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SEM
DESCULPA
PARA
CORRUPÇÃO
Campanha da CGU adverte para
pequenos delitos do cotidiano
F
urar a fila de atendimento, tentar subornar o guarda de
trânsito para não pagar multas; colar na prova ou mesmo
falsificar carteira de estudante... A lista de pequenos desvios
de conduta (e também de delitos) cometida em nome do
“jeitinho” — até por gente que vai às ruas protestar contra a cor-
rupção na política — motivou a criação da campanha Pequenas
Corrupções – Diga Não pela Controladoria-Geral da União, em
2013, e atualizada no segundo semestre de 2015. O objetivo prin-
cipal é “conscientizar os cidadãos para a necessidade de combater
atitudes antiéticas — ou até mesmo ilegais —, que costumam ser
culturalmente aceitas e ter a gravidade ignorada ou minimizada”,
informam seus criadores na página eletrônica onde a CGU disponi-
biliza em alta resolução as peças da campanha (cgu.gov.br/diganao)
para que entidades, órgãos ou cidadãos possam utilizar o material
em diversos tamanhos e formatos para impressão e uso digital.
O intuito é, a partir das peças, promover a reflexão sobre práticas
comuns no dia-a-dia dos brasileiros envolvendo atos antiéticos ou
ilícitos, como falsificação, roubo, pirataria e suborno, entre outros.
Cada uma das peças utilizava uma frase — como “comprar produtos
falsificados” — acompanhada do selo “pequenas corrupções — diga
não” e da assinatura “faça sua parte contra a corrupção”. As imagens
foram lançadas em primeiro lugar nas redes sociais da CGU, em
2013, tendo alcançado, somente em 2014, 10 milhões de usuários. A
campanha também foi tema do 7º Concurso de Desenho e Redação
da CGU, destinado a alunos de escolas públicas e privadas de todo
o Brasil. Em um segundo momento, já em 2015, criou-se a hashtag
#NãoTemDesculpa para o lançamento de novas situações, desta vez
utilizando frases comumente usadas para justificar as incorreções,
como “Todo mundo faz!”, “É bem rapidinho” ou “Ninguém está
vendo”. “Procuramos chamar a atenção e promover a reflexão de
que, mesmo que pequeno, um erro ainda é um erro. O importante
é agirmos sempre com ética e honestidade, sem desviar o olhar para
os lados. Grande, média ou pequena, todas as corrupções devem
ser evitadas. Quem faz o certo não precisa de justificativas”, orienta
o CGU, na divulgação da campanha. (A.D.L.)
E
xcelente a edi-
ção 158, onde
Bruno Dominguez
prazer, delegadas”, por ser ainda mais
esperançosa. Não sou da área da saúde,
mas fiquei vislumbrando a importância das
percebo que ainda existem muitas pessoas
com dúvidas a respeito.
• Maria Patrícia Almeida, Salvador, BA
reporta de forma mulheres-delegadas nas conferências. O
comovente as con-
dições de insalubri-
dade socioambien-
depoimento de Erika foi sensacional! Isto me
faz acreditar que ainda existe possibilidade
de melhora na saúde pública. Louváveis os
S ugiro que publiquem matéria a respeito
da carreira de estado para os médicos
dos serviços públicos, com o objetivo de
tal na Cracolândia. temas abordados, logo, a edição! interiorizar os profissionais, nos moldes
O projeto Braços • Justino Cosme, Santa Maria da Vitória, BA do Judiciário.
Aber tos, da pre- • Pedro Carrancho, Vitória, ES
feitura de São Paulo, necessita fazer
com que as mãos e os dedos das classes
beneficiadas pela hegemonia dominante
A gradeço o envio da edição sobre a
Cracolândia — Excluídos no Centro
da Cidade (edição 158). Sou integrante do
Formação profissional
pelo dinheiro e pelo excesso de conforto a Lei 7.498/86, que trata do exercício da Assinatura
a favor de uns... ou da inanição biológica enfermagem e proíbe auxiliares ou técni-
e psicológica de muitos.
• Valéria Belmino, Teresópolis, RJ
cos de enfermagem de trabalharem sem
supervisão direta de um enfermeiro. Há
ambulâncias que prestam socorro a pes-
R ecebi durante a 15ª Conferência
Nacional de Saúde um exemplar da
edição 159 da Radis e me interessei em as-
EXPEDIENTE
www.ensp.fiocruz.br/radis
é uma publicação impressa e online Administração Fábio Lucas e Natalia Calzavara
da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo Programa Apoio TI Ensp Marco Antônio Fonseca da Silva /RadisComunicacaoeSaude
Radis de Comunicação e Saúde, da Escola (suporte) e Fabio Souto (mala direta)
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp).
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Periodicidade mensal | Tiragem 88.900 exempla-
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Elisa Batalha, Liseane Morosini, Luiz Felipe Fale conosco (para assinatura, sugestões e
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Stevanim e Ana Cláudia Peres
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Documentação Jorge Ricardo Pereira, Sandra
Benigno e Eduardo de Oliveira (Fotografia)
PNEUMONIA HPV
DIMINUI UMA DOSE DE REFORÇO DA VACINA A FAIXA ETÁRIA IMUNIZADA FOI AMPLIADA, AGORA,
PNEUMOCÓCICA 10 VALENTE MENINAS DE NOVE A 13 ANOS RECEBEM A VACINA
(ANTES, O LIMITE ERA 11 ANOS)
DUAS PRIMEIRAS DOSES AOS DOIS MESES
ÍCONES: FREEPIK/WWW.FLATICON.COM
Câncer de pele: oito mortes por dia N otícia sobre cirurgia que teria revertido
os efeitos de Alzheimer mobilizou a
imprensa e entidades médicas. Realizado
RADIS ADVERTE
ARTE: EDUARDO DE OLIVEIRA
Curumim invisível
FOTO: GABRIEL FELIPE / RBSTV
Foco na mente
TODOS CONTRA O
RETROCESSO
Nomeação de ex-diretor de manicômio
para Coordenação de Saúde Mental põe
movimento pela Reforma Psiquiátrica em alerta
E
m 14 de dezembro, quando o médico psi- foi alvo de denúncias sobre violações dos Direitos
quiatra Valencius Wurch Duarte Filho foi no- Humanos, diante das condições subumanas a que
meado para o cargo de Coordenador Geral os pacientes eram submetidos. Calcula-se que
de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas centenas tenham sido maltratados por anos, alguns
do Ministério da Saúde, o movimento em defesa até a morte, geralmente por fome, violência física,
da Reforma Psiquiátrica voltou a se unir. Entidades eletrochoques e doenças curáveis de fácil controle.
e lideranças, em conjunto, se posicionaram forte- O médico psiquiatra foi ainda um opositor
mente contra a substituição do professor Roberto histórico do movimento da luta antimanicomial
Tykanori por um nome que consideraram “não e crítico da Lei 10.216/2001, que redirecionou
identificado com as propostas da Política Nacional o modelo assistencial em saúde mental no país.
de Saúde Mental e sem inserção acadêmica ou Em 1995, Valencius se declarou contra a Reforma
produção científica na área da Saúde Mental”, Psiquátrica, considerando-a “de caráter ideológico,
como apontou por exemplo a Associação Brasileira não técnico” e “baseada em situações ultrapassa-
de Saúde Mental (Abrasme), em uma das muitas das”, em entrevista ao Jornal do Brasil. Já Tykanori,
notas endereçadas ao ministro da Saúde, Marcelo que ocupou o cargo em 2011, é militante da luta
Castro, pedindo que a nomeação fosse revogada. antimanicomial desde os anos 1980.
No dia seguinte, as salas da coordenação de Em sua nota, a Abrasme apontou que a
Saúde Mental, Álcool e outras Drogas em Brasília substituição “de forma unilateral” de Roberto
foram ocupadas por profissionais, acadêmicos, Tykanori foi uma “quebra de confiança entre as
familiares e usuários ligados à luta antimanicomial partes”. “O Sistema Único de Saúde e a Política
no Brasil. Em 14 de janeiro, o (L)oucupa Brasília Nacional de Saúde Mental são conquistas da
completou um mês. Cerca de mil pessoas, vindas sociedade brasileira, dos campos profissionais e
em caravanas de vários estados, cantaram em particularmente dos usuários do sistema, seus
uníssono “Fora Valencius” e reforçaram a posição familiares e as comunidades de onde se originam.
Usuários e profissionais de de que não haveria recuo até a nomeação de outro Qualquer ameaça à integridade deste sistema e à
Rede de Atenção Psicossocial profissional — comprometido com a construção continuidade do processo em direção a um sistema
protestam em Brasília contra
histórica da Reforma Psiquiátrica e em diálogo com
nomeação de Valencius
Wurch para Coordenação
os movimentos sociais — para o cargo.
de Saúde Mental A rejeição geral ao nome de Valencius se deve
a seu passado. Ele dirigiu o maior manicômio pri-
vado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras
de Paracambi, no Grande Rio, entre 1993 e 1998.
Fechado por ordem judicial em 2012, o hospital
FOTOS: REPRODUÇÃO FACEBOOK OCUPAÇÃO FORA VALENCIUS
mais justo, equitativo, integral, organizado com científica”. “O anúncio realizado pelo Sr. Ministro
uma sistemática transdisciplinar e descentralizada da Saúde na mencionada audiência contrapõe-se
terá sempre consequências indesejadas do ponto ao compromisso do governo federal com a con-
de vista da busca do diálogo, do consenso entre tinuidade da Política Nacional de Saúde Mental,
partes e do compartilhamento das responsabilida- Álcool e outras Drogas, na perspectiva da garantia
des sociais”, diz o texto. dos direitos humanos e do cuidado territorial e
O sistema Conselhos de Psicologia, formado comunitário”.
pelo Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos A nomeação gerou reações também fora do
Regionais de Psicologia, afirmou entender que a Brasil. O psiquiatra Manuel Desviat, ex-presidente
simples indicação de Valencius, por si, já representa da Associação Espanhola de Neuropsiquiatria e
um retrocesso na política de saúde mental brasileira. assessor durante mais de duas décadas no Brasil
“O escolhido pelo ministro representa interesses pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/
de uma política de privatização da saúde, de vio- OMS), escreveu carta pública ao ministro, em que
lação aos princípios fundamentais do SUS, da lei diz que “é difícil de entender que a política de saúde
da Reforma Psiquiátrica e dos Direitos Humanos”. mental estabelecida em seu país, e desenvolvida
O termo “escolhido pelo ministro” faz referência por distintos governos há cerca de três décadas,
à ligação pessoal de Valencius a Marcelo Castro. seja posta em questão neste momento, ao ser
A nomeação foi previamente anunciada por nomeado como Coordenador Nacional de Saúde
Castro em audiência com uma comissão constitu- Mental um psiquiatra que não apenas não repre-
ída por membros de sete entidades — Associação senta a política vigente até agora no seu país, mas
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Abrasme, que foi beligerantemente contrário a esta política”.
Centro de Estudos Brasileiros de Saúde (Cebes), Para Desviat, “as razões técnicas alegadas para tal
Conselho Federal de Psicologia (CFP), Instituto de nomeação são extremamente frágeis, bastando
Medicina Social da Universidade Federal do Rio de verificar a trajetória e o currículo deste profissional”.
Janeiro (IMS/Uerj), Movimento Nacional da Luta A campanha #ForaValencius chegou ao
Antimanicomial (MNLA) e Renila — em 10 de de- Facebook e também tomou as ruas em cidades
zembro. A comissão representava 656 movimentos como Rio de Janeiro, Recife, Brasília e São Paulo,
sociais que subscreveram uma “Carta aberta ao onde houve protestos com centenas de militantes
ministro da Saúde” apontando preocupações com da luta antimanicomial contrários à nomeação du-
seus posicionamentos em relação à saúde mental. rante o mês de janeiro. A versão oficial do Ministério
O ministro apresentou, então, o nome do novo da Saúde é a de que Valencius “reforça a política
coordenador de Saúde Mental. de humanizar o tratamento a doentes mentais”.
Dessa reunião saiu uma “Nota pública contra Em artigo publicado no jornal O Globo (12/1), o
a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho para ministro Marcelo Castro defendeu a indicação de
a CGMAD/MS”, em que as sete entidades afirmam Valencius, argumentando que não teve oportunida-
que “a postura reconhecidamente contrária de de de “demonstrar publicamente que essa escolha
Wurch Duarte Filho à luta por uma sociedade sem é conforme a política de saúde mental que está
manicômios o desabona à gestão das políticas pú- nas leis, nos pactos nacionais e internacionais que
blicas do SUS”. A nota elenca a atuação de Valencius preconizam a humanização do cuidado da pessoa
como diretor-técnico da Casa de Saúde Dr. Eiras de com transtorno psíquico”.
Paracambi e sua oposição ao marco regulatório da Segundo o ministro, suas escolhas “visaram
Política Nacional de Saúde Mental. “Preocupa-nos garantir as políticas de saúde aprovadas em lei, em
pensar que o Dr. Valencius W. Duarte Filho seria acordos federativos tripartite, em pactos nacionais
alguém competente para atuar como Coordenador e internacionais, na continuidade dos avanços
Nacional de Saúde Mental de modo alinhado aos alcançados, como é o caso da saúde mental”. No
princípios da Reforma Psiquiátrica e da Política artigo, Castro destacou que o país escolheu uma
Nacional de Saúde Mental, tendo em vista que, há avançada e humanizada política de saúde mental, e
décadas, tem uma contínua e ininterrupta atuação comprometeu-se a defende-la: “Como psiquiatra de
em hospitais psiquiátricos”. formação, terei grande satisfação de implementá-
O texto indica ainda que o médico psiquiatra -la e elevá-la aos melhores níveis. Isso significa
não possui trabalhos publicados no âmbito da coibir os desvios de sua execução, além de buscar
psiquiatria e da saúde mental, o que, para as en- humanização e a garantia progressista de tratar as
tidades, “torna insustentável a argumentação do pessoas que necessitam desses cuidados. Esse é o
Sr. Ministro, para quem o cargo exige autoridade compromisso com a sociedade brasileira”.
N
da Fiocruz Pernambuco, em entrevista à Radis, muitos estudos
um dia qualquer de um já distante 1994, a médica depois do episódio com a caixa d´água. Lia explica que hoje
sanitarista Lia Giraldo participava de uma atividade o Brasil é endêmico para dengue, com um vetor altamente
acadêmica corriqueira quando se deparou com uma competente para a transmissão nas áreas com alta densidade
cena que a deixou intrigada. Um agente de controle habitacional e baixas condições sanitárias, onde está o maior
de endemias abriu a tampa da caixa d´água do antigo Hospital estresse hídrico e de pobreza.
Pedro II, onde funcionava o Departamento de Saúde Coletiva O assunto volta à tona no momento em que o Brasil vive
da Fiocruz, em Pernambuco, e adicionou várias garrafinhas de uma “tríplice epidemia”, como o infectologista Rivaldo Venâncio
um pó bege acastanhado. Curiosa, ela puxou assunto com o da Cunha tem se referido à incidência dos casos simultâneos de
profissional, que lhe disse: “Há quinze anos, aqui é um foco dengue, chikungunya e zika — três tipos de vírus transmitidos
de mosquito transmissor da dengue e então a cada 40 dias eu pelo mosquito do gênero Aedes circulando ao mesmo tempo
coloco esse remédio”. no país. Esse último, diga-se de passagem, vem alarmando a
O remédio era o temefós, um organofosforado da população e desafiando pesquisadores e autoridades, desde
classe toxicológica III — o que, numa linguagem leiga, pode que em novembro do ano passado foi constatada sua relação
ser traduzido como um larvicida ligeiramente tóxico. Apesar direta com uma epidemia de microcefalia. De acordo com dados
da religiosidade com que o agente de saúde cumpria com a do Ministério da Saúde, em meados de janeiro já eram 3.893
obrigação, adicionando repetidamente o produto na água de casos suspeitos da doença, notificados em 724 cidades de 21
abastecimento, o foco de Aedes aegypti continuava ali, teimo- unidades da federação. Para Rivaldo, que é diretor da Fiocruz
so, resistente. Aquilo era um equívoco, concluiu a professora, Mato Grosso do Sul, a epidemia de zika — cuja microcefalia é a
que passou a pesquisar uma série de outros hiatos no Programa consequência mais nefasta, mas não a única, tampouco a mais
Nacional de Controle da Dengue, adotado na época. Noves frequente — já pode ser considerada o mais grave problema
fora o comprometimento da água potável, o que por si só é de saúde coletiva, depois da violência, e a maior ameaça para
um fato grave, suas pesquisas apontaram ser um erro centrar as próximas décadas se não houver um aporte tecnológico de
as ações no mosquito e não nas condições que propiciam a curto prazo (ver matéria específica sobre zika e microcefalia
sua proliferação — a saber: ausência de saneamento, oferta nas páginas 18 a 21).
de água intermitente, acúmulo de lixo, falta de drenagem,
limpeza pública, cuidados intradomiciliares e peridomiciliares,
MOSQUITO RAJADO
por exemplo.
“Enquanto o modelo de controle dessa doença complexa Cabe em uma unha o mosquito de patas e corpo rajados
for centrada no vetor, como já é realizado há mais de 40 anos que se reproduz velozmente, principalmente nesta época do
sem sucesso, não teremos possibilidade de solução”, disse a ano, com os dias de verão. O ovo é depositado pela fêmea do
pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Saúde Pública mosquito nas paredes dos criadouros, próximo à superfície
Pesquisadores propõem estratégias de
controle centradas nas condições que
propiciam a proliferação do Aedes aegypti
AEDES 7 X 1 SAÚDE
SINTOMAS E DIAGNÓSTICO
Rivaldo Venâncio faz uma triste constatação: “Nós perdemos
essa luta de 7X1, como foi o jogo da seleção brasileira contra a Nas últimas três décadas, epidemias de dengue são re-
Alemanha na Copa do Mundo do Brasil”. Para o pesquisador, o gistradas quase que anualmente no Brasil. Não bastassem os
estilo usado para combater o Aedes é basicamente o mesmo que quatro tipos clínicos da doença, a ocorrência em simultâneo
Oswaldo Cruz usou no início do século passado. “Isso foi bom na- com zika e chikungunya, como acontece agora, torna a aten-
quele momento, mas hoje é insuficiente para o Brasil complexo que ção aos doentes ainda mais difícil, uma vez que os sintomas
nós temos”, diz. Para Lia Giraldo, o componente de saneamento que podem se embaralhar. Para os especialistas ouvidos por Radis,
apareceu na primeira versão do programa de controle de dengue o maior problema está justamente na inexistência de técni-
nas décadas de 1980 e 1990 desapareceu. “Até hoje a Atenção cas para diagnóstico laboratorial que possam ser, ao mesmo
Básica da Saúde não incorporou os cuidados da dengue. Uma do- tempo, confiáveis e acessíveis para uso em larga escala. Para
ença que era classificada como benigna, que se tenha uma melhor precisão e acompanhamento, seria
com baixíssima mortalidade, tornou-se de necessário o desenvolvimento de sorologia (detecção do vírus
1 ,6
alta letalidade no Brasil”, lamenta. por exame de sangue) para as três doenças. No Brasil, estão
A pesquisadora acredita que falta em andamento novos testes de biologia molecular e outras
uma visão complexa e estratégica de ferramentas.
modo a deixar a população menos sus- Em janeiro, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, anun-
cetível às complicações dessa e de outras ciou o lançamento de um kit que vai garantir o diagnóstico
MILHÃO
infecções. De acordo com ela, o uso de simultâneo para dengue, zika e chikungunya. Até aqui, o
produto químico no controle vetorial tem diagnóstico era feito por meio do teste PCR — detecção de
uma origem bélica, introduzida em nosso segmentos de material genético do vírus — acessível apenas
de brasileiros país por instituições estadunidenses, e foi em alguns hospitais particulares e em laboratórios públicos
infectados pela adotada sem nenhuma crítica pela saúde de referência. Levava em média de uma a duas semanas para
dengue em 2015 pública. “Convencer a população que ficar pronto. Com o kit, que de acordo com o ministro será
o mosquito é um monstro que mata, e produzido pelo Instituto Carlos Chagas da Fiocruz Paraná, o
portanto é nosso inimigo, é um erro de resultado sai em cerca de três horas. De acordo com a Fiocruz,
tempos antigos que não deveria ser mais os kits podem entrar em produção quase imediata. A expecta-
repetido”, ela diz, sugerindo que, para avançar nessa discussão, é tiva é que esteja disponível ainda no primeiro semestre deste
preciso considerar a complexidade das interações vírus-vetor-cole- ano, segundo o Ministério da Saúde, que deve encomendar
tivos humanos, suas vulnerabilidades e a necessidade de adoção de a produção de 500 mil kits pela Fiocruz até o final de 2016.
medidas integradas e não nocivas para o ambiente e para a saúde “O novo teste é fundamental do ponto de vista de
humana. “Deixar de usar veneno e adotar medidas mecânicas de estratégia de saúde pública. É importantíssimo que esta
higiene e de saneamento ambiental, tudo de forma participativa, tecnologia seja brasileira. Isto traz uma vantagem extraordi-
integrada e intersetorial deveria ser a estratégia de seleção mediante nária, porque hoje fazemos três testes separadamente, com
uma outra linguagem, compatível com a saúde, a solidariedade e produtos importados. Agora faremos os três testes de uma
a sustentabilidade”. só vez. E, como o teste é nacional, vamos economizar divisas
724
como a relação entre o custo, eficácia
e população alvo. Mas que ainda não
há previsão para que seja adotada e
distribuída pela rede pública.
Rodrigo Stabeli, vice-presiden-
te de Pesquisa e Laboratórios de
Referência da Fiocruz, considera que a
vacina liberada no Brasil recentemente
CIDADES
possui uma eficiência relativa do ponto com casos
de vista da cobertura — sua eficácia suspeitos de
de 66% em média é considerada baixa
pela Anvisa — e também da metodo-
microcefalia
logia de aplicação — são necessárias notificados
três doses, uma a cada seis meses. até meados
“Além de ser vacina de vírus atenua-
do. Ou seja, ainda não é a vacina tida
de janeiro
como ideal”, pondera. Ele explica que
a dengue é uma doença complexa imu-
aos cofres públicos”, disse o ministro em entrevista coletiva nologicamente, o que faz com que as
durante uma visita ao campus de Manguinhos, da Fiocruz, no instituições de pesquisas continuem na busca de uma vacina
Rio de Janeiro. A inovação é resultado do trabalho conjunto do que tenha maior eficiência na cobertura.
Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e de quatro Para além do anúncio da multinacional francesa, outras
unidades da Fiocruz: o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), com o três vacinas vêm sendo testadas no Brasil. Uma delas, desen-
apoio do Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná), do Centro volvida pelo Instituto Butantã, de São Paulo, entra na terceira
de Pesquisa Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) e do e última fase, que corresponde aos testes com humanos. A
Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos). Fiocruz estuda outras duas vacinas. A primeira, produzida a
“Muitas vezes é muito difícil, ou mesmo impossível, no partir de uma colaboração técnica entre Bio-manguinhos e a
início da doença termos certeza se estamos diante de um GlaxoSmithKline (GSK). “Os esforços no desenvolvimento deste
doente com dengue ou zika, ou até mesmo de uma forma produto estão concentrados em uma abordagem de vacina
mais branda de chikungunya”, diz Rivaldo. Como a dengue, tetravalente de vírus inativado, purificado contra a dengue”,
a infecção pelo vírus chikungunya causa febre alta de início informa Rodrigo, acrescentando que já foram iniciados os
agudo, dores fortes em músculos e articulações (principalmen- estudos pré-clínicos, de desenvolvimento industrial e clínico
te tornozelos, punhos e mãos) e na cabeça. No entanto, em de fase I e que a proposta é que a vacina entre na terceira fase
suas formas clínicas clássicas, o chikungunya provoca, além da nos próximos dois anos.
dor, inflamação nas articulações, o que não acontece com a A outra vacina é de responsabilidade do Instituto
dengue. “As dores podem ser tão intensas a ponto de impedir Oswaldo Cruz (IOC) e tem uma abordagem experimental que
o doente de realizar atividades rotineiras, como tomar banho combina duas estratégias de imunização contra a doença em
sozinho, vestir-se ou pentear os cabelos. Além dessa diferen- uma mesma vacina: o DNA e o uso de um vírus quimérico de
ça entre as doenças, a chikungunya com relativa frequência febre amarela contendo genes de dengue. Segundo Rodrigo,
se torna crônica, fato inexistente na dengue”, acrescenta o já foi realizado estudo em camundongos que mostraram que o
infectologista. uso conjugado das duas técnicas consegue atingir uma eficácia
Já a ameaçadora zika, que no início foi considerada uma de praticamente 100% dos animais testados para dengue tipo
doença “de evolução benigna”, tem como manifestações 2 apenas. Em 2016, está prevista experimentação em primatas
clínicas a febre baixa (nem sempre presente), vermelhidão não-humanos.
pelo corpo, coceiras e dores articulares (em mãos, punhos e Além disso, outras tecnologias vêm sendo trabalhadas
tornozelos), por vezes acompanhadas por edemas. As pessoas pela Fiocruz, como a que integra o projeto internacional
infectadas também podem apresentar conjuntivite e manifesta- “Eliminar a dengue: nosso desafio”, em parceria com a
ções digestivas como náuseas, vômitos e diarreia. No decorrer Universidade de Monash, na Austrália, e consiste em imunizar o
da epidemia, vem sendo relatados casos de complicações próprio mosquito transmissor com uma bactéria, a Wolbachia,
neurológicas de origem autoimune, a chamada Síndrome de que pode bloquear a transmissão do vírus. “O bloqueio da
Guillain-Barré, e posteriormente os casos de má-formação infecção do mosquito interrompe o ciclo de infecção nos hu-
congênita em recém-nascidos de mães que relatavam casos manos”, disse Rodrigo. Segundo ele, os resultados têm sido
sugestivos de zika durante os primeiros meses de gravidez. promissores e os cientistas estão estudando a abordagem da
A
lgumas semanas depois de comunicar O número crescente de casos de microcefalia,
a duas de suas pacientes a descoberta a partir do segundo semestre de 2015, levou o
feliz da gravidez, a médica ginecolo- Ministério da Saúde a reconhecer a doença como
gista Adriana Melo teve que dar a elas um agravo emergencial em saúde pública, que
outra notícia, essa de teor angustiante: ela havia impacta na qualidade de vida das famílias, com
constatado alterações na gestação, mas ainda aumento da mortalidade neonatal infantil. O alerta
não era possível afirmar quais eram as causas. A foi dado com o lançamento, em dezembro, do Plano
aflição de não ter o que dizer a essas gestantes Nacional de Enfrentamento da Microcefalia. Os
levou a ginecologista de Campina Grande, na números falam por si: enquanto, em 2013, foram
Paraíba, a suspeitar de uma nova enfermidade. notificados 167 casos de crianças que nasceram
Em comum, essas mães haviam tido manchas e com a doença, em 2016, já são 3.893 ocorrências
erupções na pele — um dos sintomas causados suspeitas, associadas ao vírus zika, segundo o bo-
pelo vírus zika — ainda no primeiro trimestre letim epidemiológico de 16 de janeiro.
da gravidez. Mas a médica não parou por aí. Especialista nas chamadas arboviroses,
Em busca de respostas, ela colheu amostras como dengue, zika e chikungunya, o médico do
do líquido da placenta dessas duas gestantes e Instituto Evandro Chagas (IEC), Fiocruz Pará, Pedro
enviou para análise no Instituto Oswaldo Cruz Vasconcelos, explica que a associação entre zika e
(IOC/Fiocruz). A presença do vírus suspeito foi microcefalia mostrou que este vírus pode causar
o primeiro sinal para que o Ministério da Saúde problemas graves semelhantes a outras doenças
confirmasse, no fim de novembro, a relação entre infecciosas associadas a formações congênitas,
o zika e a epidemia de microcefalia que já atingiu como a rubéola. A equipe do médico foi responsável
mais de 3.800 crianças até meados de janeiro. por identificar, em novembro, a presença do vírus
De origem congênita, a doença afeta o cére- nos tecidos de diversos órgãos de uma criança do
bro do bebê, que nasce menor do que o normal e Ceará que nasceu e morreu logo em seguida. A
pode acarretar diversas limitações para a criança. mãe havia tido relato de zika por volta da oitava
Em casos mais graves, adultos também podem semana de gravidez. “Quando as infecções ocor-
ser afetados por complicações associadas ao zika, rem nas primeiras semanas de gestação, maior a
MENOS DE
incluindo comprometimento do sistema nervoso chance de o vírus alcançar o feto e as complicações
20%
central, como meningite, mielite transversa e uma tendem a ser mais graves, às vezes incompatíveis
síndrome rara conhecida como Guillan-Barré. De com a vida”, aponta.
vírus pouco conhecido a novos desafios para a Além dos casos que envolvem limitações
saúde pública, o alerta dado pelos novos agravos sérias, que podem inclusive levar à morte do bebê,
transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti, como o médico considera a possibilidade de outras ocor-
dos casos de zika e chikungunya, mostram a necessidade de rências em crianças cujas mães tiveram zika durante
elaborar estratégias que ao mesmo tempo evitem a gravidez. “Esses casos de microcefalia são apenas
zika apresentam novas infecções e garantam o cuidado dos doen- a ponta do iceberg, pois envolvem complicações
sintomas tes, inclusive com a assistência às complicações gravíssimas, mas também podem ocorrer pequenas
ainda pouco conhecidas. más-formações no sistema visual, auditivo ou em
P a r a o m é d i co i nfe c to l o g i s t a P e d ro algum outro órgão”, avalia. A morte de 49 bebês
Vasconcelos, os casos de microcefalia até ago- com microcefalia, todas no Nordeste, até o fecha-
ra registrados podem ser apenas a “ponta do mento desta edição, pode ter relação direta com
iceberg” de outras más-formações congênitas o zika, de acordo com o Ministério da Saúde. Os
causadas pelo vírus zika. O mesmo alerta Adriana estados nordestinos, até o momento, foram os mais
Melo: “A microcefalia pode ser apenas um dos afetados pela epidemia.
achados associados ao vírus, no caso o mais gra- A epidemia da doença exige novas estratégias
ve”. Na visão de outro médico, da Universidade de cuidado na saúde pública, defende o médico
Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Brito, os Carlos Brito. “São crianças que terão sequelas e vão
impactos trazidos por esses novos agravos cria- precisar de acompanhamento a longo prazo, para
ram um cenário que a saúde coletiva brasileira que as limitações motoras e neurológicas sejam as
ainda precisa aprender a enfrentar. menores possíveis”, considera. Ele enfatiza que é
FOTO: TV BRASIL/EBC
bral”, analisa. Segundo ela, uma
das preocupações dos especia-
listas nesse momento é com os
bebês nascidos aparentemente
sem comprometimento, mas que
ainda podem manifestar sinais
provocados pelo zika, porque as
mães tiveram a doença. “O ideal
é que os filhos de mães que tive-
ram algum sintoma de zika sejam
acompanhados durante todo o
primeiro ano de vida”, enfatiza.
Como a microcefalia pode Ultrassonografia virou
ser apenas um dos sinais do zika na gestação, o Mundo, pois os estados do Nordeste que rela- momento de tensão para
infectologista Rivaldo Venâncio, prefere usar o taram os primeiros casos foram sedes de jogos. grávidas, a espera de
termo “zika congênita” para tratar do conjunto Mas segundo ele, isso não está comprovado, ao diagnóstico de microcefalia
de efeitos do agente infeccioso no organismo do contrário do chikungunya, em que ficou clara a
bebê. “Estamos colocando os holofotes quase que relação com o evento esportivo. “Com a globali-
exclusivamente sobre a microcefalia. Ela muito zação e a circulação cada vez maior de pessoas, é
provavelmente é o mais grave problema decorrente quase impossível para um país controlar a entrada
da infecção congênita pelo zika, mas não o único e de agentes infecciosos em seu território”, analisa
provavelmente também não seja o mais frequente”, o pesquisador, ao destacar que a estratégia deve
avalia. De acordo com ele, outras complicações ser combater o mosquito transmissor. “Não existe
estão sendo observadas, como problemas oculares, nenhum país no mundo que esteja infestado por
auditivos, microcalcificações no cérebro e outros esse mosquito que venha a ter um efetivo controle
órgãos, além de más-formações nos ossos e mús- dessas doenças”, completa.
culos. Por isso, ele acredita que a ação do vírus zika
deve ser encarada como uma infecção congênita,
GARANTIA DE CUIDADO
a exemplo do modo como se trata a rubéola, com
atenção ao conjunto de repercussões no desenvol- A demanda pelos serviços de saúde provocada
vimento neuropsicomotor dessas crianças. por zika e chikungunya deve ser ainda maior do que
Há menos de uma década, zika era apenas no caso da dengue, avalia o professor da UFPE,
um vírus com poucos casos descritos, embora sua Carlos Brito, especialista em imunologia. Isso deve
descoberta tenha ocorrido em 1947, em Uganda, acontecer em razão do surgimento de pacientes
na mesma floresta que lhe deu o nome. Desde crônicos, que necessitam de cuidados permanentes.
2007, porém, com a ocorrência mais frequente de “O que a gente vai ver é um contingente maior
casos em ilhas do Oceano Pacífico, ele passou a de pessoas procurando os serviços de saúde com
3.893
(doença neurológica caracterizada por inflamações ao vírus zika, mas a neuropediatra do Instituto Nacional
na medula) e síndrome de Guillan-Barré (inflamação de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente
aguda dos nervos periféricos, que pode até mesmo Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Tânia Saad, esclarece
CASOS
paralisar os movimentos). que a doença já era descrita pela medicina há muitos
Já em relação ao chikungunya, os casos mais anos. Segundo a médica, além de herança familiar,
de microcefalia graves podem levar à persistência de alguns sinto-
mas, como dores nas articulações e musculares.
ela pode surgir em razão de algum tipo de sofrimen-
to vivido pelo bebê na barriga da mãe, como asfixia
associados “Passada a fase aguda, esses pacientes vão conti- ou falta de nutrientes. Também ocorre pela ação de
ao zika nuar procurando o atendimento ambulatorial, num alguns vírus, como rubéola, herpes e citomegalovírus.
(até 16/01) sistema hoje já sobrecarregado para atender essa Mas ela considera o ineditismo da situação enfrentada
demanda adicional”, considera Carlos. Com isso, o pelo Brasil, que ainda exige estudos para avaliar o
desafio para a saúde pública é a garantia do cuidado real impacto do zika. “Esse grave problema pode vir
aos doentes crônicos, problema já abordado por a ter uma abrangência maior do que imaginamos e
Radis na edição 159, dedicada à questão das filas prejudicar uma geração inteira de brasileirinhos, pela
na saúde. Essas complicações são mais comuns em ocorrência de microcefalia e outras complicações ainda
pacientes acima de 45 anos, como aponta orienta- desconhecidas”, comenta.
ção sobre manejo clínico da doença publicada pelo Até o momento há mais perguntas do que res-
Ministério da Saúde. “O vírus chikungunya é um postas sobre a ação do vírus zika no feto. Tânia explica
elemento novo dentro do cenário epidemiológico que, além do tamanho menor da cabeça, a principal
brasileiro, que precisa de uma organização dos característica da microcefalia é que o cérebro não se
serviços adequada, porque alguns pacientes vão desenvolve de maneira adequada — a gravidade das
necessitar de fisioterapeutas e outros profissionais sequelas varia de acordo com o estágio da gravidez em
por longo tempo”, constata. que a causa geradora do problema ocorreu. “Quando
As complicações não ocorrem em todos os a infecção por zika ocorre no início, o cérebro do bebê
casos das duas doenças, esclarece Carlos Brito. Na ainda está começando a se formar, então as conse-
maior parte das vezes, principalmente em relação quências podem ser muito maiores”, relata Tânia. O
ao zika, os sintomas costumam ser brandos. A período da gestação mais suscetível à ação do vírus é
estimativa do Ministério da Saúde é que menos de o primeiro trimestre, apontam o Ministério da Saúde
20% das infecções por esse vírus sejam percebidas e os especialistas ouvidos pela Radis.
por meio de sintomas. Ainda assim, o médico da A médica explica que o quadro de microcefalia
UFPE foi um dos primeiros especialistas a alertar pode causar um grande atraso de desenvolvimento,
para a gravidade dos surtos de zika e chikungunya com impactos nos movimentos e também neuro-
e constatou a relação do vírus zika com quadros sensoriais, como falta de visão, audição e déficit na
neurológicos, ao observar sete pacientes com essas cognição. De acordo com a médica, nem sempre os
complicações em Pernambuco, quatro deles com sinais serão notados logo após o nascimento. “Os
síndrome de Guillan-Barré. atrasos podem ser percebidos mais tarde, quando as
Essa síndrome pouco conhecida ganhou crianças começam a ter dificuldades para o uso da
repercussão após a associação com o vírus zika. linguagem, no aprendizado e na socialização”, conta.
Trata-se de uma doença rara, em que o corpo reage Segundo ela, o tratamento nem sempre é com medica-
à presença de vírus ou bactérias e começa a atacar o ção, utilizada somente nos casos de crises convulsivas,
próprio sistema nervoso, levando a sintomas como quando os bebês têm espasmos frequentes. “Podem
fraqueza muscular e paralisia de braços e pernas. ocorrer quadros mais suaves, que não necessitam de
Nos casos mais graves, pode atingir os músculos medicamentos, mas vão precisar de terapias multi-
respiratórios, provocando dificuldade de respirar, disciplinares, que estimulem a fala e o movimento”,
caso em que pode chegar à morte, se o doente não avalia a especialista.
receber suporte adequado. Segundo o Ministério Para as crianças que nasceram com microcefalia
da Saúde, o SUS dispõe de tratamento para essa deve ser garantido o cuidado adequado, aponta a
síndrome, entre procedimentos diagnósticos, clíni- médica Adriana Melo. Segundo ela, é preciso estru-
cos, de reabilitação e medicamentos. turar uma rede de atenção voltada para essas famílias
Carlos aponta que as complicações neuro- após o nascimento. “São crianças que precisarão de
lógicas podem ocorrer de uma a quatro semanas acompanhamento multidisciplinar, pois são altamente
após a descrição do quadro de zika. “A síndrome de dependentes”, considera. Os profissionais de saúde da
Guillan-Barré é a mais frequente, mas não é a única, Atenção Básica e da Atenção Especializada podem
podendo ocorrer casos de meningite e mielite”, buscar as diretrizes de estimulação precoce, lançadas
explica. Ele considera que ainda são necessários em janeiro pelo Ministério da Saúde, especialmente
estudos para confirmar os fatores de risco para o para crianças entre 0 e 3 anos.
desenvolvimento desses quadros, para identificar
por que razão alguns doentes desenvolvem e outros
PLANEJAR A GRAVIDEZ
não. “Também precisamos de estudos para buscar
alternativas para atenuar a ação do vírus nas pesso- Para as grávidas, a recomendação é reforçar as
as que foram infectadas, principalmente as gestan- medidas de prevenção ao mosquito, com o uso de
tes, para evitar a transmissão para o bebê”, relata. repelentes indicados para o período da gestação,
ACORDO PELO P
Conferência sobre Mudança do Clima aprova limite para aumento
H
istórico, mas imperfeito. Foi assim Obama, avaliou que o texto resultante da COP
que três organizações ambientalistas 21 “é a melhor chance de salvar o planeta” e
avaliaram o Acordo de Paris, docu- que será um ponto de inflexão em direção a um
mento aprovado pelos 195 países da futuro de baixa emissão de carbono. A presidenta
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Dilma Rousseff classificou o acordo como “justo”,
Mudança do Clima (UNFCCC) e pela União “ambicioso”, “duradouro”, “equilibrado” e “juridi-
Europeia, durante a 21ª Conferência das Partes camente vinculante”.
(COP 21), em 12 de dezembro. A principal meta
estipulada é a de manter o aquecimento global
EMISSÕES NEUTRALIZADAS
abaixo de 2ºC até 2025 em relação aos níveis
pré-industriais, buscando esforços para limitar o O texto aprovado determina, além do limite
aumento da temperatura a 1,5°C. de aumento de temperatura, que os países desen-
O acordo substituirá o Protocolo de Quioto, volvidos devem investir 100 bilhões de dólares por
que entrou em vigor em fevereiro de 2005, a ano até 2025 em medidas de combate à mudança
partir de 2020. Para isso, precisa ser ratificado do clima e adaptação em países em desenvolvi-
por pelos menos 55 países responsáveis por 55% mento. Também estipula metas de redução de
das emissões de gases de efeito estufa até 22 de emissões de gases que provocam o efeito estufa,
abril. Parte dos objetivos é “legalmente vinculante” que devem ser neutralizadas entre os anos de
— ou seja, países que não os cumprirem podem 2050 e 2100.
sofrer sanções internacionais. O diretor e xe cu ti vo do G re enp eace
Notas do Obser vatório do Clima, do Internacional, Kumi Naidoo, apontou fragilidades
Greenpeace Brasil e do WWF Brasil têm em co- no documento: segundo ele, as metas de emis-
mum o uso da palavra “histórico” para tratar da sões colocadas na COP 21 levarão a um aumento
COP 21. O WWF Brasil fala em “vitória histórica”; do aquecimento global próximo a 3°C — e não
o Greenpeace Brasil, em acordo “histórico, mas a 1,5°C. “Temos um teto de 1,5°C para alcançar,
longe de ser perfeito”; e o Observatório do Clima, mas a escada para chegar nele não é satisfatória.
em “feito histórico”. As metas de emissões em jogo na COP 21 não são
“Pela primeira vez, cada país do mundo se suficientes e os negócios não farão nada para mu-
compromete a reduzir as emissões, fortalecer a dar isso”, avaliou. O WWF Brasil citou como “pontos
resiliência e se unir em uma causa comum para para aperfeiçoamento” a falta de clareza quanto
combater a mudança do clima. O que já foi impen- à continuidade do financiamento após 2025 e de
sável se tornou um caminho sem volta”, destacou detalhamento da operacionalização das perdas e
o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. danos. Como ponto positivo, o diretor de política do
O presidente dos Estados Unidos, Barack Greenpeace Internacional, Daniel Mittler, destacou
COMPROMISSO NACIONAL
Um total de 186 países enviou as Contribuições
Pretendidas Nacionalmente Determinadas (INDC),
documento que continha o que cada governo
pretendia fazer para reduzir e remover as emissões
de gases do efeito estufa. O Brasil se comprometeu
com a redução de 37% de suas emissões em 2025;
e de 43% em 2030, na comparação com 2005.
Para isso, afirmou que pretende levar a frente uma
transição para sistemas de energia baseados em
fontes renováveis e descarbonização da economia
até o final deste século.
O INDC brasileiro foi o primeiro de um país
em desenvolvimento a prometer uma redução
absoluta de emissões para toda a sua economia.
O Brasil esteve junto de União Europeia, Noruega
e Suíça na lista dos que indicaram maior corte
nas emissões.
O WWF-Brasil opinou que o INDC do Brasil
foi “uma excelente contribuição” e “muito su-
perior ao de países mais emissores”. “O Brasil
não condicionou as suas contribuições ao apoio
financeiro externo e declarou, também de for-
ma voluntária, como pretende atingir os seus
objetos. A recuperação de áreas degradadas e
o crescimento em energias renováveis são novas
sinalizações para investidores e empreendedores,
sendo, agora, necessária, a articulação de muitos
atores para a sua real implementação”, afirmou
a organização, em nota.
ENTREVISTA
ANDREY LEMOS
“Nossa estratégia
é resistir”
D
urante a 15ª Conferência Nacional de
Saúde, que aconteceu entre 1º e 4 de
dezembro, em Brasília, o movimento LGBT
foi presença ativa. Buscava, como disse
o historiador Andrey Roosewelt Chagas Lemos,
fortalecer a defesa da saúde pública, mas também
lutar contra qualquer possibilidade de retrocesso
de direitos. “Veja bem”, ele reforçou, “o que quere-
mos é apenas ter o mesmo processo de igualdades
e oportunidades no acesso e também na garantia
da qualidade do tratamento, da assistência e da
própria vigilância em saúde”.
Andrey é presidente da União Nacional de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(UNA-LGBT) e atualmente trabalha junto à Política
Nacional Integral de Saúde LGBT, no Ministério
da Saúde. Num final de tarde, ainda tomado pelo
debate nos grupos de trabalho da conferência e
após defender no voto as propostas que garantem
mais equidade no sistema de saúde, ele conversou
com Radis sobre as conquistas do movimento e
traduziu o que considera ameaças conservadoras
no cenário político atual.
Destino: Ciência
Ciência, história e política se misturam na trajetória de um
dos mais prestigiados cientistas da Fiocruz
Elisa Batalha da sua carreira foi a admiração e o carinho dos que
N
conviveram com ele, um “humanista romântico e
o hall dos nomes que marcaram a pesquisa empreendedor”, como o descreveu Paulo Gadelha,
científica no país e no mundo e a história presidente da Fiocruz.
da Fiocruz não pode faltar o de Haity “Moussatché era um dos mais destacados
Moussatché — cujo acervo foi doado em cientistas da instituição. Reunia qualidades únicas de
dezembro de 2015 à Casa de Oswaldo Cruz (COC/ excelência científica e era um formador de escolas
Fiocruz). O pesquisador tornou-se referência mun- no país e fora dele. A sua pesquisa, a sua atividade
dial em fisiologia e farmacologia e ajudou a formar científica, sempre tiveram como projeto e compro-
gerações de profissionais e instituições que são misso a qualidade de vida das pessoas. Tinha um
respeitadas até hoje. A trajetória pessoal mistura-se posicionamento crítico e político de extrema lucidez
à carreira do cientista e ambas marcaram profunda- e um trato com as pessoas que era a um só momento
mente os que conviveram com ele ao longo dos seus firme e de grande ternura e acolhimento”, relembra
88 anos de vida. Gadelha, que conheceu o cientista e participou de
Moussatché nasceu em 1910, em Smirna, uma longa entrevista de resgate da trajetória do pes-
Turquia, e migrou para o Brasil aos três anos. “Meu quisador entre dezembro de 1985 e janeiro de 1986,
nome é uma adaptação ao turco de um nome hebrai- após a reintegração de Haity — ele fora cassado pela
co, Haiim, que quer dizer Água da Vida, ou Vida”, ditadura militar — ao país e à Fiocruz.
explicou em uma entrevista concedida em 1985. Eram Lembrado como de personalidade amável e
tempos em que muitos migravam para a América. acolhedora, e muito apaixonado pelo que fazia e pela
Assim Haity veio parar no Brasil, um destino então instituição, até os dias atuais Haity arranca expres-
desconhecido sobre o qual se ouviam apenas boatos sões de admiração de quem o conheceu. “Era uma
sobre a febre amarela.
Acabou se instalando no Rio de Janeiro com a
família, onde cresceu e cursou Medicina pela antiga
Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do “O Pr
Rio de Janeiro). Começou no Instituto Oswaldo Cruz grand ofessor Ha
i
como “interno agregado” — o que hoje se chamaria nha g e ídolo insp ty Moussa
eração i t
de estagiário não remunerado —, quando costumava ele no
s . Foi u rador para ché foi e a
dormir nas dependências do Hospital Evandro Chagas. Farm spaços d privilég mim e mu inda é um
e m
a
Formou-se em 1933, e dois anos depois se transferiu
dez a codinâmic o Depar ta io poder co itos da mi-
nos d m n
e sua a, naquele ento de F viver com
para o laboratório que a Fundação Rockfeller manti-
se u e n
nha no campus de Manguinhos, destinado à produ- tu s ia b r i lh s q u ef i s i ol o
bretu
ção de vacina contra a febre amarela. Fez parte do do, a smo com a ante carrei oram os úl gia e
grupo pioneiro de Carlos Chagas, Arthur Neiva, Lauro apesa sua d s c i ên ra cie timos
r e
Travassos, Henrique Aragão, entre outros. um ex da idade j dicação ao cias biomé ntífica . O
e d
Em colaboração com outros cientistas de Haity mplo fant á avançada trabalho n icas e, so-
á s , a
renome como Miguel Osório e Mário Vianna Dias, ficará era sim u tico para eram con bancada,
m t t
destacou-se na área de fisiologia. A sua pesquisa de nosso para semp ser hum odos nós. O agiantes e
depar re na ano m
livre-docência, de 1948, tratou das convulsões experi- t am e n m emó uito e Professor
mentais. Foi professor dos cursos de bioquímica e he- t o e do r i a s pe
nosso e na histó cial , e
Mar
co A
matologia. Passou a integrar o quadro permanente da do L uréli
instit r
Instituição por meio de concurso realizado em 1941,
abor o
atório Martins
, pes
uto”. ia do
de In q
e mais tarde, chefiou a Seção de Farmacodinâmica, flam uisad
ação o
até 1958, e a de Fisiologia, até 1964. (IOC/ r titular e
Fiocr Chef
Além do reconhecimento internacional e dos uz) e
inúmeros prêmios (leia matéria na página 28), o que
mais o professor Moussatché conquistou ao longo
Currículo extenso
no país. Foi um dos fundadores da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em
1948. A convite do antropólogo Darcy Ribeiro,
integrou a comissão que planejou a Universidade
de Brasília (UnB), em 1959 e 1960.
Ao longo de sua vida, o fisiologista e farma-
cologista publicou e apresentou mais de duzentos
trabalhos. Foi membro fundador e participou de
outras diversas sociedades nacionais e estran-
geiras, como a Sociedade de Biologia do Brasil,
FOTO: ARQUIVO PESSOAL/RENATO CORDEIRO
E
Haity participou
ativamente de movimentos
ntre muitos temas e objetos de pesquisas, Haity Venezuelana para o Progresso da Ciência e da
de desenvolvimento de Moussatché desenvolveu estudos sobre a reação Associação para Criação do Parlamento Mundial.
instituições científicas, anafilática em animais de laboratório, propriedades Recebeu ao longo da carreira diversos prê-
como a SBPC e a farmacológicas de frações de venenos de serpentes. mios, como a Ordem Nacional do Mérito Científico,
Universidade de Brasília Estudou também as propriedades medicinais de na classe Grã-Cruz (1993), e o Golfinho de Ouro
substâncias extraídas de plantas nativas e desta- do Governo do Estado do Rio de Janeiro (1986).
cou-se, sobretudo, pelo estudo dos mediadores Colaborou e foi amigo de eminentes cientistas,
químicos na transmissão do impulso nervoso. Seus como Maurício Rocha e Silva, José Leite Lopes,
trabalhos sobre os choques anafilático e peptônico Mário Schenberg, Ivan Izquierdo, Michel Rabinovich,
tiveram repercussão internacional, e o cientista Walter Oswaldo Cruz, Sergio Arouca, Warwick Kerr
foi autor de um capítulo clássico sobre o tema e Darcy Ribeiro.
na renomada publicação científica Handbook of Defendia a ciência de maneira integral, sem
Experimental Pharmacology, de 1966. distinção. Nas suas palavras, “diferenciar a pesquisa
Haity não era conhecido como um pesquisa- básica da pesquisa aplicada é pura invenção de
dor que se isolasse no laboratório. Participou inten- gente que não sabe o que é ciência... O que é hoje
samente dos movimentos e negociações para forta- ciência básica amanhã é aplicada e vice-versa. A
lecer o desenvolvimento das instituições científicas metodologia é a mesma, podem conviver”.
Perale
Jonas
Premiado no Brasil e no
exterior, Moussatché foim
um dos fundadores da
International Society of
Toxicology e da Sociedade
de Biologia do Brasil
O
o impacto da perda de profissionais especializados.
papel e a responsabilidade da mídia, a “É difícil atender aos prazos cada vez mais rápidos
cobertura de casos de saúde pública e de produção da notícia. O grande desafio diário é
a qualidade das informações divulgadas passar a informação de modo sério e correto e de
por jornalistas e autoridades sanitárias forma rápida”, disse. Para driblar as dificuldades, ela
em relação a doenças emergentes estiveram no considera essencial que se façam parcerias com as
centro dos debates do seminário Relações da fontes de informação e as assessorias de imprensa,
saúde pública com a imprensa, promovido pela de modo que a produção de notícias não perca a
Fiocruz em Brasília, em novembro de 2015. Em sua qualidade. Natália considera que a área de saúde
quarta edição, o seminário focou as discussões na exige do repórter uma abordagem mais cuidadosa:
cobertura dos casos de dengue, chikungunya, zika “Temos que equilibrar as notícias sobre doenças e
e ebola, doenças que estão sob foco permanente surtos para que informem sem provocar alarde”,
da imprensa. Jornalistas e profissionais da saúde disse, lembrando que também é papel dos jornalistas
participantes do evento avaliaram que uma “rup- fornecer serviço ao seu público. No caso da dengue,
tura” promovida pela web mudou o modo como a a jornalista indicou que é importante que a sociedade
notícia é produzida, trazendo impactos receba informações precisas, já que tem participação
para a cobertura jornalística, incluindo direta no controle da doença.
as matérias de saúde. “A imprensa, Valéria Mendonça, professora do Núcleo de
de certa maneira, tinha o mono- Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília
pólio do saber noticioso. Com (Nesp/UnB), chamou atenção para um descompasso
as redes sociais, o conteúdo foi entre a produção e o consumo de notícias: de um
fragmentado e redistribuído, lado, há uma exigência da sociedade para que a
levando à perda de proto- mídia informe sobre tudo; de outro, há dificuldade
colos na apuração e edição para que o público assimile todas as informações.
do jornalismo”, afirmou a A professora lembrou que, a cada 60 segundos,
jornalista Ângela Pimenta, do trafegam pela internet 138,8 milhões de e-mails, são
Observatório da Imprensa e do realizados 2,66 milhões de buscas no Google, posta-
Instituto para o Desenvolvimento dos 433 mil tweets e vistos 5 milhões de vídeos no
do Jornalismo (Projor), modera- YouTube. Para ela, esse quadro é alarmante. “Ebola
dora do painel “Ebola: o papel e a é importante, mas vou falar de infodemia”, advertiu.
responsabilidade da mídia”. Ela definiu “infodemia” como uma explosão de infor-
Ângela questionou a capacidade mações, oriundas de fontes diversas, que mantém as
atual de a mídia capacitar jornalistas para pessoas aterrorizadas e encontram no setor saúde
Valéria Mendonça:
"infodemia"
tratar de temas de interesse, como os da saúde pú- o seu “prato preferido”. “O que difere o remédio do
como explosão de blica, num cenário que descreveu como “tempestade veneno é a dose aplicada”, alertou Valéria, criticando
informações que de notícias e não notícias que esguicham de tablets a “cobertura seletiva” que privilegia alguns assuntos
mantém as pessoas e celulares diariamente”. Para ela, há uma “crise em detrimento de outros. Ela usou como exemplo
aterrorizadas econômica e existencial” que afeta o jornalismo as inúmeras mortes provocadas diariamente por
no mundo todo, criando dificuldades para que os acidentes de trânsito, que segundo sua análise per-
FOTO: REPRODUÇÃO
para as doenças
Jogos eletrônicos podem auxiliar processo de
conscientização e prevenção na área da saúde
A
rizador para acabar com os mosquitos e recolher as
dificuldade de diálogo entre instituições garrafas, pneus e vasos com água acumulada. Após
científicas e gerações mais jovens com- cada fase concluída, uma mensagem sobre o que
promete práticas sanitárias e até mesmo fazer com o material recolhido aparece na tela. O
a compreensão sobre saúde. Aproximar sucesso da iniciativa fez com que a Secretaria de
as informações produzidas sobre prevenção e Saúde de Altamira estudasse a possibilidade de
promoção da saúde do universo dos games pode usar o software nas escolas de ensino fundamental.
estimular o debate público e a familiarização com Já o Jogo do acesso aberto é produto
temas relacionados à saúde, assim como auxiliar do projeto Jogo digital para comunicação
na conscientização de crianças, jovens e adultos em saúde, coordenado pelo designer gráfico
para a adoção de hábitos mais saudáveis, assim Marcelo Vasconcellos, pesquisador do Instituto de
como para o enfrentamento de muitas doenças. Comunicação e Informação Científica e Tecnológica
Uma destas iniciativas é o game Re-mission 2, em Saúde (Icict/Fiocruz), idealizado por ele os de-
que vem se tornando popular entre jovens que vêm signers Flávia de Carvalho e Juan Puppin Monteiro
lutando contra o câncer. Na narrativa, o jogador tem (também do Icict). O News game (jogo mais sim-
a possibilidade de combater o câncer “cara a cara” ples, que funciona como um complemento textual)
com a ajuda do pequeno robô Roxxi — e compre- foi criado “de forma a despertar interesse também
ender o processo de quimioterapia e os efeitos do do público leigo, a fim de que possa conhecer mais
tratamento no corpo humano. Os produtores do sobre esta questão tão importante, mas que para
jogo apostam que com o conhecimento adqui- grande parte da população não é muito palpável”,
rido pela prática do jogo, pacientes com câncer disse Marcelo ao site do Icict, explicando que o jogo
respondem melhor ao tratamento e à necessidade aborda os problemas sobre a dificuldade em acessar
de continuar os procedimentos médicos, já que conteúdos acadêmicos da saúde. “O Acesso Aberto
compreendem melhor o que está acontecendo em é importante, principalmente na Saúde, onde lite-
seus próprios corpos. ralmente contribui para salvar vidas”, justificou o
Já o game That Dragon, Cancer possibilita pesquisador, no lançamento do projeto.
a experiência de uma jornada familiar contra a
doença, ao mostrar a experiência da família Green.
LUDIFICAÇÃO
Em um ambiente em três dimensões, o jogo ofe-
rece reflexões sobre vida, morte, fé, esperança e Em geral, a lógica dos games segue uma roti-
perdão — temas pouco comuns no universo dos na básica, onde o jogador deve executar tarefas e
videogames. cumprir metas alcançar um objetivo final, trajetória
No Brasil também há iniciativas interessantes, semelhante a muitos aspectos da vida real. A dife-
como os games Contra a Dengue: o jogo e Acesso rença é que no mundo dos games os problemas
aberto. O primeiro, criado pelo estudante de in- se apresentam de modo divertido ao jogador. Foi
formática Renan Felipe Sousa, busca conscientizar a partir dessa semelhança que pesquisadores co-
crianças sobre a formação dos focos da doença e meçaram a extrair elementos dos jogos e inserí-los
orientar sobre o que fazer para impedir a sua cria- em sistemas que não foram desenvolvidos para
ção. Aluno do Instituto Federal de Educação, Ciência entreter — um processo chamado de gamification
e Tecnologia do Pará (IFPA), campus de Altamira, no ou ludificação. No campo da saúde, a estratégia vem
Na tela do smartphone, a
interface do game Re-Mission 2,
no qual o usuário pode “lutar”,
virtualmente contra o câncer
PUBLICAÇÕES
Vacinas em destaque
A ideia da pesquisadora Alicia
Kowaltowski, ao escrever O que é
EVENTOS
Organizado pela
A ssociação Brasileira
de Saúde Mental
A partir do tema “Diversidade,
Igualdade e Democracia: Os de-
safios do Brasil contemporâneo”,
(Abrasme), o evento tem como tema Juntos nas diferenças: o evento, que é organizado pelo
sonhos, lutas e mobilização social pela reforma psiquiátrica e Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
propõe uma retomada da mobilização social para concretização Universidade do Estado de Santa Catarina (Neab/Udesc) e tem
da Reforma Psiquiátrica. A ideia é promover um modelo de aten- a coordenação de Paulino de Jesus Francisco Cardoso e Claudia
ção e cuidado humanizado, em liberdade, no território, fundado Mortari tem em sua programação conferências, mesas redondas,
nos princípios do SUS e da Política Nacional de Saúde Mental. comunicações orais e apresentações culturais. Entre os eixos temá-
Na programação, já estão previstos um simpósio internacional ticos estão discussões sobre educação das relações étnico-raciais,
sobre recovery e atenção psicossocial e sessões da International feminismo, ações afirmativas, estudos ciganos, educação indígena,
School Franca & Franco Basaglia. racismo ambiental e quilombolas.
N
ós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva que atua- envenenando seres humanos. Mas isto não é reconhecido: ao con-
mos no GTs de Saúde e Ambiente, Saúde do Trabalhador e trário, há uma ocultação desses perigos. Este despreparo também
de Vigilância Sanitária da Abrasco vimos a público porque leva a defender que a epidemia é um problema de Saúde Pública
temos o dever de elaborar reflexões, questionamentos e fazer que justifica o uso do “fumacê”, mesmo com produtos químicos
proposições que possam orientar as políticas públicas na intervenção sabidamente tóxicos, como o Malathion, um verdadeiro contrassenso
preventiva frente à epidemia de microcefalia. Dentre os eventos sani- sanitário. Este produto é um agrotóxico organofosforado considera-
tários clinicamente visíveis, este talvez seja um dos mais importantes do pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como
pós-Segunda Guerra Mundial. potencialmente cancerígeno para os seres humanos.
Foi decisão do Ministério da Saúde (MS) imputar a associação Entendemos que aqui está a chave mestra para discutir porque o
da epidemia de microcefalia à infecção materno-fetal pelo vírus da MS admite e defende esse modelo. Por trás disso estão a OMS e OPAS
Zika. Diante da inusitada incidência, foi determinado o Estado de com o peso institucional de seus comitês de “pesticidas” que não
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, desenca- dialogam com os comitês: ambiental, de saneamento e de promoção
deando a intensificação do controle do Aedes aegypti pelos mesmos da saúde. Naqueles comitês internacionais, os que fazem a prescrição
métodos ineficazes e perigosos utilizados há 40 anos. do uso e a regulação da compra dos insumos de controle vetorial para
Observa-se que a distribuição espacial por local de moradia das o mundo são imperiais. São tais organismos que convencem e dão
mães dos recém-nascidos com microcefalia (ou suspeitos) é maior o aval aos processos licitatórios dos governos nacionais. No Estado
nas áreas mais pobres, com urbanização precária e com saneamento de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, recen-
ambiental inadequado. Nestas áreas, o provimento de água de forma temente decretado pelo MS, conforme noticia a grande mídia, está
irregular ou intermitente leva essas populações ao armazenamento sendo preconizado o uso de larvicida diretamente nos carros-pipas
domiciliar inseguro de água, condição muito favorável para a repro- que distribuem água nas regiões do Agreste e Sertão do Nordeste.
dução do Aedes aegypti. Alertamos que esta é a mais recente ameaça sanitária imposta pelo
Apesar das razões e incertezas que estão na determinação modelo químico dependente de controle vetorial.
da ocorrência da epidemia de microcefalia, o caminho para o que Sem trocadilhos, chega-se assim, ao fundo do poço, em termos
se chama de “enfrentamento” foi o de intensificar o “combate” ao de falta de compreensão dos processos de determinação socioam-
mosquito. Chamamos a atenção da sociedade para esta questão: biental e de cuidados na prevenção das doenças relacionadas aos
por quais razões, apesar de todos os indicadores de ineficácia, o MS vetores, aos quais se somam os interesses nacionais e internacionais
continua a utilizar a mesma abordagem para o controle do mosquito estranhos às questões de saúde públicas e relacionadas às agendas
transmissor do vírus da dengue, doença cuja transmissão depende de consumo dos agrotóxicos. Uma pergunta que não quer calar
também de outros elementos e condições. precisa ser aqui posta com total indignação: por que não foram prio-
É preciso também problematizar o uso de produtos químicos rizadas até agora as ações de saneamento ambiental, estratégia que
numa escala que desconsidera as vulnerabilidades biológicas e socioam- parece ficar ainda mais distante? O que de fato está sendo feito para
bientais de pessoas e comunidades. O consumo de tais substâncias o abastecimento regular de água nas periferias das cidades? Como as
pela Saúde Pública só interessa aos seus produtores e comerciantes pessoas podem proteger as águas reservadas para consumo? Por que
desses venenos. São insumos produzidos por um cartel de negócios apesar de muitas cidades terem coleta de lixo regular, ainda se observa
muito lucrativo, que atua em todo o mundo e que, mesmo com evi- uma quantidade enorme de lixo diariamente presente ambiente? E a
dências dos risco provocados pelos organofosforados e piretroides, drenagem urbana de águas pluviais? E o esgotamento sanitário?
dos quais se conhecem tantos efeitos deletérios têm tido o apoio de Nós, sanitaristas e pesquisadores da Saúde Coletiva, reivindica-
agências internacionais de Saúde Pública, como o Fundo Rotatório da mos das autoridades competentes a imediata revisão do modelo de
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial controle vetorial. O foco deve ser a eliminação do criadouro e não
da Saúde (OMS). Uma simples consulta às fichas de segurança química o mosquito como centro da ação. Exigimos a suspensão do uso de
de tais produtos entregues pelas empresas aos órgãos de Saúde Pública produtos químicos e outros biocidas, com profundas mudanças na
mostra que esses produtos, a exemplo do Malathion, são neurotóxi- operacionalização do controle vetorial mediante a adoção de méto-
cos para o sistema nervoso central e periférico, além de provocarem dos mecânicos de limpeza e de saneamento ambiental. É necessário
náusea, vômito, diarreia, dificuldade respiratória e sintomas de fraqueza proteger a qualidade da água de beber e garantir sua potabilidade.
muscular, inclusive nas concentrações utilizadas no controle vetorial. O amparo às famílias acometidas pelo surto de microcefalia deve
Os fornecedores são os mesmos cartéis de empresas produto- ser dado mediante a uma política pública perene, e não transitória,
ras de agrotóxicos que operam na agricultura, tornando-a também com especial atenção pré-natal. Uma agenda de pesquisa deve ser
tóxica e químico-dependente. Esse modelo, pós-II Guerra Mundial, proposta prevendo ampla oportunidade para que grupos interdisci-
destacamos, impôs-se também para o controle das doenças vetoriais plinares possam aportar novos conhecimentos em uma perspectiva
em Saúde Pública. Essa mesma lógica já está adotada para oferecer transparente e participativa. Lembramos ainda que todas as medidas
a solução mediante a transgenia e outras biotecnologias imprecisas, de controle vetorial devem ser realizadas com mobilização social no
duvidosas e perigosas para os ecossistemas, focando a ação apenas sentido da proteção da Saúde Pública, priorizando-se as medidas
no mosquito, sem levar em conta os efeitos em organismos não-alvo. de saneamento ambiental, e orientadas pelos princípios da Política
Frisamos o simplismo no trato da questão por parte do MS que Nacional de Educação Popular em Saúde.
reduz a causalidade da Dengue, da Zika e da Chicungunya, centrando
as ações na tentativa de elimina ou reduzir o vetor, o que deve ser Carta elaborada pelos GTs de Saúde e Ambiente, de Saúde do
substituído, insistimos, pela ação de medidas de cunho intersetoriais Trabalhador, de Vigilância Sanitária e de Promoção da Saúde e
para intervir no contexto socioeconômico e ambiental. Visando Desenvolvimento Sustentável da Abrasco a partir de nota técnica
eliminar o mosquito a ação orientada pelo MS acaba, também, lançada em janeiro. Íntegra do documento: www.abrasco.org.br/