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DOS ESTUDOS DOS CONSULTORES DO

DEPARTAMENTO DAS CELEBRAÇÕES DO SUMO PONTÍFICE


(http://www.vatican.va/news_services/liturgy/documents/ns_liturgy_20090924_profile_po.html)

A seção litúrgica do Catecismo da Igreja Católica (CIC), dentro do parágrafo dedicado ao «Quando
celebrar?», dedica algum espaço para o «Ofício divino», hoje chamado «Liturgia das Horas» (LdH). A LdH é
parte integrante do Culto divino da Igreja, não um mero apêndice dos sacramentos. É sagrada Liturgia no
sentido verdadeiro e próprio. Na LdH, como naquela sacramental (especialmente a Liturgia Eucarística, da
qual o Ofício é como que uma extensão), cruzam-se duas dinâmicas: «do alto» e «do baixo».
Considerada «do alto», a LdH foi trazida à terra pelo Verbo, quando encarnou-se para redimir-nos.
Por isso o Ofício divino define-se como «o hino que se canta no Céu por toda a eternidade», introduzido «no
exílio terreno» pelo Verbo encarnado (cf. Pio XII, Mediator Dei: EE 6/565; também: Concílio Vaticano
II, Sacrosanctum Concilium [SC], n. 83). Podemos cantar os louvores de Deus porque Deus mesmo nos
habilita a isso e nos ensina como fazê-lo. Neste primeiro significado, a LdH representa a reprodução, obrada
pela Igreja peregrina e militante, do canto dos espíritos celestes e dos beatos, que formam a Igreja gloriosa do
Céu. É por esta razão que o lugar onde os monges, os frades e os cónegos se reúnem para rezar o Ofício tomou
o nome de «coro»: ele quer reproduzir visivelmente as ordens angelicais e os coros dos santos, que
constantemente louvam a majestade de Deus (cf. Is 6,1-4; Ap 5,6-14). Portanto, o coro está estruturado de
forma circular não para facilitar o olhar-se mutuamente enquanto se celebra a LdH, mas para representar «o
Céu que desce à terra» (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, n. 35), que ocorre quando se celebra o Culto
divino.
Em segundo lugar, a LdH reflete uma dinâmica que «de baixo» vai em direção «ao alto»: é um
movimento com o qual a Igreja terrena louva, adora, agradece o seu Senhor e lhe pede favores, ao longo de
todo o período do dia. A cada momento recebemos benefícios do Senhor, por isso é justo que agradeçamos
por eles a cada hora do dia. É por isso que Santo Tomás de Aquino concebe a oração como um ato que,
pertencendo à virtude da religião, está relacionada à virtude da justiça (cf. S. Th. II-II, 80, 1, 83, 3). Com o
«Prefácio» da S. Missa, podemos dizer que «na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação» louvar
o Senhor a cada momento do dia.
Primeiramente Cristo deu o exemplo de incessante oração, dia e noite (cf. Mt 14,23; Mc 1,35; Hb
5,7). O Senhor também recomendou orar sempre, sem nunca se cansar (cf. Lc 18,1). Fiel às palavras e ao
exemplo do seu Fundador (cf. 1 Ts 5,17; Ef 6,18), desde a época apostólica a Igreja desenvolveu a própria
oração cotidiana segundo um ritmo ordenado que cobrisse toda a jornada, assumindo de forma nova as práticas
litúrgicas do templo de Jerusalém. É certo que as duas horas canônicas principais (Laudes e Vésperas)
surgiram também com relação aos dois sacrifícios cotidianos do templo: o matutino e o vespertino. Também
as orações da Terceira, Sexta e Nona correspondem a tantos outros momentos de orações da praxi judaica. No
dia de Pentecostes, os apóstolos estavam reunidos em oração na Hora Terceira (At 2,15). São Pedro teve a
visão da toalha de mesa que descia do céu, enquanto estava em oração sobre um terraço pela Hora Sexta (cf.
At 10,9). Em outra ocasião, Pedro e João subiam ao templo para rezar na Hora Nona (cf. At 3,1). E não
esqueçamos que Paulo e Silas, fechados numa prisão, oravam cantando hinos a Deus por volta da meia-noite
(cf. At 16,25).
Não é de admirar, então, que já no final do I século, o Papa são Clemente conseguisse recordar:
«Temos que fazer com ordem tudo aquilo que o Senhor nos ordenou fazer durante os períodos especificados.
Ele nos prescreveu fazer as ofertas e as liturgias e não de forma aleatória ou sem ordem, mas nas circunstâncias
e horários estabelecidos» (Aos Coríntios, XL, 1-2). A Didaquê (cf. VIII, 2) recomenda recitar o Pai Nosso três
vezes por dia, algo que atualmente a Igreja faz nas Laudes, Vésperas e na S. Missa. Tertuliano interpreta assim
tal tradição antiga: «Nós rezamos, no mínimo, pelo menos três vezes por dia, dado que somos devedores dos
Três: do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (De oratione, XXV, 5). No Ocidente, o grande ordenador do Ofício
divino foi São Bento de Núrsia, que aperfeiçoou o uso anterior da Igreja de Roma.
Do que foi dito, surgem pelo menos duas considerações fundamentais. A primeira é que a LdH, já
que essencialmente cristocêntrica, é profundamente eclesial. Isto implica que, como Culto público da Igreja,
a LdH está fora da arbitrariedade do indivíduo e é regulada pela hierarquia eclesiástica. Além disso, ela é uma
leitura eclesial da Sagrada Escritura, porque os salmos e as leituras bíblicas são interpretadas pelos textos dos
Padres, dos Doutores e dos Concílios, como também das orações litúrgicas compostas pela Igreja mesma(cf.
CIC, 1177). Como Culto público, a LdH também tem um componente visível e não apenas interno. Ela é a
união de oração e gestos. Se é verdade que «a mente tem que concordar com a voz» (cf. CIC, 1176), também
é verdade que o Culto não se celebra somente com a mente, mas também com o corpo (cf. S. Th. II-II , 81, 7).
Por isso a Liturgia inclui cantos, recitações verbais, gestos, genuflexões, prostrações, inclinações, incensações,
paramentos, etc. Isto também se aplica ao Ofício divino. Além disso, o carácter eclesial da LdH é tal que por
sua natureza ela «está destinada a se tornar a oração de todo o povo de Deus» (CIC, 1175). Neste sentido, se
é verdade que o Ofício pertence especialmente aos ministros sagrados e aos religiosos – e a Igreja
particularmente confia-lhes isso – sempre envolve toda a Igreja: os fiéis leigos (tanto quanto lhes seja possível
participar), as almas do Purgatório, os beatos e os anjos nos seus diversos grupos. Cantando os louvores de
Deus, a Igreja terrena se une àquela celeste e se prepara para alcançá-la. Assim, a LdH «é realmente a voz da
mesma Esposa que fala ao Esposo, ainda mais, é a oração de Cristo, com o seu Corpo, ao Pai» (SC, n. 84, cit.
no CIC, 1174).

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