremamente de-
e marcos regulatórios). A abertura econômica safiador, mas é factível. Sim, é possível mudar o
é um processo contínuo e estratégico, jamais Brasil em uma geração! Como foi mencionado,
uma oportunidade comercial específica. Sob sem as reformas estruturais, os intentos deste
condições adequadas, a abertura pode promo- documento não serão atingíveis em menos de
ver a prosperidade socioeconômica de todos três gerações. Uma das principais causas limi-
os segmentos sociais, de todos os elos produ- tadoras é a baixa produtividade da economia
tivos, assim como a eficiência concorrencial de brasileira, que necessita ser elevada tanto por
diferentes setores de bens e serviços. meio de uma maior eficiência do capital quanto
pelo aperfeiçoamento da qualidade do traba-
Uma das premissas deste documento é lho, da tecnologia e da infraestrutura necessá-
o reconhecimento de que a globalização da ria à aceleração do crescimento. Esses fatores,
oferta e da demanda de bens e serviços é por si, geram externalidades positivas que se
um caminho sem volta. O trabalhador terá de refletem, sobretudo, na qualidade do bem-es-
se adaptar às novas realidades produtivas. O tar e na melhor organização social da nação.
consumidor nacional tornou-se global: ele de- As reformas representam o primeiro passo nos
seja consumir produtos de boa qualidade, de degraus da prosperidade socioeconômica do
baixo custo, inovadores, seguros e ecologica- Brasil. Nesse sentido, é imperativo buscar a efi-
mente sustentáveis. As empresas nacionais cácia na governança dos gastos públicos, elen-
defrontar-se-ão com novas tecnologias para car prioridades condizentes com as realidades
se relacionarem com o mercado consumidor. nacionais e dotar os brasileiros de habilidades
Para competirem, deverão estar integradas às compatíveis com um mundo globalizado.

vii
Aumentar o nível da renda por habitante, dependente do conhecimento das pessoas,
por sua vez, exigirá: i) elevação da taxa de in- de informações e de competências. As nações
vestimento; e ii) ganhos de produtividade e de desenvolvidas são aquelas que, ao longo da
competitividade na atividade econômica. Pro- sua história, deram atenção especial à capa-
mover mudanças estruturais nestas variáveis e citação humana, ao desenvolvimento e à ab-
permitir que milhões de brasileiros tenham ga- sorção de novas tecnologias. Um caminho fácil
nhos efetivos na capacitação profissional, ple- para o desenvolvimento não está disponível, e
no acesso aos mercados de consumo, à saúde atalhos não são virtuosos.
e à educação pública de qualidade, aos planos
de saúde e de previdência complementar, aos Se a distância que nos separa das nações
postos de trabalho de melhor qualidade e à se- mais prósperas é relativamente grande, quer
gurança urbana serão os grandes desafios do seja aferida pela renda por habitante, pela quali-
Brasil. Este documento apresenta um conjunto dade dos projetos de pesquisa e desenvolvimen-
de proposições que possibilitarão realizar os to ou pelo nível educacional da sociedade, entre
anseios socioeconômicos de um Brasil mais outros aspectos, cabe perguntar: seria possível
desenvolvido em todas as suas dimensões. observar as experiências de outras economias
e usar instrumentos adequados para encurtar o
No Brasil, o último grande salto de produ- tempo de chegada à fronteira do mundo desen-
tividade se deu nos anos 1970. De lá para cá, volvido? Sim, é possível. O itinerário mais curto
observa-se tendência de queda contínua da para a redução das distâncias de progresso ma-
produtividade do trabalho e dos investimentos terial, social e institucional resultará da integra-
na formação do capital nacional, com impac- ção compartilhada da economia brasileira com
tos negativos na competitividade da atividade outras nações do mundo.
econômica. Reverter esse cenário é tão im-
portante quanto urgente. Não há uma receita Neste século, máquinas inteligentes estão
pronta para se elevar a produtividade ou para transformando a maneira como produzimos
promover a prosperidade social, mas existem bens e serviços e os modos de organizar-
caminhos e condições típicas de cada nação mos nossas vidas. Estima-se que, em menos
para que as metas possam ser alcançadas. de quinze anos, as economias desenvolvidas
e emergentes serão radicalmente alteradas
As crises econômicas e fiscais recentes nas formas de produzir, de trabalhar e de se
no Brasil, causadas pela má governança dos comunicar. Essa mudança dar-se-á tanto en-
recursos públicos, prejudicaram profunda- tre setores produtivos como entre pessoas.
mente as condições de financiamento do O que mais nos preocupa, enquanto país de
desenvolvimento, bem como o equilíbrio das renda média, de baixas qualidade educacional
estruturas fiscais e previdenciárias públicas. e produtividade da força de trabalho, afastado
A natureza dessas crises alterou as perspec- das transformações tecnológicas “de ponta”
tivas de investimentos dos setores público e globais, é o impacto que essas mutações terão
privado, do emprego, da evolução da renda em nosso mercado de trabalho.
por habitante e da produtividade nacional.
Cabe ao Estado brasileiro redimensionar o A organização empresarial existente tam-
alcance dos seus propósitos, e elencar seus bém se modificará, exigindo trabalhadores mais
gastos por meio de avaliações de custos e qualificados e com capacidade de aprendiza-
benefícios no tocante às possibilidades de gem contínua. As estruturas organizacionais
oferecer bons serviços à sociedade. serão horizontais, e as plataformas operacionais,
multidimensionais e globais. As características
São inúmeras as evidências de que o de- das indústrias serão distintas do que têm sido.
senvolvimento econômico é cada vez mais Estarão vinculadas aos seus clientes locais e

viii
internacionais, em meio a uma ampla rede de programas de desenvolvimento, que davam
fornecedores locais e globais. Elas obterão fi- ao governo central um papel de protagonista
nanciamentos onde o custo e o prazo aten- no processo, nesta proposta, o Estado é o ar-
dam a suas necessidades de rentabilidade em ticulador do desenvolvimento. Portanto, este
qualquer mercado global. Da mesma forma, os documento propõe o resgate da atribuição do
governos poderão encontrar parceiros e inves- Estado de prover uma estratégia de desen-
tidores para infraestrutura em qualquer merca- volvimento para o país, uma visão de futuro,
do financeiro global. Ao Estado importa ter esse por meio de um planejamento indicativo, no
referencial como um cenário indicativo, para que intuito de estimular a ação dos atores priva-
sua competência de governança saiba respon- dos, e adaptativo, no sentido de aprimorar as
der com rapidez e eficiência às demandas de propostas endereçadas durante o período de
investimentos requeridas. implementação.

Nos últimos vinte anos, o investimento É inegável a importância de se configurar


agregado na economia brasileira cresceu 1,8% o Estado e a função do governo no processo
ao ano (a.a.), e a população em idade ativa de desenvolvimento da nação. O Estado não
cresceu perto de 2%. Estima-se que o cresci- passa de uma entidade abstrata, à qual se
mento da produtividade tenha sido próximo atribuem características beneficentes. Corres-
a 0,5% a.a. O crescimento da renda per capita ponde ao conjunto de instituições no campo
dos brasileiros teria se aproximado de 1,2 % a.a., político e administrativo que organiza o espaço
ou seja, cerca de 25% em vinte anos. A con- de um povo ou nação. A diferença entre Estado
tinuidade desses resultados distanciará o e governo está nas suas hierarquias. O governo
Brasil de qualquer possibilidade de torná-lo é apenas mais uma das instituições que com-
uma nação economicamente próspera e so- põem o Estado: é a esfera pública responsável
cialmente desenvolvida. por administrá-lo. Os governos democráticos
são transitórios, elegíveis por meio do voto,
Para que a renda per capita dos brasileiros mas o Estado é permanente. As diretrizes de
dobre em menos de três décadas, será neces- desenvolvimento estratégico de longo prazo
sário que o investimento e a produtividade se pertinentes ao projeto Desafios da Nação têm
acentuem muito mais rapidamente. Em um ce- o caráter de ação de Estado, e poderão ser
nário de amplas reformas, a taxa de evolução implementadas e aprimoradas pelos governos
do investimento deverá se manter acima de 3%
que advierem.
a.a., e o crescimento da produtividade próximo
de 1,5% a.a. Alcançar tão expressivo aumento Na história do pensamento econômico brasi-
dos investimentos e da produtividade requer leiro, o papel do Estado, no tocante à elevação da
ações em múltiplas frentes institucionais, seto- renda por habitante, à inclusão social, ao desen-
riais, regionais, sociais, tecnológicas e ambien- volvimento ou à absorção de tecnologias críticas
tais. Refletir e propor caminhos para superar à prosperidade, tem sido marcado por postula-
esses obstáculos foi a principal motivação na ções dogmáticas, pouco objetivas, e limitadoras
elaboração deste trabalho. do potencial do progresso material e social.

O Estado e o papel do governo A função do Estado, na maior parte das ve-


zes, ainda é entendida como sendo a de vetor
No mundo inteiro, os papéis do Estado e dos ou indutor do desenvolvimento. Isso significa
agentes econômicos são vitais para a ela- adotar políticas de desenvolvimento lastrea-
boração e execução das estratégias de de- das na elevação dos deficit fiscais, estimulan-
senvolvimento nacionais. No caso brasileiro, do o que não se pretende: a desigualdade da
diferentemente das versões anteriores dos renda social. Ademais, adota-se o modelo do

ix
capitalismo de Estado – intervencionista no Diante desse novo contexto, a classe po-
mercado de bens e serviços por meio de au- lítica e o governo, tanto por meio dos seus
mento de impostos e tarifas, concentrando a canais de representatividade social quanto
renda nacional. Trata-se de políticas econômi- pelos Ministérios do Poder Executivo, deve-
cas equivocadas, entre outras coisas, porque rão estar atentos aos novos cenários, auxi-
o desenvolvimento socioeconômico e o bem- liando a sociedade em geral a se antecipar às
-estar social, em lugar algum, aferem-se pelo prováveis alterações tecnológicas e no am-
tamanho do Estado, tampouco pelo poder dos biente de negócios do país. Daí a relevância
governantes. A métrica verdadeira consiste na do papel do Estado, em conjunto com o meio
produtividade dos fatores, na organização so- empresarial e os representantes da classe
cial, na solidez das instituições econômicas e trabalhadora, na articulação das proposições
políticas, na efetiva segurança pública social que acelerem o conhecimento e a organiza-
e, por último, mas não menos importante, no ção da produtividade dos fatores produtivos
bem-estar real dos cidadãos. no país. Estes aspectos permeiam o conjunto
das proposições setoriais deste plano de de-
É inegável o papel do Estado no desenvol-
vimento. Em um país emergente como o Brasil, senvolvimento socioeconômico.
cresce sua importância, não apenas como pro-
A atribuição do Estado como articulador
vedor das necessidades sociais prioritárias, mas,
do desenvolvimento significa que ele deverá
principalmente, como articulador do desenvolvi-
mento socioeconômico, compartilhando as res- compartilhar com o setor privado suas res-
ponsabilidades e atribuições do desenvolvimento ponsabilidades na condução dos projetos de
com as sociedades organizadas. Nesse sentido, desenvolvimento socioeconômicos da nação.
propõe-se o Estado eficiente e fiscalmente res- O Estado deve exercer papel de garantidor do
ponsável no uso dos recursos orçamentários. funcionamento das instituições econômicas
e judiciárias, assim como mediar os conflitos
Por exemplo, investir na qualificação e no de interesses provenientes das reformas ne-
conhecimento das pessoas de todas as idades, cessárias ao desenvolvimento. Em particular,
bem como assegurar a eficiência dos merca- caberá às instituições políticas a incumbência
dos e o bem-estar social com plena empre- de intermediar conflitos e produzir consensos
gabilidade dos fatores, é responsabilidade do dentro das regras do jogo democrático.
Estado. A história nos ensina que a principal
causa das crises das nações, por vezes irrecu- As atribuições do Estado não englobam as
peráveis, tem sido a irresponsabilidade fiscal. atividades e características próprias da ini-
As reformas em curso fortalecem o percurso ciativa privada. Os programas de privatização
de chegada às melhorias almejadas no perío- das estatais devem estar embasados no prin-
do de uma geração. As reformas institucionais cípio de melhor servir à sociedade e na eficá-
deverão ser permanentes, aprimorando-se e cia operacional. Esse aspecto da privatização
adaptando-se às novas realidades. Em uma na- prende-se ao fato de que o setor público não
ção emergente, como a brasileira, é imperativo descobre oportunidades, tampouco gera rique-
entender e exigir o papel do Estado enquanto za. Quem o faz é o setor privado. Este é capaz
entidade que assegure a possibilidade de tor- de transferir conhecimento, prospectar novas
nar a nação próspera, politicamente estável e tecnologias e inovações para o bem-estar da
socialmente desenvolvida. O Estado deve arti-
sociedade de consumo, fato inalcançável pelo
cular o percurso para que o desenvolvimento
setor público. O Estado deve criar condições
socioeconômico possibilite alcançar a prospe-
para que o setor privado possa descobrir e de-
ridade material, o bem-estar social e a segu-
senvolver tecnologias e inovações úteis ao pro-
rança institucional para todos os brasileiros.
gresso e à produtividade econômica da nação.

x
Esse entendimento sobre a função do Esta- a chave desse processo é a confiança dos in-
do é relevante para que se possam estabelecer vestidores e da sociedade em geral em relação
os limites de sua responsabilidade ao estrutu- à política de desenvolvimento. Para tanto, no
rar e conduzir políticas de estímulos à inova- curto prazo, as bases dessas premissas depen-
ção, à tecnologia, à produtividade e à competi- dem do equilíbrio fiscal das contas públicas, da
tividade, pretendendo elevar a potencialidade eficiência dos gastos públicos e da consolida-
dos fatores de produção (capital, trabalho e ção das reformas trabalhista, tributária e da
conhecimento tecnológico). previdência social. Esta última possibilitará a
liquidez e a formação da poupança de longo
De sorte que o papel do Estado como arti- prazo por meio da previdência social comple-
culador do desenvolvimento passe a ser o fa- mentar. Essas reformas resgatarão a confiança
tor-chave na dinâmica do modelo macroeco- na segurança social no tocante ao seu futuro.
nômico que induza a esse fim. Por exemplo, no A inflação deverá se manter estável, exceto se
Desafios da Nação não se atribui ao governo a houver choques de preços internos ou exter-
responsabilidade pela edificação da infraestru- nos; mesmo assim, serão efeitos administrá-
tura logística e energética necessária, mas a veis pela política monetária. Importa que este
tarefa de prover marco regulatório e regras de projeto almeje construir o futuro dos brasilei-
funcionamento estáveis e mercados competiti- ros de forma consistente, baseado na produti-
vos, tanto para os empreendedores e investidores vidade econômica e na responsabilidade fiscal
como para que sejam asseguradas a qualidade dos governos. Tornar-se-á factível prever a
dos projetos, a eficácia nas concessões e a ren- recuperação dos níveis de investimentos pri-
tabilidade prevista dos investimentos privados. vados para cerca de 3% a.a., assim como ele-
Não cabe ao setor público assumir riscos de var, gradualmente, a taxa de produtividade de
mercado. Nos projetos públicos de desenvol- 0,5% a.a. para níveis próximos de 1,5% a.a. e a
vimento com participação privada, pode haver taxa de crescimento per capita para aproxima-
o compartilhamento – e não a transferência damente 2% a.a. no período de uma geração.
– de riscos entre os setores público e privado:
em alguns casos, instituições bancárias públi- Esse cenário torna-se exequível na medi-
cas podem oferecer garantias de seguro e/ou da em que os gastos públicos nominais cres-
linhas de crédito às iniciativas privadas durante çam, no limite, com taxa igual à da inflação.
o período de maior incerteza, por exemplo, na As reformas fiscais realizadas no âmbito do
fase de construção do projeto. Dependendo governo federal foram, sem dúvida, o primeiro
da natureza e do risco do projeto de desenvol- e imprescindível passo para a fixação de uma
vimento, a possibilidade de crédito subsidiado plataforma segura de crescimento, pois elas se
deve ser a exceção e não a regra. Esse entendi- refletirão na estabilidade das principais variá-
mento se estende às atividades das partes que veis macroeconômicas (taxas reais de juros e
estejam, direta ou indiretamente, engajadas nos
de câmbio; níveis de salário e de inflação). As
projetos de desenvolvimento: instituições ban-
demais reformas e o seu aprimoramento con-
cárias públicas e privadas, agentes econômicos
tínuo serão benéficas ao bem-estar das próxi-
nacionais e internacionais.
mas gerações.

Reformas estruturais para se Esse novo ordenamento fiscal assegurará


a possibilidade de o Brasil obter uma segunda
restabelecer a segurança social chance de crescimento e de desenvolvimento
Construir o futuro e a confiança social neste acelerados. A primeira vez deu-se no período
plano de desenvolvimento requer estabilidade 1965-1980. Naquele intervalo, a economia bra-
no crescimento da renda por habitante e no sileira cresceu em média 8,5% a.a. Isso signi-
emprego da classe trabalhadora. No entanto, fica que o produto interno bruto (PIB) dobrou

xi
de tamanho em nove anos. Hoje, as condições Concebe-se, dentro da cultura ocidental,
são muito distintas em relação àquele cenário uma variedade de capitalismo que pode ser
de crescimento acelerado. A taxa de cresci- caracterizado como “corresponsável, de-
mento populacional é menor, o efeito da urba- mocrático e de mercado”. Entende-se por
nização arrefeceu, desmantelou-se o equilíbrio capitalismo corresponsável um sistema ba-
fiscal, estatizou-se a economia, a expectativa seado em políticas de desenvolvimento so-
de vida dos brasileiros aumentou, tornou-se cioeconômico que torne efetivo o acesso de
intensa a interconectividade entre as econo- todas as classes sociais aos bens e serviços
mias, a escalada do endividamento público ofertados doméstica e globalmente. Isso
tornou-se uma espada voltada contra as am- significa concatenar políticas de desenvol-
bições mais nobres dos nossos jovens. De ma- vimento que possibilitem ao país escapar
neira que esses fatores interromperam o pro- da armadilha da renda média, construir uma
gresso material e social. A irresponsabilidade ampla e próspera classe média, e montar
fiscal da governança pública das últimas déca- uma estrutura produtiva de bens e servi-
das voltou-se contra o que ela mais pretende ços competitiva globalmente. É no âmbito
assegurar: o bem-estar e a ascensão social de da corresponsabilidade que sobressaem as
todos os cidadãos. A ruptura se deu por falta características do papel do Estado como o
de planejamento, de estratégias adaptativas articulador do desenvolvimento. A corres-
de desenvolvimento socioeconômico, prevale- ponsabilidade inclui o lema do ODS de “não
cendo o imediatismo das políticas públicas e o
deixar ninguém para trás”. Ele expressa o
inflacionismo das políticas fiscais.
sentido claro da corresponsabilidade das
O ponto de partida atual difere do passa- nações, dos governos, das lideranças so-
do. Ele requer estratégias de desenvolvimen- ciais e de cada um de nós na promoção da
to que promovam a produtividade de todos os dignidade, da segurança pública individual
segmentos econômicos e sociais; eficiência e do bem-estar das sociedades.
do capital e do trabalho; desenvolvimento e
Nos domínios do capitalismo corres-
absorção de novas tecnologias; investimentos
de toda sorte – nacional e internacional; um ponsável democrático de mercado, a ar-
novo direcionamento das funções do Estado ticulação da política de desenvolvimento
e do governo; um ambiente de negócios que dá-se em conjunto com o setor privado, o
possibilite o pleno emprego da mão de obra Parlamento, a sociedade e as instituições
e os investimentos; e a interatividade eco- públicas e privadas. Nesse sentido, o Brasil
nômica e científica entre o Brasil e as outras poderá alcançar seu futuro desejado, elimi-
nações. Essas estratégias, acompanhadas de nando a pobreza, promovendo socialmente
proposições realizáveis, serão apresentadas todos os brasileiros, construindo uma nação
no decorrer da análise dos diferentes temas socialmente harmoniosa – sem distinção de
desenvolvidos que compõem o projeto Desa- crença, gênero e raça – e institucionalmente
fios da Nação. eficiente na edificação da produtividade das
forças econômicas inseridas nas cadeias
globais de produção.
O capitalismo corresponsável
democrático de mercado Ainda sobre a corresponsabilidade, a atua-
ção do Brasil deve pautar-se decisivamente
Por fim, mas não menos importante, cabe na interação das sociedades latino-ameri-
uma palavra sobre a natureza do capita- canas, apoiando a integração econômica e
lismo que se pretende construir no de- das forças produtivas dos diversos países,
senvolvimento socioeconômico nacional. com vista à prosperidade socioeconômica, e

xii
contribuindo, no que lhe couber, para a con- Agradecimentos
solidação da democracia na região.
A Sua Excelência o Senhor Michel Temer,
Finalmente, ao se falar da “corresponsa- presidente da República, agradeço o enten-
bilidade” associada ao tipo de capitalismo dimento sobre a relevância deste documento
proposto neste documento, há que se res- endereçado ao progresso do Brasil e o apoio à
saltar também o caráter do “pacto social”, sua publicação. Ao ministro do Planejamento,
da “união nacional”, da “participação social”, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo Henrique
como ingredientes desse novo ciclo de desen- de Oliveira, aos diretores e pesquisadores do
volvimento enunciado no Desafios da Nação. Ipea, em destaque o coordenador deste pro-
A ideia é que o Estado não pode ser o prove- jeto, João Alberto De Negri, assim como aos
dor, mas o articulador do progresso, em con- profissionais de diferentes instituições que se
junto com as demais forças produtivas na- dedicaram para fazer deste documento um
cionais e internacionais. O desenvolvimento marco no pensamento e nas proposições que
é uma tarefa coletiva, que exigirá liberdade e visam tornar o Brasil um país mais produtivo,
responsabilidade de todos os agentes e atores justo e socialmente próspero, resta-me apenas
sociais e econômicos. expressar meu muito obrigado.

Ernesto Lozardo
Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

xiii
Crescimento
Econômico

1
Retomar a
Expansão
Acelerada da
Renda per Capita
Crescimento Econômico
1

E
ntre 1950 e 1980, a renda per capita do O corolário desta argumentação é claro:
brasileiro aumentou 170%. Daí até 2016, para os investimentos voltarem e a produtivida-
o avanço foi de 30%. Entre o primeiro de evoluir, o país precisa ter um ambiente ma-
período, de trinta anos, e o segundo, de 36, a croeconômico estável, com políticas monetária
taxa média real de crescimento do produto in- e fiscal críveis e sustentáveis. O contexto atual,
terno bruto (PIB) por habitante caiu de 4,5% porém, é de desequilíbrio fiscal, e reformas são
ao ano (a.a.) para 0,7%. O que provocou isso? exigidas para garantir a estabilidade macroe-
É possível trazer de volta avanços mais eleva- conômica, melhorar a qualidade do orçamento
dos e sustentados? público e abrir espaço para a elevação da pou-
pança e do investimento privado.
O crescimento econômico ocorre em função
das trajetórias de acumulação de fatores de pro- O ambiente macroeconômico só será es-
dução – capital e trabalho – e da evolução do tável se for calcado no regime de metas de
nível de eficiência com que a economia trans- inflação, câmbio flutuante e responsabilidade
forma tais fatores em produto, isto é, da expan- fiscal. Isso abrirá caminho para a adoção de
são da produtividade da economia. É chave para medidas microeconômicas capazes de expan-
isso que os países desenvolvam tecnologias crí- dir investimento e produtividade. Também é
ticas capazes de mudar sua forma de produção preciso ampliar o capital humano – por exem-
e melhor aproveitar seus recursos. A inovação plo, via reformas nos sistemas educacional e
está no centro dos ganhos de produtividade das de saúde –, aumentar a eficiência da economia
empresas e da geração de postos de trabalho na alocação de recursos, reduzir distorções
qualificados e mais bem remunerados. nos mercados de trabalho e de capitais, e criar
um ambiente de negócios competitivo e propí-
Mas, no Brasil, diminui o ritmo de acumu- cio ao investimento e à inovação.
lação de capital e, principalmente, da produ-
tividade da economia. Por que isso acontece?
Os desequilíbrios fiscais e monetários enfren- Para os investimentos
tados pelo país durante boa parte das últimas
décadas resultaram em pressões inflacioná- voltarem e a
rias, crises de confiança e crises externas – e
o resultado tem sido menor taxa de poupança produtividade evoluir,
interna e maior instabilidade macroeconômica. o país precisa
Esse ambiente desestimula investimentos, ter um ambiente
desarruma o setor produtivo e gera profundas
distorções na alocação de recursos na economia. macroeconômico
A seu tempo, foram lançados vários programas
emergenciais de ajuste fiscal, mas quase todos estável, com políticas
se basearam mais no aumento de carga tributária
do que no controle de gastos correntes. E, tam-
monetária e fiscal
bém, mais no corte de gastos de investimentos críveis e sustentáveis.
do que nos gastos de consumo do governo.

2
Crescimento Econômico
Gráfico 1
Taxas médias de poupança interna e de investimento (1995-2015)
(Em % do PIB)
35

30

25

20

15

10

0
Brasil Países de Países de Países de Países de
renda baixa renda média-baixa renda média-alta renda alta

Poupança interna Investimento

Fonte: Banco Mundial (World Development Indicators).

Um caminho para isso passa por maior abertura Cenários para 2050
comercial, reformas regulatórias e dos mecanismos
de governança pública, um modelo adequado de É preciso romper o padrão observado no Bra-
concessão na área de infraestrutura e aperfeiçoa- sil principalmente entre 1980 e 2016. Quais
mento dos mecanismos de suporte à inovação. são os limites do possível para o Brasil?
A aceleração do crescimento da renda per capi-
Num cenário básico, de estabilidade ma- ta depende das taxas de crescimento da produ-
croeconômica sem reformas microeconômicas, tividade, do capital humano e dos investimentos
pode haver pequena melhora sobre o padrão em capital físico em geral e em infraestrutura.
recente, mas persistirá o baixo ritmo no avanço
dos investimentos em capital produtivo e huma- Em um cenário básico, haveria estabili-
no, e da produtividade geral da economia. dade macroeconômica com reformas fiscais
Num cenário alternativo, um conjunto de que viabilizariam o equilíbrio fiscal de longo
reformas de cunho microeconômico permitiria prazo, mas não haveria re­formas microeconô-
elevar as taxas de crescimento dos estoques de micas. Nele, as taxas de investimento total e
capital em geral e de infraestrutura, do capital em infraestrutura e o crescimento da produti-
humano e da produtividade geral – gerando, vidade geral convergiriam para os níveis mé-
assim, evolução mais forte da renda per capita. dios observados no período pós-Plano Real,
e o estoque de capital humano cresceria em
No Brasil de hoje, as taxas de poupança in- conformidade com os níveis de escolaridade
terna e de investimento estão estagnadas em atingidos em 2010.
patamares inferiores aos de países de renda
média. Porém, não se pode garantir expansão Nessa situação, pressupõe-se gradual recu-
só com acréscimos ao estoque de capital da peração cíclica da economia entre 2017 e 2019 –
economia. O avanço da produtividade total de caracterizada pela recomposição do empre-
fatores é condição fundamental para acelerar e go, do investimento agregado da economia e
sustentar o crescimento econômico. do nível de utilização de capacidade instalada.

3
Para depois de 2022, projeta-se crescimento Neste caso, a taxa de investimento con-
nulo da produtividade geral e de 1,2% no inves- vergiria para 22% do PIB – nível observado
timento agregado – compatível com uma taxa nos países de renda alta –, com 20% do total
de investimento de 18,2% do PIB entre 2041 de investimentos sendo destinado à infraes-
e 2050 –, supondo-se que o investimento em trutura. O PIB per capita cresceria 1,5% a.a.
infraestrutura se mantenha no nível de 10% do entre 2016 e 2050, acumulando elevação de
investimento agregado. 65,2% no período.

As estimativas de avanço anual da popula- No segundo cenário – o de estabilidade


ção entre 15 e 84 anos seriam de 2,18% entre macroeconômica com mais capital humano –,
2010 e 2020, de 0,78% para o período 2020- haveria elevação contínua dos níveis de es-
2030, de 0,13% para 2030-2040, e queda de colaridade de cada nova coorte ao longo das
0,34% para 2040-2050. décadas seguintes, com taxa também maior
de participação no mercado de trabalho.
Quanto à evolução do capital humano, O estoque de capital humano na popula-
pressupõe-se que as pessoas estudem até ção economicamente ativa (PEA) avança-
a faixa etária de 20 a 29 anos, com as coor- ria à taxa de 1,48% a.a. entre 2010 e 2050.
tes (pessoas que têm uma característica em
Ao final do período, o estoque superaria em
comum em determinado período) mais esco-
40% o do cenário básico. O PIB per capita
larizadas se perpetuando no tempo, de modo
avançaria 1,4% por ano entre 2016 e 2050.
que a população envelheça com mais anos de
A taxa de investimento, porém, estaria ainda
estudo. Em consequência, estima-se alta anual
em 18,2% do PIB no período 2041-2050.
de 0,73% no estoque de capital humano entre
2010 e 2050. No terceiro cenário – o de estabilidade
macroe­ conômica com aumento da pro-
Sob tais hipóteses, o PIB per capita cresce-
dutividade –, a ado­ ção de reformas mi-
ria 38% no período 2016-2050. Isto significa
croeconômicas, com maior flexibilidade
taxa anual de 1,0% a.a., pouco superior à das
no mercado de trabalho, maiores incenti-
últimas déca­das (0,7%).
vos aos investimentos em pesquisa e de­
Nos cenários alternativos, considera-se senvolvimento (P&D) e maior abertura
que a adoção de um conjunto de reformas de comercial, provocariam aceleração da pro-
cunho microeconômico permitirá elevar as ta- dutividade geral da economia a um ritmo
xas de crescimento dos estoques de capital em anual estimado em 0,5% a partir de 2022.
geral e de infraestrutura, do capital humano e Assim, o avanço do PIB per capita seria de
da produtividade geral – ou seja, com mais for- 1,5% a.a. de 2016 a 2050. A taxa de investi-
te expansão da renda per capita. mento permaneceria em apenas 18,2% do
PIB no período 2041-2050.
No primeiro destes cenários – o de
estabili­dade macroeconômica com reformas No quarto cenário – o de amplas refor-
pró-in­
vestimento –, a adoção de políticas mas e que combina características dos an-
regulatórias e de concessões na área de in- teriores – a taxa de investimento atingiria
fraestrutura, bem como possíveis aperfeiçoa- 22% do PIB, o investimento em infraestru-
mentos dos mecanismos de financiamento tura atingiria 20% do total e a produtividade
para investimentos, propiciariam expansão residual subiria 0,5% a.a. O PIB per capita se
mais forte do investimento agregado, com expandiria em 2,1% a.a. entre 2016 e 2050,
ênfase na infraestrutura. dobrando em 2050.

4
Crescimento Econômico
Tabela 1
Cenários para o período 2016-2050
Cenário Hipóteses Resultados – PIB per capita.
Crescimento
Taxa de Investimento Capital “Produtividade Crescimento
acumulado
investimento em infraestrutura humano geral” anual médio
2016-2050
2041-50 (%PIB) (% total) (% a.a.) (% a.a.) (% a.a.)
(%)
Básico
18,2 10,0 0,73 0,0 1,00 38,3
(com estabilidade macro)
Reformas pró-investimento 22,0 20,0 0,73 0,0 1,49 65,2
Aumento do capital
18,2 10,0 1,48 0,0 1,42 61,4
humano
Aumento da produtividade 18,2 10,0 0,73 0,5 1,53 67,8
Reformas amplas 22,0 20,0 0,73 0,5 2,08 101,5
Fonte: C
 AVALCANTI, M. A. F. H.; SOUZA JÚNIOR, J. R. C. Como Retomar o Crescimento Acelerado da Renda Per Capita Brasileira? Uma visão agrega-
da. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

Observa-se que o cenário básico embute embora fosse necessário aumentar a escola-
a expectativa de manutenção de um ambien- ridade e a taxa de participação no mercado de
te macroeconômico estável e de aumento trabalho em magnitude também improvável.
do capital humano. Ainda assim, este cená- Finalmente, o avanço da produtividade ge-
rio fica muito aquém do objetivo de dobrar a ral relativamente ao cenário básico também
renda per capita antes de 2050. Para chegar iria provocar, isoladamente, a alta do PIB
a esta meta, é necessário que todas as variá- per capita – mas, aqui também, a dimensão
veis condicionantes – in­vestimento (em ca- de expansão de produtividade exigida pare-
pital geral e infraestrutura), capital humano ce improvável, à luz da experiência passada.
e produtividade em geral – avancem a taxas
substancialmente mais elevadas que as do Mais que substituição, o exercício mostra
histórico recente. o quanto é importante a complementarida-
de entre as variáveis condicionantes na de-
O exercício mostra não ser razoável terminação do crescimento, pois no cenário
apoiar­-se no estímulo a apenas uma destas de reformas amplas podem ser encontradas
variá­veis como forma de gerar crescimento, combinações de variáveis que pareçam mais
pois isso implicaria a necessidade de essa va- razoáveis e tenham o mesmo resultado em
riável selecionada crescer a taxas muito acima termos de expansão da renda per capita.
das observadas até recentemente. Por exem-
plo, elevar de forma isolada o investimento (em Estes números fornecem indícios sobre os
ca­pital em geral e de infraestrutura – primeiro limites do possível para o avanço do PIB per
cenário) em relação ao cenário básico propi- capita do Brasil nas próximas décadas. Sem
ciaria um aumento acumulado do PIB per ca- uma ruptura significativa da atual estrutura de
pita de cerca de 65%; gerar crescimento ain- incentivos para a poupança e o investimento
da mais elevado envolveria um esforço muito e para as atividades produtivas em geral, di-
significativo, e provavelmente infactível, de au- ficilmente haverá aumentos anuais em torno
mento da poupança interna e externa. de 2%. Sem reformas econômicas profundas,
a renda per capita do país não dobrará senão
De forma semelhante, expandir apenas em prazos superiores a trinta anos. No entanto,
o estoque de capital humano poderia levar muitas das proposições deste trabalho modifi-
à evolução desejada da renda per capita, carão os cenários prescritos.

5
• A manutenção da estabilidade infla-
Mais que cionária não depende, porém, ape-
nas da política monetária. A este
substituição, há respeito, a política fiscal é igual-
complementaridade mente importante.

entre as variáveis • U m regime fiscal que dê susten-


condicionantes na tabilidade às contas públicas no
longo prazo tornou-se necessário
determinação do para a retomada da economia em
bases sólidas. Além disso, é fun-
crescimento, pois no damental para viabilizar o acrésci-
cenário de reformas mo de poupança interna requerido
para a volta do crescimento. A con-
amplas podem ser solidação do teto para a expansão
encontradas de gastos públicos e a reforma do
sistema previdenciário são impor-
combinações de tantes para garantia da estabilida-
variáveis que pareçam de macroeconômica.

mais razoáveis e •  Brasil vive sob transição demográfica


O
que pressupõe aumentos de gastos fu-
tenham o mesmo turos com previdência e saúde. A crise
resultado em termos fiscal impõe redução de despesas pú-
blicas desnecessárias, racionalização e
de expansão da renda maior eficiência na provisão de bens e
serviços públicos.
per capita.
•  necessário melhorar a qualidade
É
da força de trabalho por meio de
Medidas macroeconômicas investimentos na formação do ca-
pital humano, melhorar o ambien-
•  meta de maior taxa de investimen-
A
te de negócios e abrir a economia
to e maior produtividade da economia
para torná-la mais competitiva. As
requer, como condição sine qua non,
políticas protecionistas que visaram
um ambiente macroeconômico está-
vel, calcado em políticas monetária e à substituição de importações em
fiscal críveis e sustentáveis. setores específicos escolhidos pelo
governo terão de ser trocadas por
•  principal responsabilidade da políti-
A políticas horizontais que deem con-
ca monetária é manter a inflação sob dições para as empresas brasileiras
controle, preservando o poder de si- competirem internacionalmente.
nalização dos preços na alocação de
recursos entre diferentes atividades Ninguém imagina ser possível evoluir nova-
e setores e propiciando aos agentes mente a taxas tão altas como as de meados do
econômicos condições para cálculos século passado, pois os ganhos mais acentua-
de longo prazo. dos de produtividade advindos do processo de

6
Crescimento Econômico
urbanização e industrialização já ocorreram. fatores, políticas adequadas de incen-
Além disso, a dinâmica demográfica, que por tivo e de parcerias público-privadas,
tanto tempo contribuiu positivamente para o
crescimento do país, terá efeitos negativos a •  mbiente de negócios mais estável
a
partir das próximas décadas. e competitivo – que depende de me-
lhor aparato regulatório e jurídico, e
Tornam-se indispensáveis mudanças sig- de abertura econômica,
nificativas de políticas públicas para que o
país avance de modo a se tornar uma econo- • reforma trabalhista, visando ampliar a
mia desenvolvida. eficiência do mercado de trabalho, e

Medidas microeconômicas • I mplementação de uma série de medidas


estruturantes propostas neste trabalho.
Um ambiente macroeconômico estável é
condição necessária, embora não suficiente, Por meio de uma série de reformas econô-
para a retomada do crescimento. Ele forma micas, sociais e de infraestrutura, é possível
o pano de fundo obrigatório e imprescindível dar origem a uma nova geração de políticas
para a adoção de um conjunto de medidas capaz de remover os gargalos do crescimento.
microeconômicas que ampliem investimento Esta nova geração de políticas públicas, com-
e produtividade. partilhadas entre público e privado, é chave
para o sucesso.
Um primeiro conjunto de medidas diz res-
peito à política regulatória e ao financiamento Também é crítico para a nação superar os
do desenvolvimento. Os investimentos, princi- desafios do crescimento sustentável. As ações
palmente os destinados à infraestrutura, de- macro e microeconômicas propostas neste
pendem de um bom aparato regulatório e de trabalho estão articuladas com os Objetivos
oferta de crédito adequada. do Desenvolvimento Sustentável, discutidos
pelas Nações Unidas. Os ODS são interdepen-
Elevar a produtividade da economia é indis-
dentes e interligados com o planejamento de
sociável da maior qualificação do capital hu-
longo prazo do Brasil.
mano. Portanto, é fundamental focar a melho-
ra na qualidade do ensino e, em particular, na
maior eficiência dos gastos públicos em saúde
e educação. Por meio de uma
O crescimento da produtividade também
série de reformas
depende de: econômicas, sociais
•  aior eficiência do mercado finan-
m e de infraestrutura, é
ceiro e de capitais na alocação dos
recursos – o que, por sua vez, de-
possível dar origem
pende da eliminação ou redução de a uma nova geração de
várias imperfeições de mercado, in-
cluindo aspectos jurídicos, políticas capaz de
•  umento em quantidade e qualidade
a
remover os gargalos
dos investimentos em pesquisa e de- do crescimento.
senvolvimento, exigindo, entre outros

7
Regime
Fiscal

2
Regras para
o Crescimento
Sustentado
Regime Fiscal
1

U
m bom regime fiscal define o poten- dentre os quais a estagnação da “década per-
cial de crescimento de um país. Sem dida” de 1980, a hiperinflação que assolou o
equilíbrio das contas públicas, não há país até meados dos anos 1990 e a recessão de
ambiente macroeconômico estável capaz de 2014-2016. A composição do orçamento públi-
estimular a produção e o investimento. Sob co também tem sido prejudicial ao desempe-
descontrole fiscal, o país submerge em uma nho econômico do país, dada a prevalência
espiral de excessivo endividamento público, de ajustes fiscais baseados mais fortemente
inflação alta e crises recorrentes de confian- no aumento de carga tributária (relativamen-
ça, passando por ciclos frequentes de aperto te à redução de gastos correntes) e no corte
monetário e fiscal, e, consequentemente, suas de gastos de investimentos (em vez de gastos
taxas de crescimento são baixas e voláteis. de consumo). Problemas relativos à qualida-
de do gasto foram exacerbados no período
Em qualquer orçamento público, não im- pós-Constituição de 1988. A composição do
porta apenas o tamanho, que se estima pelo orçamento passou a favorecer os gastos cor-
total de despesas e receitas públicas. Mais rentes em detrimento do investimento público
importante é a sua composição, que se refle- e, entre os gastos correntes, as transferências
te diretamente no atendimento de demandas a pessoas e empresas (sob a forma de subsí-
da população e em incentivos – ou não – para dios). Esse aumento do escopo de atuação do
as atividades produtivas. Em termos de de- setor público não foi acompanhado pela im-
sempenho econômico, um orçamento carac- plantação de medidas de avaliação sistemá-
terizado por receita elevada, inflada por carga tica de custo-benefício das políticas públicas,
tributária pesada, será geralmente inferior a nem por medidas que incentivassem o aumen-
um orçamento baseado em níveis mais baixos to de sua eficiência.
de gastos e tributos, desde que equilibrado e
condizente com o nível de desenvolvimento O orçamento federal passou a favorecer
do país. Também a questão da eficiência e da gastos correntes em detrimento do investi-
efetividade dos gastos é essencial – constan- mento público, através de subsídios a pessoas
temente, deve ser avaliado o custo de oportu- e empresas. E, ao longo desse tempo, nunca se
nidade (alternativas de aplicação do dinheiro) considerou, seriamente, a possibilidade de se-
de cada tipo de despesa e o momento em que rem implantados mecanismos para avaliação
ela ocorre, para se ter certeza do bom empre- sistemática de custo-benefício das políticas
go das verbas públicas. públicas, ou de medidas de incentivo ao au-
mento de eficiência.
Há muitos anos o Brasil apresenta pro-
blemas nestas três dimensões: equilíbrio fis- Mas, mesmo nesse contexto, houve algum
cal, composição orçamentária e qualidade avanço no sentido de uma formatação fiscal
dos gastos. mais adequada. Pela Constituição, foram cria-
das as bases para definição de metas e prio-
O descontrole das contas públicas caracte- ridades de ações governamentais. A Lei de
rizou grande parte das últimas décadas e está Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em
na raiz de alguns dos mais graves problemas 2000, consolidou regras quantitativas e de
econômicos vividos pelo país nesse período –

10
Regime Fiscal
procedimento para limitar discricionariedades investimentos, especialmente os de
nas políticas orçamentária e fiscal. Foi definida infraestrutura.
uma estrutura abrangente para a política fis-
cal, destinada a ser seguida por todos os níveis •  umento da poupança interna para
A
de governo. Aumentou-se a transparência das expandir a taxa de investimento, para
contas públicas. Fortaleceu-se o compromis- evitar que isso resulte em alta exage-
so com níveis sustentáveis de endividamento. rada do deficit externo em transações
Mais recentemente, a Emenda Constitucional correntes.
(EC) no 95/2016 estabeleceu teto para a evolu-
ção real dos gastos primários do governo cen- •  stímulo à maior eficiência dos gastos
E
tral para vinte anos, tendo como objetivo uma públicos em saúde e educação, que
trajetória sustentável para a dívida pública. podem elevar a produtividade dos tra-
balhadores.
Há, porém, muitos obstáculos a serem
superados para se chegar a um arcabouço •  aior eficiência dos gastos públicos em
M
fiscal adequado – condição necessária, ain- geral, ampliando a eficiência na aloca-
da que não suficiente, para o desenvolvi- ção dos recursos econômicos e melho-
mento do país e para o bem-estar nacional. rando a produtividade da economia.
A retomada do crescimento sustentado exi-
ge, entre outros: Novo modelo
•  eração de um ambiente macroe-
G Pela EC no 95/2016, a inflação do ano anterior
conômico estável que reduza a ins- passa a limitar o aumento total dos gastos pri-
tabilidade econômica e estimule mários do governo central no ano seguinte.

Gráfico 1
Evolução da despesa – gasto primário do governo central
(Em % do PIB)

20 19,8

18

16

14

12
11,1

10
1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

Fonte: SOUZA JÚNIOR, J. R.; CAVALCANTI, M. A. F. H.; LEVY, P. M. Regime Fiscal para o Crescimento Sustentado. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R.
(Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

11
Gráfico 2
Evolução da dívida bruta – situação ao final de cada exercício
(Em % do PIB)
71

68

65

62

59

56

53

50
dez./2001
jun./2002
dez./2002
jun./2003
dez./2003
jun./2004
dez./2004
jun./2005
dez./2005
jun./2006
dez./2006
jun./2007
dez./2007
jun./2008
dez./2008
jun./2009
dez./2009
jun./2010
dez./2010
jun./2011
dez./2011
jun./2012
dez./2012
jun./2013
dez./2013
jun./2014
dez./2014
jun./2015
dez./2015
jun./2016
dez./2016
Fonte: Banco Central.

O descumprimento de limites proíbe reajus- crescimento da economia. Em geral, eles


tes de despesas e ações que impliquem mais melhoram as expectativas dos agentes e,
desembolsos, como concursos públicos e ad- por consequência, induzem mais investi-
missão de pessoal, por exemplo. A evolução mentos. Outra vantagem é reduzir a pressão
do gasto primário passou de 11% para quase por elevação de impostos. Essa alternativa
20% do produto interno bruto (PIB) entre 1991 para reduzir o deficit público é geralmente
e 2016. O salto dessas despesas resultou em indesejável em cenários de carga tributária
maior carga tributária combinado ao aumento já elevada.
da dívida pública.
Ajustes fiscais levam, também, a resul-
A dívida bruta do governo geral (DBGG), tados significativos sobre a condução da
principal indicador de endividamento público, política monetária. Frequentemente, o
passou de 51,3% para 69,5% do PIB entre 2013 Banco Central é forçado a ser mais ativo
e 2016. Se esse ritmo for mantido, a trajetória para compensar desajustes da política
da dívida será explosiva. Propostas para um fiscal e evitar que a inflação ultrapasse a
novo regime fiscal devem, portanto, conside- meta. Com melhores expectativas em re-
rar as causas do atual desequilíbrio, sob risco lação à trajetória da dívida pública, a polí-
de o problema persistir e até aumentar se não tica monetária pode ser relaxada mais ra-
forem revertidas. Se isso ocorrer, o ciclo reces- pidamente, diminuindo-se os gastos com
sivo será aprofundado. juros, o que significa queda acentuada do
deficit nominal e maior controle do endivi-
Ajustes fiscais para interromper trajetó- damento público.
rias insustentáveis de endividamento pú-
blico apresentam efeitos positivos sobre o

12
Regime Fiscal
Gráfico 3
Despesas primárias e o teto dos gastos - projeção para 2017-20261
(Em %)
120 111,9
108,3 110,0
105,1 106,6
102,5 103,7
100,0 100,4 101,3
100

80
50,4 52,4 54,4 56,5 58,7 61,1 63,5 66,1 68,8 71,6

60

4,2 4,4 4,6 4,9 5,2


40 5,5 5,9 6,2 6,6 7

45,4 43,7 42,3


20 41 39,8 38,5 37,2 35,9 34,6 33,3

0
2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026

Demais despesas BPC, Loas/RMV RGPS e RPPS

Fonte: Ministério da Fazenda.


Nota: 1O valor 100% indica situações em que o teto previsto pela EC 95/2016 está sendo respeitado. A simulação se refere a uma situação sem reformas.

Na EC no 95/2016, foi também embutido Se a retomada da economia for mais ex-


um mecanismo anticíclico automático, que pressiva nos próximos anos, e se os investi-
reduz o superavit primário quando a econo- mentos e a produtividade seguirem cursos si-
mia cresce menos que o produto potencial, milares aos das médias verificadas na década
mas o amplia nas fases de expansão. de 2000, a dívida começará a cair em torno de
2021. Mas, no caso de crescimento menos for-
Duas questões se apresentam: primeiro, te e com investimentos e produtividade evo-
avaliar se essas regras bastarão para controlar luindo em ritmo mais conservador, essa queda
e reduzir a DBGG; segundo, analisar se, à luz só ocorrerá a partir de 2025, atingindo um ní-
da rigidez que caracteriza o orçamento público vel elevado no período de pico (82,7% do PIB).
e das tendências de crescimento dos gastos, o
teto estabelecido pela EC no 95/2016 é viável. A segunda pergunta se refere à viabilidade
de cumprimento do teto. Será impossível cum-
A resposta para a primeira pergunta é afir- prir as metas se for mantido o sistema previden-
mativa. Ao frear o crescimento das despesas ciário vigente no país. E respeitar a nova regra
primárias, o cumprimento do teto dos gastos fiscal será uma tarefa desafiadora, mesmo com
fixado pela EC no 95/2016 pode controlar a dí- a realização de reformas nesse setor, como
vida pública, conferindo-lhe sustentabilidade. mostram projeções do Ministério da Fazenda.
É preciso deixar claro, porém, que o novo re-
gime fiscal é uma estratégia gradualista e que Há grande potencial para aceleração do
a reversão dessa trajetória não será imediata. crescimento a partir de reformas fiscais que

13
envolvam mudanças no sistema tributário e disso. A redução do engessamento do orça-
no padrão de despesas públicas, mantendo mento público, cujas regras atuais não estimu-
o equilíbrio orçamentário – ainda que numa lam a escolha ótima em termos de alocação
perspectiva de longo prazo. Esses efeitos se dos gastos, pode contribuir significativamente
manifestam sob a forma de maior oferta de para o aumento da eficiência. É razoável imagi-
trabalho (em particular, alterando as taxas de nar um mecanismo pelo qual os governos fos-
participação de mulheres e idosos), mais in- sem premiados, ganhando flexibilidade para as
centivos à acumulação de capital físico e hu- despesas que julgam mais relevantes, quando
mano e aumento da produtividade total dos políticas públicas tivessem bons resultados
fatores, seja por meio do estímulo à inovação com gastos menores. Também seria recomen-
tecnológica, seja por alocação mais eficiente dável traçar metas de resultados, em vez de
de fatores. fixar percentuais de gastos com saúde e edu-
cação, por exemplo.
Uma análise2 da evolução da relação dívi-
da pública/PIB durante 132 episódios de ajus- A rigidez orçamentária tende a reduzir a
tes fiscais em 21 países da Organização para qualidade dos gastos públicos: o excesso de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico vinculações, cumpridas por meio de empenho
(OCDE), entre 1981 e 2008, concluiu que esses da despesa, tem sido contornado crescente-
programas de consolidação fiscal se mostram mente pelo recurso à rubrica de restos acumu-
mais eficazes para reduzir a dívida e resultam lados a pagar, adiando o dilema, cada vez mais
em melhor composição quando são baseados agudo, de escolher entre realizar despesas não
principalmente em cortes nos gastos (exce- obrigatórias previstas no orçamento corrente
to em investimentos públicos) e quando são ou cobrir contas de orçamentos passados.
adotados por aparatos governamentais mais
eficientes. Revela também que os programas O elevado volume de despesas obrigató-
de consolidação com melhor composição dos rias que sufocam um orçamento deteriora
gastos foram aplicados pelos governos consi- sua qualidade – ou seja, credibilidade das
derados mais eficientes. previsões, previsibilidade na execução, efeti-
vidade das ações e visibilidade das decisões.
No Brasil, mesmo se parte do ajuste fosse Surge aí a insegurança entre os agentes eco-
feita através do aumento de impostos – re- nômicos, e a ação dos gestores públicos fica
duzindo as desonerações e/ou elevando as comprometida. O encurtamento do horizonte
alíquotas –, não seria possível sustentar cres- temporal da política fiscal não gera confiança
cimento real dos gastos públicos no nível dos na capacidade de o Estado dar continuidade
6% ao ano, como ocorreu na média dos anos a políticas essenciais à sustentação do cres-
de 1997 a 2015. Embora seja prioritária, a dis- cimento econômico.
cussão sobre eficiência parece ter sido sem-
pre deixada de lado, devido à ilusão de que o
crescimento baseado em mais crédito e mais Seria recomendável
demanda, aliado ao superciclo das commodi-
ties e à expectativa de arrecadação com o óleo
traçar metas de
do pré-sal, seria suficiente para gerar receitas resultados, em vez de
capazes de financiar as contínuas ampliações
de gastos. fixar percentuais de
A eficiência é importante também para via-
gastos com saúde
bilizar a retomada econômica de forma sus- e educação.
tentável, e o ajuste fiscal é apenas um indutor

14
Regime Fiscal
Melhorar o processo orçamentário
Persiste a armadilha
Persiste há tempos, no Brasil, a armadilha
fiscal decorrente do fato de que o processo fiscal armada pelo fato
orçamentário e o modelo de execução da
despesa ocorrerem em planos distintos. Para
de o processo
enfrentar os problemas criados por essa si- orçamentário e o
tuação, tornou-se comum sobrestimar recei-
tas ordinárias e esperar o ingresso de recei- modelo de execução da
tas extraordinárias.
despesa ocorrerem em
Essa tem sido a melhor saída disponível planos distintos.
para o impasse, mas resulta em exigências
orçamentárias maiores (para conter a execu-
ção da parcela não obrigatória das despesas) O problema não está no fato de o novo go-
e acúmulo de restos a pagar (para evitar que vernante herdar um orçamento elaborado pelo
as metas fiscais sejam descumpridas em antecessor, como ocorre usualmente, mas sim
determinado exercício). Nesse processo, as no desvirtuamento da noção do PPA, que de-
despesas não obrigatórias (as de custeio e veria organizar o processo orçamentário pela
investimento) assumem caráter “autorizativo”, definição de prioridades do novo governo, tra-
isto é, ficam sujeitas à disponibilidade ou não duzido nas linhas gerais que comporiam a Lei
de recursos financeiros. de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Posterior-
mente, seria feito o detalhamento do que fosse
O padrão brasileiro de determinação dos necessário para atender essas diretrizes na Lei
gastos no orçamento continua a privilegiar Orçamentária Anual (LOA).
os direitos individuais – como salários do
funcionalismo ou pagamentos de benefícios Até aqui, a reação de diversos governos a
previdenciários e assistenciais, de execução essa série de problemas tem se limitado à to-
obrigatória – e a penalizar gastos envol- mada de medidas para cumprir a meta fiscal
vendo direitos coletivos, exceto por aque- do ano em curso. As formalidades previstas na
les que encontram proteção sob a forma de Lei de Responsabilidade Fiscal para o médio
vinculação de recursos. Além disso, o desa- prazo têm sido atendidas, mas, na prática, o
parecimento da poupança pública levou à que conta mesmo é o marco estabelecido para
dependência de recursos extraordinários e o resultado primário anual. O médio e o longo
contratação de crédito. prazo permanecem ancorados na ilusão de
que os problemas são passageiros.
Outra falha importante pós-Constituição
foi a ampliação do modelo do Plano Pluria- A EC no 95/2016 suspendeu as vinculações
nual (PPA), antes restrito a investimentos, constitucionais (saúde e educação), e isso
de forma a incorporar programas de dura- abre oportunidade para uma reforma fiscal,
ção continuada e qualquer projeto, obra ou permitindo escolhas políticas que definam as
despesa cuja execução se prolongue por prioridades orçamentárias no marco dessa
mais de um exercício financeiro. Assim, o dupla restrição – a imposta pela meta para
PPA assumiu a condição de um orçamento o resultado primário e a decorrente do teto
que passa a vigorar no segundo ano de um para o total das despesas. Aqui são apresen-
mandato e estende-se ao primeiro ano do tadas algumas das principais recomendações
mandato seguinte. para isso:

15
•  referência principal para essas esco-
A da reforma orçamentária no topo das
lhas será a repartição da receita cor- reformas institucionais que precisam
rente líquida, independentemente de ser feitas para reposicionar o Brasil na
a fonte ser a receita de impostos ou rota do desenvolvimento. O impasse
de contribuições. Há chance para se não está na elaboração de propostas,
avançar no desmonte da armadilha fis- mas na reação a mudanças que afetem
cal, resgatando-se o princípio da unici- interesses há muito abrigados em es-
dade orçamentária. paços privilegiados do orçamento.

•  estaurar a essência de orçamentos


R •  or isso, a recomendação é buscar um
P
de qualidade – com credibilidade das acordo que viabilize a superação des-
previsões, previsibilidade na execução, ses conflitos inevitáveis. Recuperar a
efetividade das ações, equilíbrio do qualidade do orçamento não é tarefa
conjunto e visibilidade das decisões –, que pode ser conduzida unilateral-
esse deve ser o objetivo básico da re- mente, mas depende da construção
forma fiscal. de um clima favorável à convivên-
cia de poderes independentes. Isso
•  enhum dos elementos, porém, deve
N
sempre funciona melhor quando há
ser limitado a apenas um exercício fi-
acordos, e não submissão. É bom ter
nanceiro, pois a efetividade da maioria
em conta que conflitos eclodirão con-
das ações depende de sua continui-
forme avançar o processo de imple-
dade, ou seja, da disponibilidade de
recursos pelo período necessário para mentação da EC no 95/2016, exigindo
que elas ocorram. novas estratégias para serem devida-
mente equacionados.
•  eve-se ter em conta a dupla dimen-
D
são do equilíbrio fiscal – entre recei-
tas e despesas e entre as prioridades Recuperar a qualidade
orçamentárias –, o que demanda ho-
rizonte temporal ampliado, tendo em
do orçamento não é
vista a consolidação fiscal. tarefa que pode ser
• vitar as sucessivas revisões de
E conduzida unilateralmente,
estimativas sobre comportamento
das contas públicas, pois elas evi- mas depende da
denciam a dificuldade com que os
governos têm lidado com a herança
construção de um clima
de anos de descontrole fiscal. Evi- favorável à convivência
denciam também o reconhecimen-
to do embaraço em antecipar, com de poderes independentes.
algum grau de segurança, o prazo
em que será alcançada a consoli-
Isso sempre funciona
dação fiscal. melhor quando há
•  atual imposição de um teto global
A acordos, e não
para o crescimento das despesas é
medida inédita, com grande potencial submissão.
de gerar a oportunidade de inserção

16
Regime Fiscal
•  estabelecer a essência da LDO é uma
R sidade da limitação ao empenho de verbas
dessas estratégias, e, para isso, será autorizadas na lei orçamentária, e estas se-
preciso reconhecer que se esgotaram rão reservadas para atender à demanda de
as vantagens percebidas, por ambos imprevistos gerados por mudanças na con-
os lados, com a adoção de medidas juntura. Números críveis para o médio prazo
pontuais e improvisadas para lidar com serão a referência para o acompanhamento
os problemas fiscais. dos compromissos assumidos no acordo en-
tre Executivo e Legislativo, tarefa que incluirá
•  primeiro passo, portanto, será ado-
O também as instituições que participaram da
tar um novo modelo para a LDO, re- sua elaboração. Uma iniciativa conjunta para
tomando seu ponto essencial, ou seja, reorganizar os trabalhos da Comissão Mista
a busca da previsibilidade das esti- de Orçamento que, entre outras mudanças,
mativas orçamentárias. Envolver ins- regule o processo de apresentação de emen-
tituições e especialistas independen- das ao orçamento pode ser de interesse para
tes na elaboração de cenários fiscais o melhor relacionamento dos parlamentares
para médio prazo é um expediente com seus eleitores.
capaz de criar condições para isso,
seja no traçado do percurso para qua- A experiência internacional identifica
tro anos, seja nos ajustes de rota que reformas bem-sucedidas voltadas para a
se fizerem necessários ante as mu- realocação de gastos em países que en-
danças na conjuntura ou a revelação frentavam situações de estresse fiscal –
de fatos desconhecidos inicialmente. caracterizadas por excesso de despesas e
queda de receitas decorrente de recessão
•  importante que, nesse primeiro
É na economia –, em que os governantes re-
passo, participem as instâncias do jeitaram o recurso tradicional a cortes line-
Congresso Nacional encarregadas da ares dos gastos para corrigir desequilíbrios
condução do processo orçamentário nas prioridades orçamentárias.
na casa, estabelecendo-se um novo
diálogo entre Executivo e Legislativo,
que vise também avançar na questão O impasse não
referente à execução de uma lei
orçamentária que se aproxime do ideal está na elaboração
de um orçamento impositivo.
de propostas, mas na
Na discussão desse acordo, devem
constar os problemas criados pela rubrica
reação a mudanças
restos a pagar. Como boa parte do volume que afetem interesses
acumulado dessa forma se refere a despe-
sas obrigatórias, avanços para sua solução há muito abrigados
dependem de negociação sobre que par-
cela pode ser cancelada e como reduzir
em espaços
gradualmente a parcela restante. privilegiados do
À medida que as previsões para receitas e orçamento.
despesas se tornem realistas, cairá a neces-

17
Mercado
de Trabalho

3
Mudanças
Institucionais e
Produtividade
Mercado de Trabalho
1

A
produtividade do trabalho no Brasil é percebesse essa habilidade. Um trabalhador com
baixa, cresce pouco há anos e cada vez percepção de melhores condições de trabalho
mais se distancia das taxas médias de numa firma que em outra, torna-se mais motiva-
países desenvolvidos. Que mecanismos estão do e produtivo na primeira do que na segunda.
por trás do fraco crescimento da produtividade A qualidade da combinação em­presa-empregado
do trabalho no país? Até que ponto a qualidade é fundamental para ganhos de produtividade.
das relações trabalhistas atrasam essa evolu-
ção? Como aumentar o ritmo de crescimento A qualidade da relação de trabalho é ou-
da produtividade sem comprometer aspectos tro mecanismo fundamental, já que a maneira
importantes de proteção social aos trabalha- com que o trabalhador e o empregador inte-
dores? Desenhar um arcabouço institucional ragem afeta as condições de trabalho, os in-
que potencialize essas duas dimensões, as- centivos ao desempenho, a duração do vínculo
sunto debatido há mais de vinte anos, é agora empregatício e a remuneração do trabalhador.
colocado em destaque pela recente discussão Essa interação é altamente influenciada pe-
de aspectos da legislação trabalhista. los aspectos institucionais vigentes, que são
o principal tema deste capítulo. Um aparato
Que mecanismos podem aumentar a pro- institucional bem estruturado induz relações
dutividade do trabalho? de trabalho de melhor qualidade, estimulando
altos níveis de produtividade do trabalho.
Basicamente, são quatro mecanismos.
O primeiro é a qualificação do trabalhador, que A rotatividade no emprego é um fenômeno de
ocorre pelo aprendizado via sistema educacio- complexa relação com a pro­dutividade do traba-
nal, treinamento profissional e dentro das em- lho. Esforço e desempenho dependem fortemen-
presas. Essa qualificação facilita à pessoa o de- te da avaliação que faz o pessoal empregado das
sempenho de tarefas, capacita-a a participar de condições de trabalho propiciadas. Em termos
processos mais complexos e mais produtivos, práticos, quanto mais alta for a rotativi­dade,
tornando-a apta a absorver mais rapidamente menor tende a ser a perspectiva, inferida pelo
novas funções. O segundo se refere à qualida- trabalhador, de progressão na empresa, e con-
de do posto de trabalho, uma vez que mesmo sequentemente seu próprio esforço.
um trabalhador bem qualificado rende menos
se trabalhar com máquinas e equipamentos de Um perverso mecanismo de retroalimen-
baixa qualidade. As empresas devem adotar tação surge aí, porque, quando o empresário
tecnologias de produção adequadas e atuali- percebe essa postura, conclui que não é vanta-
zá-las continuamente, além de implantar pro- joso apostar em uma relação estável e desiste
cessos de trabalho eficazes e seguros. de investimentos que poderiam levar a ganhos
de produtividade, como treinamentos. Assim, há
O terceiro ponto é que um determinado tra­ um ciclo vicioso entre rotatividade e qualidade
balhador pode ser mais produtivo numa em­ da relação de trabalho, reforçado pela falta de
presa que em outra. Por exemplo, uma deter- política de valorização do empregado.
minada empresa pode enxergar no trabalhador
certa habilidade e fa­zer uso dela, o que poderia No Brasil, a frequência de interrupções
ser desperdiçado em outra empresa que não nos vínculos trabalhistas formais, medida pela

20
Mercado de Trabalho
Gráfico 1
Rotatividade e demissões no mercado formal de trabalho no Brasil (2001-2015)
(Em %)
70
62,0 62,0 62,6
59,6 60,8
58,9
60 56,7 56,0
53,0 53,5
51,0 50,9 51,5 50 50
49,4 49,2 48 49
50 47 47
43
42
39 39 39 40
38 38
40 36

30

20
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Rotatividade (total) Taxa de desligamento

Fonte: CAMPOS, A. G. et al. Instituições Trabalhistas e Produtividade do Trabalho: uma análise do caso brasileiro. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.;
BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

razão entre o total de registros de desligamen- Em tese, é conflituosa a interação traba-


tos em um ano e as médias mensais de ocupa- lhador-empresário, por serem antagônicos os
dos, correspondeu a 56% do total de vínculos objetivos de cada parte: de um lado, busca-se
formais em 2015. Uma vez interrompido o vín- maior eficiência e competitividade, por redu-
culo, o empregador pode simplesmente elimi- ção de custos e/ou maior flexibilidade para
nar o posto de trabalho ou tentar preenchê-lo ajustar insumos; e do outro, exigem-se melho-
com outro trabalhador. A simples substituição res condições de trabalho, com melhor remu-
do trabalhador é o conceito mais usado para a neração e mais estabilidade de salários e do
rotatividade. Quando medimos a rotatividade vínculo em si.
relativa ao estoque de postos de trabalho, com-
puta-se uma taxa de 40% em 2015. A parcela A negociação entre as partes deveria ser o
dos desligamentos para substituição de traba- meio natural para solução de conflitos. Mere-
lhadores no mesmo posto equivaleu a 71% – ou ce destaque a instância promotora de diálogo
seja, a cada 100 demissões, só 29 não significa- durante o vínculo de emprego, pois é ela que
ram troca de empregados. enseja relações de trabalho mais duradouras e
produtivas, além de evitar frequentes aciona-
mentos da Justiça.
O que interfere na qualidade da
relação de trabalho? A representação dos empregados pode
afetar a qualidade das relações de trabalho e
Há dois conjuntos de fatores que interferem na até mesmo a produtividade. O sindicato de tra-
qualidade da relação de trabalho. O primeiro diz balhadores é tradicionalmente a principal insti-
respeito aos canais de negociação e sua qua- tuição nesse âmbito, mas há de se considerar
lidade. O segundo é o sistema de proteção ao alternativas. Por exemplo, quando as disputas
trabalhador, que pode estimular relações mais envolvem pequenas parcelas de trabalhado-
ou menos duradouras a partir de instrumentos res, uma representação com abrangência mais
como seguro-desemprego, fundos individuais restrita no âmbito da firma ou do estabeleci-
ou multa por demissão sem justa causa. mento pode ser mais eficaz.

21
Quando há expressão da voz coletiva dos A redução desses custos é mais signifi-
trabalhadores e resposta institucional, os cativa quando se considera a alternativa de
trabalhadores conseguem colocar suas opi- negociações individuais em torno de temas
niões, demandas e reclamações individuais, como negociação salarial, cláusulas contra-
apontando problemas, sugerindo mudanças tuais, ou queixas individuais em relação às
e compartilhando informações, abrindo mar- condições de trabalho. Os sindicatos e ne-
gem para melhorar a organização e colabo- gociações coletivas serviriam também para
rando na introdução de técnicas produtivas agregar e consolidar as disputas individuais
mais eficientes – por exemplo, com a reali- entre trabalhadores, comumente marcadas
zação de treinamentos que tenham em vista pelas divergências a respeito dos diferentes
acelerar a absorção e difusão de novas tec- aspectos ligados ao local de trabalho, remu-
nologias. Isso cria um bom clima de trabalho, neração e carreira dos funcionários.
preservando-se o conhecimento e acúmu-
Conflitos no local de trabalho também po-
lo de capital humano no interior da compa-
dem ser administrados – ou mesmo evitados
nhia, aumenta a satisfação e percepção de
– se houver garantia de fluxo constante de
meritocracia e ascensão na carreira, e ten-
informações entre as partes. Conhecendo as
de a reduzir o absenteísmo e a rotatividade.
preferências dos trabalhadores, empresários
Do contrário, quando o mecanismo não fun-
podem alocar recursos de modo a dispor de
ciona a contento, predomina a saída de tra-
uma força de trabalho mais satisfeita, coo-
balhadores, levados por apatia, insatisfação,
perativa e produtiva. As relações de traba-
descompromisso e falta de canais de diálogo lho serão menos conflituosas se os objetivos
com gerentes e/ou empresários. Ocorre, en- das duas partes estiverem alinhados – para
tão, a demissão voluntária ou demissão “for- isso, deve ser definida no contrato de traba-
çada” pelo empregador, o que gera aumento lho alguma vinculação entre o que pretende
na rotatividade da força de trabalho e amplia o trabalhador e o que espera o empregador.
custos com recrutamento e novas contrata- E a produtividade será afetada diretamen-
ções, treinamento e adaptação de novos em- te por dispositivos desse tipo, por exemplo,
pregados à rotina produtiva. quando se atrela parte da remuneração a al-
gum indicador de desempenho.
De forma geral, o papel institucional dos
sindicatos, além de propiciar a vocalização da Em resumo, é necessário haver uma instância
insatisfação dos trabalhadores (incluindo re- de efetiva representação de trabalhadores para
clamações individuais), funciona também em a negociação ser produtiva. Mas o sistema bra-
prol das empresas, por conta da redução dos sileiro de relações de trabalho limita substanti-
custos de transação e dos custos de agência vamente o potencial das negociações coletivas,
próprios às relações de trabalho. tanto para as empresas quanto para os empre-
gados. O modelo aqui adotado não incentiva a
Os custos de transação incluem recursos criação de representação de trabalhadores no
e tempo gastos pelos agentes ao recorrerem local de trabalho nem prevê mecanismos efica-
às diferentes instâncias para mediação de zes para encaminhamento de reclamações in-
transações. Os custos de agência incluem os dividuais, salvo no caso de sindicatos que con-
recursos necessários para monitoramento seguem instalar comissões de fábrica. Ademais,
de resultados e garantia de incentivos para o canal para esse diálogo fluir bem depende da
que os trabalhadores entreguem os resulta- disposição das empresas e da melhoria das prá-
dos esperados. ticas de gestão de pessoas.

22
Mercado de Trabalho
processos trabalhistas foram abertos de
O sistema 2011 a 2015, o que representa uma ação ju-
dicial para cada doze trabalhadores formais
brasileiro de relações no Brasil. As pessoas recorrem à Justiça do
de trabalho limita Trabalho mesmo depois de assinar a resci-
são de seu contrato – documento que equi-
substantivamente vale apenas a um recibo de pagamento das
o potencial verbas rescisórias que a empresa conside-
ra corretas. Assinar esse papel não implica
das negociações concordar com os valores, podendo o demi-
coletivas, tanto para as tido pleitear judicialmente mais direitos. Isso
efetivamente acontece: o Conselho Nacional
empresas quanto para de Justiça informa que, em 2015, de todas as
reclamações recebidas, 44% se referiam à
os empregados. rescisão de contrato/verba rescisória.

A representação no Brasil é principalmente Essa é uma das principais causas do acú-


feita pelos sindicatos, e a representação local mulo de processos na Justiça do Trabalho,
é muito pouco utilizada. O problema é que os prejudicial para empregadores e emprega-
sindicatos brasileiros, mesmo tendo representa- dos. Segundo dados de 2015 da Coordena-
tividade formal, não têm representatividade efe- doria de Estatística e Pesquisa do Tribunal
tiva. O número de seus associados corresponde Superior do Trabalho, apenas na primeira
a 18,8% dos trabalhadores em sua base. Dados instância, um processo trabalhista demora
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios em média sete meses na fase de conheci-
(Pnad) de 2015, do Instituto Brasileiro de Geo- mento, além de 43 meses na execução (caso
grafia e Estatística (IBGE), informam que 26,4% ela seja necessária).
dos trabalhadores não associados não sabem
que sindicato os representa e 11,8% ignoram Estão em discussão pela sociedade me-
como se associar. Falta visibilidade da ação do canismos para limitação de comportamentos
sindicato. Entre os não filiados, há aqueles que oportunistas induzidos pelo funcionamento da
consideram baixa a eficiência dos sindicatos. Justiça do Trabalho. Do lado do empregado, há
Para 23,6% deles, não são oferecidos serviços incentivo à litigância, pois não há pagamento
de seu interesse, e 16,6% disseram não confiar de sucumbência da parte perdedora, e os cus-
no sindicato como seu representante. tos processuais e periciais são arcados pelo
Estado. Do ponto de vista do empresário, pode
Essa ineficiência, segundo vários estudio-
ser um atrativo esperar a tramitação na Justiça
sos, decorre das próprias bases legais dos
sindicatos. Por deterem o monopólio da re- e depois negociar o valor devido ao trabalha-
presentação e serem financiados por um im- dor. Estudo do Ipea,2 com dados do Conselho
posto cobrado de todos os trabalhadores e Superior de Justiça do Trabalho, mostra que
empresas, nem todas as entidades se sentem 45% dessas sentenças são homologações de
estimuladas a trabalhar por maior representa- conciliações, entre as quais se destacam as re-
tividade e atuação. ferentes ao recolhimento do Fundo de Garan-
tia do Tempo de Serviço (FGTS) (46,6%), pa-
Com a inaptidão dos canais de via ne- gamento da multa de 40% do FGTS (43,4%),
gociada para resolver conflitos, só resta re- concessão de férias (28,2%) e pagamento do
clamar na justiça – mais de 17 milhões de aviso-prévio indenizado (21,6%).

23
Por fim, há no Brasil mais um instrumento básico de consumo enquanto busca nova co-
de negociação capaz de afetar a qualidade da locação, preferencialmente adequada ao seu
relação de trabalho: a Participação nos Lucros perfil. Cabe lembrar que esses subsistemas e
ou nos Resultados (PLR). De definição bastan- seus mecanismos só se aplicam aos trabalha-
te ampla, este mecanismo pode ser estabele- dores com carteira assinada.
cido livremente entre as partes, com apenas
duas restrições: que seja negociado entre em- Todo trabalhador formal do setor priva-
presa, representantes dos trabalhadores e um do demitido sem justa causa pode receber o
representante sindical; e que seja determinada seguro-desemprego, desde que cumpridos
a frequência do pagamento, que tem de ser se- determinados requisitos (tempo de emprego
mestral ou anual. A PLR é isenta de encargos antes da demissão, vezes que recebeu o segu-
trabalhistas e previdenciários, por ser definida ro e outros). O objetivo é facilitar uma busca
em lei como parcela desvinculada da remune- cuidadosa de nova ocupação, mas há riscos de
ração, o que poderia significar forte incentivo à esse mecanismo favorecer um alongamento
sua utilização. de tempo desnecessário a essa procura. Tam-
bém pode estimular a interrupção da relação
Os dados disponibilizados pelo Ministério de trabalho, pois há direito de receber o bene-
do Trabalho não cobrem todos os acordos re- fício várias vezes ao longo da vida laboral.
ferentes a PLR – e é provável que as empresas
que melhor utilizam o instrumento não disponi- Os fundos de poupança individual, como o
bilizam o conteúdo completo das negociações FGTS, têm o objetivo de prover o consumo du-
para preservar o sigilo –, mas algumas carac- rante períodos de desemprego ou aumentar
terísticas dos acordos indicam que o instru- a renda no caso de aposentadoria ou pensão.
mento é subaproveitado. Primeiro, não raro o Também aqui há pontos considerados nega-
programa define apenas um pagamento fixo, tivos: o FGTS é uma poupança forçada, com
sem condicionalidades a resultados. Quando remuneração inferior à de outras aplicações
há condicionalidades, o critério mais frequente disponíveis no mercado. Acumulado em conta
é “absenteísmo/disciplina/horas trabalhadas”, individual de empregado, equivale a 8% do sa-
sem ligação com critérios de desempenho lário mensal, e em julho de 2017 sua remunera-
econômico-financeiro da empresa. Segundo, ção era de 3% ao ano mais a Taxa Referencial
estes acordos não costumam ser negociados (TR) do Banco Central.
separadamente de outros aspectos da relação
trabalhista, e tendem a ocorrer no meio do ano Para a multa por demissão, a base de cálculo
(geralmente em maio), quando o ideal seria ne- é o saldo acumulado na conta do FGTS do tra-
gociá-los logo no início ou no ano anterior. balhador durante o período de vigência de seu
contrato com a empresa, cabendo 40% ao de-
No que diz respeito ao sistema de proteção mitido e 10% ao governo federal. A indenização
ao trabalhador, vigoram no Brasil dois grandes a ser recebida por demissão sem justa causa
subsistemas: a proteção à estabilidade do vín- corresponde a cerca de um salário para cada
culo e a proteção da remuneração, inclusive dois anos e meio de emprego. Por um lado, a
após a perda do emprego. O primeiro, também multa visa reduzir a rotatividade do trabalho e
denominado sistema de proteção ao emprego, aumentar a duração do emprego, influindo po-
garante benefícios em caso de demissão – por sitivamente na produtividade. Por outro lado, a
exemplo, aviso-prévio, multa por demissão e multa pode tolher a capacidade de as empresas
regras para dispensa involuntária do trabalha- ajustarem livremente sua mão de obra, causan-
dor. O segundo inclui o seguro-desemprego do um enrijecimento prejudicial a ganhos de
e FGTS, com a finalidade de garantir um nível produtividade. A multa também concorre para
de renda para o demitido manter um padrão crescimento da informalidade.

24
Mercado de Trabalho
Como esses três mecanismos – seguro-de- As necessárias mudanças
semprego, FGTS e multa por demissão sem
justa causa – interferem na qualidade das re- Independentemente dos aprimoramentos in-
lações de trabalho, e, por consequência, na troduzidos pela reforma aprovada em julho
produtividade? de 2017 pelo Congresso Nacional, o debate
sobre o aprimoramento do arcabouço institu-
No Brasil, os três instrumentos operam si- cional que interfere nas relações de trabalho
multaneamente em caso de demissão. Dife- deve ser contínuo.
rentemente do que ocorre em outros países, a
maior parte do valor da multa paga pela em- A disponibilidade de informações aumenta
presa vai para o trabalhador. com o passar do tempo. Isso, aliado à tendên-
cia de melhora nas metodologias de análise,
Há pelo menos duas fontes potenciais de motiva a realização de avaliações de impacto
estímulo à rotatividade dos trabalhadores de- das propostas e eventuais correções de rumo.
correntes das regras do FGTS. A baixa remu- O funcionamento do mercado de trabalho está
neração relativa do fundo, o que estimula os longe de ser estático, sendo sempre sujeito a
trabalhadores, tanto os mais quanto os menos inovações tecnológicas, com potenciais efei-
impacientes por liquidez, a quererem assumir tos sobre as formas de organização laboral.
o controle sobre os recursos acumulados nas
suas contas para realocá-los a aplicações com As mudanças no mercado de trabalho ten-
juros maiores. Como pedidos de demissão dem a ser desfavoráveis aos trabalhadores
não permitem acessar os fundos, a saída para menos qualificados, dando origem ao fenôme-
o trabalhador é induzir sua demissão. Outro no da polarização. É preciso criar ou reformar
potencial estímulo a interromper a relação de instituições do mercado de trabalho para pro-
trabalho é a existência da multa por demissão, teger, treinar e realocar esses trabalhadores.
que tem como destinatário majoritário o traba-
lhador. Trabalhadores e empregadores podem Além de tratar da flexibilidade de horá-
acordar em simular ilegalmente a dispensa, rios, banco de horas, regulamentação do te-
ainda que a prevalência desses acordos seja letrabalho e por demanda ou intermitente, a
de difícil checagem. análise das alterações aprovadas em julho de
2017, sob o critério de seus potenciais efeitos
Há evidências condizentes com aumentos sobre a produtividade, permite classificá-las
de desligamentos no ponto em que os traba- em dois blocos: as relacionadas à negociação
lhadores se tornam elegíveis ao seguro-de- coletiva e as relacionadas ao sistema de pro-
semprego no Brasil. Estudos3 mostram que teção ao trabalhador.
quando o vínculo empregatício completava
seis meses – que era o período mínimo para
requerer o seguro-desemprego antes da mu-
Negociações coletivas
dança das regras em 2015 –, a taxa de saída As principais medidas relacionadas à organiza-
do emprego atingia um pico, aumentando em ção sindical são as seguintes:
50% relativamente ao quinto mês de emprego.
• ontribuição sindical, o desconto
C
Em resumo, no Brasil o desenho institucio- compulsório na remuneração dos
nal do seguro-desemprego, do saque do FGTS trabalhadores passa a depender de
e da multa por demissão deve ser aperfeiçoa- autorização prévia.
do, a fim de serem incentivadas relações de
trabalho mais duradouras e reduzidas a infor- •  epresentação obrigatória de empre-
R
malidade e a rotatividade. gados dentro das empresas, quando

25
houver mais de 200 trabalhadores no 895.759, respectivamente de 2016 e 2015.
vinculados, com organização e atua- Além disso, para reduzir a judicialização, está
ção independentes em relação a em- previsto que:
presas e sindicatos.
•  s custos de perícia nos processos re-
O
Quanto à contratação coletiva do trabalho, ferentes à insalubridade e à periculosi-
sindicatos e empresas ou sindicatos de empre- dade, caso a reclamação seja julgada
sas podem deliberar, mesmo que de modo di- improcedente, deverão ser pagos pela
ferente do estabelecido na legislação laboral, parte reclamante. Atualmente, quan-
sobre aspectos como: do o pedido é julgado improcedente,
quem arca com os custos é a União.
•  emuneração, mudando a frequência
R
dos pagamentos de participação em •  fixação de honorários do advoga-
A
lucros e resultados em até quatro ve- do que ganhar a causa, arcando com
zes ao ano; também sobre os meios de a despesa a parte sucumbente, que
cálculo da remuneração, não se utili- perde a ação. A parte perdedora terá
zando unidade de tempo, mas unidade de pagar entre 5% e 15% sobre o pro-
de produto ou serviço. veito econômico ou valor atualizado
da causa, visando maior responsa-
•  uração, alterando o cumprimento da
D bilidade no acionamento da Justiça.
jornada, desde que dentro dos limites Atualmente, não há custo algum para
constitucionais de 44 horas semanais a parte perdedora quando a ação é
e 220 horas mensais e intervalos in- julgada improcedente.
trajornada, como os dedicados à ali-
mentação; bancos de horas, com horas •  s trabalhadores que aderirem a um
O
excedentes à jornada sendo incorpo- plano de demissão voluntária (PDV)
radas com acréscimo de 50%; parce- não poderão recorrer judicialmente
lamento de férias, em até três períodos contra a empresa.
distintos; a possibilidade de considerar
ou não as horas in itinere (as necessá- As mudanças relacionadas à organização
rias à locomoção); registro de jornadas, sindical podem aprimorar sua representati-
que pode assumir formas variadas. vidade, em particular para trabalhadores não
filiados, resultando em melhor diálogo com as
• Adesão das empresas ao Programa Se- empresas. É possível melhorar a duração de
guro Emprego (criado em 2016, em subs- vínculos de trabalho, reduzir a informalidade e
tituição ao Programa de Proteção ao conflitualidade laboral e, como consequência,
Emprego, de um ano antes), com planos aumentar a produtividade. Porém, ainda é di-
de cargos e salários, representações dos fícil prever a configuração dos sindicatos com
trabalhadores dentro das empresas etc. a flexibilização da obrigatoriedade da contri-
buição sindical.
A convenção ou acordo trabalhista nego-
ciado entre as partes (empregador e traba- Desestimular a judicialização incentiva o
lhadores) terá força de lei. Essa medida visa fortalecimento dos mecanismos e canais de
aumentar a segurança jurídica e a previsibili- negociação. Com o aprimoramento dos con-
dade da relação entre trabalho e capital, mate- tratos coletivos, espera-se melhora nas condi-
rializando de maneira legislativa duas decisões ções de trabalho dentro das empresas, em as-
já proferidas pelo Supremo Tribunal Fede- pectos como admissão, utilização, mobilidade,
ral, os Recursos Extraordinários no 590.415 e remuneração e demissão.

26
Mercado de Trabalho
Também se prevê maior celeridade e co- • evisão das sanções da inspeção
R
nhecimento na solução de conflitos, graças à contra a informalidade, com atualiza-
representação interna dos trabalhadores. A ção monetária das multas impostas a
ressalva a se fazer é sobre a abrangência res- empresas pela Inspeção do Trabalho,
trita: apenas 0,6% das empresas tinham mais em caso de constatação de traba-
de 200 funcionários no Brasil, ainda que essas lhadores assalariados sem o devido
empresas empregassem 44,4% dos trabalha-
registro (R$ 3 mil por trabalhador, no
dores formais, conforme dados da Relação
caso de empresas médias e grandes;
Anual de Informações Sociais (Rais) de 2015.
R$ 800,00 por trabalhador, no caso
A prevalência da contratação coletiva so- de micro ou pequenas empresas), e
bre a regulação legislada pode resultar em aplicação da Taxa Referecial (TR) do
normas laborais mais ajustadas às especifi- Banco Central.
cidades de cada empresa, beneficiando a re-
lação de trabalho e o pareamento (combina- •  lterações nas regras de rescisão de
A
ção) entre empregados e postos de trabalho, contrato de trabalho. A possibilidade
diminuindo assim os custos. Também é con- de rescisão, por comum acordo, sem
siderada positiva, nesses contratos, a revisão multa de 40% sobre o saldo do FGTS,
da PLR, instrumento importante para avanço de maneira análoga a um distrato en-
da produtividade laboral. tre as partes. Nesse caso, o trabalha-
dor poderia movimentar livremente
É fundamental observar que todos os even-
até 80% do saldo remanescente do
tuais ganhos de produtividade mencionados
estarão sujeitos aos organismos negociadores. FGTS, conforme acordado.
Ou seja, dependendo da qualidade da repre-
Com aumento no índice de correção, a
sentação dos trabalhadores envolvida na ne-
gociação, poderá haver ganho ou perda com rentabilidade do FGTS ficará mais próxima à
a contratação coletiva. Uma maior dificuldade de outras aplicações financeiras e, com isso,
de demissão, ou a piora nas condições e na re- pode cair o incentivo a antecipar o saque
muneração do trabalho, comprometerá a sus- dos valores depositados. Assim, a tendên-
tentabilidade de quaisquer ganhos de produti- cia será de prolongamento nos vínculos de
vidade que possam ser alcançados. trabalho, com efeito positivo na produtivi-
dade. Além disso, a atualização das multas
Sistema de proteção cobradas por vínculos de trabalho sem re-
gistro pode diminuir a informalidade, e ini-
As iniciativas relacionadas ao sistema de pro- bir demissões simuladas para obtenção do
teção ao trabalhador incluem: seguro-desemprego.
•  odificação das regras de remunera-
M
Do lado das empresas, é possível prever
ção do FGTS, com o aprimoramento
queda no custo de terminação de contra-
dos parâmetros de correção do fundo
e permitindo a distribuição de até 50% tos, redução dos custos judiciais associa-
dos lucros do exercício em operações dos às demissões, ampliação das possibili-
financeiras diversas, melhorando a dades de admissão, e maior mobilidade de
remuneração dos valores acumulados trabalhadores não adaptados ou que não
nas contas individuais dos trabalha- desejam mais permanecer em determina-
dores (Lei no 13.446/2017). dos postos.

27
A polarização no mercado de trabalho brasileiro
Novas tecnologias produtivas e maior contingente de pessoas capacitadas aceleraram, nos últimos
anos, o avanço na oferta de postos de trabalho mais qualificados, ao mesmo tempo em que o custo
dessas vagas baixava para as firmas. Estudo do Ipea, fundamentado em dados da Pnad/IBGE, mos-
tra o avanço no emprego para quem tem mais escolaridade (248%) e recuo (até 47%) para quem tem
menos, a partir de 1995, enquanto a maior oferta de pessoal habilitado fez baixar a média de seu
salário real. Este novo arranjo exigirá iniciativas para adequar a qualificação da mão de obra.

Gráfico 1
Variação do emprego por anos de estudo (1995 e 2015)
300%
253% 246% 248%
250% 231%

200% 188%

150%

100% 88% 87%


66%
50%
9%
0%
-1%
-13%
-50%
-47% -49% -52% -49% -36%

-100%
Menos
de 1 ano

1 ano

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

6 anos

7 anos

8 anos

9 anos

10 anos

11 anos

12 anos

13 anos

14 anos

15 anos
ou mais
Gráfico 2
Salário médio real por anos de estudo (1995, 2005 e 2015)
(Em R$)¹
6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
0 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 a 14 anos 15 anos ou mais
1995 2005 2015

Fonte: MACHADO, A. Existe polarização no mercado de trabalho brasileiro? Radar: Produção, tecnologia e comércio exterior, n. 53, Ipea, 2017.
Nota: ¹ A preços constantes de 2015 (deflacionado pelo IPCA/IBGE). Foram excluídas as observações com remuneração reportada igual a zero.

28
Reforma da
Previdência

4
Aspectos de
uma Reforma
Obrigatória
Reforma da Previdência
1

S
ão 85,5 milhões os brasileiros direta- infantil, além de ter aumentado a expectativa
mente vinculados à Previdência Social de vida para todas as idades. Nos anos 1960,
– ou seja, 41,8% da população total a média de nascimentos por mulher era de
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra até seis filhos; agora, está em menos de dois.
de Domicílios (Pnad) de 2015. Esse universo Para 2030, prevê o IBGE, a taxa cairá a 1,5
explica o grande interesse da Proposta de filho/mulher.
Emenda Constitucional (PEC) no 287/2016
para reforma da Previdência enviada pelo O brasileiro vive mais agora: em 1940, a
Executivo ao Legislativo. Essa reforma pre- expectativa de vida ao nascer era de 45,5
tende corrigir distorções para melhorar a pro- anos; em 2015, subiu a 75,5 anos e pode
gressividade do sistema, além de garantir a chegar a 80 anos em 2040. Importante, do
sustentabilidade fiscal e liberar espaço fiscal ponto de vista previdenciário, é analisar a
para outros gastos sociais e investimentos. expectativa de sobrevida que uma pessoa
tem aos 65 anos, idade recomendada para
Nessa discussão, ponto importante a ser aposentadoria: entre 1940 e 2015, passou de
considerado é o rápido e intenso processo 10,6 para 18,4 anos.
de envelhecimento da população vivido pelo
Brasil e que tende a piorar a relação entre Com taxas de fecundidade e mortalida-
contribuintes e beneficiários – o que afeta de mais baixas, o risco consiste na equa-
a sustentabilidade do regime de repartição, ção receita-despesa entrar em colapso se
característica do sistema previdenciário for mantido o sistema atual, pois é típico
nacional. Isso também deve aumentar as do regime de repartição que a contribui-
despesas da seguridade social, que incluem ção dos trabalhadores na ativa financie o
saúde e assistência, além de aposentadorias pagamento dos benefícios a inativos (apo-
e pensões. sentadorias, pensões e auxílios-doença e
maternidade, por exemplo). A relação entre
Em sua última projeção demográfica, fei- contribuintes e beneficiários de aposenta-
ta em 2013, o Instituto Brasileiro de Geogra- doria/pensão, estimada atualmente em 2,
fia e Estatística (IBGE) indica que o número cairá para um patamar estimado entre 0,6
de idosos brasileiros (pessoas com 60 anos e 0,9 em 2060. Em outros termos, haverá
ou mais) aumentará à média anual de 1,1 mi- mais beneficiários que contribuintes, e isso
lhão entre 2017 e 2060 – ano em que soma- pode romper o equilíbrio intergeracional
rão 73,6 milhões. Atualmente 14% da popula- que sustenta a Previdência. Nesse cenário,
ção é idosa, mas estima-se que o número irá a alíquota de contribuição previdenciária
a quase 34% em 2060. Ou seja, um idoso a de equilíbrio – supondo, por simplificação,
cada três brasileiros. a manutenção da relação entre o valor mé-
dio do benefício e o salário de contribuição
Há hoje mais idosos no Brasil em conse- médio – teria de subir para 50,8% em 2040
quência da combinação de três fatores: caiu e para 77,5% em 2060 segundo estudos do
a taxa de fecundidade e baixou a mortalidade Ipea de 2017. 2

30
Reforma da Previdência
O sistema e seu funcionamento gerações futuras. Sem reforma, as aposentado-
rias e pensões por morte do RGPS e RPPS po-
No Brasil, vigoram o Regime Geral de Previdên- derão somar despesas no patamar de 20% do
cia Social (RGPS), o maior do país, que atende produto interno bruto (PIB) na década de 2060.
a trabalhadores do setor privado e servidores
de municípios que não possuem regime pró- Se isso acontecer, será praticamente o
prio; os Regimes Próprios de Previdência dos dobro do que ocorre hoje. Em 2016, os gastos
Servidores Públicos (RPPS), para funcionários totais com RGPS, RPPS da União e BPC/Loas
da União, dos estados, do Distrito Federal e dos significaram 10,6% do PIB e mais da metade
municípios com regimes próprios; e o Benefício (53,7%) da despesa primária da União. Se
de Prestação Continuada da Lei Orgânica da forem considerados os regimes próprios de
Assistência Social (BPC/Loas), para idosos e estados e municípios, o total com previdên-
deficientes que não podem se manter e nem cia chega a 13% do PIB. Só o gasto do RGPS
podem ser mantidos por suas famílias. Todos
cresceu de 2,6% do PIB, em 1988, para 8,1%
os sistemas devem passar por revisão e refor-
do PIB, em 2016. Esse aumento decorreu, em
ma – tanto dos trabalhadores do setor privado
parte, da valorização do salário mínimo, ba-
quanto do funcionalismo e dos militares.
lizador de diversos benefícios. Também teve
Mesmo que haja sempre um grau de in- influência no aumento a expansão de cober-
certeza em projeções para prazo longo, não tura verificada no período: o estoque de be-
se deve subestimar a tendência de expansão nefícios pagos pelo RGPS aumentou em um
de despesas em nível insustentável para as ritmo de 4% ao ano, entre 1980 e 2016.

Gráfico 1
Gasto previdenciário em percentual do PIB e participação das pessoas com 60 anos ou mais na popula-
ção total em percentual em 86 países (2005-2013)
20,00

18,00
Despesa com Previdência Social em % do PIB

16,00

14,00

12,00
Brasil
10,00

8,00

6,00

4,00

2,00

0,00
0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0 35,0
Participação das pessoas de 60 anos ou mais na população total em %

Fonte: COSTANZI, R. N. Estrutura demográfica e despesa com Previdência: comparação do Brasil com o cenário internacional. Boletim de Informações da
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, São Paulo, p. 11-16, abr. 2016.

31
A aplicação compulsória do fator previdenciá-
O que chama a rio (FP) visou frear isso ao reduzir ou aumen-
tar o valor do benefício conforme o segurado
atenção é o nível de postergasse ou não sua aposentadoria. A ideia
pobreza muito maior era equilibrar o fluxo esperado de benefícios
com o das contribuições, baseado em quatro
entre crianças e elementos: alíquota de contribuição, tempo de
contribuição, idade do trabalhador no momento
adolescentes que entre do requerimento do benefício e expectativa de
idosos, a quem são sobrevida nessa mesma idade.

pagos benefícios Mas, em 2015, mudanças sem qualquer ló-


gica atuarial elevaram o valor de forma des-
previdenciários. proporcional à postergação exigida para a
aposentadoria: trata-se da regra 85/95, pro-
A despesa previdenciária já se encontra em gressiva até 90/100 em 2026, ainda em vigor,
níveis bem mais elevados do que faria esperar que estipula um sistema de pontos (mediante
sua estrutura demográfica, e isso reduz o es- a somatória da idade com o tempo de contri-
paço fiscal para outros gastos sociais, além buição) para que a pessoa possa se aposentar
de limitar o investimento público. Estudos re- recebendo o valor integral do salário de bene-
centes do Ipea3 mostram que o Brasil gasta fício, sem o desconto normalmente produzido
como países muito mais envelhecidos, e, em pela aplicação do FP.
proporção do PIB, a despesa da Previdência
Social se equipara à de países que têm, pelo Mesmo após essas modificações, a aposen-
menos, o dobro de idosos na população total. tadoria por tempo de contribuição continua a
demandar 30 ou 35 anos de contribuição para
Não se pode esquecer, obviamente, o efei- mulheres e homens respectivamente, parâ-
to positivo da Previdência na proteção social metros existentes desde a promulgação da
e no combate à pobreza, em especial entre a Lei Orgânica de Previdência Social (Lops), de
população idosa. Mas o que chama a atenção 1960. A idade mínima inexiste desde sua revo-
é o nível de pobreza muito maior entre crian- gação, em 1962. Parece inacreditável que, de-
ças e adolescentes que entre idosos, a quem pois de tantas transformações demográficas,
são pagos benefícios previdenciários. Por isso,
ainda se usem parâmetros de quase sessenta
é preciso avaliar seus efeitos sobre produtivi-
anos atrás.
dade, crescimento econômico e dívida pública
para as gerações futuras. E não se pode esque-
Defeitos graves existem também no re-
cer que parcela relevante dos gastos subsidia
gime dos servidores públicos – entre eles, o
pessoas com capacidade laboral e contributiva
profundo desequilíbrio financeiro e atuarial,
e que estão entre os mais ricos do país.
a relevante proporção de aposentadorias es-
Esse efeito perverso vem, no caso do RGPS, peciais, o impacto regressivo dos benefícios
da aposentadoria por tempo de contribuição com valores elevados, mesmo depois das re-
(ATC), que, desde os anos 1960, concede be- formas realizadas em 1998 e 2003. Como re-
nefícios permanentes a homens com 35 anos sultado, o Brasil tem gasto em torno de 4%
e mulheres com 30 anos de contribuição sem do PIB com a previdência dos servidores pú-
exigir idade mínima. Isso resulta em aposenta- blicos, taxa maior que a média dos países da
dorias muito precoces, dadas a pessoas que Organização para a Cooperação e Desenvol-
podem trabalhar e continuam no mercado. vimento Econômico (OCDE).

32
Reforma da Previdência
Pelo envelhecimento produtivo
O desafio imposto pela dinâmica demográfica recente é criar condições para os idosos trabalharem por mais
tempo que agora: por enquanto, saúde melhor e longevidade não podem ser traduzidos em prolongamento
da atividade econômica, pois é crescente o grupo dos “nem-nem” – homens de 50 a 64 anos que “nem
trabalham, nem são aposentados” –, que passou de 191,1 mil (1984) para 1,222 milhão (2015). E esses
homens serão os imediatamente afetados pela reforma da Previdência proposta pelo governo, que institui
idade limite para obtenção de aposentadoria e quer acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição.
O fato é que idosos enfrentam uma série de barreiras, entre as quais o preconceito e a discriminação de
empregadores, além da crescente demanda por aumento de produtividade.
Outro problema enfrentado pelos idosos no mercado de trabalho é a baixa escolaridade, que caracteriza
parcelas dessa população. Esse problema, no entanto, pode diminuir no futuro, pois se prevê aumento na
escolarização dos mais velhos, principalmente entre as mulheres.
O fato é que o Brasil poderá tirar proveito de aumento da mão de obra mais velha se forem melhoradas
as suas condições de saúde e de autonomia. Para isso, governos, empresas e instituições devem pensar em
ações conjuntas para realizar as mudanças necessárias. Basicamente, será preciso transformar ambientes de
trabalho, desenvolver programas de capacitação continuada, de saúde ocupacional e de mobilidade urbana,
adaptar muitos dos atuais processos laborais, não projetados para esse novo perfil de trabalhador, e investir
ainda na segurança do trabalho. Em outras palavras, há que se considerar o idoso na perspectiva de sua fun-
cionalidade. Muitos dos idosos pouco produtivos de hoje estão nessa condição por terem sido obrigados a
trabalhar sob condições desfavoráveis, que os limitaram física e psicologicamente.

Fonte: CAMARANO, A. A.; FERNANDES, D. Condições de empregabilidade do trabalhador mais velho. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R.
(Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018, podendo conter tabelas, gráficos e passagens literais deste texto.

Persiste um desequilíbrio financeiro e atua- por tempo de contribuição e o estabele-


rial que demanda ajuste bastante rigoroso no cimento de idade mínima de 65 anos para
RPPS. Os números são alarmantes: o deficit homens e mulheres, tanto para trabalhado-
atuarial consolidado de todos os regimes pró- res urbanos quanto rurais. A ideia é gerar
prios da União, dos estados, do Distrito Fede- maior convergência, ou harmonização, das
ral e dos municípios, exceto militares, chegou regras, respeitando-se os direitos adqui-
a 106,7% do PIB em 2016 de acordo com dados ridos e com regras de transição. Também
do Ministério da Fazenda. A integralidade e pa- se propôs o fim da aposentadoria especial
ridade, regras inadequadas do ponto de vista para professores.
financeiro e atuarial, foram revistas em 2003,
mas permanecem em vigor, como uma expec- Entre as propostas, destacam-se, ainda,
tativa de direito para grande número de servi- a alteração no cálculo do valor das pensões
dores públicos. por morte, a proibição de acúmulo de pen-
são e aposentadoria, a instituição obrigató-
Os ajustes fundamentais ria da previdência complementar nos RPPS
e a reformulação nas regras do BPC. Tam-
A PEC no 287/2016 objetiva alterar regras bém foi proposto o fim do piso do salário
de acesso e de cálculo dos benefícios, su- mínimo para pensões por morte, que será
gerindo o fim gradual da aposentadoria mantido para as aposentadorias.

33
Tabela 1
As propostas da reforma da Previdência:PEC no 287/2016 (proposta original)
RPPS
Item Regra atual Regra proposta
Idade mínima nos RPPS e apo- Homens: 60 anos de idade e 35 anos de contribuição.
Homens e mulheres: 65 anos de idade e 25 anos
sentadoria voluntária – regra Mulheres: 55 anos de idade e 30 anos de contri- de contribuição.
permanente buição.
Regra de cálculo – permanente Média dos salários de contribuição. 51% da média + 1% por ano de contribuição.
Exclui atividades de risco.
Limita a redução da idade decorrente da aposen-
Portadores de deficiência, atividades de risco e
tadoria especial a, no máximo, 10 anos em rela-
Aposentadoria especial atividades que prejudiquem a saúde ou a integri-
ção à regra geral (65 anos) e a redução no tempo
dade física.
de contribuição em 5 anos.
Fim da aposentadoria especial dos professores.
Valor do benefício passaria a ser 50% + 10% por
dependente;
Valor do benefício é de 100% até o teto do RGPS
Fim da reversão de cotas.
Pensão por morte mais um adicional de 70% da parcela que excede
o teto; reversão de cotas. Fim da possibilidade de acumulação de pensão
por morte com aposentadoria dentro do RPPS e
entre regimes.
RGPS
Item Regra atual Regra proposta
Homens: 35 anos de contribuição. Fim da aposentadoria por tempo de contribuição
Aposentadoria por tempo
Mulheres: 30 anos de contribuição. sem idade mínima. Regra unificada de 65 anos de
de contribuição
Sem idade mínima. idade e 25 anos de contribuição.
Trabalhadores urbanos: 65/60 anos de idade e
quinze anos de contribuição. Regra unificada de 65 anos de idade e 25 anos de
Aposentadoria por idade
contribuição.
Trabalhadores rurais: 60/55 anos de idade.
Renúncia de contribuição previdenciária sobre Fim da renúncia previdenciária sobre exportações
Renúncias do RGPS
exportações rurais. rurais.
A contribuição do chamado segurado especial
Contribuição do grupo na atividade de agricultura
da agricultura familiar deverá ser individualizada,
Previdência rural familiar, os chamados segurados especiais, se dá
com alíquota favorecida sobre o piso previdenciá-
sobre a comercialização da produção.
rio do RGPS, nos termos e prazos definidos em lei.
Média dos 80% maiores salários de contribuição
com incidência do fator, exceto no caso da regra Regra de 51% + 1% por ano de contribuição.
Regra de cálculo das aposen-
85/95 progressiva, no caso da aposentadoria por Manutenção do salário mínimo como piso
tadorias
tempo de contribuição e de 70% +1% no caso da previdenciário.
aposentadoria por idade.
50% + 10% por dependente e fim da reversão de cotas.
Pensão por morte 100% da aposentadoria e reversão de cotas. Fim da possibilidade de acumulação de pensão
por morte com aposentadoria dentro do RPPS e
entre regimes.
Limita a redução da idade decorrente da aposenta-
doria especial a, no máximo, 10 anos em relação à
Aposentadoria com 15, 20 ou 25 anos de contribui- regra geral (65 anos) e a redução no tempo de con-
Aposentadorias especiais ção e com redução de idade e tempo de contribuição tribuição em 5 anos.
para pessoas com deficiência. Fim da aposentadoria especial dos professores.
Vedação de aposentadoria por categoria profis-
sional ou ocupação.
Fonte: COSTANZI, R. N. et al. Reforma da Previdência Social. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília:
Ipea, 2018.

34
Reforma da Previdência
De acordo com estimativas do governo recebeu essas aposentadorias em 2016 foi de
federal, a aprovação da PEC no 287/2016 nos 54,9 anos – um pouco mais no caso dos ho-
termos propostos estabilizaria a participação mens (55,8 anos) e um pouco menos no caso
do RGPS no PIB em torno de 8,9%, em 2060, das mulheres (53,2 anos). Com isso, reduz-se a
bem próxima dos atuais 8,1%, mas bem abai- taxa de participação no mercado de trabalho
xo da projeção de 16,7% no cenário sem refor- de pessoas na faixa dos 50 anos, com perda
ma. A despesa com o BPC/Loas, que está em em termos de PIB. E, em vez de o benefício ser
0,7%, passaria a 1,3% do PIB, em 2060, sendo mecanismo de substituição de renda, como
que no cenário sem reforma subiria para 2,1%. esperado, passa a complementar a renda de
pessoas que já têm bom nível de rendimentos
Em resumo, o objetivo da reforma é ajustar do trabalho, dentro dos padrões brasileiros.
a Previdência Social para evitar a explosão
das despesas, de modo a garantir a susten- Como os trabalhadores de baixa renda pas-
tabilidade fiscal no médio e longo prazo. No sam mais tempo na informalidade e também são
entanto, houve alterações fruto dos debates contribuintes mais modestos, eles não têm aces-
já realizados na Comissão Especial na Câma- so a antecipações desse benefício e tendem a
ra dos Deputados. Algumas dessas propostas requerer a aposentadoria por idade (com quinze
não necessariamente melhoraram a eficiência anos mínimos de contribuição) ou passam a re-
fiscal e/ou social da reforma, decorrendo da ceber o BPC/Loas, aos 65 anos de idade.
pressão política de grupos politicamente mais
organizados. O relatório da comissão preser- Na prática, isso significa que, hoje, só se exi-
vou princípios fundamentais, como a idade ge idade mínima para trabalhadores de menor
mínima, mas resta ainda saber se as mudan- rendimento e trajetórias laborais mais instáveis.
ças serão implementadas na velocidade e in- No setor privado, o limite não existe para quem
tensidade exigidas, em decorrência de várias ganha mais e tem melhor qualificação e trajetó-
modificações em parâmetros importantes. ria laboral. Estimativas do Ipea4 mostram que os
aposentados precoces no Brasil estão entre os
Em função da incerteza sobre o resultado mais ricos – são 60% entre os 30% mais ricos
final desse debate, cabe sustentar os princí- e 82% entre os 50% mais ricos da população.
pios norteadores dessa necessária reforma: Isso gera distorções, com menor taxa de parti-
cipação na força de trabalho em relação às pes-
•  liminar a aposentadoria somente por
E soas em idade de trabalhar; perda de produção;
tempo de contribuição, estabelecen- e ampliação das desigualdades.
do a exigência de idade mínima de 65
anos, mesmo que de forma gradual
por meio de idades mínimas progressi- A aposentadoria por
vas que estejam acima da média atual tempo de contribuição
das ATCs.
passa a complementar
A regra atual de aposentadoria por tempo
de contribuição permite concessão de apo- a renda de pessoas que
sentadorias precoces que acabam por distor- já têm bom nível de
cer o papel da Previdência Social, que é garan-
tir renda para quem perdeu capacidade laboral rendimentos
em função de idade, doença, acidente de tra-
balho ou outra causa. A idade média de quem
do trabalho.

35
existe também nos RPPS, pois a regra atual
Os trabalhadores estabelece idade mínima de 60 anos para ho-
mens e 55 anos para mulheres. No RGPS, os
de baixa renda limites são maiores, 65 e 60 anos para os tra-
tendem a requerer balhadores urbanos, mas 60 e 55 anos para
os rurais. É uma tendência internacional eli-
a aposentadoria minar as diferenças nas idades de aposenta-
por idade ou BPC. doria entre homens e mulheres. Análise para
174 países mostrou que 2 em cada 3 países
não tinham diferença e 9 em cada 10 países
•  irecionar os custos do ajuste da re-
D exigiam o mesmo tempo de contribuição
forma de forma mais significativa para para ambos os sexos. Na União Europeia ape-
os grupos de maior rendimento, visan- nas dois países não eliminaram ou não estão
do corrigir aspectos regressivos do sis- programados para eliminar a diferença na
tema e garantir sua sustentabilidade. idade de aposentadoria, mas irão reduzi-la. A
dupla jornada das mulheres e a desigualdade
Para isso, será importante garantir gra- de gênero são problemas a serem enfrenta-
dualmente o mesmo teto do RGPS para os dos, mas política compensatória na idade de
RPPS, eliminando os valores de benefícios aposentadoria não é uma solução eficiente e
muito elevados dos servidores públicos, para nem mesmo eficaz. Em determinadas situa-
obter impactos positivos do ponto de vista ções, pode até mesmo aprofundar desigual-
fiscal e atuarial. Isso se fará pela instituição dades: por exemplo, no caso de se manter a
obrigatória da previdência complementar idade de 55 anos para mulheres do RPPS que
em todos os RPPS. Embora o governo fede- estão entre as mais ricas do país e represen-
ral e alguns estados já tenham adotado esse tam dois em cada três estatutários ativos, en-
sistema, ele não foi implementado na maior quanto homens mais pobres continuam a se
parte dos 2,1 mil RPPS ou regimes de servi- aposentar aos 65 anos no setor privado urba-
dores, por ter caráter facultativo. Outro pon- no, em geral, com salário mínimo. Além disso,
to a avaliar é o próprio teto do regime geral. nos RPPS, a duração esperada do benefício
Do ponto de vista fiscal e distributivo, o limite (ou a expectativa de sobrevida nas idades de
atual (R$ 5.531,31) está em patamar elevado aposentadoria), de 28 anos para mulheres e
para os padrões de remuneração prevalecen- de 20,2 anos para os homens, demonstra a
tes no Brasil. grande vantagem, do ponto de vista atuarial,
para o sexo feminino.
• eavaliar os inúmeros tratamentos
R
diferenciados existentes, tanto para •  eavaliar sistemas não e semi contri-
R
contribuições como para acesso a butivos como BPC/Loas, previdência
benefícios, com base em uma revisão rural e os tratamentos favorecidos
custo-benefício. para trabalhadores por conta própria,
como o plano simplificado (Simples) e
Entre os itens a serem reexaminados es- o Microempreendedor Individual (MEI).
tão a distinção feita pelo regime geral entre
os benefícios ao trabalho urbano e ao rural, Em que pese o papel da previdência rural
as regras especiais para professores e o fa- na distribuição regional de renda, ela deve
vorecimento a mulheres em relação aos ho- ser reavaliada por vários motivos, entre os
mens. O tratamento especial para mulheres quais o fato de desestimular a contribuição

36
Reforma da Previdência
de pessoas com capacidade contributiva. Na aposentadoria por tempo de contri-
Isso eleva o deficit do sistema e impõe trata- buição, a regra 85/95 progressiva foi ex-
mentos muito diferentes entre pessoas po- tremamente danosa para o equilíbrio do
bres no setor urbano e rural, cuja expectati- sistema e levou à situação absurda de pos-
va de vida mostra indícios de convergência. sibilidade de altas taxas de reposição para
Em relação ao plano simplificado e ao MEI – pessoas na faixa dos 50 anos. Seus efeitos
planos que apresentam fortes desequilíbrios são negativos na distribuição de renda, por
do ponto de vista atuarial, apesar de serem beneficiar justamente quem recebe os valo-
iniciativas que podem estimular a formaliza- res mais altos pagos pelo RGPS. No RPPS,
ção e simplificar a vida tributária, sua revisão deve cair a regra da integralidade e parida-
é recomendada para corrigir problemas de de, processo iniciado em 2003.
focalização e minimizar futuros efeitos de-
letérios sobre a sustentabilidade do sistema. As taxas de reposição devem ser estabe-
lecidas de forma a garantir a sustentabilidade
•  ealizar ajustes adicionais nas regras
R e ter eficácia no combate à pobreza. Poderão
de pensão por morte. ser mantidas mais elevadas para os que têm
menor rendimento e mais baixas para os que
Apesar dos avanços trazidos pela Lei no
contam com renda maior. O piso do salário
13.135/2015, as regras e o nível de despesa
que predominam no Brasil são um ponto fora mínimo certamente garante reposição mais
da curva na experiência internacional. Tendo alta para os trabalhadores que estão na base
em vista a criação de um benefício de quatro da pirâmide, e isso deve ser considerado nos
meses para aqueles que não cumprirem a ca- debates sobre a desvinculação do benefício
rência e o tempo mínimo de casamento, a ri- ao mínimo. Do ponto de vista distributivo, é
gor, o Brasil ainda não possui carência, o que importante priorizar o ajuste no topo, e não
é inadequado para o bom senso previden- na base de remuneração. O ajuste do teto é
ciário. Além disso, de forma pouco comum, preferível à desvinculação do salário mínimo,
o país ainda mantém a pensão como sendo por exemplo.
100% da aposentadoria, de forma incondi-
cional e independente do número de depen-
dentes da família. Também está mantida a Do ponto de vista
chamada reversão de cotas dos dependentes
que perdem a condição, como, por exemplo, distributivo, é importante
filhos que completam 21 anos de idade, para priorizar o ajuste no
os dependentes remanescentes. Também
parece razoável garantir algum teto de acu- topo, e não na base de
mulação de pensão por morte com aposen-
tadorias tendo em vista que 73,2% daqueles
remuneração.
que acumulam esses benefícios estavam en-
tre os 30% mais ricos da população. •  onderar as possibilidades de ajuste
P
sempre dentro da lógica mais ampla
•  lterar as regras de cálculo dos be-
A dos custos de oportunidade de utiliza-
nefícios no RGPS e no RPPS, pois as ção alternativa de recursos e da aloca-
taxas de reposição (percentual da ção ótima do gasto público, com espe-
renda mantida na aposentadoria) são cial atenção ao fato de que crianças,
muito elevadas e incompatíveis com a adolescentes e jovens vivem em níveis
sustentabilidade.

37
de pobreza bem maiores do que a po- Esses mecanismos em discussão no Brasil
pulação idosa. já foram implantados em diversos países para
estabelecer uma relação automática entre ida-
É preciso ficar claro que a despesa atual já de de aposentadoria e mudanças na expecta-
reduz a capacidade de investimento público, tiva de sobrevida. Ou seja, busca-se adequar o
tanto em infraestrutura como em importan- fluxo esperado de pagamentos a alterações na
tes setores sociais, os quais teriam efeitos duração dos benefícios.
favoráveis na produtividade e no crescimen-
to econômico. Os efeitos macroeconômicos
esperados com a reforma permitirão elevar a
Urgência da reforma
poupança e reduzir a taxa de juros, com im- A reforma da Previdência deve preservar seu
pactos positivos na dívida pública. papel de combate à pobreza e garantir a sus-
tentabilidade fiscal no médio e longo prazo,
•  justar o sistema também, dentro do
A fundamental para provocar efeitos macroe-
possível, pelo lado da receita previden- conômicos positivos em termos de poupan-
ciária. Os acertos na despesa são ab- ça, taxa de juros, investimento e crescimento.
solutamente imperativos, mas há ne- Deve assegurar também consumo e poupança
cessidade de uma reavaliação rigorosa para as pessoas impossibilitadas de trabalhar
das renúncias previdenciárias. por idade avançada e outras causas; nesse
sentido, a reforma não pode negligenciar o en-
É importante aprofundar o debate sobre velhecimento populacional acelerado no país.
o argumento que sugere existir superávit na
A não realização ou a postergação da refor-
seguridade social. Esta ideia não considera, ma apenas tornará mais grave a atual situação
por exemplo, os regimes de previdência dos fiscal do Brasil, aprofundando desequilíbrios
servidores da União. Embora outras receitas e exigindo aumento expressivo de uma carga
da seguridade, que não diretamente vincu- tributária já elevada e regressiva, sob risco de
ladas à previdência, possam ser utilizadas descontrole da dívida pública e dos gastos com
para pagar benefícios, isso diminui os recur- juros. É importante notar que os direitos dos
sos para saúde e assistência social e torna o inativos são os deveres das futuras gerações
financiamento mais regressivo. A questão do de ativos; por essa razão, o discurso genérico
deficit da previdência/superavit da segurida- de corte de direitos é inadequado.
de social disputa espaço com assuntos mais
importantes, como as distorções e o cresci- As propostas em debate são bastante am-
plas e destacam várias distorções do regime
mento insustentável das despesas, as me-
previdenciário brasileiro, mas há incerteza
lhores formas de financiamento e o custo de
sobre seu resultado final. As dificuldades po-
oportunidade do uso dos recursos. De qual-
líticas de aprovação de uma reforma adequa-
quer forma, é adequada a avaliação rigorosa da, que não vislumbre apenas o curto prazo
das renúncias previdenciárias. eleitoral, mas o futuro do Brasil, precisam ser
superadas para garantir o desenvolvimento,
•  dotar mecanismos de ajuste automá-
A
evitar sérios problemas fiscais, custos exces-
tico do benefício à demografia, pois o sivos para as gerações futuras, alocação ina-
aumento da expectativa de vida tem dequada e ineficiente de recursos e elevar a
sido subestimado, gerando problemas progressividade do sistema, sob o risco de o
de financiamento. Brasil caminhar para se tornar um país enve-
lhecido e pobre.

38
Reforma
Tributária

5
Racionalizar o
Sistema Tributário
Reforma Tributária
1

U
ma estrutura desconexa e caótica: É possível identificar duas forças nas principais
assim é o sistema tributário brasileiro – reformas em curso. Uma de suas vertentes re-
conjunto de regras legais que disci- comenda baixar impostos sobre a folha salarial
plina o exercício do poder impositivo pelos e o lucro empresarial. Outra propõe aumentar
diversos órgãos públicos, na forma de tributos os impostos sobre bens e serviços e a tributa-
cobrados no país. Essa definição já indica o ção direta sobre a pessoa física, além de im-
peso importante do sistema na economia, pois postos ambientais.
ele afeta de múltiplas e complexas maneiras o
padrão de crescimento econômico e a compe- Independentemente dessas grandes di-
titividade nacional, assim como a distribuição retrizes, há também um movimento para
social e regional da renda. uniformizar as práticas tributárias, notada-
mente entre os países da Organização para
Não bastasse essa estrutura incongruen- Cooperação e Desenvolvimento Econômico
te, no Brasil, a carga tributária bruta é das (OCDE), com a criação de um imposto so-
mais altas entre os países de renda mé- bre valor agregado (IVA) simplificado, com
dia. Quando foi promulgada a Constituição base ampla e pleno aproveitamento de cré-
Federal, em 1988, ela equivalia a 23,4% do ditos, eficiente e de alto poder arrecadató-
produto interno bruto (PIB). Em 2005, tinha rio, para facilitar a coordenação tributária.
saltado para 33,6% e se mantém nesse pata- Outra tendência é o modelo dual de tributa-
mar desde então. ção da renda, que pretende integrar a tributa-
ção da renda da pessoa jurídica (PJ) e da pes-
Além disso, o sistema perdeu eficiência e
equidade ao longo dos anos, atingido pelo soa física (PF) e tratar com isonomia as várias
pragmatismo arrecadatório deflagrado em fontes de renda, preservando a progressivida-
diversas tentativas de ajuste fiscal de curto de na tributação dos rendimentos do trabalho
prazo, em que a qualidade tributária foi rele- e do retorno excedente da poupança.
gada a segundo plano. A carga parou de su-
Convém ao Brasil aprender com a expe-
bir, mas persiste a proliferação de benefícios
tributários e regimes especiais mal calibra- riência internacional recente e examinar todas
dos. Para piorar, a agenda da reforma patina as alternativas.
e os avanços são insignificantes.
Uma pesquisa da OCDE2 classificou di-
São dois os caminhos para implemen- versas estruturas tributárias a partir de sua
tar uma reforma – o radical, de efetivação eficiência econômica: no topo desse ranking,
mais difícil, e o fatiado, mais pragmático e ficaram os impostos sobre a propriedade, e
de mudança gradual. Parece ser esta a op- mais precisamente sobre a propriedade imo-
ção mais viável: determina-se o desenho de biliária residencial, pois são os que menos
sistema a ser atingido, e a implantação fra- distorcem decisões de produção e de inves-
cionada vai fazendo as correções de rumo timento das empresas. Na ordem de menor
que forem necessárias. para maior impacto negativo, seguem-se os
impostos sobre o consumo e impostos sobre
Uma onda de reformas tributárias corre o a propriedade, e os impostos sobre a renda de
mundo, focada na recuperação do crescimento. PF e PJ.

40
O ponto de partida para o desenho de um ção sobre renda e patrimônio das pessoas físicas.
sistema tributário são seus objetivos básicos: Em países desenvolvidos, com carga igual ou até
i) eficiência econômica, minimizando distor- superior à do Brasil, vale o inverso.
ções alocativas e mantendo o sistema o mais
simples e transparente possível; ii) equidade, No regime militar, vigorou um sistema fe-
buscando a progressividade para onerar pro- derativo centralizador; depois, passou-se a
porcionalmente quem pode contribuir mais; e um processo de descentralização de com-
iii) atenção à necessidade de arrecadação. petências, pelo qual cresceram as dotações
para governos subnacionais, via transferên-
Trata-se então de perseguir um equilíbrio cias da União, e estados e municípios fo-
entre eficiência e equidade, objetivos que pre- ram encarregados de arrecadar alguns dos
cisam ser conciliados por meio de uma aborda- principais tributos, como o Imposto sobre

Reforma Tributária
gem sistêmica, baseada na chamada teoria da Circulação de Mercadorias e Serviços
tributação ótima e que busca conectar as várias (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS).
partes da estrutura de maneira consistente. O Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF)
foi reestruturado, perdendo progressividade
A perda de consistência e potencial arrecadatório. Tiveram aumen-
to alguns componentes da carga tributária
Aqui, não se pretende dar respostas acabadas, (como folha salarial, produção e lucro das
mas apontar possíveis caminhos para a resolução empresas). Ao longo do tempo, na maior par-
das principais questões tributárias enfrentadas te dos casos houve pressão para aprovar as
no Brasil – em resumo, estrutura ineficiente e re- novidades tributárias rapidamente, de acor-
gressiva, peso maior da carga tributária bruta na do com uma visão de curto prazo que adia as
produção de bens e serviços, na folha salarial e mudanças mais substanciais, por depende-
no lucro das empresas, e peso menor na tributa- rem de pactuação entre as áreas envolvidas.

Gráfico 1
Carga tributária federal: países com sistema de governo federal e subnacional (2013)
(Em % do PIB)
50,0

40,0

19,4 13,0

30,0 12,2
13,4 8,1
11,8

17,7
20,0 17,5 9,2 14,2
14,2 13,9 18,3 14,8
9,5 6,2
11,3
3,4
10,0 5,5 6,7
15,4 1,4 6,1
10,8 11,8 10,2 11,2 10,1
9,5 7,4 7,8 6,0 4,4
0,0
Bélgica Áustria Alemanha OCDE – Brasil Espanha Canadá Austrália Suíça Estados México
34 países Unidos

Impostos sobre bens e serviços Impostos sobre a folha de Impostos sobre renda e propriedade
pagamento e contribuições sociais

Fonte: O
 RAIR, R.; GOBETTI, S. Reforma Tributária: princípios norteadores e propostas para debate. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.).
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

41
• onte de conflitos federativos, por
F
Ao longo do tempo, ter o governo central delegado aos
governos regionais a responsabilida-
na maior parte de por tributos importantes, abrindo
dos casos houve espaço para a chamada guerra fiscal
e para benefícios fiscais excessivos,
pressão para aprovar para o planejamento tributário agres-
as novidades sivo de empresas, corrosão das bases
tributáveis, maior ineficiência na alo-
tributárias rapidamente, cação dos recursos produtivos.
de acordo com
•  olatilidade nas finanças públicas,
V
uma visão de curto pois a receita fiscal depende da
prazo que adia produção e do lucro das empresas –
quando a economia vai bem, os or-
as mudanças çamentos são inflados; na crise, a
mais substanciais. receita cai e o corte de despesas
se amplia.

Assim, o pragmatismo arrecadatório aca- • E feito regressivo sobre a distribui-


bou sendo responsável por reproduzir e ampliar ção de renda, por serem poucas as
inúmeras distorções. Surgiram os chamados alíquotas progressivas dos impostos
“puxadinhos”, como estudiosos qualificam a diretos e pelo repasse de custos
ampla gama de benefícios tributários e regimes dos impostos indiretos (sobre pro-
especiais concedidos para aliviar pontos de dução de bens e serviços) aos pre-
estrangulamento da sobretributação. O efeito ços, operando relativamente mais
negativo acabou sendo a criação de alguns o orçamento de pessoas de rendas
benefícios sem justificativa técnica, só por mais modestas.
pressão de diferentes grupos de interesse.
Além desses aspectos gerais, cada
Mesmo nesse contexto, chegou-se a uma
bloco de tributação – bens e serviços,
elevada produtividade fiscal, apesar de as
folha salarial e renda – apresenta proble-
complexidades atuais apontarem para a exis-
mas específicos.
tência de um “não sistema”, repleto de comple-
xidades e inconsistências – entre as quais se
Pela Constituição Federal, a receita tribu-
destacam os aspectos especificados a seguir.
tária sobre bens e serviços é subdividida por
• iés anticrescimento, pelo pouco
V tributos e competências. O principal imposto,
peso da tributação direta e pela gran- o ICMS, cabe aos estados. À União, compe-
de miscelânea de tributos, legislações te o Imposto sobre Produtos Industrializados
complexas, ausência de visão coeren- (IPI), além do Programa de Integração Social
te da base tributável, sobreposições (PIS) e da Contribuição para Financiamen-
de bases e incidência em cascata, to da Seguridade Social (Cofins). Aos mu-
multiplicidade de regimes especiais e nicípios, o ISS. Fragmentado dessa forma, o
benefícios tributários, elevados con- sistema apresenta vários problemas, com
tenciosos e custos de conformidade. destaque para:

42
•  imitada possibilidade de creditamen-
L •  uantidade excessiva de alíquotas, isen-
Q
to (compensação de impostos pagos ções e não incidências, que dificultam a
em etapas anteriores) que, na prática, coordenação tributária entre os estados
significa incidência em cascata. e encarecem a administração tributária.

•  oexistência com tributos e regimes


C • Generalização da substituição tri-

cumulativos (como o ISS e o regime butária, mecanismo de arrecadação
cumulativo do PIS/Cofins). em que cabe a um terceiro (que não
o Estado ou o contribuinte) apurar e
•  onflitos de competência entre tribu-
C pagar o imposto, de forma que ele in-
tos (por exemplo, entre o ICMS e o ISS cida em apenas um estágio em lugar

Reforma Tributária
e o IPI e o ISS). de dois ou mais. Se o propósito origi-
nal era facilitar a arrecadação em se-
•  cumulação de créditos no IPI, no PIS/
A tores específicos e homogêneos, com
Cofins (mesmo com procedimento o tempo foram sendo impostas mar-
especial instituído em lei para ressar- gens arbitrárias, que deram origem ao
cimento) e no ICMS (pela falta de me- descolamento das bases de cálculo
canismos claros e efetivos de ressarci- presumidas em relação ao verdadeiro
mento em alguns estados). valor das transações de mercado.

•  uerra fiscal de tributos sobre com-


G •  xtrema complexidade, falta de isono-
E
petência regional, como em serviços mia tributária para atividades substitutas
taxados na origem pelo ISS e, princi- e tratamentos arbitrários injustificáveis,
palmente, nas operações interesta- provocando vultosos contenciosos judi-
duais do ICMS. ciais e custos de conformidade.

Tabela 1
Pagamento igual, tributação diferente: exemplos de incidência tributária sobre prestação de serviços
(Em R$)
Sócio de empresa
  Empregado
Lucro presumido Simples
A. Renda bruta (valor do serviço) 30.000 30.000 30.000
B. Tributos da empresa 9.788 4.518 2.463
Folha (exceto FGTS) 5.316 1.038 0
FGTS 1.617 0 0
Demais 2.856 3.480 2.463
C. Tributos da pessoa física 5.103 974 974
INSS 571 571 571
Imposto de renda 4.532 403 403
D. Renda líquida (A-B-C) 15.109 24.508 26.563
E. Total de tributos (B+C) 14.891 5.492 3.437
F. Tributos/renda bruta (%) 49,6 18,3 11,5
Fonte: A PPY, B. Tributação e Produtividade no Brasil. In: BONELLI, R.; VELOSO, F.; PINHEIRO, A. C. Anatomia da produtividade no Brasil. Rio de Janeiro:
Elsevier, FGV/IBRE, 2017.

43
A tributação da folha de pagamento apre- •  ltas alíquotas nominais sobre o lucro da
A
senta dois defeitos principais: essa tributação é pessoa jurídica, que são reduzidas por vá-
muito pouco funcional e suas mazelas atingem rios regimes especiais e benefícios tributá-
empregados e empregadores, em distintos graus. rios, gerando arbitrariedades no tratamen-
No exemplo da tabela 1, compara-se o total de to de setores econômicos e contribuintes.
impostos recolhidos pela prestação mensal de
serviços no valor de R$ 30 mil, recebidos em três •  ssimetria no tratamento tributário
A
situações: por um empregado assalariado no re- entre as diversas fontes de rendi-
gime normal de tributação; por um sócio de em- mentos do capital, em que as alí-
presa enquadrada no regime especial típico das quotas sobre o lucro da empresa
médias empresas (o chamado “lucro presumido”); (até 34%, soma de IRPJ e Contribui-
e por um sócio de empresa no regime das micro e ção Social sobre o Lucro Líquido, a
pequenas empresas (o Simples).
CSLL) superam as cobradas sobre
No caso do assalariado, os encargos chegam ganhos de capital (15%) e sobre apli-
a quase 50%, com a soma de contribuições pre- cações financeiras (de 15% a 22,5%
videnciárias do empregado (entre 8% e 11% do sa- e com inúmeras isenções), e até a
lário de contribuição) e do empregador (20%), do alíquota máxima do IRPF (27,5%).
seguro de acidente de trabalho (entre 0,5% e 6%),
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) •  esigualdade no tratamento de pe-
D
(8%), do salário-educação (2,5%) e das contribui- quenos negócios e trabalhadores por
ções para o Sistema S (2,5%), entre outras. conta própria em relação aos empre-
gados assalariados, em que salários são
O total cai a 18,3% para o sócio de empre- sujeitos a alíquotas de até 27,5% de IR,
sa sujeita à tributação por lucro presumido, enquanto sócios de empresas recolhem
ou a 11,5%, se o regime for o Simples. Essa si- de 4,5% a 16,85% (sob o Simples) e de
tuação tem provocado a chamada “pejotiza- 16,33% a 19,53% (sob lucro presumido).
ção”, em que a renda do trabalho (tributável)
se transforma em renda do capital (isenta do • Isenção do IRPF de boa parte dos rendi-
IRPF). Se o prestador fixar seu pro labore (re- mentos da população de alta renda, pois
muneração) em patamares mínimos, não terá os dividendos são isentos, os rendimen-
ônus adicional na distribuição de dividendos e tos das aplicações financeiras são sujei-
lucros para pessoa física, que é isenta por lei. tos à tributação na fonte por alíquotas
Nos regimes especiais, as alíquotas são mais
lineares de em média 17% e certas ativi-
baixas que as do IRPF, que vão até 27,5%.
dades de cunho personalíssimo – como
Essa prática avança em especial entre ativi- consultores, médicos, advogados e ou-
dades de cunho personalíssimo (profissionais li- tros – são tributadas apenas no nível da
berais, artistas, atletas etc.), e tende a se ampliar pessoa jurídica pelas alíquotas mais bai-
ainda mais no contexto atual, já que têm sido xas dos sistemas especiais.
simplificados os critérios de enquadramento em
regimes especiais e a terceirização é aprovada •  rande volume de deduções do IRPF
G
em lei. O efeito negativo está na corrosão da sem justificativas econômicas ou sociais.
base de arrecadação sobre a folha salarial e do
IRPF: em geral, trabalhadores de alta renda são Ou seja, o modelo de tributação da renda é
os mais estimulados a fazer essa mudança. A fragmentado, incoerente e injusto, desestimu-
atual estrutura do IR carece de lógica sistêmica la o investimento em ativos produtivos e abre
mesmo quando considerada de maneira isola- inúmeras brechas para a redução da base de
da. São estas suas principais distorções: cálculo dos impostos.

44
Propostas para o debate O terceiro eixo, inspirado em experiências do
Canadá e da Índia, tenta harmonizar os dois an-
Em crise fiscal como a de agora, prudente teriores, através da criação inicial de um impos-
será a reforma que preserve o atual pata- to seletivo (combustíveis, bebidas e cigarros)
mar da carga tributária bruta. Por ter ní- que agruparia os tributos federais (PIS/Cofins,
veis elevados, a tributação sobre o lucro IPI e Cide) e a migração do ICMS e do ISS para
de empresas e sobre a folha salarial pode um IVA a ser acomodado à base federal. O IVA
ser reduzida. Isso implicará compensa- teria arrecadação centralizada e seria compos-
ções na tributação direta e/ou na tributa- to pela soma de uma alíquota federal e outra
ção de bens e serviços. E há mais espaço estadual, daí o nome de IVA-Dual. Os estados
para ampliar a tributação direta, a partir continuariam calibrando suas alíquotas.
de diretrizes que combinem aspectos de

Reforma Tributária
equidade e eficiência. Por ser flexível e já ter sido testado em
federações, esse terceiro modelo parece
Em resumo, a recomendação básica é al- melhor adequar-se às heterogeneidades
terar a atual composição da carga tributária do país e às características do federalismo,
bruta e reformular os componentes específi- equilibrando a autonomia dos estados para
cos de seus três blocos principais – consumo, tributar e a necessidade e a capacidade de
folha de pagamento e renda. coordenação pela União. Outra vantagem é
diminuir o conflito federativo, surgido sem-
Para a tributação de bens e serviços, já é pre que se propõe um regime nacional ho-
quase consensual a recomendação de uma mogêneo de IVA – como acontece a cada
reforma simplificadora, com fusão ou substi- discussão de reforma tributária no Congres-
tuição de vários tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS/ so Nacional. A ideia é iniciar a mudança no
Cofins e Contribuição de Intervenção de nível federal, com ganhos imediatos ao sis-
Domínio Econômico – Cide, entre outros) e tema, e deixar a critério dos estados indi-
criação de um IVA incidente sobre todos os vidualmente a posterior adoção ou não do
bens e serviços, até os intangíveis e finan- regime harmonizado.
ceiros, com poucas alíquotas, poucas isen-
ções e reduções, cobrado no destino e com Segundo esse modelo, o ICMS deveria
crédito integral. ser modernizado para se aproximar gradual-
mente do IVA-Federal. Numa fase de transi-
As diversas propostas em debate para ção, os dois tributos conviveriam com bases
reformar a tributação de bens e serviços de incidência e práticas tributárias conver-
podem ser agrupadas em três eixos, de acordo gentes. No segundo passo, o ICMS seria
com o ritmo e a amplitude das mudanças suge- reformado, passando a incluir todos os ser-
ridas. O primeiro eixo, o mais pragmático, é o viços e compatibilizando-se com o IVA-Fe-
das medidas pontuais, como a reformulação do deral. No terceiro passo, a arrecadação seria
PIS/Cofins proposta pelo Ministério da Fazen- centralizada e a receita repartida conforme
da para aprimorar o sistema de crédito e uni- as alíquotas definidas pela União e pelos es-
ficar todas as empresas no regime não cumu- tados. O ISS seria incorporado ao imposto
lativo. O segundo eixo consiste nas reformas estadual ampliado. Os municípios optariam
abrangentes, como a proposta do IVA-Federal entre participar da repartição da receita ou
para substituir progressivamente os atuais tri- contariam com um imposto municipal sobre
butos sobre bens e serviços, com regras de vendas no varejo, considerando seu porte e
repartição para os demais entes federados. capacidade arrecadatória.

45
Os arranjos concretos vão depender das
especificidades regionais, com vistas a serem Deve-se desonerar
gerados nítidos ganhos de eficiência adminis-
trativa ao se eliminarem redundâncias nas es- a folha de pagamentos
truturas arrecadatórias. e estabelecer uma
Para corrigir as distorções apontadas na relação mais clara
tributação sobre folha de pagamento, são
sugeridos três conjuntos de medidas.
entre contribuição
e benefício.
• Instituir um modelo de imposto de
renda que integre consistentemente
a tributação de PF e PJ, e, sem dimi- Para isso, uma recomendação é reduzir
nuir a sobretaxação da folha de pa- os impostos sobre o lucro da empresa, apro-
gamentos, seja complementado por ximando os regimes especiais da tributação
outras medidas. geral, e ampliar o potencial arrecadatório e
a progressividade do IRPF, o que resultaria
• Redesenhar o modelo de finan-
 em alíquotas mais elevadas para os mais
ciamento do Sistema S, pois suas ricos. Mas, sob o sistema atual, os efeitos
contribuições sobre a folha salarial redistributivos e arrecadatórios disso se-
não guardam relação direta com os riam muito limitados se não for alterada a
benefícios contributivos do empre- taxação sobre dividendos e rendimentos de
gado. Essas contribuições pode- aplicações financeiras, que são as princi-
riam ser substituídas por um mix pais fontes de renda dos muito ricos. Pior: o
de contribuições facultativas, me- ônus do aumento se concentraria sobre os
diante subvenções ou deduções. assalariados com bons salários, incentivan-
No caso do salário-educação, pro- do ainda maior “pejotização”.
põe-se migrá-lo para a base tribu-
tária do IVA. Ideal, portanto, será o modelo que con-
ferir tratamento mais coerente à tributação
•  iminuir ou reduzir a contribuição
D
de renda, como o modelo dual, adotado ini-
previdenciária do empregador (da
cialmente nos países nórdicos na década de
ordem de 20%) incidente sobre todo
1990 e que vem inspirando inúmeras formu-
o salário dos empregados, mesmo
lações de reformas tributárias, como a im-
sendo os benefícios limitados ao
plementada pelo Chile em 2014 e a proposta
teto definido pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) (R$ 5.531,31 para o Reino Unido.
em 2017).
Para ilustração, na Noruega, inicialmente
Resumindo, deve-se desonerar a folha os lucros de grandes empresas e rendimen-
de pagamentos e estabelecer uma relação tos de aplicações financeiras são tributados
mais clara entre contribuição e benefício. em 28%, igualmente. Os rendimentos de
Isto implica alta moderada na tributação acionistas pessoas físicas, após a incidên-
sobre bens e serviços e exige a reforma do cia dos impostos sobre o lucro, são isentos
IR para o modelo que integre a tributação de uma segunda tributação até o retorno
PJ-PF e amplie seu potencial arrecadatório considerado normal do capital; os que exce-
e progressivo. dem esse limite são tributados em mais 28%.

46
Por exemplo, caso a empresa tenha um lu- Para valer no Brasil, o modelo dual exi-
cro de R$ 100,00 acima do considerado nor- giria a reestruturação das alíquotas do IR,
mal, ele será tributado em 28% como lucro agora muito desalinhadas. Primeiro, seria
da empresa, e os R$ 72,00 restantes serão preciso reduzir a alíquota do lucro da em-
novamente tributados a 28%, o que consis- presa para algo em torno de 22%. Esta pode
te, efetivamente, em R$ 20,00 (ou 20%) do ser uma janela de oportunidade para revi-
lucro excedente. Dessa forma, a tributação são de benefícios tributários e parâmetros
total sobre esse lucro excedente (48%) ali- mal calibrados em regimes especiais, além
nha-se à alíquota máxima dos rendimentos de uniformizá-los com a alíquota sobre ga-
do trabalho (48%). A Noruega calcula o re-
nhos de capital e de determinadas aplica-
torno normal do capital de forma muito se-
ções financeiras.

Reforma Tributária
melhante à forma usada no Brasil para apurar
juros sobre capital próprio (que consiste em Em segundo lugar, seria necessário mo-
aplicar uma taxa de juros sobre o patrimônio dificar a tabela do IRPF, começando e ter-
da empresa, deduzidos da base de incidência
minando com alíquotas mais altas – por
dos impostos sobre os lucros).
exemplo, três ou quatro alíquotas de 22,5%
Para as pequenas empresas, o sistema é a 35% – ou mantendo apenas duas das alí-
semelhante: a renda do proprietário (ou acio- quotas atuais (22,5% e 27,5%) e criando
nista) é dividida em retorno normal (consi- uma contribuição adicional de 10% para
derado remuneração do capital e sujeito a rendimentos muito altos, chegando aos
alíquota de 28% sobre o lucro, mas isento mesmos 35%. Isto pode ser combinado com
quando distribuído à pessoa física) e remu- aumento do limite de isenção, poupando
neração do trabalho (sujeita a alíquotas pro- estratos da classe média e concentrando o
gressivas do IRPF, de 28% a 48%). Trabalha- ônus sobre os mais ricos.
dores autônomos ou pequenas empresas que
não adotam regime especial ficam sujeitos à Por fim, há que se retomar a tributação
tabela progressiva do IRPF. dos lucros excedentes distribuídos para
a pessoa física – por exemplo, a uma alí-
Entre as virtudes desse modelo estão a quota linear de 15%, que é a mesma que
integração do imposto de renda da pessoa incidia sobre os dividendos no país até
jurídica com a pessoa física, o tratamento 1995, se o objetivo for alinhá-la com a alí-
mais isonômico conferido às diversas fon- quota máxima do IRPF de 35% (isto é, se
tes de renda e a eliminação de incentivos a o lucro já foi tributado em 22,5% no nível
fenômenos de transfiguração de renda (de da pessoa física e sobre os 77,5% restan-
que é exemplo a “pejotização”).
tes incidir a alíquota de 15%, chega-se a
A principal crítica ao modelo dual considera a uma tributação total de 34,1%). Mas isso
limitada progressividade do sistema, por isentar precisa prever um mecanismo que isente
o retorno normal da poupança que tende a estar (ou reduza) os impostos incidentes sobre
concentrada no topo da distribuição. O tema é os lucros abaixo do retorno normal. Este
particularmente relevante em um país tão desi- mecanismo não exige muito mais infor-
gual como o Brasil. Não por acaso, a adoção do mações do que o que já existe atualmente
modelo dual tem sido acompanhada por ações nas grandes empresas para apuração dos
que ampliam a tributação sobre o patrimônio juros sobre capital próprio, instrumento
(por exemplo, via imposto sobre heranças). que seria apenas readaptado.

47
Financiamento do
Desenvolvimento

6
Enfrentar os
Obstáculos do
Longo Prazo
Financiamento do Desenvolvimento
1

A
lém de enfrentar baixa taxa de pou- No Brasil, no entanto, esses dois mercados
pança, o Brasil sofre por ter um siste- ainda não atendem plenamente suas atribui-
ma de intermediação financeira reple- ções. Em grande medida isso se deve ao fato
to de distorções. A carência de recursos para de que o desenvolvimento nacional tem sido
empréstimos de longo prazo e a ineficiência do financiado com a expansão fiscal e com dí-
mercado de crédito elevam os juros e o custo vida pública. Essa característica limita a real
dos investimentos em capital e inovação. Ou finalidade do sistema financeiro em interme-
seja, retardam o crescimento. diar a oferta e demanda de recursos financei-
ros mais competitivos no país. Um sistema de
Outro problema é a qualidade dos investi- intermediação financeira amplo e competiti-
mentos: não basta apenas aumentar o volume; vo é precondição para o desenvolvimento, e o
deve-se dar prioridade a projetos que resultem Brasil carece dessas condições. Em 2015, por
em maior impacto sobre a produtividade. O país exemplo, o país ocupava a 53a posição entre
precisa de um mercado de crédito que acelere 74 países quanto à capitalização das empre-
o crescimento, recuperando e ampliando a in- sas no mercado de capitais, e estava em 27o
fraestrutura, investindo em inovação, ciência e lugar no número de empresas listadas em bol-
tecnologia, assim como em educação. sa (359 empresas). No entanto, o valor médio
das ofertas públicas iniciais de ações (IPO)
No mercado financeiro, problemas institu- foi relativamente alto nesse ano (US$ 411 mi-
cionais têm inibido o setor privado e elevado lhões), o que colocou o Brasil na quinta posi-
os riscos regulatórios. Algumas intervenções ção nesse aspecto. Isso significa que a bolsa
de governo e interferências em empresas es- de valores brasileira é composta por poucas e
tatais e setores específicos reduzem a previsi- grandes empresas.
bilidade da política, ampliando o sentimento de
incerteza dos empreendedores. O país também é inferior à média no que
concerne à renda variável das carteiras de fun-
Em especial a partir de 2011, cresceram as dos de investimento: cerca de 40% na média
distorções do mercado provocadas pelo subs- mundial, e aqui, abaixo de 11%. Em tais fundos,
tancial aumento do crédito direcionado (mais os títulos públicos chegam a 66% do total.
barato, com finalidade específica, como bens de
capital, habitação etc., e geralmente subvencio- Enquanto o problema fiscal levou gover-
nado pelo governo) em relação ao crédito livre no e setor privado a disputar a poupança
(mais caro, oferecido por bancos privados). Re- privada, o mercado de capitais perdeu sua
sultaram daí impactos fiscais e de política mone- funcionalidade para financiar o desenvolvi-
tária que pressionam a taxa de juros e acabam mento. Esgotou-se o modelo tradicional de
por criar um círculo vicioso, no qual se incentiva financiamento no Brasil, baseado fortemen-
a continuada busca pelo crédito mais barato. te em crédito público, e é preciso um novo
Assim, ainda é restrito o acesso ao crédito mais arranjo entre fontes públicas e privadas.
competitivo à empresas pequenas e médias. A reforma terá de ser significativa: dar novo
foco à atuação dos bancos públicos, e coor-
O sistema financeiro consiste de dois mer- denar ações e mudanças regulatórias que
cados: bancário e de capitias. Ambos interme- fomentem o mercado privado de crédito,
deiam recursos oriundos da poupança nacio- sempre em um contexto de rigor fiscal e es-
nal com o objetivo de financiar a produção. tabilidade macroeconômica.

50
Crédito direcionado: por que A elevada exigência de garantias gera ineficiências,
como a imobilização de ativos, e não reduz o risco:
e para quem? estudos sugerem2 que são as garantias fidejussó-
Metade da carteira ativa de crédito no Brasil é dire- rias (fiança) que efetivamente abaixam o compo-
cionada a alguma finalidade específica – R$ 1,540 nente de risco no spread (margem de ganho do
trilhão do total de R$ 3 trilhões, segundo o Banco banco mais reservas para inadimplência). Mesmo
Central, com dados de 2016. Esses 50% se dividem nos casos de alienação fiduciária (em que o bem
em 24% para pessoas físicas e 26% a pessoas ju- é dado como garantia), há inúmeras possibilidades
rídicas. A maior parte dos empréstimos a pessoas de recurso que encarecem e atrasam a execução,

Financiamento do Desenvolvimento
físicas (71%) foi destinada ao crédito habitacional sendo o custo repassado aos tomadores. Calcu-
(R$ 524,8 bilhões, dos quais mais de 70% con- la o Banco Central do Brasil (BCB) que a provisão
cedidos pela Caixa Econômica Federal – CEF). para inadimplência representou mais da metade do
No caso das empresas, o Banco Nacional de spread do crédito total (créditos livres e direciona-
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) dos) nos últimos cinco anos.
forneceu 69% do crédito direcionado para in-
Há circunstâncias em que o setor privado não
vestimento (R$ 552 bilhões).
oferta crédito a atividades cujo retorno social é
A outra metade é formada por créditos li- maior que o privado, ou se oferta, seu custo pode
vres, e aqui se inverte a parcela dos tomadores: inviabilizar os projetos. Nesses casos, a atuação
26% deles se destinaram a pessoas físicas e dos bancos públicos é necessária, pois há exter-
24% a pessoas jurídicas. No caso de pessoas nalidades, falhas de mercado e de coordenação.
físicas, a maior parte (58%) dos empréstimos Esse é o caso de projetos para ciência, tecnologia
saiu como crédito consignado e cartão de cré- e inovação (C,T&I), em que há externalidades, os
dito. Entre as empresas, 61% do total foi para o riscos são altos, e não há nem oferta de crédito no
comércio exterior e capital de giro. mercado livre nem custos adequados para cobri-
-los. Outro caso é o das obras de infraestrutura e
Um problema para a expansão do crédito livre é de saneamento básico, tipicamente de longo pra-
a alta exigência de garantias. Em média, no Brasil as zo, às quais geralmente os bancos privados não
garantias de crédito cobrem 95% dos empréstimos. oferecem linhas ou recursos suficientes.

Gráfico 1
Participação dos diferentes tipos de crédito (Dez./2016)

24% 24%

26%
26%

Direcionado – PF Livre – PF Direcionado – PJ Livre – PJ

Fonte: Banco Central do Brasil.

51
Os bancos públicos também devem agir diferencial entre a taxa de juros para o toma-
para aumentar a competição no setor finan- dor e o custo da fonte de recursos.
ceiro ou quando a conjuntura econômica se
torna muito desfavorável, como durante as Sob o regime brasileiro de metas de in-
crises financeiras internacionais. flação, o governo controla o nível de preços
por meio da taxa de juros. O problema da
Entretanto, essa intervenção não é livre política monetária que resulta do estreita-
de problemas potenciais, uma vez que pode mento dos canais de transmissão faz com
resultar em falhas de governo piores do que que o BCB precise elevar a taxa de juros
as falhas de mercado. Do ponto de vista mi- ainda mais para controlar a demanda, por-
croeconômico, as falhas podem ser resultado que metade do crédito é direcionado e “es-
da falta de foco do crédito público ou de sub- capa” da taxa de juros do Sistema Especial
sídios a agentes ou atividades econômicas de Liquidação e de Custódia (Selic). E a taxa
que não precisariam disso, pois poderiam se Selic maior tem tanto efeito fiscal sobre a
financiar de maneira privada. Tais situações dívida do governo quanto sobre os agentes
distorcem os incentivos, a concorrência e o econômicos que não têm acesso ao crédito
papel da intermediação do sistema financeiro. subsidiado, os quais enfrentam taxas de ju-
ros maiores.
Do ponto de vista macroeconômico, há
basicamente dois custos: um de ordem fiscal Portanto, a discussão sobre o crédito
e outro de política monetária. livre versus crédito direcionado não deve
se ater somente à sua existência, volume
O crédito direcionado se expandiu no ou proporções. Há razões econômicas que
período recente basicamente via Tesouro justificam o crédito direcionado, subsidiado
Nacional. Por exemplo, enquanto o BNDES ou não, e este deve ser tão grande quanto
dependia fundamentalmente do Fundo de as falhas de mercado que ele pretende re-
Amparo ao Trabalhador (FAT), o impacto fis- solver. Deve-se avaliar os benefícios sociais
cal era menor, pois a remuneração do FAT é em se corrigir falhas de mercado via cré-
indexada pela Taxa de Juros de Longo Prazo dito direcionado frente aos custos sociais
(TJLP) e a maior parte dos empréstimos do decorrentes dessa política.
BNDES era também indexada à TJLP mais
um spread até 2009. No entanto, os recursos
do Tesouro têm o custo financeiro da taxa Deve-se avaliar
Selic, tradicionalmente mais alta que a TJLP.
A diferença da remuneração do capital da os benefícios sociais
União (TJLP) pelo BNDES e a taxa pela qual a
União capta recursos (Selic) pode ser consi-
de se corrigirem falhas
derada, então, um subsídio implícito ao setor de mercado via
produtivo a ser pago pela União.
crédito direcionado
Além desse subsídio implícito, há ainda o
subsídio explícito, relativo às equalizações frente aos custos
de taxa de juros correspondentes a pro-
gramas como o Programa de Sustentação
sociais decorrentes
do Investimento (PSI), lançado em 2009. dessa política.
Basicamente, a equalização é definida como o

52
Gráfico 2
Subsídios concedidos ao BNDES
(Em R$ bilhões)

35,00

29,27 28,79
30,00

25,00

Financiamento do Desenvolvimento
20,00
16,95 16,68 21,27
15,73 18,97
15,00
11,35
10,00 12,34
10,54 10,63
9,82
4,81 8,47 8,00
5,00
4,58 5,19 4,60 6,05
0,23 2,89
0,00
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Equalização (subsídio explícito) Subsídio implícito Total

Fonte: Tesouro Nacional.

A expansão recente do BNDES e corresponde praticamente a um terço do to-


tal de subsídios concedidos pelo governo fe-
O BNDES cresceu ao longo da década de deral no ano de 2016 (R$ 107 bilhões).
2000 e mais ainda depois de 2009, como
reação à crise internacional. Entre 2006 e É o Programa de Sustentação do Investi-
2009, seu portfólio de crédito equivalia a mento (PSI) que explica em grande medida
3% do produto interno bruto (PIB), passan- a trajetória recente do BNDES. Do lado do
do a 5% entre 2010 e 2015. Seus desembol- crédito, é o PSI que explica a forte expansão
sos quase triplicaram, chegando a cerca de do BNDES. Do lado do funding, o PSI explica
R$ 190 bilhões, um aumento de 292% entre o salto da participação do Tesouro Nacional,
2007 e 2014. responsável por financiar as três fases do
programa: uma primeira fase de sustentação
Essa expansão foi financiada pelo Tesouro do investimento e de caráter contracíclica,
Nacional. O estoque de participação do entre 2009 e 2010; uma fase de phasing-out
Tesouro no funding do BNDES correspon- (descontinuação) em 2011; e uma retomada
dia a 0,5% do PIB em 2007 e passou para em 2012 que durou até 2015. O PSI foi res-
quase 10% do PIB em 2015, totalizando ponsável por efetivamente sustentar o inves-
R$ 525 bilhões. Por seu turno, a participação do timento durante a fase mais aguda da crise
Tesouro no BNDES evoluiu de 7% em 2007 internacional (2009-2010), atuando de forma
para 56% em 2015. contracíclica e em linha com outros Bancos
de Desenvolvimento do mundo. Mas a rever-
O próprio Tesouro Nacional estima que, em são de seu processo de descontinuação se
2015, o subsídio explícito das equalizações cor- deu em um contexto macroeconômico nacio-
respondia a R$ 9,8 bilhões e o implícito corres- nal e internacional bastante diferente, com a
pondia a R$ 19 bilhões. Para comparação, esse expectativa de que o crescimento econômico
volume de subsídios é equiparável a um progra- brasileiro pudesse ser acelerado por medidas
ma social de grande porte como o Bolsa Família, originalmente anticíclicas.

53
O PSI chegou a dispor de R$ 472 bilhões em No Brasil, existem duas modalidades bá-
seu auge (2014). Desse total, quase a metade sicas desse crédito: o Sistema Financeiro
(44%) se destinou à produção e compra de ca- da Habitação (SFH) e o Sistema Nacional
minhões, ônibus, chassis, reboques e similares. de Habitação de Interesse Social (SNHIS).
Outros 28% financiaram a aquisição de bens de O primeiro utiliza recursos das cadernetas
capital. E apenas 5% foram alocados para pro- de poupança e do Fundo de Garantia por
jetos de inovação. Em muitos casos, o PSI serviu Tempo de Serviço (FGTS) e cobra juros
para adiantar planos de investimento e de reno- fixos regulados (geralmente inferiores às
vação de frota. Ao analisar a distribuição seto- taxas de mercado).
rial do PSI, pode-se afirmar que o programa não
contribuiu para progredir a estrutura produtiva já O segundo, criado em 2005, recebe re-
existente, perdendo-se a oportunidade de apoiar cursos do Fundo de Arrendamento Residen-
atividades portadoras de futuro. A expansão do cial (FAR), do FGTS, do Fundo Nacional de
BNDES pelo PSI trouxe custos fiscais e de política Habitação de Interesse Social (FNHIS), entre
monetária que poderiam ter sido contrabalança- outros. Atende famílias com renda mensal
dos por estratégias e resultados mais efetivos de de até 3 salários mínimos (SMs), segmento
políticas de inovação e infraestrutura. evitado por bancos particulares, por conta
do baixo retorno do capital e da alta inadim-
Em face dessas críticas, o BNDES começa a
plência. Do total do crédito privado brasilei-
rever suas políticas operacionais. Entre as prin-
ro, só 2% vão para o setor imobiliário (dados
cipais medidas anunciadas, está o redireciona-
de 2008).
mento do foco para projetos em vez de firmas
ou setores. Ademais, poderão pleitear incentivos
Em 2009, foi lançado o programa Minha
maiores (até 80% do custo financeiro) as áreas
Casa Minha Vida (MCMV), para atender fa-
de inovação, meio ambiente, projetos de micro,
mílias com renda mensal de 2 a 10 SMs.
pequenas e médias empresas, educação, saúde,
Em 2012, o MCMV chegou a fornecer 44%
segurança e assistência social (atendimento pú-
blico) e modernização da administração pública. do crédito imobiliário do país. Detalhe: tec-
Projetos de expansão de capacidade produtiva nicamente, as operações do programa nas
deverão contar com no máximo 30% do custo. faixas mais populares não são crédito stricto
Houve diminuição das linhas de apoio, de 101 sensu, mas sim gastos sociais, cuja fonte é o
para 50, e o banco financiará até 80% do valor Orçamento Geral da União e FAR.
total do investimento.
Além disso, desde 1997, funciona um pro-
grama de securitização de crédito, que co-
Deficit habitacional persiste, bra taxas de juros flexíveis, capta recursos
apesar do crédito no mercado, e cobre empréstimos acima
dos limites do SFH (cerca de R$ 1 milhão).
O financiamento da casa própria cresce no Financia residências ou imóveis comerciais e
país, tendo chegado a 9,6% do PIB de 2015. tem recursos de letras de crédito imobiliário
É importante por suas características múltiplas (LCIs), certificados de recebíveis imobiliários
de desenvolvimento: atende a uma cadeia pro- (CRIs) e cédulas de crédito imobiliário (CCIs).
dutiva capaz de gerar emprego, investimento As LCIs são lastreadas em créditos garantidos
e riqueza; ajuda a diminuir o deficit habitacio- por hipoteca e alienação fiduciária, os CRIs.
nal; e, além de promover a inclusão social, tem As CCIs permitem que um contrato particular
impacto na produtividade do trabalho. Porém, funcione como um título negociável. As LCIs e
ainda é modesto diante de países desenvolvi- os CRIs forneceram R$ 250 bilhões ao crédito
dos (55% do PIB na média). à casa própria entre 2006 e 2015.

54
Mas, mesmo assim, o financiamento à habi- Como financiar a agricultura
tação continua ineficiente. Do lado do SFH, en-
tre suas distorções são citadas a taxa de juros A atividade agrícola está sujeita a riscos resul-
fixa, a falta de canais de comunicação entre o tantes de variações de clima, a volatilidade dos
SFH e os demais segmentos do mercado, a ins- preços, a baixa elasticidade-preço e elasticida-
tabilidade congênita do sistema – ocasionada de-renda da demanda e até a dependência de
pelo prazo de permanência incerto dos depó- políticas comerciais de países importadores de
sitos nos fundos de financiamento do crédito produtos brasileiros importantes. Por isso, po-
habitacional –, e seu caráter fortemente pró-cí- líticas públicas se fazem necessárias para sus-

Financiamento do Desenvolvimento
clico. Do lado do Sistema Financeiro Imobiliário tentar a oferta de alimentos e matérias-primas
(SFI), o que se observa é o descompasso entre e garantir rentabilidade aos produtores rurais,
o atendimento a uma demanda de curto prazo sobretudo os menores, que em geral estão fora
dos investidores e o próprio objeto dos títulos – do mercado de crédito e de seguros.
o financiamento imobiliário –, de longo prazo.
Assim, há uma série de políticas públicas
Também se questiona, nos últimos tempos, de crédito, de preços mínimos, de seguros e
a lógica de direcionar crédito para habitações de pesquisa e extensão rural. O instrumento
de alto valor. Há possibilidade de que subven- central é o Sistema Nacional de Crédito Rural
ções acabem por financiar o spread bancário (SNCR), cujos juros são subvencionados, por
dos operadores e contribuirem para o au- intermédio da equalização de taxas (o Tesou-
mento artificial de preços dos imóveis. Reco- ro Nacional paga a diferença entre os juros do
menda-se a expansão do sistema a partir de SNCR e os de mercado, além dos custos fis-
mecanismos privados. É preciso popularizar cais e administrativos). O Banco do Brasil (BB)
e expandir o mercado de títulos imobiliários,
é o maior operador desse crédito, com 38,35%
dando-lhe amparo legal e regulatório que o
do número de contratos e 50,8% do valor total.
legitime como fonte de fomento, via oferta de
títulos de longo prazo e com garantia de segu- No financiamento agrícola da safra 2015/2016,
rança jurídica. Se os títulos de crédito forem os recursos direcionados somaram R$ 127,8 bi-
capazes de captar recursos para os emprésti- lhões (implicando equalização de R$ 9,5 bilhões)
mos, haverá mais interesse em atuar no crédi- e os recursos a juros livres, R$ 57,9 bilhões. Des-
to livre. E com maior oferta, menores tendem tes, estima-se que R$ 30 bilhões se referem a le-
a ser as taxas cobradas.
tras de crédito do agronegócio (LCAs). Como no
Por fim, de maneira mais ampla, o subsídio mercado imobiliário, as LCAs, lastreadas em notas
à propriedade do imóvel pode se revelar uma do produtor rural, são a grande novidade no setor.
política habitacional subótima (second best)
se não for coordenado com investimentos em
infraestrutura urbana. Quando essa coorde- As políticas públicas
nação não acontece, reforça-se um padrão
de­ficiente de urbanização, em especial nos voltadas à redução do
condomínios de baixa renda em regiões dis-
tantes do centro das grandes cidades. Desse deficit habitacional
modo, as políticas públicas voltadas à redução
do déficit habitacional - estimado em torno de
precisam levar em conta
6 milhões de famílias em 2014 - precisam con-
siderar saneamento, transporte público, equi-
saneamento, transporte
pamentos sociais, e mesmo modelos alterna-
tivos à propriedade do imóvel para a provisão
público, equipamentos
de serviços de moradia. sociais.

55
No Brasil, historicamente, o seguro rural Financiamento da CT&I
garante o crédito, sendo a safra o penhor do
empréstimo. Nas últimas décadas, evoluiu-se Quando os bancos públicos de desenvolvimento
para a forma de seguro agrícola e não só do brasileiros foram criados, proteger o mercado in-
empréstimo, mas ainda há pouco investimento terno ante a concorrência internacional tinha re-
público na subvenção de prêmios. levância especial. Era forte a percepção de que
bens de capital produziriam progresso tecnoló-
Algumas iniciativas devem ser menciona- gico. Mas, de lá para cá, muita coisa mudou na
economia mundial. A matriz de ciência e tecnolo-
das, como o Programa de Subvenção Eco-
gia se tornou mais densa e complexa, e passou a
nômica ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), o
interagir simultaneamente com o setor produtivo.
Programa de Garantia da Atividade Agrope-
cuária (Proagro) e o Garantia-Safra. O PSR O crédito subvencionado a empresas já não
contou com R$ 693,5 milhões para seguro da pode mais ser alocado, prioritariamente, para má-
lavoura em 2014 – volume bem inferior, por quinas e equipamentos fabricados no país, se o
exemplo, que os US$ 9,5 bilhões para seguro objetivo é convergir para a fronteira tecnológica.
de lavouras liberado nos Estados Unidos no Primeiro, porque geralmente essas máquinas têm
mesmo ano. baixa qualidade técnica e são mais caras que as do
mercado internacional. Segundo, porque os bens
A substituição de programas de pagamen- de capital não são o único – e talvez nem o principal
to direto (compras de safras pelo governo) – motor do progresso técnico. Além disso, nenhum
ou de crédito por políticas de seguro agrícola país se aproximou dessa fronteira sem estreita coo-
poderia resultar em um mercado privado mais peração entre o setor público e o privado.
sólido, permitindo concentração do crédito go-
vernamental em tomadores não atendidos por Assim, políticas públicas mais recentes,
bancos particulares. como as executadas entre 2011 e 2014, neces-
sitam ser multiplicadas e continuadas – em es-
Há espaço para isso, pois o SNCR não é pecial, o Inova Empresa, o Finep 30 Dias e o
a única fonte de crédito agrícola nem a mais Programa Plataformas do Conhecimento, este
importante, dado que 75% do total dos em- criado em 2014 e ainda não efetivado.
préstimos ao setor vêm de outras fontes –
O Inova Empresa visa estabelecer fontes
como capital próprio dos produtores, em-
estáveis e de longo prazo para financiamen-
préstimos familiares, programas de traders
to à inovação, definindo focos para atração
(importadores), processadoras, fabricantes do esforço empresarial. Começou atuando
de insumos e bancos privados. Por exem- em áreas estratégicas de interesse nacio-
plo, na safra 2014/2015, o custeio de soja foi nal ou com potencial de demanda e maior
financiado em 32,2% do total por fornece- possibilidade de desenvolvimento tecnoló-
dores de insumo e em 19,8% pelos próprios gico – como saúde, energia, defesa, petró-
sojicultores. Isto mostra que, na grande agri- leo, agricultura e tecnologia de informação
cultura voltada ao comércio internacional, há e comunicação, além do setor aeroespacial.
também grande potencial para financiamen- Opera em parceria com agentes públicos de
to privado nos âmbitos nacional e interna- fomento (Financiadora de Estudos e Projetos
cional. Para os grandes produtores, o crédito – Finep e BNDES), agências reguladoras e
subsidiado tem menos impacto sobre a com- doze ministérios. Em 2013, distribuiu R$ 32,9
petitividade do que a melhoria da infraestru- bilhões a uma demanda que surpreendeu:
tura “da porteira para fora”, que atualmente 2.715 empresas e 223 instituições de ciên-
drena os ganhos de produtividade obtidos cia e tecnologia, com projetos no total de
“da porteira para dentro”. R$ 98,7 bilhões, o triplo do valor ofertado.

56
O Finep 30 Dias objetiva baixar para um mês a De acordo com outro estudo,3 a elimi-
média de 452 dias gastos para um projeto de ino- nação de custos administrativos elevaria
vação obter resposta. O programa segue padrões o PIB per capita em 7%, via aumento no
e critérios definidos para orientar procedimentos número de firmas com crédito. Com menor
e análises, tendo adaptado parâmetros mundiais custo de monitoramento (spread menor),
para classificar a inovação em empresas e proje- o avanço seria de 2,4%. E com garantias
tos. Tudo se faz em meio digital, facilitando trans- colocadas nos níveis de países desenvol-
parência, rapidez, rigor e redução de custos. vidos, 12%.

Financiamento do Desenvolvimento
Mudar para ganhar produtividade Por isso, deve-se pensar em alterações
significativas para o mercado de crédito no
Conforme estudo de pesquisador do Ipea,2 o Brasil, com mudança no foco de atuação dos
total de crédito privado com recursos livres bancos públicos, com ações coordenadas e
avançou de 15% para 30% do PIB entre 2001 com mudanças regulatórias para estimular o
e 2011. Nesse mesmo intervalo, o crédito livre mercado privado de crédito, principalmente
para empresas passou de 9,5% para 15% do as relacionadas à securitização e a garantias.
PIB. O aumento no PIB per capita resultante A seguir, são delineadas as principais propos-
dessa expansão foi de 1,5%. tas para um novo modelo de financiamento
de longo prazo.
Embora relativamente amplo, o mercado fi-
nanceiro brasileiro apresenta três restrições fun- Diretrizes macro e microeconômicas
damentais. A primeira é a soma de custos admi-
nistrativos e exigências por parte do emprestador. •  uscar um ajuste fiscal de longo
B
A segunda, o custo de monitoramento (inadim- prazo que estabilize a relação dí-
plência e spread). A terceira, o custo das garantias. vida pública/PIB, o que permitirá
A primeira afeta a margem extensiva (quantidade baixar a taxa de juros de referên-
de firmas tomadoras de crédito) e as outras afe- cia. Com isso, caem as distorções
tam a margem intensiva (volume de crédito das na alocação de crédito e o próprio
firmas que já estão no mercado de crédito). custo fiscal das operações de cré-
dito subvencionado.
O crédito •  igrar progressivamente para uma
M
subvencionado a taxa de longo prazo (TLP) indexada

empresas já não à inflação e ao custo de captação do


Tesouro Nacional. A Lei 13.483/2017
pode mais ser alocado, prevê essa convergência em um pra-

prioritariamente, zo de 5 anos, para contratos a partir


de 2018. Entretanto, cabe alertar que
para máquinas é preciso lastro fiscal para que essa
e equipamentos migração para a TLP seja sustentável
no longo prazo.
fabricados no país,
• eduzir a incerteza regulatória no
R
se o objetivo é mercado de crédito, melhorar a go-
convergir para a vernança das estatais e evitar inter-

fronteira tecnológica. venções localizadas e arbitrárias do


Estado nesse mercado.

57
Redução do spread bancário Diretrizes para os bancos públicos

• Melhorar o sistema de garantias e in- •  irecionar o foco da atuação dos ban-


D
centivos ao mercado de securitização. cos de desenvolvimento para projetos
Dar agilidade à execução e aperfei- e atividades sujeitas a falhas de merca-
çoar a Lei de Recuperação Judicial do. Limitar o apoio a empresas capa-
para proteção aos credores. Aumen- zes de autofinanciamento ou captação
tar a segurança jurídica de iniciativas de recursos privados, dando prioridade
mais recentes, como duplicatas ele- a projetos geradores de retorno social
trônicas e inclusão da duplicata em maior que o privado. Aprimorar a men-
central de registro. suração do impacto de fatores exter-
nos, via modelo pay-for-impact (paga-
• Incentivar a adimplência, aperfei-
 mento condicionado ao impacto social
çoando o Cadastro Positivo via intro- provocado). Engajar outros agentes,
dução do modelo opt-out (ou seja, os como fundos de private equity social,
tomadores ficam no cadastro, a não organizações do terceiro setor etc.
ser que solicitem exclusão). Alterar a
forma de uso de cartões de crédito,
• Implantar ações para transparência,
monitoramento e avaliação – sendo
com diferenciação de preços, limites
precondição para isso rigorosas ava-
ao crédito rotativo e fim de creden-
liações e acompanhamento do de-
ciamento exclusivo.
sempenho de empréstimos e partici-
pações acionárias.
•  eduzir os custos administrativos
R
(que oneram o spread) pelo uso de •  primorar os mecanismos de gover-
A
inovações tecnológicas, com maior nança dos bancos públicos, em espe-
segmentação e proporcionalidade, cial daqueles que, além de emprés-
e por meio de aprimoramento e timos, têm participações em equity.
regulação sobre arranjos de paga- As mudanças devem apontar para a
mentos. As Fintechs – intersecção, segregação de funções, departamen-
não apenas semântica, entre o sis- tos e agentes, a fim de se evitarem
tema financeiro e empresas de tec- conflitos de interesse. Padronizar o
nologia – têm potencial não apenas máximo possível a atuação desses
de introduzir inovações, mas inclu- bancos, com critérios de elegibilidade,
sive de mudar o mercado e fomen- condições e volume disponibilizado
tar a concorrência bancária a partir para equalizações previamente defi-
de novos modelos de negócios. A nidos. A estratégia de fundos de pen-
operação das Fintechs diretamen- são estatais e de bancos públicos em
te junto ao público se tornou pos- equity também precisa ser guiada por
sível pela Lei n o 12.865/2013, que parâmetros, como setores de atuação,
integrou arranjos e instituições ao participação máxima em empresas e,
Sistema de Pagamentos Brasilei- eventualmente, cláusulas de saída.
ro e permitiu novas modalidades
de contas. • Aprimorar a gestão do BNDES, re-
duzindo prazo de até 300 dias para
•  implificar a regra dos compulsórios
S análise de operação direta. Bom
bancários, para elevação da parcela de exemplo é a melhora obtida no Finep
crédito concedida a custos menores. 30 Dias.

58
• P
 restar assistência técnica em algu- Diretrizes para financiar a nova economia
mas operações, minimizando riscos
de não pagamento e maximizando •  ultiplicar os Fundos de Investimento
M
os impactos sociais dos projetos. em Participações (FIPs) para alavan-
cagem financeira das empresas, via
• esolver assimetrias de informação e
R flexibilidade no investimento em capital
problemas de racionamento de crédito. de risco. Ampliar a participação destes
Por exemplo, alguns bancos organizam fundos em venture capital (investimen-
fundos de garantias e aval para que os tos em empresas com expectativas de

Financiamento do Desenvolvimento
empresários obtenham empréstimos jun- rápido crescimento e elevada rentabili-
to a bancos privados. Isso economiza re- dade) e reduzir a parcela de operações
cursos financeiros e humanos do banco, de private equity (investimentos em
e pode se revelar mais eficiente do que empresas maduras e de baixo risco).
empréstimos. Aqui, mais uma vez, rever o
ordenamento jurídico acerca das garan- •  riar um produto financeiro para apoio
C
tias é muito importante para o bom fun- a startups (empresas novas, inovado-
cionamento desses fundos. ras, com alto potencial de crescimen-
to) de base tecnológica, a ser operado
•  eparar, no crédito rural, o sistema
S pelo BB e pelo e BNDES em parceria
de agricultura familiar (função social) com o setor privado.
do sistema da grande agricultura, que
acaba por absorver a maior parte dos •  sse programa teria padrão interna-
E
recursos, mesmo tendo acesso ao cional em parceria com empresas,
mercado livre de crédito. instituições financeiras e agências
brasileiras e estrangeiras.
•  iversificar as fontes de financiamen-
D
to, com base principalmente em maior •  ixar como parâmetros desse progra-
F
participação de recursos livres por ma uma rentabilidade estimada de
parte de agentes privados. 18% a 25% ao ano, com prazo de 10 a
15 anos para sua maturação. Poderiam
• ortalecer mecanismos financeiros
F ser apoiadas cerca de 5 mil empresas
privados (LCA, CDCA e CRA) e apro- ligadas a setores críticos (como agri-
veitar o potencial de fontes priva- cultura, saúde, energia, nano e biotec-
das de financiamento, como traders nologia) por cinco anos. A verba seria
e fornecedores. de R$ 250 milhões do BB e do BNDES,
mais R$ 1 bilhão de investidores.
•  perfeiçoar a lei que regula o CRA e
A No modelo jurídico, constaria a opção
regulamentar, por meio da Comissão de compra das empresas. O programa
de Valores Mobiliários, as ofertas pú- interagiria com parques tecnológicos
blicas desse papel. e com a base de egressos da pós-gra-
duação, abrindo a cooperação com no-
•  primorar a gestão de risco, com trata-
A vos investidores, como Finep, BNDES,
mento diferenciado por porte de agri- CEF, agências de fomento e bancos de
cultores, e aprimorar os sistemas de desenvolvimento estaduais, além de
garantias e seguro rural. Concentrar o angels (pessoas físicas que investem
apoio governamental mediante crédito capital próprio em empresas nascen-
a tomadores com maiores dificuldades tes com alto potencial de crescimento)
no mercado livre (geralmente, agricul- e corporate ventures (investimento por
tores familiares). compra de participação acionária).

59
Educação
Básica


7
A Obrigação da
Reforma Ampla

61
Educação Básica
1

T
er um sistema universal de ensino produto interno bruto (PIB) estão alinhados
fundamental e médio não constou na com a norma internacional e até superam os
agenda brasileira por muito tempo. Só de diversos países com desempenho muito su-
na década de 1940 criou-se uma rede públi- perior, caso do Chile e do Uruguai, por exem-
ca mínima, que se manteve insuficiente para plo. Também o número de alunos brasileiros
atender a demanda até recentemente: o pro- por sala de aula segue a média internacional.
blema foi superado no final do século passado,
ou seja, há apenas 20 anos. Há, porém, enorme disparidade segun-
do atributos socioeconômicos dos alunos
Resultado: o Brasil está atrás de países com e em especial quanto à renda familiar per
grau semelhante de renda média e atrás de capita: a escolaridade média dos estudan-
vizinhos latino-americanos, como Argentina, tes de famílias situadas entre as 20% mais
Chile e Uruguai. A qualidade do ensino é baixa, ricas é o dobro daquela dos estudantes de
particularmente na rede pública, onde estão famílias com renda familiar per capita en-
90% das matriculas do ensino básico e 75% tre as 20% mais pobres. O mesmo acon-
das do ensino médio. Em 2012, o país ficou tece na matrícula em creches e nos anos
mal classificado no Programa Internacional de iniciais de alfabetização.
Avaliação de Alunos (Pisa). No desempenho
em matemática, os estudantes brasileiros se A vida social e econômica é afetada pela
saíram pior que 89% dos participantes. O de- educação, que altera chances e trajetórias
sempenho considerado pelo menos adequado profissionais de cada pessoa e as oportunida-
(nível 2, ou 482 pontos) foi atribuído a 33% dos des dos descendentes de quem pôde estudar.
brasileiros, bem menos que os 90% de corea- Quando a escolaridade de uma população
nos, os 80% de vinte países e os 70% de ou- cresce, há impacto positivo no mercado de
tros quarenta países. O Brasil ficou na lista dos trabalho, na remuneração e na permanência
11% com pior desempenho. no emprego. A capacidade e a velocidade de
absorção de produção e inovação tecnológica
O Chile, por exemplo, apresenta indicado­ têm influência nas possibilidades de cresci-
res melhores que os brasileiros: aqui, 16% dos mento econômico.
alunos chegam ao 5º ano do ensino fundamen­
tal com pelo menos um ano de atraso; lá, 1,5%. A educação afeta até a saúde das pessoas
No fi­nal desse ciclo, 18% dos estudantes bra- e mesmo seu comportamento reprodutivo –
sileiros e 5% dos chilenos têm um ano ou mais quanto maior a escolaridade das mulheres,
de atraso. Na conclusão do ensino médio, a mais tardios são os casamentos e nascimen-
situação pio­ra: no Brasil, 45% dos estu­dantes tos do primeiro filho. Com mais estudo, a mu-
têm pelo menos um ano de atraso. No Chile lher tem mais acesso ao mercado de trabalho
são 13%. e, tendo filhos mais tarde, a mulher ou o casal
se expõem menos ao desemprego, tendo mais
Engana-se quem atribuir esses resultados chance de construir uma carreira profissional,
a uma eventual insuficiência de recursos – os ou seja, melhoram as chances de educar e pro-
gastos com educação como proporção do teger sua prole.

62
Tabela 1
Escolaridade e idade de mães e filhos
(Em número de anos)
  1982 1986 1990 1995 2001 2006 2011 2014
Escolaridade média das mães 4,5 5,0 5,3 7,2 7,2 7,9 8,5 9,1
Idade média das mães 39,7 40,2 40,8 41,6 42,0 43,2 44,8 43,8
Escolaridade média dos filhos 4,1 4,3 4,5 5,1 5,5 5,7 6,2 6,5
Idade média dos filhos 11,1 11,5 12,0 12,5 13,2 14,0 15,0 16,2
Número médio de filhos 1
2,38 2,23 2,04 1,83 1,61 1,44 1,27 1,25
Fonte: Pnad/IBGE.
Nota: 1 Apenas filhos que moram no domicílio.

Educação Básica
É o que mostra a Pesquisa Nacional por Outro ponto importante é o papel da es-
Amostragem de Domicílios (Pnad) de 2014: colaridade dos pais, sobretudo da mãe, para
a instrução das mães está se elevando e o a continuidade na educação formal. Em 2014,
número de filhos é progressivamente me- entre os filhos com 24 anos de mães sem ins-
nor, mas cresce também a escolaridade trução, 6,4% também não eram instruídos.
dos filhos. Mas só 0,7% dos filhos de mães com nível
superior completo não haviam estudado. De-
Um estudo de 2006 do Ipea 2 relaciona a talhe: 8,1% dos filhos de mães sem instrução
desigualdade educacional com o ambiente chegam ao nível superior (treze anos ou mais
familiar, em que são determinantes a es- de escolaridade), número que sobe a 69,1%
colaridade dos pais e a renda familiar: há no caso de filhos de mães com nível superior
evidências de que cada ano a mais de edu- completo. Entre as pessoas de 24 anos e nível
cação dos pais, a educação dos filhos sobe superior completo, só 6% têm mães analfabe-
mais que um ano. tas e 41% têm mães com nível superior.

Gráfico 1
Renda e grau de escolaridade (2014)
(Em R$)
16.000,00

14.000,00

12.000,00

10.000,00

8.000,00

6.000,00

4.000,00

2.000,00

0,00
1o Grau 2o Grau Superior Pós-Graduação

Renda individual Renda familiar

Fonte: Pnad/IBGE.

63
Tabela 2
Escolaridade e idade dos jovens
(Em número de anos)
Anos de estudo (média) 2001 2004 2014
Brasil 6,2 6,6 8,7
10 a 14 anos 3,9 4,1 5,4
15 a 17 anos 6,6 7,1 8,8
18 a 19 anos 7,9 8,4 10,4
20 a 24 anos 8,0 8,7 11,1
Fonte: Pnad/IBGE.
Obs.: Há nessa estatística um efeito que a distorce. O ensino fundamental a partir de 2003 passou a ser de nove anos ou séries. Fazendo o ajuste, o número
de anos médios para 2001 e 2004 seria, respectivamente, 6,5 anos e 7,1 anos.

Na relação escolaridade-renda individual e Em 2002, o Brasil bateu recorde em matrículas


familiar, nota-se que esta cresce com o aumento no ensino fundamental, 35 milhões, mas o núme-
da escolaridade, a ponto de, no caso das pessoas ro caiu a 28,6 milhões em 2014. No ensino médio,
com pós-graduação, superar em sete vezes a de as matrículas chegaram a 9,2 milhões em 2004, e
quem tem apenas o primeiro grau. Educar os jo- dez anos depois caíram para 8,3 milhões. O fluxo
vens é elemento-chave para superar a armadilha escolar melhorou em vinte anos, mas quase 10%
da pobreza e da desigualdade, elevando produti- dos alunos matriculados no primeiro ano do funda-
vidade e produção e ampliando as oportunidades mental abandonam a escola. Nos ciclos seguintes,
para as gerações futuras. a perda chega a ser chocante: evasão de um terço
dos alunos da 5a série e de 42% dos matriculados
Em pouco mais de uma década, a escolaridade no primeiro ano do ensino médio até seu final.
média brasileira passou de 6,2 para 8,7 anos. Pra-
ticamente todas as crianças de 7 a 14 anos têm Além dessa perda expressiva de alunos, con-
acesso à escola e é nítido o avanço da inserção tinua sendo enorme a distorção idade-série, em-
em todos os grupos etários. Apesar disso, há mui- bora se registre lento movimento de baixa. Na 4a
tos atrasos ainda. série do ensino fundamental, um aluno em cada
grupo de cinco está defasado e, a partir da 5a
Em 2014, um jovem de 15 anos tinha apenas série, a relação sobe a um entre quatro. Os mais
6,8 anos de estudo, quando deveriam ser 9 anos, afetados são os alunos mais pobres, que revelam
ou seja, em média, pelo menos dois anos de es- também maior dificuldade de aprendizado e me-
cola são perdidos até essa idade. Aos 18 anos, o nor permanência na escola, por serem obrigados
jovem tem 8,7 anos de escolaridade em vez dos a uma inserção precoce no mercado de trabalho.
necessários 12 anos. O quadro se agrava pela bai-
xa qualidade do ensino e pela enorme disparidade Piora esse quadro a percepção de que al-
educacional entre grupos sociais (por gênero, re- guns segmentos de renda média e alta estão
gião, renda familiar, cor da pele e, principalmente, nas melhores escolas estatais – em especial as
escolaridade do chefe do domicílio), ainda que em escolas federais e as vinculadas a universida-
lenta retração. des estatais – e se beneficiam baixando o cus-
to da educação de seus filhos, em detrimento
Quase metade dos jovens com mais de 21 das famílias mais pobres.
anos não havia frequentado o ensino funda-
mental ou frequentara alguma série e se eva- Um sistema educacional igualitário deveria re-
dira, em 2002. O percentual de indivíduos de 21 sultar no mesmo nível de educação sob qualquer
anos nas mesmas condições caiu em 2014, mas ângulo de análise e as diferenças educacionais
ainda é alto (37,5%), e mais ainda entre os que seriam apenas expressão da capacidade e habi-
têm 29 anos (66%). lidade individuais.

64
nue a produzir esse contraste educacional,
Um sistema educacional com impactos deletérios no futuro desequi-
igualitário deveria líbrio da renda dos atuais jovens e crianças.

resultar no mesmo Depois de séculos de insuficiência de


oferta de vagas para o ensino fundamental,
nível de educação sob conseguimos suprir a oferta de escola estatal
qualquer ângulo de para praticamente todas as crianças em ida-
de escolar. Se o Brasil já avança lentamente
análise e as diferenças nos esforços de prover educação e reduzir
educacionais seriam desigualdade educacional, falta muito ainda
quando se considera a questão da qualida-

Educação Básica
apenas expressão da de do ensino, cuja falta tem sido atestada
por diversos sistemas de avaliação criados a
capacidade e habilidade partir do final dos anos 1980, como o Siste-
individuais. ma de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
a Prova Brasil e o Índice de Desenvolvimento
Dados da Pnad mostram a evolução da da Educação Básica (Ideb).
escolaridade média e da desigualdade edu-
No Saeb, são analisadas provas de
cacional entre 1995 e 2014. A escolaridade
língua portuguesa e matemática desde
média subiu progressivamente (6,1 anos em
1995 e seus resultados revelam que, des-
1995 e 8,3 anos em 2014) e a desigualdade
sa data até 2015, os alunos dos últimos
cresceu até 2001, quando começou a baixar,
anos do ensino fundamental e do ensino
mas ainda é alta. Será preciso meio século
médio não apresentaram progressos ge-
para superar isso. Não é desejável que o sis-
rais. Pelo contrário, há sinais de queda de
tema de ensino (basicamente estatal) conti-
qualidade, em especial no ensino médio.

Gráfico 2
Língua portuguesa – níveis de proficiência média (1995-2015)
300
290
284
280 269
267 267 261 269 267
262 264
258
260
256
250 252
240 244 245 246
233 235 232 232 235
220

208
200
196
180 188 191
187 184
176
171 169 172
160 165

140
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015
Fundamental – Ano inicial Fundamental – Ano final Médio 3a Série

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Ministério da Educação (Inep/MEC).

65
Gráfico 3
Matemática – níveis de proficiência média (1995-2015)
300 289
282 280 277 279 273
271 275 275
280 270
267

260

253 256
240 252
253 247 249
250 246 245 240
243
220

219
200 210 211
204
193
180
191 191 181 182
176 177
160

140
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2013 2015

Fundamental – Ano inicial Fundamental – Ano final Médio 3a Série

Fonte: Inep/MEC.

Houve melhora na série inicial do ensino fun- interesse pelo aprendizado. O sistema
damental, mesmo que as médias continuem educacional reproduz a desigualdade pre-
muito baixas. Transformando estes indica- valente na sociedade e, por isso mesmo, é
dores em níveis de proficiência, a maioria incapaz de auxiliar no combate estrutural
dos estudantes recebeu nota 4 na escala de da desigualdade.
0 a 10, ou seja, níveis insuficientes.
Esse quadro, particularmente grave nos
No Pisa 2015, que avalia estudantes de tempos atuais, tende a piorar ante o avanço
diversos países, ficou evidente que os alu- registrado por outros países e a demanda
nos brasileiros aprendem muito menos que de mão de obra. A escola precisa habilitar
os europeus, canadenses ou coreanos, e as pessoas a processos produtivos cada vez
estão atrasados quatro ou cinco anos em mais complexos e delicados. Há um enorme
relação a colegas de países industrializa- descompasso entre as qualificações exigi-
dos. Só 30% dos brasileiros tiveram de- das pela estrutura produtiva moderna e o
sempenho satisfatório em matemática, que as escolas oferecem.
abaixo dos 70% dos estadunidenses, mais
de 40% dos mexicanos e quase 40% dos Por ser o Estado o provedor majoritário
costa-riquenhos. da educação, mudar essa situação signifi-
ca necessariamente mudar a forma como o
Em resumo: os estudantes pouco apren- Estado – autoridades, professores e profis-
dem, abandonam a escola, não são esti- sionais de ensino – trata, organiza e provê
mulados a desenvolver curiosidade nem a educação no país.

66
fatores e agentes (recursos financeiros, in-
Os estudantes fraestrutura material, burocracia educacio-
pouco aprendem, nal, professores e demais profissionais de
educação, alunos, pais, participação da co-
abandonam a escola, munidade dentre outros), a disponibilidade
não são estimulados a de recursos e o grau de cooperação e coor-
denação entre os diversos agentes deter-
desenvolver curiosidade minam, em grande medida, o resultado do
nem interesse processo e seu custo.

pelo aprendizado. Mas não é só isso, se houver problemas de

Educação Básica
O sistema educacional infraestrutura, por exemplo, salas de aula po-
derão ter número excessivo de alunos. A razão
reproduz a desigualdade aluno/professor sinaliza o número de alunos
prevalente na sociedade por turma e a do Brasil é inferior à média de
119 países analisados pelo Banco Mundial em
e, por isso mesmo, é 20143 e à média mundial.
incapaz de auxiliar no
O ambiente familiar – especialmente
combate estrutural a escolaridade e a renda familiar – é po-
da desigualdade. deroso fator no processo de educação.
Comunidades com maior renda per capita
apresentam melhores resultados educa-
Fragilidades, impasses e desafios cionais, mas políticas educacionais bem
geridas podem compensar e até supe-
Quais são as principais fragilidades do sis- rar deficiências socioeconômicas. Um
tema educacional e que propostas serão exemplo disso foram os bons resultados
capazes de superá-las? O desempenho do
captados recentemente em exames na-
sistema educacional é pífio, mas não fal-
cionais por escolas do interior do Ceará.
tam recursos financeiros: o gasto governa-
O MEC deveria incentivar movimentos
mental com educação supera 6% do PIB,
assim, mas, para isso, terá de mudar ra-
tendo crescido 30,4% entre 2000 e 2014.
São 4,9% do PIB gastos com ensino básico dicalmente sua própria postura: passar
– crescimento de 32,4% no mesmo perío- a assumir o papel central de idealizador
do e proporção equivalente à maioria dos das políticas educacionais, de avaliador
países, que obtêm resultados muito supe- do desempenho e de formulador e imple-
riores aos do Brasil. Cresceu, também, o mentador de regras de incentivos e san-
gasto por aluno, triplicando em termos ções às ações locais, além, obviamente,
reais nesse mesmo intervalo e se verifican- de continuar produzindo informações es-
do em todas as séries do fundamental e tatísticas e fazendo avaliações sistemáti-
ensino médio. cas de desempenho. E criar mecanismos
de incentivos para que níveis locais sejam
É extensa a série de fatores que influem compelidos a adotar iniciativas semelhan-
no rendimento escolar e no processo de tes, usando o Ideb para premiar escolas,
aprendizagem. Por depender de vários professores, municípios e alunos.

67
A educação vocacional no Brasil
A educação vocacional, entendida como aquela voltada para a capacitação mais direta para o mercado de
trabalho, se dá em três modalidades principais: cursos de curta duração, de formação inicial continuada
(FIC); cursos técnicos de nível médio, de oitocentas a 1.200 horas de duração; e cursos tecnológicos de
nível superior, de dois ou três anos.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 mostrava que, naquele ano, 6 milhões
de pessoas estavam fazendo algum curso vocacional, sendo 4,8 milhões em cursos de formação inicial e
continuada, 1 milhão em cursos técnicos de nível médio e 90 mil em cursos tecnológicos de nível superior.
A maior parte das matrículas nos cursos FIC eram na área de informática; nos cursos técnicos, a área de
saúde; e nos cursos tecnológicos, a área de comércio gestão e turismo; e os principais provedores destes
cursos eram o setor privado. A pesquisa mostrou também que 36 milhões de pessoas haviam cursado
antes algum curso de capacitação, a grande maioria em cursos de curta duração.
Em 2011, o governo federal anunciou a criação de um ambicioso Programa Nacional de Acesso ao Ensi-
no Técnico e Emprego (Pronatec), com diferentes modalidades de bolsa de estudo que proporcionaram 8,1
milhões de matrículas até 2014, sobretudo em educação inicial, a um custo de R$ 4,2 bilhões, em 2014,
que incluía também o financiamento da expansão dos Institutos Federais de Ciência e Tecnologia.
As avaliações existentes do impacto do Pronatec sobre a empregabilidade e a renda não são conclu-
sivas. Dados recentes da Pnad de 2017, mostram, no entanto, que, entre pessoas com educação média,
estar em uma ocupação técnica aumenta a renda média em cerca de 50%.
Em 2017, diante das limitações de recursos, o governo optou por concentrar os recursos na ampliação
do ensino técnico de nível médio, em consonância com a reforma do ensino médio aprovada no início do
ano. O Censo Escolar de 2016 mostrou que havia somente 1,6 milhão de estudantes de nível médio em
cursos técnicos nos países, cerca de 15% da matrícula, muito abaixo do que ocorre na maioria dos países,
em que metade ou mais dos estudantes buscam esta opção.
A evidência internacional é que os programas de formação profissional mais bem-sucedidos são aqueles
em que existe uma forte participação do setor produtivo, a formação profissional tem um forte componente
de aprendizagem prática, e se estende até o nível superior. No Brasil, a legislação sobre aprendizagem não
tem funcionado como mecanismo efetivo de capacitação, e não existem políticas para expandir a educação
vocacional de nível superior, como continuidade e aprofundamento da educação técnica de nível médio.

Caberia ao MEC, também, agir firmemente No entanto, via de regra, a remuneração não está
em algumas grandes áreas: aprimorar as bases associada à produtividade do professor, o que não
curriculares, ajustar o ensino técnico, melhorar estimula a dedicação e o aprimoramento técnico.
a formação do docente e ajustar sua carreira, Algumas gratificações associadas ao desempenho
investir na gestão escolar, estabelecer maior dos alunos nos exames nacionais têm gerado de-
integração escola-trabalho. Deverá, finalmen- mandas jurídicas e, em não raros casos, o Judiciá-
te, avaliar e ajustar o que for necessário nas rio entende que elas devem ser agregadas à base
políticas compensatórias. remuneratória permanente, considerada inclusiva
para a fixação do valor da aposentadoria. Reco-
O magistério representa, em média, de 25% a mendam-se, assim, novos arranjos institucionais no
30% da força de trabalho em estados e municípios. setor público para criar uma carreira competitiva,

68
mais maleável e semelhante às do setor privado. As As crianças ficam hoje mais tempo na
recentes restrições orçamentárias tornaram o cus- escola do que ficavam seus pais e a esco-
to previdenciário um limitador para a contratação laridade média cresce consistentemente,
de novos professores ou de aumentos remunera- assim como cai a incidência de analfabe-
tórios que tornem a carreira mais competitiva. As tismo, já praticamente inexistente entre os
novas gratificações, associadas ao desempenho do mais jovens. É menor, agora, a desigualda-
aluno nos exames nacionais, têm gerado demandas de educacional e aumentaram os gastos
jurídicas e, em não raros casos, o Judiciário entende por aluno e com a educação total.
que elas devem ser agregadas à base remunerató-
ria permanente, considerada inclusiva para a fixa- Apesar de tudo isso, ainda persistem
ção do valor da aposentadoria. Recomendam-se, desigualdades e faltam condições para

Educação Básica
assim, novos arranjos institucionais no setor público dar esperança e alento aos jovens menos
para criar uma carreira competitiva, mais maleável e favorecidos. Milhões de crianças e jovens
semelhante às do setor privado. continuam fora das escolas e os que per-
manecem aprendem muito pouco. A qua-
Esforço contínuo lidade da educação é muito inferior à dos
países desenvolvidos e de países com ren-
Nos últimos quarenta anos, superou-se a
da per capita semelhante à brasileira. O en-
histórica ausência de vagas para crianças e
sino técnico deficiente está desconectado
jovens – com a colocação na escola de pra-
do mundo real do trabalho. A gestão de es-
ticamente todas as crianças entre 7 anos e
colas é precária e arcaica. Docentes, des-
14 anos de idade. Mas a transição para o en-
motivados, têm baixo preparo para atuar
sino médio ainda é muito baixa e é grande
em salas de aula e suas carreiras são mais
a desistência de alunos, desde seu ingresso
associadas à antiguidade que à eficiência.
até a conclusão de cada ciclo. Além disso, é
preciso ampliar a matrícula na chamada pré-
Porém, algumas experiências, mesmo
-escola, desde a creche até a alfabetização.
que isoladas e limitadas, revelam ser pos-
sível superar esse círculo vicioso. Em ge-
Comunidades ral, elas não encontram ações de reforço e
aprofundamento, mas sim movimentos em
com maior renda sentido contrário.
per capita apresentam É necessário um profundo e contínuo esfor-
melhores resultados ço de aprimoramento da educação: aprimora-
mento legal, das bases curriculares, da meto-
educacionais, mas dologia de ensino, da gestão escolar, do ensino
políticas educacionais técnico e também da principal mão de obra de
todo o sistema educacional.
bem geridas podem
compensar e até Alinhados os principais impasses da educação,
apresentam-se, a seguir, ações que podem ajudar
superar deficiências a eliminá-los, para ampliar a inserção escolar em
socioeconômicas. todos os ciclos educacionais, elevar a qualidade
da educação básica e transformá-la em oficina

69
criativa capaz de ampliar horizontes de crianças 5. F
 azer uma completa revisão e atualiza-
e jovens. Crescerão, assim suas oportunidades na ção da gestão da escola, de modo a que:
vida adulta, com menores desigualdades herda-
das do ambiente socioeconômico e familiar. •  s escolas incorporem modernas técnicas
a
de gestão e controle de recursos, fixando
1. Focalizar as ações do MEC nas tarefas de: metas e objetivos a serem atingidos,

• idealizar políticas educacionais, • a s metas e os objetivos não sejam res-


tritos ao aprendizado, mas abranjam a
• a valiar permanentemente o desempe- manutenção e preservação do material
nho escolar, escolar, da própria escola e seus equi-
pamentos e instrumentos,
•  roduzir informações estatísticas e fa-
p
zer ampla disseminação, e •  aja mais recursos, com maior flexibilidade
h
para sua alocação pela própria escola, e
• a companhar e avaliar iniciativas locais
bem-sucedidas e, a partir disso, criar • sejam avaliados e realizados os
mecanismos de incentivos para que os ajustes devidos em cada caso, em
níveis locais sejam compelidos a adotar experimentos de gestão como elei-
iniciativas semelhantes, visando a me- ção de diretor e participação mais
lhoria do ensino básico. intensa da comunidade na adminis-
tração e gestão da escola.
2. A
 primorar as bases curriculares, tor-
nando-as mais flexíveis e adaptáveis. 6. C
 orrigir rumos para integração do
estudante como aprendiz em uma
3. F
 azer ajustes no ensino técnico, tornan-
atividade profissional, sendo parti-
do-o mais flexível e próximo das neces-
cularmente necessário rever toda a
sidades do mercado de trabalho.
legislação, para tornar vantajosa a
4. M
 udar a formação e rever a carreira do- relação empresa-aprendiz, em espe-
cente, sendo absolutamente crucial: cial para os que precisam entrar no
mercado de trabalho mais precoce-
• rever o programa dos cursos de forma- mente. Integrar o aluno como apren-
ção de professores, sobretudo os dedica- diz em uma atividade profissional
dos ao ensino fundamental – o professor pode ser valioso instrumento contra
deve ter domínio da matéria e assuntos a a evasão escolar e a informalidade
ministrar, além do domínio das técnicas em que trabalha, sendo que a maior
pedagógicas e motivacionais, e parcela de jovens abandona a esco-
la para ajudar na renda familiar. Para
• criar mecanismos remuneratórios e o jovem ingressar no mercado de
de ascensão profissional que confiram trabalho de modo a obter conheci-
maior associação entre remuneração mento de técnicas, disciplina laboral,
e desempenho, ou, alternativamente, regras, códigos e valores das empre-
criar uma carreira mais competitiva, sas, deve haver uma interação positi-
flexível, atrativa e semelhante às car- va e vantajosa entre ele e a empresa,
reiras do setor privado. o que não ocorre atualmente.

70
Educação
Superior

8
Os Caminhos
para a
Modernização
Educação Superior
1

E
m quase todo o mundo, a educação su- No entanto, no Brasil é ainda muito imper-
perior se expande, puxada por demandas feita a relação entre oferta de educação supe-
do mercado de trabalho e da sociedade. rior e demanda do mercado de trabalho. São
O mercado exige trabalhadores mais qualifica- várias as razões disso. Primeiro, a reserva de
dos técnica e profissionalmente, e as pessoas mercado, controlada por corporações pro-
buscam mais prestígio, renda e reconhecimento fissionais. Segundo, há poucas informações
social. No Brasil, não é diferente: educação supe- disponíveis sobre a demanda do mercado de
rior significa mais empregabilidade e renda, e ter trabalho para o possível estudante. Terceiro,
acesso a ela é aspiração crescente da sociedade. os subsídios públicos barateiam o custo des-
A renda de formados em curso superior mais que sa educação para a maioria dos estudantes,
duplica em relação à de quem tem educação estimulando matrículas mesmo sob incerteza
média, e a do pós-graduado chega a ser quatro quanto a perspectivas futuras de trabalho.
vezes maior, segundo a Relação Anual de Infor-
mações Sociais (Rais). Essas são algumas das Quando demanda e oferta estão ajustadas, a
razões para que tenha subido de 3 milhões para tendência é preferir carreiras mais procuradas,
8 milhões o número de matrículas em cursos de o que leva a uma equalização de renda entre as
graduação de 2001 a 2015. diversas profissões e à menor desigualdade entre

Gráfico 1
Matrículas no ensino superior brasileiro (2001-2015)
9.000.000

8.000.000

7.000.000

6.000.000

5.000.000

4.000.000

3.000.000

2.000.000

1.000.000

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Rede pública Rede privada

Fonte: S
 CHWARTZMAN, S. Perspectivas para a Educação Superior no Brasil. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação:
artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

72
diplomados e não diplomados. Mas não é o que (18,35%), saúde e bem-estar social (14,5%).
ocorre no Brasil. A Pesquisa Nacional por Amostra A idade média do aluno de curso superior é de
de Domicílios (Pnad) contínua indica que havia no 27 anos. A maior parte (72%) estuda à noite, e
Brasil cerca de 16 milhões de pessoas economi- são poucos os que o fazem em tempo integral
camente ativas com educação superior em 2016. (15%). Tomando-se por base as matrículas ini-
Um terço trabalhava no setor público, em que os ciais em 2010, verifica-se que só metade dos
níveis salariais são geralmente mais altos. Na área alunos se formou em 2015, isto é, uma estima-
privada, a grande maioria trabalha no setor de tiva simplificada sugere uma taxa de aproveita-
serviços a empresas e serviços sociais (incluindo mento de cerca de 50%. Mulheres são maioria,
educação e serviços de saúde), havendo também assim como os que se declaram brancos (55%,
um grupo significativo de empresários e pessoas mais que no conjunto da população, em que a
que trabalham por conta própria. proporção é de 44%).

Educação Superior
Políticas recentes para o ensino superior visa-
Profissões sociais são as preferidas ram expandir o acesso e a oferta. De 2001 a 2015,
as matrículas em escolas federais cresceram 215%;
Estas são algumas características do ensino su-
no setor privado, o avanço foi de 290%. As ações
perior no país: há preferência por cursos profis-
afirmativas (a exemplo das políticas de cotas) e o
sionais regulares, e as escolas particulares são
financiamento estudantil ampliaram o acesso de di-
as mais procuradas – em 2015, elas absorviam
versos segmentos sociais ao ensino superior.
76% das matrículas totais. Quase não existem
cursos de formação vocacional pós-secundá- A pós-graduação e a pesquisa, muito con-
ria (ou tecnológica, na terminologia brasileira). centradas no setor público, também avança-
Além disso, são poucas as instituições com pes- ram: em 2015, eram 6 mil os cursos de pós-
quisa e pós-graduação, e a maior parte delas é -graduação e 252 mil os alunos matriculados.
pública. O ensino na rede pública é gratuito e O número de publicações de autores brasilei-
no setor privado é pago, mas existem subven- ros em revistas indexadas internacionais cres-
ções que são financiadas por programas como ceu, ainda que estudos sugiram2 que o impac-
o Universidade para Todos (Prouni) e pelo sis- to dos artigos escritos por autores brasileiros
tema federal de créditos educativos, o Fundo de continue relativamente baixo.
Financiamento Estudantil (Fies).
Balanço geral: cresceu o acesso ao ensino
O Censo da Educação Superior de 2015, do Ins- superior e melhorou a equidade, mas os pa-
tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais drões de qualidade e pertinência da educação
Anísio Teixeira (Inep), indica que havia 8 milhões de ainda se mantêm baixos. A crise econômica
estudantes no ensino superior brasileiro, dos quais inviabiliza o modelo atual de financiamento,
apenas 56% tinha entre 18 e 24 anos. Esses 4,5 mi- além de limitar a expansão dos gastos públicos
lhões de estudantes significam que 18,7% da faixa para as próximas décadas.
da população entre 18 e 24 anos de idade estava
matriculada no ensino superior, muito abaixo das
taxas observadas em outros países da região, como No Brasil, é ainda
Chile e México, e mais abaixo ainda dos países de
economia desenvolvida, em que o acesso ao ensino
muito imperfeita a
superior tende a se universalizar. relação entre oferta de
As informações do censo mostram que a educação superior e
grande maioria dos estudantes brasileiros se
concentra em áreas das profissões sociais (ci- demanda do mercado
ências sociais, negócios e direito), com 38,5% de trabalho.
das matrículas, seguindo-se as de educação

73
Políticas de cotas nas universidades brasileiras
A partir de 2002, universidades brasileiras começaram a adotar políticas afirmativas no sistema de sele-
ção, ao implantar cotas raciais e/ou para estudantes da rede pública. As primeiras instituições a adotarem
o sistema foram as universidades estaduais no Rio de Janeiro e na Bahia. As políticas afirmativas foram
ampliadas para instituições federais por meio da Lei de Cotas (Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012),
estabelecendo a reserva de 50% das vagas das 59 universidades federais e dos 38 institutos federais de
educação, ciência e tecnologia.
As participações de negros e pardos e de pessoas de baixa renda no total de matriculados, incluindo a
rede privada, aumentaram entre 2003 e 2014. Nesse período, os estudantes declarados pretos e pardos
passaram de 34,20% do total de graduandos para 47,57%, enquanto os estudantes com renda de até 3
salários mínimos (SMs) passaram de 40% para 51%. Além disso, os dados mostram que negros, pardos e
indígenas representam a maioria dos alunos cotistas e que o total de alunos que ingressaram por cotas de
escolas públicas já representava 34,5% do total de matriculados em instituições federais.
Gráfico 2
Participação de cotistas nas instituições federais (2014)
(Em %)

Pretos/pardos/indígenas/renda bruta
per capita igual ou inferior a 1,5 SM
Cota de instituições públicas

Pretos/pardos/indígenas/
independente de renda

Renda bruta per capita igual


ou inferior a 1,5 SM

Independente de renda

Ampla concorrência

0 20 40 60 80 100
Até 3 SMs Mais de 3 SMs

Obs.: Foram excluídos os graduandos que não declararam a renda.


Fonte: ANDIFES – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. IV Pesquisa do perfil socioeconômico e cultural
dos estudantes de graduação das instituições federais de ensino superior brasileiras – 2014. Uberlândia-MG: 2016.

Essas políticas foram e ainda são muito debatidas. Pesquisas indicam3 a eficácia do sistema de cotas em
aumentar o acesso de grupos historicamente desfavorecidos ao ensino superior. Mais ainda, essas pesquisas
mostram que o sistema de cotas não afeta de maneira estatisticamente significativa a qualidade dos alunos
selecionados, seu desempenho durante o curso e sua taxa de evasão. Entre os cursos mais concorridos também
não há diferenças entre ganhos salariais de cotistas e não cotistas após a faculdade. Cabe lembrar que o au-
mento da proporção de alunos mais pobres e não brancos no ensino superior (de 23,2%, em 2001, para 44,6%,
em 2015) também se apoiou na expansão de todo o sistema, que abriu espaço para novos grupos sociais.

74
Implantar um novo modelo Daqui em diante, a demanda por educação
superior não crescerá no ritmo observado até
Uma das metas do Plano Nacional de Educa-
2015. E isso exige uma profunda modificação do
ção (PNE), de 2014, prevê a elevação, em dez
modelo atual de ensino superior, reorganizando-
anos, da taxa bruta de matrícula na educação
-o. Também requer a reformulação do sistema
superior para 50% e da taxa líquida para 33%
de pós-graduação e pesquisa, redefinindo o pa-
da população de 18 a 24 anos, com qualida-
pel do Estado no controle do setor e a gover-
de de oferta e expansão mínima de 40% em
nança das instituições de ensino superior, além
vagas no segmento público. Havia e há pro-
da forma de financiamento. A seguir, são apre-
blemas com essa meta. Ela pressupõe grande
sentadas as linhas básicas desse novo modelo
expansão no número de jovens formados no
ensino médio (que estagnou) e, além disso, que se propõe.

Educação Superior
fortes investimentos adicionais nas institui-
ções públicas (agora inviabilizados por restri-
• Implementar um novo sistema de en-
sino superior. Recomenda-se estudar
ções orçamentárias e pela necessidade de in-
a viabilidade de aplicação de modelo
vestir mais na educação fundamental e média
alternativo já em curso nos países da
de qualidade).
União Europeia e em outros países –
o “modelo de Bolonha”. Esse modelo
consiste essencialmente na criação de
A demanda por três ciclos distintos de formação: o pri-
educação superior meiro, de três anos, o mais amplo, in-
clui cursos vocacionais e preparatórios
não crescerá no para graus universitários avançados,
ritmo observado até semelhantes aos de colleges ingleses
e norte-americanos. O sistema po-
2015. Isso exige uma deria ser oferecido pelos setores pú-
profunda modificação blico e privado, e haveria um sistema
de créditos e subsídios associados às
do modelo atual, com necessidades econômicas dos estu-
reformulação do sistema dantes. O segundo ciclo, de dois anos,
é o de formação profissional. Poderia
de pós-graduação e ser constituído tanto por mestrados
pesquisa, redefinindo-se profissionais quanto por prolongamen-
to de algumas carreiras, como direito,
o papel do Estado no engenharia e medicina; a primeira par-
controle do setor te das disciplinas seria cumprida no
ciclo inicial. O terceiro ciclo seria o de
e a governança estudos avançados, para formação de
das instituições de doutores e especialistas de alto nível.
Houve iniciativas pioneiras de implan-
ensino superior, tação do modelo de Bolonha, mas ele
demanda uma profunda revisão do
além da forma marco regulatório, caso contrário, es-
de financiamento. sas iniciativas esbarrarão no status quo
e ficarão pelo caminho.

75
• Incentivar o uso de novas tecnologias serem os avaliadores indicados pelas
de ensino a distância. As tecnologias de respectivas áreas de conhecimento
ensino a distância permitirão ampliar o gera risco real de corporativismo e
acesso à educação superior desde que autocomplacência.
mecanismos adequados controlem a
qualidade, com ênfase nas competên- •  ropiciar maior autonomia às univer-
P
cias adquiridas pelos estudantes, e não sidades de excelência quanto à cria-
nos insumos e processos. ção e manutenção de seus cursos de
pós-graduação, em um modelo mais
•  iferenciar e especializar as instituições
D competitivo e aberto. A pós-graduação
de ensino superior. O novo modelo de não necessita de um controle rígido e
ensino superior proposto possibilitaria re- burocrático, precisa de incentivos em
organizar o sistema de forma a favorecer um sistema mais aberto, em que uni-
a especialização para as instituições de versidades e instituições de pesquisa
ensino superior. O primeiro ciclo do novo compitam por recursos para realizar
modelo estaria concentrado em todo o seus projetos.
setor privado e em boa parte do sistema
público, cabendo a um número menor de •  udar as bases para a expansão da
M
instituições a formação de alto nível e a pós-graduação no Brasil. A expan-
pesquisa – o que exigiria reorganizar o são da pós-graduação se explica, em
atual sistema de pós-graduação. grande parte, pela exigência legal de
formação em doutorado para todos
•  eorganizar o sistema de pós-gradu-
R os professores de universidades. Isso
ação e pesquisa, estimulando a prá- ensejou a abertura de vários mestra-
tica multidisciplinar e a vinculação dos acadêmicos, muitos dos quais
mais forte entre a pesquisa e o setor evoluíram para doutorados, e foram
produtivo. A reorganização depen- dados incentivos para professores
de da reformulação do sistema de completarem sua formação. Passados
avaliação administrado pela Coor- quarenta anos, persistem no Brasil
denação de Aperfeiçoamento de esses mestrados, já substituídos em
Pessoal de Nível Superior (Capes). outros países por cursos de aperfei-
A Capes desempenhou um papel im- çoamento, com formação de alto nível
portante no desenvolvimento da pós- para docência e pesquisa em progra-
-graduação e da pesquisa acadêmica mas de doutoramento.
no Brasil, zelando também por sua
qualidade. Mas a avaliação é hoje •  eformular os critérios de avaliação
R
feita por pares e combinam-se infor- da pós-graduação. A exigência legal
mações sobre produção científica e de que os programas de pós-gradu-
desempenho dos programas, sem se ação desenvolvam pesquisas ava-
levar em consideração a interação liadas pela reputação internacional
com o setor produtivo e indicações das revistas em que são publicadas
de inovação tecnológica. As aprecia- foi importante por impor um critério
ções da Capes são importantes, pois objetivo de avaliação, mas criou um
autorizam ou não o funcionamento forte viés acadêmico que desestimu-
de cursos, decidem a distribuição de la cursos práticos e multidisciplinares
bolsas de estudo e outros apoios fi- e maior vinculação entre a pesqui-
nanceiros aos programas. O fato de sa universitária e o setor produtivo.

76
Isso mantém baixa a interação com o de graduação. O Sinaes consiste em
setor produtivo, desestimula o empre- uma série de indicadores, incluindo o
endedorismo dos jovens pesquisado- Exame Nacional de Desempenho de
res e leva a grande maioria dos douto- Estudantes (Enade), avaliações feitas
res, já formados aqui, a trabalhar nas pelos estudantes e características dos
próprias universidades. O sistema pre- cursos (como número de professores
cisa ser revisto para reduzir o acentua- doutores em tempo integral e outros),
do viés acadêmico, eliminar mestrados que são combinados para constituir o
acadêmicos anacrônicos, criar incenti- Conceito Preliminar de Curso  (CPC),
vos para a pesquisa multidisciplinar e em escala de cinco pontos. Para au-
aplicada e para facilitar parcerias entre torizar e credenciar cursos das ins-
as universidades e o setor produtivo.

Educação Superior
tituições federais e privadas, o Inep
mantém ainda um sistema de avalia-
•  stimular a pesquisa e a pós-graduação
E ções in loco, envolvendo centenas de
de qualidade. Cabe ao governo federal consultores que viajam pelo país para
e às Unidades da Federação (UFs) o preencher formulários detalhados, ca-
papel importante de estímulo à pes- bendo aos estados e municípios avaliar
quisa e à pós-graduação de qualidade. as instituições públicas de sua alçada.
É assim no mundo desenvolvido, onde
a pesquisa básica – e parte significativa Esse sistema todo consome recursos consi-
da aplicada – é financiada pelo Estado. deráveis do governo, das instituições e dos es-
O Ministério de Ciência, Tecnologia, tudantes, mas não garante um padrão elevado
Inovações e Comunicações e outras de qualidade, como se esperaria. Ao contrário:
agências atuam nessa área por meio os sistemas de avaliação, o Enade entre eles,
dos editais competitivos, mas eles não não trabalham com padrões ou referências
são a regra, e há duplicidade de esfor- explícitas de qualidade, mas se limitam a indi-
ços, por exemplo, entre a Capes e o car que curso é o melhor ou o pior dentro de
Conselho Nacional de Desenvolvimen- seu grupo – sem dizer se sua qualidade é acei-
to Científico e Tecnológico (CNPq). tável ou não em termos absolutos. Além disso,
No lugar de controles muito rígidos e universidades e centros universitários, que têm
burocráticos da pós-graduação, re- autonomia, não precisam de autorização para
comenda-se um sistema mais aberto, funcionamento de novos cursos, independen-
em que universidades e instituições de temente de seu desempenho em outros já em
pesquisa possam competir junto ao se- funcionamento.
tor e às agências públicas pelo apoio e
pelos recursos de que necessitam para Algumas sugestões de melhora do Sinaes
realizar seu trabalho. incluem sua integração com registros de in-
serção profissional para avaliação da empre-
•  ever o papel do Estado na regulação
R gabilidade e das condições de trabalho dos
da educação superior. Há na educa- egressos das instituições de ensino superior;
ção superior um paradoxo: coexistem a criação de indicadores de fluxo para pre-
um sistema extremamente complexo miar as instituições que conseguem otimizar o
e caro de regulação e o quase total tempo e o número de concluintes; e avaliar de
laissez faire que impera na prática. Ao forma diferente as instituições, conforme seu
Sistema Nacional de Avaliação da Edu- foco principal (universidades de excelência, de
cação Superior (Sinaes), administrado pesquisa diversificada, de mestrado ou apenas
pelo Inep, cabe a regulação dos cursos instituições voltadas à graduação).

77
•  riar mecanismos para que as institui-
C múltiplas, às quais as instituições poderão
ções mal avaliadas melhorem seu de- se filiar, e um sistema bem desenvolvido de
sempenho. Em casos extremos, o Mi- informações para o público, estimulando
nistério da Educação pode até impedir um mercado efetivo de qualidade nos di-
o funcionamento de escolas privadas, versos segmentos.
mas não tem o mesmo poder em re-
lação às universidades públicas – e, •  ornar mais efetivos o governo fede-
T
geralmente, as instituições públicas ral e os estaduais no que concerne ao
se saem bem em avaliações, pois dis- controle e acompanhamento de todas
põem de mais recursos financeiros e as instituições que recebem recursos
humanos, e recrutam alunos de níveis públicos. Para as instituições públicas,
socioeconômicos mais elevados. deve-se encontrar um meio-termo que
preserve e estimule a autonomia aca-
•  epensar a regulamentação do mer-
R dêmica e, ao mesmo tempo, induza
cado de trabalho. São dezenas as pro- melhores práticas de governança, via
fissões regulamentadas no Brasil, uma mecanismos financeiros. No setor pri-
anomalia que resulta quase exclusiva- vado, são necessárias normas claras
mente em reserva de mercado para de transparência e accountability para
filiados. Normal seria regular apenas as que recebem subsídios ou créditos
profissões que colocam em risco a vida oficiais, pois a busca de lucro não deve
ou o patrimônio das pessoas (casos tí- ser financiada com verba pública, tam-
picos da medicina, da engenharia e do pouco deve ser priorizada em detri-
direito). Associações profissionais são mento dos objetivos educacionais.
importantes quando zelam pela quali-
dade dos graduados, via sistemas de •  udar o sistema de financiamento e go-
M
certificação, e pela ética profissional vernança das instituições. Um sistema
de seus filiados. Mas são disfuncionais adequado de financiamento de insti-
quando cerceiam a atividade profissio- tuições públicas requer alteração pro-
nal em áreas que não carecem de re- funda de seus métodos de governança.
gulamentação e interferem na criação Hoje, as universidades têm autonomia
e expansão de cursos que reduziriam para eleger dirigentes e gerir cursos,
a competição. Recomenda-se, para mas não prestam conta de resultados.
maior eficácia na regulação do ensino Não têm autonomia para desenvolver
superior, um sistema mais leve e que políticas próprias de pessoal, pois os or-
dê ênfase a resultados e desempenho çamentos seguem as regras do serviço
dos formados no mercado de trabalho, público. O nível de salários e o número
e não aos insumos. de profissionais contratados são defini-
dos externamente. Os processos sele-
•  eanalisar os processos e os padrões do
R tivos seguem um modelo de concursos
Enade. Abrir espaço para mais diferencia- públicos ultrapassado. As autoridades
ção e introdução de padrões explícitos de universitárias são escolhidas por pro-
qualidade. A avaliação da educação supe- cessos eleitorais internos e nem sempre
rior nacional não pode ser restrita à agência respeitam a legislação. O cumprimento
central em Brasília, mesmo se poucas UFs de padrões de desempenho fica a cri-
estão aptas a desenvolver esse trabalho. O tério de cada universidade ou departa-
mais indicado parece ser um sistema des- mento, e muitas vezes é dissociado da
centralizado de acreditações e avaliações alocação de recursos.

78
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)
Em conjunto com o ProUni, o Fies obedece a uma lógica de financiamento público à oferta privada de ensi-
no. Entre 2010 e o primeiro semestre de 2015, o aluno poderia financiar sua educação a uma taxa de 3,4%
ao ano (a.a.), carência de 18 meses para o pagamento trimestral somente dos juros do crédito enquanto
estivesse estudando, e período de amortização de três vezes o período de duração regular do curso, mais
12 meses. A partir do segundo semestre de 2015, a taxa passou para 6,5% a.a., e em julho de 2017 houve
novas modificações que visam aumentar a adimplência dos alunos e segmentar as condições por faixas de
renda familiar. O risco do financiamento, até então exclusivo do governo, passou a ser compartilhado com
as instituições.

O número de contratos passou de 76 mil para 2,18 milhões entre 2010 e 2015. Quanto mais a taxa de

Educação Superior
juros se distanciar das taxas pagas pelos títulos públicos, maior será a diferença entre o valor presente dos
pagamentos feitos pelo ex-estudante e o valor presente dos desembolsos feitos pelo governo para quitar
as mensalidades de seu curso – subsídio implícito –, que corresponde à parcela do empréstimo que nunca
será efetivamente paga pelo beneficiário do Fies. Cálculos do Ipea4 indicam que o custo das subvenções
fiscais subiu de R$ 16 milhões em 2011 para R$ 6,6 bilhões em 2015, e que, a cada R$ 100,00 de saldo
devedor, o contribuinte brasileiro arca efetivamente com R$ 47,00, cabendo ao beneficiário do programa
os R$ 53,00 restantes. Com as mudanças de 2015, esse aporte tende a ser reduzido para R$ 27,00 para
os contratos mais recentes.

Mas isso não é uma peculiaridade brasileira. Em vários países, as taxas de juros cobradas em programas
de crédito educativo são inferiores às taxas do mercado, ou até mesmo inferiores à inflação. É comum também
que haja períodos de carência durante e após a utilização do financiamento e prazos de amortização mais
longos que os praticados pelo mercado. Devido a esses fatores, o valor presente que o estudante financiado
reembolsa ao fundo tende a ser menor do que o valor do financiamento concedido, mesmo que não haja atraso
em nenhuma parcela.

A questão, então, não é sobre o resultado financeiro do Fies: a tendência é que ele seja mesmo deficitário.
As questões relevantes são os custos e benefícios da política e para quem o crédito é direcionado. Se o Fies
conseguir fazer com que os alunos, sobretudo os mais pobres, comecem e completem o curso superior, isso
supostamente gerará um prêmio salarial para o ex-aluno, o que resultará em receitas tributárias, e em um
retorno social na forma de aumento da produtividade.

O desafio é introduzir mais progressividade não apenas no Fies, mas no financiamento do sistema como
um todo. Criar mecanismos de cobrança para aqueles com maiores níveis de renda, sem, contudo, criar bar-
reiras de acesso para os que não podem pagar, tem o potencial de promover maior equidade no acesso ao
ensino superior. Isso pode ser feito transformando o Fies em empréstimos com amortizações contingentes à
renda futura.5 Segundo essa proposta, estudantes arcariam com parte dos custos de sua formação superior
após sua conclusão, com valores dependentes de sua renda e com aceleração da amortização em momentos
de aumento de renda, e redução ou suspensão em momentos de renda baixa ou nula, inclusive com perdão
da dívida em casos específicos. Tal solução poderia assegurar a gratuidade durante o curso, reduzir a pressão
sobre os orçamentos públicos e levantar recursos adicionais para financiar a expansão das vagas e a manu-
tenção de políticas de suporte apropriadas para garantir permanência e conclusão com qualidade de todos
os segmentos sociais. Essa modalidade de empréstimos poderia também induzir a diferenciação e o aumento
da qualidade das instituições de ensino se os pagamentos dos ex-alunos fossem direcionados às instituições
onde eles efetivamente estudaram.

79
•  egular também a governança do setor
R educação é direito a que se deve responder
privado. Situação semelhante ao setor com envolvimento e trabalho.
público ocorre no setor privado, cuja
governança se concentra em mante- •  otar as universidades com ad-
D
nedoras. Muitas vezes, não há partici- ministrações centrais ágeis e pro-
pação e envolvimento de docentes e fissionalizadas, separando as fun-
estudantes nas decisões. Não se pro- ções mais normativas dos órgãos
cura incentivar a melhora de desempe- colegiados das funções executivas.
nho, a não ser em situações extremas Para implementar políticas pró-
ou para projetar a imagem do curso ou prias de ensino e pesquisa e para
da instituição no mercado. responder às demandas externas,
recomenda-se que professores e
•  onceder maior autonomia das uni-
C estudantes tenham participação
versidades para a obtenção de recur- ativa, mas combinada com meca-
sos. No Brasil, vigora o contrário do nismos que garantam a capacidade
que ocorre em outros países, onde de ação e decisão de autoridades
as universidades têm patrimônio pró- nos diversos níveis.
prio e autonomia para geri-lo, operam
como instituições de direito privado e No Brasil e no mundo, o setor público con-
podem contratar e demitir professo- tinuará financiando o ensino superior, mas
res por critérios e prioridades indivi- obedecendo a critérios de relevância e equi-
dualizadas, até em relação a salários dade, estimulando a educação e a pesquisa de
e benefícios. Recebem recursos públi- qualidade, além das demandas de curto prazo,
cos em função de metas de desempe- e garantindo que o acesso ao ensino superior
nho negociadas e contratadas com o não seja determinado pelas condições socioe-
governo e têm liberdade e autonomia conômicas das famílias dos estudantes.
para obter recursos do setor privado.
Os governos, os principais financia-
dores das universidades, participam O mais indicado
da escolha de dirigentes, em geral,
por processos mistos, para assegurar parece ser um sistema
o envolvimento das instituições nos descentralizado de
processos seletivos.
acreditações e
Além disso, dadas as atuais limitações orça- avaliações múltiplas,
mentárias, as instituições brasileiras de ensino
superior devem obter novas fontes de finan- às quais as instituições
ciamento. É preciso discutir de forma madura poderão se filiar,
o pagamento, ainda que parcial e por meio de
mecanismos como os empréstimos com amor- e um sistema bem
tização contingente à renda, por parte dos alu- desenvolvido de
nos com maior renda familiar. Isto tenderia a
reduzir a atual iniquidade, representada pela informações para
educação gratuita sem limites ou controles, o público.
e a impor o princípio da corresponsabilidade:

80
Saúde

9
Como Ser
Universal com
Qualidade
Saúde
1

A
saúde tem impactos significativos no organização descentralizada e direção única
bem-estar social e está fortemente em cada esfera de governo. Os prestadores
associada à capacidade produtiva das privados podem participar do SUS de forma
pessoas. Do ponto de vista macroeconômico, complementar, por contrato de direito pú-
saúde implica também maiores níveis de ri- blico ou convênio, dando-se preferência a
queza, de investimento em capital humano e entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.
de crescimento econômico. O reconhecimen- Além disso, a Constituição também mante-
to da importância da saúde para o bem-estar ve o provimento de serviços de saúde livre à
individual e social resultou na definição da saú- iniciativa privada, via planos e/ou pagamen-
de como um bem meritório na maior parte dos to direto, exercido sob regulamentação, com
países. Nesse contexto, a maioria dos governos fiscalização do setor público.
tem como objetivo de política a organização da
oferta e o financiamento dos bens e serviços Nesse contexto, a partir de 1988 a po-
de saúde de forma a garantir acesso equitativo pulação brasileira passou a contar com di-
a todos que precisam desses cuidados. ferentes vias de acesso aos serviços de
saúde: i) o SUS, financiado exclusivamente
Antes da Constituição Federal de 1988, o sis- por recursos públicos; ii) os planos e segu-
tema de saúde brasileiro se caracterizava por ros privados de saúde, que em 2013 cobriam
ser excludente e segmentado, com forte hege- 28% da população, financiados por recursos
monia privada na oferta e ênfase em ações de das empresas, famílias e incentivos fiscais; e
recuperação da saúde – praticamente não se
iii) acesso direto a provedores privados por
pensava em prevenção. O serviço público era
meio de desembolso direto, que também
quase todo centralizado no governo federal.
conta com incentivos fiscais.
Estados e municípios se dedicavam principal-
mente ao controle de doenças transmissíveis
e à vigilância sanitária e epidemiológica, ou Problemas do mix público-privado
forneciam serviços assistenciais (restritos) à
população mais pobre – contando com a ajuda O arranjo específico de qualquer sistema de
de entidades filantrópicas. As Santas Casas, saúde depende de uma multiplicidade de
até meados dos anos 1970, ofereciam metade fatores que incluem, sobretudo, o sistema
dos leitos hospitalares existentes no país. político, questões culturais, contexto demo-
gráfico, passado histórico e estrutura social
Em 1988, a saúde passou a integrar a se- inerente ao país. Uma classificação possível
guridade social, ao lado da assistência e da identifica quatro modalidades básicas de fi-
previdência, e foi estabelecido o Sistema nanciamento da atenção à saúde, conforme
Único de Saúde (SUS), sistema público, de a seguir.
acesso universal, financiado por União, esta-
dos e municípios. Está na Constituição que •  erviço Nacional de Saúde (SNS), em
S
o SUS deve prover acesso universal, atendi- que a atenção à saúde é financiada por
mento igualitário e integral em todos os ní- meio de tributos gerais, usualmente
veis de atenção, ações e serviços em redes prestada gratuitamente, cobrindo toda
regionalizadas e hierarquizadas, dispondo de a população.

82
•  eguro Social de Saúde (SSS), em que
S sistema público de saúde para a população
toda a população – ou grupos popu- coberta – sistema duplicado. Além disso, os
lacionais específicos – é legalmente serviços providos por esse setor são, em cer-
obrigada a contribuir com um fundo de ta medida, financiados por recursos públicos
saúde, que conta ainda com recursos na medida em que é possível deduzir parte
públicos e das empresas, e os prove- dos gastos com assistência médica e hospi-
dores geralmente são privados. talar na declaração do imposto de renda (re-
núncia fiscal).
•  eguro Privado de Saúde (SPS), em
S
que os indivíduos e as empresas com- Atualmente, 86% dos hospitais e postos
pram no mercado cobertura para com atendimento ambulatorial, 57% dos que
assistência à saúde. oferecem internação e 61% dos que realizam
serviços de apoio à diagnose e terapia es-
•  agamento direto, em que os indiví-
P tão sob responsabilidade do serviço público
duos compram diretamente de prove- de saúde brasileiro, segundo o Ministério da
dores privados a assistência à saúde Saúde. O setor suplementar atende a boa
de que precisam, podendo haver isen- parte da população – 25%, em média, nas
ções fiscais ou não. duas últimas décadas, principalmente atra-
vés de planos e seguros de saúde por vínculo
Embora possa haver um componente do-
empregatício (66% do total).
minante, é raro encontrar sistemas de saúde
em que uma dessas modalidades seja exclu- Este arranjo de provisão compartilha-
siva. Países como Chile, Colômbia, Uruguai, da de serviços de saúde entre os setores
Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Holanda público e privado busca prover a infraes-
e Reino Unido são contrapontos interessan- trutura necessária para a garantia da in-
tes para o caso brasileiro, pois a maioria da tegralidade da atenção à saúde, nos três
população desses países é coberta por al- níveis de complexidade, incluindo as ações
gum tipo de seguro público (SNS ou SSS), de promoção, proteção e recuperação, no
com exceção dos Estados Unidos, onde âmbito do SUS.

Saúde
o SPS cobre mais de 67% da população.
O Brasil é o único país sul-americano a con-
tar com um sistema público do tipo SNS, No Brasil, o setor
similar ao existente no Reino Unido. Os de-
mais países optaram por variações do SSS
privado tem uma
para organizar seus sistemas públicos. Mes- partici­p ação
mo não sendo preponderantes como nos
Estados Unidos, os seguros privados tam- significativa,
bém desempenham papel importante nos
demais países selecionados: em alguns, têm
provendo os mesmos
uma função complementar/suplementar à serviços que o
cobertura oferecida pelo sistema público;
em outros, são integrados dentro dos esque-
sistema público de
mas de seguro universal; há ainda lugares saúde para
em que se sobrepõem aos sistemas públicos,
oferecendo cobertura duplicada. No Brasil, o a população
setor privado tem uma participação signifi- coberta.
cativa, provendo os mesmos serviços que o

83
No âmbito regional, a oferta relativa dos ser- no SUS tem-se reforçado o cuidado
viços privados cresce com a complexidade. Em preventivo, a partir da Estratégia de
88% das regiões de saúde (conjunto de muni- Saúde da Família (ESF), com reflexos
cípios limítrofes utilizados para o planejamento positivos nas taxas de utilização de
e a execução dos serviços de saúde), a porcen- consultas médicas e odontológicas
tagem de leitos que estão em unidades do SUS por pessoas sem plano de saúde, no
ultrapassa 60%, de acordo com o Cadastro Na- sistema privado, a porta de entrada
cional de Estabelecimentos em Saúde de 2015. geralmente é o consultório/clínica
No Norte e Nordeste, a oferta é quase toda pú- particular de um especialista, e há
blica. Mas vale destacar que 72% dos hospitais incentivos à indução à demanda por
públicos são de pequeno porte (menos de cin- cuidados especializados e curativos.
quenta leitos em cada unidade) e considerados De acordo com a Pesquisa Nacional
de baixa resolutividade (indicador dos níveis de de Saúde (PNS) de 2013, do Instituto
efetividade, integralidade, acesso, necessidade Brasileiro de Geografia e Estatística
e satisfação do usuário, intersetorialidade, uso (IBGE), 54% dos indivíduos sem co-
de tecnologia, entre outros). bertura privada buscaram primeiro
atendimento em uma Unidade Básica
No que se refere a leitos em  unidades de Saúde ou com algum profissional
de  terapia intensiva e a equipamentos de de ESF. Entre os que possuem cober-
ressonância magnética, de mais alta comple- tura privada, 63,6% procurou primei-
xidade, o setor público perde espaço, sendo ro um consultório, uma clínica ou um
majoritário somente em 47% em vagas de UTI médico particular.
e 45% nos serviços de ressonância. Em rela-
ção aos mamógrafos, de média complexida- •  stímulo à demanda por serviços
E
de, a presença dos setores público e privado do SUS por parte dos provedores
é equilibrada. privados.

Pode-se justificar o desenho misto de sis- Surge aí um problema sério, que reforça a
temas de saúde pela expectativa de redução desigualdade: 20% dos usuários que dispõem
da demanda no setor público, decorrente da de cobertura privada são também atendidos
cobertura privada, permitindo maior progres- pelo SUS, destacando-se caros procedimen-
sividade. Porém, as particularidades da intera- tos de alta complexidade (internação, quimio-
ção público-privada no Brasil têm pelo menos terapia e hemodiálise), além de vacinação e
três consequências importantes, resumida- serviços de emergência.
mente elencadas a seguir.
No Brasil, o duplo acesso é estimulado nos
•  esigualdade no acesso aos serviços
D casos em que a operadora restringe deter-
de saúde, já que indivíduos com co- minados serviços - às vezes, oferecidos com
bertura privada possuem dupla forma qualidade superior pelo SUS ou qando a di-
de acesso. visão dos custos onera muito o orçamento
das famílias. De modo inverso, a rede privada
•  ragmentação do cuidado ofertado
F é bem mais restritiva quanto ao acolhimento
aos indivíduos com cobertura priva- de não filiados, não passando de 15% a média
da, pois essa oferta não está orga- de assistência prestada a pessoas sem plano
nizada de forma integral. Enquanto de saúde.

84
No caso de emergência, os serviços hospitala- Como financiar a saúde
res e de urgência do SUS são prestados indepen-
dentemente da posição socioeconômica do pa- O gasto per capita com saúde no Brasil é mais
ciente, especialmente quando se requer cuidado baixo quando comparado ao de países de ren-
curativo, ainda que isso nem sempre ocorra sob da mais elevada e está no mesmo patamar do
as melhores condições de qualidade e rapidez. observado nos países sul-americanos. Des-
taca-se, entretanto, a elevada participação
Em resumo, o mix público-privado não funciona do setor privado, com mais de 50% do gasto
como esperado: o setor privado deveria ser com- total, o que posiciona o Brasil como o único
plementar ao SUS, mas compete com o público país onde existe um sistema nacional de saú-
por recursos financeiros e humanos. A capacidade de organizado e em que o setor público tem
do governo de centralizar a política de saúde no presença minoritária. A elevada participação
país é refreada ante a presença e o peso do setor do setor privado no total ocorre às custas
particular no mercado, cuja interferência é signi- de colaboração importante das famílias no
ficativa até na distribuição espacial da oferta de seu financiamento.
serviços de média e alta complexidade e na incor-
poração tecnológica pelo SUS. Desde o início, o SUS sofre com essa insta-
bilidade de custeio. A Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira (CPMF), cria-
Em resumo, o mix da em 1996 para garantir recursos adicionais à
saúde, só resultou em substituição de outras
público-privado não receitas do governo federal, e foi suspensa. Em
funciona como esperado: 2000, a Emenda Constitucional (EC) no 29 es-
tabeleceu limites mínimos de gastos para cada
o setor privado deveria esfera de governo, surtindo poucos efeitos,
ser complementar ao pois não definiu as fontes de financiamento
e só foi regulamentada doze anos depois. Em
SUS, mas compete com 2012, ficou estipulado que os estados devem
destinar 12% de sua receita para a saúde; os
o público por recursos municípios, 15%; e a União, o gasto do ano an-

Saúde
financeiros e humanos. terior corrigido pela variação nominal do pro-
duto interno bruto (PIB).
Tabela 1
Despesas com saúde e expectativa de vida no Brasil e em países selecionados (2014)
Gasto total Gasto do setor Gasto do setor privado Expectativa de vida
País Gasto per capita¹
(% do PIB) público (%) (%) (anos)
Brasil 8 46 54 1.318 75,0
Alemanha 11 77 23 5.182 81,0
Austrália 9 67 33 4.357 82,8
Chile 8 49 51 1.749 80,5
Colômbia 7 75 25 962 74,8
Estados Unidos 17 48 52 9.403 79,3
Holanda 11 87 13 5.202 81,9
Reino Unido 9 83 17 3.377 81,2
Uruguai 9 71 29 1.792 77,0
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nota: ¹ Paridade do Poder de Compra (PPC).

85
A EC 29 teve forte impacto na compo- secretários municipais nem sempre têm
sição do financiamento público, observan- capacidade técnica, sendo comum a alta
do-se um crescimento da importância dos rotatividade de titulares. Nas secretarias
gastos estaduais e municipais em detrimen- estaduais, nota-se fragilidade estrutural
to do gasto federal. Atualmente, o governo e técnica. Colegiados regionais nem sem-
federal responde por 43% do gasto público pre superam interesses de curto prazo da
total com saúde, enquanto estados e mu- cultura política municipal. Não há controle
nicípios respondem respectivamente por sobre fluxos regionais, e são fracos os ins-
26% e 31%. trumentos jurídicos para garantir acordos
e pactuações, como os consórcios muni-
Em 2015, a EC no 86 vinculou à saúde 15% cipais de saúde. O sistema de repasses
da receita corrente líquida (RCL) da União, financeiros entre os entes é considerado
índice que seria implantado escalonada-
complexo e pouco eficiente em muitos ca-
mente de 2016 até 2020. Recentemente, a
sos – em 2016, por exemplo, ocorreram até
EC no 95/2016 limitou a expansão do gasto
115 tipos de repasses da União para mu-
total da União à inflação, medida pelo Índice
nicípios e 96 para estados. O excesso de
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mas
regulamentação no destino de recursos
estabeleceu como piso, a partir de 2018, o
complica a execução de políticas locais.
gasto de 15% da RCL de 2017 mais a correção
do IPCA.
Judicialização
SUS A judicialização da saúde tem sido um
empecilho crescente para o bom funcio-
As ações e os serviços do SUS devem estar
namento do sistema, e isso tem diversas
organizados em redes regionalizadas e hie-
origens. Uma delas é a dificuldade ine-
rarquizadas, medida necessária para a ga-
rente à definição da cobertura de saúde
rantia da integralidade da atenção à saúde.
financiada pelo setor público – que implica
Porém, as três esferas de governo atuam de
fixar prioridades em um quadro de escassez
forma autônoma administrativamente. Isso
de recursos, sob necessidade de incorpo-
impõe uma complexa articulação entre os es-
ração contínua de novos procedimentos e
tados para a garantia da implementação de
tecnologias. O setor privado de saúde ofe-
políticas de interesse nacional. A cooperação
rece os mesmos serviços do SUS, e, por ter
entre os entes federados é particularmente
financiamento próprio, acaba determinando
importante para os processos de regionaliza-
a velocidade e as rotas de assimilação des-
ção da oferta.
sas tecnologias.
A coordenação ainda frágil entre os
Nesse quadro desigual de oferta, a Justi-
estados implica em vários pontos de es-
trangulamento, entre os quais a baixa ça tem sido acionada para definir provimen-
oferta de serviços de apoio diagnóstico e to de cuidados. A judicialização acontece
terapêutico e as grandes filas para agen- a partir de uma interpretação do direito de
damento de consulta com especialistas e acesso a todos os bens e serviços de saú-
para cirurgias eletivas. de, e resulta em dois tipos mais frequentes.
O primeiro se refere às demandas decor-
No âmbito da gestão, há problemas rentes da indisponibilidade de serviços em
por causa da descontinuidade política: algumas localidades, por falta de profissio-

86
nais e/ou equipamentos. O segundo, à indu-
ção de demanda de novas tecnologias, em É preciso apro­ximar
geral de custo elevado e ainda não incorpo-
radas pelo sistema. O problema é que, em
o Judiciário de
contraposição à política pública de saúde, universidades e
a decisão judicial é geralmente motivada
pelo benefício individual, e, assim, perde- centros de pesquisa,
-se de vista o bem-estar social. Na judicia- para que as decisões
lização, não são consideradas as necessi-
dades da sociedade em seu conjunto e não judiciais sejam
se cogita uma política de prioridade para subsidiadas
essas circunstâncias.
tecnicamente .
Uma proposta para minimizar esse pro-
blema é buscar a definição de políticas que Assim, seguem algumas diretrizes para
permitam ao Judiciário um melhor enten- o necessário redesenho do sistema de
dimento da integralidade e a consequente saúde brasileiro.
tomada de decisão alinhada com os princípios
definidos por meio da política nacional de in- • Adequar o financiamento do SUS.
corporação tecnológica. É preciso aproximar o Segundo o IBGE, as pessoas com
Judiciário de universidades e centros de pes- mais de 65 anos passarão dos
quisa, para que as decisões judiciais sejam atuais 7% do total e chegarão aos
subsidiadas tecnicamente. 20% em 2050, ano em que a es-
perança de vida será superior a
82 anos. O envelhecimento da po-
Diretrizes para uma nova agenda pulação, somado aos desafios do
presente, pressionará o orçamento
Que caminhos devem ser trilhados ao se pen-
do SUS. Em acordo com as regras

Saúde
sar uma nova agenda de políticas públicas
introduzidas pela EC 95/2016, é
para a saúde?
preciso buscar atingir o mais rápido
É obrigatória a aplicação de medidas para possível o nível observado nos paí-
obter maior eficiência na prestação de servi- ses que têm sistemas universais.
ços, melhor desempenho do sistema e otimi-
zação dos recursos disponíveis.
• Incrementar a eficiência do siste-
ma de saúde, com maior articula-
Decisões políticas, macroeconômicas, ção entre os subsistemas público e
arranjos institucionais e a definição do mo- privado. Propõe-se um sistema de
delo de proteção social brasileiro desenha- informação integrado, baseado no
rão a imagem que a sociedade projeta para Cartão Nacional de Saúde, para
o SUS: a opção será por um sistema restri- identificação única do cidadão nos
to – só para os mais necessitados – ou por dois subsistemas, além de prontuá-
um sistema que realmente seja a principal e rio eletrônico interligando todos os
prioritária forma de atenção à saúde de toda provedores das redes pública e pri-
a população? vada. O desempenho do sistema de

87
saúde brasileiro é baixo se compa- O modelo de cuidado deve ser alterado
rado a países em desenvolvimento para valorizar outros profissionais de
e a vizinhos, como Chile e Uruguai. saúde e acrescentar novas modali-
A integração dos subsistemas pú- dades de equipe na atenção básica.
blico e privado é ponto nevrálgico A ampliação de economias de escala
a ser enfrentado, com impactos so- e escopo pode ser atingida pela reor-
bre a equidade. ganização dos hospitais de pequeno
porte (HPPs), com políticas de investi-
•  primorar a gestão dos recursos do SUS.
A mento para readequar a infraestrutura e
Com respeito à remuneração dos profis- repensar seu papel na rede de cuidado,
sionais de saúde em estados e municí- sob o prisma da necessária regionaliza-
pios, sugere-se um componente variável ção dessas redes de atenção, particular-
associado a resultados. Na remuneração mente da atenção especializada e de alta
de instituições, propõe-se fomentar o complexidade. Por fim, deve-se incentivar
uso de sistemas de apuração de custos a oferta de cuidados destinados à promo-
hospitalares e ambulatoriais para melho- ção e prevenção no setor privado, forta-
rar o planejamento e acompanhamento lecendo-se o papel de generalistas como
de custos, inclusive para subsidiar a revi- porta de entrada e responsáveis pelo
são da remuneração. histórico geral do paciente, por meio de
prontuários eletrônicos integrados com o
 gestão das instituições públicas
A próprio SUS.
deve estimular o uso de modelos de
gestão que visem à maior autonomia •  onsolidar a regionalização da oferta de
C
da execução financeira, acompanha- serviços de saúde no SUS. Atualmente,
dos por um sistema de resultados e as decisões sobre os investimentos ain-
produção, dando mais transparência da ocorrem de forma fragmentada, com
aos gastos e priorizando a divulgação capacidade limitada do Ministério da
de experiências que tiveram êxito. Saúde para orientá-las sob uma lógica
que vise à redução das desigualdades
 a gestão de recursos humanos, é pre-
N regionais. A maior parcela dos recursos
ciso fortalecer iniciativas como o Pro- do governo federal para essas despesas
grama Mais Médicos (PMM), com ênfase é alocada por meio de emendas parla-
em políticas de médio e longo prazo que mentares. Por isso, é fundamental aper-
visem ampliar a formação de profissio- feiçoar o planejamento interfederativo
nais. Mais ainda, são necessários esforços – com ação governamental orientada
para garantir a sustentabilidade dessas segundo as necessidades locais, o que
iniciativas, fortalecer a fixação no longo subsidiaria um plano de investimento de
prazo dos profissionais de saúde, princi- médio e longo prazos para o SUS foca-
palmente em municípios remotos e ga- do nas regiões de saúde – e fortalecer a
rantir que não haja simples substituição cooperação entre os entes federativos.
substituição de médicos com contrato
municipal para o federal. Com a expan- •  eduzir a judicialização. Recomenda-se
R
são da telemedicina, será possível com- incrementar parcerias entre os Núcleos
plementar a prática médica no cuidado de Avaliação de Tecnologias em Saúde,
longitudinal (o que cria vínculos entre que funcionam nos hospitais de ensi-
paciente e profissional da saúde) e inte- no, e a Justiça, para que sejam subsi-
gral, principalmente das áreas remotas. diadas tecnicamente as decisões, em

88
conformidade com o que é ofertado no o perfil de atendimento precisa mudar.
SUS. Devem-se divulgar experiências Enquanto entre jovens e adultos pre-
e resultados obtidos. É preciso fortale- dominam doenças infectocontagiosas,
cer e ampliar a ação da Comissão Na- que exigem tratamentos de baixa com-
cional para Incorporação Tecnológica plexidade e menor custo, entre os ido-
(Conitec), responsável por atualizar sos as doenças crônicas são as mais
a lista dos procedimentos e medica- frequentes. Por isso, é preciso refor-
mentos oferecidos pelo SUS, de modo çar a atenção secundária no SUS, de
a serem avaliadas também novas tec- modo a se oferecer cuidado integral
nologias associadas a procedimentos e longitudinal, e revigorar as redes de
e materiais. O setor de planos priva- atenção integrada, reforçando políticas
dos deve alinhar a atualização do rol de promoção e prevenção da saúde.
de seus procedimentos às decisões da Deve-se também prover e fortalecer
Conitec, a fim de minimizar a indução da as instituições de longa permanência
demanda. Além disso, o fortalecimen-
como alternativa ao cuidado informal
to dos médicos generalistas no sistema
prestado por familiares e pessoal não
privado também ajudaria a controlar o
preparado. Pelo papel fundamental na
referenciamento dentro do SUS e evitar
prevenção e cuidado longitudinal, de-
exageros no cuidado especializado, bem
fende-se, mais uma vez, a atuação do
como a própria judicialização.
médico generalista no setor privado,
• Adequar o perfil de atendimento do sis- via incentivos associados ao sistema
tema de saúde brasileiro para o aten- de remuneração desses profissionais,
dimento às demandas decorrentes do para se intensificar a promoção e a
envelhecimento populacional. Além da prevenção da saúde desse segmento
questão do financiamento do sistema, da população.

Tabela 2
Síntese das propostas para o sistema de saúde brasileiro

Saúde
Desafios Propostas
Crescimento gradual do gasto público no SUS de tal modo a se atingir, como percentual
Adequar o financiamen-
do PIB, no máximo em duas décadas, o nível observado em países da OCDE que mantêm
to do SUS
sistemas universais.
Incrementar a eficiência
Construção de um sistema de informação integrado (Cartão Nacional de Saúde). Esse
do sistema de saúde, com
sistema deve compreender um cartão nacional de saúde que permita a identificação úni-
maior articulação entre
ca do cidadão nos dois subsistemas e prontuário eletrônico interligando todos os prove-
os subsistemas público
dores das redes pública e privada.
e privado
Sistema de remuneração Incluir um componente variável na remuneração dos profissionais de saúde dos municí-
de profissionais pios e estados associado a resultados.
Fomentar a utilização dos sistemas de apuração de custos nas instituições hospitalares
Sistema de remuneração
e ambulatoriais para melhor planejamento e acompanhamento dos custos dos procedi-
de instituições
mentos, inclusive para subsidiar a revisão da remuneração.
Ampliar a introdução de modelos de gestão das unidades públicas que visem à maior au-
tonomia da execução financeira, acompanhada de um sistema de resultados e produção.
Gestão das instituições
públicas Dar maior transparência aos gastos e promover a publicidade das experiências já realiza-
das com novos modelos de gestão, para que estados e municípios avaliem a viabilidade e
o grau de sucesso em termos de eficiência desses modelos.
(Continua)

89
(Continuação)

Desafios Propostas
Fortalecer iniciativas como o PMM, com ênfase em políticas de médio e longo prazo que
visem ampliar a formação de profissionais.
Fortalecer a fixação no longo prazo dos profissionais de saúde, principalmente em
municípios remotos e garantir que não haja simples substituição substituição de
Gestão de recursos médicos com contrato municipal para o federal.
humanos
Expansão e uso da telemedicina para complementar a prática médica no cuidado longi-
tudinal e integral, principalmente das áreas remotas.
Reorientação do modelo de cuidado, com a valorização de outros profissionais de saúde,
de modo a serem acrescentadas novas modalidades de equipe na atenção básica.
Reorganização dos HPPs, com políticas de investimento que permitam readequar a
infraestrutura e repensar o papel desses estabelecimentos na rede de cuidado.
Economias de escala
e escopo Consolidação do processo de regionalização e das redes de atenção de modo a serem
explorados os ganhos de escala e o escopo na tecnologia de oferta de cuidados, princi-
palmente da atenção especializada e de alta complexidade.
Introdução na regulação da obrigatoriedade do médico de família como porta de entrada
Indução de demanda no
nos planos e seguros de saúde, incluindo incentivos para oferta de cuidado voltado para
setor privado
a promoção e a prevenção da saúde.
Aperfeiçoar o planejamento interfederativo, considerando-se as necessidades locais,
para se orientar a ação governamental.
Consolidação da regio-
nalização da oferta de Implementar um plano de investimento de médio e longo prazo para o SUS focado nas
serviços de saúde no regiões de saúde, visando à redução das desigualdades regionais.
SUS
Fortalecer a cooperação interfederativa e resgatar o papel dos estados na organização
da rede de assistência.
Incrementar as parcerias entre os Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde e o
Poder Judiciário, de modo a serem subsidiadas tecnicamente as decisões, mantendo-se a
conformidade com o que é ofertado no SUS.
Ampliar a atuação da Conitec no sentido de se avaliar não apenas a inclusão de novos
medicamentos no SUS, mas também novas tecnologias associadas a procedimentos e
materiais.
Dar maior transparência e publicidade às experiências de parceria com o Judiciário, de
Reduzir a judicialização modo a capilarizá-las.
Fortalecimento do papel do médico de família (generalista), para se controlar o referen-
ciamento dentro do SUS, evitando-se o uso exacerbado do cuidado especializado e a
judicialização como mecanismo de acesso. A efetividade desse controle depende da
implementação do Cartão Nacional de Saúde e do prontuário eletrônico.
Introduzir mecanismos de regulação no setor de planos de saúde, de modo que a atuali-
zação do rol de procedimentos seja alinhada com as decisões da Conitec.
Realizar investimentos na atenção secundária no SUS, que representa um gargalo impor-
tante para que o cuidado integral e longitudinal seja ofertado.
Fortalecimento das redes de atenção integrada, de modo que o paciente possa receber
Adequar o perfil de um cuidado longitudinal.
atendimento do siste-
ma de saúde brasileiro Reforçar as políticas de promoção e prevenção da saúde, inclusive campanhas orientan-
para atendimento às do a população para adoção de hábitos de vida mais saudáveis.
demandas decorrentes
do envelhecimento Fortalecimento e adequação das instituições de longa permanência como alternativa ao
populacional cuidado informal.
Regulação da obrigatoriedade do médico generalista no setor privado, com a inclusão de
mecanismos de incentivo associados ao sistema de remuneração desses profissionais,
para fortalecer a promoção e prevenção da saúde.

90
Risco
Regulatório

10
Sobra
Regulamentação,
Falta Governança
Risco Regulatório
1

S
e o Brasil reduzir seu risco regulatório, con- Pode-se dividir o risco regulatório en-
siderado alto mesmo quando comparado ao frentado no Brasil em duas categorias.
de outros países emergentes, vai conseguir A primeira é a do risco relacionado a in-
baixar o custo de capital de projetos conduzidos no tervenções em setores regulados, que são
país e aumentar os investimentos com participação sujeitos ao nível de imprevisibilidade das
privada, especialmente na área de infraestrutura. ações do Estado. A segunda é a atrelada ao
E a produtividade crescerá. risco “institucional”, e aqui se procura o ris-
co decorrente das diferentes qualidades de
O caminho para chegar a isso é promover apri- governança existentes em cada país, classi-
moramentos institucionais de modo a se melhorar a ficadas pelos Indicadores Mundiais de Gover-
regulamentação no país e fortalecer sua governan- nança (Worldwide Governance Indicators),
ça, o que permite esperar, como efeitos macroeco- do Banco Mundial.
nômicos, maior crescimento econômico de longo
prazo, com ampliação de renda para a população. Os estudos recentemente realizados in-
formam que a qualidade regulatória do Brasil
Nos últimos anos, várias medidas têm sido to- vem piorando a partir de 2010, colocando-
madas nesse sentido, e a discussão sobre o assunto -se abaixo da média de países como Chile,
se aprofundou com a aprovação da Lei das Estatais Peru, Colômbia e México. Um exercício feito
(Lei no 13.303/2016), com a tramitação mais ace- com base nesses dados2 estimou que, se o
lerada do projeto de lei das agências reguladoras ambiente de negócios brasileiro estivesse
(Projeto de Lei do Senado – PLS no 53/2013) e com no mesmo nível dos apresentados por esses
as propostas para aprimoramento dos contratos de quatro países latino-americanos, o retorno
concessão (MP no 752/2016). exigido em investimentos estrangeiros no
Brasil poderia ser de 3% a 3,3% menor –
uma redução expressiva.
Se o Brasil reduzir
seu risco regulatório, Por que é preciso reduzir o risco regulató-
rio no país?
vai conseguir baixar
Porque o risco regulatório tem efeitos sobre
o custo de capital de investimento e produtividade, e há evidências
projetos conduzidos de que:

no país e aumentar • I ntervenções regulatórias abruptas, que


ignoram a existência de órgãos regu-
os investimentos com ladores especializados, podem gerar
participação privada, grande risco para o mercado direta-
mente afetado e contaminar outros
especialmente na área mercados regulados.
de infraestrutura. E a •  retorno requerido para se investir no
O
produtividade crescerá. Brasil é geralmente mais alto que o dos
principais pares emergentes.

92
• A ambiguidade de papéis exerci-
 Também as variações de produtividade entre
dos por órgãos políticos vis-à-vis os países podem ser parcialmente explicadas pela
técnicos afeta também o custo de qualidade geral das instituições, pois esta se refle-
financiamento de empresas no ex- te no ambiente de negócios. Onde as barreiras ao
terior, impondo gastos de capital comércio e aos investimentos são menores, podem
superiores. ser maiores os gastos em pesquisa e desenvolvi-
mento, resultando em ganhos de produtividade.
•  atores estruturais – como qualidade
F
das instituições, liberalização financei- Alguns desses estudos3 estimam que, se o
nível de governança do Brasil atingisse os pata-
ra e papel do governo na economia –
mares do Chile, poder-se-ia duplicar o fluxo de
estão associados ao maior fluxo de in-
investimento externo direto brasileiro (que foi de
vestimento externo, ao risco país e ao
3,5% do produto interno bruto – PIB em 2015).
custo de financiamento de empresas
domésticas. Outro ponto observado: um choque de aver-
são ao risco global, semelhante ao provocado
Assim, países com melhores instituições pela crise das hipotecas norte-americanas em
apresentam maior resiliência a choques inter- 2008, aumentaria os spreads corporativos do
nacionais. Bons indicadores de governança Chile em 0,25% ao ano (a.a.), mas em mais de
resultam em bons indicadores sociais e em 1,5% a.a. no Brasil.4 Isto ilustra bem a vulnera-
aumento da taxa de crescimento. bilidade que afeta as empresas aqui situadas.

Tabela 1
Tipo e impacto do risco regulatório nos investidores
Conceito Parâmetro de risco regulatório Impacto nos investidores
Eventos do setor de energia +40% na volatilidade do setor elétrico e contaminação de
Intervenção regulatória
elétrica – MP no 579 +10% na volatilidade em telecom1

Risco Regulatório
-10% no retorno das empresas do setor elétrico controlando
Intervenção regulatória Eventos do setor de energia elétrica – MP no 579
para os demais fatores de risco2
Risco + 1,38%, comparando com a média dos emergentes e + 1,89%
Índice de Qualidade Regulatória do Banco
Institucional/ com a média mundial no prêmio de risco/custo de capital
Mundial
regulatório próprio3
Risco + 3%, comparando com Chile, Colômbia, México e Peru no
Índice Doing Business do Banco Mundial
institucional/regulatório prêmio de risco/custo de capital próprio4
Risco Índice Geral de Governança construído a par-
Crises como a de 2008 produzem um aumento de 1,5% contra
institucional/ tir dos índices do Banco Mundial/indicadores
0,25% no Chile no prêmio de risco/capital de terceiros5
regulatório de desenvolvimento do mercado financeiro
Risco Índice Geral de Governança construído a par- A qualidade institucional chilena duplicaria o fluxo de investimento
institucional/ tir dos índices do Banco Mundial/indicadores externo direto brasileiro (+3,5% PIB) no fluxo de investimento
regulatório de desenvolvimento do mercado financeiro externo direto6
Fonte: PECI, A. et al. Risco Regulatório e Efeitos sobre Investimentos: uma agenda de melhoria regulatória e de fortalecimento da governança institucional.
In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.
Notas: 1 DE BRAGANÇA, G. G. F.; PESSOA, M. S.; ROCHA, K. Medidas regulatórias, volatilidade e contágio: um estudo dos casos da energia elétrica e das
telecomunicações no Brasil. Brasília: Ipea, 2015a. (Texto para Discussão, n. 2127).
2
DE BRAGANÇA, G. G. F.; PESSOA, M. S.; ROCHA, K. Intervenção regulatória nos setores de telecomunicações e elétrico em 2012: um estudo de even-
tos com modelo de precificação multifatorial. Brasília: Ipea, 2015b. (Texto para Discussão, n. 2157).
3
CARRASCO, V.; PINHO MELLO, J. M.; JOAQUIM, G. Risco regulatório no Brasil: teoria e mensuração. In: CASTELAR, A.; FRISCHTAK, C. (Orgs.). Gargalos
e soluções na infraestrutura de transportes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 21-37. v. 1.
4
GAZZOLA, A. G. O ambiente regulatório e o seu impacto sobre a rentabilidade das firmas: uma análise empírica 2016. Dissertação (Mestrado) −
Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais, Rio de Janeiro, 2016.
5
ROCHA, K. et al. Caminhos para o investimento privado nas economias emergentes: as características institucionais e os spreads corporativos.
Brasília: Ipea, 2014. (Texto para Discussão, n. 1978).
6
ROCHA, K.; MOREIRA, A. Fluxo de capital e qualidade institucional das economias emergentes. Brasília: Ipea, 2016. (Texto pra discussão, n. 2264).

93
Defeitos e virtudes e mecanismos de transparência, participação
e accountability. A aplicação de AIRs tende a
A falta da qualidade regulatória das agências diminuir a interferência política na formação e
reguladoras de infraestrutura pode ser resumi- na atuação das agências reguladoras.
da nos principais pontos:
Além da realização de AIRs, também se re-
•  á considerável discrepância entre as
H comenda definir ações capazes de minimizar o
intervenções regulatórias planejadas risco de judicialização, por meio da proliferação
e as efetivamente realizadas, e as in- e sistematização de práticas de acordos admi-
tervenções nem sempre são justifica- nistrativos e arbitragem regulatória. Assim, são
das adequadamente e/ou têm o seu sugeridas as medidas a seguir.
impacto avaliado. Isto contribui dire-
tamente para o risco de intervenções 1. Melhoria regulatória
regulatórias.
O processo de melhoria deve ir além da
•  stoque regulatório (conjunto de re-
E adoção de instrumentos como a AIR e resultar
gras aplicadas por uma agência re- na aplicação de todo um conjunto de estraté-
guladora em dado momento do tem- gias capazes de aperfeiçoar os processos de
po) carece de revisões periódicas e decisão regulatória, tornando-os mais racio-
simplificação. nais e baseados em evidências.

O excesso de procedimentos legislativos Processos transparentes legitimam as


leva a uma intensa judicialização e burocrati- decisões regulatórias, equipando os en-
zação, o que trava investimentos. A coordena- carregados dessas tarefas com instrumen-
ção das agências com outras partes de inte- tos passíveis de amortizar intervenções e
resse durante o processo regulatório continua
rupturas políticas, como aconteceu no se-
a ser motivo de preocupação.
tor elétrico quando foi promulgada a Lei no
Como resolver esses problemas? Três ações 12.783/2013, que alterou regras de conces-
são recomendadas. Primeiro, garantir eficiência sões de geração, transmissão e distribuição
orçamentária e financeira às agências. Segun- de energia elétrica.
do, aperfeiçoar o método de seleção e nomea-
ção de seus diretores e reforçar os quadros de
pessoal, com política de retenção de talentos e É preciso
mais concursos. Terceiro, aumentar os níveis de
transparência e accountability dos processos
garantir eficiência
regulatórios, para difundir as melhores práticas orçamentária e
de avaliação de impacto regulatório e padroni-
zar as práticas de governança das agências. financeira às
Um avanço significativo foi obtido com a agências, aperfeiçoar
redação atual do PLS no 53, que contempla vá- o método de seleção
rias das diretrizes aqui apontadas. É necessá-
rio prosseguir nesse caminho, aprimorando os e nomeação de seus
mecanismos em uso, sobretudo o da análise de
impacto regulatório (AIR) – conjunto de pro- diretores e reforçar os
cedimentos de gestão de riscos com foco em quadros de pessoal.
resultados, orientado por princípios, ferramentas

94
Casos bem-sucedidos de adoção da AIR 2. Modelo de seleção de altos dirigentes
por agências reguladoras federais podem
e devem ser estudados por outros órgãos A escolha da alta direção das agências
federais para que se norteie a expansão de sua reguladoras federais tem sido feita com razo-
utilização. Agências reguladoras têm optado ável exigência de experiência técnico-profis-
pela promoção gradual e voluntária desse tipo sional dos dirigentes, em que pesem alguns
de avaliação, via incentivos oficiais, como o Progra- casos de influência política (como afiliação
ma de Fortalecimento da Capacidade Institu- partidária dos nomeados). Há, entretanto, fa-
cional para Gestão em Regulação (Pro-Reg). lhas nos critérios para seleção das diversas
Também têm sido observadas experiências diretorias e alto nível de vacâncias nas agên-
com resultado positivo, feitas por agências cias. Em graus diferentes, esse cenário acaba
pioneiras nesse campo, como as da Agência por afetar a autonomia do processo decisório,
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). o que intensifica a urgência de aprimoramen-
to nas atuais normas de escolha e seleção.
De uma forma ou de outra, todas as agên- O risco de influência política ainda permeia o
cias já empregaram o mecanismo, seja para mandato de diretores das agências, e medi-
normatização, para projetos-pilotos e/ou para das específicas devem ser tomadas para re-
especificação de unidades organizacionais res- duzir o problema.
ponsáveis. Entre as vantagens desta prática,
As linhas gerais do processo de seleção da
menciona-se a institucionalização gradual da
Lei das Estatais e do Projeto de Lei do Senado
cultura de tomada de decisão baseada em evi-
referente às agências são focadas no perfil do
dências e o processo voluntário de aprendiza- dirigente (atributos desejáveis ou não), em vez
gem entre as agências. A AIR tem revelado uma de se tratar do próprio processo de escolha e
virtude adicional: legitima decisões de natureza nomeação. O problema é agravado pelo fato
técnica em casos de intervenções advindas de de que, muitas vezes, o processo de escolha
decisões políticas. e indicação é feito a portas fechadas. Refor-
mulando-se o sistema, poderão ser evitadas,

Risco Regulatório
Os riscos da abordagem ad hoc de adoção entre outros riscos, as intervenções políticas
residem na falta de critérios de priorização – que são muito frequentes desde as primei-
para uso das análises e no perigo de sua trans- ras iniciativas para indicação de candidatos e
formação em mero instrumento burocrático. durante a escolha, indo até o fim da sabatina
Quando a AIR é aplicada de forma precária, o no Senado.
que acaba acontecendo é a perda de intensi-
dade de seu potencial analítico e racional. Por isso, deve haver transparência e com-
petição no processo de escolha dos dirigen-
O PLS no 53/2013 reconheceu os progres- tes. O desafio em todo sistema de seleção é
sos alcançados por essas experiências e re- conjugar critérios técnicos e de legitimida-
comenda o emprego da ferramenta a todas de, em um ambiente transparente, eficiente,
as agências reguladoras federais que tenham profissional e ágil. Tendo, então, em vista
suficiente capacidade organizacional para um este cenário e os objetivos esperados, duas
uso eficiente. propostas são apresentadas:

Para se garantir que essa adoção seja crite- • Melhorar o processo de seleção, in-

riosa e qualitativa, indica-se também a implan- cluindo proposta de formulação de
tação de um órgão de coordenação, destinado modelos de convocação, competição
a atuar na área das políticas regulatórias, de aberta aos possíveis candidatos, cri-
modo a serem inseridos os instrumentos dessa térios de escolha e requisitos mínimos
melhora em todo o conjunto do governo. em termos de qualificação.

95
•  ealizar sabatinas dos componentes
R Um procedimento do Conselho Administrativo
de uma lista tríplice no Senado, no de Defesa Econômica (Cade) demonstra o
lugar de um nome único, e incentivar avanço de acordos com particulares: o Termo
que sejam sempre mais rigorosas. Ain- de Compromisso de Cessação (TCC). Ele pode
da que formal, recomenda-se manter ser celebrado por pessoas físicas e jurídicas in-
esse processo, por sua característica vestigadas por infrações à ordem econômica.
de aproximação do Poder Legislativo Quando firmado, suspende-se o prosseguimen-
a temáticas setoriais e por fortalecer a
to das investigações em relação aos agentes
possibilidade de maior controle social
sobre as agências. privados, que se comprometem a cumprir as
obrigações acertadas. A propósito, cabe aqui
3. Políticas que evitem a judicialização uma observação: o Cade não é uma agência
reguladora, mas tem com as agências algumas
É necessário reduzir o tempo de tramitação características em comum, como as relaciona-
dos processos judiciais referentes a atos e con- das às garantias institucionais.
tratos de agências reguladoras e aumentar a
certeza jurídica sobre o resultado final. Essa política de acordos serve de referên-
cia (benchmarking) para analisar como as
Nota-se também que é grande a oscilação agências reguladoras se comportam quan-
de posicionamentos jurídicos, mesmo entre to a acordos substitutivos ou suspensivos.
etapas de julgamento de um mesmo processo. Há realidades bastante distintas. Algumas
Propõe-se, assim, o uso sistemático de duas agências já têm regulamentos detalhados
vias de solução de problemas: os acordos ad- – casos das seguintes: Agência Nacional de
ministrativos e a arbitragem. Recomenda-se Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional
a multiplicação da política de acordos entre de Transportes Terrestres (ANTT), Agência
agências reguladoras e particulares e a esco- Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq),
lha da via arbitral, para resolver pendências Agência Nacional da Aviação Civil (Anac)
sobre obrigações contratuais firmadas entre e Agência Nacional de Telecomunicações
administração pública e particulares. A arbi- (Anatel). Em outras, como a Agência Nacional
tragem pode também mitigar problemas do do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
cenário regulatório. (ANP) e a Agência Nacional de Águas (ANA),
o estágio é embrionário, e são bastante li-
Os acordos administrativos devem auxiliar mitadas as possibilidades de acordos. Des-
as agências reguladoras a exercer seu po- taca-se a Agência Nacional de Energia
der fiscalizador e punitivo e atribuir sanções Elétrica (Aneel), que decidiu recentemente
administrativas (como advertência, multa, sus- revogar sua resolução de política de acordo
pensão temporária, caducidade e declaração por ter considerado os resultados insatis-
de inidoneidade). fatórios, já que são constantes os casos de
descumprimento das obrigações assumidas
Deve haver pelos particulares.

transparência e Diante disso, alguns parâmetros parecem


claros:
competição no
•  s critérios (vantagens e obrigações
O
processo de escolha para os particulares interessados no
dos dirigentes. acordo) sob os quais uma agência

96
reguladora desenha as possibilida- gulatórios previstos na legislação legal
des de um acordo possível devem ser e infralegal específica de cada agência
transparentes e previsíveis ex ante sejam atingidos.
ou por meio de precedentes que es-
tejam disponíveis para terceiros em •  esforço de previsibilidade e transpa-
O
websites e meios semelhantes, tam- rência tem que ser sistematizado por
bém disponíveis para a sociedade. meio de redes de cooperação entre as
agências reguladoras ou, preferencial-
•  procedimento de negociação entre
O mente, por meio de um órgão de coor-
a agência reguladora e as empresas denação governamental.
particulares também precisa ser trans-
parente e previsível. Mesmo havendo diferenças entre os pro-
cessos administrativos das agências, podem-
•  olíticas de acordo com particulares
P -se imaginar sinergias para sistematização
e seus respectivos resultados neces- dos procedimentos e regulamentos, visando
sitam ser constantemente avaliados, à resolução alternativa dos conflitos. As me-
não só para se verificarem as even- lhores práticas de algumas agências podem
tuais causas de seu descumprimento, servir de exemplo às outras, atualizando e
mas também para se ponderarem os melhorando o processo e evitando retroces-
seus efeitos na política regulatória, de sos, ou até mesmo a desistência de uma polí-
forma a se garantir que os objetivos re- tica nessa direção.

Tabela 2
Arbitragem para resolução de problemas – procedimentos das agências reguladoras
Utilização de Assinatura de cláusula
Entidade e setor Escopo do que é encaminhado para arbitragem
arbitragem de arbitragem

Risco Regulatório
Aneel Todas as controvérsias relacionadas a indenizações eventualmente
Não Sim
Eletricidade devidas por extinção do contrato.
CCEE Todas as controvérsias relacionadas a contratos de comercialização
Sim Sim
Eletricidade de energia.
Direitos patrimoniais disponíveis que são as cláusulas sinalagmá-
ANP
ticas do contrato, exceto obrigações previstas em lei, interpretação
Petróleo, gás e Sim Sim
de definições legais, questões de direito público, obrigações de
biocombustíveis
cunho ambiental.
Antaq
Transportes aqua- Não Sim Não disponível.
viários
ANTT
Todas as controvérsias oriundas de contratos, salvo litígios relacio-
Transportes Não Sim
nados com direitos indisponíveis.
terrestres
Quaisquer litígios, controvérsias ou discordâncias relativas a inde-
Anac
Não Sim nizações eventualmente devidas quando da extinção contratual,
Aeroportos
inclusive quanto aos bens revertidos.
Violação de direito da concessionária à proteção da sua situação
Anatel
Não Sim econômica, revisão das tarifas, indenização quando da extinção do
Telecomunicações
contrato, inclusive quanto aos bens revertidos.
Fonte: PECI, A. et al. Risco Regulatório e Efeitos sobre Investimentos: uma agenda de melhoria regulatória e de fortalecimento da governança institucional.
In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

97
A arbitragem regulatória, desde 2015, de- laudos arbitrais. Dois outros problemas pre-
termina que a administração pública, direta e cisam ser resolvidos: definir regras sobre a
indireta, é capaz de realizar acordos e transa- confidencialidade para tornar mais seguro o
ções que deverão estabelecer convenção de processo e procurar meios para redução dos
arbitragem para dirimir conflitos relativos a di- custos atuais.
reitos patrimoniais disponíveis.
Também é preciso definir o que ficará su-
A partir daí, tem sido crescente o interes-
jeito à arbitragem e à sua sistematização, por
se em definir o que é arbitrável nos contratos
meio de redes de cooperação entre as agên-
com a administração pública e, em particular,
cias reguladoras ou, preferencialmente, por
com as agências reguladoras. Para a ANP,
meio de um órgão de coordenação governa-
estão fora dessa alternativa as questões re-
mental, como se propõe a seguir.
lacionadas a direitos não transacionáveis e
os atos de império (atos impostos coerciti-
vamente aos administrados). A ANTT con- 4. Criação de órgão coordenador
sidera que matérias ambientais não podem
ser submetidas à arbitragem. A Anatel defi- A fragmentação das políticas regulató-
niu o que pode ser submetido à arbitragem: rias é vista como uma das bases dos riscos
indenizações, revisão de tarifas e reequilí- enfrentados no país; assim, a criação de um
brio econômico-financeiro. Na Câmara de órgão coordenador dessas ações é indica-
Comercialização de Energia Elétrica, a natu- da como passo essencial para se resgatar a
reza de entidade privada permite ampla utili- percepção do governo como um todo. Reco-
zação do procedimento. menda-se que sua implantação seja feita no
centro do governo e no curto prazo. Entre os
Ainda que pouco utilizada, a arbitragem papéis a serem atribuídos, estão a supervisão
é um meio eficiente e eficaz ante a defi- da qualidade regulatória e a harmonização
ciência institucional do Judiciário, além de e coordenação de decisões tomadas pelas
ser mais rápida, técnica e informal. A am- agências de regulação, principalmente no ní-
pliação de seu uso terá efeitos positivos vel ministerial.
no incremento do arcabouço institucional
brasileiro, melhorando a alocação de re-
cursos públicos e favorecendo a ampliação Ainda que pouco
do mercado, que perceberá um ambiente
de mais estabilidade, com a redução do utilizada, a arbitragem
risco regulatório. A consequência natural
de cenários como este é aumentar o fluxo
é um meio eficiente
de investimentos no setor de infraestrutu- e eficaz ante
ra do país.
a deficiência
Para fomentar o uso de arbitragem em
conflitos regulatórios, algumas diretrizes de-
institucional do
vem ser tomadas. Inicialmente, é reduzir as Judiciário, além de ser
desvantagens atualmente apresentadas no
caso de arbitragens com a administração mais rápida, técnica
pública – basicamente, estimular maior ra- e informal.
pidez nos pagamentos determinados pelos

98
As funções básicas previstas são: coor- Assim, a recomendação é que um novo ór-
denação política, planejamento estratégico, gão de coordenação de políticas regulatórias
coordenação no processo de elaboração e resgate, formalize e amplie o papel do Pro-
implementação de políticas públicas e co- -Reg, principalmente em quatro pontos: i) nos
municação, accountability das ações e de- processos de escolha dos altos dirigentes de
sempenho dos órgãos formuladores e imple- órgãos reguladores; ii) na avaliação da quali-
mentadores das políticas regulatórias.
dade das agências reguladoras de infraestru-
tura realizada por órgãos supervisores e/ou
O fato é que a necessidade de uma coor-
agências vinculadas; iii) no estímulo à disse-
denação centralizada é sentida no âmbito do
governo federal, há tempos. Em 2007, com minação das boas práticas regulatórias entre
o Pro-Reg, buscou-se suprir a lacuna, mas o órgãos formuladores e implementadores de
programa, subdimensionado em termos de políticas públicas; e iv) na coordenação de
recursos humanos e técnicos, não chegou a processos de avaliação de políticas públicas
assumir um status institucional mais alto. de longo prazo.

Tabela 3
Resumo das propostas para redução do risco regulatório
Tópicos Medidas

1) Foco na melhoria e aperfeiçoamento dos processos de decisão regulatória, tornando-os mais racionais
e baseados em evidências.
Reformas de melhoria 2) Adoção de instrumentos como AIR, a partir de critérios de relevância e evitando que se tornem
regulatória medidas burocratizadoras.
3) Instrumentos que fazem parte das reformas de melhoria regulatória desempenham um papel impor-
tante no fortalecimento da burocracia num contexto de fragilidade político-institucional.

Risco Regulatório
4) Garantir transparência e competição no processo de seleção e escolha dos altos dirigentes para
Aperfeiçoamento do modelo dirimir riscos de escolhas políticas a “portas fechadas”.
de seleção e nomeação de
altos dirigentes 5) A ssegurar um perfil diversificado e complementar dos diretores, integrando conhecimentos e
competências de diversas áreas, contribuindo, dessa forma, para criar um colegiado forte. 

6) Maior transparência e previsibilidade sobre critérios e requisitos para procedimento e celebração de acordos.
7) Avaliação ex post de políticas de acordos com particulares para avaliar efeitos nos objetivos regulatórios.
Políticas de redução de 8) Compartilhamento de melhores práticas sobre políticas de acordos e de procedimentos arbitrais
judicialização: acordos e (escopo das arbitragens, regras de confidencialidade etc.).
arbitragem 9) Maior incentivo à rapidez nos pagamentos, pela administração pública, dos valores definidos em
laudos arbitrais, para viabilizar a sua execução.
10) Definição de meios de redução dos custos associados à arbitragem com a administração pública.

11) Combater a excessiva fragmentação de políticas regulatórias, manifestada em decisões políticas que
se sobrepõem a decisões de natureza técnica e em índices de captura política dos conselhos das
Definição de um órgão de agências, resgatando uma visão de “governo como um todo”.
coordenação de políticas 12) D
 esempenhar funções de supervisão da qualidade regulatória, da harmonização e coordenação de deci-
regulatórias sões tomadas não apenas no nível das agências reguladoras, mas, principalmente, no nível ministerial.
13) Promover um benchmarking de boas práticas entre agências e ministérios supervisores.
14) Promover processos transparentes e competitivos de escolha dos dirigentes regulatórios.

Fonte: PECI, A. et al. Risco Regulatório e Efeitos sobre Investimentos: uma agenda de melhoria regulatória e de fortalecimento da governança institucional.
In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

99
Ainda longe de um bom ambiente de negócios
O ambiente em que se faz um negócio é essencial para a trajetória de crescimento. Se o país conseguisse replicar
o ambiente de negócios da Nova Zelândia, por exemplo, teria aumentado a taxa anual média de crescimento do
PIB per capita em quase 12% entre 2010 e 2015. Se tivesse chegado à média do Chile, o ganho acumulado teria
sido de 5,5%.

Esses números têm base nos dados do Doing Business, documento elaborado pelo Banco Mundial referente
à simplificação em processos de abertura de empresas e redução de tempo para recolhimento de taxas e impos-
tos. Outro levantamento, o Índice EGDI (sigla em inglês para Índice de Desenvolvimento de Governança Digital
– E-Government Development Index), da Organização das Nações Unidas (ONU), mede a capacidade e a dispo-
sição do setor público quanto à implementação das tecnologias de informação e comunicação para melhorar o
conhecimento e informação a serviço do cidadão. Nele são considerados os níveis de serviços on-line, a estrutura
de telecomunicações e o capital humano.

O Brasil não figura entre os mais bem colocados nesse indicador, que inclui 193 países. Ficou em 51o lugar
no ranking global de 2016 e em 6o no das Américas. Seu EGDI é igual a 0,637, menor que os de Uruguai, Argen-
tina e Chile, por exemplo. Já esteve pior: ocupava o 54o lugar dois anos antes.

Mais: segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a maioria dos países
(26 em 28 da amostra estudada) fazia alguma ação na área do e-governo para reduzir seu peso administrativo, já
em 2001. No estudo, foram citados esforços do governo português para simplificar a vida de cidadãos e empre-
sas, o Simplex, por exemplo. Sob o princípio de empresa na hora (on-the-spot-firm), entre 2005 e 2007, o sistema
permitiu a abertura de 45,5 mil empresas, em processos de duração média de 51 minutos.

Por sua vez, no Brasil existem onze procedimentos para a abertura de empresas, que demora 101,5 dias,
em média, até ser finalizada – bem mais que nos países analisados pela OCDE, onde há 4,7 procedimentos e a
demora é de 8,3 dias. Na América Latina, são 8,3 procedimentos e 29,4 dias de prazo.

Algumas iniciativas têm sido adotadas aqui para mudar a situação. Uma delas é a Rede Nacional para Simpli-
ficação do Registro e Localização de Empresas e Negócios - RedeSIM -, sistema integrado que permite a abertura,
fechamento, alteração e legalização de empresas em todas as Juntas Comerciais do Brasil. A meta é reduzir o prazo
dos procedimentos para cinco dias. Outra é o processo de registro para microempreendedores individuais, que
também faz a inscrição da empresa no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) eletronicamente. No entanto,
antes de iniciar o processo de formalização, o próprio portal indica a necessidade de procurar a prefeitura para
verificar se a atividade pode ser exercida no local desejado. Isto, em muitos casos, especialmente em pequenas
prefeituras do interior do país, significa, pelo menos, deslocamento físico do interessado até a sede da administra-
ção municipal.

Dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) mostram que, de 2008 a 2014, as compras
por pregão eletrônico do governo federal cresceram de 40% para 60%, mas as modalidades não eletrônicas, es-
pecialmente processos com dispensa ou inegibilidade de licitação, ainda ocupam largo espaço nessas compras.

Com a adoção de uma agenda de políticas públicas para realizar reformas microeconômicas, o Brasil
poderá replicar as melhores práticas internacionais. No caso específico do e-governo, há um amplo espaço
para, via medidas simples e tecnologicamente viáveis, melhorar substancialmente o ambiente de negócios. E,
no caso específico, os exemplos de Portugal e dos países americanos podem servir como guias para a adoção
destas boas práticas.

Fonte: CURADO, M.; CURADO, T. Ambiente de Negócios para um Novo Padrão de Desenvolvimento Nacional. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.).
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

100
Modelo de
Concessões

11
Mais Eficiência,
Mais Investimento
Modelo de Concessões
1

A
infraestrutura de transportes e logís­ com processo de planejamento mais bem ela-
tica no Brasil apresenta gargalos e ine- borado. Em muitos outros, houve atrasos e au-
ficiências que prejudicam o dinamismo mento de custos semelhantes aos que ocorrem
da economia e limitam as possibilidades de na contratação tradicional. Repartição indevida
crescimento. O espaço fiscal é reduzido para de riscos (o governo arca com riscos que cabe-
o gover­no tocar os investimentos necessários, riam ao concessionário e vice-versa) e não ali-
e é pre­ciso contar com a iniciativa privada – nhamento de incentivos do contratado aos in-
por con­cessões e parcerias público-privadas teresses do contratante marcaram esses casos.
(PPP). E para retomar o programa de conces-
sões ou PPP, regras modelos de financiamento A baixa qualidade dos projetos básicos
e seguro terão de ser alteradas para atrair no- e executivos aumenta a probabilidade de
vos agentes. ocorrência de litígio e judicialização, aditivos
contratuais que geram problemas de gover-
Governos recentes têm procurado, em nança. Neste ponto, o setor público precisa
maior ou menor grau, implementar programas rever a forma de contratação de projetos de
de obras com execução direta e orçamento alta complexidade.
fiscal, para efetivação mais rápida. O mais
emblemático deles é o Programa de Ace- Em 2012, foi lançado o Programa de Inves-
leração do Crescimento (PAC), lançado em timento em Logística (PIL), na tentativa de
tempos de superavit fiscal (2007). Diversos superar os problemas do programa anterior e
projetos tiveram início, mas vários obstáculos não comprometer o orçamento fiscal, que já
afetaram sua execução. apresentava sinais de perda de capacidade
para financiamento. Entretanto, a maioria das
Vulnerabilidades no planejamento, elabo- obras anunciadas não saiu do papel, por serem
ração e avaliação dos projetos e deficiência raros os projetos suficientemente maduros
nos modelos de contratação e no desenho li- para atrair investidores e porque os modelos
propostos eram pouco claros quanto a riscos
citatório estão entre as principais causas dos
e garantias. Alguns empreendimentos foram
problemas. Houve interferências físicas entre
repassados à iniciativa privada, mas a maior
projetos e questões com áreas ambientalmen-
parte nem foi licitada.
te sensíveis, além de custos não previstos.
Impactos sociais locais não foram adequada- Com a crise fiscal, a alternativa consiste em
mente previstos e/ou evitados no planejamen- financiar a infraestrutura rodoviária inter-re-
to, nem devidamente colocados nos contratos gional pelos beneficiários – é o caso do pedá-
de construção. gio, já em uso em diversos trechos de rodovias
federais e estaduais concedidos à operação
Estudo do Ipea2 avaliou que os projetos de privada – e realizar boa parte dos investimen-
infraestrutura apresentavam ligeira melhora tos via iniciativa privada, por meio de conces-
na execução quando feitos via concessão, nas sões e PPPs. Um novo arranjo se faz necessá-
quais o parceiro privado assumia o projeto, a rio, não apenas para corrigir eventuais falhas,
construção e a operação da infraestrutura. Se- mas porque a maior parte das rodovias com
gundo os pesquisadores, no entanto, isso só foi alto tráfego, potencialmente superavitárias, já
registrado em projetos com maior maturidade, foi concedida.

102
Um padrão para toda a malha Com base em estimativas de benefícios apre-
sentadas a seguir, sugere-se que o valor dos
O Brasil carece de um modelo de concessão pa- pedágios seja definido em torno de 50% dos
trocinada aplicável a toda a malha rodoviária fe- benefícios médios. Assim, para rodovias de pis-
deral pavimentada. Propõe-se um novo padrão, ta simples, que, sob concessão, passariam de
baseado em quatro pontos: i) valores de pedágio mau estado de pavimentação para bom, o pedá-
associados aos benefícios privados dos usuários; gio seria de R$ 5 por automóvel e de R$ 11 por
ii) pagamento do governo ao concessionário pela eixo de caminhão ou ônibus a cada 100 km de
disponibilidade da via com determinado padrão viagem, como se vê na tabela 1. Para definir tais
de qualidade; iii) cobrança de outorga atrelada ao valores, foram comparados o custo operacional
volume de tráfego como um percentual do pedá- e o custo de tempo para um veículo trafegar em
gio pago; e iv) subsídio cruzado entre trechos. uma rodovia de pista simples (em condições de
pavimento péssimo, mau, regular e bom) e em
Em resumo, essa proposta demanda os ajustes
institucionais elencados a seguir. uma rodovia de pista dupla com pavimento bom.
Constatou-se o esperado: os custos caem sem-
•  doção de modelo de PPP no formato de
A pre que melhoram as condições da via.
concessão patrocinada (conforme defini-
do no § 1o do art. 2o da Lei no 11.079/2004 – A diferença de custo total entre pavimen-
Lei das PPPs), com contraprestação fixa to mau e bom é de R$ 10,45 por automóvel e
do governo ao concessionário e cobrança de mais R$ 9,16 em pista dupla, a cada 100
de outorga variável com a demanda. km. Então, o motorista é beneficiado em R$
10 a cada 100 km ao trafegar em rodovia em
•  obertura do risco cambial como forma
C bom estado, e em quase outro tanto quando
de facilitar o financiamento dos projetos em pista duplicada.
em moeda estrangeira.
No caso dos caminhões, os resultados

Modelo de Concessões
•  m substituição às exigências de ca-
E também são muito positivos. Nas rodovias
pacidade técnica e financeira normal- de pista simples, se o pavimento muda de
mente requeridas, propõe-se o uso de
mau para bom, os ganhos ficam entre R$
seguros-garantia de proposta e de-
21,86 e R$ 41,69 por eixo a cada 100 km,
sempenho das obras, como já adotado
em países desenvolvidos. bem maiores que os dos automóveis. Ao se
duplicar uma rodovia já em bom estado, nos
•  efinição de tarifas com base em bene-
D caminhões, o ganho é menor que em auto-
fícios privados dos usuários, a fim de se móveis: R$ 3,6 por eixo a cada 100 km. É que
reduzirem as diferenças de tarifas entre o perfil de velocidade e operação dos cami-
concessões distintas, apesar de se pres- nhões não difere na pista dupla, e o efeito do
tarem serviços semelhantes. tempo é menos importante.

Tabela 1
Valores de pedágio propostos para concessões em rodovias
(R$/100 km, em valores de 2016)

Pista dupla – regiões Pista dupla – regiões


Tipo de veículo Pista simples
Norte e Nordeste Centro-Oeste, Sudeste e Sul
Motocicletas 2,50 4,50 5,00
Automóveis 5,00 9,00 10,00
Caminhões e ônibus (R$/eixo) 11,00 11,00 11,00

Fonte: POMPERMAYER, F. M. Simulação de parceria público – privada para as rodovias federais: impactos positivos sobre o orçamento fiscal. Monografia/XXI
Prêmio Tesouro Nacional 2016.

103
Com essa modelagem, todas as rodovias
Risco de federais poderiam ser concedidas à operação
privada – desde que ligadas a um único fundo
demanda deve garantidor de PPPs, formado pela receita com
ser compartilhado. as outorgas. Caberiam a ele os pagamentos
por disponibilidade. Assim, pode haver subsídio
cruzado das rodovias de alto tráfego e baixa ne-
Outro ponto importante na análise do custo da cessidade de investimento (as superavitárias),
infraestrutura rodoviária é que o modelo de con- cujo valor de outorga seria superior ao paga-
cessão, adotado na maioria das concessões de in- mento por disponibilidade, para as rodovias de
fraestrutura de transportes no Brasil, aloca o risco mais baixo tráfego e maior necessidade de in-
de demanda ao concessionário. Se a demanda for vestimento, cujo pagamento por disponibilidade
menor que a prevista antes da licitação, ele per- seria superior à arrecadação de outorga.
derá receita. E se for maior, maior será sua receita.
Uma simulação considerando os valores
Em transportes, porém, a demanda é pouco de pedágio e apenas os custos de operação
gerenciável pelo operador e depende basica- e manutenção de rodovias pedagiadas, sem
mente de variações macroeconômicas. Assim, os custos de ampliação de capacidade, indica
recomenda-se compartilhar o risco entre go- resultado positivo. Ela mostra a relação entre
verno e parceiro privado, atrelando algum pa- trechos que seriam superavitários (25 mil qui-
râmetro da concessão à demanda realizada. É lômetros) e os que seriam deficitários (52 mil
o que já acontece, por exemplo, em concessões quilômetros), dos 77 mil quilômetros da malha
de aeroportos, em que se cobra outorga variá- federal pavimentada – sinal da necessidade
vel com a demanda, adicional à parcela fixa. de subsídio cruzado.

Sugere-se, então, que o concessionário pa- Uma das vantagens adicionais desse mo-
gue outorga variável com a demanda, na forma delo é a possibilidade de se atrelar o paga-
de percentual do pedágio arrecadado. Em con- mento por disponibilidade a metas de qua-
trapartida, o governo pagará ao concessionário lidade. Outra é a de calibrar os valores de
um valor fixo por disponibilidade da via – me- outorga para incentivar o concessionário a
canismo que estabiliza receitas e aumenta a ampliar capacidade (de pista simples para
parcela variável dos custos do concessionário. pista dupla) quando o volume de tráfego atin-
Além disso, com maior previsibilidade do fluxo gir o volume indicado para isso, sem neces-
de caixa do projeto, o acesso a créditos priva- sidade de fiscalização e intervenção ativa da
dos fica mais fácil para o concessionário. agência reguladora.

Tabela 2
Pedágios e custos de operação e manutenção da malha rodoviária federal pavimentada
Extensão Custos Arrecadação Resultado
Tipo de via/resultado Extensão (km)
(%) (R$ milhões) (R$ milhões) (R$ milhões)
Dupla 7.372 100 -3.248 8.329 5.081
Superavitário 5.433 74 - 2.394 7.952 5.558
Deficitário 1.939 25 - 854 377 - 477
Simples 70.030 100 -15.427 12.836 -2.591
Superavitário 20.356 29 - 4.484 9.576 5.092
Deficitário 49.674 71 - 10.943 3.260 - 7.683
Total - 18.676 21.165 2.490
Fonte: POMPERMAYER, F.M. Simulação de parceria público – privada para as rodovias federais: impactos positivos sobre o orçamento fiscal. Monografia/XXI
Prêmio Tesouro Nacional 2016.

104
No primeiro caso, como a receita do concessio- com possibilidade de perda real pelo contratado se
nário dependerá muito do cumprimento de requi- houver abandono.
sitos mínimos de qualidade, ele será incentivado a
mantê-los. No modelo atual, prevê-se redução na Isso já se aplica automaticamente em rodovias
tarifa de pedágio quando metas não são atendidas, que exigem pesados investimentos no início do con-
mas o tempo entre apuração e autuação tende a trato, antes de se permitir a cobrança de pedágio,
ser grande. No segundo caso, os contratos atuais tanto em recuperação quanto em ampliação de ca-
determinam que, quando o nível de serviço de um pacidade. Quando não há essa necessidade ou se
segmento da rodovia cair abaixo de um certo pata- os investimentos iniciais são baixos, recomenda-se
mar, a concessionária deverá iniciar a ampliação da a cobrança de um bônus de assinatura pelo contra-
capacidade. Nos dois casos, a fiscalização caberá à to de concessão. Se o concessionário quiser rene-
agência reguladora, e o pagamento por disponibili- gociar ou sair, o bônus não será devolvido.
dade também será posterior à inspeção.
As vantagens do modelo proposto serão
Com tarifas de pedágio distintas entre pista tornar explícito o subsídio a cada concessão,
simples e pista dupla, pode-se calibrar o valor de aumentar a previsibilidade de receitas, com
outorga (por veículo) de forma que a receita por efeitos positivos sobre o fluxo de caixa, e re-
veículo cresça se o concessionário duplicar a via. duzir o risco de demanda para o concessioná-
Ao se definir a outorga, deve-se prever que, a partir rio, dado que a outorga passa a ser um custo
de determinado volume de tráfego, estimado com variável. Também facilitará ao concessionário
base no nível mínimo de serviço desejado, o au- obter crédito em bancos privados, demandan-
mento de receita líquida do concessionário cubra do menos o Banco Nacional de Desenvolvi-
os investimentos na ampliação de capacidade. mento Econômico e Social (BNDES).

Para pista simples, com rodovia concedida já No entanto, há desvantagens a serem tra-
implantada e cabendo ao concessionário recupe- balhadas. Como o novo modelo encarecerá o
rá-la e mantê-la, a receita líquida necessária (des- pedágio, deve-se deixar claro ao usuário que os
contada a outorga) seria bem pequena em relação benefícios superarão o valor pago. Informando

Modelo de Concessões
ao pedágio de R$ 5 por automóvel a cada 100 km. ao mercado a nova metodologia, evita-se des-
Para duplicação ou implantação de terceira faixa, confiança de investidores. O poder concedente
somam-se os custos de investimento aos de re- deverá fiscalizar mais efetivamente o volume de
cuperação e manutenção, elevando-se a receita tráfego para aferir o valor total a ser recebido de
outorga. Para isso, deve usar equipamentos ele-
líquida necessária. Nesse caso, o valor de outorga
trônicos de contagem de veículos e eixos. Outro
por veículo deve ser alterado para garantir a re-
problema potencial é a resistência política aos
muneração. A outorga a ser cobrada por eixo de
mecanismos de subsídios cruzados por parte
caminhões e ônibus também pode ser diferente
dos eleitores de regiões de maior tráfego.
para pista simples e dupla. Com o pedágio prees-
tabelecido, vencerá a licitação quem exigir menor
pagamento fixo por disponibilidade da via.
Com o pedágio
Um ponto de preocupação em contratos de
longo prazo é a ação oportunista de parceiro pri- preestabelecido,
vado que faz ofertas agressivas nas licitações para
vencer já pensando em renegociar o acordo du-
vencerá a licitação
rante a execução. Se o governo não quer parar os quem exigir menor
serviços, nem se envolver em nova licitação, cede
às pressões, renegocia e perde vantagens obtidas. pagamento fixo por
Para evitar isso, deve-se comprometer o conces-
sionário financeiramente logo no início do contrato.
disponibilidade
No caso de ele pedir renegociação, o governo terá da via.
a seu favor o gasto efetuado, não reembolsável, e

105
Gráfico 1
Exemplo de definições de outorga por veículo (R$/100km)
10,00

7,50 Remunera
também os
investimentos
para a
Remunera duplicação
apenas recuperação 5,00
do pavimento
e custo de operação
e manutenção

Simples Com 3a faixa Dupla


Outorga Receita líquida

Fonte: POMPERMAYER, F.M. Simulação de parceria público – privada para as rodovias federais: impactos positivos sobre o orçamento fiscal. Monografia/XXI
Prêmio Tesouro Nacional 2016.XXI Prêmio Tesouro Nacional 2016.

Caberá ao governo capitalizar o fundo garan- O mecanismo de proteção cambial também


tidor para concessões via PPP, e uma alternativa funcionaria de forma inversa: a parcela da tari-
pode ser a cobrança de uma Contribuição de fa referente ao pagamento por disponibilidade
Intervenção de Domínio Econômico (Cide) nas seria reajustada a maior, se o real se depre-
concessões cujo pedágio seja inferior aos novos ciasse acima dos limites da banda, e a menor,
valores propostos. E, se for preciso emitir dívida no caso de apreciação. Desse modo, o parcei-
pública, o montante será menor que o exigido ro teria receita protegida do risco cambial, am-
para capitalizar o BNDES no modelo adotado pliando chances de financiamento no exterior.
em 2013 (financiamento de até 70% do total).
Para financiar esse hedge cambial, há de se
Para atrair investidores estrangeiros, há que distinguir os usuários da infraestrutura entre
se tratar a questão do risco cambial. É interes- aqueles que a utilizam para escoar bens transa-
sante oferecer alguma proteção para o conces- cionáveis em mercados internacionais – trada-
sionário, pois essa proteção estimulará a parti- bles, como as commodities agrícolas, com preços
cipação externa na etapa de capitalização do em moeda externa – e aqueles que não o fazem.
projeto, reduzindo sensivelmente o rendimento No caso dos usuários associados a tradables,
exigido para aquisição dos papéis da empresa, faz sentido econômico que o custo cambial seja
dado o menor custo de capital no exterior. repassado à tarifa, pois custos e receitas desses
usuários estão ligados à variação cambial. Isto
Para uma concessão nos moldes de uma poderia ser operacionalizado, por exemplo, com
PPP, a proposta seria bastante similar, com a uma tarifa temporária acima da tabelada para
diferença de que, em vez do pagamento de caminhões em corredores escoadores de soja.
outorga por parte do concessionário, o fluxo
de pagamentos seria feito por disponibilida- No caso dos usuários non-tradables, há al-
de do cedente, o governo, pois as receitas da ternativas. Uma delas é que a parcela da tari-
concessão (totais ou parciais) são públicas. fa correspondente à outorga seja corrigida pela

106
variação cambial quando superar os limites de Parceria estrangeira e novas
uma banda preestabelecida. Nesse caso, o risco
cambial seria assumido pelo concedente (agente
modalidades de garantias
público), por meio da correção automática do va- Atualmente, exige-se de estrangeiros interes-
lor da outorga a ser paga pelo concessionário. Essa sados em licitações a constituição de empresa
medida, no entanto, dependeria de modificação que brasileira e integralização de capital, ou a asso-
autorizasse o Tesouro Nacional a arcar com riscos ciação em consórcios com empresas brasilei-
cambiais em projetos de infraestrutura. Outra alter- ras. A pergunta é se não seria mais adequado
nativa que não passa pelo orçamento seria o fundo exigir isso apenas ao licitante vencedor. Nes-
garantidor de PPP (Lei no 11.079, de 2004) aplicar em se caso, qual a garantia de que o licitante não
títulos externos. Se o real se depreciar, os recursos renegará a proposta, gerando custos de nova
do fundo serão relativamente maiores, exatamen- licitação? Não seria mais prático exigir segu-
te quando aumentarão os valores de resgates para ros de proposta e de desempenho, em que a
pagamentos por disponibilidade. Porém, essa alter- seguradora avaliaria a capacidade técnica e
nativa também apresenta dificuldades, pois se por financeira do licitante? As empresas estrangei-
um lado o risco cambial é mitigado, por outro lado o ras poderiam recorrer a seguradoras também
diferencial entre os juros brasileiros e internacionais estrangeiras: como a administração pública
pode comprometer a rentabilidade do fundo. poderia aceitar tais seguros sem incorrer em
Por fim, considerando o longo prazo dos riscos de não receber?
projetos que ultrapassam vários mandatos go-
vernamentais, um nível adequado de garantias
é fundamental. Uma carteira de projetos de
Não seria mais prático
PPP, dentro do modelo proposto, deverá ser exigir seguros de
montada de forma que o Estado diversifique o
proposta e de

Modelo de Concessões
seu risco, definindo um número suficiente de
contratos em que o valor esperado dos paga-
mentos e recebimentos seja positivo.
desempenho, em que
Com essas propostas, os contratos de
a seguradora avaliaria
concessão terão menos riscos alocados aos a capacidade técnica e
parceiros privados. É de se esperar que os in-
vestidores exijam menores taxas de retorno financeira do licitante?
para entrar nos novos projetos que adotarem
tais mecanismos. Para que o poder conceden- A legislação brasileira prevê, para obras e
te possa calibrar o desenho e o tamanho das aquisição de bens e serviços públicos, apre-
garantias e coberturas de risco oferecidas, es- sentação de garantias definidas pela autori-
tudo do Ipea3 apresenta um modelo de apre- dade e em valor de 5% ou 10% do contrato.
çamento de risco e retorno. Com esse modelo Podem ser aceitas uma destas três formas:
será possível estimar, a partir da percepção de seguro, fiança bancária e caução em dinheiro
aversão a risco dos investidores, o quanto tais ou títulos. Os seguros, por sua vez, se divi-
garantias podem valer para os investidores po- dem em três tipos: o seguro garantia da pro-
tenciais, na forma de redução da taxa de retor- posta (bid bond), que protege o governo da
no exigida em cada projeto. Ao se confrontar renegação do contrato; o seguro-desempe-
o menor retorno exigido pelos investidores e o nho (performance bond), que cobre falhas de
custo das garantias para a administração públi- execução; e o seguro-pagamento, que cobre
ca, é possível otimizar o desenho das garantias o risco de a empreiteira não pagar subcontra-
e da alocação de riscos dos contratos de PPP. tados e fornecedores.

107
A ideia por trás da exigência de seguros em A rotineira demora para as seguradoras
vez de outro tipo de garantia financeira, como o liberarem recursos financeiros – ou mesmo
depósito em caução e a fiança bancária prevista a judicialização, no caso de inadimplemento
na legislação brasileira de compras públicas, é de da contratada – é uma preocupação. Assim,
que, se a empreiteira vier a ser negligente em al- o desenho das apólices e o entendimento ju-
gum projeto, ela deverá ter problemas na contra- rídico sobre esse tipo de seguro devem ser
tação de um seguro no futuro, seja por não aceita- aprimorados e difundidos entre a adminis-
ção por parte de algumas seguradoras, seja pelo tração pública, os potenciais contratados do
prêmio (preço) cobrado pelo seguro. Dessa forma, governo e as próprias seguradoras.
o governo pode ter um sinal bem claro sobre a re-
putação da empreiteira: como são os ativos da Infraestrutura de impacto
seguradora que estão em risco, ela tem forte in-
centivo a precificar o risco de forma correta. Além de ser um segmento com grande potencial
sobre o emprego, e com diversos efeitos multi-
A fiança bancária ou garantias reais apre- plicadores, o investimento em infraestrutura tem
sentam diversos problemas. O primeiro é que uma correlação com o avanço de produção e
ela não sinaliza tão bem quanto os seguros a produtividade: a cada 1% de acréscimo4 nesses
capacidade da empresa em honrar o contrato. investimentos, ocorre alta de 0,34% a 0,49% na
O segundo é que, quanto mais alta é a exigên- produtividade total dos fatores (PTF) e de 0,4%
cia de garantias ou fiança, maior o compro- a 0,6% no produto interno bruto (PIB).
metimento de recursos próprios, o que eleva
Quando o Brasil investiu 1% a mais na in-
o risco de dificuldades financeiras para honrar o fraestrutura de transporte inter-regional (1995
próprio contrato. O terceiro é que nestes casos a 2011), o reflexo positivo no PIB foi de 0,032%.
o governo toma para si a tarefa de analisar os Pode parecer, mas não é pouco: em valores de
riscos das contratadas, usando, na maioria das 2012, com PIB de R$ 4,590 trilhões e R$ 13,520
vezes, um conjunto insuficiente de evidências: bilhões de investimento público em transportes,
afinal, habilitar uma empresa só pela compro- esse 1% a mais (R$ 135,2 milhões) resulta, no
vação de capacidade financeira não mitiga os longo prazo, em acréscimo no PIB de R$ 1,468
riscos específicos do projeto a ser assinado. bilhão. Ou cerca de onze vezes o investimento
O último problema é a possibilidade de um inicial. Como os diversos planos governamentais
equilíbrio em que, a empreiteira podendo es- estimam a necessidade de investimentos em in-
colher a forma de garantia, apenas firmas com fraestrutura de transporte em valores acima de
classificação de risco alta optem pela fiança R$ 100 bilhões, mantendo-se a mesma relação,
bancária, de mais baixo custo para elas. haveria um aumento potencial no PIB de algo
como R$ 1,1 trilhão, ou 17% em relação ao PIB
Recomenda-se, pois, que em todas as licita- brasileiro em 2016, ao longo de vários anos.
ções de concessões e PPPs haja seguros-ga-
rantia de proposta e de desempenho, e apenas
essa forma de garantia, com valores associados Investimento público
ao risco de cada projeto para este segundo item.
em transportes
Uma advertência deve ser feita: convém, resulta, no longo
antes, avaliar se e como o mercado nacional
de seguros-garantia poderá atender à nova prazo, em acréscimo
demanda, pois essa área é ainda pequena no
Brasil, apesar de as empresas que os oferecem
no PIB de onze vezes o
serem resseguradoras de origem estrangeira e investimento inicial.
de grande porte, ou a elas associadas.

108
Pesquisa
e Inovação

12
Aprimorar
Políticas Públicas
de Incentivo à
C&T
Pesquisa e Inovação
1

A
produtividade brasileira não cresce – (Lei no 11.196, de 21 de novembro de 2005)
ou cresce muito pouco – desde o fi- ampliou essas medidas e facilitou a aplica-
nal dos anos 1970, e o leve movimento ção de incentivos fiscais em investimentos
ascendente registrado a partir de 2000 não privados na área científica e de pesquisa. A
foi suficiente para superarmos desafios estru- ação mais recente é o Programa Inova Em-
turais, pois decorreu mais de um aumento na presa, de 2013, o primeiro a focar a inova-
mão de obra ocupada que da expansão de in- ção com grande escala, integrando instru-
vestimento. Não conseguir produzir mais com mentos e procedimentos transparentes de
a mesma quantidade de trabalho é um dos acesso a incentivos.
mais graves limites ao crescimento brasileiro.
No longo prazo, a capacidade de incorporar, Porém, mesmo com aumentos reais no
adaptar e produzir novas tecnologias é fun- investimento geral em P&D e em ciência e
damental para alavancar ganhos de eficiência tecnologia (C&T), os resultados em termos
na atividade econômica. de inovação ainda são pouco significativos.
São duas as razões principais: i) condições
Nos últimos vinte anos, o governo federal
sistêmicas, como a baixa pressão de mercado
implantou um conjunto de políticas de ino-
dentre outros elementos; e ii) a baixa orienta-
vação relativamente amplo. Houve medidas
ção a resultados concretos dos investimentos
para reforçar a capacidade científica, tec-
públicos em C&T.
nológica e de inovação, por meio do apoio
financeiro direto à pesquisa e desenvolvi-
mento (P&D) em universidades, centros de Olhando apenas pelo lado
pesquisa e empresas, bem como a criação
de incentivos fiscais e linhas de crédito para da oferta
investimentos empresariais nesse setor. Esse arcabouço de instrumentos de apoio e estí-
Também cresceu o número de medidas re- mulo à inovação é equiparável aos existentes na
gulatórias para a inovação. maior parte dos países desenvolvidos. Analoga-
Exemplos dessas medidas são os 16 fun- mente ao que ocorre na maioria deles, no Brasil
dos setoriais que financiam projetos de pes- é razoável a disponibilidade de crédito subsidiado,
quisa, desenvolvimento e inovação em áreas assim como os incentivos fiscais e subvenções
como agropecuária, petróleo e energia. Dois para projetos de pesquisa em empresas, universi-
deles visam apoiar a interação universidade- dades e instituições de C&T. Em 2015, por exem-
-empresa e a infraestrutura de instituições plo, o governo federal mobilizou mais de R$ 56
de ciência e tecnologia. A Lei de Inovação bilhões para inovação. Desse total, R$ 36 bilhões
(Lei no 10.973, de 2 de dezembo de 2004) foram alocados na forma de investimento público
abriu a possibilidade de pesquisadores de em C&T, principalmente nas universidades e nos
instituições públicas participarem de proje- centros de pesquisa. Nesse sentido, as políticas
tos empresariais e permitiu a comercializa- brasileiras se concentram no lado da oferta, isto é,
ção da propriedade intelectual daí derivada. garantem os insumos necessários à produção de
Também se viabilizou, alterando parte da inovação pelas empresas. Pouco é feito para criar
legislação, uma série de programas de sub- e estimular mercados inovadores e portanto agir
venção a P&D em empresas. A Lei do Bem pelo lado da demanda.

110
Gráfico 1
Principais tipos de instrumentos federais de apoio à ciência, tecnologia e inovação no Brasil (2015)
(Em %)
1,8

21,2

12,7

64,3

P&D obrigatório de Isenção fiscal Crédito subsidiado para a Investimento público


setores regulados1 inovação (desembolsos) em C&T

Fonte: D
 E NEGRI, F.; RAUEN, A. T.;  SQUEFF, F. H. S. Ciência, Inovação e Produtividade: por uma nova geração de políticas públicas. In: DE NEGRI, J. A.;
ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.
Nota: 1 Exclusive P&D Aneel.

Ademais e apesar de concentrado no lado Inovação Tecnológica (Pintec) de 2016, do Insti-


da oferta, o apoio governamental aumentou tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
nos últimos anos, tanto que dobrou a propor- Além disso, a parte significativa dos pro-
ção das empresas inovadoras beneficiadas jetos públicos de P&D não é orientada a re-
por algum suporte público, evoluindo de 19%

Pesquisa e Inovação
sultados concretos – por exemplo, só pouco
para cerca de 40% do total, no mesmo inter- mais de 30% desses recursos estão aloca-
valo. No entanto, a maior parte (75% delas) dos em instituições e ministérios setoriais,
aplicou o crédito obtido na compra de máqui- tais como saúde e agricultura. A título de
nas e equipamentos, financiados pelo Banco comparação, ressalte-se que, nos Estados
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Unidos, mais de 90% da P&D pública está
Social (BNDES), segundo dados da Pesquisa de alocada em ministérios setoriais.

Tabela 1
Distribuição do investimento público federal em P&D – Brasil e Estados Unidos (2015)
Participação em relação Departamentos e agências Participação em relação
Ministérios brasileiros1
ao total (%) norte-americanas ao total (%)
Educação 35,8 Defesa (DoD) 47,9
Ciência, Tecnologia e Inovação 32,9 Saúde (HHS) 21,9
Agricultura 17,5 Energia (DoE) 10,4
Saúde 10,1 Nasa 8,3
Defesa 1,3 Fundação Nacional de Ciências (NSF) 4,3
Comunicações 1,2 Agricultura (USDA) 1,8
Outros 1,2 Outros 5,4
Fonte: D
 E NEGRI, F.; RAUEN, A. T.;  SQUEFF, F. H. S. Ciência, Inovação e Produtividade: por uma nova geração de políticas públicas. In: DE NEGRI, J. A.;
ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.
Nota: 1 Execução orçamentária exclusive pós-graduação.

111
A produção científica brasileira cresceu ex-
Parte significativa dos pressivamente desde os anos 1990: o número
de artigos publicados passou de pouco mais de
projetos públicos de 20 por 1 milhão de habitantes para 182 – acima
P&D não é orientada a da média mundial, que está em 170 artigos por 1
milhão de habitantes. A participação do Brasil em
resultados concretos. publicações mundiais aumentou de 0,7% para
3%, entre 1991 e 2009, com ênfase nas áreas de
Outra vertente das políticas públicas re- ciências biológicas e da vida, ainda que continue
centes consistiu em apoiar prioritariamente a baixa a proporção de citações de artigos elabora-
ciência e o ensino superior, via reforço dos or- dos por brasileiros – apenas 0,95% do total.
çamentos do Ministério da Ciência e Tecnolo-
O problema é que esse incremento da produ-
gia e do Ministério da Educação. O número de
ção científica não se transformou em inovação de
universidades e instituições superiores passou
impacto social e econômico. Ainda que a parti-
de 1,4 mil para 2,3 mil (de 2000 a 2015), e foram
cipação das universidades e dos centros de pes-
instaladas 89 novas instituições de ensino su-
quisa nas patentes do Instituto Nacional da Pro-
perior federais e estaduais (de 2000 a 2013) – priedade Industrial (Inpi) representasse 30% do
e desse aumento, da ordem de 150%, resultou total registrado por residentes no Brasil, e hou-
ampliação de acesso ao ensino superior no país. vesse quinze universidades no ranking dos vinte
maiores depositantes de patentes em 2015, a
Entretanto, com a queda na arrecadação fe-
exploração econômica e social dessas patentes
deral, a partir de 2014, mudaram os patamares
ainda é incipiente. O impacto da ciência sobre o
de orçamentos necessários para manter essas cotidiano das pessoas parece não ser percebido
instituições, o que colocou em risco a capacida- pela sociedade e pelos formuladores das políti-
de de seu financiamento e, consequentemen- cas públicas, o que acaba reduzindo o poder de
te, sua qualidade. Complicação adicional neste barganha da ciência na disputa orçamentária.
quadro foi a aprovação da Lei do Petróleo (no
12.858, de 2013), que destinou para educação e
saúde boa parte dos royalties antes direciona- Resultados modestos
dos ao Fundo Setorial do Petróleo. O investimento empresarial em P&D caiu
entre 2008 e 2011, cresceu levemente em
Há programas que precisam de ajustes, entre
2014, e o Brasil continua perdendo posições
os quais o Ciência sem Fronteiras. Reconhecendo
no cenário mundial, mesmo frente a países
que é preciso internacionalizar a ciência brasileira,
em desenvolvimento.
o programa tinha a meta de enviar 100 mil estu-
dantes a cursos no exterior. Citemos dois proble- Situação semelhante se observa na análise
mas: a meta se baseou no envio de um número das taxas de inovação de produtos novos des-
excessivo de estudantes de graduação ao exterior; tinados aos mercados nacional e internacio-
e o programa havia sido criado sem uma corres- nal: se 3,8% das firmas da manufatura lança-
pondente fonte de financiamento. Para seu orça- ram produtos no mercado nacional, só 0,42%
mento, foram direcionados recursos dos fundos delas produziram inovação no mercado mun-
setoriais (R$ 900 milhões em 2014 e R$ 1 bilhão em dial nesse último intervalo, segundo a Pintec
2015), esvaziando pesquisas e investimentos tradi- de 2016. Na indústria de transformação, a taxa
cionalmente por eles financiados. Acrescente-se de inovação – de produto e/ou processo novo,
a isso que parte dos alunos foi encaminhada para para empresa – caiu de 38,1% para 36,4% en-
graduação em universidades de baixa qualidade. tre os períodos 2006-2008 e 2012-2014.

112
FAPs, indispensáveis para a ciência do Brasil
As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) dos estados movimentam 20% dos gastos feitos por todas as
agências de fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico no país. A maior e mais antiga é a Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), criada em 1962, cujo orçamento representa quase
60% do total das fundações estaduais. Um dispositivo constitucional assegura repasse mensal de 1% da re-
ceita tributária líquida paulista (descontada a transferência aos municípios), e a Fapesp também dispõe de um
fundo de reserva que lhe dá autonomia e estabilidade.
A importância das FAPs vai além: são a base dos programas mais próximos de demandas específicas da comunidade
científica e tecnológica, possibilitando maior capilaridade e, muitas vezes, maior aderência às estratégias de desenvol-
vimento local. Destacam-se, entre esses programas, o Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), o Programa de
Centros de Pesquisa em Engenharia (Cepid) e o Sinapse, todos da Fapesp.
O Pipe é o mais antigo apoio a pequenas empresas inovadoras. Em vinte anos, contratou 1.788 projetos, apoiou 1.100
empresas, e suas verbas somaram R$ 360,2 milhões. Uma estimativa indica que, a cada R$ 1,00 investido via Pipe, o
retorno é de R$ 6,00.
Outra experiência é o Cepid, parceria com empresas para projetos na fronteira do conhecimento, de grande complexi-
dade e ousadia, com prazos e orçamentos muito superiores à média nacional. Já funcionam cinco centros e dois estão
em fase preparatória.
O terceiro destaque é o Sinapse da Inovação, que oferece recursos financeiros, capacitações e suporte para transfor-
mar ideias inovadoras em empresas de áreas como eletroeletrônica, metalmecânica, biotecnologia, nanotecnologia,
novos materiais, tecnologia social ou gestão, tecnologias de informação e comunicação (TICs) etc. Foi criado pela
Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras, em 2008, e realiza suas edições em parcerias com FAPs
estaduais, seis das quais tiveram lugar em Santa Catarina, duas no Amazonas e uma no Espírito Santo. Estão cadas-
tradas no portal do Sinapse 33 mil pessoas e, de 7.788 ideias recebidas, foram geradas 385 empresas inovadoras.

Gráfico 2

Pesquisa e Inovação
Execução orçamentária das principais agências (2006-2016)
(Em R$ bilhões)
14,0

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

-
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Faps FNDCT CNPq Capes

Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

113
Tabela 2
Investimentos empresariais em P&D: parcela do PIB aplicada em pesquisas no Brasil e em países selecionados
(Em %)

Países/grupos de países 2008 2011 2014


Brasil 0,57 0,55 0,58
Japão 2,72 2,60 2,79
Estados Unidos 1,97 1,90 1,96
Alemanha 1,80 1,89 1,95
OCDE (35 países) 1,58 1,57 1,64
China 1,06 1,34 1,56
França 1,29 1,40 1,45
União Europeia (15 países) 1,21 1,29 1,34
Espanha 0,72 0,69 0,65
Rússia 0,62 0,62 0,65
Fontes: países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estastística (IBGE).

Parte desses resultados modestos se explica substancial dos recursos públicos disponibiliza-
pela diminuição da participação da indústria no dos precisa ser orientada à superação de desa-
produto interno bruto (PIB) – aqui, a indústria é fios via metas claras e objetivas.
responsável por mais de 80% dos investimen-
tos em P&D. Por isso, é necessário repensar Assim, propõem-se aqui seis grandes gru-
tanto as políticas existentes como seu contorno pos de ações, bem como intervenções especí-
institucional, para se garantir maior efetividade ficas dentro de cada grupo.
em alavancar o desenvolvimento.
Grupo 1: Melhorias institucionais
Medidas para avançar •  ifundir a aquisição de P&D pelo se-
D
Dois aspectos fundamentais devem ser priorita- tor público para a solução de proble-
riamente focados quando se propõem medidas mas concretos em áreas como saúde,
para melhorar este quadro. energia, educação, infraestrutura, entre
outras, inclusive em conjunto com
O primeiro ultrapassa os domínios científico e agentes privados.
tecnológico: é preciso haver um gradual proces-
so de abertura que envolva, além da economia, •  ermitir a celebração de acordos de
P
a sociedade brasileira. Para o Brasil se aproximar cooperação para realização de P&D
dos níveis de excelência mundiais, é necessário de interesse público.
aumentar seu nível de internacionalização, es-
pecialmente com o intuito de se incrementar o •  riar fundos públicos de capital-semen-
C
fluxo, em mão dupla, de pessoas, tecnologias, te (financiamento a um empreendedor
ideias, produtos e serviços. carente de recursos para estruturar seu
plano de negócios e dar início ao pro-
Em segundo lugar, o sistema de C&T terá cesso propriamente dito de P&D) e/ou
de ser restruturado a fim de atender a parte promover a ampliação dos fundos já
das demandas socioeconômicas. Isto é, a polí- existentes na Financiadora de Estudos
tica de C&T deve admitir que uma parcela mais e Projetos (Finep) e no BNDES.

114
•  riar diferentes modelos de agên-
C •  ermitir remuneração adicional ao
P
cias para suporte à inovação, além de docente com características em-
manter as agências existentes, como preendedoras.
a Finep e o BNDES.
•  stimular o intercâmbio de pesqui-
E
•  efinir critérios transparentes de ava-
D sadores e docentes públicos em
liação institucional e vinculá-los ao outras instituições públicas nacio-
fornecimento de recursos a institui- nais, empresas privadas e/ou insti-
ções públicas de ensino e pesquisa. tuições internacionais.
• Estimular a criação de think tanks (orga- Grupo 2: Investir em infraestruturas de pes-
nizações ou instituições que produzam e quisa abertas e de larga escala
difundam conhecimento sobre assuntos
estratégicos, para influenciar transfor- • Investir na criação de grandes labo-
mações sociais, políticas, econômicas ratórios e centros de pesquisa mul-
ou científicas) fora do ambiente público, tiusuários com capacidade de pro-
para atuarem na área de economia, tec- duzir ciência de classe mundial.
nologia e inovação.
•  stimular os laboratórios de maior
E
• stimular a gestão profissional da
E escala já existentes a se transfor-
C&T em instituições de ensino e pes- marem em infraestruturas abertas
quisa, de forma a serem criadas con- e multiusuárias.
dições para que haja planejamento e
priorização de áreas de atuação. •  eorientar os laboratórios públicos,
R
de forma a serem evitadas redun-
• Flexibilizar regras ou elaborar regras di-
dâncias com universidades e mesmo
ferenciadas de operação de universida-
redundâncias dentro das universida-
des e instituições públicas de pesquisa.

Pesquisa e Inovação
des. Quando vinculados a ministé-
•  stimular e facilitar a emergência de
E rios, tais laboratórios precisam fun-
instituições privadas de P&D e elimi- cionar como pontas de lança da
nar as eventuais restrições existentes, política de C&T.
para que essas instituições contem
com suporte público necessário à rea- • Construir a política de C&T em tor-
lização de suas atividades de pesquisa. no de grandes desafios científicos e
socioeconômicos nacionais para ar-
•  riar e reforçar mecanismos público-
C regimentar as infraestruturas exis-
-privados de investimento em C&T. tentes, fazendo com que cooperem
e concorram entre si.
•  ermitir que o docente de universidade
P
pública crie sua empresa e/ou atue em
empresas privadas com fins lucrativos.
É necessário
repensar tanto as
• Permitir arranjos público-privados ad
hoc destinados à solução de proble- políticas existentes
mas técnicos específicos nos quais
as empresas compartilhem conhe-
como seu contorno
cimentos, equipamentos e pessoal institucional.
das universidades.

115
Grupo 4: Construir um sistema de C&T mais
É preciso criar aberto e internacionalizado

uma política de • Facilitar a entrada de profissionais téc-


nicos e científicos no país e desenvolver
fomento à pesquisa incentivos e mecanismos de atração
básica que não seja de pesquisadores estrangeiros, para o
trabalho em universidades, empresas e
guiada apenas instituições de pesquisa brasileiras.
pela curiosidade •  ealizar concursos públicos para a car-
R
científica, mas também reira docente também em língua inglesa.

por interesse em • Garantir que, além dos próprios pesqui-


sadores, outras categorias profissionais
usos potenciais. possam ter acesso facilitado ao país.

•  riar mecanismos ágeis, diferenciados


C
Grupo 3: Ampliar o investimento público em e de baixo custo para importação de
P&D orientado a resultados insumos e equipamentos de pesquisa
e protótipos.
•  mpliar os investimentos em P&D em
A
ministérios setoriais – como Saúde, •  riorizar o envio ao exterior de estu-
P
Energia, Defesa ou Agricultura –, e uti- dantes de doutorado e pós-doutorado
lizar esses investimentos para resolver e em áreas de interesse específicas.
problemas concretos.
•  isseminar o aprendizado e o uso da
D
•  apacitar os ministérios setoriais na
C língua inglesa na sociedade, em espe-
contratação e no acompanhamento cial nos cursos de graduação.
desse tipo de investimento.
•  uscar ativamente estudantes estran-
B
geiros, para também promover a inter-
• Introduzir na legislação brasileira
nacionalização da base de alunos.
mecanismos explícitos, claros e ade-
quados de contratação de P&D pelo •  remiar, por meio de dotações orça-
P
setor público. mentárias específicas, universidades
e institutos de C&T nacionais que se
•  eforçar políticas para o desenvol-
R
destaquem internacionalmente pela
vimento de soluções de interesse qualidade de sua pesquisa.
público, como a das plataformas
tecnológicas voltadas à aquisição Grupo 5: Melhorar o ambiente de negócios
de P&D. para a inovação

•  riar uma política de fomento à pes-


C •  onsolidar e acompanhar uma agenda
C
quisa básica que não seja guiada ape- de melhora do ambiente de negócios,
nas pela curiosidade científica, mas identificando especificamente normas,
também por interesse em usos poten- regulamentos e legislação que devem
ciais associados a demandas sociais ser modificados, a fim de se aperfeiçoar
de longo prazo. o ambiente institucional para inovação.

116
•  ornar efetiva a Lei de Inovação, pois,
T •  companhar a implementação e re-
A
não obstante essa lei tenha sido cria- gulação do código nacional de C&T e
da em 2004, vários de seus artigos até aprimorá-lo.
aqui não foram utilizados, ou só o foram
parcialmente, de forma relevante para Grupo 6: A
 primorar o monitoramento e a
o país. avaliação de políticas de inovação

•  riar entendimento harmonioso das


C • Intensificar o uso de tecnologias
diversas legislações e garantir que a de informação e comunicação em
C&T seja, de fato, tratada de maneira ações de coleta, armazenamento,
diferenciada. tratamento e disponibilização de
dados sobre inovação.
•  riar cursos de extensão jurídica para
C
o treinamento em instrumentos de fo- •  xigir legalmente que cada inter-
E
mento à inovação. venção na área de inovação seja
avaliada em período e profundida-
•  ever a legislação que rege a abertura
R
de adequados.
e o fechamento de empresas, para fa-
cilitar e agilizar o processo e estimular
o empreendedorismo, bem como o ne-
•  uando das discussões sobre a cria-
Q
ção de uma nova intervenção, realizar
cessário processo de destruição criativa
avaliações de impacto ex ante.
(eliminação de estruturas econômicas
viciadas e sua substituição por novos
empreendimentos).
• umentar a compatibilidade entre
A
sistemas de informação relevantes
• Criar mecanismos que garantam em- – Plataforma Lattes, Receita Federal,
Lei do Bem, Lei de Informática, Fun-

Pesquisa e Inovação
préstimos a empresas de base tecno-
lógica e startups. dos Setoriais, entre outros.

•  eduzir a burocracia associada com


R • Empregar big data (grande conjunto
a P&D, especialmente na área de de dados armazenados) e o conceito
ciências da vida. de “internet das coisas” na realiza-
ção de monitoramento e avaliação
• Facilitar o processo para que pes-
 de políticas de inovação com cruza-
quisadores de instituições públicas mento de bases de dados.
desenvolvam projetos de inovação e
consultorias para empresas.
O sistema de
• iberar servidores públicos das
L
carreiras de professores universi- C&T terá de ser
tários, pesquisadores e tecnologis- restruturado a fim
tas para cooperação com a inicia-
tiva privada. de atender
• xtinguir instrumentos de políticas
E
demandas
públicas que, sabidamente, não incen- socioeconômicas.
tivam o processo de inovação.

117
Petróleo
e Gás

13
Da Crise à
Recuperação
Petróleo e Gás
1

A
partir de 2014, as explorações de pe- Tiveram efeitos negativos várias ações e po-
tróleo e gás natural no Brasil caíram líticas públicas adotadas nos anos que se segui-
fortemente, e isso provocou perdas ram às descobertas do pré-sal. Entre elas, as leis
acentuadas de renda e emprego entre forne- destinadas a concentrar as explorações do pré-
cedores de plataformas e de bens e serviços, -sal na Petrobras, o que reduziu o interesse de
além de reduzir as atividades das próprias outras petroleiras. Também foram suspensos os
empresas petroleiras. Diminuiu de 38 para leilões de áreas exploratórias entre 2009 e 2012,
apenas três o número de poços exploratórios e só houve um leilão na área do pré-sal, em 2013.
offshore perfurados entre 2013 e 2017. Os rígidos controles nos preços de derivados,
entre 2011 e 2014, prejudicaram a estatal e de-
E não foi a queda nas cotações internacionais sestimularam investimentos potenciais em novas
do petróleo a principal causa da retração. Pela ne- refinarias, como ocorreu com a frustrada tenta-
cessidade de ajuste em suas contas financeiras, a tiva de atrair sócios para as refinarias Premium I
Petrobras, que detém, como concessionária, 78% e Premium II, no Maranhão e no Ceará, projetos
da produção de todo o petróleo e gás brasileiros, depois suspensos. E a política de conteúdo local,
decidiu baixar os US$ 18 bilhões previstos para in- com elevadas exigências de compras no país,
vestimento em explorações, no período de 2014- entre 2005 e 2015, precisou ser reformulada, em
2018, para US$ 6,7 bilhões, em 2017-2021, além de 2017, para reduzir custos de investimentos em
cortar em outras áreas, como refino e gás natural. exploração e produção e incentivar empresas
petroleiras a participarem de leilões de áreas ex-
Desde as descobertas no pré-sal, em 2006, a ploratórias programados para o ano.
produção nessa área geológica tornou-se priori-
dade, com o objetivo de garantir maior produção Situação da Petrobras ainda
no presente e nos anos seguintes, ainda que abai-
xo de projeções anteriores à ruptura financeira da é difícil, apesar do pré-sal
estatal, ocorrida no final de 2014. Até esse ano, Desde 2006 até o presente, observam-se dois
previa-se produção de 4,2 milhões de barris/dia períodos distintos de evolução e ritmo da pro-
de petróleo em 2020. No último Plano de Negó- dução de petróleo. De 2006 a 2013, a evolução
cios e Gestão da companhia (2017-2021), o volu- foi pouco expressiva: da média de 1,8 milhão de
me baixou para 2,7 milhões de barris/dia. barris/dia para 2,1 milhões de barris/dia, (au-
mento anual de 2,2%). Após 2013, o crescimen-
O que levou à crise da Petrobras? As con- to se acentuou e foi a 2,6 milhões de barris/dia,
tas da estatal sofreram com o alto endivida- em 2016 (7,3% ao ano), graças à produção no
mento (o maior entre todas as petroleiras no pré-sal, que passou de 45 mil barris/dia para 303
mundo); com os prejuízos provocados pelo mil barris/dia entre 2010 e 2013, e para 1,35 mi-
controle nos preços dos combustíveis; e com lhão de barris/dia em junho de 2017.
os erros de gestão administrativa, como os
orçamentos inflados na construção de qua- Em movimento oposto, a produção do pós-
tro refinarias e em plataformas de exploração -sal vem caindo: do recorde de 2 milhões de
e de produção; além de desvios de recursos, barris/dia, em 2010, para 1,3 milhão de barris/
revelados em investigações do Ministério dia, em junho de 2017 – sendo a causa principal
Público e da Justiça Federal. o decréscimo na produção da bacia de Campos.

120
Há, no Brasil, 8.220 poços de produção de grandes refinarias (Complexo Petroquími-
petróleo e gás, sendo 7.476 em terra e 744 no co do Rio de Janeiro – Comperj, Refinaria
mar. O pré-sal já significa 51% do total de óleo. Abreu e Lima – Rnest, Ceará e Maranhão)
Em seus cinco poços mais pro­dutivos, obtém-se deterioraram progressivamente o desempe-
média de 30 mil barris/dia. Essa produção supera nho financeiro da Petrobras, especialmente
a de todos os poços ativos em terra. Os campos a partir de 2013, como mostra a tabela 1.
marí­timos forneceram 95,3% do total de óleo e
80,8% do gás natural em junho de 2017.
Dívida crescente de
O aumento na produção de óleo, nos últi-
mos anos, melhorou a conta-petróleo (expor- 2006 a 2014,
tações e importações de óleo e de derivados),
que passou de deficit de R$ 11,7 bilhões para
prejuízos na venda de
superavit de US$ 2,5 bilhões entre 2013-2014 combustíveis e perdas
e o exercício de 2016. Uma das causas é que
o pré-sal fornece óleo mais leve, reduzindo as com investimentos
necessidades e os gastos de importação. mal geridos em quatro
Também o gás natural teve evolução posi- novas grandes
tiva: a produção média subiu de 70,6 milhões
de metros cúbicos/dia para 108,3 milhões de refinarias deterioraram
metros cúbicos/dia entre 2012 e o primeiro bi- progressivamente
mestre de 2017 – ou seja, taxa de crescimento
anual de 9%. Do total, 25,6% foi utilizado em o desempenho
reinjeções em poços de petróleo para manu-
tenção ou aumento da produção; 3,8% foi financeiro da
queimado em plataformas; e 17% foi usado em Petrobras, especialmente
plataformas e unidades de processamento de
gás na forma de energia, deixando 53,6% da a partir de 2013.
produção como oferta nacional para consumo
interno, ou seja, 58,2 milhões de metros cúbi- A dívida líquida da Petrobras aumentou
cos/dia. Adicionando-se 16,05 milhões de me- doze vezes de 2006 a 2014, período em que se
tros cúbicos/dia importados da Bolívia e 1,69 tornaram evidentes as fragilidades financeiras,
milhão de metros cúbicos/dia de gás natural
que já chamavam a atenção de analistas des-
liquefeito, a oferta total de gás para consumo
de 2012. Por exemplo, a relação dívida líquida/
residencial, automotivo, industrial e comercial
Ebitda, o indicador mais observado por analis-
na geração elétrica e outros alcançou 75,91 mi-
tas financeiros, ultrapassou muito, em 2013, o
lhões de metros cúbicos, superior à demanda
limite prudencial recomendado (2,5), subindo
total de 71,64 milhões de metros cúbicos/dia
até o máximo de 5,3 em 2015. Isso ocorreu
no começo de 2017. A demanda atual está bem
abaixo da média de 2013-2016 (92,40 milhões também com a alavancagem (relação dívida
de metros cúbicos/dia). Detalhe: entre 2013 e líquida/patrimônio líquido + dívida líquida, isto
2016, a média diária de gás comprado da Bolí- é, o percentual da capitalização total da em-
presa pertencente a terceiros), que passou de
Petróleo e Gás

via foi de 31,2 milhões de metros cúbicos.


13% para 60% entre 2006 e 2015, bem acima
Dívida crescente de 2006 a 2014, prejuí- do limite de 35%, antes imposto pela própria
zos na venda de combustíveis e perdas com companhia como o mais adequado para sua
investimentos mal geridos em quatro novas segurança financeira.

121
Tabela 1
Indicadores financeiros da Petrobras (2006-2016)
(Em US$ bilhões correntes)
Itens 2006 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Receitas de vendas 72,3 120,5 145,9 144,1 141,5 143,7 97,3 81,4
Dívida líquida 8,7 36,6 54,9 72,3 94,6 106,2 100,4 96,4
Dívida líquida/Ebtida 0,38 1,09 1,47 2,62 3,22 4,77 5,3 3,54
Alavancagem¹ 13% 16% 24% 31% 39% 48% 60,0 % 55%
Lucro líquido total 12,8 20,1 20,1 11,0 11,1 -7,4 -8,5 -4,8
Lucro líquido com derivados de petróleo 2,5 2,1 - 5,7 - 11,7 - 8,2 -15,4 5,7 5,7
Lucro líquido na exploração e produção de petróleo 11,9 16,9 24,3 23,4 19,5 14,2 -2,5 1,4
Fontes: Petrobras, relatórios financeiros; MORAIS, J. M. A Crise no Setor de Petróleo e Gás Natural no Brasil e as Ações para o Retorno dos Investimentos. In:
DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.
Nota: ¹Alavancagem: relação dívida líquida/dívida líquida + patrimônio líquido.

Fechar o ano com prejuízo, em vez dos gran- prejuízos na venda de combustíveis, da baixa na
des lucros anteriores, tornou-se comum na es- cotação do petróleo, da desvalorização de ativos
tatal a partir de 2014. As perdas com derivados e de efeitos nos balanços das revelações da ope-
somaram US$ 41 bilhões entre 2011 e 2014, e ração Lava Jato, entre outros. No ano seguinte, os
explicam, em grande parte, a queda média de prejuízos aumentaram para US$ 8,5 bilhões.
45% nos lucros totais de 2012 e 2013. Nos dois
anos anteriores, o lucro médio fora bem ele- Diante disso, a Petrobras não teve saída se-
vado, US$ 20,1 bilhões. Mesmo quando foram não ajustar o nível de investimentos ao cumpri-
estancadas as perdas, em 2015 e 2016, quando mento dos serviços anuais da dívida, com cortes
baixaram os preços de importação de gasolina drásticos a partir de 2014. Nesse ano, a redução
e diesel, os lucros totais continuaram negativos. chegou a 64% dos níveis do período 2010-2013
(média de US$ 43,7 bilhões), e teve início um
O balanço financeiro da Petrobras revelou programa de venda de ativos para diminuir o
lucros negativos de US$ 7,4 milhões em 2014, montante da dívida e baixar a relação dívida lí-
os primeiros em muitos anos, decorrentes de quida/Ebitda para número próximo de 2,5.
Gráfico 1
Investimentos programados na Petrobras: quinquênios entre 2007 e 2021
(Em US$ bilhões)

250 236,5 236,7


224,0 224,7 220,6

200
158,2
150 130,3
112,4
98,4
100 87,1
74,1

50

0
2007-2011

2008-2012

2009-2013

2010-2014

2011-2015

2012-2016

2013-2017

2014-2018

2015-2019 - I

2015-2019-II

2017-2021

Fontes: Petrobras, relacionamento com investidores; MORAIS, J. M. A Crise no Setor de Petróleo e Gás Natural no Brasil e as Ações para o Retorno dos Investimentos.
In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

122
A produção avança: 2,182 milhões de bar-
A Petrobras não ris/dia de petróleo no primeiro trimestre de
2017 (1,980 milhão no mesmo período de
teve saída senão ajustar o 2016). O uso crescente de óleo mais leve,
nível de investimentos ao extraído no pré-sal, elevou a participação
do óleo nacional a 95% da carga processa-
cumprimento dos da para produzir derivados. E o custo médio
de extração de petróleo e gás (sem impostos)
serviços anuais da dívida. caiu de US$ 14,6 para US$ 10,6 por barril de
2014 a 2017. As exportações avançaram 72%,
No seu melhor período – de 2012 a 2014 –, indo para 782 mil barris/dia.
os investimentos totais do grupo Petrobras, em
reais, alcançaram R$ 88,9 bilhões, ou 87% do Importantes melhoras são mostradas
total das estatais federais. Em 2016, o volume também no balanço da Petrobras do pri-
caiu a R$ 47,8 bilhões. Isso teve reflexo no em- meiro trimestre de 2017. Comparado ao
prego: de 2013 a 2016, foram dispensados 17,8 de 2016, o valor do Ebitda aumentou 19%,
mil funcionários. Em março de 2017, o total de para R$ 25,2 bilhões, via redução de des-
funcionários era de 65.220 pessoas. Desde o fi- pesas operacionais e de gastos com impor-
nal de 2014, foram liberados 114 mil prestadores tados. O índice dívida líquida/Ebitda caiu
de serviços – trabalhadores em obras, monta- de 5,30 para 3,24 entre 2015 e março de
gens, administrativos e operacionais. Nos esta- 2017. A alavancagem foi reduzida de 60%
leiros, o contingente caiu de 82,5 mil pessoas para 54%. O endividamento líquido passou
para 43,7 mil, daquela data a junho de 2016. de US$ 96,4 bilhões para US$ 95 bilhões
de dezembro de 2016 a março de 2017. No
começo de 2017, o lucro líquido alcançou
Sinais positivos na Petrobras R$ 4,4 bilhões, superando o prejuízo de R$ 1,25
bilhão nesse intervalo em 2016.
Um rígido processo de recuperação financeira
da companhia começou em 2016 – a saber: re-
visão do planejamento estratégico para ajustar Erros e acertos no pré-sal
o montante da produção futura e dos investi-
mentos à capacidade financeira; venda de ati- As políticas públicas adotadas para o setor de
vos não diretamente relacionados aos negócios petróleo e gás natural, a partir de 2005 até 2015,
principais (produção de petróleo e derivados); e contribuíram para a não realização de investi-
formação de parcerias tecnológicas, de explo- mentos nas proporções que seriam esperadas
ração, de produção e/ou financeiras para me- no pré-sal, área geológica extremamente favorá-
lhorar a produtividade e o fluxo de caixa. vel à atração de investimentos.

Na revisão do Plano Estratégico e do Plano de Quando se conheceu o potencial do pré-


Negócios e Gestão 2017-2021, os investimentos -sal, após 2006, o governo federal decidiu
caíram a US$ 74,1 bilhões, ou 25% menos que controlar mais a produção futura e resolveu
o previsto. Do total, US$ 60,6 bilhões vão para alterar a legislação de explorações, por con-
ex­ploração e produção (66% no pré-sal e 34% siderar o regime de concessão inadequado
no pós-sal). Os desinvestimentos somaram US$ ao prosseguimento de licitações das novas
Petróleo e Gás

13,6 bilhões em 2015-2016, e estão planejados áreas exploratórias. Para isso, apresentou ao
US$ 21 bilhões para 2017-2018. A Petrobras re- Congresso Nacional quatro projetos de lei que
duziu sua participação na produção de biocom- levaram à adoção do regime de partilha de
bustíveis, distribuição de gás de cozinha, produ- produção (Lei no 12.351, de 22 de dezembro de
ção de fertilizantes e no setor petroquímico. 2010) e de outras políticas complementares.

123
(Libra e Búzios, com volumes estimados de cerca
As políticas públicas de 20 bilhões de barris boe). A esses campos se
somam os primeiros campos descobertos no pré-
adotadas para o setor -sal, ainda no regime de concessão (com volumes
de petróleo e gás natural estimados de 11,9 bilhões de barris boe).

contribuíram para a não Com a Petrobras na função de operadora


única e com a suspensão de leilões para áreas
realização de exploratórias, minguaram os investimentos
investimentos nas privados em explorações e na cadeia de for-
necedores de bens e serviços, justamente num
proporções que seriam período altamente promissor, quando o preço
do barril superava US$ 100, de 2011 ao início
esperadas no pré-sal. do segundo semestre de 2014.

O sistema de partilha vigora em vários países, Além disso, a venda de gasolina e diesel
sendo, em geral, bem aceito pelas petroleiras. abaixo dos custos de importação prejudicou a
O caso é que o Brasil manteve as áreas explo- área de abastecimento da estatal em US$ 41
ratórias do pré-sal sob a responsabilidade da bilhões e retraiu investimentos privados em re-
Petrobras, como operador único, e, com isso, fino de petróleo, que foram suspensos ante a
restaurou parte do monopólio da companhia falta de perspectiva de retorno.
nessas atividades, via legislação complementar.
Outro ponto desfavorável foi a exigência de
Três medidas adicionais à chamada Lei de conteúdo local mínimo de plataformas, bens e
Partilha favoreceram essa concentração. Primei- serviços para estimular a fabricação local de
ro, exigência, a qualquer empresa ou consórcio grande parte desses itens. Surgiram, assim,
vencedor de licitação, de associação com a Pe- custos burocráticos importantes, em especial
trobras, que se torna operadora das explorações no sistema de certificação, que provocaram
e da produção, com participação mínima de 30% mais de duzentos pedidos de isenção (waivers)
no capital do consórcio (medida revogada em à Agência Nacional do Petróleo (ANP).
2016). Segundo, autorização para a União ceder à
Petrobras os direitos de exploração e produção de As dificuldades das empresas fornece-
sete áreas no pré-sal, por contrato especial, de- doras de cumprirem os índices de conteúdo
nominado cessão onerosa (Lei no 12.276, de 30 de local acabaram por retardar a entrega de en-
junho de 2010). Nessas áreas, a estatal pode pro- comendas. A Petrobras sofreu atrasos, que va-
duzir até 5 bilhões de barris de petróleo por qua- riaram de treze meses até 38 meses, em dez
renta anos, ao preço de US$ 8,51 o barril (valor no plataformas de produção, adquiridas em 2010
reservatório, ainda não extraído). Terceiro, possi- e 2011. Um caso muito complexo foi o da em-
bilidade de contratação direta da Petrobras (sem presa Sete Brasil, criada em 2010 para apoiar
licitação pública) pela União para explorar áreas a indústria naval nacional, via construção de
do pré-sal, a preço a ser definido entre as partes. 28 plataformas de perfuração. Esse número
acabou sendo excessivo para fabricação no
Esses novos tipos de contrato (cessão onerosa Brasil, e também por denúncias de desvios de
e partilha) permitiram transferir à Petrobras o co- recursos o projeto não seguiu adiante. Além
mando operacional de nove grandes campos de disso, a baixa na cotação do petróleo abalou
petróleo (volumes estimados de 27,3 bilhões de o mercado e reduziu os valores mundiais de
barris de óleo equivalente – boe), que incluem dois afretamentos, tornando pouco competitivas
campos supergigantes e muito raros no mundo as sondas brasileiras. A Sete Brasil entrou em

124
processo de recuperação judicial em agosto dois percentuais em terra. Além disso, teve fim a
de 2016. Agora, diversos estaleiros estão sem obrigatoriedade de a Petrobras participar como
encomendas, outros buscam novas atividades operador único e com 30% do capital de todos
e vários também estão em processo de recu- os novos campos do pré-sal – agora, a parti-
peração judicial ou extrajudicial. cipação da empresa é facultativa. Na área de
combustíveis, a Petrobras revisou duas vezes,
Pode-se, assim, concluir que as políticas em outubro de 2016 e em junho de 2017, sua
desenvolvidas para o pré-sal ampliaram os política para os preços da gasolina e do diesel.
investimentos da Petrobras e impulsionaram A primeira mudança estabeleceu a reavaliação
as inovações tecnológicas em empresas par- dos preços ao menos uma vez por mês, acom-
ceiras e universidades, mas foram também panhando as tendências do mercado mundial
responsáveis por diminuição de investimentos (preço de paridade internacional), da taxa de
potenciais de outras petroleiras e de fornece- câmbio e a participação das suas vendas de
dores, estrangeiros e nacionais, tanto nas ex- combustíveis no mercado. Em junho de 2018, a
plorações quanto na cadeia de oferta de bens Petrobras anunciou que a política a ser seguida
e serviços para o petróleo. poderá realizar ajustes nos preços a qualquer
momento, inclusive diariamente, para acompa-
A concentração de atividades na Petrobras nhar as variações nos preços do petróleo.
acentuou a forte e histórica dependência do
mercado fornecedor de bens e serviços às en- Em resumo, as medidas em andamento en-
comendas da companhia. Mais atingidas com volvem as seguintes ações, por meio de ajus-
a crise foram as empresas que haviam se endi- tes nas respectivas legislações:
vidado para investir em instalações e meios de
produção. A renda e o emprego foram afeta- •  iminuição dos percentuais de conteú-
d
dos pela diminuição das atividades produtivas do local para os leilões de áreas explo-
em segmentos vinculados à Petrobras, além ratórias em 2017;
de menores royalties pagos a estados e mu-
nicípios. Pior: as perdas aumentaram com as •  bertura do setor de combustíveis com
a
seguidas quedas na cotação internacional de vistas à entrada de novos atores no se-
petróleo a partir da segunda metade de 2014. tor e à livre concorrência, em ambien-
te regulatório transparente (Programa
Combustível Brasil);
Depois da crise, novas ações
e políticas • s implificação regulatória dos leilões de
áreas em terra;
A recessão no setor, iniciada após a eclosão da
crise na Petrobras, levou o governo federal a • stímulos à retomada das explora-
e
agir para reativar os investimentos, flexibilizan- ções em terra (Programa de Revitali-
do regras mais rígidas, como os altos percen- zação das Atividades de Exploração e
tuais de conteúdo local, e retomando os leilões Produção de Petróleo e Gás em Áreas
de novas áreas para exploração. Terrestres – Reate);

Entre as medidas já adotadas, em 2017, os • instituição de plano plurianual de


percentuais de conteúdo local nas explorações oferta de áreas, com adequação aos
Petróleo e Gás

no mar deixaram de ser definidos por itens e su- cenários nacional e global da indús-
bitens, que envolvem percentuais para dezenas tria à época da definição dos blocos a
de produtos e serviços, e foram reduzidos para serem leiloados;
somente quatro percentuais globais no mar e

125
• fomento à participação da produção às inovações no segmento de fornecedores
doméstica de gás natural no atendi- da cadeia de petróleo e gás. O foco dessas
mento ao mercado brasileiro (Progra- ações é o progresso da cadeia de petróleo
ma Gás para Crescer); e gás natural, que pode propiciar a elevação
de investimentos, emprego e renda tanto no
•  studos para a prorrogação da vigência
e seg­mento de explorações e produção quanto
do regime aduaneiro especial de expor- no de empresas fornecedoras, bem como o
tação e importação (Regime Aduaneiro fortalecimento do apoio às inovações.
Especial de Exportação e de Importação
de Bens Destinados às Atividades de Política de conteúdo local
Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Pe-
tróleo e de Gás Natural – Repetro); A volta dos leilões de áreas exploratórias, já defini-
dos para 2017 a 2019, deverá aumentar as explo-
• regulamentação da política de comer- rações e a produção de petróleo e gás, proporcio-
cialização do petróleo e gás da União nando cenário positivo de aumento da demanda
nos contratos de partilha da produção; e para equipamentos, serviços, navios de apoio e
plataformas de exploração e de produção.
• regulamentação, ainda não concluída,
para concessão de bonificações e in- Nesse cenário, uma nova política de conteú-
centivos do Programa de Estímulo à do local deve induzir a indústria a ser competitiva
Competitividade da Cadeia Produtiva, globalmente, aproveitando a escala futura pro-
ao Desenvolvimento e ao Aprimora- porcionada pela demanda nas explorações e na
mento de Fornecedores do Setor de produção de petróleo e gás, e ao mesmo tempo
Petróleo e Gás Natural (Pedefor) a deve incentivar a inovação e a colaboração en-
petroleiras e fornecedores que promo- tre as empresas para produzir com qualidade,
custos e prazos adequados às necessidades do
vam inovações tecnológicas em seg-
país. O desafio que se coloca é deixar claro os
mentos estratégicos de petróleo e gás
custos e os benefícios da política, de forma que
além da ampliação do nível de conteú-
se busque avançar por meio de estratégia que,
do local dos fornecedores.
ao mesmo tempo, reduza os custos, mantenha
uma cadeia fornecedora competitiva e indique
O que falta fazer segmentos que não mais necessitem de proteção.
A análise de ações tomadas pelo governo em
2016 e 2017 indica haver, no setor público, A análise de ações
novo entendimento sobre a área de petróleo
e gás, com foco na melhora do ambiente de tomadas pelo governo
negócios para atrair companhias petroleiras
nos leilões de áreas exploratórias e permitir
em 2016 e 2017 indica
ao Brasil competir com as atuais políticas de haver, no setor público,
incentivo às explorações desenvolvidas por
países concorrentes. novo entendimento
Para complementar as medidas já toma­das
sobre a área de
pelo governo, propõe-se duas ações: I) a rea- petróleo e gás, com
lização de estudos para a proposição de uma
nova política de conteúdo local para bens e foco na melhora do
servi­ços adquiridos por empresas petrolei-
ras; e II) a criação de um fundo para apoio
ambiente de negócios.

126
As diretrizes dessa nova política de conteú- O programa, coordenado pela ANP, já cre-
do local devem ser: denciou 724 unidades de pesquisa (grupos de
pesquisa, conjunto de laboratórios ou departa-
•  valiação dos custos e benefícios da polí-
a mento) para realizar as atividades de PD&I, vin-
tica de conteúdo local aplicada até 2016; culados a 127 instituições de pesquisa no país.

• stabelecimento de percentuais de
e Passados já quase vinte anos que o programa
conteúdo local compatíveis com a pro- vem atuando e diante dos desafios tecnológicos
moção da competitividade da indústria que os grandes campos de petróleo do pré-sal
fornecedora e do setor produtor de apresentam, há necessidade de se redirecionar
petróleo e gás; maior parcela dos recursos para pesquisa ao
segmento da cadeia de petróleo e gás natural,
• s implificação do sistema de certifica- que desenvolve os equipamentos e os serviços
ção do conteúdo local; e aprimorados demandados nas explorações e na
produção de petróleo. Como o Brasil aplica po-
•  efinição de ações para incentivar o
d lítica de conteúdo local no setor de petróleo e
gás, as políticas para o petróleo precisam apoiar
aprofundamento da indústria fornece-
os fornecedores locais, para que disponham de
dora de petróleo e gás nas correntes
condições tecnológicas para o desenvolvimento
mundiais de comércio de bens para
dos bens e serviços demandados.
petróleo e gás.
Apoio mais direto aos fornecedores
Criação de fundo para inovação pode ser conseguido por meio da criação
O principal programa de apoio às inovações no de um fundo, gerido pelo Banco Nacional
setor de petróleo e gás natural encontra-se na de Desenvolvimento Econômico e Social
cláusula de investimentos obrigatórios em pes- (BNDES) e pela Financiadora de Estudos e
quisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), pela Projetos (Finep), para receber parcela maior
qual as empresas petroleiras são obrigadas a dos recursos da aplicação obrigatória das
aplicar nessas atividades valor equivalente a empresas petroleiras em PD&I. A redistri-
1,0% de suas receitas brutas. A destinação dos buição dos recursos já foi decidida por órgão
recursos é repartida nas seguintes proporções: encarregado do tema no governo federal, o
metade, pelo menos, em instituições científicas Programa de Estímulo à Competitividade da
e tecnológicas (ICTs); 10%, pelo menos, em em- Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao
presas brasileiras fornecedoras de bens ou ser- Aprimoramento de Fornecedores do Setor
viços; e o restante (até 40% dos recursos) em de Petróleo e Gás (Pedefor). Por meio da
laboratórios das próprias petroleiras ou em pro- Resolução no 01, de 28 de março de 2017, o
jetos executados por ICTs ou por fornecedores. Pedefor recomendou à ANP a redistribuição
Até 2016, a Petrobras (com 94,0% dos recursos) dos recursos da cláusula de 1% dos recursos
e outras dezesseis petroleiras haviam aplicado, obrigatórios em PD&I: de 30% até 40% para
desde 1998, em valores reais, o total de R$ 18,3 contratação de atividades de PD&I junto a
bilhões em PD&I, sendo R$ 7,1 bilhões autoriza- universidades e institutos de pesquisa; e de
dos em 1.429 projetos de PD&I de ICTs (universi- 30% até 40% destinados a programas tecno-
dades e centros de pesquisa). Cerca de metade lógicos para desenvolvimento e capacitação
de fornecedores nacionais. O saldo remanes-
Petróleo e Gás

dos R$ 7,1 bilhões foi aplicada pelas ICTs na im-


plantação de novos laboratórios, modernização cente deverá ser destinado a atividades em
de laboratórios ou em obras civis, e o restante instalações do concessionário ou em suas
no desenvolvimento de pesquisas e inovações, afiliadas no Brasil, ou contratado junto a em-
formação de mão de obra e em outras áreas. presas nacionais.

127
O papel do fundo é o de servir de instrumento • Custo financeiro dos recursos reem-

para captar e realizar as aplicações dos recursos bolsáveis: percentual da Taxa de Longo
redistribuídos, direcionando-os às empresas de- Prazo (TLP).
senvolvedoras de equipamentos e processos para
petróleo e gás natural (empresas fornecedoras). Propõe-se a criação de um Comitê Orientador
O fundo terá instrumentos de apoio de crédito para o fundo com o objetivo de definir suas
(reembolsável) e de subvenção econômica (não diretrizes e para a alocação de recursos para
reembolsável) e terá o papel de incentivar o de- operações mais arriscadas e subvenção.
senvolvimento de projetos de inovação por meio
de maior integração entre empresas petroleiras e
• efinir as diretrizes e estratégias
D
do fundo.
fornecedoras e os centros de pesquisa.

A atuação coordenada entre o fundo a ser


•  efinir o percentual de exposição do
D
fundo em operações mais arriscadas.
criado e o Pedefor facilitará aos fornecedores
apoiados o alcance das condições para rece- •  efinir percentual de alocação não-
D
berem os incentivos do Pedefor, e incrementa- -reembolsável.
rá a sinergia entre o BNDES, a Finep e o Pede-
for para os mesmos fins, isto é, maior esforço
inovador de fornecedores e o alcance dos no- O que se pode esperar
vos percentuais de conteúdo local. As seguin- Será difícil o setor de petróleo e gás natural vol-
tes características para o fundo são sugeridas: tar aos níveis de atividade e de emprego do pe-
ríodo 2006-2014, caracterizado por excepcional
•  undo de natureza privada, com patri-
F
avanço de investimentos da Petrobras, graças às
mônio próprio, administrado e opera-
descobertas do pré-sal, que elevaram também
cionalizado pelo BNDES e Finep.
investimentos e emprego entre fornecedores de
•  poio a empresas de base tecnológi-
A equipamentos, máquinas e serviços e de platafor-
ca, a empresas fornecedoras de bens mas, navios e barcos de apoio.
e serviços e a centros de pesquisa em
Perspectiva mais positiva virá com a reto-
condições de desenvolver inovações
mada dos leilões de áreas exploratórias, com
para o setor de petróleo e gás.
que se espera, nos próximos anos, incrementar
•  onte de recursos: i) de 30% a 40%
F os estímulos em vigor, referentes aos investi-
dos recursos da cláusula de PD&I dos mentos de produção feitos pela Petrobras e
contratos de concessão e contratos de empresas consorciadas no campo de Libra e
partilha de produção para exploração em mais dezoito campos. A ANP calcula que,
e produção de petróleo e gás natural; aos preços atuais (US$ 50/barril), as dez ro-
ii) recursos provenientes de aplica- dadas planejadas para 2017-2019 poderão ge-
ções financeiras do fundo e dos juros e rar US$ 83 bilhões em investimentos diretos e
amortizações dos financiamentos; e iii) mais US$ 125 bilhões em investimentos indire-
contrapartida a ser paga por empresa tos. A indústria de fornecedores de bens e ser-
beneficiária do fundo nos projetos que viços prevê investimentos de cerca de US$ 6
obtiverem êxito, em percentual das re- bilhões e recuperação de 43 mil empregos,
ceitas geradas pelo produto inovador. perdidos de 2013 a 2016 com a paralisação dos
leilões e outros problemas do setor. Estima-se
•  s projetos poderão ser apresentados
O o potencial total das reservas das áreas a se-
continuamente ao fundo. rem leiloadas em 10 bilhões de barris.

128
Energias
Renováveis

14
Definir Políticas
para o Setor
Energias Renováveis
1

A
s energias renováveis têm sido, nos na matriz energética; ii) aumentar para 18% a par-
anos recentes e em todo o mundo, a ticipação de bioenergia, via expansão do consumo
opção prioritária para expandir a gera- de biocombustíveis, da oferta de etanol (inclusive
ção elétrica, aproveitando a difusão de novos de segunda geração) e da parcela de biodiesel na
conhecimentos técnicos, em especial, as fontes mistura do diesel; e iii) expandir para 33% o uso
de energia eólica e solar. Em 2015, as fontes re- de fontes renováveis, além da energia hídrica, na
nováveis representaram a maior parte (61%) da matriz total de energia.
capacidade de geração adicionada no mundo.
Nesse cenário, o Brasil é um caso de sucesso: O sistema elétrico brasileiro possui três
85% da sua matriz de geração vem dessas fon- características básicas: preponderância hi-
tes, principalmente de hidrelétricas, cuja tecno- drelétrica (70% da capacidade instalada),
logia é amplamente conhecida e aplicada aqui. estocagem em reservatórios hídricos (211 te-
rawatt-hora, ou pouco menos de cinco me-
Em matéria de energia limpa, o Brasil está à ses da carga anual) e intercâmbio elétrico-e-
frente da média global, posição que não pode per- nergético pelo Sistema Interligado Nacional
der e deve ampliar. Na XXI Conferência das Par- (SIN), que atende a 98% da carga do país.
tes (COP-21), da Organização das Nações Unidas Funcionam também usinas térmicas, que fo-
(ONU), o país se comprometeu a reduzir a emissão ram instaladas para complementar a oferta
de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em das hidrelétricas em períodos críticos, como
43% até 2030, a partir dos níveis registrados em os de seca. No entanto, desde 2013, seu uso
2005. No Acordo de Paris, aceitou cumprir três se intensificou, aumentando custos e emis-
metas até 2030: i) ter 45% de energias renováveis sões de gás carbônico (CO2).
Gráfico 1
Matriz energética brasileira (2015)
(Em %)

1 0

9
5

19

66

Hídrica Fóssil Eólica Biomassa Nuclear Solar


Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

130
Em resumo: o Brasil dispõe de um sistema Também a realização de leilões consoli-
dinâmico, com crescimento elevado projetado dou a expansão da energia eólica: ao final de
para o longo prazo, e apto a adotar a geração 2016, a capacidade instalada era de 10,7 GW,
de fontes renováveis a custos de integração ou 7% de todo o parque gerador. Com isso, o
reduzidos. Ante seu potencial eólico e solar, já país ficou no nono lugar entre os detentores
foram criados e funcionam alguns mecanismos de maiores capacidades instaladas de ener-
de incentivo ao uso dessas fontes energéticas gia eólica no mundo. No Nordeste, ventos
– entre eles, linhas de financiamento do Banco constantes e intensos favorecem a produção
Nacional do Desenvolvimento Econômico e So- de eletricidade, e isto resulta em alto fator de
cial (BNDES) e contratos de longo prazo esta- utilização (38%) no Brasil, bem superior à mé-
belecidos por leilões. dia mundial (24%).

Dois outros pontos influíram para a dianteira


Energia dos ventos do segmento: primeiro, a complementariedade
Por enquanto, a expansão da energia eólica da fonte energética dominante (a hidrelétrica)
está mais adiantada que a da energia solar. Em com a eólica. Períodos de maior incidência hi­
2002, foi criado o Programa de Incentivo às drológica correspondem a períodos de ventos
Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proin- desfavoráveis e vice-versa. Ou seja, ventos e
fa), para contratar 3,3 gigawatt (GW) de capa- chuvas apresentam uma correlação negativa
cidade de geração de três fontes renováveis que contribui para a segurança do abasteci­
(pequenas centrais hidrelétricas, biomassa e mento. Segundo, a intermitência eólica pode
eólica, por meio de tarifas incentivadas – regi- ser regularizada por meio de água acumulada
me feed in). Ainda que as contratações, por pro- nos reservatórios no Brasil. De certa forma, os
blemas diversos, tenham ficado abaixo da meta, reservatórios acomodam a intermitência esto-
o programa conferiu nova dinâmica ao setor. cando a geração sob a forma de água.

Gráfico 2
Avanço da capacidade instalada de energia eólica no Brasil (2005-2016)
(Em GW)
12

10

8
GW

4
Energias Renováveis

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Fonte: Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

131
Foram indicados, entre os pontos de vanta-
O Brasil dispõe de gem, o caráter não compulsório da PLC, tendo
um sistema dinâmico, o empreendedor a chance de buscar outras
fontes de financiamento, e o fato de a defini-
com crescimento ção das metas ter sido feita com participação
elevado projetado da cadeia produtiva. Também as regras para
credenciamento ficaram mais claras e com
para o longo prazo, fixação de datas para todas as etapas, desde
sua implementação.
e apto a adotar a
geração de fontes A flexibilidade e a progressividade são
outras características: a primeira, pelo es-
renováveis a custos de tabelecimento de metas alternativas para
integração reduzidos. cumprimento dos requisitos de conteúdo
local; a segunda, pelo aumento dos compro-
As ações a favor da energia eólica têm, missos em linha com a capacidade dos for-
também, fortes elementos de política in- necedores locais.
dustrial. O BNDES estabeleceu uma política
Entre as deficiências e lacunas aponta-
própria de conteúdo local, específica para
das, estão a falta de foco na competitivida-
financiar projetos de novas energias. Be-
nefícios fiscais foram criados pelo governo de em termos de preço dos equipamentos
federal e alguns estaduais – como o Regime em relação aos produtos importados e a
Especial de Incentivos para o Desenvolvi- falta de análise da relação custo-benefício,
mento de Infraestrutura (Reidi) e isenções ou seja, a comparação dos benefícios da
de impostos estaduais para certos equipa- política com os custos que significam para
mentos de aerogeradores, com a finalidade a sociedade.
de atrair parques eólicos e fornecedores.
Também foram feitas críticas ao fato de
Além disso, a Aneel isenta a cláusula que a política de promoção de renováveis não ter
obriga geradores a dedicarem 1% da recei- sido articulada à política de conteúdo local do
ta líquida para pesquisa e desenvolvimento, BNDES. O ritmo de contratação de energia eó-
dando vantagem aos empreendimentos eóli- lica, com picos e vales, dificulta o estabeleci-
cos (e outras novas energias renováveis) em mento de fornecedores domésticos.
relação às fontes convencionais de geração.
Esse benefício também é válido para centrais Mesmo com problemas, uma cadeia pro-
a biomassa, a energia solar e pequenas cen- dutiva local de aerogeradores vem se for-
trais hidrelétricas. O Fundo Setorial CT-Ener- mando: são seis as montadoras credencia-
gia, criado em 2000, apoia o desenvolvimento das no BNDES, e empresas estrangeiras se
de tecnologias para fontes renováveis, mas o instalaram no país, interessadas no setor. Em
setor só se tornou prioridade na chamada pú- 2012, a WEG, empresa nacional de competi-
blica em 2006. Em 2013, foi lançado o Inova tividade global em equipamentos elétricos –
Energia, para financiamento de projetos de ainda com pequena participação de mer-
energias alternativas. cado –, iniciou a produção de aerogerado-
res. Já operam vários fornecedores de pás e
Depoimentos de agentes do setor foram de componentes para aerogerador. Dos 24
recentemente analisados2 para se avaliar a equipamentos incluídos na PCL do BNDES,
política de conteúdo local (PCL) do BNDES. dezoito têm fabricantes domésticos.

132
Energia do sol ao BNDES. Também para financiar a energia
solar, o BNDES impõe limites de conteúdo lo-
É grande o potencial da energia solar no Brasil, cal, e há um esforço para adaptar o mecanismo
embora sua participação na matriz ainda seja da energia eólica à solar, embora seja grande a
insignificante. Na Europa, os países com maior diferença técnica e econômica entre as duas.
potencial instalado de energia fotovoltaica são
Alemanha, Itália e França (energia descentraliza- No mundo, 90% dos painéis solares têm
da); e Espanha e Reino Unido (energia centrali- tecnologia a partir de silício, segundo dados
zada). São dois os tipos de desenvolvimento tec- de 2015. Isso confere ao sistema grande eco-
nológico dessa energia: a geração distribuída e a nomia de escala e baixos custos de transporte.
geração centralizada. A primeira é aquela utiliza- A China produz 80% dos componentes centrais
da em residências, estabelecimentos comerciais das placas e, desde 2011, a capacidade ociosa
e industriais conectados à rede de distribuição. do setor tem níveis considerados relevantes pela
A segunda, a centralizada, é produzida em par- Agência Internacional de Energia (AIE). Disso
ques de geração e conectada à rede de transmis- resulta queda substancial de preços e, conse-
são. No Brasil, o desenvolvimento mais significati- quentemente, pouco interesse em internalizar a
vo da fonte solar se deu através da contratação de produção dos equipamentos no Brasil. Há duas
parques de geração solares em leilões de energia empresas que se destacaram nos leilões de
de reserva, cujo objetivo consiste em aumentar a energia solar: a Enel (cujos projetos equivalem
segurança no fornecimento de eletricidade. a 24% do total contratado) e a Canadian Solar
(13% desse total). A primeira usa recursos pró-
Dessa forma, o governo determina as quanti­ prios; e a segunda obteve financiamento do BN-
dades a serem adquiridas de cada tipo de tecno­ DES para instalar um complexo em Minas Gerais.
logia, criando nichos de mercados para energias
renováveis. No caso da energia solar, cabe men- A outra forma de uso de energia solar é a
geração distribuída (GD), a que está mais pró-
cionar a realização de três leilões entre 2014 e
xima dos consumidores. A vantagem da gera-
2015. Apesar destas inicia­tivas, a participação
ção distribuída sobre a geração central reside
da energia solar na matriz energética brasileira
em economizar investimentos em transmissão
ainda é inferior a 1%.
e reduzir as perdas, melhorando a estabilidade
do serviço de energia elétrica. A importância
O ritmo da evolução da energia fotovoltaica
da GD é grande em países europeus, como no
é mais lento que o da eólica, segundo analistas,
caso da Alemanha, em que representa mais de
devido a questões conjunturais e estruturais que
80% da capacidade de energia solar instalada.
dificultam a apresentação e execução de proje- No entanto, na América Latina, onde os leilões
tos de geração centralizada (GC). Em relação às têm sido os impulsionadores da tecnologia, a
questões conjunturais, o último leilão de contrata- GD ainda pode ser considerada marginal.
ção de fornecimento centralizado de energia solar
ocorreu em 2015, não houve em 2016, e, em 2017,
autorizou-se, por decreto, a realização de leilões
de descontratação (ou seja, para reduzir projetos
O ritmo de contratação
de produção contratada ou projetada). de energia eólica, com
De seu lado, os cenários macroeconômico picos e vales, dificulta
Energias Renováveis

e cambial geram incerteza quanto aos custos


para os contratos de GC cuja remuneração é
o estabelecimento
feita em moeda nacional. Por isso, fica mais de fornecedores
difícil obter financiamentos externos, o que
aumenta a dependência do setor de infraes- domésticos.
trutura e da indústria de energia em relação

133
A GD se define como a produção de energia No Brasil, a regulamentação da GD co-
elétrica (de qualquer potência) conectada direta- nectada à rede é relativamente nova. Em
mente ao sistema elétrico de distribuição ou me- abril de 2012, entrou em vigor a Resolução
diante instalações de consumidores, podendo ope- Normativa no 482 da Aneel, referente à mi-
rar em paralelo ou de forma isolada, e despachada crogeração e à minigeração distribuída de
ou não pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). energia elétrica, que estabeleceu o sistema
Apesar de a GD incluir diferentes fontes de de compensação de energia. Nesse arranjo,
energia, são as características da energia solar a energia ativa injetada por unidade consu-
que vêm aumentando sua importância. Alguns midora/produtora distribuída é cedida, por
estudos sobre o assunto chamam a atenção meio de um empréstimo, à distribuidora local
para as mudanças substanciais na caracteriza- e, posteriormente, compensada com o con-
ção do uso e da economia da rede da energia sumo de energia elétrica ativa. Os créditos
elétrica que podem decorrer desse aumento. de energia elétrica gerados continuam váli-
dos por sessenta meses.
O modelo centralizado de energia (GC) é
organizado técnica e economicamente partin- A mesma resolução permite a instalação
do-se do princípio de que os fluxos seguem dos de GD em locais diferentes do ponto de con-
produtores para os consumidores de energia,
sumo. Pode ser no local de geração ou em
que são agentes separados conectados pela
outras unidades previamente cadastradas
rede. Um modelo de organização do sistema
elétrico com grande participação da geração dentro da mesma área de concessão e carac-
distribuída deverá partir do princípio de que o terizada como autoconsumo remoto, geração
mesmo agente pode ser consumidor e produtor compartilhada ou integrante de empreendi-
de energia (os prosumers, neologismo em inglês mentos de múltiplas unidades consumidoras
para produtor mais consumidor). No modelo, os (condomínios). A opção de deslocação abre
fluxos se tornarão cada vez mais bidirecionais. oportunidades de modelos de negócios dife-
renciados para a implantação de GD. No en-
Embora haja tanto, ainda há restrições e incertezas quanto
aos arranjos.
crescimento, a geração
distribuída tem Embora haja crescimento, a GD tem im-
portantes desafios a serem enfrentados.
importantes desafios Um deles é o fato de que a regulação e os
a serem enfrentados. incentivos governamentais devem equilibrar
os incentivos entre a energia centralizada e
Um deles é o fato a descentralizada, de modo a favorecer a efi-
de que a regulação e ciência do setor.
os incentivos Como a energia descentralizada não
governamentais tem acesso a financiamento de bancos de
podem ter papel desenvolvimento, como o BNDES, tende a
ser financiada sob condições inferiores às
central como promotores da energia centralizada. Há um esforço do
ou como barreiras à sua BNDES para, através de fundos a bancos
comerciais, atingir o financiamento de GD
evolução. de energia solar, mas isso ainda é muito

134
recente e limitado para seus efeitos pode- única forma de introdução de novas ener-
rem ser avaliados. Existe também o risco gias renováveis.
de remuneração menor para projetos de
GD em relação aos de GC, pois os preços A atuação apenas do BNDES como meca-
de GD dependem do preço final da ener- nismo de política industrial, em um contexto
gia, que são incertos, enquanto os de GC de política energética de renováveis pouco
são fixados em leilões, cuja duração é de definida, tende a gerar custos relativamen-
longo prazo. te altos. A questão dos subsídios, dados por
condições vantajosas de financiamento, é
Por fim, o desenvolvimento de GD também elemento central na expansão da geração de
impactará e será atingido pela regulação da dis- eletricidade no Brasil, em razão da ampla e
tribuição de eletricidade. Se a regulação não for histórica participação do BNDES nas diferen-
elaborada considerando essa interação, pode- tes fontes de energia.
rão surgir distorções importantes na indústria.
As condições para o financiamento das novas
fontes renováveis podem impactar fortemente a
Impasses a superar escolha tecnológica, considerando-se que ou-
Em que pese o sucesso do avanço da energia tras fontes de geração, em geral, são atendidas
eólica no Brasil, colocando-o entre os países pelo BNDES.
com maior instalação de capacidade do mun-
do, e das iniciativas para desenvolvimento da
energia solar, o caminho para as novas ener-
As condições
gias renováveis dependerá da solução de al- para o financiamento
guns desafios, elencados a seguir.
das novas fontes
Adequação e consistência entre os objetivos
das políticas energética, ambiental e industrial.
renováveis podem
Os objetivos de políticas de introdução
impactar fortemente
de renováveis no Brasil precisam estar mais a escolha
claramente definidos. Os leilões de expansão
constituíram-se em mecanismos efetivos para tecnológica.
a introdução das novas energias renováveis,
mas o ritmo de contratação está condiciona- Outro desafio é o desenvolvimento de
do à situação de suprimento de eletricidade, instrumentos transparentes para análise
resultando em picos e vales de contratação. de custo-benefício e das políticas de con-
A descontinuidade pode gerar custos, princi- teúdo local na promoção e financiamento
palmente se o objetivo é criar uma cadeia de de renováveis.
produção nacional de equipamentos.
Além disso, há risco de as cláusulas de
O uso mais recente dos leilões de reser- conteúdo local, comuns nos financiamentos
Energias Renováveis

va ilustra bem a subordinação do objetivo do banco ao priorizar tecnologias nacionais,


de difusão de energias renováveis ao obje- resultarem em maior uso de tecnologias ma-
tivo de segurança do abastecimento. O ins- duras (as de pouca inovação e já internali-
trumento, criado para garantir a seguridade zadas). Isso pode impactar a composição da
do sistema, não pode ser creditado como a matriz energética nacional.

135
Por outro lado, dispositivos como esse tipo,
quando bem ajustados, são capazes de gerar a Enquanto as
internalização de parte da cadeia, favorecendo
a queda de custos no longo prazo (que, ideal-
variações relevantes
mente, pode ser suficiente para cobrir os cus- das fontes hídrica
tos de curto prazo).
e de biomassa
Diante dos potenciais efeitos positivos e
negativos, é necessária a avaliação periódica
ocorrem em
da relação custo-benefício e seus impactos. É períodos longos,
de se esperar que os efeitos não sejam os mes-
mos para todo o conjunto de fontes renováveis, as novas fontes
nem para todas as partes da cadeia desta in-
dústria. Assim, as metas e os mecanismos de
têm variações
PCL via financiamento precisam ser específi- importantes no
cos para cada fonte energética e diferenciados
pelos equipamentos, conforme os benefícios curtíssimo prazo.
esperados e os custos associados.
Como a água contida nos reservatórios
Adequação dos mecanismos de incentivo hídricos é a forma menos custosa de se com-
para geração descentralizada e readequação do plementar a intermitência das novas fontes
desenho de mercado elétrico, a fim de se com- renováveis, os sinais de preço devem refle-
patibilizar a formação de preço com as caracte- tir esse serviço. Ou seja, com a difusão das
rísticas de intermitência das energias renováveis. energias renováveis, o valor da água precisa
ser mais elevado, a fim de se orientar um ar-
Ainda que o sistema elétrico brasileiro mazenamento que reserve quantidades sufi-
conte com elevada participação de fontes
cientes para complementar a geração inter-
de geração renováveis tradicionais (hidrelé-
mitente renovável no curto prazo.
trica e biomassa), a difusão das novas fon-
tes renováveis muda o perfil de geração. En- Do ponto de vista estrutural, o desenho de
quanto as variações relevantes das fontes mercado precisa evoluir para compatibilizar
hídrica e de biomassa ocorrem em períodos uma massiva introdução de novas energias
longos (estações e anuais), as novas fontes renováveis e prosumers. No novo modelo, a
têm variações importantes no curtíssimo
flexibilidade deverá ser valorizada, permitindo
prazo (intermitência intradiária). Por isso, há
a interação entre a geração dos prosumers, a
necessidade de se adaptar o atual modelo
geração centralizada, as preferências dos con-
segundo essas variações.
sumidores e o uso dos sistemas de rede e de
Atualmente, o regime de operação é guiado confiabilidade de suprimento.
por programas computacionais e por custos es-
Por fim, o novo arranjo deve considerar as
perados de geração que não levam em conta a
restrições na capacidade de pagamento en-
intermitência de curto prazo da geração. O preço
é calculado em base semanal e diferenciado por frentadas por grande parte dos consumidores
patamares de carga (consumo) de eletricidade. O brasileiros. Como a parcela mais pobre da po-
valor da água, que é a variável mais influente para pulação tende a continuar sendo suprida via
determinar a operação no Brasil, deveria incorpo- rede tradicional, a solução não deve onerar ex-
rar o impacto da flexibilidade de curto prazo. cessivamente as tarifas de consumo.

136
Inserção
Internacional

15
Desenvolvimento
Exige uma Nova
Agenda
Internacional
Inserção Internacional
1

A
economia brasileira era das mais di- Pode, também, contribuir para reduzir a pobreza
nâmicas do mundo, entre 1950 e 1980, no país, por baratear o consumo de bens e ser-
quando avançava à média anual de viços básicos, e por expandir atividades que
7,4%. Depois o ritmo arrefeceu e a média caiu empregam pessoal menos especializado, como
para apenas 2,2% até 2016. Uma das explica- agroindústria e serviços.
ções é o esgotamento do modelo de substi-
tuição de importações e a incapacidade de se Assim, a abertura econômica deve ser vista
adotar uma estratégia de desenvolvimento em como estratégia de geração de riqueza, dimi-
sintonia com o processo de globalização. nuição de desigualdades sociais e regionais e
dos diferenciais de produtividade entre seto-
A política comercial mais recente agravou o res exportadores e não exportadores, e pode
quadro ao insistir no protecionismo e em estra- contribuir para diminuir desigualdades entre
tégias negociais inconsistentes. Enfatizou-se países. Políticas de desenvolvimento científico
o multilateralismo no âmbito da Organização e tecnológico devem acompanhar a abertura.
Mundial do Comércio (OMC) e negligenciou-se
Uma maior abertura econômica e novos acor-
a negociação de acordos comerciais bilaterais
dos de comércio e investimento não bastam para
e blocos econômicos regionais.
solucionar todos os problemas de competitivi-
dade, mas são necessários para sua superação,
Políticas comerciais protecionistas resul-
ajudando a desobstruir os canais por onde o co-
taram em um círculo vicioso: baixa produti-
mércio internacional impacta a produtividade do
vidade da economia, perda de dinamismo in-
trabalho. De 1995 a 2014, notam-se duas trajetó-
dustrial e declínio acentuado das exportações
rias distintas: maior oscilação no setor industrial,
de manufaturas brasileiras. Para reverter isso,
com tendência de queda a partir de 2011, e cres-
serão necessárias medidas firmes e graduais
cimento do setor agrícola em quase todo o perío-
para promover a abertura econômica com do. Na área de serviços, cujo peso no emprego
foco na produtividade. Em conjunto com outros total é importante, a produtividade agregada é
fatores – por exemplo, dinâmica dos salários fortemente influenciada pela distribuição setorial.
reais, do câmbio e estratégia comercial da Chi-
na –, a perda de produtividade industrial reduziu A participação de manufaturas na pauta ex-
a participação do Brasil no comércio internacio- portadora brasileira baixou de 60% para 37%
nal de manufaturas, e recuperar esse mercado em menos de duas décadas, e a produtividade
e retomar o crescimento são dois dos principais do trabalho no setor industrial é hoje inferior ao
desafios para os próximos anos. patamar de 1995.

Há evidências empíricas de que uma maior Em 2014, o Brasil se destacava entre as eco-
abertura comercial aumentaria a produtividade, nomias de porte médio fornecedoras de pro-
ao promover maior concorrência, estimulando dutos manufaturados, porém a participação de
a inovação pelo acesso a insumos portadores suas vendas no setor nesse ano foi inferior à de
de novas tecnologias, reduzindo custos de pro- 1980. Não por coincidência, a economia brasi-
dução, ampliando ganhos de escala e criando leira é das mais fechadas do mundo: é a nona
mercados para produtos e serviços nacionais. entre as maiores, mas apenas a 25a exportadora.

138
O produto interno bruto (PIB) representa 3% do
mundial, mas suas exportações, só 1,2% do total. O Brasil representa
O grau de abertura da economia (relação da cor-
rente de comércio/PIB) é dos menores no mundo. 3% do PIB mundial,
O modo de o país se inserir nas cadeias glo-
mas suas exportações
bais de valor (CGVs) se caracteriza por reduzidas representam 1,2%
exportações de bens e serviços com conteúdo
tecnológico mais alto. Isso limita a moderni-
do global.
zação das empresas brasileiras. Para vender a
mercados mais avançados tecnologicamente,
elas precisam adaptar-se a padrões técnicos
Um ponto fora da curva
e concorrenciais neles vigentes. A convivência A comparação internacional relacionando a
com compradores e fornecedores externos de renda per capita às tarifas médias praticadas
bens intermediários e finais lhes facilita o acesso por cada país, apresentada no gráfico 1, mos-
a informações mercadológicas e a tecnologias tra uma correlação negativa entre a renda per
que viabilizem inovações e impulsiona a busca capita e as tarifas médias: os países mais ricos
por maior produtividade por parte das firmas. praticam tarifas mais baixas. O Brasil é um pon-
to fora da curva. De acordo com sua renda per
A baixa participação no comércio internacio- capita, a tarifa média esperada para o Brasil
nal afasta o Brasil de um fator-chave de aumento deveria ser de aproximadamente 7%, mas a
da produtividade industrial, o spillover tecnológi- tarifa média praticada é de cerca de 14%.
co, derivado de convivência e intercâmbio das
empresas exportadoras com mercados tecnolo- O protecionismo do Brasil é particularmente
gicamente mais dinâmicos. Até o investimento di- nítido nos setores de bens intermediários e de
reto estrangeiro (IDE) visa preponderantemente o capital, gerando forte impacto sobre os custos
mercado interno, graças à reserva de merca- dos demais setores. A margem de proteção para
do imposta pela proteção tarifária, com pouca bens de capital no Brasil é significativamente
preocupação em expandir exportação, inovação, maior que em outros países de nível de desenvol-
pesquisa e desenvolvimento. vimento semelhante – incluindo China, Coreia do
Sul, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, México e
Para reverter o quadro, é necessária uma Tailândia. Em relação aos produtos intermediários,
nova política comercial e de investimentos, que o Brasil pratica uma tarifa de 11,7%, ao passo que
contemple tanto a inserção do produto brasi- esse grupo de países pratica uma tarifa média
leiro nas cadeias globais de valor como maior de 7,1%. Contudo, esses números referem-se às
exposição do mercado doméstico à concor- tarifas nominais. Uma comparação entre as tarifas
rência estrangeira. Articulada com um plano efetivamente cobradas, que leva em conta as
de inovação tecnológica, a política comercial relações entre os setores, aumentaria o hiato
pode alavancar um processo virtuoso de maior existente entre o Brasil e esse grupo de países.
produtividade, competitividade e participação
Inserção Internacional

brasileira nos fluxos comerciais internacionais. Tentando mitigar os efeitos da política sobre
Assim, contribuirá para elevar o porte das em- a competitividade externa, nos últimos anos o
presas, tornando-o compatível com a ativida- Brasil intensificou o uso de regimes especiais de
de exportadora sustentada e completando importação e tributação, de modo a desonerar
as condições necessárias para fortalecer um custos da proteção incidentes na importação
setor industrial inovador no Brasil. de produtos intermediários para os exportados.

139
Esses instrumentos permitiram convivência com abertura unilateral dos anos 1990 – e à prio-
tarifas de importação de produtos intermediários ridade à OMC e ao multilateralismo. Isso pôs
superiores às de vários países em desenvolvi- o país à margem do vetor mais dinâmico de
mento, concomitantemente com a presença de liberalização comercial e de negociação na
empresas exportadoras de alta produtividade. economia internacional: os Acordos Prefe-
Regimes especiais favorecem a competitividade renciais de Comércio (APCs) e os Acordos de
internacional das grandes exportadoras, mas é Livre Comércio (ALCs).
preciso reconhecer que essas empresas são um
enclave em uma indústria cuja produtividade cai Uma visão contrária à integração inter-
há décadas. O último episódio de liberalização nacional impedirá ações do Brasil em nego-
comercial no país aconteceu há um quarto de ciações comerciais preferenciais, resultando
século e, desde então, mantém-se quase intacta em escassos acordos bilaterais de comércio.
a estrutura de proteção. As poucas alterações Com efeito, além do Mercosul e dos acordos
ocorreram principalmente via elevação de tari- com os países andinos, o Brasil só tem hoje
fas de alguns setores já muito protegidos, como acordos comerciais com três parceiros pouco
automotivo, têxtil, de confecções e de calçados. relevantes (Egito, Israel e Autoridade Palesti-
na) e acordos de reduzido alcance com par-
Se a política comercial unilateral pratica- ceiros potencialmente muito relevantes (Índia
mente não mudou nesse período, as iniciati- e África do Sul). Bem diferente é o cenário
vas de negociação do Brasil têm se limitado internacional, com 413 APCs notificados na
à criação do Mercosul – contemporânea à OMC, sendo 220 ALCs.

Gráfico 1
Níveis tarifários médios e renda per capita (2014)
Tarifa média
BHS
30

20
DJI
CMR
BMU

GNB SEN PAK BRA


NER TGO MRT
MLI BEN NPL ATG ARG
BFA UGA NGA UZB
COD KEN DZA KNA
RWA BLZ AGO
LBR MDG
10 BDI
COM BOL URY
KHM AZE
MOZ PRY LKA THA
MWI ECU CHN RUS
HTI NAM BWA
ZAF KAZ
TJK JOR BLR KOR
MDA MAR ARM COL TWN
LBN ARE QAT
LAO SLV UKR CRI BHR SAU
LSO MYS OMN KWT
NIC GTM SWZ MKD MEX JPN AUS USA DEU
BIH PER NZL CAN
ALB MUS NOR
ISR ISL
CHE SGP
0
7 8 9 10 11 12
Renda per capita

Fonte: FLORÊNCIO, S. A. L. et al. Inserção Econômica Internacional: comércio e investimentos. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação:
artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

140
A nova ordem internacional, inaugurada Desafios internos e externos
com a postura protecionista do atual gover-
no dos Estados Unidos, exigirá do Brasil e de Em contraste com a baixa presença no co-
todo o Mercosul uma estratégia distinta para mércio mundial, o Brasil, desde 2011, é um
negociações comerciais – o que deve incluir dos cinco principais destinos dos investi-
a recuperação das iniciativas de abertura do mentos diretos estrangeiros. Entre 1990 e
bloco, até agora isolado das correntes libera- 2014, o estoque de IDE per capita elevou-se
lizantes do comércio internacional. de US$ 248 para US$ 3.022, passando de
10,1% para 25,45% no PIB brasileiro. No en-
O Brasil pode e deve aperfeiçoar e refor- tanto, embora haja bom volume de influxo de
mular sua estratégia de inserção econômica investimentos, a relação estoque de IDE/PIB
internacional, revisando o viés contrário ao brasileiro ainda é relativamente baixa. Em
estabelecimento de acordos comerciais bila- 2012, essa relação era de 10,3%, abaixo dos
terais e plurilaterais, para além de interesses 17,9% de países em desenvolvimento.
setoriais localizados. Aliás, a percepção da
necessidade de rever esse modelo protecio- Nos últimos anos, essa atração tem sido
nista já se aprofundara a partir de 2014. Sinais menor, principalmente em projetos greenfield,
de interesse em dinamizar as negociações o que pode decorrer de deficiências de in-
comerciais com parceiros relevantes – como fraestrutura, entraves de legislação, carga
México e União Europeia – partiram do pró- tributária complexa e excessiva, estrutura
prio governo ainda em 2015, quando também de incentivos de política industrial distorci-
a sociedade civil organizada fazia críticas ao va, além de desequilíbrios macroeconômicos
isolamento comercial e ao foco excessivo e crises políticas recentes.
dado a negociações multilaterais infrutíferas
da OMC.
A internacionalização
Longe das correntes dinâmicas do comér- de empresas
cio internacional e com dificuldades até para
colocar regionalmente seus produtos – ao brasileiras é
contrário do que ocorre na Ásia e Europa –, necessária para
o Brasil precisa abrir mercados nos países em
desenvolvimento e, sobretudo, nos desenvol- melhorar condições
vidos. Deve-se lembrar que a proliferação de
novos acordos resulta em ampla rede regula-
de acesso à
tória que afeta a dinâmica do comércio glo- tecnologia, aos
bal, incorporando alguns países e excluindo
outros, afetando, inclusive, o fluxo de inves-
capitais, à cultura
timentos. Muitas dessas normas tendem a empresarial e para a
corrigir distorções internas, como as relativas
conquista de novos
Inserção Internacional

a serviços, propriedade intelectual, padrões


e regulamentos técnicos, coordenação de merca­dos, devolvendo
padrões privados, de sustentabilidade e de
clima, condições de trabalho e de direitos hu- dinamismo ao
manos, concorrência, investimentos e regras setor industrial.
de origem.

141
Além de não incentivar as exportações de As fusões e aquisições realizadas por
multinacionais atuantes no Brasil, o IDE aca- empresas brasileiras em mercados desen-
ba por dificultar a inserção nas CGVs, con- volvidos, além de favorecer a absorção de
centrando a produção em bens e serviços tecnologia, possibilitam o estabelecimen-
finais para o mercado interno – embora as to de estruturas logísticas mais sofistica-
maiores oportunidades estejam nas etapas das para atender o mercado local, como a
intermediárias, também mais demandantes incorporação de laboratórios e centros de
de inovação tecnológica. pesquisa e desenvolvimento. Assim, melho-
ra-se a capacitação da mão de obra nacio-
Já o fluxo inverso de investimentos, realizado nal e transfere-se conhecimento a centros
por empresas brasileiras no exterior, teve algum de pesquisa locais.
avanço em anos recentes. A internacionaliza-
ção de empresas brasileiras é necessária para
melhorar condições de acesso à tecnologia, aos Ampliar o acesso internacional
capitais, à cultura empresarial e para a conquis-
ta de novos merca­dos. A abertura econômica e Com empresas internacionalizadas tam-
comercial aumenta a pressão da concorrência bém se fortalecem a competitividade e a
no mercado doméstico e estimula a interna- produtividade. Empresas grandes, global
cionalização de empresas nacionais. Bom sinal players, significam acesso a capital, expe-
dessa tendência é que, segundo survey recente, riência, cultura, tecnologia e mercados e
83,6% das empresas nacionais consideram a mais defesas ante a volatilidade dos mer-
expansão internacional muito importante para cados internacionais.
o seu sucesso.
Assim, propõem-se os seguintes pontos
Atualmente, os Estados Unidos são apon- para uma nova política comercial, articula-
tados como 69% das empresas como o des- da com a de inovação, de modo a deslan-
tino favorito dos investimentos, seguidos por char um processo virtuoso no qual comércio
Colômbia (23%), México (21%) e Argentina externo e inovação alavanquem a produti-
(18%).2 Não há indicadores específicos do va- vidade e a competitividade e ampliem o
lor investido, estimado em 10% do PIB, pois as potencial de acesso do produto brasileiro
estatísticas oficiais englobam investimentos aos mercados externos.
produtivos e outras operações de brasileiros
no exterior, em que pese a alta concentração •  edução negociada da Tarifa Externa
R
de investimentos brown field, isto é, aquisição Comum (TEC) do Mercosul para bens de
de unidades produtivas já maduras. capital e intermediários, dispensando
acordos preferenciais fora do bloco.
Atuando no exterior, as empresas ganham Isso aumenta a competitividade,
aprendizado para competir internacionalmen- ensejando a reorganização produtiva
te, com novos sistemas produtivos. É positivo e maior penetração de exportações.
o contato com novas formas de gestão, produ-
ção e inovações tecnológicas. Estudo do Ipea3 •  olítica comercial negociada via acor-
P
estima que as empresas estreantes como ex- dos, concluindo as negociações em
portadoras têm nível de produtividade total de curso com União Europeia e México,
fatores 6,1% maior que o das não exportadoras avançando nas negociações com as
e produtividade do trabalho 67,4% maior. Américas, abrindo acordos de co-
mércio e investimento com os países

142
da Aliança do Pacífico, criando uma • vançar diálogo com a iniciativa
A
abrangente Área de Livre Comércio na chinesa One belt, one road, que visa
América do Sul, aprofundando Acordos estabelecer uma “nova rota da seda”,
de Livre Comércio extra regionais, com investimentos externos realiza-
aperfeiçoando os já existentes com Ín- dos em infraestrutura nos países re-
dia e África do Sul, retomando contato cipiendários, que facilitem os fluxos
com países do Conselho de Coopera- comerciais, gerando externalidades
ção do Golfo (CCG), elaborando estra- para diversos setores.
tégias para Canadá, Japão e Coreia do
Sul, e incluindo eventuais negociações • eforço institucional do comércio
R
com os Estados Unidos na agenda da exterior, fortalecendo a transpa-
política comercial brasileira. rência e a segurança jurídica dos
órgãos de operacionalização do co-
• Política comercial multilateral/plu- mércio exterior e da política comer-
rilateral, reforçando a importância
cial, bem como das instituições pú-
da implementação do Acordo de
blicas de fomento às exportações.
Facilitação de Comércio da OMC.
A Secretaria Executiva da Câmara
Atualizar a agenda do Brasil na
de Comércio Exterior (Camex), ór-
OMC, aderir à negociação de acor-
gão responsável pela coordenação
dos plurilaterais, como o Trade in
de políticas e de atividades relativas
Services Agreement (Tisa) e o In-
formation Technology Agreement ao comércio exterior, será funda-
(ITA), apoiar e incentivar o prota- mental nessa tarefa.
gonismo brasileiro, governamental
Também se faz necessário elaborar uma
e privado, em organismos e foros
nova estratégia de promoção de investi-
internacionais incumbidos de ge-
mentos diretos estrangeiros, com foco na
rar, promover e aplicar normas e
padrões técnicos internacionais. eficiência produtiva e na inserção interna-
Recomenda-se avançar no proces- cional. Para tanto, propõem-se as medidas
so de adesão do Brasil para aderir à a seguir.
OCDE como membro pleno.
•  elebrar acordos de facilitação de
C
•  ova estratégia comercial e de in-
N comércio e investimento com gran-
vestimentos com a China, canali- des economias, para induzir, no
zando o capital disponível no Fundo médio prazo, mudança qualitativa
Brasil-China de Cooperação para nos fluxos de investimento rece-
Expansão da Capacidade Produ- bidos pelo país, direcionando-os a
tiva e do Novo Banco de Desen- projetos de maior capacidade de
volvimento para projetos de longo mobilização da estrutura produtiva
prazo, destinados a modernizar a local e integração nas cadeias glo-
Inserção Internacional

infraestrutura logística, energética bais de valor.


e urbana. Também se sugere ne-
gociar contrapartidas comerciais •  celerar os programas de concessões
A
para facilitar o acesso de produtos para setores de infraestrutura e incluí-
e serviços brasileiros ao mercado -los nas negociações de ALCs com
consumidor chinês. países prioritários.

143
• Internalizar as normas internacionais • eformular exigências legais para
R
de transparência e segurança de in- empresas participarem de processos
vestimentos, especialmente: assina- de licitação e concessão de obras
tura da Convenção para a Resolução públicas e fornecimento de serviços
de Diferendos relativos a Investimen- ao governo, flexibilizando requisitos
tos entre Estados e Nacionais de ou- de certificação técnica prévia com-
tros Estados (para adesão ao Centro provada no país e permitindo que
Internacional para Arbitragem de bancos e seguradoras estrangeiros
Disputas sobre Investimentos, vin- ofereçam garantias envolvendo ati-
culado ao Banco Mundial); revisão vos no exterior.
e ratificação dos Protocolos para
Promoção e Proteção Recíproca • acilitar regras para obtenção de
F
de Investimentos no Mercosul e so- licença para trabalhadores e empre-
bre Proteção e Promoção de Inves- sas estrangeiras atuarem no Brasil,
timentos Provenientes de Estados com menos restrições à aquisição
não Membros do Mercosul; e ado- de ativos, como terras e participação
ção de convenções da OCDE, G-20 acionária em setores específicos.
(grupo das vinte maiores econo-
mias mundiais) e o Fundo Monetário • Instituir mecanismos de gerencia-
Internacional (FMI) para liberalização mento de risco cambial nos contratos
dos fluxos de capitais, transparência de concessão de infraestrutura, para
monetária e fiscal e harmonização de estimular financiamentos em moeda
dados contábeis. estrangeira e aumentar a atratividade
a investidores internacionais.
•  ortalecer a segurança jurídica para
F
proteção de direitos de propriedade É preciso também remover obstáculos à
intelectual, incluindo marcas, pa- internacionalização de empresas brasilei-
tentes e royalties, facilitar a resolu- ras, com apoio efetivo ao investimento bra-
ção de conflitos e a execução mais sileiro no exterior. Para lograr o objetivo de
ágil de garantias contratuais, com incremento da presença do capital brasilei-
destaque para arbitragem e acor- ro no exterior, deve-se considerar os itens
dos extrajudiciais. a seguir.

• evisar a política industrial para


R •  evisão do regime tributário sobre lu-
R
reduzir exigências de conteúdo cros de subsidiárias de empresas bra-
local e de participação societária sileiras no exterior.
de empresas de capital nacional
na infraestrutura. •  egociação de acordos bilaterais com
N
países relevantes como destino dos
• Revisar a política sobre meio am- investimentos brasileiros no exterior
biente para agilizar a obtenção de para evitar dupla tributação.
licenças a projetos de vulto e con-
cluir a implantação do mercado de • poio informacional, de assistência
A
créditos de carbono, atraindo in- técnica, legal e outros (publicações,
vestidores estrangeiros. base de dados, facilitação de contatos,

144
promoção de seminários, missões ofi- Outra hipótese seria estabelecer APCs com
ciais, treinamento, serviços técnicos, dez grupos de países mais relevantes, para os
consultorias etc.), criando instância de quais o Ipea avalia os respectivos resultados para
suporte a investidores brasileiros, com o desempenho exportador do Brasil: aumento das
mais acesso a serviços e informações exportações brasileiras a todos os países, espe-
(comfort zone). cialmente os da União Europeia (US$ 10,2 bilhões,
21,1%); seguindo-se China (US$ 8,2 bilhões, 16,3%);
• Negociação bilateral para reduzir cus- Estados Unidos (US$ 4,7 bilhões, 14,5%); México
tos de projetos de investimentos, com (US$ 3,4 bilhões, 88,5%); Associação Europeia
incentivos fiscais e isenções tarifárias de Comércio Livre (Efta) (US$ 2,1 bilhões, 60,1%);
por parte de ambos os parceiros. Japão (US$ 2,1 bilhões, 16,9%); Reino Unido (US$
2 bilhões, 34,9%); Canadá (US$ 1,8 bilhão, 52,2%);
•  riação de instrumentos jurídicos e
C Coreia do Sul (US$ 1,7 bilhão, 27,6%); e Índia
financeiros para mitigar riscos regu- (US$ 1,3 bilhão, 40,4%).
latórios, como os políticos (inclusive
relacionados à corrupção) e os que Quanto às importações, se forem esta-
envolvem restrições à transferência belecidos acordos para esses dez grupos de
de moedas e ativos financeiros, expro- países, a expectativa seria de aumento das
priações etc. importações brasileiras com todos eles, respecti-
vamente da ordem de: China (US$ 38,6 bilhões,
• romover a internacionalização dos
P 114%); seguindo-se União Europeia (US$ 17,9
investimentos das empresas nacionais bilhões, 28%); Estados Unidos (US$ 9,4 bi-
com instrumentos financeiros adequa- lhões, 23,1%); Índia (US$ 7,2 bilhões, 90,5%);
dos, inclusive privados. Coreia do Sul (US$ 6,1 bilhões, 64%); Japão
(US$ 3,8 bilhões, 50,1%); Reino Unido (US$ 2,1
Mais comércio bilhões, 32,4%); Efta (US$ 1,7 bilhão, 39,3%);
México (US$ 1,7 bilhão, 33,4%); e Canadá (US$ 1
Segundo estudo do Ipea,4 se houvesse uma bilhão, 27,6%).
liberalização tarifária completa e unilateral,
haveria um crescimento das exportações de
13,3% a 18,8% em 20 anos, com impactos posi- Se houvesse uma
tivos para o PIB de até 1,88%. No entanto, esse
é um modelo extremo, servindo mais como liberalização tarifária
indicativo da consistência dos ganhos com a
abertura do necessariamente alternativa viável
completa e unilateral,
de política. haveria um crescimento
No caso de uma estratégia de acordo das exportações de
entre Brasil e a Aliança do Pacífico,
13,3% a 18,8% em 20
Inserção Internacional

(Chile, Colômbia, México e Peru), com libe-


ração total para agricultura e indústria e de anos, com impactos
redução de 50% nas barreiras não tarifárias; o
Ipea estima5 aumentos de 40% nas exporta- positivos para o PIB de
ções brasileiras (US$ 5,1 bilhões) e de 22,4%
nas importações brasileiras (US$ 2,8 bilhões).
até 1,88%.

145
Sustentabilidade

16
Objetivos de
Desenvolvimento
Sustentável nos
Desafios da Nação
Sustentabilidade
1

A
provada em dezembro de 2015 pela Desde os anos 1990, a ONU realiza um ciclo de
Assembleia Geral das Nações Unidas conferências voltadas para o desenvolvimento e,
(AGNU), a Agenda 2030 para o Desen- direta ou indiretamente, todas elas terminam por
volvimento Sustentável é um guia de ação se relacionar à urgência de reduzir desigualdades
estratégica para se atingir o desenvolvimento ou acabar com a pobreza.
econômico, social e ambiental nos 193 paí-
ses que a subscreveram. A Agenda 2030, que Na Cúpula do Milênio, realizada em 2000,
inclui os 17 Objetivos de Desenvolvimento os Estados-membros da ONU se comprome-
Sustentável (ODS) e suas 169 metas, colo- teram a “não medir esforços para libertar nos-
ca a dignidade e a igualdade das pessoas no sos semelhantes, homens, mulheres e crian-
centro do desenvolvimento. O último objeti- ças das condições abjetas e desumanizantes
vo trata dos mecanismos de implementação da extrema pobreza, a que mais de um bilhão
dos ODS, com ênfase nas parcerias mul- [de pessoas] estão atualmente sujeitas”. Esse
tissetoriais que mobilizem e compartilhem compromisso foi reforçado em setembro de
conhecimento, expertise, tecnologia e re- 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre De-
cursos financeiros, sobretudo para os países senvolvimento Sustentável, quando os países
em desenvolvimento. assumiram um acordo mais amplo, o de aca-
bar com a pobreza em todas as suas formas
Para a Organização das Nações Unidas e dimensões.
(ONU), desenvolvimento sustentável é o mo-
delo que busca suprir as necessidades atuais Assim, na Agenda 2030, há incentivos para
sem comprometer a capacidade de as futu- que, além do compromisso geral de erradica-
ras gerações atenderem as suas próprias exi- ção da miséria, os países sejam mais ambicio-
gências. Seu alcance depende do equilíbrio sos e não se limitem a promover o aumento da
entre o crescimento econômico, a inclusão renda monetária dos mais pobres, mas procu-
social e a proteção ao meio ambiente. No rem superar todas as demais privações decor-
contexto da Agenda 2030, o desenvolvimen- rentes da pobreza.
to sustentável demanda ainda a combinação
de três fatores: i) erradicação da pobreza em Ao compartilharem um conceito mais
todas as suas formas e dimensões; ii) pro- abrangente sobre pobreza, os países se pro-
moção da prosperidade compartilhada; e iii) põem a dar um passo além daqueles que
gestão integrada e sustentável dos recursos foram dados pelos Objetivos de Desenvol-
naturais e dos ecossistemas. vimento do Milênio (ODMs), cuja meta era
reduzir a pobreza extrema pela metade até
Acabar com a pobreza é uma aspiração que 2015. A pobreza multidimensional, conforme
está contida nos objetivos da ONU desde sua cria- referida nos ODS, dialoga fortemente com o
ção, em 1945. O primeiro parágrafo da Carta das conceito descrito no documento Os princí-
Nações Unidas traz a determinação de “promover pios orientadores sobre a pobreza extrema e
o progresso social e melhores condições de vida os direitos humanos,2 que a define como um
dentro de uma liberdade ampla”, e de “empregar fenômeno que engloba não apenas a falta de
um mecanismo internacional para promover o renda, mas também a ausência de capacida-
progresso econômico e social de todos os povos”. des básicas para a vida com dignidade.

148
Erradicar a pobreza e reduzir as desigualda- riqueza for compartilhada e a desigualdade de
des são processos constitutivos da promoção renda for combatida”.
da prosperidade, tanto como valores em si mes-
mos quanto como instrumentos para outros
fins. Em seu conjunto, as metas dos ODS reco-
Gestão integrada e sustentável dos
nhecem e reforçam isso, lembrando a todos que recursos naturais e dos ecossistemas
não é possível chegar às sociedades almejadas
Segundo o entendimento da Agenda 2030, a
apenas pela via do crescimento econômico.
gestão integrada e sustentável dos recursos
Sem ações coordenadas que envolvam as três
naturais e dos ecossistemas dialoga com a
perspectivas – econômica, social e ambiental –,
determinação de se tomarem medidas trans-
não será possível alcançar o desenvolvimento
formadoras e urgentes para direcionar o
sustentável. É assim que no âmbito dos ODS o mundo a um caminho sustentável e solidário.
objetivo de erradicar a pobreza representa uma Reforça a necessidade de se começar ime-
oportunidade para repensar a relação da pobre- diatamente a implementação de um modelo
za, em suas múltiplas dimensões e com o atual de desenvolvimento diferente, em que o uso
modelo global de desenvolvimento, que exclui da tecnologia considere as mudanças climá-
da prosperidade milhões de pessoas e inúmeras ticas, respeite a biodiversidade e seja resilien-
nações em desenvolvimento. te – o que implica a imediata transformação
das políticas de desenvolvimento que tenham
Prosperidade compartilhada como base a exaustão dos recursos do plane-
ta, comprometendo, por conseguinte, a vida
A promoção da prosperidade compartilhada
das gerações futuras. Desvincular o cresci-
no contexto dos ODS remete à necessidade
mento econômico da degradação ambiental
de compartilhar o desenvolvimento humano
é condição fundamental para romper com a
com todos, de disseminar os frutos do pro-
trajetória de um estilo de desenvolvimento
gresso tecnológico e de alargar as liberdades e
que destrói a natureza ao utilizar padrões
capacidades individuais. Para a Agenda 2030, insustentáveis de recursos ao mesmo tem-
alcançar a prosperidade é assegurar que todos po em que deixa grande parte da população
os seres humanos tenham acesso aos frutos vivendo na extrema pobreza.
do desenvolvimento econômico e que possam
desfrutar de uma vida próspera e de plena rea- Desenvolvimento com sustentabilidade
lização pessoal. Significa assegurar que todas ambiental é, ressalta a Agenda 2030, econo-
as pessoas, incluindo mulheres, pessoas com micamente viável, pois se baseia no princípio
deficiência, jovens, idosos e imigrantes, da eficiência na utilização de recursos, o que
tenham trabalho decente, proteção social reforça a expansão econômica e contribui
adequada e acesso a serviços financeiros. para criar empregos, acabar com a pobreza e
proteger a natureza. A adaptação às mudan-
Compartilhar a prosperidade é, em última ças climáticas e a sua mitigação são necessi-
instância, um imperativo ético e político que dades explícitas nos ODS por seus impactos
reconhece o direito universal às inovações nos na saúde pública, na segurança alimentar e
mais diversos campos do conhecimento – infraes- hídrica, na migração, na paz e na segurança.
trutura, saneamento básico, saúde, educação, Investimentos em desenvolvimento sustentável
Sustentabilidade

comunicação – para se reduzir o esforço por podem contribuir para o combate à mudança
uma vida digna. De acordo com o Documento do clima, com a redução das emissões de
da Agenda 2030, o “crescimento econômico gases de efeito estufa (GEEs), e para o for-
sustentado, inclusivo e sustentável é essencial talecimento da resiliência – ou seja, a capaci-
para a prosperidade e isso só será possível se a dade de resistir a riscos naturais e desastres.

149
Os 17 Objetivos O desenvolvimento sustentável exige a rea-
lização de todos os 17 ODS de forma integrada
O documento da Agenda 2030 destaca tam- e complementar. No entanto, sua complexida-
bém que os temas dos 17 ODS precisam ser de não desobriga os países de analisarem pro-
analisados a partir das quatro perspectivas do fundamente cada um deles e acompanharem o
desenvolvimento sustentável: social, econômi- cumprimento de suas metas para quantificação
ca, ambiental e institucional. Todos são cor- de avanços e correção de eventuais desvios,
relacionados e têm como base o princípio da mantendo-se assim a direção rumo à prosperi-
indivisibilidade dos direitos humanos – ou seja, dade compartilhada. Os 193 países signatários da
nenhum direito humano pode ser integralmente Agenda 2030 devem, também, avaliar se a via de
implementado sem que os outros direitos tam- implementação escolhida está adequada em rela-
bém o sejam. Por exemplo, o cidadão perde ção às questões sistêmicas – coerência política e
seu direito civil de ir e vir se residir em local sem institucional e quanto às parcerias multissetoriais
infraestrutura de transporte ou se não tiver público-privada e com a sociedade civil.
renda suficiente para pagar o transporte pú-
blico disponível. Ou perde o direito à saúde se Na tabela 1, é possível observar que, dos dezes-
não tiver acesso a uma alimentação adequada. sete objetivos, seis estão mais relacionados com a
dimensão social (os de número 1, 3, 4, 5, 10 e 16), três
Para cumprir o princípio da indivisibilidade com a dimensão econômica (8, 9 e 12) e sete com a
dos direitos humanos, os ODS exigem a reali- dimensão ambiental (2, 6, 7, 11, 13, 14 e 15). O ODS 17
zação prática dos direitos econômicos, sociais trata da dimensão institucional do desenvolvimento
e culturais tanto em países desenvolvidos como sustentável e remete à necessidade de serem ado-
nos países em desenvolvimento. Ao estabelece- tadas estratégias e políticas adequadas quanto ao
rem metas e prazos, tentam romper o adiamento uso de recursos disponíveis e de outros meios fun-
indeterminado da universalização dos benefícios. damentais para a implementação dos objetivos.

Tabela 1
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), segundo as dimensões do desenvolvimento sustentável
Dimensões do desenvolvimento sustentável Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

ODS 1 – Acabar com a pobreza em todas as suas formas


ODS 3 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e
melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável
Dimensão social ODS 4 – Assegurar educação de qualidade
ODS 5 – Alcançar a igualdade de gênero
ODS 10 – Reduzir as desigualdades
ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes
ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico
Dimensão econômica ODS 9 – Indústria, inovação e infraestrutura
ODS 12 – Consumo e produção responsáveis
ODS 2 – Fome zero e agricultura sustentável
ODS 6 – Água potável e saneamento
ODS 7 – Energia limpa e acessível
ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima
Dimensão ambiental
ODS 11 – Tornar cidades e assentamentos sustentáveis
ODS 14 – Conservar oceanos, mares e recursos marinhos
ODS 15 – Proteger, recuperar e promover o uso sustentável
dos ecossistemas terrestre.
ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar
Dimensão institucional
a parceria global para o desenvolvimento sustentável
Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Elaboração: Ipea.

150
Os eixos brasileiros infantil e do tráfico de pessoas. Reco-
menda atenção especial ao trabalho de
Os ODS definem prioridades e alvos mun- grupos sociais específicos (mulheres,
diais de desenvolvimento sustentável a pessoas com deficiência e jovens) e ao
serem alcançados até 2030 e buscam incentivo do turismo sustentável. Sua
mobilizar esforços em torno de um amplo meta é alcançar o pleno emprego e tra-
conjunto de metas comuns. Por cobrirem um balho decente para todos até 2030.
conjunto amplo e diversificado de temas, os
ODS podem ser utilizados como um marco  ntre as metas do ODS 8 que mais se
E
geral para orientar as estratégias, as metas, relacionam com o Eixo 1, destacam-se
os programas e as ações de governos, de as seguintes:
empresas e da sociedade civil.
-- Meta 8.1: “sustentar o crescimento
É importante destacar que os três eixos que econômico per capita, de acordo
orientam o futuro do desenvolvimento brasileiro, com as circunstâncias nacionais e,
definidos no documento Desafios da Nação – em particular, o crescimento anual
dobrar a renda real por habitante dos brasileiros, de pelo menos 7% do produto in-
reduzir as desigualdades sociais e desenvolver terno bruto nos países de menor
tecnologias críticas –, se relacionam de forma es- desenvolvimento relativo”.
treita com os ODS, por serem considerados temas
altamente prioritários para a Agenda 2030, como -- Meta 8.4: “melhorar progressiva-
sustentabilidade ambiental, financiamento do de- mente, até 2030, a eficiência dos
senvolvimento, ampliação dos direitos à saúde e à recursos globais no consumo e na
educação, energia, políticas de inovação e tecno- produção, e empenhar-se para
logia, infraestrutura e logística, entre outros. dissociar o crescimento econô-
mico da degradação ambiental,
•  ixo 1 – Retomar o crescimento econô-
E
de acordo com o ‘Plano Decenal
mico e dobrar a renda real per capita
de Programas sobre Produção e
no Brasil
Consumo Sustentáveis’, com os
Este desafio exigirá grande esforço da eco- países desenvolvidos assumindo
nomia brasileira. É uma aposta na qualifica- a liderança”.
ção das pessoas e na melhoria da qualidade
do investimento, para que sejam gerados -- Meta 8.6: “até 2020, reduzir subs-
trabalho decente e empregos sustentáveis. tancialmente a proporção de jo-
A questão, definida como Eixo 1, perpassa vens sem emprego, educação ou
vários ODS, e encontra um marco de ação formação”.
comum de prioridades mais próximas às
metas do ODS 8. -- Meta 8.9: “até 2030,” elaborar e
 rabalho e crescimento econômico são
T “implementar políticas para pro-
a principal preocupação deste objeti- mover o turismo sustentável, que
vo, e suas metas visam ao crescimento gera empregos, promove a cultura
sustentável pelo aumento dos níveis de e os produtos locais”.
produtividade e pela inovação tecnoló-
Sustentabilidade

gica. Também apostam na promoção -- Meta 8.10: “fortalecer a capacidade


de políticas que estimulem o espírito das instituições financeiras nacio-
empresarial e a criação de empregos de nais para incentivar a expansão do
qualidade, bem como a erradicação do acesso aos serviços bancários”, de
trabalho forçado e escravo, do trabalho seguros e financeiros.

151
•  ixo 2 – Promover a inclusão social
E  seguir, as metas de ODS para 2030
A
com o seu propósito maior de reduzir que apresentam mais estreita relação
as desigualdades sociais com o Eixo 2:
 eixo que trata da inclusão social e
O
da redução das desigualdades é o que
-- Meta 1.1: “(...) erradicar a pobreza
extrema para todas as pessoas em
mais dialoga com a Agenda 2030, e os
todos os lugares, atualmente me-
ODS mais relacionados com a dimen-
dida como pessoas vivendo com
são social do desenvolvimento susten-
menos de US$ 1,25 [PPC] por dia”.
tável são os objetivos 1, 3, 4, 5, 10 e 16.
Destaque-se a similitude de propósitos -- Meta 1.2: “(...) reduzir pelo menos
entre este eixo e o ODS 1, que, segun- à metade a proporção de homens,
do a Agenda, é o maior desafio global, mulheres e crianças, de todas as
uma vez que a grande prioridade do
idades, que vivem na pobreza, em
desenvolvimento sustentável são os
todas as suas dimensões, de acor-
mais pobres e vulneráveis, a ponto de
do com as definições nacionais”.
um dos slogans da Agenda 2030 ser
“Ninguém será deixado para trás”. -- Meta 1.3: “implementar, em nível
 uanto à linha de pobreza monetária,
Q nacional, medidas e sistemas de
medida pelo ODS em US$ 1,25 paridade proteção social” adequados, “para
de poder de compra (PPC) por dia, o Brasil todos, incluindo pisos, e (...) atingir
encontra-se em posição bastante satis- a cobertura substancial dos po-
fatória. Se o desempenho das últimas bres e vulneráveis”.
décadas for mantido, esta meta pode ser
Também o ODS 10, que trata da redu-
alcançada bem antes do prazo final. No
ção das desigualdades, mantém inten-
entanto, na Agenda 2030 há incentivos
sa ressonância com o Eixo 2 da publi-
para que, além do compromisso geral de
cação Desafios da Nação, em especial
erradicação da miséria, os países sejam
as metas a seguir:
mais ambiciosos e não se limitem a pro-
mover o aumento da renda monetária -- Meta 10.1: “até 2030, progressi-
dos mais pobres, mas procurem superar vamente alcançar e sustentar o
todas as demais privações decorrentes crescimento da renda dos 40% da
da pobreza. Os principais desafios para população mais pobre a uma taxa
o Brasil e, também, para muitos outros
maior que a média nacional”.
países em condições similares, residem,
justamente, no tratamento multidimen- -- Meta 10.2: “até 2030, empoderar e
sional do primeiro ODS. promover a inclusão social, econô-
econhecer a multidimensionalidade
R mica e política de todos, indepen-
da pobreza e sua articulação com as di- dentemente de idade, sexo, defi-
versas privações sociais é tarefa muito ciência, raça, etnia, origem, religião,
mais difícil. No Brasil, em especial, isto é condição econômica ou outra”.
mais nítido quando se compara o rápido
progresso contra a pobreza extrema -- Meta 10.3: “garantir a igualdade de
monetária e a lenta expansão de outras oportunidades e reduzir as desigual-
esferas do desenvolvimento – como dades de resultado, inclusive por
infraestrutura em transporte, energia meio da eliminação de leis, políticas e
e saneamento básico –, que poderiam práticas discriminatórias e promover
melhorar a capacidade produtiva do legislação, políticas e ações adequa-
país e a qualidade de vida da população. das a este respeito”.

152
-- Meta 10.4: “adotar políticas, espe- e, entre suas metas, destacam-se, como
cialmente fiscal, salarial e de pro- as de maior correlação com este eixo:
teção social, e alcançar progressi-
vamente maior igualdade”. -- Meta 9.4: “até 2030, modernizar a
infraestrutura e reabilitar as indús-
•  ixo 3 – Desenvolver tecnologias críti-
E trias para torná-las sustentáveis,
cas que possibilitem a inserção inter- com eficiência aumentada no uso
nacional virtuosa e gerem emprego de de recursos e maior adoção de
melhor qualidade tecnologias e processos industriais
 inalmente, o Eixo 3 reconhece a ino-
F limpos e ambientalmente adequa-
vação como chave dos ganhos de pro- dos”, para que todos os países
dutividade das empresas e de geração possam atuar “de acordo com suas
de trabalho qualificado, o que se rela- respectivas capacidades”.
ciona de forma direta com os ODS 8, 9
e 12. O ODS 8 estimula o crescimento -- Meta 9.5: “fortalecer a pesquisa
sustentável por meio de maior produti- científica, melhorar as capacidades
vidade e inovação tecnológica e, entre tecnológicas de setores industriais,”
suas metas, destacam-se: (...) “particularmente nos países
em desenvolvimento, inclusive, até
-- Meta 8.1: “sustentar o crescimento 2030, incentivando a inovação e au-
econômico per capita, de acordo mentando substancialmente o nú-
com as circunstâncias nacionais mero de trabalhadores de pesquisa
e, em particular, pelo menos um e desenvolvimento por milhão de
crescimento anual de 7% do pro- pessoas e os gastos público e priva-
duto interno bruto nos países de do em pesquisa e desenvolvimento”.
menor desenvolvimento relativo”.
-- Meta 9.a: “facilitar o desenvolvi-
-- Meta 8.2: “atingir níveis mais ele- mento de infraestrutura sustentável
vados de produtividade das eco- e robusta em países em desenvol-
nomias, por meio da diversifica- vimento, por meio de maior apoio
ção, modernização tecnológica e financeiro, tecnológico e técnico
inovação,” com foco também “em aos países africanos, aos países de
setores de alto valor agregado e menor desenvolvimento relativo,
intensivos em mão de obra”. aos países em desenvolvimento
sem litoral e aos pequenos Estados
-- Meta 8.3: “promover políticas orien- insulares em desenvolvimento”.
tadas para o desenvolvimento, que
apoiem as atividades produtivas, -- Meta 9.b: “apoiar o desenvolvi-
geração de emprego decente, o mento tecnológico, a pesquisa e a
empreendedorismo, a criatividade inovação nacionais nos países em
e inovação, e incentivar a formaliza- desenvolvimento,” (...) “garantin-
ção e o crescimento das micro, pe- do um ambiente político propício
quenas e médias empresas”, incluin- para, entre outras coisas, diversi-
ficação industrial e agregação de
Sustentabilidade

do o “acesso a serviços financeiros”.


valor às commodities”.
 ODS 9 ressalta que os investimentos
O
em infraestrutura e em inovação são con- -- Meta 9.c: “aumentar significati-
dições básicas para o crescimento econô- vamente o acesso às tecnologias
mico e para o desenvolvimento dos países de informação e comunicação e

153
empenhar-se para procurar, ao -- Meta 12.a: “apoiar países em
máximo”, que esse acesso seja desenvolvimento para que for-
universal, com preços de internet taleçam suas capacidades cien-
acessíveis também aos países me- tíficas e tecnológicas rumo a
nos desenvolvidos, até 2022. padrões mais sustentáveis de
O ODS 12 chama atenção para neces- produção e consumo”.
sidade das mudanças nos padrões de
consumo e de produção para o alcance
-- Meta 12.b: “desenvolver e imple-
mentar ferramentas para monitorar
do desenvolvimento econômico, social
os impactos do desenvolvimento
e sustentável. Suas metas buscam al-
sustentável para o turismo susten-
cançar a promoção da eficiência do uso
tável que gera empregos, promove
de recursos energéticos e naturais, da
a cultura” e a produção local.
infraestrutura sustentável, do acesso a
serviços básicos. E prevê a responsa- Os ODS são interdependentes e interliga-
bilização dos consumidores de recursos dos. Assim, segundo a análise realizada neste
naturais como uma medida importante texto, citá-los e mencionar as metas mais rela-
para o alcance de padrões mais sus- cionadas com os eixos definidos na publicação
tentáveis de produção e consumo. En- do Ipea Desafios da Nação consiste em elabo-
tre suas metas, destacam-se, a seguir, rar simplificações que buscam chamar a aten-
aquelas que explicitam mais claramente ção para as similitudes das preocupações de
as questões relacionadas ao desenvolvi- ambos os documentos.
mento de tecnologias críticas e à gera-
ção de emprego de qualidade: De maneira resumida, este texto chama
atenção para as similitudes entre as preocu-
-- Meta 12.8: “incentivar as empresas, pações de ambos os documentos – a Agenda
especialmente as grandes e trans- 2030 e o Desafios da Nação – entre os quais
nacionais, a adotar práticas sus- existe grande inter-relação.
tentáveis e a integrar informações
de sustentabilidade em seu ciclo
de relatórios”.
Tabela 2
Relação entre os ODS e os eixos do Desafios da Nação
ODS relacionados direta e indiretamente com os eixos do
Eixos do documento Desafios da Nação
documento Desafios da Nação

Eixo 1 – Retomar o crescimento econômico e dobrar a renda real


por habitante dos brasileiros

Eixo 2 – Promover a inclusão social com o seu propósito maior de


reduzir as desigualdades sociais

Eixo 3 – Desenvolver tecnologias críticas que possibilitem a inserção


internacional virtuosa e gerem emprego de melhor qualidade

154
Notas

I. Crescimento Econômico 3. Ver CARVALHO, C. C. Efeitos adversos da


legislação do seguro-desemprego: evidên-
1. Este capítulo se baseia em CAVALCANTI, M. A. cias sobre o Brasil. Dissertação (Mestrado)
F. H.; SOUZA JÚNIOR, J. R. C. Como Retomar o – Faculdade de Economia, Administração e
Crescimento Acelerado da Renda Per Capita Contabilidade, Universidade de São Paulo,
Brasileira? Uma visão agregada. In: DE NEGRI, São Paulo, 2017; e GONZAGA, G.; PINTO,
J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). R. C. Rotatividade do trabalho e incentivos
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: da legislação trabalhista. In: BONELLI, R.;
Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabelas, gráfi- VELOSO, F. (Orgs.). Panorama do Mercado
cos e passagens literais desse texto. de Trabalho no Brasil. [s.l.]: FGV, 2014.

II. Regime Fiscal IV. Reforma da Previdência


1. Este capítulo se baseia em SOUZA JÚNIOR, J. 1. Este capítulo se baseia em CONSTANZI, R. N.
R. C.; CAVALCANTI, M. A. F. H.; LEVY, P. M. Re- et al. Reforma da Previdência Social. In: DE
gime Fiscal para o Crescimento Sustentado; e NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R.
REZENDE, F. Reforma Orçamentária e Conso- (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio.
lidação Fiscal. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabe-
C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: las, gráficos e passagens literais desse texto.
artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018. Pode,
assim, conter tabelas, gráficos e passagens 2. Ver COSTANZI, R. N.; ANSILIERO, G. Impac-
literais desse texto. to fiscal da demografia na previdência
social. Brasília: Ipea, 2017. (Texto para
2. HEYLEN et al. Government efficiency, ins- Discussão n. 2291); COSTANZI, R. N.;
titutions, and the effects of fiscal consoli- ANSILIERO, G. Relação entre valor dos be-
dation on public debt. European Journal of nefícios previdenciários e massa salarial
Political Economy, v. 31, p. 40-59, 2013. dos trabalhadores ocupados: implicações
para a sustentabilidade previdenciária.
III. Mercado de Trabalho
Brasília: Disoc/Ipea, jan. 2017. (Nota Téc-
nica, n. 32).
1. Este capítulo se baseia em CAMPOS, A. G.
et al. Instituições Trabalhistas e Produtividade 3. Ver CONSTANZI, R. N. Estrutura demográfica
do Trabalho: uma análise do caso brasileiro. In: e despesa com previdência: comparação do
DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. brasil com o cenário internacional. Boletim
(Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. de Informações FIPE, n. 423, dez. 2015.;
Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabe- COSTANZI, R. N.; ANSILIERO, G. Impacto fis-
las, gráficos e passagens literais desse texto. cal da demografia na previdência social.
Brasília: Ipea, 2017a. (Texto para Discussão,
2. CAMPOS, A. G. Justiça do trabalho e produ- n. 2.291).
tividade no Brasil: checando hipóteses dos
anos 1990 e 2000. Brasília: Ipea, 2017.
(Texto para Discussão).
4. COSTANZI, R. Reforma da previdência e mer- 2. TAFNER, P. (Ed.). Brasil: o Estado de uma na-
cado de trabalho. Brasília: Disoc; Ipea, abr. ção – mercado de trabalho, emprego e infor-
2017b. (Nota Técnica); e COSTANZI, R. N.; malidade. Rio de Janeiro: Ipea, 2006.
ANSILIERO, G. Impacto fiscal da demogra-
fia na previdência social. Brasília: Ipea, 3. Disponível em: <https://goo.gl/Xn4X8M>.
2017a. (Texto para Discussão n. 2291).
VIII. Educação Superior
V. Reforma Tributária
1. Este capítulo se baseia em SCHWARTZMAN,
1. Este capítulo se baseia em ORAIR, R.; GOBET- S. Perspectivas para a Educação Superior
TI, S. Reforma Tributária: princípios norteado- no Brasil. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.;
res e propostas para debate. In: DE NEGRI, BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação:
J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018. Pode,
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: assim, conter tabelas, gráficos e passagens
Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabelas, grá- literais desse texto.
ficos e passagens literais desse texto.
2. Ver discussão em SCHWARTZMAN, S.
2. JOHANSSON, A. et al. Taxation and econo- Perspectivas para a educação superior no
mic growth. Paris: Economics Department, Brasil. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.;
Organisation for Economic Co-operation and BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação:
Development, 2008. (Working Paper, n. 620). artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.

3. Ver FRANCIS, A.; TANNURI-PIANTO, M. E.


VI. Financiamento do Desenvolvimento
The redistributive equity of affirmative ac-
1. Este texto se baseia em DE NEGRI, J. et al. tion: exploring the role of race, socioeco-
Financiamento do Desenvolvimento no Bra- nomic status, and gender in college admis-
sil. In: DE NEGRI, J. A., ARAÚJO, B. C.; BACE- sions. Economics of Education Review, v.
LETTE, R. (Orgs.). Desafios da nação: arti- 31, p. 45-55, 2012; e VILELA, L.; MENE-
gos de apoio. Brasília: Ipea, 2018, podendo ZES-FILHO, N.; TACHIBANA, T. Y. As cotas
conter tabelas, gráficos e passagens literais nas universidades públicas diminuem a
desse texto. qualidade dos alunos selecionados? Si-
mulações com dados do Enem. [s.l.]: Ins-
2. SILVA, N.; ZILBERMAN, E. Impactos macroe- per: Centro de Políticas Públicas, 2016.
conômicos da expansão do crédito no Brasil: (Policy Paper, n. 16).
o período 2001-2011. In: ENCONTRO NA-
CIONAL DE ECONOMIA – ANPEC, 44., Foz do 4. Ver BOTELHO, V.; PESSOA, S. Financiamen-
Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: ANPEC, 2016. to estudantil no Brasil: como definir susten-
tabilidade? Radar: tecnologia, produção e
3. SILVA, N. Três ensaios em desenvolvimento comércio exterior, v. 46, ago. 2016; e NAS-
econômico. 2016. Tese (Doutorado) – Pro- CIMENTO, P. A. M. M.; LONGO, G. F. Qual o
grama de Pós-Graduação em Economia da custo implícito do Fies para o contribuinte
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2016. brasileiro? Radar: tecnologia, produção e
comércio exterior, v. 46, ago. 2016.
VII. Educação Básica
5. NASCIMENTO, P. A. M. M. Compartilha-
1. Este capítulo se baseia em TAFNER, P. Educa- mento de custos e crédito estudantil
ção Básica no Brasil: evolução recente, fragi- contingente à renda: possibilidades e
lidades, impasses e desafios. In: DE NEGRI, limitações de aplicações para o Brasil.
J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Brasília: Ipea, ago. 2016. (Texto para
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília: Discussão, n. 2220).
Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabelas,
gráficos e passagens literais desse texto.

156
IX. S
 aúde ções. Brasília: Ipea, 2016. (Relatório de
Pesquisa). Disponível em: <https://goo.gl/
1. Este capítulo se baseia em ANDRADE, M. V. et wYcXQu>.
al. Desafios do Sistema de Saúde Brasileiro. In:
DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. 3. BRANDÃO, L. Um Modelo Dinâmico de Apre-
(Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio. çamento e Alocação de Riscos em Projetos de
Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabe- Infraestrutura: uma proposta de redesenho
las, gráficos e passagens literais desse texto. dos modelos de concessão e mecanismos de
mitigação de risco. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚ-
X. Risco regulatório JO, B. C.; BACELETTE, R. Desafios da nação:
artigos de apoio. Brasília: Ipea, 2018.
1. Este capítulo se baseia em PECI, A. et al. Ris-
co Regulatório e Efeitos sobre Investimentos: 4. Estimativas baseadas em CAMPOS NETO, C.
uma agenda de melhoria regulatória e de for- A. S.; CONCEIÇÃO, J. C. P. R.; ROMMINGER, A.
talecimento da governança institucional. In: E. Impacto da infraestrutura de transportes
DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. sobre o desenvolvimento e a produtividade
no Brasil. In: DE NEGRI, J. A.; CAVALCANTE,
(Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio.
L. R. Produtividade no Brasil: desempenho
Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabe-
e determinantes. Brasília: ABDI; Ipea, 2015.
las, gráficos e passagens literais desse texto.

2. Ver GAZZOLA, A. G. O ambiente regulatório


XII.Pesquisa e Inovação
e o seu impacto sobre a rentabilidade das
1. Este capítulo se baseia em DE NEGRI, F.;
firmas: uma análise empírica. Dissertação
RAUEN, A. T.; SQUEFF, F. H. S. Ciência, Ino-
(Monografia) − Instituto Brasileiro de Merca- vação e Produtividade: por uma nova ge-
dos de Capitais, Rio de Janeiro, 2016. ração de políticas públicas. In: DE NEGRI,
3. Ver ROCHA, K.; MOREIRA, A.; SILVEIRA, M. O J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.).
Desafios da nação: artigos de apoio. Brasília:
fluxo de capital para as economias emergen-
Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabelas,
tes e o grau de desenvolvimento do sistema
gráfi­cos e passagens literais desse texto.
financeiro. Estudos Econômicos, São Paulo,
v. 47, n. 2, p. 235-257, jun. 2017. XIII. Petróleo e Gás
4. Ver ROCHA, K. et al. Caminhos para o Inves-
1. Este capítulo se baseia em MORAIS, J. M.
timento Privado nas Economias Emergen- A Crise no Setor de Petróleo e Gás Natural no Bra-
tes: as Características Institucionais e os sil e as Ações para o Retorno dos Investimentos.
Spreads Corporativos. Brasília: Ipea, 2014. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE,
(Texto para Discussão, n. 1978). R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio.
Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim, conter tabelas,
XI. Modelo de Concessões gráficos e passagens literais desse texto.

1. Este capítulo se baseia em POMPERMAYER, XIV. Energias Renováveis


F. M. Modelos de Concessão para Infraestru-
tura e Logística. In: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, 1. Este capítulo se baseia em LOSEKANN, L.;
B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desafios da HALLACK, M. Novas Energias Renováveis no
nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea, Brasil: desafios e oportunidades. In: DE
2018. Pode, assim, conter tabelas, gráficos NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE,
e passagens literais desse texto. R. (Orgs.). Desafios da nação: artigos de
apoio. Brasília: Ipea, 2018. Pode, assim,
Notas

2. GOMIDE, A. et al. Condicionantes institu- conter tabelas, gráficos e passagens literais


cionais a execução do investimento em desse texto.
infraestrutura: achados e recomenda-

157
2. Ver FERREIRA, W. Energia eólica no Brasil: 3. ARAÚJO, B. C.; SALERNO, M. S. Padrões
impactos da política de conteúdo local. Tese tecnológicos e aprendizado de exportação:
(Doutorado) – Universidade Federal Flumi- o caso das firmas industriais brasileiras
nense, Niterói, [s.d.]. disponível em: <ht- (2006-2008). In: DE NEGRI, F.; CAVALCANTE,
tps://goo.gl/L6DXTv>. L. R. Produtividade no Brasil: desempenho
e determinantes. Brasília: Ipea, 2015. v. 2.
XV. Inserção Internacional
4. FLORÊNCIO, S. A. L. et al. Inserção Econômica
1. Este capítulo se baseia em FLORÊNCIO, S. A. Internacional: comércio e investimentos. In:
L. et al. Inserção Econômica Internacional: DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R.
comércio e investimentos. In: DE NEGRI, J. A.; (Orgs.). Desafios da nação: artigos de apoio.
ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desa- Brasília: Ipea, 2018.
fios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea,
2018. Pode, assim, conter tabelas, gráficos e 5. Idem.
passagens literais desse texto.
XVI. Sustentabilidade
2. Conforme APEX BRASIL – AGÊNCIA BRASI-
1. Este capítulo se baseia em SILVA, E. R. A. Os
LEIRA DE PROMOÇÃO DE EXPORTAÇÕES E
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
INVESTIMENTOS. Resultados da pesquisa
e os Desafios da Nação. In: DE NEGRI, J. A.;
sobre internacionalização de empresas no ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Desa-
âmbito de Plano Nacional de Exportação. fios da nação: artigos de apoio. Brasília: Ipea,
Brasília: APEX Brasil, 2017. As preferências 2018. Pode, assim, conter tabelas, gráficos e
de destino não são excludentes. passagens literais desse texto.

158
Equipe Técnica

Foram responsáveis pela coordenação-geral e Paulo Sergio Braga Tafner


editoração do projeto Ricardo Bacelette
Roberta da Silva Vieira
João Alberto De Negri
Rodrigo Octávio Orair
Bruno César Araújo
Rodrigo Pucci de Sá e Benevides
Ricardo Bacelette
Rogério Nagamine Costanzi
Pesquisadores do Ipea que contribuíram com Sérgio Abreu e Lima Florêncio
Sérgio Francisco Piola
a coordenação e orientação dos trabalhos dos
Sergio Wulff Gobetti
consultores externos e na elaboração e conso-
lidação do documento final Pesquisadores externos ao Ipea que contribu-
Alexandre Gervásio de Sousa íram com documentos de apoio que subsidia-
Alexandre Messa Peixoto da Silva ram a elaboração do documento final
Aline Diniz Amaral
Alexandre Sérgio Alves Vieira
Ana Amélia Camarano
Alketa Peci
Anamélia Soccal Seyffarth
Ana Lucia Guedes
Andre Gambier Campos
André Tortato Rauen Anaely Machado
Bernardo Alves Furtado Carlos Américo Pacheco
Bruno César Araújo Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo
Carlos Henrique Leite Corseuil Carolina Lemos Rêgo
Edison Benedito da Silva Filho Cícero Rafael Barros Dias
Edvaldo Batista de Sá Claudio Frischtak
Enid Rocha Andrade da Silva Daniele Fernandes Carvalho
Fabiano Mezadre Pompermayer Dea Guerra Fioravante
Fabiola Sulpino Vieira Denise Leyi Li
Fernanda De Negri Eduardo Pontual Ribeiro
Fernando Rezende Frederick Fagundes Alves
Flávia de Holanda Schmidt Squeff Helio Zylberstein
Gabriel Godofredo Fiuza de Bragança João Mourão
Graziela Ansiliero José Roberto Rodrigues Afonso
João Alberto De Negri Kenya Noronha
Jose Mauro de Morais Leonardo Lima Gomes
José Ronaldo de Castro Souza Júnior Luciano Losekann
Katia Rocha Lucas Ferraz
Luís Fernando Tironi Luís Eduardo Afonso
Marco Antônio Freitas de Hollanda Cavalcanti Luiz Eduardo Teixeira Brandão
Miguel Nathan Foguel Marcelo Luiz Curado
Paulo Mansur Levy Marco Bonomo
Melina de Souza Rocha Lukic Gabriel Natale Pinto de Almeida
Michelle Carvalho Metanias Hallack Sérgio Pinto de Almeida
Mônica Viegas Andrade
Otávio José Guerci Sidone Foram pareceristas de artigos do projeto
Pedro Luiz Carvalho da Motta Veiga Alexandre de Avila Gomide
Raquel Rangel de Meireles Guimarães Alexandre Xavier Ywata de Carvalho
Ricardo Brito Bruno César Araújo
Rubens Antonio Barbosa Carlos Américo Pacheco
Samuel de Abreu Pessoa Carlos Mussi
Sergio Lazzarini Ernesto Lozardo
Simon Schwartzman João Alberto De Negri
Sonia Polónia Rios José Ronaldo de Castro Souza Júnior
Thiago Curado Lenita Maria Turchi
Vera Helena Thorstensen Regis Bonelli
Vilma da Conceição Pinto Ricardo Bacelette
Samuel de Abreu Pessoa
Consultores externos ao Ipea que contribuíram Sérgio Abreu e Lima Florêncio
na editoração, formulação e revisão do docu-
mento final
Cecília Zionia
Denise Natale

162
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea 2018

Desafios da nação, volume 1 / Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada,Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
– Brasília : Ipea, [2018].
162 p. : il., gráfs. color.
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-7811-306-3
1. Desenvolvimento Econômico e Social. 2. Estratégia de
Desenvolvimento. 3. Participação do Estado. 4. Brasil. I. Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada. II. Brasil. Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão.

CDD 338.981

Ficha catalográfica elaborada por Patricia Silva de Oliveira CRB-1/2031

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