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LUDOTERAPIA: O JOGO E O BRINCAR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA COM A CRIANÇA

HISTÓRICO DA LUDOTERAPIA

Melanie Klein ao iniciar seu trabalho na década de 20, desenvolveu um novo instrumento de
trabalho: ¨a técnica do brincar¨. Por meio dessa técnica foi possível alcançar as fixações e
experiências mais profundamente recalcadas da criança e exercer uma influência importante em seu
desenvolvimento.
Na psicanálise infantil o brincar tomou forma e sentido, passou a ser visto e trabalhado como
técnica infantil, chamada de ludoterapia. Para a psicanálise infantil a palavra e o brincar da criança
devem ser resgatados em toda sua autenticidade. Essa abordagem vai além da concepção
cronológica e, objetiva revelar o que há de específico no infantil e na criança.
A Ludoterapia é uma técnica psicoterápica usada no tratamento dos distúrbios de conduta
infantis e, baseia-se no fato de que o brincar é um meio natural de auto-expressão da criança.
Podendo ser utilizada de forma individual ou grupal.
Visto que não se pode exigir de uma criança que faça associações livres, Melanie Klein tratou
o brincar como equivalente a expressões verbais, isto é, como expressão simbólica de seus conflitos
inconscientes.
Assim a Psicoterapia Infantil ajudaria a criança a resolver fixações e a elaborar situações
traumáticas do seu desenvolvimento.
A análise através do brincar mostra que o simbolismo possibilita à criança transferir não
apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos além de pessoas, ou
seja, muito alívio é possibilitado através do brincar. Podemos assim pensar que a criação, no uso da
criatividade através do brincar seria um viés sublimatório; forma encontrada pela criança de colocar
suas pulsões à mostra, expostas via objetos socialmente valorizados ou não.
Melanie Klein percebeu que o brincar da criança poderia representar simbolicamente suas
ansiedades e fantasias e, que estas brincadeiras possibilitam conhecer os significados latentes e
estabelecer correlações com situações experimentadas ou imaginadas por elas, fornecendo à cada
uma delas a possibilidade de elaborar tais situações; mas, parece ter sido Donald Woods Winnicott
o primeiro pós-freudiano a se debruçar sobre a real temática, como objeto de estudo específico.

A IMPORTÂNCIA DA LUDOTERAPIA NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS VÍTIMAS DA


VIOLÊNCIA

A análise infantil funda-se no princípio da catarse, uma vez que tenta explorar o mundo de
sentimentos e impulsos inconscientes como origem efetiva de todas as ações e reações observadas
nos pequenos pacientes.
E, embora a livre associação seja uma técnica aplicável na psicoterapia infantil, nem sempre
será possível fazer com que a criança venha a falar. Em razão disso, o analista deverá fazer uso de
jogos, brincadeiras, desenhos e análise de sonhos dos quais passaremos a tratar a partir de agora.

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A essa técnica que faz uso desse tipo de recursos deu-se o nome Ludoterapia, a qual, surgiu a
partir de estudos de Ana Freud e Melaine Klein, que analisavam as relações infantis e o processo de
transferência de informações, visando o tratamento psicológico.
Desde o método clínico de Klein e seus seguidores, que acentuava a importância do trabalho
exaustivo de interpretação em análise de crianças, visando à decodificação do significado da
brincadeira desenvolvida na sessão analítica, encontramos, atualmente, modelos teóricos que
ampliam ou alteram essas concepções originais.
Por meio deste método é possível ao terapeuta obter acesso às fixações e experiências mais
profundamente recalcadas da criança, o que lhe possibilitará exercer uma influência radical em seu
desenvolvimento.
No caso de crianças vítimas da violência, os objetos são providenciados especialmente com
esta finalidade e ajudam a analisar a violência sofrida pela criança e descobrir o agressor; é um
trabalho que pode ser desenvolvido com crianças a partir de dois anos de idade, visto que a partir
desta idade, já conseguem expor os fatos por meio das brincadeiras.
O terapeuta poderá fazer uso do psicodrama (que envolve essencialmente a brincadeira do
faz-de-conta, embora se utilize de todo tipo de brincadeira), transformando o brincar da criança em
tratamento.
Dentre as técnicas mais utilizadas estão o teatro espontâneo (desempenho de papéis sem texto
previamente definido), o monólogo (pensar alto enquanto desempenha um papel), o duplo (atribuir
fala a um outro personagem), entre outras.
O psicodrama auxilia as crianças na superação de obstáculos a seu desenvolvimento
emocional, através daquilo que ninguém lhes pode tirar – sua imaginação.
O fato é que por trás de toda agressão física há sempre um abuso psicológico, que inibe a
denúncia. Com a ludoterapia, a vítima é induzida a falar brincando, esquecendo das ameaças que
normalmente sofre e isso é muito bom para o profissional e para a própria criança – alegam os
especialistas.
“É somente a presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o
jogo seja plenamente transformador de angústias” (FERRO, 1995, p. 80).
Através do “brincar” a criança tem a possibilidade de vencer medos, angústias, traumas e tudo
aquilo que atinge sua sensibilidade. Porém, para se fazer psicoterapia, é necessário que o brincar
seja espontâneo.
E, além disso, a brincadeira além de refletir a forma de pensar e sentir da criança, onde ela
demonstra sua história vivida, favorece:
O desenvolvimento intelectual, O equilíbrio emocional, A comunicação, A criatividade e A
independência.

A CRIANÇA E O BRINCAR SEGUNDO VERA BARROS DE OLIVEIRA

Segundo a Psicóloga Infantil, Vera Barros Oliveira (2000), no brincar casam-se a


espontaneidade e a criatividade com a progressiva aceitação das regras sociais e morais; ou seja,
brincando a criança se humaniza, aprendendo a conciliar de forma efetiva a afirmação de si mesma
à criação de vínculos afetivos duradouros.

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Oliveira explica que brincando a criança elabora progressivamente o luto da perda relativa dos
cuidados maternos, assim como encontra forças e descobre estratégias para enfrentar o desafio de
andar com suas próprias pernas e pensar aos poucos com a própria cabeça, assumindo a
responsabilidade por seus atos.
Dessa forma, o brincar se constitui na ferramenta por excelência que a criança dispõe para
aprender a viver.
É no brincar que a criança encontra condições de desenvolver seu potencial já adquirido
geneticamente.
Segundo Oliveira, o brincar tem um papel importante na construção da inteligência e
equilíbrio emocional do bebê, contribuindo para sua integração com o meio em que vive e, até
mesmo para sua auto-afirmação.
Ela alega que as estruturas mentais, por serem orgânicas, só se desenvolvem mediante a
possibilidade de expressão e comunicação com o meio. E, complementa, dizendo: “o brincar ensina
a escolher, a assumir, a participar, a delegar e, a postergar”.
Oliveira esclarece que é a crença no retorno periódico da mãe, que alimenta, protege, aquece,
conversa e brinca, que dá forças ao bebê para suportar sua ausência. E, que o caráter ondulatório e
cíclico de sua atividade lúdica, com temas opostos como vimos, expressa simbolicamente que está
aprendendo a esperar e a suportar a tensão e a frustração da separação, justamente porque confia em
seu retorno.
E, completa dizendo que o brincar compensa e reequilibra o organismo, chegando mesmo a
armazenar bem-estar, se assim podemos dizer, para momentos futuros.

O brincar do bebê com o próprio corpo

Segundo Oliveira (2000), são as brincadeiras do bebê com seu próprio corpo, quando rola,
engatinha, tira e põe, vezes sem conta, objetos uns dentro dos outros, numa cadência rítmica, que
alterna movimentos opostos, como os de abaixar e levantar, puxar e empurrar, abrir e fechar,
esconder e achar, que dão condição à passagem da vida ainda muito próxima dos instintos,
alicerçadas nos reflexos, ao lento, gradual e batalhado ingresso no universo humano propriamente
dito, o simbólico.
A brincadeira simbólica

Para Oliveira (2000), essa é fase do faz-de-conta, em que a criança passa a representar sua
ação internamente e a se utilizar de manifestações simbólicas para interagir com o meio.
Exemplos: 1) uma criança brincando com pedaço de pau, imaginando que o mesmo é um
cavalo; 2) começa a falar, a imitar na ausência do modelo, a se lembrar de algo sem precisar vê-lo;
desenha, pinta, modela, expressa aquilo que tem significado para ela.
Oliveira diz que a brincadeira simbólica, ao representar a realidade do jeito que a criança a vê
e sente, não é uma negação da mesma, mas uma situação privilegiada de aprender a lidar com as
funções e relações sociais.

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E, explica que o brincar, por ser uma atividade livre que não inibe a fantasia, favorece o
fortalecimento da autonomia da criança e contribui para a não formação e até quebra de estruturas
defensivas.
Assim, “ao brincar de que é a mãe da boneca, por exemplo, a menina não apenas imita e se
identifica com a figura materna, mas realmente vive intensamente a situação de poder gerar filhos, e
de ser uma boa mãe, forte e confiável” – esclarece Oliveira e, prossegue dizendo que
dramatizar o vivido, representando-o, ajuda a criança a afirmar-se como pessoa e a externalizar
sentimentos e pensamentos, inclusive os de hostilidade para com os outros, principalmente para
com as pessoas mais íntimas, como os pais e irmãos, e dar vazão à possível necessidade de auto-
punição, pela culpa gerada por senti-los.
Oliveira ainda explica que no faz-de-conta, já se faz presente a necessidade de respeitar o
outro, pelo menos parcialmente e, diz que paralelamente a essa descoberta, a criança experimenta o
prazer de aprender a brincar com outras crianças em situações imaginárias.

A agressividade manifesta no brincar

No que tange à questão dessa agressividade manifesta no brincar, Oliveira defende que é parte
inerente do psiquismo e indispensável à sobrevivência. E, prossegue dizendo que:
...construir de forma equilibrada nossa personalidade, consiste inclusive em aprender a
canalizar esse potencial agressivo, que nos torna sofregamente ávidos de “alimento”, de carinho, de
força ou poder, assim como capazes de cometermos ou desejarmos cometer atos hostis para com os
outros. Só há uma possiblidade de dirigirmos de forma saudável esses impulsos, se os
reconhecermos em nós mesmos (Oliveira, p. 19, 2000).
Oliveira prossegue dizendo que “o brincar, ao possibilitar a projeção de conteúdos
ameaçadores e dinâmicas negativas internas, torna-os visíveis e passíveis, portanto, de serem
identificados e controlados”.
Segundo ela, a importância de dar livre curso às fantasias, inclusive às de destruição, no
brincar, é fundamental, pois quando estas se tornam assustadoras demais, internamente passam a
correr o risco de não poderem mais ser projetadas ou sublimadas.
E diz que quando a criança não consegue controlar suficientemente bem suas fantasias de
destruição e passa a temer que as mesmas tomem conta de sua realidade (externa e interna), ela
pode também passar a manifestar essa insegurança através de atitudes violentas de desafio e
confronto, mas, no fundo, o que está buscando ansiosamente é encontrar um limite externo que a
contenha e “salve”.
Oliveira esclarece que às crianças devem ser dados limites claros e objetivos, “que ajudem a
trabalhar sua impulsividade, onipotência e voracidade, assim como a aprender a lidar com sua
própria destrutividade” e, prossegue dizendo que, “por trás de todo, trabalho e arte está o remorso
inconsciente pelo dano causado na fantasia inconsciente e um desejo de começar a corrigir as
coisas”.
Pois, segundo ela, a agressividade encobre muitas vezes uma sensação de medo ou excitação
frente ao objeto de desejo e pode se manifestar de forma disfarçada através de atitudes de

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manipulação, sedução ou negação; como pode ser desviada para outras pessoas ou situações, como
por exemplo, esconder-se, camuflar-se, ou ainda projetar-se.
Oliveira cita o exemplo da criança, que hostiliza seu irmão menor, por se sentir rejeitada pela
mãe e, procura compensá-lo manifestando extremo carinho em relação a ele, ou, que tenta
manipular a atenção da mãe, hostilizando-a através de uma recusa em receber alimento.
Embora seja difícil para a própria criança e para as pessoas que a rodeiam admitir a
agressividade latente ou evidente na criança, para esta, é essencial que a mãe não a idealize e que
aceite suas limitações. Pois, só assim, a criança poderá se enxergar como é e se aceitar, para então
aprender a se controlar para viver no convívio com os outros e, para isso, não poderá haver a
interferência super-protetora materna, buscando amenizar as falhas, conflitos e hostilidades da
criança na relação com o outro.
O jogo de regras

No jogo de regras o prazer está em cumprir as regras. Ex: para uma criança de 2 ou 3 anos, o
simples fato de subir os degraus de uma escada já é uma satisfação. Ao passo que para uma criança
de 6 anos, por exemplo, esta atividade só será atraente se envolver algumas regras determinando o
procedimento: subir com um pé só, de dois em dois, pulando, etc.
Oliveira esclarece que, ao contrário do faz-de-conta coletivo, no jogo de regras há
colaboração e/ou competição. Além disso, o jogo de regras prepara a criança para as questões de
regra morais, sociais com as quais, terá que lidar em sociedade, quando na idade adulta.

O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO MELANIE KLEIN

Melanie Klein, discípula fiel de Sigmund Freud, acabou por criar sua própria linha de
psicanálise. Conjecturava a possibilidade do lúdico não apenas com o propósito de resgatar a
relação de amor que a criança pode não ter tido, mas uma possibilidade de se trabalhar mais
enfaticamente com o sujeito infantil. A referida autora observou que existem outras emoções em
jogo nessa relação, como o ódio, a inveja, a sexualidade, etc. Verificou, então, que a criança havia
perdido a inocência e suas brincadeiras e jogos apresentavam conteúdos sexuais. Para ela, os
brinquedos e jogos infantis, tornaram-se processos simbólicos, com sentidos e significações
especiais e únicos para cada criança.
Em 1929, Melanie Klein, não focalizava a criatividade como sendo uma temática específica,
mas descreveu o processo criativo como sendo uma tentativa de restauração de danos causados a
objetos, sejam esses internos ou externos.
Segundo ela, brincando a criança expressa de modo simbólico suas fantasias, seus desejos e
suas experiências vividas.

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O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO DONALD WINNICOTT

Winnicott, observou que os bebês tendem a usar os punhos e os dedos para satisfazerem seus
instintos e, que após alguns meses passam a usar algum objeto especial para substituir este meio de
estimulação, já tendo a capacidade de reconhecer este objeto como “não-eu”. Adquirem também, a
capacidade de criar, imaginar, inventar, produzir um objeto e estabelecer uma relação afetuosa com
este objeto.
Segundo ele, fenômenos transicionais é justamente a transferência que ocorre na troca do uso
do dedo ou polegar para a utilização de um objeto como o “não-eu” a que ele chama de objeto
transicional. Ou seja, quando pensamos no brincar como um instrumento valioso para o trabalho
analítico, sabemos que estamos tratando de uma atividade que ocorre na área que foi denominada
por Winnicott de transicional.
Ele afirma que quando o simbolismo é empregado, o bebê já está claramente distinguindo
entre fantasia e fato, entre objeto externo e interno, entre criatividade primária e percepção.
E, diz que o brincar tem um lugar e um tempo, acontecendo primeiro entre mãe e bebê,
segundo as experiências de vida. Ele explica que o brincar facilita o crescimento e, portanto, a
saúde - além de conduzir aos relacionamentos grupais, até por que, “brincar é fazer.”.
Segundo ele, no brincar a criança manipula fenômenos externos a serviço do sonho e veste
fenômenos externos, escolhidos com significado e sentimentos oníricos.
E, prossegue dizendo que há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar,
do brincar para o brincar compartilhado, e deste para as experiências culturais.
Winnicott esclarece ainda, que o brincar envolve o corpo devido à manipulação de objetos.
Assim sendo, a criatividade é fundamental e é através dela que o indivíduo sente que a vida é digna
de ser vivida.
Ele explica que em todas as fases da vida, o mediador é fundamental para o sucesso no
desenvolvimento do bebê, criança, adolescente, adulto ou velho. E, que tudo acontece com um
mediador, com interação: o segurar, o manejar, a apresentação de objetos, a destruição do objeto, a
sobrevivência à destruição.
Assim, quando essa interação é feita com confiança, se a tarefa da mãe é cumprida na sua
integralidade o desenvolvimento emocional e mental do bebê e da criança é conseguido sem
consequências negativas. E, de acordo com Winnicott o simples fato de estar ao lado da criança,
amando-a e repeitando seu ritmo natural, é o suficiente para proporcionar condições para seu
desenvolvimento.
Ele afirma que quando a criança experimenta angústia, medo e desamparo, o “objeto
transacional” serve como suporte - um apoio para criança.
Segundo Winnicott, este objeto é reconhecido pelos pais e é carregado para todos os lugares,
pois ele representa conforto e segurança para o bebê. Um objeto que não é imposto à criança, antes
é por escolhido pela própria criança. Às vezes uma fralda velha, um pedaço de roupa dos pais, um
cobertor, possui características muito particulares, como, por exemplo, o cheiro e, por isso não pode
ser lavado.
Ele esclarece que esse objeto não é auto-erótico, como por exemplo, chupar o dedo ou enrolar o
cabelo; ou seja, não é auto-erótico porque é externo ao corpo da criança. Esclarece ainda que, para

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cada criança, esse objeto tem um sentido, e é sentido como algo seu que lhe passa segurança e, visto
que lhe é familiar, pode experimentar um sentimento de posse e controle, pois, sabe que pode levá-lo
para onde quer.
E, nos fala enfaticamente que “é no brincar que o individuo criança ou adulto pode ser
criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o individuo descobre o
eu (self)”.

O Jogo dos Rabiscos de Donald Winnicott

Sentindo-se pressionado a atender um número cada vez mais elevado de crianças que lhe
eram trazidas em busca de tratamento, Winnicott passou a se dedicar a estudar os meios de utilizar o
espaço terapêutico da forma mais produtiva a fim de obter os melhores resultados terapêuticos
possíveis; para isso, ele desenvolveu o ¨jogo dos rabiscos¨ e a ¨consulta terapêutica¨.
Segundo Clare Winnicott (que fora sua esposa, assistente social psiquiátrica, com quem
escreveu "The Problem of Homeless Children" em 1944 e "Residential Management as Treatment
for Difficult Children" em 1947), ele se esforçava por tornar a consulta significativa para a criança,
dando-lhe alguma coisa para levar e que pudesse ser utilizada e/ou destruída. Donald Winnicott se
armava de papel e, na maioria das vezes, fazia um avião ou um leque com o qual brincava um
pouco e, depois dava-o à criança, despedindo- se dela. E, segundo Claire, jamais se soube de uma
criança que houvesse resistido a esse gesto.

DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS DESENHOS INFANTIS

Nicole Bédard, pedagoga canadense, explica em sua obra “Como Interpretar os Desenhos das
Crianças”, que os rabiscos, as formas e as figuras que as crianças colocam habitualmente no papel,
são verdadeiras fontes de informações valiosas, na tarefa de educá-las e, na formação de sua
personalidade. Segundo ela, por meio dos desenhos é possível conhecer o temperamento, o perfil
psicológico e o estado emocional das crianças, visto que, refletem a forma como elas enxergam seu
ambiente familiar e o mundo à sua volta. Além de constantemente revelar as dificuldades pelas
quais elas estão passando em casa, na escola ou nas relações sociais.
Bédard, porém, explica que decifrar corretamente os desenhos infantis – e descobrir o que
está por trás dessas janelas do consciente e do inconsciente – nem sempre é fácil, pois, exige
sensibilidade e alguma prática, embora não seja nenhum bicho-de-sete-cabeças. E, segundo ela, há
significado, inclusive, na escolha do tipo de lápis e papel que a criança utiliza.
“Não devemos esquecer que o que nos interessa é o simbolismo e as mensagens que o
desenho transmite, e não sua perfeição estética”, adverte Bédard.
Segundo ela, se a criança escolhe uma folha de papel pequena, indica capacidade de
concentração e certa tendência à introversão. Se nessa mesma folha ela aplicar traços menos
definidos, superficiais ou feitos com pouca pressão do lápis, estará exteriorizando uma falta de
confiança em si própria.
Ainda quanto às escolhas iniciais para o desenho, ela esclarece que é importante observar por
onde a criança o começa e explica que: Se for pelo lado esquerdo da folha, significa que seus

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pensamentos estão girando ao redor do passado; se for pelo lado direito, quer dizer que ela deposita
fé e esperanças no futuro; o início no centro indica que ela está aberta a tudo à sua volta e no
momento não vive ansiedades nem tensões de maior monta.
Ainda segundo Bédard, as cores também fornecem pistas sobre o que vai pela cabeça dos
pequenos desenhistas.
Ela explica que a preferência pelo vermelho revela uma natureza enérgica e um espírito
esportivo e, por outro lado, pode sinalizar algum tipo de agressividade. Já o amarelo representa o
conhecimento, a curiosidade e a alegria de viver - a criança que usa essa cor com freqüência é
generosa, extrovertida, otimista e ambiciosa. O preto, avisa a autora, costuma ser uma cor mal
interpretada pelos pais, associada a maus pensamentos ou tristeza, mas, explica que não
necessariamente é assim. O preto representa o que vai pelo inconsciente e mostra que a criança tem
confiança em si mesma e no dia de amanhã, além de ser adaptável às circunstâncias. Quando o
preto vem acompanhado do azul, no entanto, talvez revele um sentimento de depressão e derrota.
Segundo o psicólogo Fabiano Murgia (2010), nos desenhos infantis, o sol, por exemplo, está
quase sempre relacionado à figura paterna: ele está lá em cima, transmite calor, é o provedor.
O mesmo sol a que o psicólogo Murgia se refere, tem, porém, para Nicole Bédard,
significados um pouco mais complexos. Segundo ela, o sol realmente representa a energia
masculina, mas, ela sustenta que, quando desenhado à esquerda do papel, pode representar a
influência de uma mãe de índole muito independente, e quanto mais fortes forem os raios, mais a
mãe será controladora e do tipo que impõe sua vontade em todas as situações.
Bédard prossegue dizendo, que o sol desenhado à direita do papel revela a percepção que a
criança tem a respeito do pai. Se for muito intenso, radiante, pode indicar um pai com tendências à
violência verbal ou física. E, quando desenhado no centro do papel, representa um auto-retrato da
criança e, nesse caso, explica Nicole, estamos diante de uma criança que acredita ter certa
responsabilidade por sua mãe e por seu pai – talvez se trate de uma família desarticulada, mas ela
possui o caráter e o potencial necessários para fazer frente à situação.
Bédard esclarece ainda, que as figuras humanas, tão frequentes nos desenhos infantis, são
excelentes pistas para se desvendar o que vai por dentro das cabeças das crianças. Pois, na maioria
das vezes, ao desenhá-las, as crianças estão retratando a si próprias ou as pessoas com quem elas
convivem cotidianamente, principalmente os pais e parentes. E, chama a atenção para a necessidade
de se atentar nessas figuras humanas, para o rosto, a posição dos braços e os pés.
“À luz da pedagogia, o auto-retrato infantil pode ser analisado por outros ângulos. Quando a
criança desenha a si própria, está mostrando exatamente como ela está, como se sente” (MURGIA).
A educadora infantil Luciane Isabel de Freitas, diz que quando a criança “se retrata num cantinho
da folha de papel, não está tendo o reconhecimento corporal dela própria, ainda não percebeu seu
corpo no espaço, e também por isso pode esquecer de desenhar os olhos ou os braços – isso é
normal até os 7 anos”, completa.
Outro tema recorrente nos desenhos infantis, e que pode ser bastante esclarecedor para os
pais, é a casa40. Quem acha que as casinhas coloridas são todas parecidas, deve começar a prestar
atenção nos detalhes. Se a proporção da casa no desenho é muito grande, a criança está vivendo
uma fase mais emotiva do que racional. Se a casa é muito pequena, significa que ela é introspectiva,
talvez com algumas perguntas girando na cabeça. Uma porta pequena na casa sinaliza uma criança

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que tem dificuldades em convidar as pessoas para visitá-la, é seletiva com os amigos e parentes, não
gosta que lhe façam muitas perguntas e nem que a observem. Uma porta grande, em contrapartida, é
sinal de boas-vindas para quem quiser fazer parte de seu cotidiano41.
Quanto à maçaneta da porta, Bédard esclarece que quando a criança a desenha à esquerda,
significa que seus pensamentos estão ligados ao passado – e dessa forma ela busca confiança para
enfrentar o futuro. Essa criança não aprecia transformações bruscas e precisa de tempo para
assimilar novas idéias. A maçaneta desenhada à direita é sinal de que a criança tem desejos
constantes de mudanças, aprecia os imprevistos positivos, as aventuras, e arrisca-se a antecipar o
futuro. E, a maçaneta desenhada no centro indica uma criança em busca de independência e
autonomia, mas, também indica teimosia e tendência de impor as próprias vontades.
Royer (1989) afirma, na sua obra Le dessin dune maison, que a casa constitui um arquétipo
mais complexo, e por isso, mais difícil de interpretar, mais rico também de significados que os
temas desenho da árvore e pessoa. A casa é o símbolo de todas as "peles" sucessivas que nos
envolvem - o seio materno, corpos, família, universo - e que vão se encaixando e modelando.
Assim, desenhar uma casa é evocar o último Ego que reside mais fundo, assim como suas relações
com todos seus envelopes; é revelar as modalidades de sua pertença no mundo. Para a autora, a casa
é o termo mais carregado de ressonância afetiva, mais capaz de desencadear tantas lembranças,
tantos sonhos, tantas paixões: a casa da infância, a casa da família, a casa das férias, a casa dos
sonhos matrimoniais, a casa de retiro, a última moradia. Cada uma de nossas casas possui suas
fragrâncias, corredores e portas secretas, espaços, recantos, alquimia, culinária, ruídos e silêncios,
fogos e águas, luzes, penumbras assustadoras ou propícias aos desabafos. A imagem da casa, alegre
ou não, nos acompanha ao longo de nossa vida. Esse arquétipo ligado a nossa segurança, amores,
posses, status social, está inscrito mais profundamente em nós, até na nossa parte primitiva e
animal, como a concha para o caracol.
Nicole Bédard chama a atenção para o fato de que não se deve avaliar a personalidade, os
pontos altos e baixos e as necessidades de uma criança com base em apenas dois ou três desenhos.
Ela diz que o ideal é utilizar vários desenhos feitos num determinado espaço de tempo.
“A cada nova informação que recebe, a criança reestrutura a sua forma de ver o mundo e, por
isso, na análise do desenho, é preciso levar em consideração o momento que ela vive”, pondera a
educadora Thereza Bordoni, diretora da ABC Pesquisa e Desenvolvimento em Educação, de Belo
Horizonte, e que tem nos desenhos infantis uma de suas especialidades pedagógicas. E conclui
dizendo que:
A criança costuma colocar perto de si, no papel, as pessoas com quem ela mantém os laços
mais fortes, mas se a mãe dela, naquele dia, a proibiu de comer um chocolate, pode ser retratada de
forma menos afetuosa, o que é eventual e não corresponde à realidade de seus sentimentos.

O conselho que fica aos pais é que jamais interfiram nos desenhos das crianças, alegando que
não existem árvores com peixes nos galhos ou casas suspensas no céu. Até por que, a criança
provavelmente irá responder que sua árvore é diferente das outras porque vem de Marte e que a
casa pertence a um super-herói capaz de voar. Isso, ao contrário de revelar uma criança distante da

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realidade, apenas mostra sua originalidade e, demonstra que está desenvolvendo a capacidade de
afirmar as próprias opiniões e de desbravar seus caminhos. O que certamente é o que se espera dela.

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