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Interpretação de textos e textualidade

A maioria dos textos são dissertativoargumentativos ou narrativos


(crônicas/contos), por isso é importante saber todas as características desses
tipos/gêneros textuais. Cerca de 40% da prova trabalha interpretação, muitas
vezes de nível pesado. Veja o capítulo 34 da minha gramática.

A morte e a morte do poeta

Ao ler o seu necrológio no jornal outro dia, o pianista Marcos Resende primeiro
tratou de verificar que estava vivo, bem vivo. Em seguida gravou uma mensagem
na sua secretária eletrônica: “Hoje é 27 e eu não morri. Não posso atender
porque estou na outra linha dando a mesma explicação”. Quando li esta nota,
me lembrei de como tudo neste mundo caminha cada vez mais depressa. Em
1862, chegou aqui a notícia da morte de Gonçalves Dias.

O poeta estava a bordo do Grand Condé havia cinquenta e cinco dias. O brigue
chegou a Marselha com um morto a bordo. À falta de lazareto, o navio estava
obrigado à caceteação da quarentena. Gonçalves Dias tinha ido se tratar na
Europa e logo se concluiu que era ele o morto. A notícia chegou ao Instituto
Histórico durante uma sessão presidida por d. Pedro II. Suspensa a sessão,
começaram as homenagens ao que era tido e havido como o maior poeta do
Brasil. Suspeitar que podia ser mentira? Impossível. O imperador, em pleno
Instituto Histórico, só

podia ser verdade. Ofícios fúnebres solenes foram celebrados na Corte e na


província. Vinte e cinco nênias saíram publicadas de estalo. Joaquim Serra,
Juvenal Galeno e Bernardo Guimarães debulharam lágrimas de esguicho,
quentes e sinceras. O grande poeta! O grande amigo! Que trágica perda! As
comunicações se arrastavam a passo de cágado. Mal se começava a aliviar o
luto fechado, dois meses depois chegou o desmentido: morreu, uma vírgula!
Vivinho da silva. A carta vinha escrita pela mão do próprio poeta: “É mentira! Não
morri, nem morro, nem

hei de morrer nunca mais!” Entre exclamações, citou Horácio: “Não morrerei de
todo.” Todavia, morreu, claro. E morreu num naufrágio, vejam a coincidência.
Em 1864, trancado na sua cabine do Ville de Boulogne, à vista da costa do
Maranhão. Seu corpo não foi encontrado. Terá sido devorado pelos tubarões.
Mas o poeta, este de fato não morreu. [...]

(Adaptado de: RESENDE, Otto Lara. Bom dia para nascer. São Paulo: Cia das
Letras, 2011, p.107-8)

1. No texto, o autor contrapõe fundamentalmente

(A) as boas condições do porto de Marselha, em território francês, às péssimas


condições do porto brasileiro localizado no Maranhão, perto do qual o navio Ville
de Boulogne acabou por naufragar.

(B) a demora com que a notícia da suposta morte de Gonçalves Dias, no século
XIX, pôde ser contestada pelo poeta à rapidez com que o pianista Marcos
Resende, contemporâneo do cronista, pôde contestar a própria morte.

(C) a comoção com que foi recebida a notícia da suposta morte do poeta
Gonçalves Dias à indiferença com que se recebeu a notícia da morte do pianista
Marcos Resende, buscando-se esclarecê-la com um simples telefonema.

(D) a resistência do navio Grand Condé, onde Gonçalves Dias pôde permanecer
em segurança por mais de cinquenta dias, à fragilidade do Ville de Boulogne,
que levou pouco tempo para naufragar na costa do Maranhão.

(E) a banalização das notícias em seu próprio tempo, mesmo as mais trágicas,
à solenidade com que eram dadas no século XIX, muitas vezes em sessões no
Instituto Histórico, com a eventual presença do próprio Imperador.

2. De acordo com o texto, a falsa notícia da morte de Gonçalves Dias teria se


originado de uma conjunção de acontecimentos que incluem:

(A) a morte de um passageiro no navio em que ele viajava, a impossibilidade dos


passageiros do navio cumprirem o período de quarentena em terra e a motivação
da viagem do poeta para a Europa.

(B) a inexistência de lazareto no Grand Condé, a motivação da viagem do poeta


para a Europa e as falhas de comunicação entre o navio e o porto de Marselha.
(C) a impossibilidade dos passageiros do navio cumprirem o período de
quarentena em terra, a presença do Imperador no Instituto Histórico e as
homenagens feitas no Brasil ao grande poeta.

(D) a morte de um passageiro no navio em que ele viajava, a motivação da


viagem do poeta para a Europa e as falhas de comunicação entre o navio e o
porto de Marselha.

(E) a inexistência de lazareto no Grand Condé, a morte de um passageiro no


navio e as homenagens feitas no Brasil ao grande poeta.

Em defesa da dúvida

Numa época em que tantos parecem ter tanta certeza sobre tudo, vale a pena
pensar no prestígio que a dúvida já teve. Nos diálogos de Platão, seu amigo
Sócrates pulveriza a certeza absoluta de seus contendores abalando-a por meio
de sucessivas perguntas, que os acabam convencendo da fragilidade de suas
convicções. Séculos mais tarde, o filósofo Descartes ponderou que o maior
estímulo para se instituir um método de conhecimento é considerar a presença
desafiadora da dúvida, como um primeiro passo.

Lendo os jornais e revistas de hoje, assistindo na TV a entrevistas de


personalidades, o que não falta são especialistas infalíveis em todos os
assuntos, na política, na ciência, na economia, nas artes. Todos têm receitas
imediatas e seguras para a solução de todos os problemas. A hesitação, a
dúvida, o tempo para reflexão são interpretados como incompetência,
passividade, absenteísmo. É como se a velocidade tecnológica, que dá o ritmo
aos nossos novos hábitos, também ditasse a urgência de constituirmos nossas
certezas.

A dúvida corresponde ao nosso direito de suspender a verdade ilusória das


aparências e buscar a verdade funda daquilo que não aparece. Julgar um fato
pelo que dele diz um jornal, avaliar um problema pelo ângulo estrito dos que nele
estão envolvidos é submeter-se à força de valores já estabelecidos, que
deixamos de investigar. A dúvida supõe a necessidade que tem a consciência
de se afastar dos julgamentos já produzidos, permitindose, assim, o tempo
necessário para o exame mais detido da matéria a ser analisada. A dúvida pode
ser o primeiro passo para o caminho das afirmações que acabam sendo as mais
seguras, porque mais refletidas e devidamente questionadas. (Cássio da
Silveira, inédito)

3.Avalorização da dúvida se deve ao fato de que ela

(A) constitui o meio pelo qual se empreende uma contestação ilusória de


verdades dadas como irrefutáveis.

(B) vale-se astutamente de sua fragilidade como método para poder impor
algumas verdades definitivas.

(C) permite abrir um caminho para o conhecimento ao questionar verdades


dadas como absolutas.

(D) contribui para a valorização de verdades préestabelecidas por métodos


seguros de conhecimento.

(E) implica a tentativa de se chegar a um tipo de conhecimento cuja validade


dispensa qualquer comprovação.

4. Diferentemente da maneira pela qual Sócrates e Descartes qualificavam a


dúvida, o texto nos lembra que há

(A) quem pulverize a certeza inabalável com que alguns afirmam seus pontos de
vista, juízos e convicções.

(B) aqueles que já de saída se apresentam como especialistas infalíveis em


temas da política, da ciência, das artes.

(C) aquele que se dispõe a se pronunciar sobre algum assunto depois de ter
aberto várias hipóteses de abordagem.

(D) quem sempre suspenda a verdade das aparências, não se furtando a


questioná-las antes de aceitá-las.

(E) quem se afaste de julgamentos definitivos para se deter sobre o que há de


problemático numa matéria.
Eduardo Coutinho, artista generoso

Uma das coisas mais bonitas e importantes da arte do cineasta Eduardo


Coutinho, mestre dos documentários, morto em 2014, está em sua recusa aos
paradigmas que atropelam nossa visão de mundo. Em vez de contemplar a
distância grupos, classes ou segmentos, ele vê de perto pessoa por pessoa,
surpreendendo-a, surpreendendo-se, surpreendendo-nos. Não lhe dizem nada
expressões coletivistas como “os moradores do Edifício”, os “peões de fábrica”,
“os sertanejos

nordestinos”: os famigerados “tipos sociais”, usualmente enquadrados por


chavões, dão lugar ao desafio de tomar o depoimento vivo de quem ocupa
aquela quitinete, de investigar a fisionomia desse operá- rio que está falando, de
repercutir as palavras e os silêncios do morador de um povoado da Paraíba.
Essa dimensão ética de discernimento e respeito pela condição singular do outro
deveria ser o primeiro passo de toda política. Nem paternalismo, nem admiração
prévia, nem sentimentalismo: Coutinho vê e ouve, sabendo ver e ouvir, para
conhecer a história de cada

um como um processo sensível e inacabado, não para ajustar ou comprovar


conceitos. Sua obsessão pela cena da vida é similar à que tem pela arte, o que
torna quase impossível, para ele, distinguir uma da outra, opor personagem a
pessoa, contrapor fato a perspectiva do fato. Fazendo dessa obsessão um eixo
de sua trajetória, Coutinho viveu como um homem/artista crítico para quem já
existe arte encarnada no corpo e suspensa no espírito do outro: fixa a câmera,
abre os olhos e os ouvidos, apresenta-se, mostra-se, mostra-o, mostra-nos.

(Armindo Post, inédito)

5. Ao se referir à recusa aos paradigmas que atropelam nossa visão de mundo,


identificandoa como uma característica da arte de Eduardo Coutinho, o autor do
texto enaltece a capacidade que tem esse cineasta de

(A) reproduzir os lugares-comuns e as fórmulas conhecidas, aderindo aos


valores socialmente aceitos e dados por nós como irrefutáveis.

(B) rejeitar as perspectivas estereotipadas que, de forma intempestiva,


condicionam nosso modo de enxergar as coisas.
(C) desviar-nos da tentação de embaralhar a compreensão que temos da vida,
quando ele simplifica e enrijece os valores pelos quais devemos nos guiar.

(D) dissipar os valores éticos, substituindo-os por critérios pessoais capazes de


nos tornar mais determinados em nossas iniciativas.

(E) evitar decididamente os parâmetros estranhos aos códigos sociais já


firmados, para que não nos enganemos na apreciação das coisas.

6. Atente para as seguintes afirmações sobre Eduardo Coutinho e sua arte:

I. As expressões coletivistas referidas e exemplificadas no primeiro parágrafo


são aquelas que ajudam o cineasta a reconhecer a contribuição original de cada
cidadão no exercício de sua função social.

II. Deve-se entender que, em seus documentários, o cineasta valoriza sobretudo


a singularidade das pessoas retratadas, em vez de tomá-las como tipos sociais
já identificados e rotulados.

III. O foco de atenção que o cineasta faz incidir sobre as pessoas que retrata é
tão intenso e bem trabalhado que elas surgem como personagens que se
revelam para nós em toda a sua verdade.

Está correto o que se afirma em

(A) I, II e III.

(B) I e II, apenas.

(C) I e III, apenas.

(D) II e III, apenas.

(E) III, apenas.

Do adultério

O adultério é um crime para todos os povos da terra; o adultério das mulheres,


entenda-se, visto terem sido os homens que fizeram as leis. Enxergaram-se
como proprietários de suas esposas; elas são um de seus bens; o adultério as
rouba, introduz nas famílias herdeiros estranhos. Acrescentese a essas razões
a crueldade do ciúme, e não será surpreendente que em tantas nações, mal
saídas do estado selvagem, o espírito de propriedade tenha decretado a pena
de morte para sedutores e seduzidas. (VOLTAIRE, O preço da justiça. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 63-64)

7. Ao considerar o adultério como crime que penaliza sobretudo as mulheres,


Voltaire estabelece uma íntima conexão entre

(A) o preconceito masculino e a moralidade religiosa.

(B) a ética própria do século XVIII e a capacidade feminina de sedução.

(C) a origem autoral da legislação e o direito de propriedade.

(D) a volubilidade masculina e o oportunismo feminino.

(E) a administração política e os direitos da família.

Filosofia de borracharia

O borracheiro coçou a desmatada cabeça e proferiu a sentença tranquilizadora:


nenhum problema com o nosso pneu, aliás quase tão calvo quanto ele. Estava
apenas um bocado murcho. − Camminando si sgonfia* − explicou o camarada,
com um sorriso de pouquíssimos dentes e enorme simpatia. O italiano vem a ser
um dos muitos idiomas em que a minha abrangente ignorância é especializada,
mas ainda assim compreendi

que o pneu do nosso carro periclitante tinha se esvaziado ao longo da estrada.


Não era para menos. Tendo saído de Paris, havíamos rodado muito antes de
cair naquele emaranhado de fronteiras em que você corre o risco de não saber
se está na Áustria, na Suíça ou na Itália. Soubemos que estávamos no norte, no
sótão da Itália, vendo um providencial borracheiro dar nova carga a um pneu
sgonfiato. Dali saímos − éramos dois jovens casais num distante verão europeu,
embarcados numa aventura que, de camping em camping, nos levaria a Istambul
– para dar carga nova a

nossos estômagos, àquela altura não menos sgonfiati. O que pode a fome, em
especial na juventude: à beira de um himalaia de sofrível espaguete fumegante,
julguei ver fumaças filosóficas na sentença do tosco borracheiro. E, entre
garfadas, sob o olhar zombeteiro dos companheiros de viagem, me pus a
teorizar. Sim, camminando si sgonfia, e não apenas quando se é, nesta vida, um
pneu. Também nós, de tanto rodar, vamos aos poucos desinflando. E por aí fui,
inflado e inflamado num papo delirante. Fosse hoje, talvez tivesse dito,
infelizmente com conhecimento de causa, que a partir de determinado ponto
carecemos todos de alguma espécie de fortificante, de um novo alento para o
corpo, quem sabe para a alma. *

* Camminando si sgonfia = andando se esvazia. Sgonfiato é vazio; sgonfiati é a


forma plural. (Adaptado de: WERNECK, Humberto – Esse inferno vai acabar.
Porto Alegre, Arquipélago, 2011, p. 85-86)

8. A expressão em italiano, dirigida aos dois jovens casais pelo borracheiro,

(A) deu oportunidade a que todos reconhecessem na frase do borracheiro a


filosofia que ele havia incutido nela para orientar os jovens.

(B) foi tomada em sentido puramente metafórico, já que parecia não se aplicar
ao problema que os fez parar na borracharia.

(C) confundiu ainda mais aqueles aventureiros, que já se sentiam um tanto


perdidos no emaranhado de estradas fronteiriças.

(D) deu aos turistas a certeza de que se encontravam na Itália, embora eles não
atinassem com o sentido daquelas palavras.

(E) acabou propiciando uma interpretação mais abrangente, que resultou numa
teoria posteriormente levantada numa refeição.

9. Atente para as seguintes afirmações:

I. A frase dita pelo borracheiro nada indiciou aos jovens turistas, que não sabiam
em que país estavam − o que só veio a se esclarecer durante a refeição
tipicamente italiana.

II. A familiaridade que um dos jovens revelou ter com o idioma italiano permitiu-
lhe deduzir da frase do borracheiro uma súmula filosófica.

III. Como conclusão do antigo episódio narrado, o cronista lembra o quanto a


vida acaba por nos tornar necessitados de novo ânimo para seguir vivendo-a.

Em relação ao texto, está correto o que se afirma em

(A) III, apenas.


(B) I, II e III.

(C) I e II, apenas.

(D) II e III, apenas.

(E) I e III, apenas.

10. Por valorizar recursos expressivos da linguagem, o autor da crônica,

(A) em inflado e inflamado (5º parágrafo), vale-se de sinônimos para reforçar o


estado de espírito reflexivo da personagem.

(B) na expressão quase tão calvo quanto ele (1º parágrafo), qualifica o
borracheiro com um termo familiarmente aplicado a um pneu já muito gasto.

(C) no segmento minha abrangente ignorância é especializada (3º parágrafo), é


irônico ao atribuir a ignorância qualidades aplicáveis a um alto conhecimento.

(D) na expressão num distante verão europeu (4º parágrafo), utiliza um indicador
de tempo para denotar a extensão do território percorrido.

(E) em à beira de um himalaia (4º parágrafo), deixa claro que os viajantes agora
se acercavam de uma alta cordilheira, semelhante à asiática

11. Atente para a seguinte construção: O borracheiro explicou-nos que os pneus


haviam esvaziado com o uso, e que era fácil resolver aquele problema.

Empregando-se o discurso direto, a frase deverá ser: O borracheiro explicou-


nos:

(A) − Com o uso os pneus estão esvaziando, problema este que seria fácil
resolver.

(B) − Os pneus com o uso tinham esvaziado, mas seria fácil resolver o problema.

(C) − Os pneus se esvaziaram com o uso, é fácil resolver este problema.

(D) − Com o uso os pneus terão se esvaziado, seria fácil resolver esse problema.
(E) − Os pneus com o uso estavam vazios, vai ser fácil resolver seu problema.
Texto

Quero deixar aqui, entre parêntesis, meia dúzia de máximas das muitas que
escrevi por esse tempo. São bocejos de enfado; podem servir de epígrafe a
discursos sem assunto:

* Suporta-se com paciência a cólica do próximo. * Matamos o tempo; o tempo


nos enterra. * Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem
seria diminuto, se todos andassem de carruagem.

* Crê em ti; mas nem sempre duvides dos outros. * Não se compreende que um
botocudo fure o beiço para enfeitá-lo com um pedaço de pau. Esta reflexão é a
de um joalheiro. * Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das
nuvens, que de um terceiro andar. (Machado de Assis, Memórias póstumas de
Brás Cubas, capítulo CXIX)

12. Atente para as seguintes afirmações:

I. O texto de Machado de Assis constitui-se de frases avulsas, criadas pelo autor,


e cada uma delas se apresenta com o aspecto característico de provérbios
populares.

II. Numa das máximas, um cocheiro entende que o prazer advindo do uso de
uma carruagem perderia muito caso esse uso deixasse de ser um privilégio de
uns poucos.

III. A reflexão de um joalheiro, numa das máximas, leva a crer que ele condena
o referido hábito dos botocudos porque ele é contra o uso vaidoso de adereços.

Em relação ao texto, está correto o que se afirma APENAS em

(A) II e III.

(B) I e III.

(C) I e II.

(D) III.

(E) II.
Texto

Embora o meu vocabulário seja voluntariamente pobre – uma espécie de


Brasileiro Básico – a única leitura que jamais me cansa é a dos dicionários.
Variados, sugestivos, atraentes, não são como os outros livros, que contam
sempre a mesma estopada* do começo ao fim. Meu trato com eles é puramente
desinteressado, um modo disperso de estar atento... E esse meu vício é, antes
de tudo, inócuo para o leitor. Na minha adolescência, todo e qualquer

escritor se presumia de estilista, e isso, na época, significava riqueza vocabular...


Imaginese o mal que deve ter causado a autores novos e inocentes o grande
estilista Coelho Neto: grande infanticida, isto é o que ele foi. Orgulhávamo-nos,
como das nossas riquezas naturais, da opulência verbal de Rui Barbosa. O seu
fraco, ou o seu forte, eram os sinônimos. (...) *aquilo que é maçante, enfadonho,
aborrecedor. (Adaptado de: QUINTANA, Mário. Dicionários. Caderno H. 7. ed.
São Paulo: Globo, 1998, p.176)

13. Do texto, pode-se depreender a contraposição feita entre

(A) o período da adolescência, em que não se sabe ainda dar o devido valor às
palavras, e a maturidade, em que se adquire a capacidade de reconhecer um
grande escritor justamente por conta das palavras que ele emprega.

(B) a leitura desinteressada dos dicionários, que não tem reflexo imediato na
produção escrita, e a procura de palavras difíceis e raras para conferir ao texto
um estilo pomposo e supostamente mais nobre.

(C) um vício inocente, como a leitura de dicionários para passar o tempo, e vícios
que podem ser transmitidos dos adultos para as crianças, levandoas ao uso de
substâncias que causam dependência e podem mesmo levá-las à morte.

(D) a leitura de livros que contam sempre a mesma história maçante e a leitura
de livros que, devido ao vocabulário variado e sugestivo, podem ser ao mesmo
tempo interessantes e tão importantes para o aprendizado como a leitura dos
dicionários.

(E) a influência prejudicial de Coelho Neto sobre os novos escritores, ainda que
fosse considerado um grande estilista, e o grande exemplo de Rui Barbosa, cuja
expressão era tão rica como a nossa natureza.
Texto

Ópera é um tipo de teatro no qual a maioria ou todos os personagens cantam


durante a maior parte do tempo ou o tempo todo. Nesse sentido, é muito óbvio
que ela não seja realística, e com frequência, no decorrer de seus mais de
quatrocentos anos de história, tem sido considerada exótica e estranha. Além
disso, é quase sempre bastante cara de se encenar e de se assistir. Em nenhum
momento da história a sociedade, como um todo, conseguiu sustentar facilmente
os custos exorbitantes da ópera. Por que, então, tanta gente gosta dela de
maneira tão profunda? Por que dedicam suas vidas a apresentá-la, escrever
sobre ela, assistir a ela? Por que alguns fãs de ópera atravessam o mundo para
ver uma nova produção ou ouvir um cantor favorito, pagando imensas quantias
por esse fugaz privilégio? E por que a ópera é a única forma de música erudita
que ainda desenvolve de modo significativo novas audiências, apesar de que,
no último século ou por volta disso, o fluxo de novas obras, que uma vez foi seu
sangue vital, secou até sereduzir a um débil gotejar? Essas perguntas são mais
sobre a ópera tal como ela é hoje em dia: sobre aquilo em que a ópera se tornou
no início do século XXI. No que se segue teremos muito a dizer sobre a história
de nosso tema, sobre as maneiras em que a ópera se desenvolveu durante sua
jornada de quatrocentos anos até nós; mas nossa ênfase será sempre no
presente, no efeito que a ópera continua a ter sobre as audiências no mundo
inteiro. Nosso objetivo é lidar com uma forma de arte cujas obras mais populares
e duradouras foram quase sempre escritas num distante passado europeu, [...]
mas cuja influência em muitos de nós – e cuja significância em nossa vida hoje
em dia – é ainda palpável. A ópera pode nos transformar: física, emocional e
intelectualmente. Queremos investigar por quê. (Carolyn Abbate e Roger Parker.
Uma história da ópera: os últimos quatrocentos anos. Trad. Paulo Geiger. 1.ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 21-22)

14. Os autores do texto

(A) apontam que a ópera é sempre bastante dispendiosa porque esse tipo de
teatro renuncia a personagens que não se fazem presentes em cena por meio
do canto.
(B) acusam a incongruência que existe entre a sociedade sustentar produções
caríssimas e as pessoas, diferentemente deles mesmos, não investigarem o que
justificaria manter esses projetos.

(C) indicam como usual que se tome a ópera como um gênero dramático
excêntrico, pelo fato de representar situações estranhas ao que se considera
"vida real".

(D) expressam as intenções que têm ao escrever a história da ópera,


demonstrando acreditar que a melhor maneira de fazê-lo é fixar-se na atualidade,
auge dessa manifestação erudita.

(E) anunciam que têm muito a dizer e deixam entrever que suas reflexões
desnudarão alguns mitos sobre a ópera, como a visão idealizada de que a
profusão de obras já constituiu o sangue vital desse tipo de teatro.

15. A frase em que o segmento destacado expressa uma circunstância restritiva


é:

(A) Nesse sentido, é muito óbvio que ela não seja realística. [...]

(B) Além disso, é quase sempre bastante cara de se encenar e de se assistir.


(C) Em nenhum momento da história a sociedade, como um todo, conseguiu
sustentar facilmente os custos exorbitantes da ópera.

(D) Essas perguntas são mais sobre a ópera tal como ela é hoje em dia [...]

(E) Nosso objetivo é lidar com uma forma de arte cujas obras mais populares e
duradouras foram quase sempre escritas num distante passado europeu.

Texto

Outro dia, numa mesa de bar, hesitante e assustado, me dei conta de que eu
não sabia a minha idade. Como pode, a esta altura do campeonato − qual altura
exatamente? − a pessoa ignorar quantos anos tem? Quando você é criança, a
idade é um negócio fundamental. É o dado mais importante depois do seu nome.
Lembro que, na época, eu achava de uma obviedade tacanha esse “vou fazer”,
mas hoje entendo: o desejo de crescer é parte fundamental do software com que
viemos

ao mundo. Seis, vou fazer sete, é menos uma constatação óbvia do que uma
saudável aspiração. Dos 20 aos 30 anos, avança-se lentamente, com
sentimentos contraditórios. A escola foi há séculos, mas ser adulto ainda é
estranho. A resposta sincera a quantos anos você tem, nessa fase, seria: “26,
queria fazer 25”, “25, queria fazer 24”, até chegar a 20 − acho que ninguém, a
não ser dopado por doses cavalares de nostalgia e amnésia, gostaria de ir além,
ou melhor, aquém, e voltar à adolescência.

Trinta anos é uma idade marcante. Agora é inegável que você ficou adulto. Mas
aí você faz 35 e entra numa zona cinzenta (ou grisalha?) em que idade não
significa mais muita coisa. A impressão que eu tenho, a esta altura do
campeonato − qual altura, exatamente? − é que todo mundo tem a minha idade.
Não sendo púbere nem gagá, estão todos no mesmo barco, uns com mais dor
nas costas, mas no mesmo barco, trabalhando, casando, separando e
resmungando nas redes sociais. Deve ser por isso que, sem perceber, parei de
contar. (Adaptado de: PRATA, Antonio. Folha de S. Paulo, 01/02/2015)

16. A “saudável aspiração” apontada pelo autor refere-se

(A) ao desejo de crescer que se manifesta nas crianças, que, desse modo,
acabam se referindo a uma idade futura ao dizerem quantos anos têm.

(B) ao sonho de perpetuar indefinidamente a infância, período do


desenvolvimento humano marcado pela fantasia, explorada em contos infantis,
de nunca crescer.

(C) ao desejo de parar de envelhecer quando se tem mais 30 anos e se percebe


a inexorabilidade do passar do tempo.

(D) à pretensão nostálgica do adulto recémformado de retornar à adolescência


e, assim, escapar das responsabilidades adquiridas.

(E) ao esquecimento voluntário da própria idade, estratégia que, segundo o


autor, proporciona a oportunidade de enxergar as pessoas como se não
houvesse diferença etária entre elas.
17. A repetição, na crônica, da pergunta qual altura, exatamente? reitera a ideia
do autor de que, a partir de dado momento,

(A) é inegável que você ficou adulto.

(B) idade não significa mais muita coisa.

(C) idade é um negócio fundamental.

(D) ser adulto ainda é estranho.

(E) avança-se lentamente, com sentimentos contraditórios.

Pátrio poder

Pais que vivem em bairros violentos de São Paulo chegam a comprometer 20%
de sua renda para manter seus filhos em escolas privadas. O investimento faz
sentido? A questão, por envolver múltiplas variáveis, é complexa, mas, se
fizermos questão de extrair uma resposta simples, ela é "provavelmente sim".
Uma série de estudos sugere que a influência de pais sobre o comportamento
dos filhos, ainda que não chegue a ser nula, é menor do que a imaginada e se
dá por vias diferentes das esperadas. Quem primeiro levantou essa hipótese foi
a psicóloga Judith Harris no final dos anos 90. Para Harris, os jovens vêm
programados para ser socializados não pelos pais, como pregam nossas
instituições e nossa cultura, mas pelos pares, isto é, pelas outras crianças com
as quais convivem. Um dos muitos argumentos que ela usa para apoiar sua
teoria é o fato de que filhos de imigrantes não terminam falando com a pronúncia
dos genitores, mas sim com a dos jovens que os cercam. As grandes
aglomerações urbanas, porém, introduziram um problema. Em nosso ambiente

ancestral, formado por bandos de no máximo 200 pessoas, o "cantinho" das


crianças era heterogêneo, reunindo meninos e meninas de várias idades. Hoje,
com escolas que reúnem centenas de alunos, o(a) garoto(a) tende a socializar-
se mais com coleguinhas do mesmo sexo, idade e interesses. O resultado é
formação de nichos com a exacerbação de características mais marcantes.
Meninas se tornam hiperfemininas, e meninos, hiperativos. O mau aluno
encontra outros maus alunos, que constituirão uma subcultura onde rejeitar a
escola é percebido como algo positivo. O
mesmo vale para a violência e drogas. Na outra ponta, podem surgir meios que
valorizem a leitura e a aplicação nos estudos. Nesse modelo, a melhor chance
que os pais têm de influir é determinando a vizinhança em que seu filho vai viver
e a escola que frequentará. (Adaptado de: SCHWARTSMAN, Hélio. Folha de
São Paulo, 7/12/2014)

18. À pergunta O investimento faz sentido? o próprio autor responde:


“provavelmente sim”. Essa resposta se justifica, porque

(A) a escola, ao contrário do que se imagina, tem efeitos tão poderosos quanto
os que decorrem da convivência familiar.

(B) as influências dos pares de um educando numa escola pública são menos
nocivas do que os exemplos de seus pais.

(C) a qualidade do convívio de um estudante com seus colegas de escola é um


fator determinante para sua formação.

(D) as grandes concentrações humanas estimulam características típicas do que


já foi nosso ambiente ancestral.

(E) a escola particular, mesmo sendo cara, acaba por desenvolver nos alunos
uma subcultura crítica em relação ao ensino.

19. Com a frase O resultado é formação de nichos com a exacerbação de


características mais marcantes o autor está afirmando que a socialização nas
escolas se dá de modo a

(A) dissolver os agrupamentos perniciosos.

(B) promover a competitividade entre os grupos.

(C) estabelecer uma hierarquia no interior dos grupos.

(D) incentivar o desempenho dos alunos mais habilitados.

(E) criar grupos fortemente tipificados.

20. Considere as seguintes afirmações:


I. A hipótese levantada pela psicóloga Judith Harris é a de que os estudantes
migrantes são menos sensíveis às influências dos pais que às de seus
professores.

II. O fato de um mau aluno se deixar atrair pela amizade de outro mau aluno
prova que as deficiências da vida familiar antecedem e determinam o mau
aproveitamento escolar.

III. Do ponto de vista do desempenho escolar, podem ser positivos ou negativos


os traços de afinidade que levam os estudantes a se agruparem.

Em relação ao texto, está correto o que se afirma APENAS em

(A) I.

(B) III.

(C) II e III.

(D) I e II.

(E) I e III.

GABARITO

1- B 2-A 3- C 4- B 5- B 6- D 7- C 8- E 9-A 10- C 11- C

12- C 13- B 14- C 15-A 16-A 17- B 18- C 19- E 20- B

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