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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA

COMARCA DE CAMPINA GRANDE


2ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA

Processo nº 001.2010.002.214-2
Promovente : Eliomar da Silva
Promovido : STTP – Superintendência de Trânsito

ANULAÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO. ALEGAÇÃO


DE AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. DESCABIMENTO.
INFRAÇÕES NOTIFICADAS AO ANTIGO
PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. RESPONSABILIDADE
DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO PELO PAGAMENTO
DAS MULTAS APLICADAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL

“O adquirente do veículo é responsável pelo


pagamento das multas, ainda que impostas quando se
encontrava registrado em nome do anterior
proprietário, pois o "gravame incide sobre o bem,
pouco importando a transferência de propriedade" o
adquirente do veículo é responsável pelo pagamento
das multas, ainda que impostas quando se encontrava
registrado em nome do anterior proprietário, pois o
"gravame incide sobre o bem, pouco importando a
transferência de propriedade"

O § 3 º, do artigo 257, fixa a responsabilidade pela


infração. Assim, os pontos negativos referentes ao ato
infracional devem ser registrados no nome do
condutor que infringiu as normas de trânsito.

Vistos.

ELIOMAR DA SILVA, alhures qualificado, por intermédio de advogado


regularmente constituído, forcejou AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO em desfavor de
STTP - SUPERINTENDÊNCIA DE TRÂNSITO E TRANSPORTES DE CAMPINA GRANDE,
igualmente identificada, colimando a desconstituição das multas de trânsito que foram anotadas em seu
desfavor.
Relatou, na inicial, o jejuno de notificação da infrações de trânsito CT 00206247606,
CT001101235535 e CT001211647030.

Asseverou, ainda, não poder ser responsabilizado por infrações praticadas pelo
antigo proprietário, uma vez que adquiriu o veículo em abril de 2007 e as infrações atacadas datam de
abril de 2007.
Documentos juntos, fls. 06/16.

Em sua peça defensiva, a STTP perseguiu o não acolhimento da pretensão autoral,


sob o argumento de que o autor não logrou êxito em comprovar não cometimento da infração de trânsito,
tendo ressaltado a legalidade do ato administrativo vergastado.

Intimadas as partes para especificação de provas, nada foi requerido.


Na audiência de instrução, nenhuma prova nova foi apresentada, tendo o autor e réu
pugnado pelo julgamento da lide.

Eis o breve relato. Passo a decidir.

Mérito
Embora nominada ação declaratória, cuida-se de ação anulatória, visando à
declaração de desconstituição de multas de trânsito em face do veículo de propriedade do promovente,
sob a alegação notificação serôdia, o que afeta a garantia do devido processo legal, a plenitude de
defesa e o contraditório.

A demandada alega efetivação da notificação do promovente. Invoca o disposto no


art. 131, § 2º do CTB que condiciona o emplacamento a quitação dos débitos relativos às multas de
trânsito.
O Código de Trânsito Brasileiro estabelece a necessidade de dupla notificação do
infrator para legitimar a imposição de penalidade de trânsito: a primeira por ocasião da lavratura do auto
de infração (CTB, art. 280, VI), e a segunda quando do julgamento da regularidade do auto de infração e
da imposição da penalidade (CTB, art. 281, caput).

Em virtude do amplo dissenso jurisprudencial acerca do alcance das normas acima


referidas o Colendo Superior Tribunal de Justiça, sumulou o seu entendimento, mediante a edição da
Súmula 312 que prevê:

"No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as


notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração."

Com efeito, da leitura do regramento supra, pode-se afirmar competir ao órgão de


trânsito responsável pela autuação à expedição das devidas notificações do infrator - a primeira
correspondente à lavratura do auto de infração e a segunda acerca da aplicação da penalidade, bem
como o ônus quanto à demonstração de que foram regularmente encaminhadas.

O regramento contido no art. 281, do CTB, giza:.

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste


Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e
aplicará a penalidade cabível.

Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado


insubsistente:

I - se considerado inconsistente ou irregular;

II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da


autuação. (Redação dada pela Lei nº 9.602, de 1998) (grifamos)

O dever de comunicar em tão pouco tempo a instauração do processo administrativo


visando à apuração da infração de trânsito, assim como toda regra decadencial, tem como escopo
conferir segurança jurídica aos supostos infratores. Com efeito, a demora é fator de insegurança para os
indivíduos que, porventura, não tenham transgredido a lei e precisem demonstrá-lo no âmbito do
processo administrativo.

Acerca da temática, leciona Nei Pires Mitidiero 1:

“O prazo de que trata o inciso II do parágrafo único do art. 281, CTB é decadencial,
porquanto apanha o direito de notificar da autuação da Administração Pública, com o
1
MITIDIERO, Nei Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 2ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. Pág.1.336
que, súbito, inviabiliza igualmente o seu direito de punir (uma vez que se inadmite,
dentro do ordenamento pátrio, julgar sem prévia oitiva do acusado). De conseguinte,
desconhece causas interruptivas e suspensivas e o seu termo final consome o direito,
banindo-o do ordenamento jurídico.”

Lado outro, sobre o prazo decadencial, a Resolução n o 363, de 28 de outubro de


2010, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, dispõe o seguinte:

“Art. 3º À exceção do disposto no § 5º do artigo anterior, após a verificação da


regularidade e da consistência do Auto de Infração, a autoridade de trânsito expedirá,
no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da data do cometimento da infração, a
Notificação da Autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar
os dados mínimos definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica.

§ 1º Quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracterizará pela


entrega da Notificação da Autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à
empresa responsável por seu envio.

§ 2º A não expedição da Notificação da Autuação no prazo previsto no caput deste


artigo ensejará o arquivamento do auto de infração.” (destaque meu)

Sobreleva da leitura do regramento contido no § 1º da Resolução


Contran nº 363/2010, que, quando for utilizada pelo órgão de trânsito a remessa
postal a expedição da notificação da autuação se concretizará quando o órgão de
trânsito entregar a notificação à empresa responsável por seu envio. Ou seja,
consoante à regra imposta pela resolução, o órgão de trânsito possui o prazo de 30
(trinta) dias contados da data do cometimento da infração para entregar a
notificação da autuação no correio. A ausência da entrega no correio no referido
prazo, implicará na decadência do direito de punir do Estado.

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE


INFRAÇÃO. NOTIFICAÇÃO. PRAZO. ART. 281,
PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CTB. NULIDADE.
RENOVAÇÃO DE PRAZO DO PROCEDIMENTO
ADMINISTRATIVO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
HONORÁRIOS. SÚMULA 7/STJ. RESTITUIÇÃO DE
VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS.
POSSIBILIDADE.

1. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) prevê


uma primeira notificação de autuação, para
apresentação de defesa (art. 280), e uma segunda
notificação, posteriormente, informando do
prosseguimento do processo, para que se defenda o
apenado da sanção aplicada (art. 281).

2. A sanção é ilegal, por cerceamento de defesa,


quando inobservados os prazos estabelecidos.

3. O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que


será arquivado o auto de infração e julgado
insubsistente o respectivo registro se não for expedida
a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso,
não havendo a notificação do infrator para defesa
no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do
direito de punir do Estado, não havendo que se falar
em reinício do procedimento administrativo.

4. Descabe a aplicação analógica dos arts. 219 e 220


do CPC para admitir seja renovada a notificação, no
prazo de trinta dias do trânsito em julgado da decisão
que anulou parcialmente o procedimento
administrativo.
5. A presente controvérsia teve solução quando do
julgamento do Recurso Especial 1.092.154/RS, de
relatoria do Ministro Castro Meira, submetido ao
regime dos recurso repetitivos.

6. O pagamento da multa imposta pela autoridade de


trânsito não configura aceitação da penalidade, nem
convalida eventual vício existente no ato
administrativo, uma vez que o próprio Código de
Trânsito Brasileiro exige o seu pagamento para a
interposição de recurso administrativo (art. 288) e
prevê a devolução do valor no caso de ser julgada
improcedente a penalidade (art. 286, § 2º)

7. Esta Corte tem decidido que, uma vez declarada a


ilegalidade do procedimento de aplicação da
penalidade, devem ser devolvidos os valores pagos,
relativamente aos autos de infração emitidos em
desacordo com a legislação de regência. Precedentes.

8. Conforme se depreende da análise do julgado (fls.


660/663), assiste razão aos recorrentes em relação
aos autos de infração de trânsito lavrados em flagrante
(ns. 311534B, 311903B, 214066B2 e 504813), pois
não foi respeitado o prazo para a defesa prévia imposto
pela norma legal.

9. Recurso especial provido.2

No caso dos autos, restou provado que o cometimento das infrações ocorreram no
período em que outro era o proprietário. No entanto, não merece guarida a alegação feita pelo da inicial
de que cabia somente a este a responsabilidade por aquelas.

Pois bem, compulsando os documentos que acompanharam a contestação, verifico


que as notificações foram remetidas e recebidas no endereço de ABELARDO TAVARES DE OLIVEIRA
(fls. 36/38), proprietário do veículo na época em que as infrações foram cometidas.

Cumpre ressaltar que a exigência ao pagamento das multas deveria ter ocorrido em
oportunidade anterior, ou seja, quando emitido o novo certificado de registro do veículo, e não só quando
o inconformado tentou licenciar seu veículo.
Nessa seara, carreio escólio doutrinário de Arnaldo Rizzardo 3:

[...]coloca-se expressamente a proibição de se expedir novo Certificado de Registro


se pendentes obrigações tributárias e multas aplicadas ao veículo. Mesmo que de
responsabilidade de proprietário anterior os encargos, veda-se o fornecimento do
certificado enquanto não saldados. [...] no pertinente a multa, a exigibilidade prévia é
um tanto relativa se não definitivamente constituídaa obrigação, isto é, se não
notificado da infração para o exercício da defesa, o proprietário. Prevendo a lei uma
regulamentação para transformar a penalidade em definitiva, unicamente depois de
obedecidos os trâmites torna-se a mesma exigível. De modo que,se não atendidos
tais trâmites quando da postulação do novo Certificado, não existe ainda dívida
formada, não podendo opor-se algum óbice para conseguir o documento. Denota-se
contudo dos autos que o antigo proprietário foi regularmente notificação (fl. 22), não
podendo, portanto sustentar que desconhecia da infração.

E segue

2
STJ- .(RESP 200700680243, Mauro Campbell Marques, STJ – Segunda Turma, DJE DATA:08/02/2011.(g.n.)
3
Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 5 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais. p.396.
“Enquanto não se der o pagamento do IPVA, das multas e outros encargos, não se
efetiva o licenciamento. (...) não se pode renovar licenciamento de veículo em débito
de multas. Para que seja resguardado o direito de defesa do suposto infrator,
legalmente assegurado, contudo é necessário que ele (infrator) seja devidamente
notificado [...] é o proprietário o responsável pelo pagamento (é evidente nos demais
casos de multa). Não interessa que outro tenha praticado, a menos que provada
alguma excludente de responsabilidade, como furto ou roubo. Em suma, pois,
perante o Poder Público titular do valor da multa, o proprietário é o obrigado. Contra
ele se promoverá a ação, na falta de pagamento no prazo assinalado)”.

In casu, ainda que o antigo proprietário tenha sido a pessoa que praticou as
infrações, não resta dúvida, de não ter verificado a existência do cometimento de infrações que viessem
a se tornar multas.

Sendo assim, ainda que nesta hipótese tenha-se conseguido a transferência de


propriedade sem encontrar óbice ao seu direito de adquirente, não a ré de, posteriormente, em um
segundo momento, exigir o pagamento das multas, uma vez que foi regularmente notificado daquelas, o
proprietário anterior.

Logo, observada a correta notificação ao antigo proprietário, inafastável é a


necessidade de o atual proprietário realizar os pagamentos das infrações para obter o licenciamento,
uma vez que, ao adquirir o bem, transmitiu todo ônus a ele inerente.

Desta feita, não há ato ilegal a ser combatido. Por conseguinte, não há que em
indenização por dano moral.

Por fim, em relação à pontuação em CNH decorrentes dos autos de infração


atacados neste processo, não podem ser anotados em desfavor do promovente, haja vista que a
infrações de trânsito foram praticadas por ABELARDO TAVARES DE OLIVEIRA, na condução do veículo
( § 3º, art. 257, CTB).

Mediantes tais considerações, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO


INICIAL, para determinar que a STTP-CG abstenha-se de anotar no prontuário do demandante a
pontuação oriunda dos autos de infração descritos na exordial. .
.
Tendo autor decaído de metade do seu pedido, deve arcar com 50% (cinquenta por
centos) dos honorários advocatícios e custas processuais, na mesma proporção. Ao réu caberá o
pagamento de 50 (cinquenta por cento) da verba honorária arbitrada.

Isento de custas o réu.

Suspensa a exequibilidade em relação ao promovente em face da gratuidade


processual deferida.

Após o decurso do prazo destinado ao oferecimento de recurso, remetam-se ao


TJPB.

Campina Grande, 02/08/2018.

Giovanna Lisboa Araujo de Souza


JUÍZA DE DIREITO

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