Você está na página 1de 578

Organizadores

Adilson Cesar Araújo


Cláudio Nei Nascimento da Silva
Adilson Cesar Araújo
Cláudio Nei Nascimento da Silva
Organizadores

ENSINO
ENSINO MÉDIO
MÉDIO INTEGRADO
INTEGRADO
NO
NO BRASIL:
BRASIL: FUNDAMENTOS,
FUNDAMENTOS,
PRÁTICAS
PRÁTICAS E
E DESAFIOS
DESAFIOS

Ensino Médio
Integrado no Brasil:
fundamentos, práticas
e desafios

Brasília
2017
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília

Reitor Coordenação de Publicações Editora IFB


Wilson Conciani Daniele dos Santos Rosa

Pró-Reitor de Ensino Produção Executiva


Adilson Cesar de Araujo Sandra Branchine

Pró-Reitora de Extensão e Cultura Diagramação, Projeto Gráfico e Capa


Cristiane Batista Salgado Gabriel Felipe Moreira Medeiros

Pró-Reitora de Pesquisa e Inovação Revisão de Texto


Luciana Miyoko Massukado Carolina Soares Mendes
Cláudia Luiza Marques
Pró-Reitora de Administração Danúzia Queiroz
Simone Cardoso dos Santos Penteado Eufrázia Rosa
Lidiane Szerwinsk Camargos
Pró-Reitor de Gestão de Pessoas Rodrigo dos Santos Camilo
Rodrigo Mendes da Silva

Organização
Adilson Cesar Araújo
Cláudio Nei Nascimento da Silva
SGAN 610, Módulos D, E, F e G
CEP: 70830-450 – Brasília-DF
Fone: +55 (61) 2103-2108
www.ifb.edu.br
E-mail: editora@ifb.edu.br
2017 Editora IFB

Este livro foi financiado pela Fundação de


Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, por
meio do Edital 2/2017, processo número
193.000.769/2017

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Rafael Costa Guimarães (CRB1/2822)

E59
Ensino médio integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios /
Adilson Cesar Araújo e Cláudio Nei Nascimento da Silva (orgs.) –
Brasília: Ed. IFB, 2017.
569 p.

Vários autores.

ISBN: 978-85- 64124-49- 3

1. Ensino médio - Brasil. 2. Ensino técnico - Brasil. I. Araújo, Adilson


Cesar (org.). II. Silva, Cláudio Nei Nascimento da (org.).

CDU 373.5:377(81)
© 2017 Editora IFB
A exatidão das informações, as opiniões e os conceitos emitidos nos artigos são de exclusiva
responsabilidade dos autores. Todos os direitos desta edição são reservados à Editora IFB. É
permitida a publicação parcial ou total deste periódico, desde que citada a fonte. É proibida a
venda desta publicação.
CONSELHO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DA REDE FEDERAL DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (CONIF)

Seminário Nacional do Ensino Médio Integrado

Comissão Técnico-Científica Comissão Organizadora


Adilson César Araújo (IFB/FDE) Carolina Gonçalves de Souza
Adriana dos Reis Ferreira (IFG) Carolina Soares Mendes
Camila Lima Santana e Santana (IF-Baiano) Claudio Nascimento Silva
Carlos André O. Câmara (IFMT) Delzina Braz da Silva
Carmem Paola Torres Alvarez (IFAC) Fátima Bandeira Hartwig
Christiane Menezes Rodrigues (IFF) Mara Lúcia Castilho
Clarice Monteiro Escott (IFRS) Sandra Maria Branchine
Degmar Francisca dos Santos (IFG) Tiago Borges dos Santos
Delmir da Costa Felipe (IFMT) Virgínia Barbosa Lobo da Silva
Edlamar Oliveira dos Santos (IFPE) Yvonete Bazbuz da Silva Santos
Elinilze Guedes Teodoro (IFPA)
Elisa Antônia Ribeiro (IFTM)
Geraldo Gonçalves de Lima (IFTM)
Glaucia Franco Teixeira (IF Sudeste de MG)
Luiz Alberto Rezende (IFTM)
Maria Lucilene Belmiro de Melo Acacio (IFAC)
Mary Roberta Meira Marinho (IFPA)
Nilva Schroeder (IFB)

Avaliadores Ad Hoc
Adriana dos Reis Ferreira Maria Francisca Morais De Lima
Adriana Pionttkovsky Barcellos Maria Lucilene Belmiro De Melo Acácio
Affonso Celso Thomaz Pereira Maria Raquel Caetano
Aldo Rezende Mariângela de Araujo Rybalowsky
Ana Cláudia Uchôa Araújo Mary Roberta Meira Marinho
Carlos Andre de Oliveira Câmara Monique Seufitellis Curcio
Clarice Monteiro Escott Nilva Schroeder
Daniel Louzada da Silva Paola Alvarez
Degmar Anjos Paula Reis de Miranda
Delmir da Costa Felipe Reinaldo Reis Jr
Elinilze Guedes Teodoro Renato Pazos Vazquez
Erika Barretto Fernandes Cruvinel Roberta Cantarela
Fernanda Marsaro dos Santos Robson Santos Camara Silva
Glaucia Franco Teixeira Rosa Amelia Pereira Da Silva
Glauco Vaz Feijó Rosana Antunes Palheta
Hélder Sousa Santos Rosane de Fátima Batista Teixeira
Italan Carneiro Rosangela Gonçalves de Oliveira
Juliana Ferreira Leite Silvia Maria dos Santos Stering
Juliana Piunti Simônia Peres da Silva
Leonardo de Paiva Barbosa Sinara Pollom Zardo
Mairon Marques Dos Santos Sonia Maria da Costa Mendes
Mara Lúcia Castilho Teodoro Zanardi
Marcio Almeida Co Valdirene Alves de Oliveira
Marcos Pavani de Carvalho Washington César
Maria Do Rosário Cordeiro Rocha
APRESENTAÇÃO

E sta obra reúne uma amostra de importantes pesquisas realizadas


por profissionais da Rede da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica. Os autores apresentam reflexões,
defesas e ponderações que, para muito além de um registro bibliográfico,
merecem ser abertamente compartilhadas com os mais diversos
públicos, por possuírem caráter técnico e também inspirador. Por isso
seu lançamento ocorre durante o Seminário Nacional do Ensino Médio
Integrado, realizado na capital federal, com a presença de especialistas
de todo o País.
Ambos pensados pelo Fórum de Dirigentes de Ensino (FDE) e pela
Câmara de Ensino do Conselho Nacional das Instituições da Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), o
seminário e esta publicação são duas iniciativas que se complementam,
no sentido de incentivarem o aprofundamento de uma análise coletiva
dos desafios apresentados no contexto das transformações previstas
na Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Importante destacar que
os resultados dessas ações consolidarão as premissas institucionais
apresentadas ao Ministério da Educação ainda em 2017.
Nestas páginas, 35 artigos abordam teorias, fundamentos,
experiências e propostas relativos ao ensino médio integrado. Aqui estão
reunidos relatos de estudos pormenorizados acerca de experiências
pontuais da Rede Federal, incluindo uma análise do sistema educacional
brasileiro à luz do modelo finlandês; a relação curricular do ensino com
a pesquisa e extensão; as perspectivas dos estudantes sobre o ensino
médio integrado; a educação profissional no campo; uma leitura
histórica sobre a reforma do ensino médio; o Programa de Jovens e
Adultos neste contexto, além de várias outras importantes abordagens
esclarecedoras.
E como não poderia deixar de ser, faz-se indispensável manifestar
especial agradecimento a todos os que estão diretamente envolvidos
neste processo de aprofundamento das discussões sobre o Ensino
Médio Integrado na Rede Federal; aos incansáveis Adilson Cesar
Araújo e Cláudio Nei Nascimento da Silva que, ao lado da Comissão
Organizadora, corajosamente coordenaram também a realização do
seminário; aos integrantes do Conif, com particular menção à Câmara
de Ensino, coordenada pela reitora do Instituto Federal Catarinense,
Sônia Regina Fernandes; ao FDE, pelos intensos debates dedicados
ao tema deste livro; à Comissão Técnico-Científica, que expõe aqui
o cumprimento de uma árdua responsabilidade; aos Avaliadores
Ad Hoc e, na pessoa do reitor Wilson Conciani, à equipe do Instituto
Federal de Brasília que dedicou ao Conif o suporte necessário.

Francisco Roberto Brandão Ferreira


Presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) – Gestão 2017
Sumário
9. introdução

20. ENSINO MÉDIO INTEGRADO: LUTAS HISTÓRICAS E RESISTÊNCIAS EM TEMPOS DE RE-


GRESSãO – Marise N. Ramos

44. INTEGRAÇÃO CURRICULAR ORGANIZADA POR “CÉLULAS” EM “TRILHAS FORMATI-


VAS”: UMA EXPERIÊNCIA DE CRIAÇÃO COLABORATIVA – Juliana Piunti, Altami-
ro Xavier de Souza, Patrícia Horta

54. POR DENTRO DO SISTEMA EDUCACIONAL FINLANDÊS: ELEMENTOS PARA SE REPEN-


SAR O ENSINO MÉDIO INTEGRADO NO BRASIL – Iza Manuella Aires Cotrim-
Guimarães, Jamyle Rebouças Ouverney-King

71. PROJETOS DE REFORMULAÇÃO DO ENSINO MÉDIO E INTER-RELAÇÕES COM A EDU-


CAÇÃO PROFISSIONAL: (IM)POSSIBILIDADES DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO – Mo-
nica Ribeiro da Silva

90. O ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: AVANÇOS E DESAFIOS –


Danielle de Sousa Santos, Cristiane Letícia Nadaletti, Marta Sen-
ghi Soares

106. DIRETRIZES INSTITUCIONAIS E A PERSPECTIVA DA INTEGRAÇÃO CURRICULAR NO IF


FARROUPILHA – Sidinei Cruz Sobrinho

141. CURRÍCULO INTEGRADO NO IF GOIANO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS – Simônia


Peres da Silva, Cláudio Virote

150. METODOLOGIAS INTREGADORAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: CONSTRUINDO A


PONTE ENTRE A BASE COMUM E AS DISCIPLINAS TÉCNICAS NO ENSINO TÉCNICO IN-
TEGRADO – Liz Carmem Silva-Pereira, José Ribamar Azevedo dos San-
tos e Manoel Gonzaga de Oliveira Neto

166. PARA ALÉM DO ENSINO INTEGRADO: EXPERIÊNCIAS, POSSIBILIDADES E DESAFIOS DA


ARTICULAÇÃO ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NO CURRÍCULO – Jaqueline
de Moraes Thurler Dália, Gabriel Almeida Frazão

184. ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: OS DESAFIOS NA CONSO-


LIDAÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO POLITÉCNICA – Mayara Soares de Melo, Ro-
berto Ribeiro da Silva

199. IDEOLOGIA EMPRESARIAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL


CEARENSES – Ana Carolina Veras do Nascimento, Dante Henrique
Moura, Edilza Alves Damascena

216. PROJETO INTEGRADOR: ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA NO IF GOIANO CAMPUS CE-


RES – Adriano Honorato Braga, Eneida Aparecida Machado Mon-
teiro, Mairon Marques dos Santos, Flávia Bastos da Cunha

6
227. POLÍTICA EDUCACIONAL E POLITECNIA:A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL –
José Clovis de Azevedo

242. O ENSINO INTEGRADO NO IFRS E SEUS POTENCIAIS DE ENFRENTAMENTO A DUALI-


DADE – Fábio Marçal, Jorge Alberto Rosa Ribeiro

257. PERSPECTIVAS DOS ALUNOS SOBRE O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: POR QUE O FA-
ZEM? – Débora Martins Artiaga, Daniela Alves de Alves

280. INTEGRANDO DISCIPLINAS ENTRE OS NÚCLEOS DEFINIDOS NA RESOLUÇÃO CNE/CEB


N006/2012: UMA EXPERIÊNCIA DE PRÁTICAS INTEGRADORAS NO IFAM/CAMPUS MA-
NACAPURU – Danniel Rocha Bevilaqua, Rosângela Santos da Silva

292. DOCENTES, PROFESSORES E CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO: CENAS EM


ANÁLISE – Felipe da Silva Ferreira

307. CURRÍCULO INTEGRADO UMA PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO – Rose Márcia da


Silva

324. DO ENSINO INTEGRADO AO CURRÍCULO INTEGRADO: RELAÇÃO ENTRE MÚLTIPLO E


UNO – Juliana de Almeida Pereira e Santos

339. Ensino Médio Integrado: correlação de força de uma escola em disputa


– Reinaldo de Lima Reis Júnior

358. INSTITUTOS FEDERAIS: INOVAÇÃO, CONTRADIÇÕES E AMEAÇAS EM SUA CURTA TRA-


JETÓRIA – FÁBIO APARECIDO MARTINS BEZERRA

377. AVANÇOS E DESAFIOS NOS CURSOS PROEJA DO INSTITUTO FEDERAL GOIANO CAM-
PUS RIO VERDE – Luiza Ferreira Rezende de Medeiros

388. A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NO ENSINO MÉDIO E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL


NA EDUCAÇÃO DO CAMPO – Isidorio Nascimento Simões, Danilo de
Carvalho

403. A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO IFPR CAMPUS JACAREZINHO: PRESSUPOSTOS TE-


ÓRICOS E PRINCÍPIOS – David José de Andrade Silva

419. ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FUNDAMENTOS E INTENCIONALIDADE FORMATIVA –


João Kaio Cavalcante de Morais, Ana Lúcia Sarmento Henrique

434. CURRÍCULO INTEGRADO: OS DISTANCIAMENTOS ENTRE A COMPREENSÃO DO ALU-


NO E A CONSOLIDAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR – Paula Reis de Miranda, Ma-
ria da Conceição Ferreira Reis Fonseca
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO A PARTIR DA LEI Nº 13.415/2017: NOVA
449. LEI – VELHOS INTERESSES – UM RECORTE HISTÓRICO A PARTIR DO DECRETO Nº
2.208/97 AOS DIAS ATUAIS' – Luiz Henrique de Gouvêa Lemos, Margare-
th Nunes da Silva, Maria Cledilma Ferreira da Silva Costa, Maria
Verônica de Medeiros Lopes, Stella Lima de Albuquerque

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 7


463. NOS ESTREITOS LIMITES A QUE NOS COAGEM O MERCADO DE TRABALHO E O CURRÍ-
CULO ESCOLAR, AINDA, PODEMOS NOS MEXER: PRÁXIS DOCENTE NO CONTEXTO DO
ENSINO MÉDIO INTEGRADO NA MODALIDADE DE EJA – Aldo Rezende, Bruno
dos Santos Prado Moura

479. REFLEXÕES SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO CURSO TÉCNICO EM EVENTOS INTEGRADO


AO ENSINO MÉDIO NO IFB – Dayane Augusta da Silva, Juliana Ferreira
Leite, Glauco Vaz Feijó, Marcos Ramon Gomes Ferreira

498. A QUÍMICA E A HISTÓRIA EM SUAS RELAÇÕES NO SÉCULO XX: UM CASO DE PROJETO


INTERDISCIPLINAR NA SALA DE AULA – Alessandra Ciambarella Paulon,
Daniel Pais Pires Vieira

508. ATIVIDADES INTEGRADORAS: INOVAÇÃO NO INTEGRADO – Luciano Marcos


Curi, Laila Lidiane Costa Galvão

525. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO: CONCEPÇÃO E CATEGORIAS


FUNDANTES – Ivonei Andrioni

541. UMA PROPOSTA DE INTEGRALIZAÇÃO DAS DISCIPLINAS DO NÚCLEO BÁSICO COM AS


DO NÚCLEO TECNOLÓGICO NO CURSO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO EM INFORMÁTICA
NA FORMA INTEGRADA – Jaidson Brandão da Costa

550. ENSINO INTEGRADO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO E PARA A


VIDA – Márcia Helena Milanezi1, Akiko Santos

564. PROEJA E CURRÍCULO INTEGRADO: UM CAMINHO EM CONSTRUÇÃO – Jamile De-


lagnelo Fagundes da Silva, Josete Mara Stahelin Pereira

8
INTRODUÇÃO
ENSINO MÉDIO INTEGRADO:
UMA FORMAÇÃO HUMANA, PARA UMA SOCIEDADE MAIS HUMANA
Adilson Cesar Araújo1, Cláudio Nei Nascimento da Silva2
1
e 2 Instituto Federal de Brasília

“Ensinar é trabalhar com seres humanos,


sobre seres humanos e para seres humanos” (TARDIF, 2005).

É papel da educação contribuir Por essa razão, o Ensino Médio


para a construção de uma socieda- Integrado, modelo que, não obstan-
de na qual as injustiças sociais e hu- te a polissemia que lhe é inerente, se
manas sejam enfrentadas da melhor configura como uma proposta de en-
maneira. Ainda que a escola não pos- frentamento às chagas históricas que
sa ser considerada o único lócus em marcaram profundamente a estrutu-
que a formação humana aconteça, ra da sociedade brasileira: a desigual-
ela deve ser vista como um espaço dade econômica, as injustiças sociais
privilegiado, uma relevante oportu- e a intolerância de classe e cultural. O
nidade na trajetória de estudantes enfrentamento desses desafios tem
de diferentes origens sociais, uma início na escola, mas não se limita a
alternativa para se construir valores ela. Isso porque uma formação inte-
que terão impacto positivo na cons- gral, que considera a dimensão social
tituição de uma sociedade mais jus- e humana da realidade e não desvin-
ta e democrática. O Ensino Médio é, cula o “saber fazer” do “saber pensar”;
talvez, uma dessas oportunidades que fortalece a necessidade de uma
únicas de se intervir, diretamente, educação “no” mundo e não apenas
na formação de uma sociedade em “para” o mundo; que não se cansa de
constante processo de transforma- se inconformar com as mazelas de
ção, pois o seu papel é acolher a ge- uma realidade e que avança e recua
ração que, em poucos anos, pode em termos de humanismo e de hu-
ocupar espaços decisórios e fazer manidade; é, sem dúvida, uma for-
opções em relação aos rumos sociais mação que toma a pessoa humana
a serem tomados. como fim em si mesma e não como

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 9


meio para qualquer outro fim huma- Ao se fortalecer a concepção de
namente ilegítimo. integração no Ensino Médio, o que
A concepção de Ensino Médio se espera é garantir que as novas ge-
Integrado, eixo em torno do qual os rações sejam formadas com a neces-
capítulos deste livro orbitam, expres- sária capacidade de compreender
sa-se, na percepção de Ramos (2008, o mundo e as contradições que lhe
p. 3), como uma formação que con- são intrínsecas. Essa noção de tota-
templa três sentidos: o sentido da lidade do real, cuja complexidade é
omnilateralidade, que considera a desafiante, só será alcançada pela
formação “com base na integração racionalidade humana caso haja um
de todas as dimensões da vida no modelo de formação que gere, nos
processo formativo”; o sentido da in- indivíduos, um apreço pelo pensa-
tegração, que considera a indissocia- mento filosófico, pela criticidade,
bilidade entre Educação Profissional pela audácia e pela ação política.
e Educação Básica; e, por fim, “a inte- Como nos lembra Gramsci (1978, p.
gração entre conhecimentos gerais 11), é preciso “demonstrar que todos
e conhecimentos específicos, como são filósofos, ainda que a seu modo,
totalidade” (RAMOS, 2008, p. 16). inconscientemente (porque, inclusi-
ve na mais simples manifestação de
Nesse sentido, o conceito de in- uma atividade intelectual qualquer,
tegração, o qual está contido na pro- na ‘linguagem’, está contida uma de-
posta de Ensino Médio Integrado, terminada concepção de mundo).”.
defendido pelos textos deste livro,
ultrapassa sua dimensão pedagógi- Nesse caminho, o papel da forma-
ca e alcança a dimensão política da ção integral poderia, muito bem, ser
formação humana, cujo sentido coa- confundido com o próprio papel da
duna com o pensamento de Hannah escola, na medida em que, enquanto
Arendt (2002, p. 13), a qual defende instrumento a serviço da sociedade,
que “o sentido da política é a liberda- é ela quem estabelece as bases para
de”, pois, continua a filósofa alemã, “o a autorreprodução social. Uma for-
que está em jogo aqui não é apenas mação precária, parcial, limitada por
a liberdade, mas sim a vida, a conti- concepções economicistas, advindas
nuidade da existência da Humanida- da Teoria do Capital Humano, a qual
de e talvez de toda a vida orgânica reconhece a importância da educa-
da Terra.”. ção apenas a partir do viés da econo-
mia, traz uma visão empobrecedora

10
do papel da educação e tende a ge- Infelizmente, o movimento que
rar seres igualmente precários, par- se desdobra, a partir da recente re-
ciais e limitados. forma educacional do Ensino Médio,
Mais uma vez, cabe recorrer à vi- afirma o caráter tecnicista e produ-
talidade do pensamento de Gramsci, tivista da educação, indo na contra-
o qual, no início do século XX, já aler- mão de um Ensino Médio politécni-
tava para a necessidade de constru- co, o qual trabalha com a perspectiva
ção de um processo educativo que da integração entre trabalho, ciência
não operasse apenas a partir da ra- e a cultura; para a superação da frag-
zão instrumental: mentação do conhecimento, bem
como para a construção de saberes
A escola profissional não deve se
transformar numa incubadora de significativos e contextualizados à
pequenos monstros aridamente realidade social, econômica e cultu-
instruídos para um ofício, sem ideias ral.
gerais, sem alma, mas apenas com o
olho infalível e mão firme. Também O Ensino Médio Integrado (EMI)
através da cultura profissional é
possível fazer brotar do menino um
pode ser um contraponto ao mode-
homem; desde de que essa cultura lo de Ensino Médio hegemônico no
seja educativa e não só informativa, Brasil. Este se caracteriza pela uni-
ou não só prática e manual (MO-
NASTA, 2010, p. 66-67).
ficação do tempo escolar, por um
currículo fechado e pouco flexível,
com um viés centrado no conteúdo
Resta questionar, portanto, que e nas disciplinas, o que inviabiliza a
futuro se pode esperar da educação construção de projetos que conside-
se uma concepção de integração de rem: “para alunos diferentes, práticas
saberes e de fazeres não se fortalecer pedagógicas diferentes. Para trajetos
como fundamento de uma política diferentes, projetos diferentes! A es-
pública de ensino. Assim, é neces- cola deve olhar com mais atenção as
sário superar o viés produtivista que contribuições da etnografia à prática
subordina a escola aos interesses ime- escolar.” (CARNEIRO, 2012, p. 256).
diatos da produção. Ao mesmo tem-
O rompimento com o padrão de
po, deve-se garantir uma formação
Ensino Médio hegemônico não de-
geral sólida para que todos os jovens
pende apenas de mudanças curri-
do Ensino Médio possam ter acesso a
culares e metodológicas, depende,
uma educação republicana que visa
também, de alterações estruturantes
formar em múltiplas dimensões.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 11


que modifiquem a cultura organiza- trado em valores, os quais sedimen-
cional da escola a partir de um Proje- tam a construção de uma sociedade
to Político Pedagógico de educação democrática; depende de políticas
sedimentado em valores, os quais públicas consistentes, de um Estado
sustentam uma sociedade mais de- com papel responsável, atuante e
mocrática e com justiça social. financiador da educação; precisa da
Desse modo, por um lado, o En- participação da comunidade escolar,
sino Médio Integrado é uma forma sobretudo, os estudantes, na cons-
de resistência e de transformação. É trução, no acompanhamento e na
de resistência a um modelo de esco- avaliação desse projeto.
la que opera pela lógica da exclusão,
pela culpabilização individual do fra- Os principais desafios do EMI
casso em relação ao estudante; é de da Rede Federal
resistência a um modelo de educa-
ção abstrato e compartimentalizado, Nos últimos dez anos, a Rede Fe-
o qual ignora o mundo juvenil. Por deral desenvolveu diferentes proje-
outro lado, sendo um projeto que tos de Ensino Médio Integrado. Esses
visa à transformação individual e so- projetos tiveram, como característi-
cial, esse projeto tem de possuir uma cas comuns, a necessidade de cons-
concepção de educação contextuali- trução de uma realidade nova para
zada às aspirações do mundo juvenil, essa etapa da Educação Básica, a
às suas vivências, às suas trajetórias e qual se pauta na busca de uma pers-
às suas histórias. Sendo assim, é um pectiva pedagógica contextualizada
projeto de formação integral com- e sensível à pluralidade de vozes que
prometido com o desenvolvimento passou a fazer parte desse ambiente
social, cultural e econômico do país. escolar. O projeto de Ensino Médio
Integrado da Rede Federal, ainda
Não podemos esquecer que a
que incipiente, e com muitos desa-
consolidação de um EMI transfor-
fios, a serem enfrentados, tem sido
mador de realidades, pulsante e
defendido por alguns pesquisadores
atraente para os jovens, dependerá
da educação como ousado e origi-
de uma série de variáveis que não
nal. Carneiro (2012), por exemplo,
se limitam apenas ao espaço esco-
ao discorrer sobre a qualidade do en-
lar. Tal consolidação depende de um
sino ofertado aos alunos pela Rede
projeto de educação sedutor e cen-
Federal, reconheceu esse modelo de

12
ensino como uma experiência nova e se trata de milagre! Trata-se, apenas,
de enxergar o que a evidência apon-
positiva, a qual possibilita uma sólida
ta (CARNEIRO, 2012, p. 160-161).
formação aos seus estudantes. Para
esse autor, o ensino da Rede Federal Cabe destacar que, ao longo da
é referência e deveria ser expandido última década, as condições objeti-
para os demais sistemas de ensino: vas de trabalho e de financiamento,
O nível de formação intelectual
para o Ensino Médio Integrado da
dos alunos no campo da educação Rede Federal funcionar, foram ofe-
básica lhes dá as condições neces- recidas. Isso permitiu transformá-lo
sárias para ingressarem no ensino
superior sem problema. Possuem,
em uma referência de educação
os alunos egressos destas institui- de qualidade para uma parcela da
ções, uma educação geral conjuga- população. Os últimos resultados,
da a uma formação técnica de alto
padrão. Isto apenas comprova que,
apresentados pela Rede Federal, nos
se o Estado brasileiro quisesse, de exames do PISA, mostraram a situ-
fato, as escolas públicas do Ensino ação privilegiada da Rede. No PISA
Médio teriam padrões de qualidade
semelhantes. Ou seja, em vez dos
de 2015, na área de Ciências, a Rede
especialistas ficarem criticando os li- Federal obteve desempenho de 517
mites elevados do custo/aluno/qua- pontos, o que foi superior aos obti-
lidade dos cursos de Ensino Médio e
técnico da rede federal, por que não
dos pelos países membros da OCDE
buscar ampliar o mapa da qualida- (493 pontos); e muito acima do que
de acadêmica da educação básica foi conseguido pela rede privada de
da escola brasileira independente-
mente de sua esfera administrativa?
ensino (487 pontos) e pela rede esta-
Por que não criar uma política de dual (394 pontos) .
1

condições semelhantes à da rede


federal para atrair bons professores, Todavia, de um lado, esse concei-
assegurando-lhes salário, condições to de qualidade, pautado em resul-
de trabalho e possibilidade de capa- tados de exames direcionados aos
citação permanente? De fato, o que
ocorre nestas instituições é um qua- estudantes, tem suas fragilidades e
dro docente estável, salários iniciais não consegue responder à comple-
quatro vezes acima dos pagos pela xidade do processo educativo. Por
média das redes públicas estaduais,
ambiente de trabalho moderno e outro lado, preparar estudantes para
adequado, infraestrutura de apoio exames não é o objetivo e nem re-
funcional e política permanente de sume o trabalho desenvolvido pelos
capacitação docente. Portanto, não
Institutos, uma vez que temos cla-
1 Informação disponível em:<http://g1.globo.com/educacao/noticia/brasil-cai- em
-ranking-mundial-de- educacao-em- ciencias-leitura- e-matematica.ghtml>. Acesso em:
agost. 2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 13


reza de que uma educação de qua- É mister afirmar que, sendo uma
lidade passa pela articulação entre escola de Educação Profissional, a
valores (que seres humanos estamos dimensão trabalho ganha relevân-
formando?), efetividade social (que cia para se pensar em um conceito
retorno estamos dando à sociedade) de qualidade para a Rede, passan-
e satisfação dos usuários das escolas do a ter centralidade a articulação
e de seus profissionais no que tange entre trabalho, ciência, tecnologia e
ao que é feito na escola para a socie-cultura, ao longo do processo forma-
dade (qualidade de vida) (ZABALZA, tivo do estudante. Para avançar na
1998). consolidação do projeto de EMI da
Dessa forma, a Rede Federal não Rede, será necessário garantir maior
deve se contentar com uma concep- participação da comunidade escolar
ção de qualidade instrumental da no processo de tomada de decisão,
educação, restrita aos resultados de acompanhando e avaliando os ru-
exames padronizados e centrados mos tomados pelos projetos peda-
nos alunos. Avançar, nesse debate, gógicos e pelos planos de curso da
pressupõe uma visão totalizadora Instituição, bem como se as finalida-
acerca do processo educacional, no des estabelecidas estão ou não sen-
qual bons resultados dependem da do alcançadas.
garantia e da existência de bons pro- Para a construção de um novo
cessos. É necessário, portanto, avan- referencial de Ensino Médio, é preci-
çar numa perspectiva de qualidade so democratizar o acesso, garantir a
como construção social e referencia- permanência dos nossos estudantes
da nos sujeitos sociais. e possibilitar que todos possam ter
Nesse sentido, torna-se complexo êxito escolar, o que significa garan-
aferir qualidade da educação tendo, tir o direito à aprendizagem a todos
como referência, apenas os índices que se encontram no Ensino Médio,
baseados em resultados de avalia- no seu ritmo e no seu tempo.
ções estanques; porque essa pers- Desse modo, podemos constatar
pectiva tende a considerar, somente, que o êxito do EMI da Rede Federal
o produto final, aproximando, assim, dependerá da ousadia e do compro-
a educação de outros produtos que misso dos profissionais da educação
podem ser, facilmente, identificáveis na busca de mudanças estruturais, as
e avaliáveis. quais alimentem a radicalidade e a
vitalidade desse projeto, como tam-

14
bém na manutenção das condições Mesmo sendo uma referência
para garantir padrões de qualidade de Ensino Médio para o Brasil, o EMI
para a educação da Rede Federal da Rede tem de ser avaliado no seu
funcionar. Cabe ressaltar que a busca conjunto para que possa ser aperfei-
de um Ensino Médio Integrado, com çoado cada vez mais. Mas isso não é
qualidade referenciada socialmen- ação isolada da Instituição de ensino,
te, não se limita à aplicação de mais por isso, dependerá da construção
recursos financeiros e nem à moder- de um espaço educativo democráti-
nização tecnológica, apesar de im- co, interativo e que respeita a plurali-
prescindíveis. Assim, além de boas dade de vozes que compõem o am-
condições de trabalho e de estrutura, biente educativo; e do compromisso
é necessário afirmar o caráter eman- coletivo com as transformações,
cipatório do Projeto Político Pedagó- além de política de financiamento.
gico do Ensino Médio Integrado. Isso Tem de se avançar, muito ainda,
quer dizer que a questão não é só na construção das condições políti-
buscar a qualidade técnica, mas tam- cas e pedagógicas, para a busca de
bém a qualidade política, porque é outro referencial de escola. As experi-
esta que transforma a realidade: ências de implantação do EMI apon-
De pouco adiantará fazer todo um tam para a necessidade de serem
esforço monumental acerca da
garantia de financiamento para a tomados alguns cuidados para não
educação, como o que está sendo corrermos o risco de negar a origi-
travado para no Brasil acerca do nalidade inicial deste projeto, o qual
destino dos royalties do petróleo
das camadas do pré-sal, se as bases carregava, em si, uma perspectiva
políticas, ideológicas e epistemoló- transformadora de educação. Nesta
gicas da escola média continuarem discussão, devemos considerar que:
fundadas em concepções e práticas
produzidas no processo científico e a) é necessário compreender
tecnológico do mundo do trabalho
que a implementação do EMI é
estruturado nas primeiras etapas da
revolução industrial, contextos his- complexa e exige um repensar do
tóricos superados. [...] Trata-se, por- papel da gestão e da organização
tanto, da necessidade de uma orga-
curricular, dos tempos e dos espa-
nização do ensino em novas bases
epistemológicas, com a superação ços da escola, bem como da forma
da fragmentação disciplinar e seus de avaliação e da relação ensino e
programas abstratos e descontextu-
aprendizagem; ou seja, não é uma
alizados, desconectados do mundo
do trabalho (AZEVEDO; REIS, 2013, questão apenas de mudança curri-
p. 43). cular, mas de uma necessidade de

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 15


alterações na estrutura da escola e relação com a comunidade escolar
da educação; e o setor produtivo;
b) é fundamental afirmar a ne- e) o Ensino Médio Integrado
cessidade de uma política consis- depende da instituição de uma
tente e permanente de formação cultura democrática tanto no inte-
continuada dos profissionais da rior das escolas, como do sistema
educação da Rede Federal. Esta de ensino. Instituir relações mais
deve ser assumida como política orgânicas, horizontais e integra-
pública sistêmica e não ação iso- das, entre os profissionais da edu-
lada, como tem se caracterizado cação, e entre estes e a comunida-
o processo de formação da Rede, de escolar, bem como reivindicar
mesmo havendo avanços pontu- uma relação mais transparente,
ais; democrática e interativa entre o
c) é preciso garantir espaços MEC/Setec e a Rede Federal são
de participação efetiva dos profis- desafios a serem perseguidos. A
sionais da educação e dos demais gestão democrática ainda é uma
membros da comunidade esco- promessa em grande parte da es-
lar no processo de elaboração, de trutura da Rede, movida por re-
acompanhamento e de avaliação lações predominantemente hie-
dos planos de cursos e da propos- rarquizadas e gerencialistas, nas
ta político-pedagógica da Institui- quais as metas a serem alcançadas
ção, como meio de apropriação tendem a ser predeterminadas de
dos fundamentos epistemológi- cima para baixo. Nesse modelo,
cos e metodológicos desse projeto há uma tendência em conceber o
inovador; espaço escolar como se fosse uma
empresa, um cumpridor de ordens
d) investir nas condicionantes e normativas vindas de cima. To-
que visam à integração de pessoas davia, nessa visão, é esquecido
e de saberes para que EMI não seja que as finalidades de uma esco-
visto como um “amontoado de dis- la são completamente diferentes
ciplinas”. Devido a isso, temos de das de uma empresa. O projeto
avançar na ampliação do tempo de Ensino Médio Integrado visa
previsto na carga horária docente à formação integral, a qual é pro-
para planejamento e encontros cessual e leva tempo; já a lógica da
coletivos; bem como avançar na empresa visa o curto prazo e o lu-

16
cro imediato. Portanto, a escola e a assumir outras funções. Assim, os
empresa não podem ter métodos gestores tendem a assumir o pa-
e técnicas idênticos, uma vez que pel de "gerentes”, preocupados
a finalidade da escola é diferente em garantir o controle, a ordem e
da finalidade que se busca atingir o cumprimento das normativas e
em uma empresa. Logo, a gestão das metas, muitas vezes, vindas de
democrática da educação na Rede fora; ou seja, um papel meramente
Federal, mesmo que prevista em burocrático. É necessária a com-
lei, não pode ser vista como uma preensão de que, além de exercer
mera formalidade de eleições tem- a liderança organizacional, os ges-
porárias para diretores e reitores. É tores da educação são lideranças
necessário revitalizar e construir pedagógicas e políticas. Pedagó-
novos espaços de participação gicas porque deveriam ter, como
da comunidade escolar nas to- uma de suas principais funções, ar-
madas de decisão. Construir uma ticular e coordenar o processo de
educação com sentido público construção do Projeto Politico Pe-
pautada na participação coletiva dagógico da Instituição. São lide-
nos rumos da educação, seja nos ranças políticas porque exercem
campi, nas reitorias e na definição um papel de líderes comunitários,
das políticas educacionais, parece os quais mediam os conflitos e
ser, ainda, um grande desafio a ser buscam construir, coletivamente,
perseguido na Educação Profissio- as mudanças necessárias para a
nal e Tecnológica; transformação da realidade esco-
f) é necessário, também, re- lar. Sendo assim, a tendência de
pensar o papel dos gestores da burocratização e o modelo geren-
educação na construção do EMI cialista têm de ser revistos urgen-
da Rede. Na condição de gestores temente, uma vez que a ação do
educacionais, esses devem assu- gestor se limitará aos aspectos téc-
mir um papel de liderança políti- nicos, ao cumprimento das ordens
ca, pedagógica e organizacional e das normativas burocráticas,
da Instituição. Há uma tendência, sem o vigor necessário para ser o
diante do aumento das demandas articulador da busca da transfor-
burocráticas, de os gestores serem mação da realidade da escola; e
engolidos pela tarefa administra- g) ampliar e incentivar a parti-
tiva, sobrando pouco tempo para cipação dos estudantes, reconhe-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 17


cendo-os como sujeitos capazes A construção de um Ensino Mé-
de participar, diretamente, do pro- dio que não roube dos jovens o direi-
cesso de definição dos caminhos to à formação geral, e que os qualifi-
do EMI, é um caminho possível. O que para o mundo do trabalho, tem
Ensino Médio Integrado, contex- sido o objetivo de projeto de médio
tualizado ao mundo juvenil, passa integrado que vem sendo construído
pela escuta sensível dos estudan- na Rede Federal nos últimos anos. A
tes e por oportunizar espaços para atual conjuntura exige que firmemos
que a voz desse segmento seja esse projeto, compreendendo-o na
ouvida e suas propostas aceitas, o sua complexidade. O Ensino Médio
que é passo decisivo para a cons- Integrado é um projeto, ainda, em
trução de uma escola com senti- construção e que deve ser aperfei-
do e contextualizada. Com isso, çoado. Para ser transformador de vi-
a formação para a cidadania, não das e da realidade, os fundamentos
pode ser uma abstração ou uma desse projeto têm de ser alicerçados
promessa, mas, sim, exercício con- em valores sociais os quais reiterem a
tínuo e diário: necessidade de busca de uma socie-
em nome do vir a ser do aluno, tra- dade mais justa e democrática.
duzido no diploma e nos possíveis
projetos de futuro, tende-se a negar
o presente vivido do jovem como Referências
espaço válido de formação, assim
ANTUNES, Ricardo. O mundo do tra-
como as questões existenciais que
eles expõem, bem mais amplas que
balho em mutação: da pragmática
apenas o futuro (DAYRELL, 2007, p.
156). especialização fragmentada à prag-
mática liofilização flexibilizada. IN:
SILVA, Mª V.; CARBALÁN, Mª A. (Orgs.).
Dessa forma, o Ensino Médio, con- Dimensões políticas da educação
textualizado ao mundo juvenil, faz contemporânea. Campinas, SP: Ed.
da escola um lócus privilegiado de Alínea, 2009.
socialização e de múltiplas relações
entre os seres humanos, reconhe- ARENDT, Hannah. O que é política?.
cendo e valorizando os jovens como 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
eles são, como portadores de desejos 2002.
e sonhos, e não como deveriam ser.
Esse é o caminho para a construção AZEVEDO, José Clóvis; REIS, Jonas
de uma escola mais humanizada. Tarcísio. Reestruturação do ensino

18
médio: pressupostos teóricos e de-
safios da prática. SP: Fundação San-
tilana, 2013.

CARNEIRO, Moacir Alves. O nó do


ensino médio. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012.

DAYRELL, Juarez. O jovem como su-


jeito social. In: Juventude e con-
temporaneidade. Brasília: UNESCO,
MEC, ANPED, 2007.

GRAMSCHI, Antonio. Concepção


dialética de história. 3. ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

Monasta, Attilio. Antonio Gramsci.


Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2010.

PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre


educação. SP: Xamã, 2001.

RAMOS, Marise. Concepção do ensi-


no médio integrado. Texto apresen-
tado em seminário promovido pela
Secretaria de Educação do Estado do
Pará nos dias 8 e 9 de maio de 2008.

ZABALZA, Miguel. Qualidade em


educação infantil. Porto Alegre: Art-
med, 1998.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 19


ENSINO MÉDIO INTEGRADO: LUTAS HISTÓRICAS E
RESISTÊNCIAS EM TEMPOS DE REGRESSãO

Marise N. Ramos
E-mail: ramosmn@gmail.com1
“La esperanza está latente en las contradicciones”
(BERTHOLD BRECH apud HARVEY, 2014, p. 258)

1. Introdução deste vector, e da função que num


determinado momento ocupa (ou
tem possibilidades reais de ocupar).
Inicio minhas reflexões retoman- É indispensável para que se possa
do a historicidade da educação pú- compreender verdadeiramente o
blica como produto da contradição carácter e o sentido do desenvolvi-
mento da contradição.
principal: capital e trabalho. Recor-
ro, aqui, a um ensinamento de José
Barata Moura (2012, p. 340) sobre os Continua ele explicando que
polos da contradição, o qual diz: [...] o pólo determinante de uma
contradição é aquele que efetiva-
Para que a análise de um determi-
mente a conduz na materialização
nado processo possa decorrer em
do leque de possibilidades reais que
termos de correcção, é necessário
a projecta, isto é, aquele que prati-
surpreender qual é a parte da uni-
camente determina o estágio de de-
dade dos contrários em luta que
senlace em que se encontra, o senti-
conduz a contradição. Em cada
do ou a orientação da resolução da
contradição – segundo a etapa que
contradição (MOURA, 2012, p. 344).
está a ser percorrida, e no marco de
uma relativa interversão dos papéis
desempenhados – há, de facto, um
pólo determinante que lhe dirige a Todavia, na contradição, há, tam-
marcha. A correcta determinação bém, o polo dominante que “é aque-

1 Licenciada em Química (UERJ). Doutora em Educação (UFF), com pós-doutorado em Et-


nossociologia do Conhecimento Profissional (UTAD/Portugal). Especialista em Ciência, Tec-
nologia, Produção e Inovação em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz). Professora Associada da Faculdade de
Educação da UERJ. Docente do quadro permanente dos Programas de Pós-Graduação em
Educação Profissional em Saúde (EPSJV/Fiocruz) e em Políticas Públicas e Formação Huma-
na (PPFH/UERJ).

20
le que, num determinado momento, se movimenta em relação à educa-
conserva a supremacia de um dado ção brasileira. Para isso, trago uma
processo, que encarna e exerce a reflexão sobre a institucionalização
hegemonia que nele se verifica e da escola como o marco da separa-
que lhe desenha os traços” (MOURA, ção entre trabalho e educação, uni-
2012, p. 344). Nem sempre, o polo dade ontológica que é cindida na
dominante de uma contradição e o sociedade de classes, e sobre sua
seu polo determinante coincidem. reunificação na forma da dualidade
Com base nessa compreensão, educacional. Tendo como foco o En-
sobre a contradição, entendo que a sino Médio, situarei as reformas e as
conquista da educação pública, pela contrarreformas empreendidas so-
classe trabalhadora, resulta da não bre essa etapa de escolaridade a par-
coincidência entre polos determi- tir dos anos de 1930, quando o Brasil
nante e dominante da contradição. fez a transição do modelo produtivo
Ainda, que, na contradição capital e agrário-exportador para o modelo
trabalho, o primeiro seja o polo do- urbano industrial. Com isso, tentarei
minante no processo histórico, em demonstrar o quanto a relação en-
alguns momentos, o trabalho se fez tre trabalho e educação se manifesta
como polo determinante, o que le- nas mudanças educacionais que vi-
vou a classe trabalhadora a lutar pelo sam acompanhar as mudanças pro-
direito à educação. Esse direito, em dutivas em nossa sociedade.
alguma medida, também, convergiu Depois disso, passo a discutir a
com interesses do capital frente ao concepção de Ensino Médio Inte-
avanço das forças produtivas. Não grado em seus sentidos filosófico,
obstante, sempre esteve marcado ético-político, epistemológico e pe-
pela dualidade social a qual se ma- dagógico; defendendo-o como a
nifestou na delimitação do acesso concepção e uma práxis coerente
dessa classe aos níveis educacionais com as necessidades da classe tra-
superiores ou aos processos educati- balhadora; e compreendendo esta
vos com qualidade universal. classe como aquela que, efetiva-
Neste texto, tentarei lastrear o mente, produz a existência social
processo histórico pelos polos domi- da humanidade. Assim, ela é tanto
nantes e determinantes da contradi- produtora material quanto de co-
ção principal, capital e trabalho, que nhecimento e de cultura. Nesses
termos, não é razoável que o acesso

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 21


ao conhecimento sistematizado lhe a serem enfrentados, pelas Institui-
seja, permanentemente, negado. As ções da Rede Federal de Educação
conquistas, nesse campo, porém, são Profissional e Tecnológica, implicam
sempre interditadas pelo conserva- em não se dobrar de imediato, mas
dorismo da classe dominante, a qual se valer de sua autonomia adminis-
impõe uma relação de correspon- trativa, financeira e pedagógica para
dência entre o lugar ocupado na di- defender seus princípios, seus pro-
visão social do trabalho e o nível de pósitos e seus projetos. Dessa forma,
escolaridade. Essas são marcas das podem tornar-se aliadas do conjun-
contrarreformas conservadoras as to da educação nacional em defesa,
quais vivemos ao longo da história e na realização, da educação pública,
da educação brasileira, enfrentadas, laica e de qualidade social.
porém, por reformas que visaram
ampliar o direito da classe trabalha- 2. Historicidade da (não)
dora ao conhecimento e, assim, aos
escola da classe trabalhadora
níveis de escolaridade superiores. O
Ensino Médio Integrado é discutido É importante saber que a função
nas suas potencialidades e nos seus da escola se transformou ao longo
limites quanto à perspectiva de edu- da história. Na sua origem, na anti-
cação politécnica a qual se perseguiu guidade, a escola era um lugar para
no debate sobre a nova LDB (Lei de aqueles que dispunham de tempo
Diretrizes e Bases da Educação Na- livre. Por isso, como explica Savia-
cional) nos anos de 1980. ni (2007), a palavra escola deriva do
Finalmente, abordo a atual con- grego e significa “lugar do ócio” e do
trarreforma, consubstanciada na Lei “tempo livre”. Assim, ela não surge
nº 13.415/2017, como um ataque às como um lugar para os trabalhado-
conquistas anteriores. Defendo a ne- res. Esses se educavam, diretamente,
cessidade de se resistir a ela como no seu próprio trabalho.
compromisso ético-político com os Na Idade Média, os primeiros si-
90%, aproximadamente, de estu- nais de que a educação deveria se
dantes que estão na escola pública. realizar em espaços apropriados, vi-
Comento, ainda, as incoerências ju- sando à introdução das pessoas na
rídicas promovidas pela aprovação cultura de uma sociedade, estavam
da Lei frente à regulamentação do na substituição da permanência dos
Ensino Médio vigente. Os desafios, filhos da nobreza na família original

22
pela educação ou pela aprendiza- la de classe (a escola capitalista), de
gem realizada no seio de outra (EN- modo que as análises críticas2 iden-
GUITA, 1989, p. 106). Ainda assim, os tificaram sua função com a reprodu-
servos continuavam a se educar nos ção das ideias da classe dominante.
seus próprios afazeres. Esse fenôme- É a primeira Revolução Industrial
no, inclusive, nos é mostrado por Sa- que modifica a função da escola de
viani (2007) como expressão da uni- uma perspectiva de socialização
dade entre trabalho e educação, em para uma função econômico-pro-
um dado tempo histórico. Ele nos dutiva. A Revolução Industrial, ex-
explica que a institucionalização da pressão do uso da ciência como for-
educação é, ao mesmo tempo, o pri- ça produtiva, fez surgir o trabalho
meiro tipo de separação entre traba- abstrato por meio da divisão social
lho e educação, e se relaciona com o e técnica do trabalho, e por meio da
surgimento da sociedade de classes. redução do processo de produção a
Na ordem feudal da Idade Mé- um conjunto de tarefas simples. Sen-
dia, as escolas tiveram, fortemente, a do assim, a escola, para os trabalha-
marca da Igreja Católica. Nesse mo- dores, também, não era, a princípio,
mento, o Estado desempenhava um uma necessidade da produção, pois
papel importante, mas a educação os trabalhadores poderiam aprender
não era pública, já que era exclusiva as operações (de onde vem o nome
para uma classe. Foi o modo de pro- do operariado) diretamente no tra-
dução capitalista que colocou o Esta- balho. O problema, como bem iden-
do como protagonista da oferta da tificou Adam Smith, é que a divisão
educação escolar, “forjando a ideia extrema do trabalho, a redução do
de uma escola pública, universal, trabalhador à mercadoria e à força
gratuita, leiga e obrigatória” (SAVIA- de trabalho, a expropriação de suas
NI, 2007, p. 157). Mas, na verdade, a capacidades criativas, a extensa jor-
escola se manteve como uma esco- nada de trabalho e a intensa explora-

2 Falamos, aqui, das chamadas teorias crítico-reprodutivistas, elaboradas sob influências te-
óricas do estruturalismo althuseriano, como o reprodutivismo de Bourdieu e de Passeron, e
a teoria da escola dualista de Baudelot e de Establet, as quais identicavam a escola como um
aparelho ideológico do Estado burguês, cuja função essencial seria reproduzir as relações
econômicas, sociais e culturais de classe; assim, eram distinguidas as escolas destinadas à
classe dominante e à classe trabalhadora. Ideias da classe dominante. No nosso entendi-
mento, esse é um ponto de partida fecundo para discutirmos o currículo na perspectiva de
classe.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 23


ção da força de trabalho embrutece- No Brasil, o Estado foi assumindo
riam, enormemente, o trabalhador. O essa oferta como escolas públicas
economista clássico, reconhecendo e gratuitas, paralelas às escolas pri-
o “aparvalhamento do trabalhador” vadas, sejam as confessionais ou as
e, “a fim de evitar a degeneração dos empresários do ensino. No caso
completa povo originada pela di- das escolas profissionais, parte dessa
visão do trabalho, [...] recomenda o oferta realizou-se pelos empresários,
ensino popular pelo Estado, porém mas com subsídio público, como é o
em doses prudentemente homeopá- caso das escolas dos chamados Sis-
ticas.” (MARX, 1988, p. 271). temas S.
Como nos explica, mais uma vez, Essa história é atravessada por
Saviani (2007, p. 159), “a introdução importantes reformas educacionais,
da maquinaria eliminou a exigên- dentre as quais, citamos a de Fran-
cia de qualificação específica, mas cisco Campos, que possibilitou a
impôs um patamar mínimo de qua- organização de seus sistemas pelos
lificação geral, equacionado no cur- estados da federação; a de Gusta-
rículo da escola elementar”. Porém, vo Capanema, que buscou dar or-
principalmente, a partir da mudança ganicidade às formas escolares, em
da base mecânica para a eletromecâ- especial, com as chamadas leis or-
nica, além de as funções de operação gânicas da educação; a reforma do
adquirirem alguma qualidade a mais, governo civil-militar, o qual fez as
surgiram, também, as funções de reformas do ensino universitário e
manutenção e de supervisão; tare- secundário, este último mediante a
fas essas que “exigiam determinadas Lei nº 5.692/71, tornando formação
qualificações específicas, com pre- profissional compulsória no 2º grau,
paro intelectual também específico” posteriormente, revogada pela Lei
(SAVIANI, p. 159). Geraram-se, assim, nº 7.044/82; a de Fernando Henri-
os cursos profissionalizantes e a bi- que Cardozo, depois da aprovação
furcação dos sistemas de ensino nos da Lei nº 9.393/1996, implementa-
ramos de formação geral e de forma- da pelo Decreto nº 2.208/1997, que
ção profissional. Funda-se o que cha- separou a formação profissional do
mamos de dualidade educacional, Ensino Médio, e a própria reforma
expressão, no plano da educação, da deste último, por meio de Diretrizes
dualidade social. Curriculares Nacionais baseadas em
competências; e a reforma do gover-

24
no Luís Inácio Lula da Silva, que revo- lhadora.
gou este Decreto por meio de outro, Antes de ser uma necessidade
o Decreto nº 5.154/2004. É, a partir econômica, porém, defendemos o
desse momento, quando se retoma direito de acesso ao conhecimento
a discussão da formação integrada científico e cultural sistematizado
inspirada pela concepção de educa- pela classe trabalhadora como um
ção politécnica debatida na década princípio ético-político, em razão do
de 1980. Finalmente, vivemos, hoje, sentido ontológico do trabalho. A
uma contrarreforma implementada humanidade se constituiu como tal
pela Lei nº 13.415/2017, a qual recu- porque o ser humano, diante de ne-
pera as piores medidas de reformas cessidades reais, se dispõe a dominar
anteriores. Compreender a concep- a natureza, a apreender seus deter-
ção do trabalho, em suas dimensões minantes na forma de conhecimento
e suas contradições, é um importan- e, então, transformá-los em benefício
te meio para se posicionar frente às da qualidade de vida humana. Isto é
concepções educacionais em dispu- um processo que se iniciou, primiti-
ta. vamente, pelo simples fato de que o
ser humano é um ser capaz de, com
3. O trabalho como princípio suas mãos e seu pensamento, apre-
educativo: fundamento con- ender a natureza para si. O que é isto,
traditório da formação dos senão o trabalho como mediação de
primeira ordem entre homem e na-
trabalhadores tureza? (MÉSZÁROS, 2016).
Constatamos que, na luta pelos Essa relação é, também, de pro-
direitos sociais, os quais se tornaram, dução de conhecimentos, primeira-
até mesmo, uma necessidade para o mente, na forma de conhecimento
capital, revelada sob a égide do cha- empírico, depois, quando orientado,
mado Estado de Bem Estar Social3, o sistematicamente, como conheci-
Estado, por meio da escola pública, mento científico. Disso deriva a cen-
possibilitou o acesso ao conheci- tralidade da classe trabalhadora e do
mento científico pela classe traba- trabalho na produção da existência

3 Entendemos o Estado de Bem Estar Social como a expressão política da teoria econômica
de Maynard Keynes, economista inglês que, após a primeira grande crise do capital, de-
fendeu a atuação do Estado tanto na esfera econômica quanto no provimento de políticas
sociais.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 25


humana, de modo que o conheci- relação histórica como o mundo da
mento constitui, com o trabalho, produção, de modo que, a cada nova
uma unidade. Tomado como prin- fase da produção humana, da ciência
cípio educativo, o trabalho orienta e da tecnologia, novas possibilidades
uma educação que reconhece a ca- e necessidades educativas vão sur-
pacidade de todo ser humano de de- gindo.
senvolver-se de maneira produtiva, Assim, passamos pelo tempo da
científica e cultural, no seu processo pedagogia tradicional, em que a fi-
de formação. Neste, a escola cumpre nalidade da educação era transmitir
papel crucial. às novas gerações a tradição de um
Ao mesmo tempo, o trabalho foi grupo social num dado tempo. Essa
se constituindo nas suas formas his- foi, fortemente, criticada pela peda-
tóricas, como o escravo, o servil e o gogia nova, inspirada no pensamen-
assalariado; formas hegemônicas to de John Dewey, já no contexto da
correspondentes aos modos de pro- produção industrial, em que a ca-
dução da antiguidade clássica, do pacidade de pensar, cientificamen-
período feudal e do capitalismo. Tra- te, torna-se uma necessidade desse
ta-se de formas históricas de dividir o novo tempo. No entanto, é, na cor-
trabalho e o produto deste trabalho. respondência entre os princípios da
Essas formas, também, estruturam administração científica, introduzi-
o princípio educativo do trabalho. dos na produção por F. Taylor, e con-
Antes, porque determinam o tipo de jugada com as ideias de H. Ford4 e
educação necessária a cada tempo. o processo de trabalho escolar, que
Isto implica que a escola tem uma vamos encontrar o tecnicismo na pe-

4 As inovações, introduzidas por Henry Ford na produção, mais destacadas são: a) a estei-
ra da produção, que possibilitou a aceleração da produção por manter o trabalhador num
posto de trabalho fixo, enquanto as peças chegavam diretamente a ele no ritmo coman-
dado pela velocidade da esteira; e b) a diminuição da jornada de trabalho conjugada com
o aumento de salário – o chamado dia de oito horas e cinco dólares – que, por um lado,
contribuiu para o aumento da extração da mais-valia relativa pelo capital e, por outro, gerou
condições de consumo pelos trabalhadores em benefício do ciclo virtuoso da mercadoria.
Sabe-se, além disto, que Ford foi pioneiro no que, posteriormente, se desenvolveu como a
Escola de Relações Humanas na administração, uma vez que o mesmo empreendeu medi-
das de proteção do trabalhador como, por exemplo, a visita em suas casas a fim de comba-
ter o alcoolismo dentre outras. Sobre esse assunto, que nos ajuda a entender o quanto o
fordismo não foi somente uma forma de produzir, mas também de regular socialmente o
trabalho, sugerimos a leitura de Harvey (1994).

26
dagogia, representado pela relevân- trabalhadora como suposta condi-
cia conferida às técnicas de ensino e ção necessária ao desenvolvimento
econômico. Agregou-se, assim, à ide-
à eficiência do currículo escolar. A ló-
gica produtiva taylorista-fordista foi ologia do desenvolvimentismo, no
fundamento da função econômica binômio com a segurança nacional,
da escola, configurando-a em corres- o que justificou o governo civil-mili-
pondência à divisão social, técnica e tar. Porém, como nos diz Luiz Antô-
hierárquica do trabalho. nio Cunha (2014), essa era a finalida-
A ideologia que sustentou essa de manifestada na Lei nº 5.692/71,
correspondência foi a Teoria do Ca- mas a real função era a contenção
pital Humano. Trata-se de uma teoria do acesso dos filhos da classe traba-
que vem das ciências econômicas, a lhadora ao ensino superior. O caráter
Economia da Educação, mas que se compulsório da educação profissio-
mostrou como ideológica5, baseada nalizante, no segundo grau, não foi
na linearidade da relação entre nível assimilado pela burguesia, sendo re-
de escolaridade e classificação social vogado pela Lei nº 7.044/1982.
das pessoas; e entre o nível de esco- A rede de Instituições Federais
laridade da população de um país e de Educação Profissional e Tecnoló-
o seu desenvolvimento econômico. gica cumpriu com a finalidade ma-
O caráter ideológico da Teoria do Ca- nifestada e tencionou a contradição
pital Humano orientou as políticas em benefício do trabalho. Isso quer
de educação da classe trabalhadora dizer que os cursos técnicos de se-
no Brasil dos anos 1950 aos 1970. gundo grau, ofertados por essas Ins-
Pela contradição, ela sustentou a am- tituições, reuniram formação geral e
pliação do acesso à escola pela classe profissional, com instalações de qua-

5 Ideologia, aqui, não é compreendida, somente, como o falseamento das ideias ou como
falsa consciência, sentido forte atribuído ao termo por K. Marx, mas também entendida, no
seu sentido ampliado, como ideias que constituem o senso comum de um grupo social. A
ideologia tem, então, um lado que se mostra verdadeiro e outro falso. É, pela manifestação
de seu “lado verdadeiro”, que ela produz o convencimento. No caso da Teoria do Capital Hu-
mano, não dá dúvidas de que o aumento da escolaridade proporciona maiores oportunida-
de de acesso aos empregos mais qualificados, com possibilidades de melhor remuneração
e, assim, mais chances de mobilidade ou de ascensão na classificação social. O lado falso
da Teoria do Capital Humano é tratar esse fenômeno como regra geral e universal. Ao con-
trário do que se defende, tais possibilidades são determinadas pela estrutura econômica,
configurada pela propriedade privadas dos meios de produção por uma classe. O estudo de
referência sobre a Teoria do Capital Humano é de Frigotto (2004).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 27


lidade, professores bem formados e flexível, assim como deveria ser, en-
condições de trabalho; nessas expe- tão, a formação profissional. A Edu-
riências, possibilitou-se o aprendiza- cação Profissional Técnica de Nível
do técnico-científico e cultural pela Médio voltava a ter a função conte-
mediação do trabalho. Apesar de os nedora de acesso ao ensino superior.
currículos não contemplarem, ple- Afirmamos que a relação traba-
namente, o estudo das Ciências Hu- lho e educação é, antes, ontológica
manas e Sociais, devido à ênfase da porque nos formamos e nos educa-
carga horária na formação técnica, as mos como seres humanos por meio
experiências, vividas pelos estudan- do trabalho, mas é, também, uma
tes, nessas Instituições, lhes confe- relação histórica porque, a cada nova
riam não somente uma formação de forma de produzir a existência, se re-
qualidade, mas uma compreensão laciona uma nova forma de educar.
do mundo mais ampliada. Entretanto, nas sociedades de clas-
O percurso, para o ensino supe- ses, o direito, ao pleno acesso à edu-
rior de seus estudantes, tornou-se cação, ficou restrito às elites, sendo
frequente em áreas correlatas a sua que, a cada aproximação da classe
formação técnica ou mesmo em ou- trabalhadora à educação, algum li-
tras. Isso não era tolerável pelos con- mite se impôs.
servadores, de tal modo que, após a
aprovação da Lei nº 9.394/1996, na 4. O Ensino Médio Integrado:
qual se perdeu a perspectiva da edu-
possibilidade de construção
cação politécnica, como a concepção
de organizar a Educação Básica, o em benefício do trabalho
7

Decreto nº 2.208/1997 impôs a sepa- Os antecedentes históricos da


ração do Ensino Médio da Educação proposta do Ensino Médio Integrado
Profissional, assim como a organiza- têm os anos de 1980 como um mar-
ção curricular baseada em compe- co, quando se discutiu, largamente,
tências6. Argumentava-se que essa com a sociedade, a elaboração de
seria a lógica necessária à adaptação uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
dos trabalhadores à reestruturação Educação Nacional (LDB). Naquele
produtiva, a qual tornava o trabalho

6 Um estudo sobre esta política pode ser encontrado em Ramos (2001).


7 As ideias aqui expostas foram sistematizadas originalmente em Frigotto, Ciavatta e Ramos
(2005).

28
momento, os educadores brasileiros rar-se-ia, assim, a formação, estrita-
estavam mobilizados com a possi- mente, técnica para os trabalhadores
bilidade de se orientar a educação e a acadêmica para as elites. Ao invés
nacional na perspectiva da escola de uma formação restrita a um ramo
unitária. Apontava-se para a supera- profissional, esta teria o caráter om-
ção da dualidade da formação, para nilateral, isto é, voltada para o desen-
o trabalho manual e para o trabalho volvimento dos sujeitos em “todas
intelectual; expressão da dualida- as direções”. De fato, a compreensão
de de classes, o que caracterizou a dos fundamentos da produção, pe-
existência de percursos formativos los estudantes, implica compreen-
profissionalizantes para o mercado der, também, seu lugar na divisão
de trabalho, em oposição ao prope- social do trabalho; isto é, as determi-
dêutico, o qual levaria os estudantes nações históricas de suas condições
ao ensino superior. Compreendia-se econômicas, sociais e culturais, as
o Ensino Médio como Educação Bá- quais, sendo questionadas pela me-
sica, de modo a ser uma etapa des- diação de conhecimento, podem ser
te nível de ensino, e, como tal, com transformadas não apenas subjetiva-
a finalidade de consolidar os estu- mente, mas politicamente, mediante
dos iniciados nas etapas anteriores. o reconhecimento de sua identidade
O caráter, historicamente, pendular, de classe.
desse momento formativo, cujas fun- Isso materializa o princípio edu-
ções oscilaram conforme o modelo cativo do trabalho no sentido onto-
econômico e dual, que dissociava lógico, uma vez que, ao se compre-
formação para o trabalho manual e ender que os bens, produzidos pela
para o trabalho intelectual, seria su-
sociedade, em benefício da melhoria
perado pela escola unitária, tendo o de sua qualidade de vida, são produ-
trabalho como princípio educativo. tos do trabalho humano, o qual co-
A educação politécnica seria locou em movimento a produção de
8

o horizonte, compreendida como conhecimentos e de modos de vida


aquela capaz de proporcionar aos (ciência e cultura), compreende-se,
estudantes a compreensão dos fun- também, que todos são, potencial-
damentos científicos, tecnológicos e mente, produtores de novos conhe-
sócio-históricos da produção. Supe- cimentos e capazes de apreenderem

A concepção de educação politécnica pode ser recuperada em Saviani (2003).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 29


os conhecimentos já produzidos. que o Ensino Médio fosse profissio-
Sendo assim, não faz sentido que nalizante.
esses sejam reservados a uma classe As discussões realizadas, com a
ou a um grupo social. Da mesma for- sociedade, colocaram a formação
ma, não faz sentido delimitar o hori- profissional no Ensino Médio como
zonte de desenvolvimento humano uma necessidade, provocando sua
precocemente, seja pela restrição de incorporação no texto relatado pelo
sua escolaridade, seja pela determi- Deputado Federal Jorge Hage. Mes-
nação seletiva dos tipos de conheci- mo assim, a garantia da Educação
mentos a que o estudante poderá ter Básica manteve-se como uma exi-
acesso, em quantidade e qualidade, gência. As condições, para isso, eram,
pelo lugar ocupado na divisão social também, disciplinadas, a exemplo da
do trabalho. Ao contrário, na Educa- elevação da carga horária e da exis-
ção Básica, o estudante teria acesso tência de escolas especializadas para
ao conjunto de conhecimentos que esse fim. A Lei nº 9.394/1996 mante-
lhe possibilitaria compreender a to- ve a possibilidade da formação pro-
talidade da vida social e produtiva, fissional no Ensino Médio, desde que
assim como conhecer e desenvolver “atendida a formação geral do edu-
suas habilidades em diversos cam- cando”. O Decreto nº 2.208/1997 ig-
pos: nas Ciências Físicas, nas Ciências norou tal dispositivo, separando-se,
Humanas e Sociais, na Matemática, então, uma formação da outra, pelo
nas Linguagens, nas Artes dentre ou- impedimento de que ambas ocorres-
tras. sem no mesmo currículo.
Uma formação, desse tipo, não A contrariedade, a essa reforma,
anteciparia as definições de futuro se vocalizou, muitas vezes, como a
para os jovens. Ao contrário, como defesa do “retorno” à integração da
diria Antonio Gramsci (1968), as es- Educação Profissional ao Ensino Mé-
colhas profissionais seriam feitas dio. Não obstante, essa ideia precisa
após o estudante ter sido levado a ser questionada, posto que a experi-
um grau de maturidade intelectual. ência anterior, realizada sob a égide
Nesse sentido, no projeto original de da Lei nº 5.692/1971, integrava, for-
LDB, que derivou da Carta de Goiâ- malmente, em um mesmo currículo,
nia, aprovada pelos educadores reu- ambos os tipos de formação, mas sua
nidos na IV Conferência Brasileira de determinação economicista, orienta-
Educação (CBE), de 1986, não previa

30
da pela Teoria do Capital Humano e civilização”9; e, assim, patrimônio das
pela concepção pedagógica tecni- elites, seja quanto às possibilidades
cista, não convergia com a concep- de desenvolvimento de habilidades
ção da educação politécnica e a de para a arte, seja quanto ao acesso ao
formação omnilateral. considerado conhecimento erudito.
Nessa experiência, o conceito de Sendo assim, a escola profissional
trabalho era restrito a sua forma his- não seria lugar de cultura, a não ser
tórica no capitalismo: o trabalho as- como uma complementação, por ve-
salariado ou emprego. O mundo do zes, lúdica, ao currículo técnico .
10

trabalho se reduzia ao mercado de Uma formação, baseada na uni-


trabalho. A ciência se delimitava por dade entre o trabalho, a ciência e a
essas compreensões, subsumindo o cultura, como dimensões fundamen-
processo de ensino-aprendizagem a tais da vida, implica abordar o conhe-
uma finalidade instrumental e prag- cimento em sua historicidade. Isso
mática, prejudicando-se o conteúdo significa que os conteúdos de ensino
de formação geral em nome dos co- não são considerados abstrações a
nhecimentos considerados específi- serem apreendidas na sua formali-
cos para a formação técnica, aspecto dade ou na sua instrumentalidade.
este que, associado à repressão da É preciso que esses conteúdos ad-
ditadura civil-militar, rarefez o ensino quiram concreticidade pela relação
das Ciências Humanas e Sociais, ex- com as necessidades e os problemas
cluindo, por completo, conteúdos de que a sociedade reconheceu e/ou se
Filosofia e de Sociologia dos currícu- colocou, os quais levaram ao desen-
los. A compreensão da cultura, como volvimento das ciências em um de-
modo de vida, com expressões téc- terminado sentido, produzindo-se,
nicas, éticas e estéticas, interpunha a assim, novos modos de vida e nova
identidade entre cultura e “manifes- cultura.
tações artísticas” ou entre “cultura e

9 Um estudo sobre o conceito de cultura pode ser encontrado em Ramos e Moratoria (2017).
10 É interessante notar que, nas Instituições da Rede Federal, as atividades culturais são fre-
quentes, mesmo que, muitas vezes, não tenham composto o currículo formal. No entanto,
a existência de condições de infraestrutura, de professores dessa área e da disponibilidade
de um tempo livre incentivado pelos docentes, a ser usado, criativamente, faz com que a
presença de tais atividades tenha resistido às reformas que visaram conter os s de
educação politécnica que essas Instituições guardam (SAVIANI, 1997).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 31


4.1. Os sentidos da integração: to do trabalho, o qual, na sociedade
moderna, ordenou a especialização
filosófico, ético-político, epis-
da produção, favorecendo, assim, a
temológico e pedagógico criação das profissões e a correlata
Com o exposto, reunimos o que formação. A profissionalização, sob
temos designado como os sentidos essa perspectiva, se opõe à simples
da integração. O primeiro deles é de formação para o mercado de traba-
cunho filosófico e expressa a concep- lho, mas incorpora valores ético-polí-
ção de mundo, de homem, de socie- ticos e conteúdo histórico-científico
dade e de educação a qual sustenta os quais caracterizam a práxis huma-
o projeto e as práticas político-peda- na.
gógicas da escola. A concepção de Temos designado, como o senti-
Ensino Médio Integrado, assim, com- do político da integração, a indisso-
preenderia o ser humano como pro- ciabilidade da Educação Profissio-
duto das relações histórico-sociais e, nal e Básica. Esse sentido orientou
nesses termos, a própria realidade. A a manutenção da possibilidade da
formação humana é o processo de Educação Profissional ser integrada,
reprodução dessa realidade em cada formalmente, ao Ensino Médio. Esse
ser, de modo que ele possa apreendê sentido tem dois pressupostos. O
-la, criticá-la e transformá-la. O proje- primeiro, intrinsecamente, relaciona-
to politico-pedagógico visa integrar do ao sentido filosófico, é a não ad-
as dimensões fundamentais da prá- missão de que as pessoas podem se
xis social, trabalho, ciência e cultura, formar, tecnicamente e profissional-
na formação dos estudantes. mente, sem apreender os fundamen-
Supera-se, assim, a visão da ativi- tos da produção moderna em todas
dade econômica como estrita produ- as dimensões. Não se pode admitir,
ção de bens e de riquezas passíveis igualmente, que a estrutura educa-
de serem acumuladas privadamente; cional comporte ramos profissiona-
origem e resultado da divisão da so- lizantes desvinculados da formação
ciedade em classes e, então, da desi- básica. É preciso que a política edu-
gualdade social. Ao contrário, a prá- cacional contemple a relação de re-
xis econômica histórica implica na quisitos entre as respectivas etapas
produção social necessária à existên- formativas e no interior de um mes-
cia humana, e este seria o fundamen- mo currículo.

32
Na legislação vigente, isso foi formação escolar média; e, também,
viabilizado pela possibilidade de não fosse a sociedade ter deman-
“articulação” entre a Educação Pro- dado a possibilidade de o Ensino
fissional e a Educação Básica, dando Médio proporcionar a formação pro-
origem às formas de oferta da Edu- fissional, tal como resultou na Lei nº
cação Profissional Integrada e con- 9.394/1996; caso não tivesse ocorri-
comitante. Ainda, no plano formal, do a conquista da revogação do De-
a primeira, corresponde à realização creto nº 2.208/1997 pelo Decreto nº
de ambas as formações em um mes- 5.154/2004.
mo currículo, a diferença fundamen- Essa nota nos remete às contradi-
tal entre os Decretos nº 5.145/2004 e ções consideradas no primeiro item
nº 2.208/1997, destinada a egressos deste texto, pois foi o êxito da for-
do Ensino Fundamental. A segunda, mação de qualidade realizada pelas
a oferta dessas formações, cursadas, Instituições Federais, sob a égide da
ao mesmo tempo, conforme disponi- Lei nº 5.692/1971, expressão máxima
bilidades dos sistemas e das institui- da dualidade educacional em nosso
ções de ensino, porém em currículos país, que nos fez conhecer as possibi-
diferentes, também destinada aos lidades de acesso, pela classe traba-
egressos do Ensino Fundamental. lhadora, ao conhecimento científico,
Finalmente, a forma subsequente, cada vez mais, elaborado ainda que
não, originalmente, proposta por ne- sob o prejuízo da formação geral.
nhum dos dois decretos, mas já pra-
ticada por instituições e sistemas de Como afirmou Kuenzer (1998), o
ensino e procurada pelos próprios Decreto nº 2.208/1997 tratou um pro-
estudantes, equivale à formação pro- blema social: a necessidade de os fi-
lhos da classe trabalhadora cursarem
fissional posterior à conclusão do En-
sino Médio (inclusive sob a organi- o Ensino Médio já com a perspectiva
zação e as denominações anteriores, profissionalizante; como um proble-
como secundário e segundo grau). ma pedagógico, separando as duas
formações. Por vezes, o argumento,
Essa última forma poderia ter se que os defensores da educação poli-
tornado a hegemônica, não fosse técnica, também, consideravam que
a contraditória experiência propor- a formação profissional deveria ser
cionada pela Lei nº 5.692/1991, a posterior ao Ensino Médio, foi usado
qual criou os cursos técnicos de ní- pelos reformadores do Ministério de
vel médio equivalentes à respectiva

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 33


Paulo Renato. Esses não entendiam bem como de trabalho e de forma-
que, exatamente, porque as ques- ção docentes compatíveis com uma
tões pedagógicas são, também, so- educação pública, laica e de quali-
ciais é que a LDB voltou a incorporar dade referenciada socialmente. Por
a formação profissional ao Ensino esses motivos, Saviani (1997) decla-
Médio como uma possibilidade; e, rou que tais instituições continham
sob o abrigo dessa lei, protestamos os germens da educação politécnica.
contra aquela reforma. Germens esses que tentamos culti-
Não obstante, não defendemos o var, por superação dialética, insisti-
“retorno” à Lei nº 5.692/71 ou ao tipo mos com a concepção e a prática do
de integração formal que ela possi- Ensino Médio Integrado, tidos como
bilitava. Ao contrário, a concepção coerentes, filosoficamente e politica-
de Ensino Médio Integrado, que fun- mente, com as necessidades e os di-
damentou o Decreto nº 5.154/2004, reitos da classe trabalhadora.
elaborada, teoricamente, nos ter- Podemos falar, agora, dos senti-
mos, aqui, expostos, e que orientou dos epistemológico e pedagógico
a discussão com muitas instituições do Ensino Médio Integrado. Primei-
e muitos sistemas de ensino, visan- ramente, entendemos a realidade
do a sua implementação, tomou o como um todo estruturado e dialé-
aspecto virtuoso daquela experiên- tico (KOSIK, 1978), o qual pode ser
cia como ponto de partida, porém conhecido mediante um processo
visando à superação de suas marcas de análise capaz de captar suas me-
economicista e tecnicista, em dire- diações. Entendemos o conhecimen-
ção à compreensão histórica e dialé- to sistematizado como a elaboração
tica da formação humana. dessas mediações no plano do pen-
O aspecto virtuoso, a que nos samento. Em outras palavras, concei-
referimos, compreendia a oportuni- tos, teoria, leis gerais de fenômenos,
dade de o estudante ter a formação elaborados pela ciência, e que se
básica sob a referência do trabalho. convertem em conteúdos de ensino,
Este, porém, tendeu a se efetivar, são mediações cognoscíveis da rea-
especialmente, nas Instituições da lidade, passíveis de serem represen-
Rede Federal, onde havia condições tados na forma de linguagens; com
materiais de infraestrutura adminis- isso, são difundidas, apreendidas e
trativa e de didático-pedagógica, utilizadas socialmente, para fins de
socialização, de produção de novos

34
conhecimentos e de aplicação téc- (disciplinaridade) e em relação a ou-
nica e tecnológica dentre outros. Por tros de campos distintos (interdisci-
isso, reiteramos que os conhecimen- plinaridade).
tos não são abstrações ahistóricas ou Compreendendo que a vida hu-
neutras, mas, sim, a conceituação do mana é constituída por múltiplos
real oriunda do movimento de inves- processos sociais de produção ma-
tigação de seus fenômenos, motiva- terial e simbólica, esses podem ser
do pelos problemas que a humani- a referência do currículo. No caso da
dade se coloca e se dispõe a resolver;Educação Profissional Integrada ao
consequentemente, eles são históri- Ensino Médio, os próprios processos
cos e sociais. produtivos, relativos às profissões,
A compartimentação das ciências para as quais os estudantes são for-
foi um meio pelo qual se conseguiu mados, podem ser essa referência.
penetrar, mais profundamente, nes- Por mais que esses sejam particulari-
sa realidade, constituindo-se, assim, dades produtivas, que implicam em
os campos de conhecimento, cada dimensões científicas e em técnicas
vez mais, específicos nas disciplinas específicas, eles guardam determina-
científicas, as quais se constituíram ções da totalidade social que são de
em referências para o ensino na con- ordem econômica, política, histórica,
formação das disciplinas escolares. cultural, ambiental dentre outras.
Portanto, assim como na investiga- Se tais processos forem tratados
ção, feita a análise do fenômeno, é por essas perspectivas, os conheci-
preciso ordenar e relacionar as me- mentos que permitem sua compre-
diações captadas num processo de ensão, nas suas múltiplas dimensões,
síntese, de tal modo que o fenômeno se tornam uma necessidade, de for-
já não se manifeste, somente, em sua ma que os conteúdos de ensino ad-
aparência empírica, mas, sim, como quirem sentido não somente cientí-
uma realidade concreta apreendida fico, mas também social e histórico.
pelo pensamento, o concreto pensa- Por esse caminho, encontraremos,
do (KOSIK, 1978). No ensino, é preci- também, a relação entre o que de-
so que os conteúdos sejam apreen- signamos como conhecimentos de
didos como um sistema de relações formação geral e específica. Essa
que expressam a totalidade social. classificação tem dois fundamentos,
Para isso, eles devem ser aprendidos a saber: a) podem ser considerados,
no seu campo científico de origem

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 35


como conteúdos de formação geral, quais são fundamentais para a com-
aqueles que, independentemente preensão do(s) objeto(s) estudado(s)
da especificidade dos processos pro- nas dimensões em que foi problema-
dutivos, possibilitam a compreensão tizado, localizando-o, em sequência,
da vida social; e, como conteúdos nos respectivos campos da ciência
de formação específica, quando os (áreas do conhecimento, discipli-
primeiros são desenvolvidos e apro- nas científicas e/ou profissionais). É
priados com finalidades produtivas possível que essa seleção integrada
de caráter tecnológico, social e cul- de conteúdos de ensino provoque
tural, chegando a caracterizar as es- a necessidade de complementação,
pecificidades de determinados pro- seja para a formação geral, seja para
cessos de produção; b) o estatuto de a formação específica. Para isso, é
geral e de específico, de algum co- importante identificar relações dos
nhecimento, pode se alterar confor- conteúdos selecionados com outros
me os processos produtivos. No cur- do mesmo campo (disciplinaridade).
rículo integrado, porém, mesmo que Todavia, a fim de cumprir com o pro-
os componentes curriculares sejam pósito de que os conteúdos sejam
identificados, como de formação ge- apreendidos como um sistema de re-
ral ou específica, eles são organiza- lações, cabe identificar relações com
dos visando a corresponder ao pres- conteúdos de campos distintos, na
suposto da totalidade do real como perspectiva da interdisciplinaridade.
síntese de múltiplas determinações. Produzindo-se, assim, uma pro-
Chegamos, então, ao sentido pe- posta curricular integrada, espera-se,
dagógico da integração, implican- igualmente, uma prática curricular
do formas de selecionar, de organi- integrada. Para esse fim, incorporo
zar e de ensinar os conhecimentos os momentos da Pedagogia Histó-
destinados à formação pretendida. rico-Crítica elaborada por Saviani
Propomos a seleção integrada de (2008), os quais converto no que
conteúdos de ensino a partir da pro- designo como “tempos curricula-
blematização dos processos produ- res”, assim esquematizados: tempos
tivos em suas múltiplas dimensões: de problematização (a prática social
tecnológica, econômica, histórica, e produtiva ainda como síncrese);
ambiental, social, cultural dentre ou- tempos de instrumentalização (o en-
tras. Isso exigirá a explicitação de teo- sino de conteúdos necessários para
rias, de conceitos, de técnicas etc., as compreender o processo problema-

36
tizado); tempos de experimentação 5. A atual contrarreforma do
(o enfrentamento, pelo estudante,
Ensino Médio e os limites ao
de questões práticas, mediante as
quais ele se sente desafiado a valer- Ensino Médio Integrado
se do conhecimento apreendido e, Em sentido, diametralmente,
então, a consolidá-los e/ou a iden- oposto à proposta do Ensino Médio
tificar insuficiência e limites dos co- Integrado, a atual contrarreforma do
nhecimentos apreendidos); tempos Ensino Médio, empreendida pela Lei
de orientação (o acompanhamento, nº 13.417/2017, dirige-se, mais uma
pelos professores, dos enfrentamen- vez, à classe trabalhadora no sentido
tos dos estudantes, visando organi- de restringir seu acesso a uma Edu-
zar aprendizados e/ou colocar novas cação Básica pública e de qualidade
questões); tempos de sistematização social. Analiso-a, primeiramente, sob
(síntese/revisão de questões, de con- a ótica da relação entre método e
teúdos e de relações); e tempos de conteúdo, considerando a categoria
consolidação (avaliações com finali- hegemonia. Hegemonia é coerção
dades formativas). revestida de consenso (GRAMSCI,
Espera-se, finalmente, que a pro- 2002). As ideias hegemônicas são
posta curricular demonstre identida- aquelas que dão direção cultural e
de e unidade teórico-metodológica, material a um grupo social. Ela se dis-
participação ativa dos sujeitos, cons- puta e se conquista numa sociedade
trução coletiva do conhecimento, que tem relações, formalmente, con-
organização integrada e abordagem sideradas democráticas, já que, no
histórico-dialética de conteúdos in- estado ditatorial, predomina a coer-
tegrando trabalho, ciência e cultura. ção. Em sociedades democráticas, a
Nesse percurso formativo, coerente hegemonia implica obter o consen-
com a concreticidade da vida social timento ativo das massas e construir
dos sujeitos, as contradições são ti- o consenso. A contrarreforma atual é
das como relevantes e trabalhadas a expressão da hegemonia do pen-
mediante uma análise crítica do co- samento burguês, conservador e re-
nhecimento e da sociedade. trógrado, o qual se revelou em seu
método e em seu conteúdo.
A reforma se inicia com uma Me-
dida Provisória nº 746/2016 utilizada

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 37


em situações emergentes ou urgen- pelo dispositivo do “notório saber”,
tes, as quais não podem aguardar e as competências, desenvolvidas
o processo de tramitação ou/e de em outras experiências, podem ser
construção política. O Ensino Médio reconhecidas e aproveitadas; a re-
não precisava de uma Medida Provi- dução da carga horária da Educação
sória, a não ser para atacar o que se Profissional como itinerário de 600
conquistou com a proposta da for- horas, o que contraria o disposto nas
mação integrada, atingir o projeto de Diretrizes Curriculares Nacionais da
formação dos sujeitos na perspectiva Educação Profissional Técnica de Ní-
da omnilateralidade e da integralida- vel Médio (Dcnept); e, no caso espe-
de da formação. A contrarreforma é, cífico da Rede Federal, a limitação do
também, um ataque aos direitos da orçamento a 3.000 horas (ainda que
classe trabalhadora e, para se cons- não seja um dispositivo de lei), con-
truir o consenso, propagandas de te- ta esta que sugere a possibilidade de
levisão falam meias verdades. cumprimento do máximo de carga
Saliento algumas das implicações horária prevista para os eixos tecno-
imediatas da contrarreforma que lógicos nas Dcnept (1.200 horas, re-
atingem, frontalmente, a concepção sultante da diferença entre as 3000
de Ensino Médio Integrado. São elas: horas sustentáveis pelo orçamento, e
a redução da carga horária de forma- as 1800 horas, destinadas à Base Na-
ção geral para 1800 horas; a redução cional Curricular Comum, conforme
da formação em Ciências Humanas a lei).
e Sociais pela não obrigatoriedade Essa pequena síntese nos mos-
de Filosofia e Sociologia; a fragmen- tra como a atual contrarreforma do
tação de parte da carga horária (600 Ensino Médio retoma os dispositi-
horas) em itinerários formativos; a vos de dualidade e de fragmentação
separação da Educação Profissional formativas os quais vivenciamos em
da Educação Básica, por meio da reformas anteriores. A divisão, em
transformação do primeiro em um itinerários formativos, nos remete à
dos itinerários formativos; o caráter reforma Capanema (Decreto-Lei nº
“não escolar” conferido à Educação 4.244/1942), quando o segundo ciclo
Profissional, dado que esta pode se do ensino secundário ficou dividido
realizar em instituições não escola- em cursos clássico e científico, cada
res, seus professores prescindem de qual preterindo conhecimentos que
formação científica e pedagógica seriam próprios do outro. A transfor-

38
mação da Educação Profissional, em prometidas com a formação básica,
um dos itinerários, retoma aspectos pública e de qualidade social dos
da Lei nº 5692/1971 de substituição estudantes deste país, em especial,
da carga horária do currículo pela por aqueles comprometidos com o
formação específica11. Como disse- projeto de Ensino Médio Integrado.
mos, a condição de itinerário conferi- O fundamento ético-político, desta
do à Educação Profissional, associada posição, é que a contrarreforma atin-
ao seu cumprimento em instituições girá, principalmente, os quase 90%
não escolares, ao aproveitamento de dos estudantes do Ensino Médio que
competências e a não obrigatorieda- estão nas redes estaduais de ensino.
de de formação docente apropriada, As escolas particulares, princi-
separa a Educação Profissional da palmente, as de elite, resistirão à sua
Educação Básica, realizando o inten- implantação e buscarão meios pró-
to do Decreto nº 2.208/1997. Isto é prios para garantir a Educação Bási-
feito de forma ainda mais grave, poisca em sua totalidade, tal como ocor-
se, sob a égide desse Decreto, a carga
reu quando se implantou a Lei nº
horária, destinada à Educação Profis-5.692/71. Essa resistência redundou
sional, abrangeria de 800 a 1200 ho- na revogação da obrigatoriedade da
ras, na nova lei, esta pode se limitar a
profissionalização compulsória do,
600 horas12. então, 2º grau pela Lei nº 7.044/82;
É preciso dizer que entendo o na verdade, legalizando a inobser-
protesto a essa contrarreforma e a vância à lei por parte dessas escolas.
não observância da lei como a pri- As Instituições Federais, por sua vez,
meira posição a ser tomada pelos ao gozarem de autonomia adminis-
educadores e pelas Instituições com- trativa, financeira e pedagógica, tam-

11 Pela Lei nº 13.415/2017, essa carga horária corresponde a 25% da carga horária que deve-
ria ser de formação geral. No caso da Lei nº 5.692/1971, essa substituição poderia chegar a
50%. Porém, pelo menos na Rede Federal, os currículos tinham, em média, uma carga horá-
ria de 4000 horas. A substituição da carga horária de formação geral era, assim, compensada
por uma carga horária global maior.
12 A lei prevê o aumento da carga horária do Ensino Médio mediante a implantação do
horário integral. Esse aumento, porém, deve se destinar, exclusivamente, aos conteúdos de
Língua Portuguesa e de Matemática. Ademais, sabemos que o novo regime fiscal, instituí-
do pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016, impedirá o cumprimento desse propósito. É
possível até que alguns sistemas de ensino o implemente em escolas consideradas de ex-
celência, para servir de exemplo ou de referência nas avaliações de larga escala. Reforça-se,
assim, o caráter ideológico e midiático dessa contrarreforma.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 39


bém, possuem a prerrogativa políti- ao Ensino Médio é de 3000h, 3.100h
ca de não se adaptarem à lei. ou 3.200h, conforme o número de
Uma posição que, exclusivamen- horas indicadas para as habilitações
te, se proteja sob essas prerrogati- técnicas no Catálogo Nacional de
vas tem um caráter corporativo e/ou Cursos Técnicos. Essas incoerências
seletivo, que pode expressar o não promovem um contexto de indefi-
compromisso com a direito pleno nições normativas e de instabilidade
à educação da classe trabalhadora políticas o qual, também, justifica a
brasileira. Essa posição, na verdade, não observância à lei.
legitimaria o princípio que rege a Avançando, internamente, à lei,
contrarreforma: educação mínima considerando que, em algum mo-
para cidadãos mínimos. mento, seja inevitável observá-la, em
Para além da posição ético-po- relação às medidas coercitivas que
lítica de resistência ativa à contrar- podem vir, encontramos os disposi-
reforma, é importante explicitar tivos que podem ser usados para se
a incoerência jurídica que a Lei nº evitar o completo desmonte do En-
13.415/2017 provocou na regula- sino Médio Integrado. Comecemos
mentação educacional atual. Primei- pelo artigo 36, da LDB, já emendado,
ramente, a forma integrada da arti- o qual dispõe sobre a possibilidade
culação, entre Educação Profissional de diferentes arranjos curriculares,
e Ensino Médio, mantém-se vigente “conforme relevância do contexto lo-
na LDB, assim como as Dcnept de cal e a possibilidade dos sistemas de
2012, elaboradas em coerência com ensino”, na composição entre a Base
a primeira. O conteúdo dessas Dire- Nacional Comum Curricular e os iti-
trizes, juntamente, com o das Diretri- nerários formativos. Admite-se, ain-
zes Curriculares Nacionais do Ensino da, sua integração aos componentes
Médio (Dcnem), do mesmo ano, se curriculares da Base Nacional Co-
aproximam da concepção de Ensi- mum Curricular (BNCC). Finalmente,
no Médio Integrado, aqui, exposta e mediante disponibilidade de vagas,
conflita com os pressupostos da con- o aluno concluinte poderá cursar
trarreforma. mais um itinerário formativo.

Ademais, a carga horária, prevista As Instituições que têm auto-


para os cursos de Educação Profissio- nomia dispõem de condições para
nal Técnica de Nível Médio Integrado integrar os componentes curricula-

40
res da BNCC e dos itinerários, assim instrumento para o desempenho
como para garantir vagas a todos os acadêmico ou profissional. Antes, o
seus estudantes a fim de cursarem conhecimento resulta da apreensão
outro itinerário. Feita a integração da realidade pelos seres humanos,
dos componentes, pode-se estender num processo histórico em que bus-
a carga horária global do curso para camos compreender nossas necessi-
que o estudante curse, simultanea- dades e produzir meios para satisfa-
mente, mais de um itinerário. Assim, zê-las. Esse é o próprio processo do
o currículo do Ensino Médio Integra- trabalho o qual gera conhecimentos
do, ainda, que, compulsoriamente, e novos modos de vida. Explica-se,
tenha a formação básica comum li- assim, a unidade entre trabalho, ci-
mitada a 1800 horas, poderia chegar ência e cultura que fundamenta a
a 3.200 horas; sendo 600 horas consi- concepção do Ensino Médio Integra-
deradas como itinerário da Educação do.
Profissional pela Lei nº 13.415/2017 É fundamental saber que o cará-
(o que as igualariam às escolas das ter contraditório do trabalho e a sua
demais redes) e as demais 800 horas relação com o capital fazem com que
voltadas para atender às Dcnept vi- ele seja determinado pelo tempo de
gentes ou à oferta de outro itinerá- necessidade, mas em busca do tem-
rio. Acende-se, assim, uma vela para po de liberdade. Na contradição, a
cada norma, em nome da formação conquista política da educação é,
integrada. Resta saber se esse será o também, necessidade do capital,
pecado fatal ou sua remissão. dado o avanço das forças produti-
vas. No entanto, essas disputas têm
Considerações finais um fundamento filosófico, pois im-
plicam compreender o ser humano
A luta pelo Ensino Médio Integra-
como capaz de produzir sua existên-
do é a luta pelo direito a uma forma-
cia pelo desenvolvimento de todas
ção humana e plena, tendo o traba-
as suas habilidades. É preciso pensar
lho como princípio educativo em um
qual é o sentido da educação em
currículo centrado nas dimensões
termos da formação humana, pois
fundamentais da vida: o trabalho, a
sua relação, com o trabalho, não é só
ciência e a cultura. Por essa concep-
instrumental, mas, sim, de realização
ção de formação, o conhecimento
ontológica. Não desprendamos o
não é, somente, um insumo ou um
nosso trabalho de nossa concepção

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 41


de mundo, de homem, de sociedade previdência. Vivemos, nessa contrar-
e de educação. Os desafios da forma- reforma, a retomada calculada dos
ção, hoje, são potente para ampliar piores aspectos das outras reformas
as fronteiras que as relações sociais empreendidas neste país. Vivemos,
de produção impuseram à classe tra- no plano educacional, a violência e
balhadora. o ferimento de morte de um projeto
Assim, as lutas se travam nos de formação humana voltada para a
planos econômico e político, mas construção de outra sociedade. Vol-
também filosófico. Nessas lutas, con- ta-se ao século XIX, quando a classe
seguimos, em vários momentos da trabalhadora deveria receber educa-
história da educação brasileira, fazer ção somente em doses homeopáti-
do trabalho o polo determinante da cas.
contradição, conquistando o direito Somente, a resistência, alimen-
ao conhecimento pela via escolar. tada por princípios éticos-políticos,
Conquistamos a possibilidade de e construída pela práxis social, nos
uma formação integrada de cultura espaços organizados politicamente,
geral e uma formação técnica, de su- e, em nossa ação cotidiana, em espe-
peração da dicotomia entre trabalho cial, como educadores, poderá frear
manual e intelectual, entre desenvol- o movimento historicamente regres-
vimento intelectual e técnico. Hoje, sivo. É, nessa práxis, que as institui-
enfrentamos a contradição principal ções seculares se fizeram uma con-
de se ter, mais uma vez, esse direito quista e um patrimônio social. Nelas,
limitado ou mesmo impossibilitado. encontra-se a verdadeira legitimida-
A atual contrarreforma do Ensi- de para se propor e se fazer a política
no Médio é mais um componente educacional brasileira.
do movimento austericida lidera-
do pelos que estão no poder e por Referências
aqueles que buscam o consenso
BARATA-MOURA, José. Totalidade e
da sociedade civil por artifícios mi-
Contradição. Lisboa: Editora Avante,
diáticos e ideológicos, coordenado
2012.
pelo “novo regime fiscal”, introduzi-
do pela Emenda Constitucional nº CUNHA, Luiz Antônio. Ensino profis-
95/2016, que se deseja completar sional: o grande fracasso da ditadura.
com as reformas trabalhista e da Cadernos de Pesquisa, v.44, n.154,
p.912-933, out./dez. 2014.

42
FRIGOTTO, Gaudencio. A produtivi- RAMOS, Marise. A pedagogia das
dade da escola improdutiva. 7. ed. competências: autonomia ou adap-
São Paulo: Cortez, 2004. tação?. São Paulo: Cortez, 2001.
FRIGOTTO, Gaudencio; CIAVATTA, RAMOS, Marise; MORATORI, Raquel.
Maria; RAMOS, Marise. Ensino Mé- Uma reflexão sobre o conceito de
dio Integrado: concepção e contra- cultura e sua relação com o traba-
dições. São Paulo: Cortez, 2005. lho e a ciência no projeto educativo.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e In: GALVÃO, Gregório; VELASQUES,
a organização da cultura por Anto- Muza; BATISTELLA, Renata. Cultura,
nio Gramsci. Rio de Janeiro, Civiliza- politecnia e imagem. Rio de Janei-
ção Brasileira, 1968. ro: EPSJV, 2017. p. 65-90.

______. Cadernos do Cárcere, Ca- SAVIANI, Dermeval. A nova lei da


derno 13. O Príncipe Moderno. Rio educação. Trajetórias, limites e pers-
de Janeiro; Ed. Civilização Brasileira, pectivas. São Paulo: Autores Associa-
2002. dos, 1997.

HARVEY, David. 17 contradicciones ______. O choque teórico da Poli-


y el fin del capitalismo. Madrid: Pro- tecnia. Trab. Educ. Saúde, v.1, n.1,
file Books LTD, 2014. p.131-152, 2003.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. ______. Fundamentos ontológicos e


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. históricos da relação trabalho e edu-
cação. Revista Brasileira de Educa-
KUENZER, A. Z. A Reforma do Ensino ção, v. 12, n. 34, p. 152-180, jan./abr.
Técnico no Brasil e suas Conseqüên- 2007.
cias. Ensaio. Avaliação e Políticas
Públicas em Educação, Rio de Janei- ______. Pedagogia histórico-críti-
ro, v. 6, n.20, p. 365-383, 1998. ca: primeiras aproximações. 10. ed.
Campinas, SP: Autores Associados,
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: 2008.
Nova Cultural, 1988.

MÉSZÁROS, Istvan. A Teoria da Alie-


nação em Marx. São Paulo: Boitem-
po, 2016.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 43


INTEGRAÇÃO CURRICULAR ORGANIZADA POR
“CÉLULAS” EM “TRILHAS FORMATIVAS”: UMA
EXPERIÊNCIA DE CRIAÇÃO COLABORATIVA
Juliana Piunti1, Altamiro Xavier de Souza2, Patrícia Horta3
, , Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de
1 2 3

São Paulo, campus Sertãozinho


E-mail: julianapiunti@ifsp.edu.br

1. HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DA necessidade de repensá-la, conside-


rando as demandas da ampliação da
PROPOSTA
Rede Federal e do próprio campus,
Este artigo relata uma experiên- bem como a experiência acumulada
cia de construção de um modelo de com a modalidade.
integração curricular a ser aplicado à A Comissão de Estudos para Re-
modalidade de Educação Profissional estruturação dos Cursos Médios Inte-
Técnica de Nível Médio Integrada ao grados ao Técnico do campus Sertão-
Ensino Médio (EMI). Essa experiência zinho, como se chamou o grupo de
ocorreu no campus Sertãozinho do docentes que conduziu preliminar-
Instituto Federal de Educação, Ciên- mente o trabalho, iniciou suas ativi-
cia e Tecnologia de São Paulo (IFSP), dades em julho de 2014. Identificou,
no período de 2014 a 2017, motivada logo nas primeiras reuniões, a neces-
pela busca de concretização do ideal sidade de pensar a reestruturação
de um Ensino Médio ética e politica- dos cursos de EMI do campus a par-
mente comprometido com os jovens tir de um diagnóstico o mais amplo
que frequentam a educação pública. possível, a fim de identificar o que
Vale destacar que o campus Ser- foi bem-sucedido no seu desenvol-
tãozinho do IFSP trabalha com a vimento e o que precisaria ser mo-
modalidade EMI desde 2006 e foi a dificado. O trabalho de diagnóstico
primeira unidade dessa instituição a foi executado ao longo do segundo
implantá-la. Ainda que considerada semestre de 2014 e envolveu os seg-
pela comunidade escolar como uma mentos: estudantil, docente, técnico
experiência de sucesso, sentiu-se a -administrativo e de egressos.

44
Concluída essa etapa, em maio O trabalho colaborativo contou
de 2015, a Comissão ampliou a parti- com o engajamento do corpo do-
cipação da comunidade no trabalho cente, que considerou produtivo e
organizacional a partir da inclusão necessário o trabalho conjunto, a fim
de membros representantes dos es- de melhor conhecer as demandas
tudantes e dos técnicos-adminis- das várias disciplinas hoje trabalha-
trativos. Analisados os resultados das no EMI.
dos diagnósticos, a nova Comissão Ainda durante o processo de
constituída ponderou a necessidade construção da matriz curricular, a Co-
de sua formação teórica para funda- missão passou a preocupar-se com
mentar as futuras propostas. Iniciou- os impactos da implantação da nova
se, assim, um período de estudos, proposta, que se desenhava ousada.
que compreendeu leitura e discus- Entrou em contato, portanto, com
são de documentos e legislação e a Pró-reitora de Ensino do IFSP, em
participação em eventos que contri- especial com sua Diretoria de Educa-
buíram para a discussão do EMI. ção Básica para apresentar a propos-
Essa etapa de estudos fortaleceu ta e solicitar apoio ao projeto.
a comissão na definição de concei- A proposta obteve imediato aco-
tos a serem compartilhados com a lhimento, pois vinha ao encontro das
comunidade escolar e, a partir de discussões e reflexões acerca do EMI
então, iniciar a construção colabora- que já ocupavam as atenções da ges-
tiva da proposta de reestruturação. tão do IFSP. Em 2015, o IFSP promo-
A primeira iniciativa foi apresentar veu diversas ações que envolviam o
aos segmentos docente e técnico EMI, como: reformulação colabora-
-administrativo os conceitos norte- tiva da Organização Didática para o
adores da proposta preliminar. Em EMI, envio de servidor para oficinas
seguida, executou-se uma dinâmica sobre integração curricular promo-
de grupos, na qual os membros ela- vidas pelo CONIF, organização do
boraram propostas de componentes Congresso de Educação Profissional
curriculares que pudessem compor e Tecnológica (CONEPT) com o EMI
o currículo, a partir do conceito de como tema, fomento à participação
integração e indissociabilidade entre de servidor no programa Professores
ciência, tecnologia, trabalho e cultu- para o Futuro.
ra (BRASIL, 2007).
Em outubro de 2016, a Diretoria

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 45


de Educação Básica, em conjunto os docentes, em semana de planeja-
com a Comissão, promoveu uma se- mento pedagógico, apontaram con-
mana de oficinas com a comunidade trapropostas e possíveis soluções ao
escolar do campus Sertãozinho do projeto no novo contexto.
IFSP, cujo objetivo era refletir sobre e
pensar soluções para os desafios es- 2. INTEGRAÇÃO CURRICULAR
truturais para possível implantação
ORGANIZADA POR “CÉLULAS” EM
da proposta, tais como: infraestru-
tura física, impactos sobre sistemas “TRILHAS FORMATIVAS”
informatizados, recursos humanos, A proposta da Comissão de Estu-
organização de secretaria escolar, dos, Reestruturação e Elaboração de
distribuição da carga horária de tra- PPC do Ensino Médio Integrado do
balho docente etc. campus Sertãozinho partiu de dois
A publicação da Medida Provisó- questionamentos fundamentais:
ria 746/2016, em setembro de 2016, Que tipo de técnico pretendemos
e os cortes orçamentários, no entan- formar com nossos cursos? O que é
to, mudaram o cenário. O IFSP prefe- integração curricular e como efetivá
riu adotar uma atitude prudente em -la nos cursos? Ambas as questões,
relação a novas propostas, apesar de devido a sua complexidade, perma-
promover o edital intitulado “Práti- necem em debate, pois trazem à tona
cas Pedagógicas e Currículos Inova- construções históricas e culturais em
dores”, que buscava fomentar novas relação ao ensino profissional técni-
ideias a serem implantadas em seus co, crenças pessoais, debates acerca
campi. Internamente no campus, a de concepções pedagógicas, entre
comunidade revelou inseguranças outros.
em relação à proposta, preocupada No entanto, a construção foi nor-
com questões legais (por um lado) e teada por alguns princípios, que nos
com a possibilidade de inviabilizar a permitiram elaborar uma proposta
implantação da proposta, caso não que pudesse ajudar a realizar a “ine-
viesse o apoio estrutural da reitoria. gociável garantia do direito de todos
A proposta passou a receber forte re- à educação básica” (Ramos, 2010. p.
sistência, sobretudo o corpo docente 42). Também não perdemos de vista
do campus. Mesmo assim, a Comis- que: “o direito de acesso à educação
são promoveu mais uma atividade profissional também é um enuncia-
de construção colaborativa, na qual

46
do jurídico, além de uma necessi- Nessa perspectiva, surge o de-
dade social incontestável” (Ramos, safio de suplantar a tradicional seg-
2010. p. 42). Portanto, além de pau- mentação curricular e procurar um
tada em documentos referenciais1, formato que deixe transparecer o
a proposta em questão sempre pri- vínculo entre essas categorias. Para
mou pelo direito à educação pública isso, vemos como alternativa que os
de qualidade, adequada a um proje- professores trabalhem colaborativa-
to de ensino médio que integra tra- mente, em componentes curricula-
balho, ciência e cultura no sentido dares que integrem diversas disciplinas
formação unitária, politécnica e om- e conteúdos do ensino médio e do
nilateral (MOLL, 2010). ensino profissional. Descrevemos
Em primeiro lugar, estamos con- abaixo alguns pilares que compõem
victos de que se quer formar um a proposta:
profissional capaz de se inserir no a) Integralização: o curso se-
mercado de trabalho. No entanto, ria integralizado em quatro anos.
essa formação vai muito além de um Diante da perspectiva de amplia-
atendimento a vagas disponíveis nas ção da carga horária do ensino mé-
empresas. Apesar de estarmos cien- dio, consideramos que a concen-
tes de que a inserção profissional é tração do curso em três anos viria
socialmente necessária à maioria dos obrigar o estudante a permanecer
nossos alunos, não é nosso objetivo mais que cinco horas em sala de
vincular a oferta de formação profis- aula, tomando espaços que pode-
sional às necessidades – volúveis, há riam ser usados para desenvolvi-
que se acrescentar – do mercado. A mento de projetos, para convivên-
finalidade de nossos cursos integra- cia, para as artes, ou seja, tomaria
dos deve ser a de proporcionar aos um espaço de uso da criatividade,
jovens uma formação global, que o da prática da cidadania e da apli-
prepare para o trabalho, para a cida- cação dos diversos conhecimen-
dania e para a continuação dos estu- tos. A decisão se pautou também
dos e, sobretudo, que coloque Tra- na percepção dos alunos egressos
balho, Ciência, Tecnologia e Cultura e dos anos finais do EMI atualmen-
como categorias indissociáveis. te desenvolvidos em Sertãozinho

1 Neste artigo, não aprofundaremos a análise dos documentos que orientaram o trabalho
da Comissão. Porém, a legislação e diretrizes curriculares estão implícitas na proposta e
constam nas referências deste artigo.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 47


de que a integralização em qua- sociados que compõem a atual
tro anos proporciona maturidade matriz curricular.
para o trabalho e para os estudos d) Ingresso: o ingresso no curso
no nível superior. se daria pelos meios reconhecidos
b) Turno: o curso seria desen- pelo IFSP, tais como o Vestibulinho,
volvido em turno integral (manhã o sorteio e a análise socioeconô-
e tarde). Num dos turnos serão de- mica. A diferença estará no fato de
senvolvidos os componentes cur- que o candidato não optará por
riculares obrigatórios e eletivos. um dos cursos disponíveis na oca-
Em outras palavras, seria um turno sião do ingresso, e sim ao longo
mais voltado para o trabalho em do curso. Desse modo, o ingresso
sala de aula e laboratórios, junto seria único, no Ensino Técnico Inte-
com os professores. O contraturno grado ao Ensino Médio.
seria dedicado ao desenvolvimen- e) Escolha da habilitação: a ha-
to de projetos e suas orientações, bilitação seria definida ao longo
aos espaços de convivência e atua- do curso, por meio da composição
ção cidadã dos estudantes. A orga- de carga horária em componen-
nização do horário do contraturno tes curriculares específicos ou que
dependeria dos processos colabo- colaborem com determinada ha-
rativos e criativos dos professores bilitação. Em Sertãozinho, as habi-
no início de cada semestre letivo. litações possíveis seriam Automa-
c) Periodização: o curso seria ção Industrial, Química, Mecânica
desenvolvido em períodos semes- e Gestão. Haveria componentes
trais de forma a conferir maior di- curriculares cuja carga horária seja
namismo ao desenvolvimento dos integralmente dedicada a cada
componentes curriculares, bem uma dessas habilitações. Outros,
como diminuir a quantidade de porém, poderiam ter parte de sua
componentes curriculares desen- carga horária contabilizada para
volvidos por período. Os estudan- duas ou três dessas habilitações,
tes que participaram da consulta de acordo com os conteúdos que
realizada pela comissão compre- seriam desenvolvidos. Este ponto
endem que uma de suas maiores é o mais desafiador para concreti-
dificuldades é o grande número zação da proposta, pois depende
de componentes curriculares dis- de um esforço logístico e conjunto

48
da equipe gestora, do setor socio- g) Mentoria: a fim de dar apoio
educativo e de todo o corpo do- ao estudante em seu percurso por
cente. um currículo flexível, é essencial a
f) Flexibilização curricular (“Tri- figura do mentor, um servidor res-
lhas formativas”): a definição da ponsável por orientar um grupo
habilitação em curso só é possível de estudantes ao longo do curso.
com um currículo flexível, que per- Este seria definido no início de
mita ao estudante diversas alter- cada turma e receberia um grupo
nativas formativas. Essas alternati- de alunos sobre o qual teria res-
vas, ou “trilhas formativas”, seriam ponsabilidade de acompanhar
representadas pelos componentes até o fim do curso. Essa mentoria
curriculares eletivos, que repre- tem os objetivos de orientar a or-
sentam escolhas do estudante na ganização dos estudos, orientar as
composição de sua carga horária. estratégias de acesso aos serviços
O currículo teria um conjunto de que a instituição oferta e, em últi-
componentes obrigatórios, que ma instância promover a autono-
desenvolveriam conhecimentos mia do aprendiz em suas buscas e
fundamentais para a formação ge- escolhas.
ral e profissional. A carga horária h) Comissão de acompanha-
necessária para a formação do es- mento: inspirada no Núcleo Do-
tudante no EMI seria complemen- cente Estruturante dos cursos
tada por disciplinas eletivas, que superiores, a Comissão de Acom-
teriam por principal objetivo a de- panhamento teria por finalidade
finição de sua habilitação. Porém, acompanhar a implantação do
não há obrigatoriedade de que novo curso EMI, avaliar seu desen-
o estudante curse componentes volvimento e propor alterações,
eletivos de uma única habilitação. se necessárias. A diferença entre
Por um lado, há componentes cur- o NDE e a Comissão de Acompa-
riculares eletivos que contariam nhamento é que, enquanto aquele
carga horária para mais de uma é composto apenas por docentes,
habilitação. Além disso, faz parte esta teria representantes de, pelo
desta proposta a possibilidade de menos, três segmentos: docentes,
o estudante personalizar e diversi- técnicos-administrativos (obriga-
ficar seu itinerário formativo. tório um pedagogo) e alunos.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 49


i) Estágio: como se trata de evi- do mentor e, eventualmente, de-
denciar a formação profissional, senvolver projetos.
o estágio seria obrigatório para j) “Células curriculares”: a efeti-
todas as habilitações. Este seria va integração de disciplinas e co-
desenvolvido no mínimo de 160 nhecimentos é concretizada pela
horas em cada habilitação. Desse proposta das “células curriculares”,
modo, o estudante poderia fazer que são componentes curricula-
mais de um estágio ao longo do res complexos, formados de duas
curso, na perspectiva de possibi- ou mais disciplinas, que coloca
litar uma escolha mais consciente os conteúdos a serviço do desen-
da habilitação, bem como para volvimento de um conhecimento
diversificar seu currículo. A Comis- mais amplo, de um tema gerador,
são ainda estudou a possibilidade ou de realização de um projeto
de dispensar o estudante das aulas que responda às demandas de de-
por um semestre, a fim de facilitar senvolvimento local. A compreen-
a conclusão do estágio. Durante são do que vem a ser uma “célula
esse semestre, o estudante com- curricular” é facilitada pelo exem-
pareceria à escola para receber plo, conforme mostra a Figura 1:
orientação de estágio, orientação

Figura 1 – Célula curricular Processos Industriais Integrados

Célula curricular: Processos Industriais Integrados


Disciplinas envolvidas: Sistemas Microcontrolados, Sociologia, Biologia
e Microbiologia.
Aplicável a todas as habilitações.
2º semestre do Curso
Objetivos: Compreender o conceito sociológico de trabalho no con-
texto da produção industrial contemporânea; Conhecer os processos de
produção da indústria e suas relações com o trabalho, a ciência e a tecno-
logia; Empregar tecnologias capazes de efetuar o controle e a automação
de processos industriais; Compreender a estrutura e composição química
celular e os metabolismos de transformação energética (respiração e fer-
mentação); Conhecer os diferentes tipos celulares e os níveis de organiza-
ção dos organismos vivos.

50
Conteúdo programático: Estrutura e Composição Celular, Compo-
nentes celulares, Organização dos Micro-organismos, suas funções e Me-
tabolismo (Citologia); Sensores, Elementos finais de controle, Controlado-
res lógicos programáveis, Linguagens de programação para CLP, Sistemas
supervisórios (Instrumentação e Automação de Processos Industriais); O
trabalho, a economia e a sociedade; Modos de produção; Trabalho e desi-
gualdade social; Novas relações de trabalho (Sociologia).

k) Projetos: ao longo do curso, como também com o apoio do se-


o estudante desenvolverá projetos tor sociopedagógico e a partir de
que podem ser de pesquisa (inicia- diálogo com os estudantes.
ção científica), extensão (curso de
extensão – ministrar curso, ação 3. CONSIDERAÇÕES FUNDAMEN-
de extensão, projeto social etc.)
TAIS
ou de ensino (monitoria, segun-
do estágio). A escolha do projeto A importância de registro e socia-
não precisa estar vinculada à esco- lização desta proposta reside no fato
lha da habilitação, mas deverá ter de ser uma amostra de trabalho de
aplicação e ampliação dos conhe- construção colaborativo e dialógico
cimentos desenvolvidos ao longo entre servidores e alunos que repre-
do curso. sentam grande parte da comunidade
l) Avaliação: antes de tudo, a de uma escola profissional de nível
avaliação nessa proposta deverá médio. O caráter ousado e inovador
romper com os modelos tradicio- da proposta não deixou de atrair
nais (provas objetivas e classifica- resistência, mas também provocar
tórias, em geral). Almeja-se que a reflexões e debates fundamentais à
avaliação seja processual, formati- experiência democrática. Concorda-
va e ancorada na criatividade e di- mos com a seguinte perspectiva:
versificação. Os modelos avaliati- As alternativas didáticas de integra-
ção precisam ser acompanhadas
vos não podem estar pré-definidos e avaliadas nos seus propósitos e
nessa proposta, pois dependem formas de implementação. A priori,
do contínuo trabalho colaborativo nenhuma técnica tem poder mági-
co. Os sujeitos da transformação são
não somente entre os docentes, as pessoas que se encontram envol-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 51


vidas no processo com suas necessi- mentais à construção de uma socie-
dades, aspirações expectativas. Esse
dade mais justa e plena.
processo, por sua vez, não é sim-
plesmente técnico, é político e edu-
cativo, e seu potencial de educar é REFERÊNCIAS
tanto maior quanto mais incentivos
se fizer à autorreflexão e autocrítica
dos sujeitos por ele responsáveisBRASIL. MEC/SETEC. Ensino Profis-
(MACHADO, 2010, p.92). sional Técnico de Nível Médio Inte-
grado ao Ensino Médio: documen-
to base. Brasília, 2007. Disponível
A criação da proposta aqui re- em <http://portal.mec.gov.br/setec/
gistrada só foi possível, pois existi- arquivos/pdf/documento_base.pdf>
ram condições efetivas de trabalho, Acesso em: 05.08.2017.
como espaço para diálogo com os
pares, respaldo de carreira que ga- _______. Lei n° 9.394, de 20 de de-
rantem dedicação à pesquisa, ex- zembro de 1996. Institui as diretri-
tensão e dedicação à construção do zes e bases da educação nacional.
espaço escolar, tal qual as atividades Brasília, DF: 17 de abril de 1997.
de comissões.
_______. Decreto n° 5.154, de 23 de
O que se delineia neste texto é julho de 2004. Regulamenta o §2°
uma resposta aos discursos de que do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei n°
as novas juventudes almejam uma 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
profunda transformação do ensino que estabelece as diretrizes e bases
médio. Porém, ela também é uma da educação nacional. Brasília, DF: 23
manifestação de resistência ao es- de julho de 2004.
clarecer que para a concretização
de uma educação pública, gratuita MACHADO, L. Ensino médio e téc-
e de excelência é preciso, antes de nico com currículos integrados:
tudo, garantir as condições objetivas propostas de ação didática para uma
de trabalho para os que vivenciam relação não fantasiosa. In: MOLL, J.
e constroem a escola dentro de um Educação profissional e tecnológi-
projeto de formação integral dos su- ca no Brasil Contemporâneo: desa-
jeitos: uma formação pautada no res- fios, tensões e possibilidades. Porto
peito pela vida, pois não desarticula Alegre: Artmed, 2010. p. 80-95.
os conhecimentos necessários ao
mundo do trabalho daqueles funda-

52
MOLL, J. et. al. Educação profissio-
nal e tecnológica no Brasil Con-
temporâneo: desafios, tensões e
possibilidades. Porto Alegre: Artmed,
2010.

RAMOS, M. Ensino médio integrado:


ciência, trabalho, cultura na relação
entre educação profissional e edu-
cação básica. In: MOLL, J. Educação
profissional e tecnológica no Bra-
sil Contemporâneo: desafios, ten-
sões e possibilidades. Porto Alegre:
Artmed, 2010. p. 42-57.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 53


POR DENTRO DO SISTEMA EDUCACIONAL FINLANDÊS:
ELEMENTOS PARA SE REPENSAR O ENSINO MÉDIO
INTEGRADO NO BRASIL
Iza Manuella Aires Cotrim-Guimarães1
Jamylle Rebouças Ouverney King2
1
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - campus Januária
2
Instituto Federal da Paraíba - campus Cabedelo
E-mail: iza.cotrim@ifnmg.edu.br; jamylle@ifpb.edu.br

1. INTRODUÇÃO possam contribuir para a concretiza-


ção e implementação de um currícu-
A Finlândia tem se destacado pe- lo integrado em escolas do Brasil.
los seus excelentes indicadores so-
Inicialmente, é importante infor-
ciais, que incluem posições notáveis
mar que as autoras desse trabalho
em rankings de maior estabilidade
foram selecionadas para a 3ª edição
econômica, maior inovação, me-
do Programa “Professores para o
nor corrupção, dentre outros, e um
Futuro” – Vocational Education and
dos melhores resultados no mundo
Trainning (VET III), uma cooperação
quanto ao desempenho educacional
entre a Rede Federal de Educação
e menor desigualdade entre esco-
Profissional, Científica e Tecnológi-
las (ITAMARATY, 2016). Este trabalho
ca (RFEPCT) e duas Universidades
tem como objetivo apresentar al-
Finlandesas (Tampere University of
guns aspectos do sistema educacio-
Applied Sciences – TAMK, e Häme Uni-
nal finlandês, especialmente quanto
versity of Applied Sciences – HAMK),
à organização pedagógica e curricu-
quando participaram de capacitação
lar do Ensino Médio (General Upper
in loco na cidade de Tampere – Fin-
Secondary School) e da Educação
lândia, no período de abril a junho
Profissional Técnica de nível médio
de 2016. Além da literatura acadê-
(Vocational Upper Secondary School),
mica, esse trabalho considera os re-
de forma a identificar elementos que

1 Por meio da Chamada pública CNPq/SETEC/MEC nº 026/2015.


2 Campi de origem das participantes do VET III, cujo trabalho final consistiu no relatório téc-
nico Rethinking the curriculum: calling teachers to discuss and propose new perspectives
for the curricular design.

54
sultados das atividades desenvolvi- dês, Pasi Sahlberg, aponta que não
das na capacitação na Finlândia e de há uma única razão para o sucesso ou
atividades de pesquisa aplicada nos insucesso de um sistema educacio-
Instituto Federais de Alagoas (cam- nal; pelo contrário, trata-se de uma
pus Marechal Deodoro), do Norte de rede interligada de diversos fatores
Minas Gerais (campus Januária), de – educacionais, políticos e culturais,
Mato Grosso (campus Várzea Gran- que funcionam de forma diferente
de), da Paraíba (campus Cabedelo e em diferentes situações. E o autor vai
campus Cabedelo Centro) e de São além, relata que o sistema educacio-
Paulo (campus Sertãozinho) . nal finlandês importou muitas ideias,
Segundo, não se trata simples- inspirações e inovações pedagógicas
mente de utilizar o modelo finlandês de outros países, mas o compromis-
como uma réplica para o sistema so com o “Sonho Finlandês” (Finnish
educacional brasileiro. Até porque, Dream) – uma excelente escola pú-
aspectos culturais, sociais, políticos e blica para toda criança – levou o país
econômicos podem ser determinan- a construir o seu próprio sistema
tes para os modelos educacionais educacional, conhecido como Fin-
de cada país, ou como afirma Ramos nish Way (SAHLBERG, 2015).
(2008, p.12): “cada realidade social, Segundo Sahlberg (2015), o Fin-
cada povo, tem a sua história e a sua nish Way preserva o que há de me-
necessidade. Portanto, o que vem lhor na tradição finlandesa (como
como reforma em nome da tendên- confiança – inclusive na política e nos
cia mundial requer muito cuidado”. serviços públicos, incremento da au-
Nesse sentido, entendemos que o tonomia, tolerância à diversidade), e
modelo educacional finlandês serve combina essas boas práticas com as
como elemento motivador para aná- inovações pedagógicas oriundas de
lises de necessidades que se expan- outras experiências internacionais.
dem desde o nível nacional ao local Da mesma forma, o autor corrobora
e, para tanto, podem trazer aplica- com a afirmação de Ramos (2008),
ções práticas para a realidade brasi- quando também orienta que ainda
leira. que haja limites quanto à transferên-
Nesse ponto, é importante regis- cia do modelo finlandês para outros
trar que uma das maiores referências países, algumas lições básicas po-
sobre o sistema educacional finlan- dem ser aplicadas a outros sistemas
educacionais: como o fortalecimen-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 55


to da profissão docente, a aprendi- 2.1. Foco no mercado de trabalho
zagem assegurada por um ambiente X foco nos sujeitos
sem medo e descontraído e, assim,
um aumento gradual da confiança O Ensino Médio brasileiro possui
nesses novos sistemas. uma vinculação histórica com o mer-
Assim, entendemos que o conhe- cado de trabalho, seja pela possibili-
cimento do sistema educacional fin- dade de se conseguir um emprego
landês nos permitirá analisar fatores logo após concluída essa etapa de
e elementos que contribuem para ensino, ou pela finalidade de ingres-
torná-lo diferenciado, e ainda que so no Ensino Superior (com enfoque
vinculados à cultura, organização so- na preparação para vestibulares e
cial e política da Finlândia, tal análise outros processos seletivos), em que
pode contribuir para uma reflexão e a formação nesse nível está atrelada
proposições quanto ao sistema edu- à inserção no mercado de trabalho
cacional Brasileiro, no caso deste tra- (RAMOS, 2008). Seja qual for a pos-
balho, mais especificamente para o sibilidade, o que Ramos (2008, p. 5)
Ensino Médio Integrado. Quem sabe chama atenção é que o projeto for-
assim estamos caminhando para mativo no Ensino Médio nunca “este-
a definição de um “jeito brasileiro” ve centrado no desenvolvimento do
(Brazilian Way), não no sentido pe- estudante como sujeito de necessi-
jorativo em que tal expressão comu- dades, de desejos e de potencialida-
mente é usada, mas no sentido de des”.
caminharmos em direção ao projeto Para além de uma ordem meto-
formativo de educação integrada de- dológica ou técnica, Oliveira (2003)
fendido por grandes estudiosos no reforça que os problemas da educa-
Brasil (a exemplo de Frigotto, Ciavat- ção também sofrem interferências
ta e Ramos (2005), Pacheco (2012), de elementos da estrutura socioe-
Moura (2016), dentre outros autores conômica brasileira. Acrescentamos
e trabalhos). que não apenas os problemas, mas
as diretrizes, regulamentações e ou-
2. ASPECTOS DO SISTEMA EDUCA- tras formas de intervenção, que no
CIONAL FINLANDÊS: O QUE PODE- contexto do neoliberalismo – con-
juntura das definições das políticas
MOS APRENDER? brasileiras, especialmente na déca-
da de 90 – reforçaram o enfoque de

56
um projeto formativo para o Ensino A Finlândia sofreu mudanças
Médio e Profissional no Brasil em di- importantes logo após a segunda
reção aos interesses do mercado, e Guerra Mundial, que impactaram na
não do interesse discente. Cenário sua estrutura política, social e eco-
este que se fortalece, atualmente, nômica. O país sofreu perdas consi-
pela “Reforma do Ensino Médio” (Lei deráveis durante sua participação
13.415/2017). na guerra e, por isso, o período pós-
Quanto à Finlândia, numa direção guerra foi marcado por instabilidade
contrária, verifica-se que o país bus- política e transformação econômica.
cou uma outra via para implementar Por outro lado, tal cenário fez emer-
sua reforma educacional, diferente girem novas ideias e políticas sociais,
de uma reforma ideologicamente dentre elas a defesa de uma educa-
baseada no mercado, segundo Sahl- ção igualitária. Ou seja, desde então,
berg (2015). O autor complementa a educação tornou-se o principal ve-
que, ao contrário, a melhor maneira ículo de transformação social e eco-
para se resolverem problemas crôni- nômica no país (SAHLBERG, 2015).
cos em muitos sistemas educacionais Na década de 70, pautada pelos va-
não consiste em se livrar dos conse- lores de equidade e justiça social, a
lhos escolares e recorrer a processos Finlândia implementou seu novo
como privatização. E ainda, o sistema Comprehensive School (equivalen-
educacional finlandês tem seu enfo- te ao nosso Ensino Fundamental), e
que na equidade e cooperação e não posteriormente o novo Upper Secon-
na competição. dary School (equivalente ao nosso
nível médio) em meados da década
Então a primeira característica de 80. Um outro elemento importan-
que nos chama atenção no sistema te no cenário finlandês é a mudança
educacional finlandês refere-se à identitária na metodologia de ensino
universalização da educação pública, que promoveu o deslocamento ide-
gratuita e de qualidade para os cida- ológico no ensino que centrava-se
dãos finlandeses. Visando contextua- no professor para partir do aluno, o
lizar essa conquista, apresentamos a renomado student-centred approach.
seguir um histórico breve da Finlân-
dia no pós-guerra, que apresenta o Verifica-se, portanto, que a Fin-
cenário em que o Finnish Dream foi lândia não construiu um novo sis-
concebido. tema de ensino “de uma hora pra
outra”. Sahlberg (2015) defende que

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 57


reformas educacionais consistem Voltando à realidade brasileira,
num lento e complexo processo. Mas por toda essa diferença que trans-
também há de se concordar que a re- cende a organização pedagógica e
alidade cultural, política, histórica e curricular de um sistema educacio-
social do país contribuiu para a cons- nal, consideramos que a superação
trução de um projeto educacional desse enfoque nos interesses do
diferenciado, e que provavelmente mercado, que imprime profundas
nosso contexto político seja nosso marcas na educação brasileira, espe-
principal enfrentamento, dentre ou- cialmente de nível médio, consiste
tras dimensões. no maior desafio a ser enfrentado.
A própria Finlândia também não O que aprendemos com a Finlândia,
está isenta da influência do “recei- então? Aprendemos que reformas
tuário neoliberal” (como denomi- importantes podem nascer em mo-
na Oliveira, 2003). Moraes (2017, mentos de crise; aprendemos que a
p.418), fazendo referência a Nyyssö- educação, de fato, é uma importante
nen (2008), aponta que apesar dos via para a transformação social; que
avanços verificados na Finlândia, “a reformas dessa magnitude podem
globalização acelerada e o aumen- levar tempo para serem concreti-
to da competição econômica e da zadas; e que “todos os fatores que
mudança tecnológica têm levado à estão por trás do sucesso finlandês
introdução de políticas neoliberais parecem ser o oposto do que toma
no país, ‘embora sob a retórica de lugar nos Estados Unidos e outros lu-
manter e salvar o welfare state’”. A gares do mundo, onde competição,
diferença é que, ainda que a compe- responsabilização depositada em
tição seja uma defesa por parte de testes, padronização e privatização
setores da elite econômica e alguns parecem dominar” (SAHLBERG, 2015,
funcionários do governo, pesquisas p.14).
de opinião pública indicam que mais Por tudo isso, entendemos que
de 80% dos finlandeses são contrá- a escola é um espaço de importante
rios a essa posição, e o principal, sua contribuição para a transformação
aplicação depende da “legitimação social, numa relação dialética, já que
a longo prazo e socialização concor- também está a serviço das classes
dante” (ANTIKAINEN, 2008, apud MO- dominantes e do capital (ASBAHR;
RAES, 2008, p. 419). SANCHES, 2006). Nesse enfrenta-
mento, o ensino integrado ocupa

58
um lugar de destaque, pois “é aquele a formação profissional se opõe ao
possível e necessário em uma reali- direcionamento restrito aos interes-
dade conjunturalmente desfavorável ses do mercado. Quanto à terceira
(...), mas que potencialize mudanças dimensão, trata-se da organização
para, superando-se essa conjuntura, de um currículo interdisciplinar, que
constituir-se em uma educação que possibilite aos estudantes apreende-
contenha elementos de uma socie- rem o conhecimento na sua totali-
dade justa” (FRIGOTTO; CIAVATTA; dade e na sua relação com o mundo
RAMOS, 2005, p. 44). real, o que pode ser, por exemplo,
pela integração entre conteúdos e
2.2. Construindo “trilhas forma- disciplinas. Assim, como afirma Ra-
mos “o currículo integrado organi-
tivas”: uma possibilidade para o
za o conhecimento e desenvolve o
currículo integrado processo de ensino-aprendizagem
A noção de currículo integrado, de forma que os conceitos sejam
segundo Ramos (2008), pode reme- apreendidos como sistema de rela-
ter a três dimensões específicas, mas ções de uma totalidade concreta que
complementares entre si. A primei- se pretende explicar/compreender”
ra delas se refere à forma de oferta (RAMOS, 2005, p.116).
de Educação Profissional Técnica de Voltando agora à realidade da
Nível Médio, sendo os cursos Técni- Finlândia, um currículo integrado,
cos Integrados ao Ensino Médio por nessa perspectiva, une três conceitos
meio de matrícula e projeto peda- basilares na concepção finlandesa de
gógico únicos, o que não garante, educação: o saber (aqui fazendo re-
necessariamente, que a segunda e a ferência ao conhecimento teórico); o
terceira dimensão da integração se- fazer (o conhecimento prático e sua
jam de fato vislumbradas pela orga- aplicabilidade); e o ser (concentran-
nização pedagógica e curricular do do-se essencialmente na perspecti-
curso. Isso porque a segunda dimen- va que coloca o aluno no centro da
são se refere ao projeto de sociedade aprendizagem e promove a união
que buscamos construir por meio de entre teoria e prática).
um processo educativo que integre Apresentamos a seguir algumas
ciência, trabalho e cultura nos pla- características do Ensino de nível
nos de formação geral e profissional Médio no país que serve de inspira-
(RAMOS, 2005). Nessa perspectiva, ção para esta proposta.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 59


Ao concluir o equivalente ao nos- sino, conferindo excelente qualidade
so Ensino Fundamental, também aos cursos de Educação Profissional
com duração de 09 (nove) anos, o (MORAES, 2017), dentre outros fa-
estudante finlandês tem três opções: tores, como os apontados por Sahl-
cursar um 10º ano opcional, a fim de berg (2015): a Educação Profissional
reforçar alguns conteúdos ou mes- no país tem um currículo de orienta-
mo definir melhor suas escolhas a ção geral (a formação propedêutica
partir de então, sendo um momen- é integrada à formação profissional)
to em que muitas escolas oferecem e também pelas muitas oportunida-
ainda a oportunidade de 'testar' suas des para se continuar os estudos em
habilidades ocupacionais, por meio nível Superior após a formação de ní-
da experiência de trabalho em três vel Médio.
locais à escolha do estudante duran- Aos estudantes adultos, que in-
te o período letivo do 10º ano. A cada gressaram no mercado de trabalho
três meses, o estudante seleciona sem ter concluído seus estudos de
um local para 'trabalhar' e se integrar nível Médio, é possível ingressar na
ao mundo do trabalho, essa oportu- Educação Profissional e nesse pro-
nidade é chamada de Joppo Class; ou cesso se submeter à avaliação das
optar entre o Ensino Médio Regular competências desenvolvidas, con-
ou ao equivalente ao nosso Ensino forme diretrizes e indicadores para
Médio integrado à Educação Profis- essa avaliação. Cursos de Educação
sional (Vocational Upper Secondary Profissional específicos para o pú-
School), ambos com possibilidades blico adulto que deseja se qualificar
de ingresso no Ensino Superior, seja também são ofertados no país.
qual for a modalidade do curso.
Especificamente sobre os cursos
Antes mesmo de detalhar cada regulares e profissionais de nível
uma dessas opções, adiantamos Médio, uma característica marcan-
que o percentual de estudante que te refere-se à autonomia conferida
ingressa no Vocational Upper Se- aos alunos no planejamento do seu
condary School foi considerável em percurso formativo. Ressaltamos que
2012, com 41,5% das matrículas no tal característica, diferentemente
Vocational e 50% no Ensino Médio das previsões da Reforma do Ensino
regular (SAHLBERG, 2015). Isso se Médio no Brasil, não se refere à su-
deve ao alto investimento de recur- pressão de conteúdos/disciplinas e
sos público nessa modalidade de en-

60
especialização precoce em determi- odo escolar de 6 a 7 semanas, depen-
nadas áreas do conhecimento. Pelo dendo da escola). Então teremos His-
contrário, o sistema educacional fin- tória I, História II, História III e História
landês é regulamentado por diretri- IV. Esses módulos, obrigatórios para
zes e outras normativas construídas os estudantes, devem ser cursados
coletivamente e por ampla represen- durante os três anos de curso, nos
tação, que têm como foco a garantia períodos identificados em cada um
da equidade e qualidade do ensino. deles, ou seja, cada estudante orga-
Assim, tanto o Ensino Médio regular niza sua “trilha formativa” (BARBOSA
quanto o Profissional possuem dire- et al, 2016) personalizada, seja no En-
trizes pré-estabelecidas, que garan- sino Médio regular ou Profissional. E
tem a todos estudantes o acesso ao mais, caso determinado aluno tenha
conhecimento geral e profissional, se interesse em se especializar em His-
for o caso; ao mesmo tempo em que tória, pode cumprir módulos extras
respeita a autonomia das escolas e de especialização nessa área dentro
os professores na organização dos do percentual da carga horária des-
seus espaços pedagógicos. tinado a esse fim e em acordo com a
O currículo é organizado em mó- sua disponibilidade de horário livre.
dulos de curta duração (em torno de Em relação ao currículo da Voca-
6 ou 7 semanas, sendo 5 períodos por tional Upper Secondary School, o es-
ano), mas com carga horária semanal tudante deve cumprir unidades refe-
concentrada (de 6 aulas semanais rentes à formação profissional, outras
para cada módulo, por exemplo), o referentes à formação propedêutica,
que faz com que os estudantes te- unidades optativas complementa-
nham que gerenciar, a cada período res e eletivas (em outras instituições,
do ano letivo, em torno de cinco a por exemplo). Além disso, um des-
sete módulos, conferindo maior de- taque nessa modalidade de ensino
dicação e qualidade dos estudos de se refere à articulação com o setor
cada aluno e de sua relação com os produtivo, já que os estudantes po-
professores. dem cumprir parte do seu currículo
Vamos ilustrar com um exemplo: diretamente nas empresas e/ou ser-
a disciplina de História pode ser divi- viços e ainda têm que cumprir pelo
dida em 04 módulos (cada um com menos 06 meses de estágio, dentre
início e duração dentro daquele perí- outras atividades que fortalecem o
vínculo entre a formação acadêmica,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 61


o processo produtivo e o mundo do Essas questões nos fazem pensar
trabalho. sobre o Ensino Médio Integrado no
Então, o que podemos aprender Brasil. Primeiramente, em um pro-
com a Finlândia? O modelo finlandês blema enfrentado por muitas ins-
apresenta importantes premissas tituições de ensino, que se refere à
que vão ao encontro do projeto de considerável carga horária e quanti-
formação inerente ao currículo in- dade de disciplinas semanais que os
tegrado. Duas delas merecem espe- alunos precisam gerenciar: imagine-
cial atenção nessa discussão: menos mos a quantidade de trabalhos, exer-
classes centradas no ensino e no pro- cícios, provas, aulas diárias, que, mui-
fessor e maior foco nas habilidades tas vezes, impossibilitam aos alunos
sociais, empatia e liderança (SAHL- participar de outras atividades cul-
BERG, 2015). O autor explica que na turais, sociais e acadêmicas, na pró-
Finlândia o ensino caminha em dire- pria instituição de ensino ou não. É
ção contrária ao tradicional. Ele afir- importante ressaltar que a participa-
ma, ainda, que ensinar menos pode ção em atividades culturais, sociais
levar os estudantes a aprenderem e lúdicas representa um elemento
mais. Parece contraditório, mas o que essencial na formação do cidadão e
o autor quer dizer é que outras possi- seu bem-estar; logo se o estudante
bilidades de organização curricular e fica impossibilitado de atender a de-
estratégias de ensino, centradas nos mandas individuais ou coletivas, sua
estudantes, podem contribuir para disposição física e mental pode ser
uma melhor e diferenciada aprendi- comprometida.
zagem. Sahlberg (2015) explica que, Imaginemos quantas disciplinas,
alocando menos tempo às discipli- nessa organização tradicional, pos-
nas convencionais e mais tempo aos suem apenas 01 ou 02 aulas sema-
temas integrados, projetos e outras nais, além do quê, quando coincidem
atividades, considerando os interes- seu dia de aula com algum feriado,
ses e demandas das comunidades estudantes costumam passar 15 dias
locais e planos individuais de apren- ou mais sem contato com a discipli-
dizagem dos alunos, haveria tempo na e com o docente. Imaginemos
para que estes se engajassem em quantos conteúdos são trabalhados
projetos, oficinas e outras atividades por docentes diferentes em discipli-
de significado pessoal. nas diferentes, sem nenhum diálogo,
articulação ou integração, mesmo

62
havendo conexões interdisciplinares formados em 05 Institutos Federais
de aplicação prática entre elas. (IFAL, IFNMG, IFMT, IFPB e IFSP), indi-
Imaginemos quantos estudantes cam as possibilidades que veremos
são reprovados em uma, duas, três, adiante.
talvez até mais disciplinas, mas aca- Organização do currículo em pe-
bam repetindo toda a série escolar ríodos de curta duração, ao invés de
porque a “grade” de disciplinas e ho- períodos anuais (por exemplo: 10 ou
rários é fechada e não permite que 20 semanas). Os conteúdos seriam
os estudantes adequem possíveis organizados em unidades curricula-
dependências. E até mesmo a inser- res e não em disciplinas, de acordo
ção de disciplinas de 'dependência' com temas ou eixos geradores, que
somente pode ser realizada em ano podem ser desenvolvidos por mais
posterior à reprovação do aluno, fato de um professor, se for o caso, pos-
que por si só pode gerar inúmeras di- sibilitando o ensino em equipe inter/
ficuldades como mudança de docen- multidisciplinar, estratégia que apre-
te - o que implica diferente estilo de senta múltiplas vantagens para to-
ensino, ausência do docente no ho- dos os atores do processo de ensino
rário da 'dependência'’ - o que pode e aprendizagem. Por exemplo: uma
alongar ainda mais o processo de re- unidade curricular poderia ser cha-
cuperação do conhecimento, exces- mada de “Tragédias Ambientais Bra-
so de disciplinas, ausência de horário sileiras”, em que conhecimentos de
disponível do discente em virtude diversas áreas se articulam na defi-
de participação em estágio, só para nição, pesquisa e análise das ativida-
enumerar algumas dificuldades. des, problemas ou projetos propos-
Essas reflexões são importantes tos. Ou uma unidade de “Geometria
para que algumas possibilidades, Espacial”, ou quem sabe, “Fundamen-
construídas a partir de elementos tos de Genética aplicados à Zootec-
do sistema educacional finlandês, nia”. Uma orientação importante se
possam ser apresentadas a partir de refere ao fato de que a construção
agora. Barbosa et al. (2016), em do- dos projetos pedagógicos é tarefa
cumento que propõe diretrizes para de cada instituição, preferencialmen-
um currículo inovador para o Ensino te de forma coletiva, envolvendo a
Médio Integrado, após um ciclo de comunidade escolar, comunidade
discussões com grupos de trabalho externa e partindo da análise do pro-
cesso de produção e suas múltiplas

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 63


dimensões (Físico-ambiental, econô- Assim como na Finlândia, cabe-
mico-produtiva, técnico-organiza- ria aos estudantes definir quais uni-
cional e sócio-histórica cultural (RA- dades curriculares seriam cursadas
MOS, 2008)). em cada período. Para tanto, o pro-
Em cada período de curta dura- jeto pedagógico pode estabelecer
ção, recomenda-se que as unidades alguns requisitos para essa escolha,
curriculares tenham uma carga ho- por exemplo, “Matemática Básica”
rária semanal robusta, de forma a poderia ser pré-requisito para se cur-
possibilitar maior qualidade, diversi- sar outras unidades com enfoque
ficação das atividades e um menor na Matemática. Deve-se ter cuidado
número de unidades a serem cursa- para não fixar requisitos desneces-
das pelos estudantes em cada perío- sários, engessando as possibilidades
do, por exemplo: num período de 10 de escolha dos estudantes.
semanas - ou 50 dias letivos - as uni- Esse processo, que Barbosa et al
dades poderiam ter uma carga horá- (2016) denominam de “Trilha For-
ria semanal de seis aulas semanais, o mativa” se apoia no fortalecimento
que corresponde a 60 horas/aulas. A da autonomia do aluno, bem como
fim de integralizar a carga horária to- reconhece que cada estudante tem
tal prevista para o curso, a exemplo suas individualidades, mesmo em
daquele cuja carga horária mínima um processo que preza pelo desen-
no catálogo Nacional de Cursos Téc- volvimento de habilidades sociais,
nicos seja de 1220 horas, num Ensi- estas últimas podendo ser desen-
no Médio Integrado de 03 anos os volvidas e otimizadas por meio de
estudantes deveriam cumprir de 05 projetos integradores previamen-
a 07 unidades curriculares por perío- te elencados ou previstos no Plano
do. Já num curso de 04 anos, seriam de Curso ou Projeto Pedagógico de
04 a 06 unidades por período. Nesse Curso (PPC). Além disso, as autoras
formato, o mínimo de unidades cur- destacam a importância da figura
riculares para integralização seria de de um profissional conselheiro, que
64, sendo que o projeto pedagógico acompanhe o processo de escolha,
poderia definir, desse montante, um planejamento da Trilha Formativa e
percentual de optativas, com a finali- outras questões relativas ao ensino e
dade de aprofundar conhecimentos aprendizagem dos alunos.
nas áreas escolhidas pelos estudan- Tal organização permitiria que os
tes. estudantes, quando não atingirem

64
os requisitos mínimos para aprova- nal para participar de atividades de
ção na(s) unidade(s) curricular(es), seu interesse pessoal e profissional,
tenham maior tempo para estudos elementos já mencionados anterior-
de recuperação (inclusive antes do mente e que são imprescindíveis
final do ano, já que a progressão não para a manutenção do bem-estar fí-
estaria mais atrelada a um conjunto sico e mental discente, quiçá docen-
de disciplinas), e mesmo que não te, do mesmo modo. Verifica-se que
aprovados nas atividades de recupe- num curso de quatro anos esse “tem-
ração, caberá aos estudantes cursar po livre” é ainda maior, e mesmo que
apenas a(s) unidade(s) curricular(es) o tempo mínimo de integralização
novamente, em algum momento do seja estipulado em três anos, caso o
seu percurso formativo, não sendo estudante tenha que cursar unida-
mais necessário que estudantes re- des curriculares pendentes após esse
pitam toda uma série escolar, o que período (ainda que não seja durante
poderá contribuir consideravelmen- todo um ano), não se trata de um
te para diminuir os índices de reten- ano adicional por reprovação, mas
ção e evasão. do cumprimento de um percurso em
Por fim, o planejamento da “Tri- que o próprio estudante foi protago-
lha Formativa” pode ser feito como nista na construção.
previsão geral no início do curso, A seguir, algumas informações
mas pode ser alterado sempre que importantes sobre a atuação do “pro-
houver necessidade e mudança dos fessor conselheiro” (career guidance
interesses dos alunos. Na verdade, é and counseling) e sua conexão com a
essencial que o planejamento seja aprendizagem centrada no aluno.
revisado no início de cada período,
pois sabemos que ao tomar conhe- 2.3. Professor Conselheiro: figura
cimento e experimentar outras disci-
central no modelo finlandês
plinas os alunos podem desenvolver
novos interesses e ajustar suas esco- Há uma pergunta que necessi-
lhas pessoais o que, eventualmente, tamos fazer inicialmente: é permiti-
poderá levar às escolhas profissio- do aos estudantes de Ensino Médio
nais. Além disso, essa organização regular e integrado - e eles são en-
por unidades permite que estudan- corajados a - tomar decisões sobre
tes tenham, na maioria dos períodos sua trajetória de aprendizagem? A
cursados, espaço no horário sema- grosso modo podemos inferir que

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 65


racional e friamente analisando, a re- dominação da abordagem centrada
alidade brasileira fomenta e estimula no professor, transferindo o centro
um perfil de estudante dependente para o aluno. No sistema educacio-
e sem possibilidade de decidir sobre nal finlandês, o Professor Conselhei-
seus próprios passos acadêmicos ro está presente desde o Ensino Bá-
no tocante à seleção de disciplina sico (SALHBERG, 2015) e prepara o
e quando deve ser estudada. Grifa- terreno para o Ensino Médio e para
mos o termo possibilidade, já que o mundo do trabalho, o que, conse-
essa realidade é modificada quando quentemente, contribui para a for-
o estudante adentra o universo do mação de um cidadão autônomo.
Ensino Superior, que não é alvo des- Em essência, o Professor Conse-
ta proposta. Então, como solucionar lheiro possibilita o exercício da fle-
essa questão perene da Educação de xibilidade curricular no que tange o
nível Médio e Integrada brasileira? planejamento das atividades e uni-
A autonomia do estudante anda dades curriculares que o discente
de mãos dadas com a sua motiva- deseja cursar, dentro do período e
ção para executar as atividades, se- do espaço alocados por ele, em um
jam pessoais ou profissionais, estas universo que combina escolas, aulas,
últimas relacionadas ao ambiente professores, estudantes, escolhas, li-
de ensino e aprendizagem. Assim, é berdade e autonomia na promoção
necessário implementar um currícu- do desenvolvimento cognitivo dis-
lo que esteja centrado no estudante. cente (SALHBERG, 2015). E s s e
O Professor Conselheiro figura como exercício de autonomia, é impor-
uma dessas estratégias, já que para a tante reforçar, ocorre em um mo-
realidade brasileira representa uma mento colaborativo entre discente
mudança ideológica e pedagógica e docente, durante encontros perió-
na Educação. dicos, que podem ser individuais ou
O Professor Conselheiro orbita em pequenos grupos de discussão,
a lógica de um coach, libertando o momentos em que as dúvidas, aspi-
indivíduo que leciona do 'papel' de rações e desejos são explorados de
professor per se, daquele que domi- modo que o aluno seja o protagonis-
na todo o conteúdo e decisão, para ta da sua decisão.
se tornar aquele que age como um Mas então quem pode exercer
guia, um facilitador na tomada de esse ofício? O Professor Conselheiro
decisão e que sabe quebrar o ciclo de irá assessorar o estudante não apenas

66
em termos de questões educacionais melhante por meio do Professor-Tu-
como também as profissionais, como tor que é alocado para uma turma
já foi mencionado, podendo ain- e, usualmente, auxilia essa turma ou
da indicar outros profissionais caso discente individualmente a resolver
perceba necessidades de aconselha- questões relativas às habilidades de
mento pessoal. Para tanto, Barbosa aprendizagem, expectativas profis-
et al (2016) pesquisaram em seus ci- sionais, dificuldades - acadêmicas ou
clos de discussão e concluíram que, não, ausências, assistência social e
para se tornar um, o professor ou ser- financeira, momentos em que o Pro-
vidor público que trabalha na escola fessor-Tutor irá transferir o seu auxílio
ou Instituição de ensino deve passar para os departamentos competentes
por um treinamento apropriado para (BARBOSA et al., 2016).
desenvolver habilidades de escuta A função, como já elencado ante-
e orientação em conformidade com riormente, seria promover a reflexão
as competências e necessidades dis- colaborativa e com base nas neces-
centes, apenas para elencar algumas sidades discentes sem apontar o
características essenciais. caminho, mas deixando sempre a li-
Além disso, o servidor deve estar berdade de ação discente na tomada
ciente do currículo com que traba- de decisão. O pontapé inicial seria o
lha e ser empático com a comunida- desenho da “Trilha formativa” do dis-
de escolar e a família. O treinamen- cente, auxiliando-o na escolha das
to deve ser organizado e oferecido unidades, dos horários, espaços de
pela instituição de ensino e aberto a estudo e de realização de tarefas de
qualquer servidor que desejar fazer casa, individuais e em grupo. Após a
parte. O perfil e os campos de atua- conclusão dessa fase, ficariam esta-
ção do Professor Conselheiro devem belecidos encontros para avaliação
fazer parte de uma construção cole- da “Trilha” selecionada, o que pode-
tiva com todos os atores que fazem ria incorrer em uma modificação ou
parte do ambiente de ensino-apren- manutenção das escolhas realizadas.
dizagem em cada localidade e con- Ao final do ano, mais um encontro te-
siderando as necessidades nacionais, ria a “Trilha” como elemento de pau-
locais e suas idiossincrasias. ta para uma avaliação das escolhas
Alguns dos campi apontaram e já potencial seleção das próximas
que já lançam mão de estratégia se- disciplinas ou elementos curriculares
para os anos seguintes.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 67


Além desses momentos essen- projeto educativo emancipatório,
ciais para a definição do que será centrado no desenvolvimento do
estudado, ao longo do ano letivo, estudante como sujeito de necessi-
professor e alunos se encontrariam dades, de desejos e potencialidades
ainda para refletir e deliberar sobre (RAMOS, 2008), entendemos que a
questões relativas às aspirações pro- própria escola se constitui em um es-
fissionais, pessoais e relações inter- paço privilegiado para assumir esse
pessoais no ambiente escolar e até desafio. Bastante enfatizado nesse
extraescolar. A atuação do Professor trabalho, verifica-se que o currículo
Conselheiro, orientações quanto ao integrado demanda que os fenô-
atendimento, número de alunos e menos e conhecimentos sejam pro-
atividades seriam definidas em cada blematizados em suas mais variadas
instituição de ensino, em consonân- perspectivas e dimensões, o que
cia com o projeto educativo estabe- também requer uma abordagem
lecido. metodológica coerente com esse di-
recionamento. Em síntese, é necessá-
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS rio que o currículo seja, de fato, inte-
grado, no seu sentido mais profundo
A conclusão desse trabalho não e diante das necessidades relatadas
poderia deixar de iniciar com a reto- nesta análise.
mada da pergunta: o que podemos
Para tanto, podemos buscar na
aprender com a Finlândia? Sem des-
Finlândia elementos do processo
considerar os aspectos econômicos,
educativo que contribuem para essa
sociais e culturais de cada país; sem
formação, como aprendizagem cen-
desconsiderar as comparações em
trada no estudante, desenvolvimen-
relação à área e ao tamanho da po-
to de habilidades sociais, autonomia,
pulação da Finlândia e Brasil - muitas
cooperação e enfoque nos sujeitos
vezes utilizadas como justificativas
com equidade. Além disso, o dese-
para não apropriação de alguns ele-
nho curricular e sua implementação
mentos do primeiro - podemos afir-
apresentam possibilidades de apli-
mar que muitos são os enfrentamen-
cação no sistema educacional brasi-
tos nos planos político, econômico e
leiro, com suas devidas adaptações,
social em nosso país.
de forma a promover uma formação
Entretanto, considerando o currí- mais próxima daquela desejada e
culo integrado na sua dimensão de discutida pelas referências em currí-

68
culo integrado no Brasil. Verifica-se, p. 57-76.
ainda, que a figura do Professor Con-
selheiro é central nesse processo. BARBOSA et al. Rethinking the cur-
riculum: calling teachers to discuss
As orientações construídas coleti- and propose new perspectives for
vamente por profissionais dos cinco the curricular design. Tampere – FI:
Institutos Federais e apresentadas Tamk, 2016. [Relatório técnico]
neste trabalho (BARBOSA et al., 2016)
confirmam essas possibilidades, ain- FRIGOTTO, G.; CIAVATTA; M..; RAMOS,
da que não tenham sido aplicadas M. (Orgs). Ensino Médio Integrado:
na prática, até o momento. O que se concepções e contradições. São Pau-
pretende dizer com essa afirmação lo: Cortez, 2005.
é que a construção de tais diretrizes
indica uma possibilidade de mudan- MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTE-
ça, algo como um “ponto de partida” RIORES (ITAMARATY). O sistema de
para os enfrentamentos que virão. ensino finlandês: os pilares de uma
Isso porque não restam dúvidas sociedade baseada no conhecimen-
quanto à existência de profissionais to. In: _______. Mundo Afora: Edu-
dispostos a refletir, discutir, propor cação Básica e Ensino Médio. Dispo-
e implementar; e, nesse movimen- nível em: <http://www.dc.itamaraty.
to, experiências como a da Finlândia gov.br/publicacoes/colecao-mundo
podem nos indicar possibilidades de -afora/Mundo%20Afora%20n11%20
ações. v11%20WEB%20single.pdf/> Acesso
em: 30 set. 2016.
REFERÊNCIAS MORAES, C.S.V. O Ensino Médio e as
ANTIKAINEN, A. A reestruturação do comparações internacionais: Brasil,
Modelo Nórdico de Educação. Revis- Inglaterra e Finlândia. Educação e
ta Lusófona de Educação, Lisboa, Sociedade, Campinas, v.38, nº 139,
v.11, p. 31-48, 2008. p. 405-429, abr.-jun., 2017.

ASBAHR, S.F.S; SANCHES, Y.C.S. Trans- MOURA, D.H. (Org.). Educação Pro-
formação social: uma possibilidade fissional: desafios teórico-metodo-
da educação escolar? In: PARO, V.H. lógicos e políticas públicas. Natal:
(Org.). A teoria do valor em Marx e IFRN, 2016.
a educação. São Paulo: Cortez, 2006, OLIVEIRA, R.. A (des)qualificação da

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 69


educação Profissional Brasileira.
São Paulo: Cortez, 2003.

PACHECO, E. (Org.). Perspectivas da


Educação Profissional Técnica de
Nível Médio: Propostas de Diretri-
zes Curriculares. São Paulo: Moderna,
2012.

RAMOS, M.. Concepção do Ensino


Médio Integrado. [2008] Disponível
em http://forumeja.org.br/go/sites/
forumeja.org.br.go/files/concepcao_
do_ensino_medio_integrado5.pdf
Acesso em 23 jun 2017.

_________. Ensino Médio Integra-


do: Possibilidades e desafios. In: FRI-
GOTTO, G.; CIAVATTA; M.; RAMOS, M.
(Orgs). Ensino Médio Integrado: con-
cepções e contradições. São Paulo:
Cortez, 2005, p.106-127.

SAHLBERG, P. Finnish Lessons: What


can the world learn from educational
change in Finland? 2 ed. New York
(USA): Teachers College / Columbia
University, 2015.

70
PROJETOS DE REFORMULAÇÃO DO ENSINO MÉDIO E
INTER-RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
(IM)POSSIBILIDADES DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
Monica Ribeiro da Silva
Universidade Federal do Paraná
E-mail: monicars@ufpr.br

1. INTRODUÇÃO fossem as desigualdades de acesso à


escola, os itinerários descontínuos e
Neste texto, propomo-nos a as distorções no âmbito do sistema
discutir as relações que vão se en- educacional.
tretecendo entre projetos de refor-
O Ensino Médio brasileiro conta,
mulação do Ensino Médio (EM) e
de acordo com o Censo da Educa-
propostas para a Educação Profissio-
ção Básica de 2016, com 8.076.150
nal Técnica de Nível Médio (EPTNM),
matrículas. Segundo a Pnad (2013),
considerando o marco legal da Lei
a população de 15 a 17 anos era de
de Diretrizes e Bases da Educação
10.424.700. Destes, 5.451.576 esta-
(LDB), Lei nº 9.394/1996. A intenção
vam matriculados no Ensino Médio,
é problematizar, em um cenário de
valor próximo, portanto, dos 50%. O
disputas em torno da última etapa
número de matriculados no Ensino
da Educação Básica, as (im)possibili-
Médio, modalidade EJA, nessa idade
dades de realização do Ensino Médio
era de 20.356 pessoas (0,2% da fai-
Integrado.
xa etária). Dessa faixa etária, estava
A LDB estabelece que o Ensino matriculado, em qualquer um dos
Médio faz parte da Educação Básica, níveis ou etapas de escolaridade, um
o que avança no reconhecimento total de 84,3% da população. Estava
do direito a ele, ainda que esta eta- sem estudar e não havia concluído o
pa não tenha se tornado obrigatória. Ensino Médio um total de 1.578.562
Recentemente, pela EC 59/2009, esta jovens entre 15 e 17 anos, o que cor-
etapa torna-se obrigatória para a fai- responde a 15,7% das pessoas dessa
xa etária dos 15 aos 17 anos, fase que idade.
corresponderia ao Ensino Médio, não

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 71


Nesse contexto, vale ressaltar sido aventados por diversos atores,
que o país assistiu a um crescimen- dos poderes executivo e legislativo a
to vertiginoso da matrícula de estu- propostas protagonizadas por vozes
dantes no Ensino Médio em período do empresariado nacional, passan-
recente: de 3.772.330 em 1991 para do por movimentos sociais ligados à
9.169.357 em 2004, considerando to- educação e à definição de suas polí-
das as faixas etárias. Desde então, ve- ticas.
rifica-se uma estagnação ou decrés- Já no período imediatamente
cimo entre 2005 e 2016, ainda que, após ter sido sancionada a Lei nº
conforme disposto na Constituição 9.394/1996, em atendimento ao que
Federal, nenhum jovem entre 15 e 17 determina seu artigo 26, o Conselho
anos poderia estar fora da escola. Nacional de Educação (CNE) deu iní-
É por esta razão que a meta 3 cio à elaboração das Diretrizes Cur-
(três) do Plano Nacional de Educa- riculares Nacionais para as etapas e
ção, aprovado em 2014, estabelece: modalidades da Educação Básica.
“universalizar, até 2016, o atendi- Desde então, são várias as iniciativas
mento escolar para toda a população de reformulação do EM e todas elas,
de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos em maior ou menor grau, se entre-
e elevar, até o final do período de vi- cruzam com propostas de mudanças
gência (2014), a taxa líquida de ma- também na Educação Profissional
trículas no Ensino Médio para 85% Técnica de Nível Médio.
(oitenta e cinco por cento).” (BRASIL, O presente artigo se propõe a
Lei nº 13.005/2014). A taxa líquida evidenciar estas inter-relações e con-
atual é de aproximadamente 50%. sidera, para isso, quatro momentos.
Esse cenário de expansão da ma- O primeiro se situa no imediato pós
trícula, bem como a faixa etária que -LDB quando das primeiras Diretrizes
se tornou obrigatória, trouxe, para Curriculares Nacionais para o EM e
o centro das discussões, qual for- para a EPTNM exaradas pelo CNE; o
mação se estará oferecendo para os segundo se inicia em 2003, quando
jovens (e adultos) que frequentam e da mudança de governo que anun-
que ainda irão adentrar a última eta- ciava novos rumos para a educação
pa da Educação Básica, o que torna e culmina com a produção de outras
relevante que nos ocupemos dos DCN, em substituição às anteriores.
projetos de reformulação que têm Evidenciamos, então, um terceiro

72
momento, em que se vê exacerbada lidade a novas condições de ocupa-
ção ou aperfeiçoamento posterio-
a disputa em torno dos projetos para
res; [...]
o EM e para a EPTNM, explicitada na
IV – a compreensão dos fundamen-
iniciativa da Câmara dos Deputados tos científico-tecnológicos dos pro-
com vistas a alterar a LDB por meio cessos produtivos, relacionando a
do Projeto de Lei nº 6.840/2013. Por teoria com a prática, no ensino de
cada disciplina.
fim, nos referimos à reforma do Ensi-
no Médio iniciada com a Medida Pro-
visória nº 746/2016, aprovada como No art. 36, sobre a organização
Lei nº 13.415/2017, e que traz graves curricular, a LDB propõe:
implicações seja para o EM, seja para O currículo do Ensino Médio obser-
a EPTNM. Para esta, a reforma em vará o disposto na Seção I deste ca-
curso significa a inviabilização pla- pítulo e as seguintes diretrizes:
nejada da continuidade da oferta do I – destacará a educação tecno-
lógica básica, a compreensão do
Ensino Médio Integrado.
significado da ciência, das letras e
das artes; o processo histórico de
2 A LDB de 1996 e as DCN de 1998 transformação da sociedade e da
cultura; a língua portuguesa como
e 1999 instrumento de comunicação, aces-
so ao conhecimento e exercício da
O artigo 26 da Lei nº 9.394/1996 cidadania;
prescreve a composição do currículo II – adotará metodologias de ensino
por meio de uma base comum nacio- e de avaliação que estimulem a ini-
ciativa dos estudantes;
nal e de uma parte diversificada. A
I – domínio dos princípios científi-
complementação e o detalhamento cos e tecnológicos que presidem a
dessas prescrições encontram-se nas produção moderna;
Diretrizes Curriculares Nacionais for- § 2º – O Ensino Médio, atendida a
muladas pelo Conselho Nacional de formação geral do educando, po-
derá prepará-lo para o exercício de
Educação. Do que afirma a LDB para
profissões técnicas.
o EM e para a EPTNM, destacamos a
§ 4º – A preparação geral para o
configuração da Educação Profissio- trabalho e, facultativamente, a ha-
nal como modalidade de oferta, ain- bilitação profissional, poderão ser
da que o art. 35 afirme que: desenvolvidas nos próprios estabe-
lecimentos de Ensino Médio ou em
II – a preparação básica para o traba- cooperação com instituições espe-
lho e a cidadania do educando, para cializadas em Educação Profissional.
continuar aprendendo, de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibi-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 73


A EPTNM, por sua vez, nos artigos ocorrendo nos processos de produ-
39 e 40, recomenda: ção de mercadorias e serviços. A re-
Art. 39. A Educação Profissional, ferência presente nos documentos
integrada às diferentes formas de oficiais do MEC e do CNE era a nova
educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia, conduz ao permanente
base produtiva que passava a incor-
desenvolvimento de aptidões para porar a microeletrônica e as novas
a vida produtiva. formas de gestão do trabalho fun-
Art. 40. A Educação Profissional será dadas na experiência japonesa, mais
desenvolvida em articulação com o flexíveis, e que passa a ser conhecida
ensino regular ou por diferentes es-
tratégias de educação continuada, como toyotismo, em oposição à rigi-
em instituições especializadas ou dez dos processos eletromecânicos e
no ambiente de trabalho. do fordismo.
Nos Parâmetros Curriculares Na-
Vê-se, assim, que a LDB produz cionais para o Ensino Médio, por
vários entrelaçamentos entre forma- exemplo, constata-se uma afirmação
ção geral e formação profissional. No que se repete nos textos normativos
entanto, a redação do texto legal é do CNE: o que justifica a reformulação
fluída, dando margens a interpre- do EM e da EPTNM é, primeiramente,
tações dúbias e/ou ambíguas. Essa o fator econômico que se apresenta
fluidez e essas ambiguidades possi- e se define pela ruptura tecnológica
bilitaram o Decreto nº 2.208/1997, característica da chamada terceira
que se faz presente também nas Di- revolução técnico-industrial, na qual
retrizes Curriculares Nacionais (DCN). os avanços da microeletrônica têm
um papel preponderante, e que, a
As DCNEM de 1998 e as Diretrizes
partir da década de 80, se acentua
Curriculares Nacionais para a Edu-
no país.
cação Profissional (DCNEP) de 1999
trazem, ambas, o mote da emprega- Na década de 90, [...] o volume de
informações, produzido em de-
bilidade e a ideologia da formação corrência das novas tecnologias, é
de competências para o mercado de constantemente superado, colocan-
trabalho. As justificativas de reformu- do novos parâmetros para a forma-
ção do cidadão. Não se trata mais
lação curricular, naquele momento, de acumular conhecimentos. A for-
se ancoravam, principalmente, nas mação do aluno deve ter como alvo
transformações tecnológicas e/ou principal a aquisição de conheci-
mentos básicos, a preparação cien-
em outras mudanças que estavam tífica e a capacidade para utilizar as

74
diferentes tecnologias relativas às Essa racionalidade supõe que, num
áreas de atuação. (BRASIL, PCNEM, mundo em que a tecnologia revo-
1999). luciona todos os âmbitos de vida,
e, ao disseminar informação amplia
as possibilidades de escolha, mas
também a incerteza, a identidade
As relações entre transformações autônoma se constitui a partir da
tecnológicas e necessidade de mu- ética, da estética e da política, mas
danças na educação escolar caracte- precisa estar ancorada em conheci-
mentos e competências intelectu-
rizam uma percepção linear e deter- ais que deem acesso a significados
minista sobre esta última, como se a verdadeiros sobre o mundo físico e
formação humana se restringisse ex- social. Esses conhecimentos e com-
petências é que dão sustentação à
clusivamente a formar para o merca- análise, à prospecção e à solução de
do de trabalho, e “circunscreve uma problemas, à capacidade de tomar
visão parcial e limitada do papel da decisões, à adaptabilidade a situa-
ções novas, à arte de dar sentido a
escola, pois a restringe à formação um mundo em mutação. (BRASIL,
para o mercado e à observância à ló- CNE/CEB, PARECER 15/1998).
gica mercantil” (SILVA, 2008, p. 76).
No Parecer CNE/CEB nº 15/1998,
Por sua vez, o Parecer CNE/CEB nº
que estabelece as Diretrizes Curricu-
16/1999 das Diretrizes Curriculares
lares Nacionais para o Ensino Médio,
Nacionais para a Educação Profissio-
as finalidades desta etapa da Educa-
nal é assentado, também, na noção
ção Básica estão vinculadas à ade-
de competências para o mercado.
quação (e subordinação) da escola
Ambas as Diretrizes reiteram o cará-
às mudanças nas formas de organi-
ter pragmático que deveria adquirir
zação do trabalho produtivo com
a formação dos indivíduos, prag-
base na “globalização econômica e
matismo oriundo da subordinação
(na) revolução tecnológica”. O alcan-
da educação à forma alienada do
ce da anunciada finalidade levaria ao
trabalho em nossa sociedade. Para
encontro da noção de competências
fundamentar esse intento, o Parecer
que, aliada aos princípios da estética
16/1999 assim se refere à noção de
da sensibilidade, da política da igual-
competências:
dade e da ética da identidade (BRASIL,
Quando competências básicas pas-
CNE/CEB, Parecer 15/1998), produzi- sam a ser cada vez mais valorizadas
ria a racionalidade capaz de atender no âmbito do trabalho, e quando
às ditas demandas da produção pós a convivência e as práticas sociais
na vida cotidiana são invadidas em
-industrial.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 75


escala crescente por informações e tes estratégias de educação continu-
conteúdos tecnológicos, ocorre um
ada”. Esse Decreto retrocede em rela-
movimento de aproximação entre
as demandas do trabalho e as da ção ao que estava estabelecido.
vida pessoal, cultural e social. É esse
movimento que dá sentido à articu- Dada essa dubiedade, o Parecer
lação proposta na lei entre Educa- nº 16/1999 explicita qual deveria
ção Profissional e o Ensino Médio. ser o entendimento quanto às rela-
A articulação das duas modalidades
educacionais tem dois significados ções entre o EM e a EPTNM, “o termo
importantes. De um lado afirma a articulação indica mais que com-
comunhão de valores que, ao pre- plementaridade: implica em inter-
sidirem a organização de ambas,
compreendem também o conte- complementaridade mantendo-se a
údo valorativo das disposições e identidade de ambos; propõe uma
condutas a serem constituídas em região comum, uma comunhão de
seus alunos. De outro, a articulação
reforça o conjunto de competên- finalidades, uma ação planejada e
cias comuns a serem ensinadas e combinada entre o Ensino Médio e
aprendidas, tanto na Educação Bá- o ensino técnico”. (BRASIL, CNE/CEB,
sica quanto na profissional. (BRASIL,
CNE/CEB, Parecer 16/1999). Parecer 16/1999). Essa proposição,
no entanto, reitera a formulação am-
bígua e fluída que caracteriza esses
As proposições para a Educação textos normativos.
Profissional nesse período iniciaram- O Decreto nº 2.208/1997 apre-
se, no entanto, com o Decreto nº senta, então, uma forma que desco-
2.208, de 17 de abril de 1997. Este é necta a formação científica básica da
o documento normativo do Capítulo formação técnica e tecnológica. Atua
III, Título V, artigos 39 a 42 da LDB, e em sentido oposto ao discurso já pro-
que dá origem ao debate que se se- blemático das Diretrizes Curriculares
guiu sobre as finalidades e concep- exaradas pelo mesmo governo. Evi-
ções orientadoras da EPTNM. Con- dencia a ambiguidade e a fragilidade
forme afirma o artigo 5º do Decreto desse discurso e desresponsabiliza o
nº 2.208/1997, “a Educação Profissio- Estado de uma oferta permanente e
nal de nível técnico terá organização qualificada de Educação Profissional
curricular própria e independente de nível médio. Por fim, o Decreto
do Ensino Médio”. Já o artigo 40 da nº 2.208/1997 sequer coloca a pos-
LDB afirmava: “a Educação Profissio- siblidade de integração entre Ensi-
nal será desenvolvida em articulação no Médio e Educação Profissional,
com o ensino regular, ou por diferen-

76
consagrando uma formação para o Médio e, aliado a essas proposições,
trabalho em sentido diametralmente o reconhecimento dos sujeitos, so-
oposto ao que vinham reivindican- bretudo dos jovens, como basilar na
do as ditas mudanças tecnológicas e configuração das finalidades da últi-
organizacionais a que nos referimos ma etapa da Educação Básica1.
anteriormente e que, ainda que car- O Decreto 5.154/2004, que pos-
regado de imediatismo e reducionis- sibilita a oferta integrada da Educa-
mos, se faziam presentes também ção Profissional – o Ensino Médio In-
nas justificativas da reformulação tegrado –, passa a compor as bases
curricular. dos projetos de reformulação tam-
bém do EM: é o que identificamos
2. Novo Decreto, novas DCN, nos documentos2 que antecedem ao
novos rumos? Programa Ensino Médio Inovador e
que dá sustentação tanto a este Pro-
No período subsequente, estabe- grama quanto ao processo de “atua-
lecemos como marco inicial dos iti- lização” das DCN para o EM e para a
nerários de reformulação do EM e da EPTNM. A base para as novas DCNEM
EPTNM o evento realizado em Brasí- (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolu-
lia em junho de 2003 – o Seminário ção CNE/CEB 2/2012) foi o texto do
Nacional de Ensino Médio. Organi- coletivo social elaborado com vistas
zado pela Secretaria de Ensino Mé- à atualização das DCNEP, o que, por
dio e Tecnológico (Semtec), já neste si só, sinaliza uma aproximação entre
momento, são enunciadas as ideias as propostas de reformulação, não
centrais que darão sustentação con- fossem os deslocamentos de sentido
ceitual, epistemológica e metodoló- ocasionados no percurso da incor-
gica às trajetórias que assumirão as poração das proposições ao Parecer
iniciativas de reformulação do EM e e Resolução da EPTNM (SILVA; BER-
da EPTNM: trabalho, ciência e cultura NARDIM, 2014).
como conceitos estruturantes, base
As bases teóricas que deram fun-
da formação humana e da organiza-
damentação para o Ensino Médio In-
ção pedagógico-curricular do Ensino

1 A síntese das discussões está publicada no livro Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho,
organizado por Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta. Brasília: MEC, Semtec, 2004.
2 “Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no Brasil” (BRASIL, MEC/SEB, versão preli-
minar, abril de 2008); e “Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política
pública educacional” (BRASIL, MEC/SEB, versão preliminar, junho de 2008).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 77


tegrado estão incorporadas nas DCN 2010, aspectos estes não resolvidos
para o Ensino Médio (não profissio- e reiterados nas atuais DCNEP, como
nalizante) de 2012: as finalidades de pode ser visto a seguir.
uma formação humana integral com - Centralidade formativa na dimen-
vistas à emancipação individual e so- são econômica e aceitação do mer-
cado como instrumento regulador
cietária; as dimensões do trabalho, da sociabilidade humana;
da ciência, da cultura e da tecnologia
- Insistência no modelo de Educa-
como eixo integrador do currículo e ção Profissional centrado no desen-
dos processos formativos; e o prin- volvimento de competências profis-
cípio educativo do trabalho como sionais e abandono da perspectiva
de formação politécnica;
fundamento epistemológico e meto-
- Aceitação de uma inserção subser-
dológico. A oferta do Ensino Médio viente da sociedade brasileira na di-
Integrado à Educação Profissional, visão internacional do trabalho;
sob essas bases, estaria a cargo da - Concepção de desenvolvimento
Rede Federal de Educação Técnica, produtivista, centrado na produção
destrutiva e não na socialização dos
Científica e Tecnológica, em âmbito
bens e distribuição da riqueza que
federal, e das redes estaduais de en- assegurem uma vida digna a todos.
sino. Essas bases teóricas não foram, (SILVA; BERNARDIM, 2014).
porém, incorporadas igualmente nas
DCNEP reformuladas.
Se as DCN para o Ensino Médio
A trajetória de produção das no- conseguiram superar o imediato
vas diretrizes curriculares, entre 2003 vínculo da formação escolar com o
e 2012, evidencia disputas em torno mercado de trabalho e com a esfe-
do projeto formativo. No interstício ra produtiva, o texto das Diretrizes
de treze anos entre as primeiras dire- Curriculares Nacionais para a Educa-
trizes e a sua revisão, persistem preo- ção Profissional não logrou o mesmo
cupações, tensionamentos e contro- êxito, pois reitera o pragmatismo da
vérsias no que diz respeito à relação formação restrita para o mercado e
entre mudanças na base material, fragiliza a formação humana integral
mudanças no mundo do trabalho e proposta pelas DCNEM. Do ponto de
o direcionamento das políticas edu- vista da oferta, a Resolução CNE/CEB
cacionais (SILVA; BERNARDIM, 2014). 06/2012, que trata das DCN para a
Os aspectos cruciais, no cerne dessa Educação Profissional, abrem as por-
disputa, podem ser identificados no tas para o Pronatec, que consagra a
texto do referido coletivo social, de dissociação entre formação científica

78
básica e formação técnica específica, Ensino Médio oferecido no país “não
conferindo hegemonia para a forma corresponde às expectativas dos jo-
concomitante e em parceria com o vens, especialmente no tocante à
setor privado, e impondo fragilidade sua inserção na vida profissional, e
e perda de centralidade do Ensino vem apresentando resultados que
Médio Integrado. não correspondem ao crescimento
social e econômico”. Foram mais de
3. Outros cenários da disputa 19 meses de trabalho, 22 Audiências
Públicas, quatro Seminários Estadu-
por um projeto hegemônico
ais e um Seminário Nacional. Des-
Em 15 de março de 2012, poucos se processo, resultou o Relatório da
dias após terem sido homologadas Comissão, que se transformou no PL
as novas DCN para o Ensino Médio, é 6.840/2013.
criada, na Câmara dos Deputados, a As principais propostas desse
“Comissão Especial destinada a pro- Projeto de Lei são: (i) o Ensino Médio
mover Estudos e Proposições para diurno em jornada de 7 horas (meta
a Reformulação do Ensino Médio de universalização ao tempo integral
– CEENSI”, por iniciativa do Deputa- em até 20 anos e, no final do décimo
do Reginaldo Lopes (PT-MG)4, que ano, com 50% das matrículas em 50%
assumiu a presidência da comissão. das escolas); (ii) limitação do acesso
Como relator, foi designado o De- ao ensino noturno para menores de
putado Wilson Filho (PTB-PB)5. Con- 18 anos, em até três anos; (iii) Ensi-
forme afirma o relatório da Ceensi, o no Médio noturno com duração de

4 Por meio do Requerimento de nº 4.337/2012 dirigido ao Presidente da Câmara dos Depu-


tados.
5 Além do presidente e do relator compuseram a Comissão como membros titulares: Ariosto
Holanda (PROS-CE), Artur Bruno (PT-CE), Chico Lopes (PC do B-CE), Danilo Cabral (PSB-PE),
Edmar Arruda (PSC-PR), Eurico Junior (PV-RJ), Gabriel Chalita (PMDB-SP), Izalci (PSDB-DF),
Jorginho Mello (PR-SC), José Linhares (PP-CE), Junji Abe (PSD-SP), Lelo Coimbra (PMDB-ES),
Luís Tibé (PC do B-MG), Newton Lima (PT-SP), Nilson Leitão (PSDB-MT), Paulo Rubem (PDT
-PE), Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), Raul Henry (PMDB-PE), Sebastião Rocha
(SD-AP), Waldener Pereira (PT-BA), Waldir Maranhão (PP-MA). E como membros suplentes os
Deputados Alex Canziani (PTB-PR), André Figueiredo (PDT-CE), Domingos Dutra (SD-MA),
Efraim Filho (DEM-PB), Esperidião Amin (PP-SC), Geraldo Resende (PMDB-MS), Gustavo Petta
(PC do B-SP), Leopoldo Meyer (PSB-PR), Nilson Pinto (PSDB-PA), Osmar Serraglio (PMDB-PR),
Professor Sétimo (PMDB-MA), Ronaldo Zulke (PT-RS), Rosinha da Adefal (PC do B-AL), Ságuas
Moraes (PT-MT), Sibá Machado (PT-AC), Valtenir Pereira (PROS-MT), Zequinha Marinho (PSC-
PA).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 79


4.200 horas e jornada diária mínima jornada de 7 horas para todos, em
de três horas com o mesmo conteú- que pese a importância da oferta da
do curricular do ensino diurno; além jornada integral, a compulsoriedade
disso, podendo ao noturno serem in- fere o direito de acesso à Educação
tegralizadas até 1.000 horas a critério Básica para mais de dois milhões de
do sistema de ensino; (iv) organiza- jovens de 15 a 17 anos que estudam
ção curricular em quatro áreas de co- e trabalham ou só trabalham (PNAD/
nhecimento: Linguagens, Matemáti- IBGE, 2011). Na mesma direção, a
ca, Ciências da Natureza e humanas proibição de acesso ao ensino notur-
com prioridade para Língua Portu- no para menores de 17 anos consti-
guesa e Matemática, sendo que, no tui-se em cerceamento de direitos,
terceiro ano, os estudantes escolhe- além de configurar-se em uma su-
riam uma dessas áreas/ênfases ou perposição entre o Ensino Médio na
ainda uma habilitação profissional; modalidade de educação de jovens
(v) obrigatoriedade de inclusão de e adultos e o Ensino Médio noturno
temas transversais ao currículo: em- ‘regular’. A proposta para o Ensino
preendedorismo, prevenção ao uso Médio noturno com duração de qua-
de drogas, educação ambiental, se- tro anos com a jornada diária mínima
xual, de trânsito, cultura da paz, có- de três horas, contemplando o mesmo
digo do consumidor, e noções sobre conteúdo curricular do ensino diurno
a Constituição Federal; (vi) incentivo, desconsidera as especificidades dos
no último ano do Ensino Médio, da sujeitos que estudam à noite, espe-
escolha da carreira profissional com cificidades etárias, socioculturais e
base no currículo normal, tecnológi- relativas à experiência escolar que
co ou profissionalizante; (vii) as ava- culminam por destituir de sentido a
liações e processos seletivos que dão escola para esses jovens e adultos. A
acesso ao Ensino Superior sejam fei- opção para o Ensino Superior vincu-
tas com base na opção formativa do lada à opção formativa do estudante
aluno (Ciências da Natureza, Ciências retoma o modelo da reforma Capa-
Humanas, Linguagens, Matemática nema da década de 40 e se constitui
ou formação profissional). em cerceamento do direito de esco-
Acerca desse Projeto de Lei, te- lha e mecanismo de exclusão.
cemos inicialmente algumas consi- Do ponto de vista da organização
derações gerais: a respeito da pro- curricular, a proposição de opções
posição de Ensino Médio diurno em formativas em ênfases de escolha

80
dos estudantes reforça a fragmenta- dições de oferta da maior parte das
ção e a hierarquia do conhecimento escolas brasileiras de Ensino Médio.
escolar e leva à privação do acesso Em resposta ao PL nº 6.840/2013,
ao conhecimento, bem como às for- foi criado o Movimento Nacional em
mas de produção da ciência e suas Defesa do Ensino Médio6 que agrega
implicações éticas, políticas e estéti- entidades representativas da educa-
cas, acesso este considerado relevan- ção brasileira, dentre elas Anped, Ce-
te neste momento histórico em que des, Forumdir e Anfope.
as fusões de campos disciplinares
rompem velhas hierarquias e frag- O Projeto de Lei não teve mo-
mentações. vimentação até outubro de 2014,
quando foram retomadas as audi-
Quanto ao entrelaçamento entre ências públicas. Nesse momento,
EM e EPTNM, a inclusão do incentivo a atuação das entidades que com-
de que, no último ano, o/a estudan- põem o Movimento Nacional em
te fizesse a opção por uma formação Defesa do Ensino Médio foi crucial
profissional contraria o disposto no e contribuiu decisivamente para a
artigo 35 da LDB nº 9.394/1996, des- retirada de propostas que expressa-
considerando a modalidade de En- vam maior preocupação, dentre elas
sino Médio Integrado, mais próxima a opção formativa no terceiro ano, a
da concepção proposta nas DCNEM obrigatoriedade do tempo integral,
e já em prática nas redes estadual e a proposta dos temas transversais, a
federal. Implicaria, também, em uma proibição de acesso dos menores de
oferta precarizada, haja vista as con- 17 anos ao Ensino Médio noturno e
6 O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio é composto por 10 entidades do cam-
po educacional: Anped (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação),
Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade), Forumdir (Fórum Nacional de Diretores
das Faculdades de Educação), Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissio-
nais da Educação), Sociedade Brasileira de Física, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da educação),
CONIF (Conselho Nacional Das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Cien-
tífica e Tecnológica) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), e foi
criado no início de 2014 com vistas a intervir no sentido da não aprovação do Projeto de Lei
nº 6.840/2013. Para esse fim, empreendeu um conjunto de ações junto ao Congresso Na-
cional e ao Ministério da Educação, além da criação de uma petição pública. Os signatários
do Movimento criaram um Manifesto no qual explicitam as divergências com relação ao
Projeto de Lei 6.840/2013. O Manifesto completo, bem como os manifestos de entidades,
está disponível e pode ser acessado em http://movimentoensinomedio.org/ e em www.ob-
servatoriodoensinomedio.ufpr.br.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 81


outras envolvendo o Ensino Médio 13.415/2017. Ela traz duas grandes
noturno. Foi debatida, ainda, nas au- mudanças para a legislação educa-
diências públicas, a questão da pre- cional brasileira: uma sobre a orga-
carização da Educação Profissional e nização pedagógica e curricular do
da formação de professores, mas não Ensino Médio; a outra sobre as regras
houve, naquele momento, consen- dos usos dos recursos públicos para
so em retirar do PL as formulações a educação. Sua aprovação traz gra-
tal como constavam no Relatório do ves implicações seja para o EM, seja
Deputado Wilson Filho. Como princi- para a EPTNM. Para esta, a reforma
pal consequência desse processo, foi em curso significa a inviabilização
aprovado, na Comissão Especial, um planejada da continuidade da oferta
Substitutivo ao PL original, no qual do Ensino Médio Integrado.
se amenizavam os retrocessos. Do ponto de vista da organiza-
Em 2015, conforme expecta- ção curricular, a Lei nº 13.415/2017,
tiva da Ceensi, o Projeto de Lei que alterou os capítulos destinados
6.840/2013, versão do Substitutivo, ao Ensino Médio na LDB, retoma um
iria a plenário. No entanto, a nova le- modelo já experimentado nos tem-
gislatura estaria ocupada quase que pos da ditadura militar, trazendo de
exclusivamente com o impeachment volta a divisão por ênfases ou itine-
de Dilma Roussef. Uma vez consoli- rários formativos. A formação básica
dado esse processo, passa a ser es- comum que antes estava assegurada
crito um novo capítulo nas tentativas nos três anos do Ensino Médio pas-
de reformulação do EM e da EPTNM, sa a ser dada em uma carga horária
agora, por meio de uma Medida Pro- não superior a 1.800 horas. Após isso,
visória. o/a estudante será dirigido a um dos
itinerários formativos (Linguagens,
4 A MP 746, agora Lei nº Matemática, Ciências da Natureza,
Ciências Humanas ou formação téc-
13.415/2017
nico-profissional), a critério do sis-
A Medida Provisória nº 746/2016 tema do ensino. É importante frisar
foi encaminhada ao Congresso Na- que não será o/a estudante a esco-
cional pelo Ministério da Educação lher o itinerário com o qual possui
do governo de Michel Temer no dia maior afinidade. Será o sistema de
22 de setembro de 2016 e aprovada ensino a definir, conforme sua pró-
em 16 de fevereiro de 2017, como Lei pria disponibilidade, o que cada uni-

82
dade escolar irá oferecer. Essa medi- verno, interessa ampliar o tempo de
da, além de significar uma perda de estudo tendo em vista preparar os/as
direito e um enorme prejuízo com estudantes para as provas e exames
relação aos processos formativos da realizados pelo próprio governo.
juventude, fere a autonomia das es- Mais um entre tantos reducionismos
colas na decisão sobre seu projeto trazidos pela reforma proposta e que
político pedagógico, o que até então vai em sentido oposto aos que os es-
estava assegurado na LDB. tudantes têm mostrado como sendo
A LDB foi alterada também em necessários: atividades de múltiplos
outros aspectos com relação ao cur- interesses e formas aliadas ao conhe-
rículo do Ensino Médio: a retirada da cimento escolar que hoje estruturam
obrigatoriedade das disciplinas de as disciplinas escolares.
Filosofia e Sociologia, que passam a Especial atenção merece a pro-
ser tratadas como “estudos práticas”, posta do itinerário formativo relati-
podendo ser ofertadas em qualquer vo à formação técnico-profissional.
outra disciplina ou forma. Ao estabelecer que, para ser docen-
Além dessas determinações, a Lei te nos cursos, não há necessidade
nº 13.415/2017 deu base legal para o de formação especializada, bastan-
Programa de Incentivo ao Ensino Mé- do que o sistema de ensino certifi-
dio de Tempo Integral. No entanto, que um suposto “notório saber”, a
trouxe mais uma evidência de preca- Lei 13.415/2017 desconsidera que,
rização. Ainda que ampliar o tempo para o aprimoramento da qualida-
de permanência na escola possa ser de do ensino, é necessário garantir
interessante, é preciso ter claro qual aos profissionais da educação uma
é a proposta pedagógica que irá sus- sólida formação teórico-prática, pre-
tentar a maior permanência dos/das ferencialmente em cursos superio-
adolescentes e jovens na escola. A res. Além disso, para viabilizar esse
jornada de tempo integral necessita itinerário formativo, foram alteradas
de reestruturação do ambiente físico as regras do financiamento da edu-
e material da escola e uma diversifi- cação pública, por meio do incentivo
cação das atividades oferecidas. Na e da viabilização de parcerias com o
Portaria nº 1.145/2016, publicada setor privado, retirando recursos da
pelo MEC no dia 11 de outubro, fica Educação Básica do país. Essa pos-
clara a intenção de que, para o go- sibilidade visa, claramente, atender
aos interesses do empresariado e

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 83


suas necessidades de exploração e sita sim de uma reformulação, seja
lucro, além de ter, como consequ- com relação à ampliação do acesso
ências, a precarização da Educação com vistas a cumprir a determina-
Profissional técnica de nível médio, a ção constitucional quanto à obriga-
fragilização dos Institutos Federais e toriedade escolar para a faixa etária
de toda a Rede Federal de Educação dos 15 aos 17 anos, seja quanto ao
Profissional, Técnica e Tecnológica, cumprimento das metas do Plano
e, além disso, trazer o enunciado de Nacional de Educação, que determi-
morte do Ensino Médio Integrado. na a universalização para essa faixa
etária em 85% até 2024. No entanto,
5 Considerações Finais não se trata apenas de uma questão
de quantidade, é necessário pensar
Há muita controvérsia acerca do também da qualidade da educação
atual modelo curricular do Ensino que está sendo ofertada. E, sobre
Médio. É necessário enfrentar a ex- isso, a realidade mostra que é insufi-
cessiva disciplinarização que leva ciente uma mudança curricular, haja
ao fracionamento e hierarquização vista as condições de estrutura física
do conhecimento, bem como rever e material muitas vezes precária; as
as formas como se vem tratando o dificuldades na formação inicial e
conhecimento escolar. No entanto, continuada de professores; a ausên-
a reforma realizada por meio da Lei cia de uma política permanente de
nº 13.415/2017 reforça este fracio- assistência estudantil; a pouca valori-
namento e nada diz sobre os signi- zação dos profissionais da educação;
ficados do conhecimento humano dentre outros.
na escola. Pior, ao propor as “opções
De acordo com o Movimento Na-
formativas”, acaba por privar os/as
cional em Defesa do Ensino Médio,
estudantes de uma formação básica
para uma mudança efetiva, faz-se
comum que lhes assegure o acesso
necessária uma política pública –
a conhecimentos relevantes e neces-
com ações integradas e permanen-
sários para a vida em nossa, cada vez
tes – que consolide a ação conjunta
mais, complexa sociedade. Ao pro-
entre os entes federados de modo a
por fatiar a organização pedagógico-
reverter os problemas que atualmen-
curricular, propõe, assim, um Ensino
te afligem a última etapa da Educa-
Médio em migalhas.
ção Básica, muitos deles resultados
O Ensino Médio no país neces- de uma negligência histórica com

84
a educação da juventude brasileira. NACIONAL EM DEFESA DO ENSINO
MÉDIO, 2016).
Dentre as ações necessárias, o Movi-
mento assevera como essencial
a consolidação de uma organização As ações desse Movimento mos-
curricular que respeite as diferenças
e os interesses dos jovens mas que, tram o quão ainda é imprescindível
ao mesmo tempo, assegure a for- a ação dos movimentos sociais, dos
mação básica comum e de qualida- coletivos organizados em defesa do
de; que se de uma forma de avalia-
ção no Ensino Médio que possibilite direito à educação.
o acompanhamento permanente
Em pouco mais de 20 anos, des-
pelas escolas do desempenho dos
estudantes com vistas à contenção de a LDB de 1996, o Ensino Médio,
do abandono e do insucesso esco- de formação geral ou profissional,
lar; a ampliação dos recursos finan-
foi alvo de várias ações políticas com
ceiros com vistas à reestruturação
dos espaços físicos, das condições vistas à sua reformulação. Mas, da
materiais, da melhoria salarial e das análise realizada, é possível constatar
condições de trabalho dos educa-
algumas tendências que foram ga-
dores; construção de novas escolas
específicas para atendimento do nhando hegemonia: a preponderân-
Ensino Médio em tempo integral; cia de um discurso que visa reduzir a
indução à formação de redes de
formação da juventude a demandas
pesquisa sobre o Ensino Médio com
vistas a produzir conhecimento e do mercado; a reorganização curri-
realizar um amplo e qualificado cular com base em um viés econo-
diagnóstico nacional; articulação de
micista e eficienticista que acaba por
uma rede de formação inicial e con-
tinuada de professores a partir de subtrair dos/das jovens um conjun-
ações já existentes como PARFOR e to de conhecimentos necessários a
PIBID; fomento a ações de assistên-
uma formação mais qualificada e au-
cia estudantil com vistas a ampliar a
permanência do estudante na esco- tônoma; a desresponsabilização do
la; atendimento diferenciado para poder público por meio da amplia-
o Ensino Médio noturno de modo
ção da presença do setor privado na
a respeitar as características do pú-
blico que o frequenta; elaboração e oferta educacional; a destinação de
aquisição de materiais pedagógicos recursos públicos da Educação Bási-
apropriados, incluindo os forma-
ca para o setor privado.
tos digitais; criação de uma rede
de discussões para reconfiguração Em síntese, dos enunciados que
dos cursos de formação inicial de
professores, envolvendo as várias se tornam hegemônicos com a atual
entidades representativas do cam- reforma, é possível depreender que,
po educacional, estudantes, pro- nessas disputas, o que esteve e está
fessores e gestores. (MOVIMENTO

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 85


em jogo é a busca de recomposição _____. Emenda Constitucional nº
dos processos de seleção e distribui- 59, de 11 de novembro de 2009.
ção desigual do conhecimento que Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das
marcam o Ensino Médio brasileiro Disposições Constitucionais Transitó-
ao longo de sua história: para o fi- rias para reduzir, anualmente, a partir
lho “dos outros”, de preferência uma do exercício de 2009, o percentual da
educação pouca e precária, o mais Desvinculação das Receitas da União
barata possível. incidente sobre os recursos destina-
dos à manutenção e ao desenvolvi-
mento do ensino de que trata o art.
212 da Constituição Federal, dá nova
Referências
redação aos incisos I e VII do art. 208,
BRASIL. Decreto nº 2.208, de 17 de de forma a prever a obrigatorieda-
abril de 1997. Regulamenta o § 2º de do ensino de quatro a dezessete
do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº anos e ampliar a abrangência dos
9.394, de 20 de dezembro de 1996, programas suplementares para to-
que estabelece as diretrizes e bases das as etapas da Educação Básica, e
da educação nacional. D.O.U., Bra- dá nova redação ao § 4º do art. 211 e
sília, 18 abr. 1997. Disponível em: ao § 3º do art. 212 e ao caput do art.
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 214, com a inserção neste dispositivo
decreto/D2208.htm>. Acesso em: 5 de inciso VI. Disponível em: <http://
ago. 2017. www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/Emendas/Emc/emc59.
_____. Decreto nº 5.154, de 23 htm>. Acesso em: 30 jun. 2017.
de julho de 2004. Regulamenta o
§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da _____. Lei nº 9.394, de 20 de dezem-
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de bro de 1996. Estabelece as diretrizes
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. DOU,
e bases da educação nacional, e dá Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em:
outras providências. D.O.U., Brasília, www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
26 jul. 2004. Disponível em: <www. L9394.htm. Acesso em: 30 jun. 2017.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
_____. Lei nº 13.005, de 25 de ju-
2006/2004/Decreto/D5154.htm>.
nho de 2014. Aprova o Plano Nacio-
Acesso em: 5 ago. 2017.
nal de Educação – PNE – e dá outras
providências. DOU, Brasília, 26 jun.

86
2014. Disponível em: <http://www. dio. Brasília: 1999.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso _____. Conselho Nacional de Educa-
em: 23 jun. 2017. ção. Parecer CNE/CEB nº 5, de 4 de
maio de 2011. Trata das Diretrizes
_____ . Lei nº 13.415, de 16 de feve- Curriculares Nacionais para o Ensino
reiro de 2017. Conversão da Medida Médio. Brasília: 2011.
Provisória nº 746, de 2016. Altera as
Leis nos 9.394, de 20 de dezembro _____. Conselho Nacional de Edu-
de 1996, que estabelece as diretri- cação. Parecer CNE/CEB nº 11, de 9
zes e bases da educação nacional, de maio de 2012. Trata das Diretrizes
e 11.494, de 20 de junho 2007, que Curriculares Nacionais para a Educa-
regulamenta o Fundo de Manuten- ção Profissional Técnica de Nível Mé-
ção e Desenvolvimento da Educação dio. Brasília: 2012.
Básica e de Valorização dos Profissio-
_____. Conselho Nacional de Educa-
nais da Educação, a Consolidação das
ção. Resolução CNE/CEB nº 3, de 26
Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo
de junho de 1998. Institui as Diretri-
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio
zes Curriculares Nacionais para o En-
de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de
sino Médio. Brasília: 1998. Disponível
28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei
em: <http://portal.mec.gov.br/cne/
no 11.161, de 5 de agosto de 2005;
arquivos/pdf/rceb03_98.pdf>. Aces-
e institui a Política de Fomento à Im-
so em: 4 jul. 2017.
plementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral. _____. Conselho Nacional de Educa-
ção. Resolução CNE/CEB nº 4, de 8
_____. Conselho Nacional de Educa-
de dezembro de 1999. Institui as Di-
ção. Parecer CNE/CEB nº 15, de 1º
retrizes Curriculares Nacionais para a
de junho de 1998. Trata das Diretri-
Educação Profissional. Brasília, 1999.
zes Curriculares Nacionais para o En-
Disponível em: <http://portal.mec.
sino Médio. Brasília: 1998.
gov.br/dmdocuments/rceb004_99.
_____. Conselho Nacional de Educa- pdf>. Acesso em: 29 jun. 2017.
ção. Parecer CNE/CEB nº 16, de 5 de
_____. Conselho Nacional de Edu-
outubro de 1999. Trata das Diretrizes
cação. Resolução CNE/CEB nº 2, de
Curriculares Nacionais para a Educa-
30 de janeiro de 2012. Define Dire-
ção Profissional Técnica de Nível Mé-
trizes Curriculares Nacionais para

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 87


o Ensino Médio. D. O. U., Brasília, 31 COLETIVO SOCIAL. Diretrizes cur-
jan. 2012, Seção 1, p. 20. Disponível riculares nacionais para a Edu-
em: <http://www.sinepe-pe.org.br/ cação Profissional Técnica de
wp-content/uploads/2012/05/Reso- Nível Médio em debate. Texto
lucao_CNE_02_2012_Ensino_Medio. para discussão. Brasília. 2010. Dis-
pdf>. Acesso em: 8 jul. 2017. ponível em: <https://www.google.
com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&-
_____. Conselho Nacional de Edu- source=web&cd=1&ved=0CC0Q-
cação. Resolução CNE/CEB nº 6, FjAA&url=http%3A%2F%2Fportal.
de 20 de setembro de 2012. Define mec.gov.br%2Findex.php%3FIte-
Diretrizes Curriculares para a Educa- mid%3D%26gid%3D6695%26op-
ção Profissional. D.O.U., Brasília, 21 tion%3Dcom_docman%26task%3D-
set. 2012, Seção 1, p. 22. Disponível doc_download&ei=6ji3UdXXHKSU-
em: http://curitiba.ifpr.edu.br/wp- 0QH36oGABw&usg=AFQjCNESIC_
content/uploads/2011/06/resolu%- w0T Tz_QgJ2RlvQgoLvX9MWw&-
C3%A7%C3%A3o-DIRETRIZES-EDU- sig2=Tgsq7ao2veKIMVumWMnM-
CACAOPROFISSIONAL-6_12-ATUAL. 3g&bvm=bv.47534661,d.dmQ>.
pdf. Acesso em: 8 jul. 2017 Acesso em: 6 jul. 2017.
_____. MEC. Conselho Nacional de FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,
Educação. Texto preliminar das M. (Org.). Ensino Médio integrado:
Diretrizes Curriculares Nacionais concepção e contradições. São Pau-
para a Educação Profissional Téc- lo: Cortez, 2005.
nica de Nível Médio. Brasília: CNE,
2010. Texto do relator Francisco A. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,
Cordão, que esteve em discussão M. (org.). Ensino Médio: ciência, cul-
entre 2011 e 2012, e foi substituído. tura e trabalho. Brasília: MEC, Sem-
Disponível em: http://forumeja.org. tec, 2004.
br/sites/forumeja.org.br/files/ver-
saopreliminaraudipublinaciona.pdf. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra
Acesso em: 8 jul. 2017. de Domicílio. PNAD 2013. Síntese
dos Indicadores Sociais. Disponível
_____, MEC. Parâmetros Curricula- em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/
res Nacionais para o Ensino Médio. visualizacao/livros/liv91983.pdf>.
Brasília: MEC, 1999. Acesso em: 7 ago. 2017.

88
INEP. Censo escolar da Educação
Básica 2016. Disponível em <http://
portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 5
ago. 2017.

MOVIMENTO NACIONAL EM Defe-


sa do Ensino Médio. Manifesto “Não
ao esfacelamento do Ensino Médio”.
Disponível em: <http://www.ob-
servatoriodoensinomedio.ufpr.br/
wp-content/uploads/2014/05/ Ma-
nifesto-Movimento-sobre-a-MP-do
-Ensino-M%C3%A9dio.pdf>. Acesso
em: 2 jul. 2017.

SILVA, Monica Ribeiro. Currículo e


Competências: a formação adminis-
trada. São Paulo: Cortez, 2008.

SILVA, Monica Ribeiro; BERNARDIM,


Marcio Luiz. Políticas Curriculares
para o Ensino Médio e para a Educa-
ção Profissional: propostas, contro-
vérsias e disputas em face das pro-
posições do Documento Referência
da Conae 2014. Jornal de Políticas
Educacionais, n. 16, p. 23–35, jul./
dez. 2014.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 89


O ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: AVANÇOS E DESAFIOS

Danielle de Sousa Santos¹, Cristiane Letícia Nadaletti², Marta Senghi Soares³


¹ Instituto Federal de São Paulo e Unicamp,
² Instituto Federal de São Paulo e USP,
³ Instituto Federal de São Paulo
E-mail: deb@ifsp.edu.br

1. INTRODUÇÃO Salientamos que os Institutos


Federais têm como um de seus fun-
A Lei n° 11.892/2008, que institui damentos a verticalização, da educa-
a Rede Federal de Educação Profis- ção básica à educação superior. Dois
sional, Científica e Tecnológica e cria fatores que parecem recorrentes são
os Institutos Federais de Educação, a dificuldade de compreensão dessa
Ciência e Tecnologia, prevê que no característica peculiar que implica
mínimo 50% das vagas dos Institu- que os docentes atuem em diferen-
tos Federais devem ser ofertadas tes níveis de ensino e a apropriação
na educação profissional técnica de da concepção de um currículo que
nível médio, prioritariamente na for- articula trabalho, ciência e cultura na
ma integrada. A prioridade da for- perspectiva da emancipação huma-
ma integrada em relação às demais, na. Trata-se de um projeto ousado
subsequente ao Ensino Médio ou que pretende agregar à formação
concomitante a essa etapa da Educa- acadêmica a preparação para o tra-
ção Básica, evidencia a estratégia da balho, subvertendo a histórica duali-
Lei de criação dos Institutos Federais dade entre formação geral e forma-
(IFs) no que diz respeito à vinculação ção profissional, em uma estrutura
entre desenvolvimento econômico educacional diversa daquela em que
e a elevação da escolarização dos a maioria dos trabalhadores em edu-
jovens da classe trabalhadora, por cação provém.
meio da ampliação do acesso a uma
Nosso objetivo é apresentar um
educação que busca superar a dua-
panorama da oferta e das matrículas
lidade que separa trabalho formal e
dos cursos de Ensino Médio Integra-
trabalho intelectual.

90
do (EMI) relacionado com a discus- forma pela qual o homem se relacio-
são sobre a potencialidade desses na com a natureza, pois diante dela,
cursos como uma possibilidade de faz juízo de valor e age no sentido
educação pública de qualidade para de transformá-la em seu favor. (Paro,
os jovens brasileiros. O texto é cons- 2016. p. 27).
truído considerando os avanços e O conhecimento entendido no
desafios para a democratização do sentido e caráter aproximativo da
Ensino Médio Integrado. plenitude da realidade, só se torna
Nesse trabalho recorremos a uma verdadeiramente adequado quando
pesquisa quantitativa de dados re- chega a descobrir suas leis imanen-
ferentes às matriculas e à oferta dos tes e atingindo a mais elevada forma
cursos de EMI, em âmbito nacional à qual se possa pretender (Lukács
e no Instituto Federal de Educação, 2011, p. 28-33). O conhecimento se
Ciência e Tecnologia de São Paulo apresenta como uma ação humana
(IFSP), além de pesquisa bibliográfi- social que só pode ser compreen-
ca. dida enquanto processo, pois está
relacionado ao que o homem como
2. BREVE DISCUSSÃO DO ENSI- ser social busca conhecer para trans-
formar parte da natureza. Nesse sen-
NO MÉDIO INTEGRADO NO BRASIL
tido, o conhecimento nunca é algo
Educação e trabalho são ques- desinteressado, sempre interessa
tões inseparáveis. A educação é um aos indivíduos em sociedade. A bus-
processo que se confunde com a ca pelo conhecimento se caracteriza
própria história do homem e tem como algo evidentemente progres-
como elementos fundamentais o co- sista, pois pelo processo de trabalho
nhecimento e o trabalho. Diante dis- os homens e mulheres em sociedade
to, é interessante compreendermos buscam constantemente aprimorar
melhor cada uma destas categorias. suas relações sociais. Essa busca nos
permite a superação da ignorância,
O trabalho, atividade exclusiva-
do senso comum e nos dá condições
mente humana, em seu sentido mais
objetivas para a construção de socie-
amplo, consiste na capacidade de re-
dades cada vez mais desenvolvidas
alizar uma atividade adequada a um
em seu sentido integral.
fim, isto requer capacidade de plane-
jamento. Além disto, o trabalho é a Por outro lado, a organização do

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 91


sistema educacional, assim como o Não obstante, Frigotto, Ciavata e
conhecemos atualmente é um ad- Ramos (2012) chamam atenção para
vento do capitalismo, é praticamen- um aspecto contraditório da imple-
te impossível imaginar o desenvol- mentação do Ensino Médio Integra-
vimento da sociedade atual sem um do à Educação Profissional como
sistema educacional que o dê sus- uma política educacional que se pro-
tentação. põe superar a dualidade estrutural
Nessa perspectiva, o acesso dos que historicamente separou o Ensino
jovens estudantes da classe traba- Médio regular da Educação Profissio-
lhadora ao Ensino Médio técnico nal, posto que, na mesma semana
integrado nos IFs pode ser compre- da aprovação do Decreto 5.154/04,
endido como um mecanismo do Es- que possibilitou novamente a ofer-
tado que tem como objetivo concre- ta do Ensino Médio Integrado e que
tizar um projeto de transformação avançou na perspectiva da educação
social e, ao mesmo tempo, segundo politécnica o MEC anunciou uma
essa lógica, significar melhores opor- reestruturação que separou “de um
tunidades para esses jovens. lado, a Secretaria de Educação Básica
e, de outro, a Secretaria de Educação
Sabe-se que o lugar de destaque, Profissional e Tecnológica”, ambas
na legislação, do Ensino Médio in- com responsabilidade sobre o Ensi-
tegrado como política pública edu- no Médio (p.45). Tal reestruturação
cacional é resultado de uma longa explicita um contrassenso em face
disputa em torno da relação entre da concepção de integração pre-
Ensino Médio e educação profissio- vista nos documentos de diretrizes
nal, tendo como centralidade a ques- e orientação para implementação
tão da politecnia. Nesse contexto, a do EMI. Queremos com isso, obser-
integração aparece como solução var que a consolidação da oferta do
provisória para superação da duali- EMI é perpassada por contradições e
dade que até então marcou o Ensi- obstáculos.
no Médio no Brasil, uma vez que, a
necessidade do trabalho faz parte Nesse, sentido, dados relativos às
da realidade de muitos jovens estu- matrículas no EMI no Brasil, extraídos
dantes brasileiros, o que dificulta a dos resumos técnicos do Censo Esco-
implementação da politecnia em seu lar da Educação Básica e das sinop-
sentido pleno. ses estatísticas da Educação Básica,
disponíveis no site Instituto Nacional

92
de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP)1 apontam para Conforme dados do INEP, orga-
significativo avanço da oferta do EMI. nizados na Tabela 1, em 2015, o EMI

Tabela 1 - Número de Matrículas no Ensino Médio


Região Geográ- Ensino Médio* Integrado Percentual de
fica Ano (2015) Integrado
Brasil 8.074.881 391.766 5%
Norte 789.314 24.229 3%
Nordeste 2.213.909 163.846 7%
Sudeste 3.352.638 117.984 4%
Sul 1.101.292 64.534 6%
Centro-Oeste 617.728 21.173 3%
Fonte: MEC/Inep/Deed
*Inclui matrículas no Ensino Médio Propedêutico, Normal/
Magistério e Curso Técnico Integrado (Ensino Médio Inte-
grado) de Ensino Regular. Organizado pela pesquisadora.

Tabela 2 – Evolução das Matrículas do EMI por região geográfica e por ano
Região
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Geográfica
Brasil 132.519 175.831 215.718 257.736 298.545 338.390 366.959 391.766
Norte 8.369 11.043 14.843 18.366 19.786 21.973 23.468 24.229
Nordeste 56.719 73.028 90.250 109.795 127.346 145.198 150.691 163.846
Sudeste 35.315 50.275 56.150 63.160 75.205 90.831 107.173 117.984
Sul 28.701 33.668 41.865 49.058 56.175 60.329 64.932 64.534
Centro- 3.415 7.817 12.665 17.357 20.033 20.059 20.695 21.173
Oeste

Fonte: MEC/Inep/Deed

1 Os arquivos referentes aos dados utilizados nesse texto, disponíveis no site do INEP, não
apresentam os mesmos dados para cada ano de analise o que explica a atualização de perí-
odos diferentes em algumas análises.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 93


representava 5% do total de matrícu- a com o maior número de matrículas:
las dessa etapa de ensino. A análise em 2015, representava 42% do total
desse dado não pode prescindir da de matrículas do Brasil. Tal resultado
verificação da trajetória de cresci- pode ser justificado pela política de
mento do mesmo, no Brasil, que, em criação e expansão da Rede Federal
2008, era 132.519 e atingiu, em 2015, e por outras políticas e ações imple-
391.766, quase triplicando o número mentadas nos últimos anos que vi-
de matrículas no período. Em relação sam à ampliação da educação profis-
ao número de matrículas no EMI por sional no país.
Região Geográfica, observamos que Na Tabela 3, referente ao ano de
a região Nordeste destaca-se por ser 2015, observamos que é nas redes

Tabela 3 - Matrículas por região e dependência administrativa


Região Geográfica Ensino Médio Integrado – 2015
Total Geral Federal Estadual Municipal Privada
Brasil 391.698 133.542 224.722 9.798 23.636
Norte 24.229 14.590 7.586 308 1.745
Nordeste 163.791 49.667 110.002 1.051 3.071
Sudeste 117.984 35.185 58.852 8.318 15.629
Sul 64.522 21.853 41.232 - 1.437
Centro-Oeste 21.172 12.247 7.050 121 1.754
Fonte: MEC/Inep/Deed

estaduais que se concentram o maior tro-Oeste 58% do total.


número de matrículas do EMI, repre- Aqui é preciso ressaltar que o
sentando 57% do total geral no Bra- movimento das matrículas no EMI é
sil, enquanto a rede federal é respon- destoante do observado no Ensino
sável por 34% destas. Essa tendência Médio, de forma geral, conforme os
se confirma na maioria das regiões, dados do Censo de 2013, “número
com exceção das regiões Norte e de matrículas no Ensino Médio man-
Centro-Oeste, nas quais a rede fede- teve-se praticamente estável no pe-
ral é responsável pelo maior número ríodo de 2007 a 2013, apresentando
das matrículas. No caso da região queda de 0,8% (64.037 matrículas)”.
Norte, as matrículas na rede federal
representam 60% do total e no Cen- Outro elemento de grande rele-

94
vância, nos dados do Censo de 2013, possibilidade de formação educacio-
é o crescimento de 9,4% no núme- nal de qualidade para os jovens da
ro de concluintes do ensino funda- classe trabalhadora.
mental entre 2007 e 2013, dado que Não obstante a proeminência das
também contrasta com os indicado- políticas voltadas para ampliação
res de matrícula do Ensino Médio, o do EMI no Brasil, é possível identifi-
que pode indicar, segundo o resumo car alguns obstáculos para sua con-
técnico do Censo Escolar 2013, que solidação. Esses obstáculos estão
o Ensino Médio não está captando relacionados, por um lado, com as
de forma eficaz os concluintes do dificuldades encontradas para a im-
fundamental. Segundo a referida plementação do currículo integrado;
publicação, esse quadro aponta para e, por outro, pela permanente dispu-
potencialidade do EMI em atender às tas e tensões entre distintos projetos
expectativas dos jovens no Brasil. de educação, e consequentemente
Estratégias como a ampliação da de sociedade, o que mais uma vez,
educação profissional integrada
ao Ensino Médio (grifos nossos) demonstra a distância entre o objeti-
– com a apropriada flexibilização vo das políticas e seus resultados.
e diversificação curricular, conside-
rando as aptidões e expectativas de
formação profissional e educacional 3. O ENSINO MÉDIO INTEGRADO
dos estudantes e em sincronia com
os arranjos produtivos locais – po-
NO IFSP
dem tornar o Ensino Médio mais
atrativo, permitindo que o aluno No que tange à questão da oferta
do EMI, verificamos que o cenário de
vislumbre nessa etapa não apenas o
caminho para a educação superior,
disputa e contradição também pode
mas também uma possibilidade
ser observado no âmbito do IFSP,
concreta de qualificação para o tra-
balho. (INEP 2013, p.20-21) uma vez que, apesar do disposto na
Lei de criação dos Institutos Fede-
rais (Nº 11892, de 29 de dezembro
Entendemos que a proposta de
de 2008), até 2012, dos 25 campi em
implementação do EMI, a partir de
funcionamento no IFSP apenas 06
uma concepção que busca a supe-
unidades ofertavam essa forma de
ração do dualismo educacional, ins-
ensino. Tal quadro não é exclusivi-
creve-se na perspectiva de constru-
dade do IFSP, como demonstra Moll
ção de um sistema de ensino mais
(2010), no que tange ao aumento da
democrático, que emerge como uma
oferta do EMI. A partir de 2005, ob-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 95


servou-se que na maioria das insti- ções de ensino;
tuições que compõem a Rede Fede- c) concomitante na forma, uma
ral, prevaleceu a oferta dos cursos do vez que é desenvolvida simulta-
ensino superior, incluindo pós-gra- neamente em distintas institui-
duação (p.77). ções educacionais, mas integrada
É importante considerar que a no conteúdo, mediante a ação de
Resolução CNE/CEB Nº 6/2012, que convênio ou acordo de intercom-
define Diretrizes Curriculares Nacio- plementaridade, para a execução
nais para a Educação Profissional de projeto pedagógico unificado;
Técnica de Nível Médio, art. 7º dispõe II. subsequente, desenvolvida
que a oferta da educação profissio- em cursos destinados exclusiva-
nal técnica de nível médio pode ser mente a quem já tenha concluído
desenvolvida nas formas articulada e o Ensino Médio. (Brasil, 2012)
subsequente ao Ensino Médio, como
segue:
I. a articulada por sua vez, é de- No entanto, em 2012, o IFSP es-
senvolvida nas seguintes formas: tabeleceu um acordo de cooperação
com a Secretaria Estadual de Educa-
a) integrada, ofertada somen- ção de São Paulo ofertando cursos
te a quem já tenha concluído o indevidamente denominados como
Ensino Fundamental, com matrí- integrados em parceria com escolas
cula única na mesma instituição, estaduais em discordância com dis-
de modo a conduzir o estudante à posto no item (c) do referido artigo;
habilitação profissional técnica de uma vez que, a oferta dos cursos de-
nível médio ao mesmo tempo em senvolvidos simultaneamente em
que conclui a última etapa da Edu- distintas instituições, mesmo que in-
cação Básica; tegrada no conteúdo, caracterizam-
b) concomitante, ofertada a se como concomitante na forma, e
quem ingressa no Ensino Médio não como oferta integrada. A oferta
ou já o esteja cursando efetuando- desses cursos foi apreciada no Pa-
se matrículas distintas para cada recer CNE/CEB nº 12/2011 favorável
curso, aproveitando oportunida- aos acordos de cooperação técnica,
des educacionais disponíveis, seja entre a Rede Estadual de Ensino de
em unidades de ensino da mesma São Paulo, o Centro Estadual de Edu-
instituição ou em distintas institui- cação Tecnológica Paula Souza e o

96
IFSP, por meio de “projetos pedagó- ção social do IFSP, por outro lado,
para os mais críticos, isso foi enten-
gicos unificados”, em regime de in-
dido como um abandono do Institu-
tercomplementaridade. Segundo o to do seu projeto de oferecimento
referido Parecer, a unificação das ma- de cursos integrados próprios e um
descumprimento da lei de forma-
trículas e da certificação justificaria
ção dos institutos. (IFSP, 2013)
do ponto de vista legal o caráter inte-
grado da oferta desses cursos. Outra
justificativa dada no parecer seria a Cabe aqui também destacar que
caracterização dos cursos no “regime não há consenso no IFSP em torno
de experiência pedagógica”, como da exigência da oferta de 50% das
prever o art. 81 da Lei de Diretrizes vagas ofertadas para educação pro-
e Bases da Educação Nacional (LDB). fissional técnica de nível médio: há
Apesar da aprovação do Parecer pela grupos que defendem que este per-
Câmara de Educação Básica, para centual deve ser aplicado ao total
além das questões legais, parece- geral vagas da instituição, o que sig-
nos válido concluir que no caso do nifica na prática, que nem todos os
IFSP tal acordo não passou de uma campi precisariam cumprir a deter-
tentativa de eximir-se da obrigação minação se na somatória de todas as
legal de ofertar os cursos integrados vagas de todos os campi o resultado
próprios. for alcançado.
Nossa avaliação encontra resso- Neste contexto, o PDI acima men-
nância no disposto no Plano de De- cionado, estabelece como um dos
senvolvimento Institucional (PDI) do objetivos da pró-reitora de Ensino2
IFSP, referente ao período de 2014 a “Priorizar, em relação ao Ensino Mé-
2018, que aponta para uma mudan- dio Técnico, a oferta de cursos Inte-
ça de posicionamento em relação a grados Próprios em todos os campi”.
essa questão: Para tanto foram estabelecidas como
Em 2012, o IFSP, em colaboração metas: a) Orientar levantamento es-
com a Secretaria de Educação do tatístico da situação e projeções das
Estado de São Paulo, iniciou um pro-
grama de oferecimento de cursos necessidades dos campi - execução
técnicos para alunos matriculados 2014; b) Orientar planejamento de
na rede estadual. Se isso foi enten- implantação, verificando os requisi-
dido como um atendimento da fun-

2 A estrutura organizacional do IFSP contempla a Reitoria e 05 Pró-reitorias: Ensino, Exten-


são, Pesquisa e inovação, Administração e Desenvolvimento institucional.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 97


tos necessários, como infraestrutura, to dos cursos integrados nos campi -
recursos humanos e materiais - exe- execução 2014-2018 (IFSP, 2013).
cução 2014-2018; c) Acompanhar a Na tabela 4, verificamos que no
implementação e o desenvolvimen- âmbito da educação básica, em 2014

Tabela 4 - Evolução da oferta de cursos por nível de ensino no IFSP


Tipo de oferta 2011 2012 2013 2014 2015 2016*
Concomitante/Sub- 17 19 19 17 22 25
sequente
Integrado Próprio** 7 7 7 9 13 20
Integrado PROEJA 2 2 2 2 2 3
Parceria com a SEE 0 18 16 11 3 2
Total de cursos Ed. 31 47 45 40 41 50
Básica

Fonte: Anuário IFSP nº 01 período: 2011 a 2015 e Site do IFSP


* Dados referentes aos cursos da Educação Superior, do ano de 2016,
não foram localizados.
** O termo “próprio” foi utilizado para diferenciar dos cursos ofertados
por meio da parceria com a SEE.

eram ofertados 17 cursos na forma próprios correspondendo a 40% do


Concomitante/Subsequente o que total, enquanto os cursos Concomi-
representavam 43% da oferta, os 09 tante/Subsequentes passaram a re-
cursos Integrados representavam presentar 23% do total, os cursos em
23% do total da oferta, os 11 cursos parceria com SEE 20% e os cursos na
da parceria com SEE representavam modalidade PROEJA apenas 3% do
28% e os 02 cursos na modalidade total.
PROEJA 8% do total da oferta. Em Na Tabela 5, observamos que
2016, houve considerável amplia- de 2012 a 2014 o número de campi
ção da oferta de cursos integrados

98
Tabela 4 - Evolução da oferta de cursos por nível de ensino no IFSP
Ano Número total de Número de campi Percentual de
campi (incluindo com oferta de EMI campi com oferta
avançados) de EMI
2012 25 5 20%
2013 25 5 20%
2014 25 7 28%
2015 28 12 43%
2016 30 23 77%
2017 35 32 91%
Fonte: IFSP - Editais dos processos seletivos
que ofertava cursos de EMI, no IFSP, pliação da oferta dos cursos EMI que
aumentou de 5 para 7, apenas 2 uni- os objetivos preconizados no PDI
dades a mais, o que representava 2014-2018 foram utilizados como re-
apenas 20% do total de campi. Em ferência para a proposição de novos
2015 12 campi passaram a ofertá-los, cursos. A atualização do PDI, conclu-
representando 43%. Em 2016, dos 30 ída no primeiro semestre deste ano,
campi 23 ofertavam EMI, o que re- indica que os campi que não ofere-
presenta 87% do total de unidades, cem cursos EMI o farão a partir de
Já em 2017, dos 35 campi do IFSP 32 2018.
ofertam os cursos Integrados, o que A tabela 7 demostra que no pe-
representa 91% do total. Podemos ríodo de 2011 a 2016, houve um au-
afirmar a partir da verificação da am-
Tabela 6 – Matrículas por cursos no IFSP 2015-2017

Cursos Técnicos de Nível


2015 2016 2017
Médio
Concomitante ou Subsequente 7093 8543 7781
Concomitante ou Subsequente
53 139 40
– Ead
Concomitante ou Subsequente
2177 304 1630
- Rede e-tec Brasil
Integrado 4593 6639 4828
Proeja – Integrado 40 227 223
TOTAL 13956 15852 14502

Fonte: IFSP, SISTEC/MEC

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 99


Tabela 7 – Relação de candidatos por vagas nos cursos EMI IFSP

Ano Vagas Inscritos Relação candidato/vaga


2011 760 8027 10.6
2012 680 5599 8.2
2013 680 5864 8.6
2014 720 5414 7.5
2015 1280 6521 5.1
2016 2210 12477 5.6
Fonte: IFSP, SISTEC/MEC

mento de 1.450 vagas, sendo que o O exame dos números acima cor-
período de maior crescimento foi en- robora com a nossa análise de que a
tre os anos de 2014 a 2016, conforme oferta dos cursos EMI se insere em
previsto no PDI. Os dados aqui colo- um contexto de disputas e contradi-
cados, juntamente com os apresen- ções acerca do modelo de educação
tados na tabela 6, mostram que, em e de sociedade. Porém, observa-se
tendência, quando novos campi pas- que a ampliação de vagas nesses
sam a ofertar os cursos há também cursos está vinculada a uma forte
aumento pela procura. Isso pode ser demanda social, ainda não atendi-
observado pelo aumento de inscri- da plenamente pela instituição. Essa
tos do ano de 2015 para o de 2016, demanda social aponta uma poten-
que cresceu em 5.956, número visi- cialidade tanto para o aumento de
velmente mais expressivo que nos vagas como para a própria expansão
anos anteriores. Esse aumento coin- da instituição.
cide com o período em houve maior Contudo, ainda que se leve em
número de campi que passaram a conta o incremento da oferta dos
ofertar cursos EMI. Os dados mais cursos integrados no IFSP, é apro-
significativos da tabela 7 demons- priado inferir que a conjuntura polí-
tram que, mesmo com o considerá- tica foi um importante vetor para a
vel aumento no número de vagas, mudança da política institucional. As
ainda há demanda reprimida, pois o mudanças no cenário político, que
número de vagas ofertadas é muito ocorreram em 2016, trouxeram gran-
menor do que o número de jovens des incertezas para a rede federal de
inscritos. ensino, isto porque, ainda não são

100
claras quais serão as políticas do go- Aqui se faz necessária uma ex-
verno Temer com relação à rede3. É posição, mesmo que concisa, sobre
possível que a aposta estratégica do a realidade ora vivenciada que é a
IFSP na oferta dos cursos de Ensino aprovação da reforma do Ensino
Médio Integrado deva-se também ao Médio proposta pela equipe do Mi-
reconhecimento social desses cur- nistério da Educação do governo de
sos, e acrescente-se o destaque dos Michel Temer. É sabido que as refor-
mesmos nas avaliações externas4. mas nos sistemas de ensino são fru-
Acreditamos que a aposta na conso- tos de conflitos ideológicos em torno
lidação da rede passa pelo fortaleci- das disputas por diferentes projetos
mento do reconhecimento social da de sociedade. São justamente es-
mesma. ses conflitos que estão no centro
das discussões da atual reforma do
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS Ensino Médio no Brasil. Tal reforma
representa um retrocesso para edu-
INCERTEZAS PROVOCADAS PELA
cação brasileira, posto que retoma o
LEI Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO modelo da Lei 5.692/71 do período
DE 2017 da ditadura militar, ao apostar em
“flexibilização”, por meio de “itinerá-

3 Além disso, a redução orçamentaria, já em iniciada em 2015, em razão da situação econô-


mica do país, pode comprometer o funcionamento de alguns campi. Como destacou o pre-
sidente do CONIF Marcelo Bender Machado, em entrevista para o jornal Correio Braziliense,
em 25 de setembro de 2016, nas palavras do então presidente: “caso o MEC não reavalie o
orçamento a ser repassado às escolas em 2017, alguns câmpus podem não conseguir se
manter, e a oferta de cursos estará em risco”. Segundo o jornal, em 2017 seriam necessários
R$ 3,7 bilhões para a manutenção dos institutos, dados do Conif, e a contraproposta do
MEC foi de R$ 2,1 bilhões, R$ 1,6 bilhões a menos.
4 Os resultados da edição de 2015 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(PISA, na sigla em inglês), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimen-
to Econômico (OCDE), apontam que, se fosse um país, a Rede Federal estaria entre os pri-
meiros colocados nas áreas analisadas – matemática, leitura e ciências. A cada três anos,
o PISA testa os conhecimentos de estudantes na faixa de 15 anos de idade. Em ciências, a
Rede Federal alcançou 517 pontos, bem acima da média de 401 atingida pelo Brasil – que
soma as notas obtidas pelos estudantes das redes Federal, Estadual e Particular –, o que a
colocaria na 11ª posição no cenário mundial, à frente de países como Coreia do Sul, Estados
Unidos e Alemanha. Já em Leitura, a pontuação (528) seria suficiente para atingir a segunda
colocação entre os 71 países e territórios analisados, ficando atrás apenas de Singapura.
Em matemática, a nota da Rede foi de 488, superior à média geral do Brasil, que foi de 377
pontos. Fonte: CONIF

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 101


rios formativos diversificados”, que riais das escolas, a formação e as con-
na verdade segmenta, diferencia e dições de trabalho dos professores,
hierarquiza o conhecimento, isto entre outras questões. Outro ponto
porque, entre outras coisas, a propa- que merece destaque da reforma
gada possibilidade de escolhas, que diz respeito aos recursos públicos.
jovens estudantes do Ensino Médio Sabemos que a ampliação da oferta
teriam, ficam limitadas às possibili- do Ensino Médio em Tempo Integral,
dades de ofertas das redes de ensino, como prevê a reforma, requer gran-
em especial as redes estaduais. des investimentos, o que representa
Conforme a nova redação do Ar- uma clara dissonância com a medida
tigo 36 da LDB, o currículo do Ensino aprovada pelo atual governo, que
Médio será composto pela Base Na- congela os gastos públicos, por até
cional Comum Curricular, ainda a ser 20 anos; e os limita ao orçamento do
definida, e por itinerários formativos ano anterior apenas corrigido pela
específicos, a serem definidos pelos inflação, trazendo como consequ-
sistemas de ensino, com ênfase nas ência menos recursos a serem inves-
seguintes áreas de conhecimento: tidos em educação saúde, e outros
Linguagens, Matemática, Ciências da direitos sociais.
Natureza, Ciências Humanas e for- No que tange à formação profis-
mação técnica e profissional. Ao seg-sional, a atual reforma pode invia-
mentar a oferta e ao reduzir a carga bilizar o processo de expansão dos
horária destinada ao cumprimento IFs bem como a oferta do EMI. Em
da Base Nacional Comum Curricular primeiro lugar, porque a previsão da
para no máximo de mil e duzentas oferta da formação profissional ape-
horas do total da carga horária do nas como ênfase contrapõe-se aos
Ensino Médio, essa reforma nega a princípios da educação integrada.
ideia de uma formação básica para Além disso, são conhecidas as dificul-
todos os jovens. dades estruturais da maioria das re-
Ademais consideramos equivo- des de ensino, tanto no que se refere
cada a centralidade dada pela re- às condições materiais, dentre elas
forma à questão do currículo, posto a falta de professores. Diante des-
que, desconsidera outras questões se quadro, cabe questionar de que
importantes como a qualidade do modo as diferentes redes de ensino
ensino, as condições físicas e mate- poderiam ofertar a formação profis-
sional? A resposta para essa questão

102
pode ser encontrada no próprio tex- na educação profissional.
to da reforma, como segue: Ademais, a Medida Provisória
§ 10. A critério dos sistemas de en- 746/2016 transformada na Lei nº
sino, a oferta da formação técnica e
profissional considerará: 13.415/2017 não apresenta altera-
I - a inclusão de experiência prática
ções na “Seção IV-A” que trata da Edu-
de trabalho no setor produtivo ou cação Profissional Técnica de Nível
em ambientes de simulação, esta- Médio, incluída pela Lei 11.741/2008.
belecendo parcerias (grifos nos-
sos) e fazendo uso, quando aplicá-
Não constam também novas propo-
vel, de instrumentos estabelecidos sições na “Seção V” que trata da Edu-
pela legislação sobre aprendizagem cação de Jovens e Adultos e para o
profissional; e
“Capítulo III” que trata da Educação
II - a possibilidade de concessão de profissional. O silenciamento da ma-
certificados intermediários de qua-
lificação para o trabalho, quando a téria no que tange à Educação Profis-
formação for estruturada e organi- sional traz ainda mais incertezas para
zada em etapas com terminalidade. o futuro da oferta do EMI, bem como

para o futuro da própria Rede Fede-


ral de Ensino.
Do texto acima citado, pode-se
concluir, em primeiro lugar, que para
atender a oferta da formação técnica 5. CONCLUSÕES
e profissional, a reforma propõe um
Em suma, compreendemos que a
aligeiramento dessa formação; em
reforma do Ensino Médio proposta,
segundo lugar, que a proposição de
no contexto de supressão de direitos
parcerias possibilita a utilização de
sociais e redução de investimentos
financiamento público no setor pri-
públicos, representa grande retro-
vado, o que significa transferir recur-
cesso e aprofundamento das desi-
sos públicos e a responsabilidade da
gualdades sociais, dado que, entre
formação para o setor privado. Ainda
outras coisas a reforma segmenta e
no âmbito da educação profissional,
hierarquiza a formação dos jovens
a reforma prevê a contratação de
brasileiros. Além de tudo, destaca-
profissionais com notório saber para
mos o caráter antidemocrático e au-
ministrar conteúdos de áreas afins à
toritário da reforma, uma vez que,
sua formação ou experiência profis-
desconsidera todo o debate acumu-
sional, o que representa na prática a
lado por diferentes setores e movi-
desvalorização e a precarização da
mentos sociais em torno da questão,
formação dos professores que atuam

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 103


especialmente por desconsiderar o te aspecto a ser considerado é o da
diálogo com a juventude e seus an- formação inicial e continuada dos
seios expressos nos últimos tempos professores. Isso se aplica tanto aos
nos movimentos de ocupações da professores das disciplinas espe-
escola. Outrossim, consideramos cíficas, que não tenham formação
que a reforma proposta pelo gover- específica para a docência, e dos
no Temer tem como objetivo princi- professores da formação geral, que
pal atender aos interesses dos seto- precisam se apropriar das especifici-
res produtivos. dades da EMI.
Neste trabalho, vimos que o EMI A experiência do IFSP na oferta
apresenta-se como uma alternativa da EMI reitera o que afirmam Cia-
de educação capaz de colaborar com vatta e Ramos, pois segundo elas, as
a superação das desigualdades edu- dificuldades para a concretização de
cacionais que marcam grande parte um projeto de formação integrada
da nossa juventude. exigem “a superação da mentalidade
Mesmo diante das incertezas do conservadora dos padrões pedagó-
atual momento histórico, em nossa gicos vigentes, assim como de posi-
compreensão, a expansão da oferta ções políticas adversas ao discurso
do Ensino Médio Integrado para as da formação integrada e da educa-
diferentes regiões do estado de São ção emancipatória que tenha base
Paulo, onde estão localizadas as 35 na crítica à sociedade de mercado”;
unidades do IFSP, seja pela deman- gestão democrática; estudo e quali-
da provocada pelo contexto político ficação conceitual e prática dos pro-
mais amplo, seja por meio de uma fessores; condições materiais e con-
mudança institucional mais coerente dições de trabalho, e compromisso
com marco legal de criação dos IFs, com as instituições.
representa um avanço importante. Nessa perspectiva, tornam-se
Para além dos desafios e contra- centrais as discussões referentes à
dições que a implementação da Edu- democratização dessa forma de ofer-
cação Integrada traz em seu bojo, ta do Ensino Médio, a produção de
também permanecem, no caso dos conhecimento sobre o processo e os
IFs, os desafios referentes às condi- resultados produzidos pela Rede Fe-
ções de acesso, permanência e êxito deral, como forma de reafirmar seu
dos jovens das classes trabalhado- compromisso ético e político pela
ras a esses cursos. Outro importan- construção de uma sociedade mais

104
justa e fraterna. CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino
Médio e Educação Profissional no
REFERÊNCIAS Brasil: Dualidade e fragmentação.
Retratos da Escola, v. 5, p. 27-41, 2011
BRASIL, Decreto nº 5.154, de 23 de
julho de 2004- Regulamenta o §2º do FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,
art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, M. (Org.). Ensino Médio Integrado:
de 20 de dezembro de 1996 que esta- concepções e contradições. 3ª edi-
belece as diretrizes e bases da educa- ção. São Paulo: Cortez, 2012.
ção nacional e dá outras providências.
INEP Instituto Nacional de Estudos e
______. Lei n. 11.892 de 29 de de- Pesquisas Educacionais. 2016. Brasí-
zembro de 2008. Institui a Rede Fe- lia. Disponível em:http://www.inep.
deral de Educação Profissional, Cien- gov.br
tífica e Tecnológica, cria os Institutos
LUKÁCS, G. Materialismo e dialéti-
Federais de Educação, Ciência e Tec-
ca: crise teórica das ciências da natu-
nologia, e dá outras providências.
reza. Brasília: Editora Kiron, 2011.
______. Lei n. 13.415 de 16 de feve-
MOLL, J. et. al. Educação profissio-
reiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394,
nal e tecnológica no Brasil Con-
de 20 de dezembro de 1996, que es-
temporâneo: desafios, tensões e
tabelece as diretrizes e bases da edu-
possibilidades. Porto Alegre: Artmed,
cação nacional, e 11.494, de 20 de ju-
2010.
nho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento MOURA, D. H.; RAMOS, M. N.; GAR-
da Educação Básica e de Valorização CIA, S. Documento Base da Educa-
dos Profissionais da Educação, a Con- ção Profissional Técnica de Nível
solidação das Leis do Trabalho - CLT, Médio Integrada ao Ensino Médio.
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, 2007
de 1o de maio de 1943, e o Decre-
to-Lei no 236, de 28 de fevereiro de PARO, V. H.. Administração escolar:
1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de introdução a crítica. 17. ed. São Pau-
agosto de 2005; e institui a Política de lo: Cortez, 2016.
Fomento à Implementação de Esco-
las de Ensino Médio em Tempo Inte- ______. Diretor Escolar: educador
gral. ou gerente? São Paulo: Cortez, 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 105


DIRETRIZES INSTITUCIONAIS E A PERSPECTIVA DA
INTEGRAÇÃO CURRICULAR NO IF FARROUPILHA
Sidinei Cruz Sobrinho
Instituto Federal Farroupilha
E-mail: sidinei.sobrinho@passofundo.ifsul.edu.br

1. Introdução sibilidade dessa integração.


A integração, em si, não se dá e
O currículo, enquanto organiza-
não está na forma de organização do
ção do itinerário formativo, apenas
currículo, mas no processo de ensino
possibilita um melhor ou pior pla-
e de aprendizagem que se dá a partir
nejamento do ensino e da aprendi-
dele. Isso, contudo, implica bem mais
zagem e não consegue considerar
que um currículo diferenciado ou di-
todas as variáveis que podem se
versificado, implica em educadores
apresentar pelo caminho. Por isso,
e em metodologias contínuas que
depositar, no currículo, a maior es-
fazem o ensino e a aprendizagem de
perança da integração e da formação
forma a se integrar às dimensões da
humana integral/omnilateral, é um
ciência, do trabalho, da cultura e da
risco de se priorizar a forma mais que
tecnologia.
o conteúdo.
Sendo assim, um currículo, mes-
O currículo, mesmo diante de as-
mo com uma matriz curricular tra-
pectos que justifiquem as especifi-
dicional (por disciplinas), pode pro-
cidades de qualquer natureza, deve
porcionar a integração se os sujeitos
ser estruturado com base na garan-
ativos da educação (educadores e
tia de conteúdos que configurem
educandos) trabalharem para ob-
e integrem a dimensão científica e
ter isso. Também, pode-se ter uma
tecnológica, a dimensão cultural e
organização curricular por áreas de
a dimensão do trabalho. Em síntese,
conhecimento, por projetos integra-
essa é a integração curricular que se
dores ou por algum modismo que se
busca com foco na formação inte-
deseja ter; ainda, que, na forma, ve-
gral. Contudo, o currículo pode, no
nha a romper com a fragmentação,
máximo, simplificar ou facilitar a pos-

106
em essência, será inócuo porque não fissional Técnica de Nível Médio no
haverá integração no seu desenvol- Instituto Federal Farroupilha.
vimento. Assim, passamos, agora, a apre-
O objetivo, aqui, proposto é de sentar, brevemente, como se deu
apresentar parte da organização cur- esse trabalho de constituição das Di-
ricular dos Cursos Técnicos Integra- retrizes Institucionais e a parte da or-
dos do Instituto Federal Farroupilha ganização curricular dos Cursos Téc-
que visa facilitar o processo de ensi- nicos Integrados do Instituto Federal
no e de aprendizagem com formas Farroupilha, a qual visa facilitar o pro-
de integração possíveis para se bus- cesso de ensino e de aprendizagem
car a formação integral dos educan- com formas de integração possíveis
dos dessa Instituição. para se buscar a formação integral
dos educandos dessa Instituição.
2. Gestão Democrática do Ensi- Isso quer dizer que o objetivo
no no Planejamento da Orga- principal foi sempre possibilitar, por
nização Didático Pedagógica meio da gestão democrática do en-
sino, espaços de identificação para a
do IF Farroupilha construção de uma identidade ins-
Com o objetivo de dar início à titucional dos cursos técnicos do IF
proposta efetiva, para contínua dis- Farroupilha, visando garantir espa-
cussão dialética e consolidação da ços e possibilidades de integração
integração curricular e da formação ao longo do itinerário formativo e,
integral, no âmbito da Educação Pro- a partir disso, aprofundar, institucio-
fissional de Nível Médio, o Instituto nalmente, a discussão e a efetivação
Federal Farroupilha, depois de, apro- de um possível currículo integrado,
ximadamente, três anos de estudos e com vistas à formação integral/om-
de discussões sobre o ensino integra- niliateral dos educandos.
do e mais de um ano de elaboração
coletiva, aprovou, no Conselho Supe- 2.1 Por que fizemos?
rior (Consup), e consolidou, no Proje-
Os Institutos Federais (IFs), embo-
to Pedagógico Institucional (2014 a
ra resultem de uma história de mais
2018), as Diretrizes Institucionais da
de 100 anos da Educação Profissional
Organização Administrativo-didáti-
no Brasil, foram criados em dezembro
co-pedagógica para a Educação Pro-
de 2008. Desse modo, são institui-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 107


ções ainda muito jovens e, portanto, é necessário um ponto de partida
carentes de maior e de melhor orga- comum, a partir do qual os sujeitos
nização, consolidação administrativa do ensino e da aprendizagem vão
e didático-pedagógica, como prevê se constituindo e, assim, ressignifi-
a própria natureza jurídica que os cando, aprimorando e ampliando os
constituem enquanto Instituição de horizontes com base nesse ponto de
ensino. É necessário construir e forta- partida.
lecer a identidade institucional nessa Deve-se considerar, ainda, que,
nova configuração, que vai, muito por sua gênese recente, e em larga
além, das atividades desenvolvidas, e ampla expansão, os IFs receberam
de forma quase que isoladas, entres e recebem, nos primeiros cinco anos
os antigos modelos institucionais de vida, inúmeros profissionais, tanto
para Educação Profissional no Brasil. professores quanto técnicos, oriun-
Além disso, os IFs gozam de uma dos das mais diversas experiências;
peculiaridade impar no Brasil e no inclusive, muitos sem nenhuma ex-
mundo, no que tange aos seus obje- periência profissional ou de ensino,
tivos e às suas finalidades. Não existe seja em outras instituições educacio-
outra Instituição que ofereça Ensi- nais, seja na Educação Profissional.
no Profissional em todos os níveis, Essa realidade exige do gestor
em todas as formas e modalidades, de ensino, mais do que nunca, uma
articulando, ainda, a pesquisa, a ex- assídua e cuidadosa ação em relação
tensão e a inovação. Assim, gestar à formação continuada desses pro-
o ensino, numa Instituição tão com- fissionais e, para muitos, uma ação
plexa e diversa, exige uma organiza- que envolve a própria formação ini-
ção didático-pedagógica detalhada cial; visto que, dada a especificidade
e precisa, para que os profissionais da formação exigida para a Educa-
da educação, que nela atuam, pos- ção Profissional, são ótimos profis-
sam exercer, com maior tranquilida- sionais na sua área de atuação, mas
de, suas atividades. O cenário dessa sem nenhuma formação para atuar
gestão se complica ainda mais, por como docentes, o que exige mais
se tratar de uma Instituição pluricur- do que o domínio do conhecimen-
ricular e multicampi, dificultando ao to específico, exige-se domínio nas
gestor de ensino lançar mão de algu- metodologias e nas compreensões
mas metodologias, que são eficien- do ambiente de ensino e de apren-
tes para outros contextos; ou seja,

108
dizagem. Ambiente esse, como indi- de e o resultado, daí produzido, vai
camos, muito diversificado, fazendo no mesmo movimento dialético, am-
com que o educador atue, ao mesmo pliando o horizonte e qualificando o
tempo, nos mais diversos níveis e nas discurso. Em síntese, o que se preten-
diferentes formas e modalidades de de, com a constituição dessas diretri-
ensino. zes, do ponto de vista da gestão do
Diante desse cenário, brevemen- ensino, é que prevaleça a autoridade
te exposto, é imprescindível que a do argumento ao invés do argumen-
Instituição elabore, de forma cole- to da autoridade. O gestor de ensino
tiva, normas internas claras, a fim é mero mediador do espaço de cons-
de garantir a todos o mesmo ponto tituição do discurso e da organização
de partida e possibilitar, assim, pela das atividades junto com seus pares.
consolidação da cultura organiza- Gestão democrática se constitui pela
cional, o fortalecimento da identida- participação e pela responsabilidade
de institucional e, nela, o espaço de em relação ao que é gerido.
identificação entre seus membros. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases
Essa necessidade possibilita o espa- da Educação Nacional), bem como as
ço para a própria formação continu- demais normas nacionais vigentes, já
ada em serviço, visto que, ao discuti- trazem uma série de diretrizes e de
rem as diretrizes e as normativas, que regras específicas, mas também pos-
orientam as atividades institucionais, sibilitam a autonomia institucional
os profissionais da educação discu- ao definir, em seu Projeto Pedagó-
tem suas próprias práticas, comparti- gico Institucional (PPI) e nas normas
lhando experiências, aprofundando internas, como irá proceder e orien-
estudos para o discernimento das tar aquilo que é flexível pela norma
questões, propondo formas diversifi- maior vigente, como, por exemplo,
cadas de ação dentre outras. a duração da hora-aula, a forma de
Dessa maneira, mais importante recuperação paralela, a avaliação, a
que o produto, resultante desse tra- prática profissional, a organização do
balho, das diretrizes e das normativas currículo etc.
institucionais, é o próprio processo Como dissemos, os IFs são mui-
de elaboração coletiva. O processo to jovens ainda e não há como falar
se constitui como espaço de identifi- de pessoas que tenham larga expe-
cação para a construção da identida- riência nessa forma de organização

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 109


institucional, todavia há aqueles que e foi se constituindo pela agregação
são experientes e consolidados pro- e pelo esforço de inúmeros profis-
fissionais da Educação Profissional, sionais, os quais começavam a dar
na rede federal em que atuavam, corpo e forma a Instituição com base
nos antigos Centros Federais de nas experiências anteriores de cada
Educação Profissional e Tecnológi- profissional, na sua história e no en-
ca (Cefets) e Escolas Agrícolas, que tendimento que começava a se for-
passaram a formar os IFs. Contudo, a talecer.
organização administrativa e didáti- Passamos, agora, a expor, de for-
co-pedagógica dos IFs, imposta pela ma resumida, o contexto que nos
Lei nº 11.892/2008, é muito diferente conduziu, a partir de novembro de
daquelas instituições. Dessa forma, 2012 a dezembro de 2013, a discutir
dificulta-se a formação continuada e a elaborar, de forma ampla e co-
em serviço a partir de experiências letiva, um documento institucional
consolidadas. que descrevesse sobre as Diretrizes
Em síntese, a Gestão de Ensino, Institucionais da Organização Admi-
nos Institutos Federais, torna-se um nistrativo-didático-pedagógica para
desafio complexo, porém empolgan- a Educação Profissional Técnica de
te, visto que a diversidade, quando Nível Médio no Instituto Federal Far-
bem conduzida, consegue agregar roupilha e outras providências.
experiências e transformar o cená- Em 2009, o IF Farroupilha, assim
rio num ambiente cheio de opor- como os demais IFs, deu continui-
tunidades. Este possibilita a Gestão dade aos cursos ofertados nas ins-
Democrática por meio da participa- tituições que passaram a integrá-lo
ção coletiva do planejamento e no (Cefet, Eafa, Uneds), ao mesmo passo
desenvolvimento do Projeto Peda- em que ampliou, consideravelmen-
gógico Institucional e das normas in- te, o número de campus e de cur-
ternas que dele derivam; o que leva sos ofertados nos diversos níveis e
à organização e à consolidação da nas diversas modalidades e formas.
identidade institucional e, por con- Nesse sentido, a organização didáti-
seguinte, à qualidade na prestação co-pedagógica, desses cursos e das
desse importante serviço público: a demais normas internas, foram ela-
educação. boradas à medida que as demandas
O IF Farroupilha iniciou suas ativi- iam surgindo, o que dificultou um
dades, efetivamente, a partir de 2009 planejamento macro que orientasse,

110
de forma institucional, as demandas mesmo de concluir o primeiro itine-
específicas. rário formativo, de formar a primeira
Muitas soluções foram, altamen- turma em um determinado PPC, este
te, suficientes e já passam a integrar a já sofreu várias alterações.
cultura da Instituição, porém, outras, Verificamos que, aproximada-
por sua vez, careciam de revisão ou, mente, 95% dos pedidos de altera-
ainda, de elaboração a fim de sanar ções, em PPCs, se deram no mesmo
alguns problemas que começavam a período de troca de coordenação de
surgir e a prejudicar a consolidação curso, ou de mudança no corpo do-
cente do curso. Essa informação nos
da identidade institucional. Essa difi-
culdade se dava, principalmente, em levou a concluir que, ainda, não havia
planejar a Gestão de Ensino de forma identidade com o curso e no curso,
a garantir a identidade da Instituiçãovisto que todas as alterações (100%)
numa realidade multicampi, sem ferir foram relativas à carga horária de dis-
as especificidades locais e regionais ciplinas, às ementas, à carga horária
inerentes à realidade da cada unida- do curso, aos estágios e às atividades
de administrativa, campus e reitoria. complementares. Havia outras alte-
Dificuldade esta que ficava expressa rações ligadas, exclusivamente, ao
nos Projetos Pedagógicos de Curso entendimento daquilo que este(s)
(PPCs), formulados e reformulados ou aquele(s) profissional(is) enten-
nesse período, bem como no confli- diam como necessário de se minis-
to de normas internas, visto que fal- trar no curso, e não a partir do perfil
tava o lugar comum maior a partir do profissional do egresso pretendido
qual dialogavam. naquele curso ou, no máximo, aqui-
Nesses quase quatro anos de IF lo que cada um entendia como ser o
Farroupilha, a Instituição contava profissional formado. Essa compre-
com 146 (cento e quarenta e seis) ensão predominante, nesse período,
ofertas de cursos e com 168 (cento e obviamente, não se dá por capricho
sessenta e oito) PPCs vigentes. Nes- dos profissionais que pleitearam
se período, ocorreram mais de 160 tais alterações, mas, como dissemos
(cento e sessenta) reformulações nos acima, pela, ainda, não consolida-
PPCs; ou seja, em média, duas altera- da identidade institucional e ampla
ções em cada PPC num prazo inferior compreensão dos objetivos e das
a 18 meses. Isso revela que, antes finalidades da Instituição. Contudo,
esse contexto possibilitou o início da

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 111


formação continuada em serviço a Outro fator interessante, a ser
partir da discussão contínua e cole- analisado, era a elevada carga horá-
tiva da própria realidade e do desejo ria destinada à realização do está-
desses profissionais em aprimorar e gio obrigatório nos cursos técnicos,
cristalizar a identidade dos cursos e em relação aos cursos superiores na
da Instituição. mesma área e desproporcionais em
Além disso, pela análise desses comparação aos mesmos cursos em
PPCs, identificamos uma grande dis- outros campus. Por exemplo, o cur-
crepância entre a carga horária total so Técnico em Informática, na forma
dos mesmos cursos ofertados em integrada (ofertado no campus “a”),
campus diferentes. Havia cursos, por previa 380h de estágio, enquanto
exemplo, com objetivo de certificar o que o curso Superior de Sistemas
mesmo profissional (Técnico em xxx), de Informação (ofertado no mesmo
e que deveriam ter o mesmo perfil de campus “a”), previa apenas 140h de
egresso, porém, entre a organização estágio; e o curso Técnico em Infor-
de um campus e outro, há aqueles mática, na forma integrada (ofertado
com até 600 horas de diferença. Já no campus “b”), previa 100h de está-
que, em um curso com duração míni- gio. Assim, essa disparidade indica
ma, prevista no Catálogo Nacional de uma dissonância entre o entendi-
Cursos Técnicos (CNT) com 1.200 ho- mento da formação esperada, em
ras, essa diferença de 50% para mais, um curso técnico de nível médio, e
em carga horária entre um campus e um curso técnico, da mesma área de
outro, às vezes separados, geografi- formação (Eixo-Tecnológico), em ní-
camente, por menos de 150 km de vel superior, bem como a divergên-
distância, e com realidade cultural cia institucional sobre a função do
socioeconômica muito semelhante, estágio profissional nesses cursos.
extrapola o bom senso da justifica- Por que não realizar contato com
tiva da “especificidade” e dificuldade a prática real de trabalho ao longo
a identidade daquele curso ofertado do processo formativo, ao invés de
pela mesma Instituição de ensino. concentrar essa prática apenas na re-
Ressalte-se que as divergências iam alização do estágio? Além disso, nos
além da carga horária, incluindo os casos em que o curso técnico tinha
próprios objetivos, o perfil do egres- seu correspondente, também, ofer-
so e a organização pedagógica. tado em nível superior, era comum
observar matriz e ementário idênti-

112
cos apenas com carga horária menor de oferta, do perfil profissional pre-
ou, às vezes, carga horária maior exi- tendido, para cada formação espe-
gida no curso técnico do que a exi- cífica, e da construção e da consoli-
gida no superior; como no caso do dação da identidade institucional a
estágio acima. qual se expressa nos cursos e na for-
Em síntese, observamos, na orga- ma de educação ofertada.
nização dos PPCs de cursos técnicos, Outro fator relevante, e que tra-
em regra, minibacharelados ao invés duzia a ausência de conhecimentos
de formações específicas de acordo específicos da educação e da legisla-
com seu nível de ensino específico e ção de ensino vigente, era o fato de
a formação desejada. Essa conclusão haver muitos casos de não atendi-
se comprova quando observamos, mento à legislação mínima vigente,
em muitos casos, que o perfil profis- como, por exemplo: carga horária
sional do egresso, previsto nos PPCs mínima obrigatória, conteúdos obri-
de alguns cursos técnicos, era mui- gatórios etc. Esse fato demonstra-
to diferente daqueles descritos em va a necessidade não apenas de se
PPCs dos mesmos cursos ofertados, corrigir essas fragilidades, incluindo
em outros campus e em desacordo o cumprimento da legislação nos
com o Catálogo Nacional de Cursos PPCs, mas também de discutir e de
Técnicos. Novamente, pode-se dizer assessorar os profissionais que não
que isso não foi resultado do descui- tiveram essa formação, conforme os
do ou do capricho dos profissionais motivos pelos quais tais exigências
que elaboraram essas propostas, legais eram pensadas para a educa-
mas do fato de que, na ausência de ção no Brasil.
um entendimento maior sobre esse Além disso, a elevada carga ho-
nível e essa forma de oferta de Edu- rária, nos cursos técnicos, sobrecar-
cação Profissional, aqueles profissio- regava os docentes com atividades
nais elaboraram os PPCs baseados de horas-aula em sala de aula, difi-
em sua própria formação, sendo a cultando ou, até mesmo, impedin-
maioria de bacharelados e de tecnó- do a organização de espaços para:
logos. Mais uma vez, há necessidade Formação Pedagógica Continuada,
da participação coletiva na constru- planejamento coletivo ou individual
ção do entendimento, do objetivo e dos docentes, acompanhamento das
da finalidade de cada curso, em seu atividades, realização de recupera-
respectivo nível, forma e modalidade

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 113


ção paralela de estudos, atividades Profissional Técnica de Nível Médio.
dos educandos fora da sala de aula e Isso quer dizer que se tomou, como
dentro da própria Instituição, desen- base e fundamento, aquilo que já
volvimento de projetos por parte das existia de consolidado e de mais atu-
equipes multidisciplinares de téc- al, nessa discussão, em nível nacional
nicos como pedagogos, assistentes para orientar o processo de elabora-
sociais e psicólogos que poderiam ção das Diretrizes Institucionais. Isso
contribuir em muito para o desen- porque estas, assim como as demais
volvimento do ensino e da aprendi- legislações maiores vigentes, apenas
zagem. Era necessário e urgente di- orientam o lugar comum a partir do
minuir o tempo em sala de aula e o qual cada Instituição deve se organi-
excesso de disciplinas para que a or- zar.
ganização e o desenvolvimento dos Essas normas externas, em pou-
cursos pudessem ser menos conteu- cos casos, são taxativas, não restan-
distas, fragmentados e sobrecarrega- do alternativa à Instituição a não ser
dos; tornando-se mais participativa, cumpri-las, como, por exemplo, a de-
integrada e coletiva. finição da carga horária mínima para
Inúmeros outros fatores pode- cada curso. Em grande parte, são
riam ser descritos para se demons- normas abertas que permitem ou
trar a necessidade de uma pausa no ordenam a cada Instituição definir a
desenvolvimento da Instituição a fim sua forma de se organizar com base
de se ter um momento de avaliação, naquela Diretriz Nacional, como, por
de revisão e de planejamento cole- exemplo, a duração da hora-aula, a
tivo para a consolidação das boas forma de avaliação da aprendizagem
práticas, bem como a proposição de etc.
novas propostas na organização di- As Diretrizes Institucionais, por
dático-pedagógica dos cursos técni- sua vez, viriam a cumprir, justamen-
cos do IF Farroupilha. te, esse papel de possibilitar ao IF Far-
Ainda, havia um elemento de roupilha definir as suas normas insti-
ordem maior que exigia essa reor- tucionais sem ferir a legislação maior
ganização: a Resolução do Conse- vigente, mas, ao mesmo tempo, sem
lho Nacional de Educação (CNE) nº deixá-las à revelia de interpretações,
06/2012 que define Diretrizes Cur- meramente, individuais ou de uma
riculares Nacionais para a Educação unidade gestora divergindo com

114
outra. Trata-se, portanto, de garantir processos de ensino e de aprendiza-
uma gestão sistêmica e em rede no gem, seja na gestão do ensino ou no
âmbito interno da Instituição a qual, ensino efetivamente.
por sua natureza pluricurricular e A dimensão do contexto, que
multicampi, possibilita a diversidade, levou à elaboração das diretrizes,
mas com identidade institucional. é demasiada extensa para se dizer
Assim, entendemos, no Instituto nesse espaço, mas já nos foi possí-
Federal Farroupilha, que a elabora- vel indicar a base fundamental que
ção coletiva das Diretrizes Institu- expõe os principais motivos pelos
cionais possibilitaria: adequação à quais foram elaboradas as Diretrizes
Resolução CNE nº 06/2012; Gestão Institucionais da Organização Ad-
de Ensino democrática e comparti- ministrativo-didático-pedagógica
lhada; planejamento coletivo; oti- para a Educação Profissional Técnica
mização na organização do tempo de Nível Médio no Instituto Federal
escola; diversidade e integração cur- Farroupilha. Elas foram aprovadas
ricular; espaço e ponto de partida pelo Conselho Superior, pela Resolu-
para a formação continuada em ser- ção Consup nº 102/2013 e reiterada,
viço; qualidade no processo de ensi- com algumas adequações, no Plano
no e de aprendizagem; consolidação de Desenvolvimento Institucional, o
do perfil profissional do egresso dos qual foi aprovado pelo Consup em
cursos técnicos do IF Farroupilha; or- setembro de 2014.
ganização e revisão do Projeto Peda- Desse modo, as seguintes consi-
gógico Institucional (PPI), orientação derações gerais fundamentaram a
comum para a organização e a cons- elaboração da proposta:
trução dos Projetos Pedagógicos de
Art. 6º e Art. 205 da CF, segundo os
Curso (PPCs), inclusão de práticas quais a educação é um direito social
profissionais ao longo do itinerário e de que deverá ser promovida e
formativo; flexibilidade curricular incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desen-
orientada institucionalmente; enfim, volvimento da pessoa, seu preparo
premissas norteadoras para a cons- para o exercício da cidadania e sua
trução e a consolidação da identida- qualificação para o trabalho;

de institucional na oferta dos cursos Art. 206 da CF e Art. 3º da LEI nº


9.394/96 - LDB, que preveem os
e o ponto de partida para o constan- princípios de acordo com os quais
te e o necessário planejamento, im- será ministrado o ensino;
plementação, avaliação e revisão dos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 115


Art. 207 da CF, de acordo com os Foco em ações elaboradas a partir
quais as universidades gozam de
das áreas de conhecimento, confor-
autonomia didática científica, ad-
ministrativa e de gestão financeira e me proposto nas Diretrizes Curricula-
patrimonial, e obedecerão ao prin- res Nacionais para o Ensino Médio e
cípio de indissociabilidade entre en-
que são orientadoras das avaliações
sino, pesquisa e extensão.
do Enem;
• ações que articulem os conhe-
A Resolução nº 06/2012 (grifo cimentos à vida dos estudan-
nosso) expõe: tes, seus contextos e suas rea-
Art. 15. O currículo, consubstancia- lidades, a fim de atender suas
do no plano de curso e com base no
princípio do pluralismo de ideias e
necessidades e suas expectati-
concepções pedagógicas, é prerro- vas;
gativa e responsabilidade de cada
instituição educacional, nos termos • especificidades daqueles que
de seu projeto político-pedagógico, são trabalhadores urbanos, do
observada a legislação e o disposto campo, de comunidades qui-
nestas Diretrizes e no Catálogo Na-
cional de Cursos Técnicos. lombolas, indígenas dentre ou-
Art. 16. As instituições de ensino
tras;
devem formular, coletiva e partici- • foco em atividades teórico-prá-
pativamente, nos termos dos arts.
12, 13, 14 e 15 da LDB, seus projetos ticas que fundamentem os pro-
político-pedagógicos e planos de cessos de iniciação científica e
curso. de pesquisa, utilizando labora-
Art. 17. O planejamento curricular tórios das Ciências da Nature-
fundamenta-se no compromisso
ético da instituição educacional em
za, das Ciências Humanas, das
relação à concretização do perfil Linguagens, de Matemática e
profissional de conclusão do curso, de outros espaços que poten-
o qual é definido pela explicitação
dos conhecimentos, saberes e com-
cializem aprendizagens nas di-
petências profissionais e pessoais, ferentes áreas do conhecimen-
tanto aquelas que caracterizam a to;
preparação básica para o trabalho,
quanto as comuns para o respectivo • necessidade de oferta de ações
eixo tecnológico, bem como as es- que poderão estar estrutura-
pecíficas de cada habilitação profis-
sional e das etapas de qualificação e das em práticas pedagógicas
de especialização profissional técni- multi ou interdisciplinares, arti-
ca que compõem o correspondente culando conteúdos de diferen-
itinerário formativo.
tes componentes curriculares

116
de uma ou mais áreas do co- • Estatuto da Juventude que,
nhecimento; dentre outras definições rela-
• estímulo à atividade docente cionadas à educação, define
em dedicação integral, com que “Art. 9o . O jovem tem di-
tempo efetivo para atividades reito à educação profissional e
de planejamento pedagógico, tecnológica, articulada com os
individuais e coletivas; diferentes níveis e modalida-
des de educação, ao trabalho, à
• dimensões do trabalho, da ci- ciência e à tecnologia, observa-
ência, da tecnologia e da cul- da a legislação vigente.”.
tura como eixos integradores
entre os conhecimentos de
distintas naturezas; o trabalho Com base nessas considerações
como princípio educativo; a basilares, o IF Farroupilha passou a
pesquisa como princípio pe- reger os cursos técnicos com base
dagógico; os direitos humanos nas Diretrizes Institucionais da Or-
como princípio norteador e; a ganização Administrativo-didático
sustentabilidade socioambien- -pedagógica para a Educação Pro-
tal como meta universal; fissional Técnica de Nível Médio no
• princípios, fundamentos e pro- Instituto Federal Farroupilha e outras
cedimentos, discutidos, demo- providências.
craticamente, com a comuni-
dade acadêmica, pelo Comitê
Assessor de Ensino e pelo GT 2.2 Como fizemos?
dos Cursos Técnicos, conforme
suas atribuições regulamenta- Desde outubro de 2012, conside-
das pela Portaria nº 0834, de 06 rando o breve contexto acima apre-
de maio, de 2013, para orientar sentado, a preocupação maior da
a organização curricular na ela- Gestão de Ensino não se concentrou
boração, no planejamento, na na organização didático-pedagógica
implementação e na avaliação em si e na organização de diretrizes
das propostas curriculares dos e de normas internas eficientes para
campus do IF Farroupilha os organização e orientação das ativi-
quais oferecem cursos técni- dades de ensino e de aprendizagem
cos; e no IF Farroupilha, mas em garantir

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 117


que esse trabalho se realizasse de do bem comum e da qualificação na
forma democrática e participativa. prestação do serviço público presta-
Nenhum processo ou procedimento, do por essa Instituição.
por melhor que fosse, do ponto de Se, nas palavras do sábio poeta,
vista técnico e teórico, seria eficiente Mario Quintana, “Democracia é dar
sem que os sujeitos, que dele parti- a todos o mesmo ponto de partida.”,
cipassem, direta ou indiretamente, então, era isso que se pretendia: dar
pudessem nele se identificar ou, ao a todos o mesmo ponto de partida e,
menos, segui-lo, sem saber, nem que principalmente, que esse ponto de
seja minimamente, parte de sua na- partida fosse por todos estabelecido
tureza ou se ele derivou de um am- para que não fosse preponderante
plo e democrático processo partici- o argumento da autoridade, mas a
pativo em nível institucional. autoridade do argumento no espa-
Obviamente, dada à diversidade ço participativo e na valorização dos
e a complexidade de entendimentos, profissionais da educação e dos edu-
de saberes e de expertises envolvidos, candos que vivem e convivem nesse
em relação a esse trabalho, impossibi- espaço.
lita, na maioria das vezes, o consenso Passamos, a seguir, a expor, de
tranquilo e absoluto da maioria, mas forma muito resumida, alguns proce-
possibilita que a maioria o acolha, sa- dimentos e algumas metodologias
bendo que foi fruto do mais esforça- adotadas para a elaboração das Dire-
do, dialogado e participativo espaço trizes Institucionais, mas que podem
do discurso democrático. Além disso, ser melhor aprofundadas pelo histó-
em hipótese alguma, se pretendia rico constituído e documentado de
uma norma estanque e dogmática. todo esse trabalho desenvolvido de
Ao contrário, pretendia-se apenas a forma intensa e contínua por mais
conciliação discursiva em um lugar de um ano (novembro de 2012 a de-
comum, a partir do qual os saberes zembro de 2013); os quais tiveram
e os fazeres institucionais poderiam como resultado, em setembro de
se aperfeiçoar e se autocorrigir, re- 2014, suas retificações e uma ampla
vendo o próprio ponto de partida, aceitação na comunidade interna e
se necessário, e, também, buscando externa do IF Farroupilha, uma vez
não mais a defesa desse ou daquele que passaram a integrar o PDI (Plano
entendimento, mas a defesa do en- de Desenvolvimento Institucional)
tendimento institucional em nome

118
e, com a reformulação de todos os assim como ter critérios institucio-
PPCs de todos os cursos técnicos do nais claros para orientar a criação
IF Farroupilha, deram início à revisão de cursos e a garantia de viabilida-
de normas menores e à reorganiza- de de início e de desenvolvimen-
ção do ensino e da gestão de ensino to desses cursos com qualidade,
no âmbito institucional. considerando as dimensões da
Em síntese, os procedimentos avaliação externa de cursos: infra-
adotados foram os seguintes: estrutura, didático-pedagógica e
corpo docente e técnico; as quais
a) criação do Comitê Assessor são suficientes e qualificadas;
de Ensino (CAEN): formado pela
Pró-reitora de Ensino e Diretores d) criação do GT dos cursos
de Ensino dos Campus para plane- técnicos do IF Farroupilha, com re-
jamento, implementação, desen- presentação de todas as unidades,
volvimento, avaliação e revisão da a fim de planejar e de organizar as
proposta pedagógica da Institui- metodologias de elaboração das
ção, bem como para implementar diretrizes e de garantir a ampla
políticas de ensino que viabilizem participação da comunidade aca-
a operacionalização de atividades dêmica, possibilitando que todos
curriculares dos diversos níveis e os profissionais da educação e os
das diversas modalidades da Edu- educandos pudessem participar
cação Profissional; e contribuir no processo de dis-
cussão e de estabelecimentos dos
b) elaboração de um Plano de consensos institucionais;
Ações definindo as urgências, as
prioridades, as metas para o en- e) estudo da legislação de
sino no IF Farroupilha, iniciando ensino vigente, principalmente,
pela revisão e pela reformulação daquela voltada para a Educa-
da proposta de organização-didá- ção Profissional e a de subsídios
tico pedagógica da Instituição; teóricos sobre o tema. Os mem-
bros do GT dos cursos técnicos
c) elaboração de Regulamen- selecionaram uma série das prin-
to para criação, suspensão tem- cipais legislações e textos a fim de
porária e extinção de cursos do subsidiar as discussões, visto que,
IF Farroupilha, a fim de garantir como expomos acima, muitos dos
o atendimento aos objetivos e às profissionais da educação envol-
finalidades da Lei nº 11.892/2008,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 119


vidos tiveram pouca ou nenhuma dida que os trabalhos ganhavam
formação sobre Educação Profis- forma, muitas discussões precisa-
sional e legislação de ensino. Em vam ser retomadas e readequadas
2012, mais de 80% dos servidores para que as propostas pudessem
haviam ingressado na Instituição dialogar entre si e evitar conflito
e na Rede Federal de Educação de normas. Em alguns casos, hou-
Profissional, em menos de quatro ve grande divergência entre a co-
anos. Nesse aspecto, foi de extre- munidade e o tema, com isso, pre-
ma contribuição a discussão sobre cisou-se retornar para rediscussão
Currículo Integrado o qual já vinha e, algumas vezes, foi necessário
sendo realizada na Instituição des- recorrer ao voto para se tomar a
de 2010 e que, portanto, já havia decisão final. Felizmente, a maior
possibilitado a muitos servidores parte do texto foi realizada, em-
a dimensão da fundamentação te- bora não com consenso absoluto,
órica que sustentaria e justificaria mas a partir de um acordo comum
boa parte das decisões coletivas. e de um constante entendimento
Esses subsídios foram, amplamen- de que se teria um contínuo e cui-
te, disponibilizados na Instituição dadoso processo de acompanha-
para que todos pudessem se apo- mento e de avaliação das diretri-
derar do norte epistemológico e zes, a fim de verificar sua eficiência
das orientações legais específicas e, se fosse necessário, a alteração
para a natureza da educação a ser daquilo que precisaria ser revisto.
desenvolvida pelos IFs;
f) elaboração do Catálogo dos 3. A organização curricular
Perfis Profissionais dos Egressos dos cursos técnicos do IF Far-
dos Cursos Técnicos do IF Farrou- roupilha e uma proposta de
pilha; e
integração
g) elaboração das Diretrizes
Institucionais para os cursos téc- A organização curricular dos cur-
nicos do IF Farroupilha. A consti- sos técnicos do IF Farroupilha, em
tuição da estrutura das diretrizes todas as suas modalidade e suas
se deu no próprio processo de formas, está desenvolvida em três
elaboração. Inúmeras vezes, foram núcleos. Estes não são constituídos
incluídos ou retirados itens. À me- como blocos distintos, mas articula-
dos de forma integrada.

120
• Núcleo Básico jeto Pedagógico Institucional, pas-
• Núcleo Tecnológico sando pelo Projeto Pedagógico de
Curso, pelos Planos de Ensino, pelos
• Núcleo Politécnico planejamentos coletivos das ativi-
Para constituir os núcleos, bem dades de ensino e de aprendizagem
como o restante da organização cur- (articulando ensino, pesquisa e ex-
ricular e o processo de ensino e de tensão), pela Formação Continuada
aprendizagem, para efetivação do de Docentes, pelas metodologias e
currículo, devem ser levadas em con- pela avaliação do ensino e da apren-
sideração as dimensões integradoras dizagem até as práticas reais de in-
do Ensino Médio com foco na forma- tegração entre a ciência, a cultura, a
ção integral dos educandos, consi- tecnologia e o trabalho.
derando o trabalho como princípio Ao longo dos estudos realiza-
educativo e a pesquisa como princí- dos, e no limite do que a discussão
pio pedagógico. coletiva possibilita, na sua diversi-
Na construção do Projeto Peda- dade e na sua dificuldade de enten-
gógico de Curso, pergunta-se: dimentos comuns, prevalece a tese
de que, sobre o currículo integrado,
• que profissional se deseja for-
não há “receita pronta” e as possibi-
mar?;
lidades são construídas no processo
• qual será o seu perfil?; dialético.
• onde atuará (em que lugar, em Com base nisso, passamos a re-
que momento do processo latar, logo abaixo, de forma resumi-
criativo)?; da, e o mais objetivo possível, parte
• que conhecimentos tecnológi- da proposta de integração curricu-
cos e científicos são necessá- lar elaborada pelo Instituto Federal
rios a esse profissional?; Farroupilha, o qual é nosso ponto
de partida comum para o aprofun-
• que valores éticos, estéticos e
damento e o aperfeiçoamento da
políticos orientam a conduta
perspectiva estabelecida, conforme
da sociedade da qual esse pro-
já apontado acima.
fissional faz parte?;
1 - Elaboração do Catálogo dos
Perfis Profissionais dos Egressos dos
Essas perguntas devem ser res- Cursos Técnicos do IF Farroupilha.
pondidas desde a concepção do Pro- Elaborado com base no Catálogo Na-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 121


cional de Cursos Técnicos, na Classifi- Nível Médio. Espera-se que tais co-
cação Brasileira de Ocupações (CBO), nhecimentos possibilitem o plane-
nas normas e nos documentos dos jamento e a execução das atividades
Conselhos Profissionais e na especifi- desenvolvidas pelo profissional de
cidade da formação pretendida no IF forma correta, segura e eficaz.
Farroupilha, incluindo a perspectiva
da formação integral (humana, cul-
tural, científica, tecnológica etc.). 2 - Elaboração da Matriz de Re-
ferência dos Cursos Técnicos do IF
O Perfil profissional do egres- Farroupilha. É feita partindo do per-
so, detalhado com as atribuições fil profissional do egresso, elaborado
inerentes à profissão, é obtido por para cada curso técnico, conforme
meio do diálogo entre os docentes suas especificidades, os docentes das
e as entidades vinculadas (ex.: Crea, respectivas áreas e dos cursos se reú-
empresários etc.), considerando as nem para definir os conhecimentos
características, as áreas e os campos comuns a serem ensinados e apren-
de atuação, as competências neces- didos durante o itinerário formativo,
sárias, os conceitos, os princípios e as constituindo, assim, as ementas dos
técnicas específicas para determina- componentes curriculares. Após de-
da formação. finir esses conhecimentos, por com-
Para isso, é descrito o significa- ponente curricular, todos os docen-
do e o alcance de cada item previs- tes do curso devem se reunir para
to no perfil do egresso: capacitação definir, ainda, com base no perfil
para atuação, competência técnica e do egresso, a ênfase tecnológica de
tecnológica em sua área de atuação. cada componente curricular.
Num curso de Técnico em Edifica- A ênfase tecnológica é a identi-
ções, por exemplo, conhecer e seguir ficação dos conteúdos da ementa
as normas técnicas, aplicáveis em sobre os quais o(s) docente(s) de-
cada caso, refere-se ao estudo das ve(m) dar maior atenção no processo
NBRs (Normas Brasileiras) aplicadas de ensino e de aprendizagem para
à construção civil. Exige-se conheci- atender ao perfil do egresso, dada
mentos gerais das normas da Cons- sua maior intensidade tecnológica
trução Civil e dos conhecimentos es- naquele curso específico. Em síntese,
pecíficos das normas de edificações esses conteúdos, com maior ênfase,
no limite de atuação do Técnico de são aqueles que, de modo geral, os

122
docentes elegem como principais objetivos comuns entre as diferentes
para as avaliações, os trabalhos etc. áreas, dando início à definição das
Há conteúdos aos quais o estudante áreas de maior integração no currí-
precisa ter acesso apenas para co- culo e possibilitando o planejamento
nhecimento conceitual e básico, a e a realização de um currículo mais
fim de poder dialogar com as demais integrado; uma vez que não existe
áreas do conhecimento, tanto técni- conhecimento desintegrado, mas
cos quanto da formação básica; en- formas e metodologias de ensino
quanto há conteúdos que o estudan- desintegradas e organizações curri-
te precisa aprofundar, com objetivo culares que dificultam a integração.
de exercer, com maior qualidade, as Além disso, não se pode falar em
atividades específicas esperadas da- currículo integrado ou em formação
quela formação profissional. integral se os docentes, principais
Ao desenvolver o planejamento, atores desse processo, desconhecem
a partir do perfil do egresso, e duran- o curso em si e os objetivos especí-
te a elaboração do Projeto Pedagógi- ficos de cada colega. Em suma, não
co do Curso, facilita-se a organização se trata de “eliminar as disciplinas”. É
das demais atividades do itinerário possível montar um currículo, total-
formativo, desde a elaboração do mente, organizado por grandes áreas
Plano de Ensino do professor até o ou temas geradores ou por qualquer
desenvolvimento de projetos inte- outro formato, mas um professor de
grados, de visitas técnicas, de pes- matemática nunca trabalhará os co-
quisas e de inúmeras outras ativida- nhecimentos de bovinos como um
des as quais podem ser pensadas ao professor com formação específica
longo do curso, entre os educadores para tal e vice-versa. E não haverá
e educandos, sem perder o foco do quem discorde que conhecimentos
perfil do egresso pretendido. específicos de matemática e de bovi-
Durante a definição da ênfase tec- nos são indispensáveis num curso de
nológica, o(s) professor(es) de cada Técnico em Agropecuária, por exem-
área devem dialogar com os demais, plo. Assim, pode-se até eliminar as
interagindo de forma tal que todos disciplinas do currículo, mas chegará
possam ter noção do que cada pro- um momento em que cada profissio-
fissional trabalha na sua especificida- nal dominará o ensino na sua área
de; identificando, assim, conteúdos e específica. Obviamente, se ambos
os professores tiverem pleno co-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 123


nhecimento do curso e do perfil dos ção da ênfase tecnológica e as áreas
egressos pretendidos, não terão difi-de integração a partir do pretendido
culdades de organizar seus Planos de perfil profissional do egresso. Nesse
Ensino juntos, propondo atividades caso, trata-se de um curso Técnico
práticas e avaliação em conjunto, porem Edificações. Observa-se que o
exemplo, inclusive com a inclusão de exemplo consiste em um curso inte-
outras áreas, cujas integrações foramgrado. Com base na ênfase tecnoló-
identificadas na elaboração do cur- gica e na ementa desse currículo es-
rículo. Porém, essa discussão, tam- pecífico, e na ênfase tecnológica e na
bém, exige um capítulo à parte. ementa dos demais componentes,
os professores identificaram as prin-
cipais áreas de integração do curso
O quadro, abaixo, representa o com esse componente curricular e,
exemplo de como deveria ser com- assim, sucessivamente.
posta a ementa do componente
curricular dos cursos técnicos do IF É observado que, ao invés da
Farroupilha, considerando a defini- tradicional ementa, apenas com a
Quadro 1

descrição dos conteúdos de cada essenciais: ênfase tecnológica e áre-


componente curricular, a proposta as de integração. Esses dois espaços,
incluí a previsão de dois momentos essencialmente, são definidos por

124
todos ou pelo maior número possí- conhecimentos necessários para o
vel de docentes que atuam no curso, maior ou o menor domínio técnico
a fim de possibilitar uma construção pelo profissional, segundo sua possi-
interdisciplinar que define, com base bilidade de atuação, de capacitação
no perfil do egresso, qual a ênfase e de competência esperadas.
tecnológica a ser dada no curso. Os
conteúdos destacados, como ênfa- 3.2. Identificação de pré-requi-
se, serão bases para o planejamento
sitos para o desenvolvimento do
dos Planos de Ensino, os projetos de
pesquisa e extensão, as visitas técni- conhecimento da área técnica
cas, as avaliações etc. Já as áreas de específica
integração possibilitam identificar
Organização dos componentes
os principais componentes curri-
curriculares da área técnica de acor-
culares com maior possibilidade e/
do com a identificação dos pré-re-
ou facilidade de integração com o
quisitos pedagógicos e a sequência
componente curricular específico
nos conhecimentos específicos, a fim
da ementa, o que favorece, assim, a
de iniciar uma sistematização e uma
visualização e a direção para o pla-
coerência interna na construção da
nejamento e o desenvolvimento de
matriz curricular.
atividades integradoras do ensino e
da aprendizagem.
3.3. Construção das ementas da
Esse processo de construção das
ementas será melhor explicado a se- formação técnica: identificação
guir. dos conhecimentos/conteúdos
específicos e ênfase tecnológica
3.1. Delimitação de componentes
a) Componente curricular:
curriculares e ementas da área téc-
nome do componente/disciplina
nica: movimento pluridisciplinar de forma delimitada e objetiva;

É realizada de acordo com o deta- b) ementa: sintetiza o conteúdo


lhamento do perfil do egresso, defi- do componente curricular, a fim
nindo o grau de intensidade tecnoló- de permitir, de modo imediato, o
gica de cada componente curricular, conhecimento da matéria estuda-
conforme o grau de intensidade de da. É elaborada em conjunto pelos
docentes da área técnica, levando

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 125


em consideração os critérios e as seu perfil, nesse aspecto, principal-
referências expostos pelos grupos mente, conhecer e seguir essas nor-
de trabalho (teóricos, legais e téc- mas aplicáveis em cada caso. Sendo
nicos), para atender ao processo assim, nesse componente curricular,
de formação integral do educando o item, Normas Técnicas, deve ter
de acordo com a especificidade maior ênfase tecnológica, o que irá
técnica exigida pelo curso; e ocupar a maior parte da carga horária
c) ênfase tecnológica: descrição do planejamento de ensino do pro-
dos conteúdos da ementa sobre fessor em comparação ao conteúdo
os quais o(s) docente(s) deve(m) de ferramentas elétricas, assim como
dar maior ênfase, conforme sua receberá maior ênfase, também, na
maior intensidade tecnológica construção e na avaliação de proje-
para atender ao perfil do egresso. tos interdisciplinares, de atividades
complementares (uma palestra so-
Obs.: há conteúdos que o edu- bre atualização das normas de segu-
cando precisa ter acesso apenas para rança de trabalho na construção civil,
conhecimento conceitual e básico, por exemplo) e nas práticas profissio-
a fim de poder dialogar com as de- nais integradas.
mais áreas do conhecimento tanto
técnicos quanto da formação básica.
3.4. Identificação das áreas de
Temos, como exemplo, no compo-
nente de Máquinas, Equipamentos, integração técnica e dos conceitos
Ferramentas e Segurança no Traba- geradores/integradores: primeiro
lho, o educando deverá conhecer os movimento interdisciplinar
principais tipos de ferramentas elé-
tricas usados na construção civil, mas d) Áreas de integração: a par-
não precisará dominar seu funciona- tir do diálogo entre docentes da
mento técnico com profundidade a área técnica, no qual uns expõem
ponto de querer, por exemplo, con- seus conhecimentos específicos
certá-los caso falhem durante a ope- da área de formação para os ou-
ração. Contudo, deverá conhecer e tros colegas, é possível identificar
dominar as Normas Técnicas para o com quais conhecimentos este
uso das máquinas, dos equipamen- componente curricular tem maior
tos e das ferramentas, bem como as integração. Tal exercício facilita-
demais normas técnicas da seguran- rá, depois, a metodologia para
ça no trabalho, pois isso faz parte do construção coletiva das diversas

126
atividades interdisciplinares e das geradores são essenciais para evitar a
práticas profissionais integradas, linerealidade amorfa dos conteúdos
bem como o desenho da matriz e garantir a integração e a constru-
curricular por grau de intensidade ção dialéticas das práticas pedagó-
tecnológica. Além disso, auxiliará gicas com vistas à formação integral.
na elaboração das ementas dos No exemplo, anteriormente citado,
componentes curriculares da for- sobre o componente de Máquinas,
mação básica, nas suas respectivas Equipamentos, Ferramentas e Segu-
cargas horárias e na distribuição rança no Trabalho, após a construção
dentro das unidades de ensino e dialética entre docentes da área téc-
de aprendizagem; e nica e da formação básica, na qual
e) conceitos geradores/integra- uns expõem seus conhecimentos
dores: dentre aqueles conceitos in- específicos da área de formação para
tegradores/geradores do eixo-tec- os demais e revelam as áreas de in-
nológico, do curso técnico e das tegração com este componente, será
áreas do Ensino Médio, discrimi- fácil perceber como que, por exem-
nados a partir do perfil do egres- plo, ao tratar das Normas Técnicas de
so, identifica-se, agora, em cada segurança no trabalho, o educando
componente curricular, quais con- não pode ter por objetivo apenas de-
ceitos estão mais presentes nele e corar e dominar as referidas normas
quais podem ser mais explorados para planejamento, execução, manu-
pelas caraterísticas da área de co- tenção e controle de qualidade das
nhecimento deste componente obras, como lhe exige o perfil técni-
curricular. Tais conceitos serão fa- co, porque este mesmo perfil exige
voráveis para identificação de si- uma formação humanística e cultura
tuações problemas da realidade geral integrada à formação técnica,
do educando e, a partir dos quais, tecnológica e científica; de forma
o docente poderá nortear suas que o profissional atue com base em
práticas pedagógicas, de forma in- princípios éticos e de maneira sus-
tegrada com as áreas de atuação, tentável. Assim, perceber-se-á, por
anteriormente, identificadas (as exemplo, que ética, relação interpes-
quais, por sua vez, também, apre- soal, responsabilidade, cidadania,
sentarão estes e/ou mais conceitos saúde, comunicação e diálogo são
geradores). conceitos geradores/integradores
presentes no perfil desejado e que
Obs.: os conceitos integradores/ são trabalhados não só no conteúdo

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 127


de Segurança no Trabalho, mas tam- vista, uma composição semelhante à
bém na Filosofia, Sociologia, Língua organização tradicional, consideran-
Portuguesa, Biologia, Gerenciamen- do a especificidade e a fragmentação
to Ambiental, Artes e História. das ciências, como se dá, contempo-
Obs.: alguns conceitos gerado- raneamente, em regra, nos Cursos
res/integradores serão tomados por Técnicos Integrados ao Ensino Mé-
regra em toda realização do curso, dio. O diferencial pretendido, aqui,
por exemplo, no curso de Técnico em está no fato de que, embora organi-
Edificações: sustentabilidade, execu- zado, ainda, de forma disciplinar, ge-
ção, técnica, ética etc. rando uma aparente fragmentação,
essas disciplinas foram constituídas
e estão integradas pela ênfase tec-
3.5. Delimitação das unidades de
nológica, pelas áreas de integração
ensino e aprendizagem da forma- e pelos conceitos geradores. Isso re-
ção técnica vela que, com essa visualização, na
forma da organização curricular, e,
• Conhecimentos técnicos agru- principalmente, pela participação
pados por grau de intensidade no processo de elaboração da mes-
tecnológica, da menor para a ma, os educadores e os educandos
maior intensidade técnica e mantêm presente a integração do
tecnológica; conhecimento entre as ciências, pos-
• divisão dos componentes cur- sibilitando o trânsito do particular ao
riculares da área técnica em universal e vice-versa, sem perder de
três unidades de ensino e de vista a essência da proposta estabe-
aprendizagem, da menor in- lecida no itinerário formativo.
tensidade para a maior intensi- Deve-se observar, no entanto,
dade, em cada unidade de en- que essa organização, ainda, que, fra-
sino e de aprendizagem; e gilmente, integrada pela ênfase tec-
• realizado esse movimento, pas- nológica, pelas áreas de integração
sa-se, então, com a mesma me- e pelos conceitos geradores, deixa
todologia, para a composição uma lacuna a ser preenchida. Nessa
da área básica, e essas integra- “lacuna”, reside a possibilidade fática
das à área técnica, num segun- da proposta do currículo integrado
do movimento interdisciplinar. não passar de uma formalidade cur-
ricular.
Dessa forma, tem-se, à primeira

128
Como preencher essa lacuna? sões da ciência, da tecnologia, da
Pode ser, parcialmente, preenchida cultura e do trabalho.
com metodologias de ensino e de Antes de definirmos o conceito e
aprendizagem, como também com a metodologia de Prática Profissio-
a formação continuada de docentes, nal Integrada, é necessário ter claro
o que é possível sugerir e exempli- o significado de Prática Profissional
ficar na organização curricular, mas compreendido nessa organização.
cuja concretização depende única e
exclusivamente dos sujeitos envol- A Prática Profissional é uma es-
vidos no processo de ensino e de tratégia educacional favorável para a
aprendizagem. contextualização, a flexibilização e a
integração curricular, abrangendo as
Torna-se, assim, necessário pen- diversas configurações da formação
sar em metodologias de ensino e de profissional vinculadas ao perfil do
aprendizagem que conduzam, nos egresso.
Cursos Técnicos Integrados ao En-
sino Médio, o movimento contínuo De acordo com a Resolução CNE
e integrado entre as especialidades nº 6/2012 (grifo nosso):
necessárias para a formação preten- Art. 21. A prática profissional, pre-
vista na organização curricular do
dida, preenchendo, ao máximo pos- curso, deve estar continuamente
sível, a lacuna gerada pela fragmen- relacionada aos seus fundamentos
tação dos saberes e tentando, desse científicos e tecnológicos, orientada
pela pesquisa como princípio peda-
modo, superar, ao menos em partes, gógico que possibilita ao educando
o ensino conteudista e disciplinar. enfrentar o desafio do desenvolvi-
mento da aprendizagem perma-
Como metodologias e ações de nente, integra as cargas horárias
ensino e de aprendizagem possíveis, mínimas de cada habilitação profis-
para realizar o movimento interdisci- sional de técnico e correspondentes
etapas de qualificação e de especia-
plinar e integrador pretendido, pro- lização profissional técnica de nível
põem-se, por exemplo, a previsão médio.
de atividades complementares, os § 1º A prática na Educação Profis-
Projetos Integradores, a constituição sional compreende diferentes situ-
ações de vivência, aprendizagem e
de núcleos de estudos e de inclusão, trabalho, como experimentos e ati-
a pesquisa, a extensão, as visitas téc- vidades específicas em ambientes
nicas; enfim, Práticas Profissionais In- especiais, tais como laboratórios,
oficinas, empresas pedagógicas,
tegradas que consideram as dimen- ateliês e outros, bem como inves-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 129


tigação sobre atividades profis- curso.
sionais, projetos de pesquisa e/ou
intervenção, visitas técnicas, simula-A Prática Profissional Integrada
ções, observações e outras. não exclui as demais formas de in-
tegração que possam vir a comple-
mentar a formação dos estudantes,
Essa definição leva ao planeja-
ampliando seu aprendizado.
mento da organização curricular dos
cursos técnicos do IF Farroupilha, ga- A prática profissional poderá ser
rantindo, por excelência, um espaço/ planejada e realizada por meio de
tempo na matriz curricular que pos- visitas técnicas, de oficinas, de pro-
sibilite a articulação entre os conhe- jetos integradores, de estudos de ca-
cimentos construídos nas diferentes sos, de experimentos e de atividades
disciplinas do curso, propiciando a específicas em ambientes especiais;
flexibilização curricular e a ampliação tais como laboratórios, oficinas, em-
do diálogo entre as diferentes áreas presas pedagógicas, ateliês e outros;
de formação, motivando os estudan- bem como por meio da investigação
tes em processo formativo, do início sobre atividades profissionais, de
até a conclusão do curso, já que eles projetos de pesquisa e/ou interven-
estão em permanente contato com a ção, de visitas técnicas, de simula-
prática real de trabalho. ções, entre outras formas de integra-
ção previstas no Projeto Pedagógico
A Prática Profissional Integrada
do Curso; consoantes às Diretrizes
visa agregar conhecimentos da área
Institucionais para os Cursos Técni-
básica e da área técnica, como tam-
cos no IF Farroupilha.
bém a integração entre as disciplinas
básicas, entre as disciplinas técnicas São objetivos principais da Práti-
e entre as disciplinas básicas e as dis- ca Profissional Integrada:
ciplinas técnicas. • aprofundar o entendimento do
A Prática Profissional Integrada perfil do egresso e das áreas de
visa o desenvolvimento da prática atuação do curso;
profissional, proporcionando ao es- • aproximação da formação dos
tudante a possibilidade de contato alunos com a prática real de
com a prática real de trabalho, além trabalho;
dessa possibilidade poder ser aten-
• articulação horizontal e verti-
dida, também, por meio do estágio
cal do conhecimento da unida-
supervisionado, quando previsto no

130
de de ensino, oportunizando o • promover a interdisciplinarie-
espaço de discussão e o espa- dade.
ço aberto para entrelaçamento
com outras disciplinas, de ma-
neira que as demais disciplinas A PPI deve ser realizada por meio
do curso, também, participem de metodologias de ensino que
desse processo; contextualizam a aplicabilidade dos
conhecimentos aprendidos no de-
• operacionalização de uma in- correr do processo formativo, pro-
tegração vertical do currículo, blematizando a realidade, fazendo
proporcionando unidade em com que os estudantes, por meio de
todo o curso, compreenden- estudos, pesquisas e práticas desen-
do uma sequência lógica e volvam projetos e ações, baseados
um aprofundamento, cada vez na criticidade e na criatividade.
maior, dos conhecimentos em
contato com a prática real de A Prática Profissional Integrada
trabalho; tem, como principal base, o perfil
do egresso e o itinerário formativo,
• viabilização da efetiva aplica- possibilitando contínuo e articulado
ção da prática profissional es- aproveitamento de estudos e de ex-
pecífica de cada curso; periências profissionais e o contato
• espaço destinado aos enfo- com a prática real de trabalho.
ques para as habilitações de- A Prática Profissional Integrada,
sejadas pelo curso, conforme a na organização curricular em núcle-
localização geográfica em que os, é parte essencial do Núcleo Poli-
se encontra e as particularida- técnico, o qual é espaço onde se ga-
des regionais; rantem, concretamente, conteúdos,
• ser um componente curricular formas e métodos responsáveis por
de convite permanente à refle- promover, durante todo o itinerário
xão-ação; formativo, a politecnia, a formação
• incentivar a pesquisa como integral e omnilateral e a interdispli-
princípio educativo; nariedade.

• integrar o trabalho manual Voltaremos, agora, a tratar


com o trabalho intelectual; e um pouco mais sobre a organização
dos três núcleos, a ser realizada após

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 131


a definição da matriz curricular dos dos componentes curriculares, das
cursos. práticas profissionais e dos conte-
A organização curricular dos cur- údos que compõem a estrutura do
sos técnicos do IF Farroupilha obser- projeto pedagógico do curso. Tam-
va as determinações legais presentes bém, é necessário considerar o que
na Lei nº 9.394/96, na Resolução nº estabelece o parágrafo único, do
4/2010, nas Diretrizes Curriculares Art. 17, da Resolução CNE/CEB nº
Nacionais para a Educação Básica, na 06/2012, o qual aponta que: “quando
Resolução nº 2/2012, nas Diretrizes se tratar de profissões regulamenta-
Curriculares Nacionais para o Ensi- das, o perfil profissional de conclu-
no Médio, na Resolução nº 6/2012, são deve considerar e contemplar
nas Diretrizes Curriculares Nacionais as atribuições funcionais previstas
da Educação Profissional Técnica de na legislação específica referente ao
Nível Médio e no Catálogo Nacional exercício profissional fiscalizado.”.
dos Cursos Técnicos. A organização curricular passa
Trata-se de uma organização que pela concepção de educação que
possibilita a articulação entre traba- une o conteúdo, o método, a forma
lho, ciência, tecnologia e cultura, à e a estruturação, o que articula a for-
medida que os eixos tecnológicos se mação básica e técnica.
constituem por meio da união de ba-
ses científicas comuns e de processos 4. Constituição dos núcleos
produtivos, econômicos e culturais.
A constituição dos núcleos se
Nessa perspectiva, a organização dará com base na identificação dos
curricular dos cursos técnicos do IF conhecimentos e das habilidades
Farroupilha deverá estar baseada na- que possuem maior ênfase tecnoló-
quilo que define o perfil de egresso gica e maiores áreas de integração
do respectivo curso, considerando os no curso.
conhecimentos e as habilidades que
o estudante deverá adquirir ao longo
do curso.
O perfil do egresso deve ser o
ponto de partida para o planejamen-
to do currículo, norteando a defini-
ção da justificativa, dos objetivos,

132
Figura 2

A organização, por núcleos, leva, IF Farroupilha, a ênfase tecnológi-


em consideração, como dimensões ca, as áreas de integração e os con-
integradoras do currículo: o trabalho, ceitos geradores necessários para
a ciência, a tecnologia e a cultura. a formação;
Para organizar a constituição de iv) definir as formas de inte-
cada núcleo é necessário: gração a serem desenvolvidas no
i) observar, rigorosamente, o curso, garantido o currículo inte-
perfil profissional do egresso do grado;
curso para identificação dos co- v) considerar as atividades a
nhecimentos e das habilidades ne- serem definidas pelo campus na
cessárias; elaboração do PPC; e
ii) organizar conhecimentos e vi) integrar ensino, pesquisa e
habilidades em disciplinas; extensão, com base no Plano de
iii) considerar os conteúdos Desenvolvimento Institucional e
organizados em disciplinas, con- no Projeto Político Pedagógico da
forme indicado no Currículo de Instituição.
Referência dos Cursos Técnicos do

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 133


O Núcleo Tecnológico é o espaço mentação, a capacidade reflexiva e a
da organização curricular no qual se autonomia intelectual; contribuindo
concentram as disciplinas que tra- para a constituição de sujeitos pen-
tam dos conhecimentos e das habi- santes e capazes de dialogar com
lidades inerentes/específicas à for- os diferentes conceitos. O Núcleo
mação técnica, as quais têm maior Básico, para os cursos subsequentes
ênfase tecnológica e menor área de ou concomitantes, é constituído a
integração com as demais discipli- partir de conhecimentos e de habi-
nas do curso, em relação ao perfil lidades inerentes à Educação Básica
do egresso do curso. Instrumenta- para complementação e atualização
lizam-no domínios intelectuais das de estudos, em consonância com o
tecnologias, pertinentes ao eixo respectivo eixo tecnológico e o perfil
tecnológico do curso, fundamentos profissional do egresso.
instrumentais de cada habilitação, O Núcleo Politécnico é o espaço
e fundamentos que contemplam as da organização curricular ao qual se
atribuições funcionais previstas nas destinam as disciplinas que tratam
legislações específicas referentes à de conhecimentos e de habilidades
formação profissional. inerentes à Educação Básica e Téc-
O Núcleo Básico é o espaço nica, as quais têm maior área de in-
da organização curricular ao qual se tegração com as demais disciplinas
destinam as disciplinas que tratam do curso, em relação ao perfil do
dos conhecimentos e das habilida- egresso do curso, e com os modos
des inerentes à Educação Básica, as de integração. São conteúdos cor-
quais têm menor ênfase tecnológica respondentes ao eixo tecnológico
e menor área de integração com as e, também, elementos expressivos
demais disciplinas do curso, em re- para a integração curricular do curso.
lação ao perfil do egresso do curso. Sendo assim, na organização curri-
O Núcleo Básico, para os cursos inte- cular, o Núcleo Politécnico será, por
grados, é constituído, basicamente, excelência, o espaço no qual serão
a partir de conhecimentos e de ha- previstas as principais formas de in-
bilidades nas áreas de linguagens e tegração do currículo, além de dis-
seus códigos, de ciências humanas, ciplinas estratégicas para promover
de matemática e de ciências da na- essa integração.
tureza, as quais têm por objetivo de- O Núcleo Politécnico compreen-
senvolver o raciocínio lógico, a argu- de fundamentos científicos, sociais,

134
organizacionais, econômicos, políti- regra, se reivindica muitos conteú-
cos, culturais, ambientais, estéticos dos considerados como necessários
e éticos, os quais alicerçam as tecno- de serem ensinados.
logias e a contextualização do eixo Na discussão, para identificação
tecnológico no sistema de produção das áreas de integração, percebe-se
social. A organização curricular é o que muitos conhecimentos e conteú-
espaço em que se garantem, concre- dos são trabalhados mais de uma vez
tamente, conteúdos, formas e mé- em disciplinas diferentes, os quais,
todos responsáveis por promover, agora, poderiam ser compartilhados
durante todo o itinerário formativo, entre esses componentes, diminuin-
a politecnia, a formação integral e do, também, a necessidade de mais
omnilateral e a interdisciplinaridade. carga horária, para que o educando
Sendo assim, o Núcleo Politécnico, tivesse o mesmo conteúdo, muitas
na organização curricular, tem o ob- vezes, sem perceber a relação entre
jetivo de ser o elo entre o Núcleo Tec- um componente curricular e outro.
nológico e o Núcleo Básico, criando
espaços contínuos durante o itinerá- Obviamente, o sucesso desse ob-
rio formativo para garantir meios de jetivo não depende da organização
realização da politecnia. do currículo, mas, sim, de seu de-
senvolvimento contínuo, de forma
planejada coletivamente, com mo-
5. Distribuição da carga
mentos específicos para a integração
horária curricular tanto entre os docentes,
no planejamento e na orientação das
A reorganização das matrizes
diversas possibilidades de metodo-
e dos ementários, principalmente,
logias e de práticas, as quais se origi-
identificando a ênfase tecnológica e
nam desse processo, quanto para os
as áreas de integração em cada cur-
estudantes, na realização dessas e no
so, possibilita perceber quais são os
desenvolvimento da autonomia para
conhecimentos essenciais para se
além da sala de aula.
atender determinado perfil de egres-
so, diminuindo, dessa maneira, con- Trata-se de um objetivo impos-
sideravelmente, o tradicional currí- sível de ser alcançado com eleva-
culo conteudista e, por conseguinte, das cargas horárias em sala de aula,
a excessiva carga horária reclamada o que gera ausência de tempo para
para cada disciplina, visto que, em que os docentes possam fazer forma-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 135


ção pedagógica em serviço, discutin- esses cursos, que são os de maior
do a própria prática, acompanhando duração na proporção do Catálogo
e avaliando o desenvolvimento do Nacional (1.200h), ficaram com, no
curso; e, afetando, também, os alu- máximo, 3.200 horas-relógio (3.840
nos que não possuem tempo para horas-aula), possibilitando, assim,
desenvolverem outras atividades no que cada campus organize os horá-
campus, além da sala de aula, como rios de forma tal a se ter, no mínimo,
estudos em grupos, pesquisas, acom- três turnos por semana sem alunos e
panhamento e orientação de apoio professores em sala de aula, os quais
com as equipes multidisciplinares, e podem desenvolver inúmeras outras
atividades culturais entre outras. atividades fora da sala de aula (os
Tomemos, por base, um Curso cursos com 3.000h ou 3.100h podem
Técnico Integrado cuja carga horária ter turnos a mais sem hora-aula).
mínima, prevista na Resolução CNE O quadro, a abaixo, demonstra
nº 06/2012, seja de 3.200 horas-re- uma simulação de organização da
lógio, o qual, antes, era realizado no carga horária semanal que possibili-
IF Farroupilha com 3.600 e até 3.800 ta essa proposta.
horas-relógio, o que obrigava a pre-
encher todos os períodos semanais
em sala de aula. Com as Diretrizes,
Quadro 2

136
Isso expressa que não se dimi- b) delimitação de componen-
nuiu a duração dos cursos. Elimi- tes curriculares e de ementas da
nou-se, sim, boa parte do currículo área técnica, movimento pluridis-
conteudista e engessado, possibili- ciplinar;
tando espaços para recuperação pa- c) identificação de pré-requi-
ralela, reuniões pedagógicas entre sitos para o desenvolvimento do
os docentes para planejamento e conhecimento da área técnica es-
construção das atividades de ensi- pecífica;
no; enquanto os alunos podem de-
senvolver atividades orientadas nos d) construção das ementas da
laboratórios e nos grupos de estudo; formação técnica: identificação
atividades culturais; receber apoio dos conhecimentos/conteúdos es-
dos profissionais técnicos em peda- pecíficos, ênfase tecnológica;
gogia, psicologia, assistência social, e) identificação das áreas de
enfermagem e dos demais colegas. integração técnica e dos conceitos
Desse modo, ainda, esses estu- geradores/integradores, primeiro
dantes podem realizar visitas técni- movimento interdisciplinar;
cas e trabalhos de campo; desenvol- f) delimitação das unidades
ver seus projetos de pesquisa e de de ensino e aprendizagem da for-
extensão; e ter um leque enorme de mação técnica: conhecimentos
possibilidades que se expande, des- técnicos agrupados por grau de
de que haja disposição e interesse intensidade tecnológica da menor
dos envolvidos no processo de ensi- para a maior intensidade técnica e
no e de aprendizagem. tecnológica;
Em síntese, o planejamento, a g) primeira aproximação da
implementação, o acompanhamen- formação técnica com a formação
to e a revisão da proposta de organi- básica por meio da identificação
zação curricular, dos cursos técnicos das possíveis áreas/ conhecimen-
do IF Farroupilha, com vistas ao currí- tos/conteúdos de integração da
culo integrado e à formação integral, formação básica, com cada com-
implicariam nos seguintes passos: ponente curricular (área/conheci-
a) perfil profissional do egresso mentos/ conteúdos) da formação
detalhado com as atribuições ine- técnica e vice-versa. Identificação
rentes à profissão; dos conceitos geradores/integra-
dores por área do Ensino Médio,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 137


segundo movimento interdiscipli- mento transdisciplinar;
nar; n) promoção da possibilidade
h) delimitação de componen- da transdisciplinaridade;
tes curriculares e de ementas da o) integração por meio de me-
formação básica, movimento plu- todologias de aproximações su-
ridisciplinar; cessivas entre os conhecimentos
i) identificação da menor ou da trabalhados no currículo e as ca-
maior intensidade dos componen- racterísticas socioculturais, visan-
tes da formação básica; do à integralidade física, mental,
j) delimitação das unidades de cultural, política, científico-tecno-
ensino e aprendizagem da forma- lógica do educando; movimento
ção básica: conhecimentos agru- de integração e de formação inte-
pados por grau de intensidade gral/omnilateral;
tecnológica da maior para a me- p) delimitação da carga horária
nor intensidade científica e tecno- dos componentes curriculares, das
lógica; terceiro movimento inter- PPIs, das atividades complementa-
disciplinar; res, das unidades de ensino apren-
k) delimitação das unidades de dizagem; do Estágio Curricular
ensino aprendizagem da forma- Supervisionado e da carga horária
ção básica e da formação técnica: total do curso;
quarto movimento interdisciplinar q) metodologia de acompa-
pela aproximação entre as áre- nhamento, avaliação, atualização
as de integração identificadas na e análise da proposta do currículo
ementa; integrado no decorrer do curso;
l) identificação do componen- r) acompanhamento dos
te integrador das três áreas da for- egressos no mundo do trabalho;
mação básica: quinto movimento s) continuidade do processo de
interdisciplinar pela aproximação acordo com o movimento históri-
entre as áreas do Ensino Médio; co-dialético da dimensão ontoló-
m) integração entre as áreas gica do trabalho; e
da formação básica e da formação t) verticalização do ensino: cur-
técnica, e entre as três unidades de sos de aperfeiçoamento, de gradu-
ensino e de aprendizagem: movi- ação, de especialização, de mestra-

138
do profissionalizante etc. do seguinte ponto: prevaleceu a au-
toridade do argumento ao invés do
argumento da autoridade que, para
muitos, é o caminho mais fácil.
6. Conclusão
O mesmo trabalho foi realizado,
O que faremos? paralelamente, para a organização
dos cursos superiores que, respeita-
O que apresentamos, aqui, foi das as especificidades desse nível de
uma brevíssima síntese do trabalho formação, se deu pelos mesmos mo-
realizado para elaboração das Dire- tivos e com os mesmos objetivos: a
trizes Institucionais e da organização gestão democrática do ensino, a par-
curricular. A opção metodológica to- ticipação coletiva na concepção pe-
mada, certamente, não foi das mais dagógica da Instituição e a qualida-
fáceis de realizar, uma vez que, pro- de do ensino público ofertado pelo
por a construção coletiva, com a par- IF Farroupilha. As Diretrizes foram
ticipação direta de centenas de pes- ratificadas pela comunidade interna
soas, de lugares, de formações e de e externa, visto que, mesmo recen-
concepções, muito distintas, é, sem temente aprovadas, foram fruto de
dúvida, um desafio ousado e quase submissão à ampla consulta pública
suicida. Todavia, sem dúvida, é grati- durante a discussão e a elaboração
ficante porque, apesar das inúmeras do Plano de Desenvolvimento Ins-
dificuldades, na mediação dos con- titucional 2014 a 2018/19, e foram
flitos, o que se teve, como produto anexadas a este documento, direta-
final, não é fruto de pretensão, já que mente, relacionadas à essência do
não se tinha a pretensão que fosse o Projeto Pedagógico Institucional, o
“melhor dos mundos possíveis” (na que reforçou a legitimidade e o re-
compreensão Cândida, de Voltaire), conhecimento do trabalho por toda
mas é o melhor possível, dentro do comunidade interna e a ampla parti-
que os interessados puderam fazer cipação da comunidade externa no
em busca de um mundo melhor no projeto pedagógica institucional.
que tange à organização didático
-pedagógica dos Cursos Técnicos do Agora, serão necessárias ações
IF Farroupilha. Há quem discorde e, permanentes de acompanhamen-
talvez, com razão, desse ou daquele to, de avaliação e de revisão das Di-
ponto, mas não há que se discordar retrizes Institucionais e das normas

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 139


e das atividades delas oriundas e,
principalmente, dos Projetos Peda-
gógicos de Curso, reformulados com
base nessas orientações, para que
não se torne uma letra morta, mas
um instrumento eficiente para que,
realmente, seja o ponto de partida
comum para a construção coletiva,
com vistas à excelência institucional
da oferta da Educação Profissional
Técnica e Tecnológica.
Reiterando o poeta, Mário Quin-
tana, “Democracia é dar a todos o
mesmo ponto de partida.”. Salvo to-
das as críticas pertinentes possíveis,
só uma seria a mais impertinente: a
que não foi dado a todos o direito
de partir do mesmo ponto. Se acer-
tamos, não sabemos. Se erramos, os
dias vindouros nos dirão e nos darão
a oportunidade de reconhecer as
fraquezas, de concentrar nos pontos
fortes, de proteger das ameaças e
de, juntos, consolidar a maturidade
e a identidade institucional as quais
buscamos.

140
CURRÍCULO INTEGRADO NO IF GOIANO:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Simônia Peres da Silva1, Cláudio Virote2
1
e 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano
E-mail: simonia.peres@ifgoiano.edu.br

1. INTRODUÇÃO estar engajados neste processo con-


tínuo de integração.
A proposta de integração da edu-
Nessa direção, a referida propos-
cação geral com a educação profis-
ta surgiu em função de uma deman-
sional na Rede EPCT, estabelecida
da originária no Curso de Formação
pelo Decreto nº 5.154/2004 e pela
Pedagógica Continuada no qual le-
Resolução CNE/CEB nº 6/2016, tem
vantaram-se as seguintes questões:
em sua origem orientações que vi-
Como construir, sob o ponto de vista
sam a promoção e desenvolvimento
prático, um PPC (ou matriz curricular)
da formação integral dos educandos,
na perspectiva do currículo integra-
no sentido de superar a dualidade
do? Como organizar os conteúdos
histórica entre teoria e prática no
e práticas pedagógicas no currícu-
processo de ensino-aprendizagem,
lo integrado? Assim, pensando em
bem como não reduzir a formação
tais questões, foi sugerido que cada
do trabalhador às necessidades do
campos indicasse um servidor para
mercado de trabalho.
compor um comitê, obrigatoriamen-
Entretanto, a efetivação da inte- te que estivesse participando do
gração curricular e pedagógica no curso de formação pedagógica, com
ensino médio como preconiza os do- a finalidade de discutir, problemati-
cumentos oficiais, requer a constru- zar, construir e implementar um PPC
ção de propostas alicerçadas em um numa perspectiva integradora, vi-
comprometimento coletivo entre sando buscar soluções para integra-
alunos, professores, coordenadores, ção dos componentes curriculares e
diretores, corpo técnico administra- nas práticas pedagógicas. Dessa for-
tivo, enfim, todos os setores deverão

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 141


ma, durante a realização do Progra- údos historicamente acumulados,
ma de Formação em agosto/2016, foi e apropriam-se da cultura, dos co-
criado o Comitê Institucional, bem nhecimentos, das habilidades e dos
como o cronograma de atividades modos de pensar, agir e sentir de-
e atribuições de cada componente. senvolvidos pela humanidade. Esse
O Projeto contou com a adesão dos conhecimento serve como elemento
campi Catalão, Ceres, Hidrolândia e estratégico de emancipação social e
Iporá. política, na luta pela desarticulação
O objetivo desse relato de experi- do poder dos grupos dominantes e
ência é apresentar os resultados par- pela organização de uma nova or-
ciais da construção e implementação dem social. Conforme afirma Libâ-
do Projeto Piloto do Currículo Inte- neo (2009, p.10), a função da escola
grado no âmbito do IF Goiano, que “é garantir a todos os alunos uma
teve início em 2016. Como veremos base cultural e científica comum e
a seguir, foram desenvolvidas várias uma base comum de formação mo-
atividades para efetivação da pro- ral e de práticas de cidadania, base-
posta, tais como: a reformulação co- adas em critérios de solidariedade e
letiva dos projetos pedagógicos dos justiça, na alteridade, na descoberta
cursos técnicos, alterações das matri- e respeito pelo outro, no aprender a
zes curriculares visando a articulação viver junto”.
das disciplinas básicas e profissiona- Nessa mesma direção, Ramos
lizantes, a construção de estratégias (2003) afirma que é necessário ga-
didático-pedagógicas de integração, rantir o direito de acesso aos conhe-
socialização das experiências entre cimentos socialmente construídos,
os campi, entre outras. tomados em sua historicidade, sobre
uma base unitária que sintetize hu-
2. ALGUNS FUNDAMENTOS manismo e tecnologia. Assim, a am-
pliação das finalidades da educação
Um conceito norteador na elabo- escolar, que inclui a preparação para
ração e implementação do Projeto o exercício de profissões técnicas, a
Piloto é que a força transformadora iniciação científica, a ampliação cul-
da escola está, portanto, nas suas tural, o aprofundamento de estudos,
práticas educativas e institucionais, requer inicialmente o trabalho como
na medida em que, por meio de- princípio educativo, a pesquisa como
las, os alunos aprendem os conte- princípio pedagógico e a atividade

142
coletiva como princípio formador no democrática, respeito, transparên-
ensino médio, antes de considerá-lo cia e probidade pública, de maneira
como prática estritamente produtiva a preservar a sua dignidade e a de-
pela qual se busca garantir a forma- senvolver ações junto à sociedade
ção exclusivamente para o mercado com base nos mesmos valores; d) a
de trabalho. educação profissional e tecnológica
Além dessa base teórica, as ativi- pressupõe, portanto, uma qualifica-
dades desenvolvidas no Projeto Pi- ção intelectual, ampla o suficiente
loto foram norteadas também pelas para permitir o domínio de métodos
orientações do Plano de Desenvolvi- analíticos e de múltiplos códigos e
mento Institucional (PDI) do IF Goia- linguagens para consolidar, por sua
no, que define os alguns princípios vez, uma base sólida para a constru-
pedagógicos direcionadores das prá- ção contínua e eficiente de conheci-
ticas educativas: a) compromisso de mentos específicos.
romper com a dualidade entre teoria
e prática, dimensões indissociáveis 3. PROCEDIMENTOS
para a educação integral, pois ne- METODOLÓGICOS
nhuma atividade humana se realiza
sem elaboração mental, sem uma te- Mesmo definidos algumas dire-
oria em que se referencie, apesar de trizes gerais comuns, os coordena-
ser a prática o objetivo final de toda dores do Projeto Piloto, vinculados
aprendizagem; b) não admite a sepa- a Pró-Reitoria de Ensino, incentiva-
ração entre as funções intelectuais e ram que cada campus construísse
técnicas, respaldando uma concep- sua proposta pedagógica integrada.
ção de formação profissional que Acreditou-se que o sucesso do Proje-
unifique ciência, tecnologia e traba- to só seria possível por meio da au-
lho, bem como atividades intelectu- tonomia e protagonismo dos sujei-
ais e instrumentais; c) a educação, em tos envolvidos. Em outras palavras,
todos os seus níveis e modalidades, projetos desenvolvidos distantes das
deve ser encarada como referencial reais necessidades dos sujeitos que
permanente de formação geral que efetivamente implementam, sem le-
encerra como objetivo fundamental var em conta as características orga-
o desenvolvimento do ser humano nizacionais de cada campus que irão
orientado pelos valores da justiça so- aplicá-los, não só podem desperdi-
cial, equidade, solidariedade, gestão çar um instrumento essencial para a

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 143


integração do curso, como também, coletivamente as estratégias aca-
criam um campo fértil ao apareci- dêmico-científicas de integração);
mento de resultados contraditórios c) considerar os estudos e ar-
com os próprios objetivos do proje- ranjos produtivos locais, buscando
to. E isto porque cada campus dispõe identificar as oportunidades ocu-
de uma identidade própria que, via pacionais, as tendências da dinâ-
de regra, não é conhecida ou apro- mica sócioprodutiva local, regio-
veitada. nal, nacional e global;
Assim, respeitada tais especifi- d) geração de tempos e espa-
cidades, é possível afirmar que os ços docente para a realização de
campi construíram e deram início atividades coletivas;
a implementação do Projeto Piloto
considerando pelo menos cinco eta- e) integração com familiares
pas: a) reformulação dos Projetos Pe- dos estudantes e a sociedade em
dagógicos de Cursos; b) problemati- geral.
zação e diagnóstico da realidade; c) f) indissociabilidade entre en-
organização curricular; d) organiza- sino, pesquisa e extensão.
ção didática; e) avaliação do proces-
so e replanejamento.
Para tanto, foram realizadas vá-
Na primeira etapa foram refor-
rias reuniões e encontros formativos
mulados os Projetos Pedagógicos de
com professores, coordenadores dos
Cursos (PPCs) do ensino médio inte-
cursos e técnicos administrativos, vi-
grado à educação profissional, que
sando construir um diálogo e adesão
participaram do Piloto, buscando a
desses profissionais.
integração da educação geral com a
educação profissional, tendo como Com o objetivo de unificar a re-
base os seguintes princípios: formulação dos Projetos Pedagó-
gicos de Cursos (PPCs) do ensino
a) base teórica associada ao
médio, buscando a integração da
trabalho como princípio educati-
educação geral com a educação pro-
vo, o trabalho coletivo como prin-
fissional, foi criado coletivamente e
cípio formativo e a pesquisa como
com base nos dispositivos legais (Re-
princípio pedagógico.
solução CNE/CEB n. 6/2012; Catálogo
b) reelaboração coletiva do Nacional de Cursos - 3ª Edição, 2016;
PPC integrador (discutir e elaborar Classificação Brasileira de Ocupa-

144
ções - CBO) algumas diretrizes. Desse vo e formação para currículo integra-
modo, a carga horária máxima dos do deverão acontecer com periodici-
cursos técnicos integrados ao ensino dade semanal e será organizado pelo
médio ficou estabelecida a partir do Comitê Local.
mínimo estabelecido na Resolução Em relação a matriz curricular
CNE/CEB n. 6, de 20 de setembro de dos cursos criados ou reformulados
2012, em seu artigo 27, que estabe- na perspectiva do currículo integra-
lece que: do, ficou definido que deveriam ter
Os cursos de Educação Profissio- como foco o perfil profissional de
nal Técnica de Nível Médio, na forma conclusão e deverá ser organizada a
articulada com o Ensino Médio, inte- partir de três núcleos de formação:
grada ou concomitante em institui- a) Núcleo Básico é constituí-
ções de ensino distintas com projeto do pelas disciplinas e conteúdos
pedagógico unificado, têm as cargas vinculados à educação básica, es-
horárias totais de, no mínimo, 3.000, truturados pelos conhecimentos
3.100 ou 3.200 horas, conforme o e habilidades nas áreas de lingua-
número de horas para as respecti- gens e códigos, ciências humanas,
vas habilitações profissionais indica- matemática e ciências da natureza.
das no Catálogo Nacional de Cursos
Técnicos, seja de 800, 1.000 ou 1.200 b) Núcleo Articulador é o espa-
horas. ço curricular organizado pelos fun-
damentos científicos, sociais, orga-
Foi estabelecido um excedente nizacionais, econômicos, políticos,
para a carga horária de até o limi- culturais, ambientais, estéticos e
te de 10% (dez por cento) da carga éticos que alicerçam as tecnologia
horária estabelecida para a parte e a contextualização do eixo tec-
técnica, ou seja, 80, 100 ou 120 ho- nológico no sistema de produção
ras, para cursos de 800, 1000 ou 1200 social. Tem o objetivo de fazer a
horas, respectivamente. Solicitou-se integração entre o Núcleo Técnico
aos campi Pilotos um cronograma e Núcleo Básico, criando espaços
previsto no calendário escolar para contínuos para garantir meios de
encontros de planejamento coletivo realização da politecnia, a forma-
e formação específica para o currícu- ção integral, a omnilateralidade e
lo integrado. Ficou acordado, que os a interdisplinariedade.
encontros para planejamento coleti-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 145


c) Núcleo Profissional é cons-
ções, bem como propostas de supe-
ração. Para tanto, inicialmente foi re-
tituído pelas disciplinas e conte-
alizada a escuta dos alunos, por meio
údos relacionados à qualificações
profissionais e especializações de dinâmicas e rodas de conversas.
Nessas atividades, foi possível levan-
técnicas de nível médio, caracteri-
tar várias informações importantes
zadas a partir do perfil do egresso,
campo de atuação e atribuições sobre a realidade concreta dos alu-
nos e particularidades do curso. A
previstas nas legislações especí-
ficas referentes a educação pro-partir dessa escuta, foi organizado
fissional (Catálogo Nacional de um conjunto de dados e informa-
ções que apresentassem significa-
Cursos; Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO); normas associa-do para o aluno, problematizando e
das ao exercício Profissional). relacionando tais informações com
Além disso, solicitou-se que o processo produtivo da área profis-
as estratégias de integração deve- sional. Todas essas informações, fo-
riam constar no PPC, no item que ram organizadas para definição dos
trata das metodologias, entretanto a temas geradores e eixos temáticos
escolha e o detalhamento da(s) me- como ponto de partida para elabo-
todologia(s) devem constar em do- ração das atividades e projetos inte-
cumento à parte. Quanto as metodo- gradores.
logias empregadas para integração, Na terceira etapa, foi reelaborada
optou-se pelos seguintes instrumen- de forma coletiva (professores, técni-
tos: projeto de ensino-aprendiza- cos administrativos, coordenadores
gem; projeto integrador; regência e diretores) a organização curricular.
compartilhada. Definiu-se ainda, que Com base em Rodrigues (2010) e Ra-
todo planejamento coletivo deveria mos (2008), os professores analisa-
ser registrado em documento pró- ram, problematizaram e interpreta-
prio detalhando todo o processo de ram as falas dos alunos, escolheram
construção curricular e implementa- os temas geradores e construíram as
ção do currículo integrado. atividades integradoras. Articulado a
Na etapa de Problematização e isso, foram realizadas reuniões para a
Diagnóstico, os campi fizeram o le- abertura das ementas das disciplinas
vantamento preliminar da realidade do curso a fim de identificar áreas e
do curso e dos estudantes, buscando conteúdos a serem integrados, con-
identificar os problemas e contradi- siderando as sobreposições de con-

146
teúdos, similaridades entre as disci- dade. Caso a avaliação diagnostique
plinas e as afinidades apresentadas que o aluno não apreendeu deter-
não apenas nos conteúdos, mas tam- minado conceito ou conhecimento,
bém entre os próprios professores. este precisa ser retomado pelo pro-
No momento o Projeto Piloto está fessor.
iniciando a quarta etapa, que se refe-
re a Organização Didática. O objetivo 4. RESULTADOS
dessa fase é planejar de forma coleti-
O planejamento e implementa-
va e individual as aulas, os projetos e
ção do Projeto contou com a adesão
as atividades pedagógicas, tendo em
de professores e técnicos adminis-
vista o tema gerador, os eixos temáti-
trativos. Por meio de várias reuniões,
cos e as relações presentes ou possí-
os coordenadores de curso conse-
veis na rede temática. Estão previstas
guiram sensibilizar os professores,
reuniões semanais para o trabalho
utilizando como argumento as van-
coletivo, momentos de troca de ex-
tagens de trabalhar de forma inte-
periências e formação, prevista no
grada, a necessidade de aproveitar a
PPC do curso. As aulas e práticas pe-
autonomia docente para planejar e
dagógicas estão sendo planejadas,
dinamizar a aula e, como fundamen-
desenvolvidas e avaliadas conside-
to da proposta, a observância da rea-
rando três momentos (estudo da re-
lidade concreta do sujeito educando
alidade; aprofundamento teórico ou
como fonte temática.
organização do conhecimento; apli-
cação do conhecimento). Foram criados grupos de traba-
lhos vinculados a um Comitê Local,
A quinta etapa, Avaliação do Pro-
sendo um para estudar a legislação,
cesso/Replanejamento, está sendo
outro para trabalhar a questão “o que
realizada durante todo o processo de
é currículo integrado” e outro analisar
planejamento e desenvolvimento do
a matriz curricular do curso. A partir
Projeto Piloto. O objetivo é fazer uma
de então, discentes, professores, téc-
avaliação diagnóstica, processual,
nicos e gestores puderam compar-
formativa e somativa, visando iden-
tilhar momentos ricos e produtivos,
tificar os limites e avanços do Projeto
nos quais foram reelaboradas cole-
Piloto, e principalmente se os alunos
tivamente as estratégias de integra-
estão aprendendo os saberes histo-
ção que envolviam tanto as questões
ricamente produzidos pela humani-
curriculares, quanto os processos de

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 147


ensino-aprendizagem. Além disso, No segundo encontro, que será
discutiu-se a articulação das disci- realizado no dia 26 de setembro de
plinas básicas e profissionalizantes, 2017, a proposta é discutir a imple-
bem como o aproveitamento dos mentação do Projeto Piloto do Currí-
espaços de aprendizagem no am- culo Integrado no âmbito do IF Goia-
biente de trabalho (visitas, estágios, no, buscando identificar os avanços e
atividades complementares etc.). desafios desse processo e apresentar
Os professores e técnicos admi- um plano permanente de formação
nistrativos envolvidos no Projeto pas- para docentes e técnicos administra-
saram a conhecer de fato o projeto tivos que já estejam participando da
pedagógico do curso e se aproxima- experiência piloto ou que tenham in-
ram da realidade dos alunos a partir teresse na implementação em outros
da escuta. Na sala de aula, o trabalho campi. Ressaltamos que esse plano
integrado facilitou o aprendizado de formação prevê a abordagem dos
dos alunos, isso porque eles passa- fundamentos e concepções teóri-
ram a fazer relações entre os conte- co-metodológicas que permeiam as
údos das disciplinas e as situações categorias trabalho, trabalho como
cotidianas vivenciadas. Outro ponto princípio educativo, trabalho coleti-
positivo, foi o melhor aproveitamen- vo, dentre outros.
to do tempo na sala de aula, na me- Para tanto, além dos professo-
dida em que a abertura das ementas res e técnicos administrativos, serão
pelos professores do núcleo básico e convidados para essa discussão alu-
nos envolvidos no projeto e pesqui-
profissional possibilitou a identifica-
ção dos conteúdos sobrepostos. sadores do IF Goiano que trabalham
Outro resultado importante do com essa temática. Como desdobra-
Projeto Piloto foi a criação do Fórum mento, foi estabelecida uma data no
do Currículo Integrado do IF Goiano. calendário acadêmico institucional
No primeiro encontro, que aconte- para realização do Fórum do Currícu-
ceu em outubro de 2016, foram dis- lo Integrado no IF Goiano com a par-
cutidas as experiências de integração ticipação de todos os campi.
do IF Farroupilha e do Curso Técnico
em Biotecnologia/campus Urutaí,
além da apresentação dos Projetos
de Cursos dos campi Iporá e Ceres.

148
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 5.154 de 23
de julho de 2004. Brasília, DF: 23 de
julho de 2004.
LIBÂNEO, José Carlos. As práticas
de organização e gestão da escola
e a aprendizagem de professores e
alunos. In: Presente! Revista de Educa-
ção, CEAP-Salvador (BA), 2009, jan./
abr. 2009.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Con-
selho Nacional de Educação. Reso-
lução nº 6 de 20 de setembro de
2012. Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Profissio-
nal Técnica de Nível Médio.
RAMOS, Marise Nogueira. Con-
cepções e princípios do ensino mé-
dio integrado. In: BRASIL
(2008). Ensino médio integra-
do: uma perspectiva abrangente na
política pública educacional. Brasília:
mimeo, 2008.
RODRIGUES, M. E. C. O trabalho
pedagógico a partir da metodolo-
gia de Projetos e de Tema Gerador.
2010.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 149


METODOLOGIAS INTEGrADORAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
CONSTRUINDO A PONTE ENTRE A BASE COMUM E AS DISCIPLINAS
TÉCNICAS NO ENSINO TÉCNICO INTEGRADO

Liz Carmem Silva-Pereira 1, José Ribamar Azevedo dos Santos 2


e Manoel Gonzaga de Oliveira Neto 3
, , Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, IFPA, campus Itaituba
1 2 3

E-mail: liz.pereira@ifpa.edu.br

1. INTRODUÇÃO dividuais e a soma destas, ao longo


do percurso de formação, orientan-
A concepção primeira do ensino do a vivência coletiva, durante o de-
integrado, especialmente filosófica, senvolvimento profissional, tendo-se
pressupõe integração de todas as assim, um profissional mais humano
dimensões da vida no processo for- e completo.
mativo, trazendo em seu bojo a for-
Todo esse arcabouço, em teoria,
mação do ser humano integral, em
tem uma conjugação perfeita, po-
que os conteúdos das disciplinas da
rém, na prática, por vezes a educação
educação de base comum são as-
integrada não passa de uma grande
sociadas às disciplinas do conjunto
“colcha de retalhos”, apresentando
tecnológico, específicas a cada curso,
fronteiras quase intransponíveis en-
unindo-se a isso as experiências de
tre os seus componentes curricula-
cada indivíduo, através de um pro-
res; gerando lacunas de interseção
cesso de contextualização.
de saberes, formando profissionais,
A força de trabalho, nesse mode- que em sua apresentação técnica,
lo, é substanciada em sua essência na assemelham-se a um tabuleiro de
construção do indivíduo em sua to- quebra-cabeças com partes des-
talidade, e não apenas na observân- montáveis e sem conexão, em que
cia das questões econômicas e epis- se tem saberes individualizados e
temológicas de cada profissão. Com sem uma razão que os possa ligar
a formação integrada, também são de forma harmônica e homogênea.
incluídas no currículo as vivências in- Especialmente, quando observamos

150
os saberes das disciplinas da base de células, utilizando-se materiais
comum, em que as matérias nem de construção para produzi-las e no
sempre apresentam uma correlação curso Integrado de Informática, or-
direta com os saberes necessários ao ganizando a produção de Objetos
desenvolvimento daquele conheci- Virtuais de Aprendizagem para Bio-
mento técnico exigido na formação logia, dos quais iremos tratar neste
que aquele profissional irá exercer trabalho.
no mundo do trabalho.
Assim, em face dessas lacunas 2. DESENVOLVIMENTO
apresentadas entre os conteúdos das
disciplinas de base comum e as disci-
2.1. Educação Integrada, Integral
plinas técnicas observadas no ensino e Integradora
técnico integrado, surgiu a possibili-
Embora a Lei de Diretrizes e Ba-
dade de explorarmos esse território
ses da Educação Nacional – LDB, Lei
disponível, onde se transformou a
9.394/96, cujo texto, em seu art. 34, §
disciplina técnica em ferramenta, e a
2º, aponta para o aumento progres-
disciplina da base comum em objeto
sivo da jornada escolar na direção do
de trabalho.
regime de tempo integral; em seus
Através da junção dos conheci- artigos de 39 a 42, trata da educa-
mentos técnicos da disciplina técni- ção tecnológica, em que busca as
ca Materiais de Construção, da Turma aptidões para a vida produtiva em
TE4, do curso Técnico Integrado em articulação com o ensino regular ou
Edificações; das disciplinas Progra- independente de escolaridade; de
mação Web e Programação de Apli- tal modo, tendo-se em síntese, um
cações para Comunicações Móveis, contraditório educacional, em que
da Turma TI14, do curso Técnico Inte- há divergência de interesses no pro-
grado em Informática; e do conheci- cesso de formação do sujeito.
mento básico da disciplina Biologia,
Quando observamos a pedago-
em ambos os cursos, do Instituto Fe-
gia de John Dewey, que sustentava a
deral de Educação, Ciência e Tecno-
teoria de que a educação das crian-
logia do Pará, IFPA, campus Itaituba,
ças devia basear-se na abordagem
foram realizadas duas experiências,
de solução dos problemas – o que
em que, no curso Integrado de Edi-
chamou de “aprender fazendo”, em
ficações foram produzidas maquetes
que a teoria é levada à ação prática,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 151


reforçando o ato de apreender co- jeito. Ainda não se tem o ensino em
nhecimentos para uma formação ge- tempo integral, porém a perspectiva
ral favorecendo todos os campos da ora apresentada tem peculiaridades
atividade humana (SCHMIDT, 2009), que o caracteriza como um diferen-
vemos que a educação profissional, cial para o sujeito que nele venha a
nesse contexto, realiza uma viagem ser formado.
através de um crescente no amadu- Quando analisamos a obra de
recimento de suas instituições que Anísio Teixeira, que percorre cinco
se iniciaram como Escola de Artífices, décadas, existem várias passagens
onde o sujeito era mero elaborador que apresentam a defesa e a caracte-
de produtos, passando pelas Esco- rização de uma escola de educação
las Industriais, chegando às Escolas integral. As bases sobre as quais o au-
Técnicas, com a inclusão do Ensino tor formulou sua concepção de edu-
Técnico Integrado ao Ensino Médio, cação integral são, resumidamente,
iniciando a promoção da formação o entendimento de que educação é
integral dentro da Educação Profis- vida e não preparação para a vida. E
sional. Com a entrada dos CEFET’s, realizando uma análise crítica sob a
onde a Educação Superior inclui a óptica desse baluarte da educação
necessidade da pesquisa como pro- brasileira, poderíamos dizer que es-
cesso necessário à criação e desen- tamos na trajetória correta, uma vez
volvimento, a Educação Tecnológica que o próprio Anísio diz que o ho-
amplia o seu espaço de formação, mem se forma e desenvolve na ação,
trazendo a ciência como sua aliada. no fazer-se, e não por algum movi-
Ao passar por mais um proces- mento exógeno de aprendizagem
so de mudança, a Rede Federal de formal, fundamentos estes baseados
Educação Tecnológica chega ao seu na filosofia social de John Dewey,
ápice com a criação dos Institutos Fe- que pressupõe a “reconstrução” da
derais, onde a indissociabilidade do experiência como base de aquisição
ensino, pesquisa e extensão passa a do saber, criando um modo de vida
ser obrigatória, tornando o Ensino democrático (CAVALIERE, 2010).
Técnico Integrado da Rede um con- A inclusão do ensino integrado,
junto de excelência, considerando-se juntamente com a indissociabilida-
que a educação integral e indissociá- de do ensino, pesquisa e extensão
vel, traz uma imensa contribuição ao na Rede Federal de Educação Tec-
currículo de formação integral do su-

152
nológica, preenche algumas lacunas texto educacional, que envolvem a
deixada na Lei de Diretrizes de Ba- indissociabilidade do ensino, pesqui-
ses de 1996, dando um novo rumo a sa e extensão, bem como a interdis-
este processo de formação do sujeito ciplinaridade, especialmente envol-
completo, e não apenas tecnológico. vendo as disciplinas da base comum
com as disciplinas técnicas, dando
2.2. Políticas pedagógicas de inte- ênfase ao processo da educação in-
tegral, em que o sujeito compreende
gração no IFPA, Campus Itaituba
a importância de todos os saberes
O campus Itaituba tem como dentro de sua formação profissional.
grande objetivo oferecer educação Outro processo de grande im-
de qualidade para aqueles que não portância nesse contexto é a opor-
possuem ou não tiveram condições tunidade da interdisciplinaridade e
de usufruir desse tipo de ensino, integração de saberes, fazendo pon-
oferecendo uma formação orgâni- tes entre as mais variadas disciplinas,
ca que não separe humanização de bem como com a contextualização
profissionalização, mas que forme junto à vivência da comunidade aca-
cidadãos. Procura-se a formação do dêmica e da sociedade em geral, em
sujeito crítico, reflexivo, participati- que as potencialidades podem ser
vo, autônomo, que saiba trabalhar trabalhadas e os problemas estuda-
de maneira coletiva, buscando o seu dos na busca de solução dos mes-
desenvolvimento cognitivo, afetivo mos, através de uma prática cidadã.
e social, independente da modalida-
de de ensino que frequente. Dessa
2.3. Metodologia
forma, essa formação integral tem
como objetivo promover a transfor- Este trabalho é um projeto de
mação da sociedade por meio da sinergia curricular, interdisciplinar,
educação (IFPA/ITAITUBA, 2016). com integração de saberes, através
A partir de patamares de educa- da indissociabilidade do ensino, pes-
ção propostos no Projeto Político-Pe- quisa e extensão, em que as discipli-
dagógico do IFPA, campus Itaituba, nas foram desenvolvidas pelos seus
para que se tenha a obtenção de su- conteúdos na formação de habilida-
cesso na execução de tal proposta, des e competências que buscavam o
faz-se necessário o uso de ferramen- desenvolvimento do potencial téc-
tas educacionais disponíveis no con- nico da área do curso onde o aluno

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 153


está inserido, usando as bases con- • Período de execução: De abril a
ceituais da biologia, voltados a solu- junho de 2011.
ções de problemas técnicos e/ou so- Etapas de execução
ciais, conforme descrição seguinte.
• Observatório sobre as habilida-
des e competências da turma
2.3.1. Maquete de Célula feita
com materiais de construção do Através de conversas com o Prof.
Neto, observamos uma grande difi-
Curso Integrado de Edificações culdade dos alunos ingressantes no
Atribuições do Projeto: Curso Integrado de Edificações em
relação às habilidades de perspec-
• Natureza: Ensino e pesquisa; tiva e orientação tridimensional. Do
• Local de Execução: Turma TE4 mesmo modo, fazia-se necessário
do 1° Ano do Curso Técnico tornar a disciplina Biologia, um con-
Integrado em Informática do teúdo contextualizado aos saberes
IFPA, campus Itaituba; que aqueles futuros profissionais
• Disciplinas: Biologia 1 e Mate- precisariam desenvolver. Além do
riais de Construção, atendendo exposto, ainda havia a necessidade
a 40 alunos; dos alunos criarem um certo grau
de intimidade com os materiais de
• Objetivos pedagógicos: Apren- construção com os quais iriam de-
dizado do Conteúdo de Citolo- senvolver as suas atividades futuras.
gia da disciplina de Biologia 1;
Prática do conhecimento ad- • Concepção do projeto
quirido na disciplina Materiais Foi realizada uma reunião técni-
de Construção, buscando de- ca entre os dois docentes titulares
senvolver a habilidade de per- das disciplinas envolvidas para ela-
cepção de estruturas, leitura boração da minuta simplificada do
do plano escrito e desenvolvi- projeto, e depois, socialização com
mento da perspectiva, através a turma TE4 para que esta fizesse a
da transformação do desenho composição de ideias e interesses
da célula do livro em maquete dentro do projeto. A turma foi mui-
tridimensional, sendo uma das to receptiva à atividade e aprovou a
habilidades mais necessárias ideia que foi levada adiante.
ao Curso de Edificações; • Execução do Projeto

154
O conteúdo escolhido para a re- sentadas para os docentes das duas
alização do projeto foi Estrutura de disciplinas, em que a turma precisa-
Células Animais e Vegetais, que pas- va apresentar, dentro da Biologia, o
sou a ser apresentado e discutido componente celular e sua função;
em sala através de aulas expositivas, e dentro da disciplina Materiais de
discursivas e debates, que gerou Construção, qual o material foi utili-
uma pesquisa de imagens em vários zado, sua origem e como este é usa-
níveis de observação e graus de au- do na Construção Civil.
mento, com uso de imagens de mi-
croscopia óptica. Assim sendo, foram 2.3.2. Objetos Virtuais de Apren-
realizadas reuniões interdisciplinares
dizagem – OVA’s com conteúdo de
para que os dois docentes compre-
endessem um o conteúdo do outro Biologia feito no Curso Integrado
e as suas aplicações. As equipes de de Informática
alunos foram formadas, cujo desafio
Atribuições do Projeto:
era criar uma maquete de uma célula
animal e uma célula vegetal, utilizan- • Natureza: Ensino, pesquisa e
do-se materiais de construção para extensão;
simular todos componentes celula- • Local de Execução: Turma TI14
res, desde a membrana até todas as do 2° Ano do Curso Técnico
mínimas organelas. Integrado em Informática do
O Prof. Neto de Materiais de Cons- IFPA, Campus Itaituba;
trução ficou responsável pela apre- • Disciplinas: Biologia 2, Progra-
sentação dos mais variados materiais mação Web e Programação de
de construção e em conjunto com a Aplicações para Comunicações
Profa. Liz da Biologia iam avaliando Móveis, atendendo a 26 alunos;
as escolhas dos alunos até que os
materiais de construção escolhidos • Objetivos pedagógicos: Apren-
representassem, da forma mais fide- dizado do Conteúdo de Gené-
digna possível, os componentes ce- tica da disciplina de Biologia
lulares. 2; Prática do conhecimento
adquirido nas disciplinas Pro-
Foi realizado um seminário para gramação Web e Programação
apresentação de todas as maque- de Aplicações para Comuni-
tes produzidas e estas foram apre- cações Móveis; e Integração

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 155


com a sociedade através da Médio e foi sugerida a possibilidade
produção de Objetos Virtuais de se fazerem “joguinhos” de compu-
de Aprendizagem que visam tadores sobre o conteúdo apresenta-
diminuir o problema social de do na disciplina. Com isso, veio o con-
informações sobre doação de vite ao docente titular das disciplinas
sangue, junto aos adolescentes de Programação Web e Programação
e jovens; de Aplicações para Comunicações
• Período de execução: De maio Móveis, que em conjunto com a tur-
a novembro de 2015. ma TI14 do Curso Técnico Integrado
de Informática, elaboramos o projeto
Etapas de execução e detalhamos todo o seu desenvolvi-
• Observatório sobre as habilida- mento.
des e competências da turma • Execução do Projeto
Durante o ano de 2014, no 1° ano O conteúdo escolhido para a
da disciplina de Biologia, observou- realização do projeto foi Imunoge-
se uma grande dificuldade em trazer nética – Sistema ABO, que passou a
os conteúdos dessa disciplina para ser apresentado e discutido em sala,
a realidade do curso de Informática, através de aulas expositivas, discursi-
tendo-se um processo de desestí- vas e debates, que geraram a pesqui-
mulo da turma, quando os exemplos sa sobre as dificuldades sobre a con-
apresentados pela disciplina não quista de novos doadores de sangue
eram contextualizados com os con- por parte dos hemocentros no Brasil
teúdos diretos da Informática. Assim e suas constantes campanhas para
sendo, no ano de 2015, ano de exe- manutenção de estoques regulado-
cução do projeto, resolveu-se pro- res. Assim sendo, foram realizadas
mover a integração com disciplinas reuniões interdisciplinares para que
técnicas do curso de Informática, na os dois docentes compreendessem
busca de tornar os conteúdos de Bio- um o conteúdo do outro e as suas
logia mais atrativos aos alunos. aplicações. Quatro equipes de alu-
• Concepção do projeto nos foram formadas, cujo desafio era
criar um Objeto virtual de aprendiza-
Foi realizada uma abordagem
gem cada uma; envolvendo o Siste-
junto à turma sobre os conteúdos de
ma ABO, especialmente a doação e
Genética, o principal assunto perti-
recepção de sangue através de parâ-
nente às turmas de 2° Ano do Ensino
metros imunogenéticos.

156
Os programas escolhidos para a públicas na busca da conquista de
execução dos OVA’s foram o Scrat- novos doadores de sangue, através
ch, que é uma linguagem gráfica de de um programa de orientação pre-
programação, que possibilita a cria- coce, com ferramentas atrativas e de
ção de histórias interativas, anima- uso simplificado.
ções, simulações, jogos e músicas, e
o Construct 2, que tem como foco a 2.4. Resultados e discussões
criação de jogos 2D, e vem com mui-
tos recursos, os quais o torna fácil, 2.4.1. Maquetes produzidas e
incluindo um sistema físico que per- apresentadas
mite que os itens no jogo sejam go-
vernados pela lei da gravidade, como Foram criadas quatro maquetes,
também bits gráficos e de sons como todas com a finalidade de demons-
os sprites, fundos e efeitos de som. trar a capacidade de espacialização,
através da representação em pers-
Após a criação, os OVA’s, foram
pectiva dos desenhos e das imagens
entregues com os seus respectivos
obtidos sobre as células animais e
relatórios, e apresentados aos do-
vegetais em livros e softwares es-
centes das disciplinas envolvidas; se-
pecializados. Além disso, os alunos
guindo-se os testes de efetividade e
passaram a manusear os materiais
posterior adequação de códigos fon-
de construção, observando as suas
te necessários para o registro oficial
características estruturais, de confi-
como um produto de inovação do
guração, propriedades físicas, quími-
IFPA, campus Itaituba. Seguiram-se
cas, e assim buscando compreender
apresentações à comunidade inter-
melhor a sua aplicação dentro do
na e, posteriormente, à comunidade
universo das Edificações para o qual
externa.
acabaram de adentrar, uma vez que
Finalizados todos os processos eram turmas do 1º Ano do curso.
técnicos, os OVA’s, após registros,
Nas figuras 1 e 2, observamos as
estão sendo incluídos no Projeto de
células produzidas pelos alunos da
Extensão “Doadores do Futuro” a ser
Turma TE4, do curso Integrado de
desenvolvido junto aos hemocen-
Edificações do ano de 2011, em que
tros brasileiros, com a finalidade de
foram usados isopor de impermeabi-
desenvolver uma campanha junto a
lização de laje para compor a parede
adolescentes e a jovens de escolas
celular, lâmpadas que representam

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 157


os vacúolos, correntes como se fos- outros materiais coerentemente uti-
sem proteínas, eletrodutos cortados lizados. De tal modo, apresentando
e introduzidos em estruturas de con- de forma coerente, os componentes
cretos moldadas para serem as mito- celulares, e as aplicações adequadas
côndrias, eletrodutos inteiros repre- dos materiais de construção ali utili-
sentando os retículos, dentre tantos zados.

Figura 1. Turma TE4 apresentando Maquetes de Células


Vegetal e Animal produzidas com materiais de construção.

Fonte: TE4, 2011.

Figura 2. Maquetes de Células Animal e Vege-


tal produzidas com materiais de construção.

Fonte: TE4, 2011.

158
2.4.2. OVA’s produzidos e apresen- no qual ambos utilizam ferramentas
tados diversificadas para criação de games.
Os tipos sanguíneos foram os princi-
Foram criados 4 OVA’s: Collect pais focos deste OVA, em que o pú-
Blood®, Blood Floating®, Following blico em geral interagiu e aprendeu
Blood® e Blood Race®, todas com a fi- ao mesmo tempo. Os jogos foram
nalidade de demonstrar a importân- programados em 2D, sendo o pri-
cia que tem na definição dos tipos meiro jogo chamado Collect Blood®,
sanguíneos e nos processos de com- criado no programa Scratch (sic)
patibilidade entre estes. Aqui será (TI14, 2015).
apresentado o Collet Blood®, como Collect Blood® (Figura 3) é um OVA
modelo de OVA’s, fruto da integração plataforma 2D, criado a partir do pro-
de saberes entre as disciplinas de grama Scratch, em que o principal
Biologia 2, Programação Web e Pro- objetivo é coletar as gotas de sangue
gramação de Aplicações para Comu- de acordo com o tipo sanguíneo in-
nicações Móveis. A apresentação dos formado na tela inferior do jogo. O
resultados está fundamentada nos jogo contém 03 fases, divididas nos
relatos apresentados pelos alunos. quatro tipos sanguíneos A, B, AB e O,
Os OVA’s Collect Blood® foi desen- conforme estudados em sala de aula
volvido usando as ferramentas de (Figura 4). O jogo é bastante intera-
programação Scratch e Construct 2, tivo, colorido e divertido, ensinando

Figura 3. Tela inicial do OVA Collect Blood®.

Fonte: TI14, 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 159


Figura 4. Interfaces do OVA Collect Blood®.

Fonte: TI14, 2015.

de uma forma divertida o tema abor- trabalho e a apresentação dos OVA’s,


dado (sic) (TI14, 2015). apresentados como “jogos” para me-
Com a realização dos testes ini- lhor compreensão da população a
ciais dentro do IFPA, campus Itaituba, ser assistida.
a Turma TI14 foi convidada a parti- A receptividade foi muito boa
cipar da Exposição Agropecuária do e os alunos puderam ver o seu pro-
Município de Itaituba e Região, em duto sendo apresentado e utilizado
2016, através da Coordenação de pela sociedade de forma satisfató-
Extensão do IFPA, campus Itaituba, ria, levando ao pensamento crítico
para promover a sua primeira ação daqueles que estavam sendo bene-
com alunos do ensino fundamen- ficiados pela experiência, através de
tal da educação pública municipal, inúmeros questionamentos sobre o
atendendo às turmas de 5° a 8° ano, assunto ali apresentado: o Sistema
apresentando de forma lúdica o pro- de Transfusão e Recepção de Sangue.
cesso de doação e recepção de san- No ano de 2017, está sendo fina-
gue, numa programação que envol- lizado o projeto de extensão “Doado-
via uma palestra dos orientadores do res do Futuro”, em que será realizada

160
uma ação conjunta, interinstitucio- às explicações dos temas que serão
nal, envolvendo o IFPA, campus Itai- utilizados como objeto de trabalho
tuba, Hemocentros Brasileiros e as aplicado dentro da Informática.
Secretarias Municipais de Educação. Dentro da política de educação
O projeto pretende realizar 4 etapas, básica e técnica do IFPA, campus
a saber: a primeira local, acontecen- Itaituba, os cursos técnicos de nível
do em Itaituba, junto com as Secreta- médio na forma integrada têm sua
rias Municipais de Saúde e Educação; fundamentação teórico-metodoló-
a segunda, Estadual, envolvendo gica nos princípios da interdiscipli-
IFPA, campus Itaituba e a Fundação naridade, da contextualização e nos
HEMOPA; a terceira, Regional, esten- demais pressupostos da formação
dendo-se até o HEMONORTE, no Rio técnica integrada à educação básica,
Grande do Norte; e a quarta e última, usualmente denominada de currícu-
Nacional, em Brasília, junto ao Minis- lo integrado (IFPA/ITAITUBA, 2016),
tério da Saúde, com a proposta de de tal modo que não se pode levar
formatar uma campanha nacional o conhecimento para um curso Téc-
para sensibilização dos adolescentes nico Integrado como se fosse um
e jovens para serem futuros doado- grande armário cheio de gavetas
res de sangue, quando atingirem a isoladas, em que cada uma delas es-
maior idade. teja segmentado um conhecimento
diferente e isolado. Faz-se necessária
2.4.3. A ponte entre base comum a comunicação entre essas “gavetas”
e disciplinas técnicas para que se possa encontrar a real
importância de cada um dos conte-
Quando analisamos os produtos údos aprendidos e apreendidos pelo
aqui apresentados pelos alunos do aluno durante a sua formação profis-
curso Técnico Integrado em Informá- sional.
tica, observamos o conhecimento
A escolha da metodologia ba-
básico de Biologia sendo utilizado
seada na indissociabilidade entre
de forma profunda, em que foram
ensino, pesquisa e extensão tem-se
necessárias muitas horas de aprofun-
mostrado muito eficiente no pro-
damento e compreensão do tema a
cesso de ensino e aprendizagem na
ser desenvolvido nos Objetos Virtu-
educação profissional, científica e
ais de Aprendizagem. É notória a sa-
tecnológica, pois busca contextuali-
tisfação com que os alunos assistem

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 161


zar as vivências que o aluno traz con- 2.4.4. Práticas pedagógicas inte-
sigo; juntando-se aos conhecimen- gradoras e a nova Lei do Ensino
tos adquiridos em sala de aula, que
suscitam perguntas que podem ser
Médio
desenvolvidas através da pesquisa, Fala-se de interdisciplinaridade,
preenchendo assim, todas as lacunas mas por toda a parte, o princípio da
que possam estar abertas dentro da disjunção continua a separar às ce-
sua base de conhecimento. gas. Aqui e ali, começa-se a ver que
De acordo com Toledo e Jacobi, o divórcio entre cultura humanista e
(2013): “Evidencia-se o uso da pes- a cultura científica é desastroso para
quisa-ação como extremamente ambas, mas os que se esforçam para
adequada na área da educação, já estabelecer a ponte entre elas conti-
que ambos os processos objetivam nuam a ser marginalizados e ridicula-
estimular a autonomia dos sujeitos, rizados (MORIN, 2001, p. 288).
por meio da construção dialógica de Desde o início do debate da Nova
saberes, o desenvolvimento de prá- Lei do Ensino Médio, Lei N°13.415,
ticas cidadãs e a busca de soluções sancionada em 16 de fevereiro de
para os problemas de forma partici- 2017, o tema Educação Profissional
pativa.” voltou a ser foco da discussão. Uma
O conhecimento precisa formar vez que atualmente, o estudante
uma rede, entrelaçando os aprendi- precisa cumprir ao longo de três
zados formais adquiridos nas disci- anos 2,4 mil horas do ensino regular
plinas estudadas, básicas e técnicas e mais 1,2 mil horas do técnico para
com as experiências adquiridas, de a formação técnica integrada, a nova
maneira informal, para aplicação na legislação ainda prevê que essa for-
vida do sujeito em todos os momen- mação ocorra dentro da carga horá-
tos que este necessite. É um grande ria do ensino regular, desde que as
“cofre” de informações conjugadas disciplinas Português e Matemática
para as quais o sujeito sempre terá continuem sendo cursadas. Ao final
acesso e possibilidade de associação do Ensino Médio, o aluno obterá o
das mesmas com a consciência de diploma do ensino regular e um cer-
que a “senha” de acesso a esses da- tificado do ensino técnico.
dos será sempre a garantia da eman- Com a criação dos IF’s e o forta-
cipação do indivíduo. lecimento do Ensino Superior, junta-

162
mente com a entrada das Pós-Gra- Desde 2003, Frigotto e Ciavatta
duações Stricto sensu, o processo de já discutiam esse processo, quando
qualificação profissional docente foi diziam que “a formação dos jovens
ampliado, favorecendo sobremanei- para a apropriação criativa da ciência
ra a entrada de pesquisadores para e da tecnologia debate-se entre uma
atuarem junto ao ensino técnico in- reforma imposta ao ensino médio e
tegrado, fortalecendo a proposta de técnico com forte acento nos cursos
indissociabilidade de ensino, pesqui- breves, modularizados para a crença
sa e extensão. Porém na contramão na “empregabilidade”. E ainda com-
do processo, essa Lei permite que plementam que num processo como
os professores da formação técnica esse, os sujeitos, frutos da educação
possam ser profissionais de notório profissional “começam e acabam
saber em sua área de atuação ou na sociedade, mas a escola pública,
com experiência profissional atesta- universal, laica, gratuita, democrá-
dos por titulação específica ou práti- tica e, portanto, unitária (síntese do
ca de ensino, o que particularmente, diverso) é um direito e uma media-
subverte a ordem científica, que em ção imprescindível nas suas lutas e
muito tem fortalecido o ensino técni- na produção de sua humanização e
co nestes últimos anos e incentivado emancipação (FRIGOTTO e CIAVAT-
especialmente os processos de ino- TA, 2003).
vação. E assim, perguntamo-nos que
Ainda de acordo com a nova Lei tipo de caminho a educação do En-
do Ensino Médio, “o currículo será sino Médio tem percorrido em nos-
dividido entre conteúdo comum e so país? Hora com ganhos, hora com
assuntos específicos de acordo com perdas. Mas até aqui não estão sen-
o itinerário formativo escolhido pelo do ainda contabilizadas as perdas
estudante (linguagens, matemática, irreparáveis que este processo trará
ciências da natureza, ciências huma- aos nossos alunos.
nas e formação técnica)”, decretando Dentro desse debate, se conside-
a morte do processo de andamento rarmos que o sujeito terá um currícu-
de educação integral, que vem sen- lo mínimo, a efetivação de um proje-
do efetivado, gradativamente ao lon- to como este que aqui apresentamos
go da história da Rede de Educação ficaria inviabilizado, por muitos fa-
Tecnológica. tores óbvios, mas que certamente, a

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 163


sociedade terá menores oportunida- saberes e promoção do sinergismo
des de receber os resultados dos fru- curricular das disciplinas Biologia 2,
tos da Educação Profissional de for- Programação Web e Programação
ma tão efetiva como aqui realizamos. de Aplicações para Comunicações
Ademais, qual seria a probabilidade Móveis, promovendo a interdiscipli-
dos nossos alunos dos cursos Técni- naridade de forma positiva, confor-
cos em Edificações e Informática es- me aqui apresentada, podendo ser
colherem as disciplinas de ciências sugerida como método efetivo para
da natureza na composição do seu novas experiências educacionais.
currículo? Assim sendo, é possível a ponte
entre as disciplinas da base comum
3. CONCLUSÃO e as disciplinas técnicas, através da
integração de saberes e a interdisci-
A integração de saberes, a edu-
plinaridade, desenvolvidas a partir
cação integrada e a formação do su-
de metodologias apropriadas, tais
jeito integral são realidades na Rede
como aqui foram apresentadas. Os
Federal de Educação Tecnológica,
dois projetos alcançaram os objeti-
através dos ganhos educacionais
vos pedagógicos para os quais foram
conquistados ao longo desses 107
concebidos.
anos de existência da rede. O sujeito
aqui formado interage com a socie-
dade observando os seus problemas REFERÊNCIAS
e buscando na construção de sabe- BRASIL. Lei Nº9.394, de 20 de de-
res a solução para os mesmos. zembro de 1996. Diário Oficial [da]
A produção de Maquetes de- República Federativa do Brasil, Poder
monstrou ser eficiente como auxiliar Legislativo, Brasília, DF, 21 dez. 1996.
no desenvolvimento de habilidades Seção 1. p. 1.
dos alunos de Edificações, especial-
mente dos ingressantes, dentro da ________. Lei Nº11.892, de 29 de
contextualização com os conheci- dezembro de 2008. Diário Oficial
mentos adquiridos na disciplina de [da] República Federativa do Brasil,
Biologia. Poder Legislativo, Brasília, DF, 30 dez.
2008. Seção 1. p. 1.
A criação de Objetos Virtuais de
Aprendizagem mostrou-se uma óti- ________. Lei Nº13.415, de 16 de
ma ferramenta de integração dos fevereiro de 2017. Diário Oficial [da]

164
República Federativa do Brasil, Poder Blood, Blood Floating, Following
Legislativo, Brasília, DF, 17 fev. 2017. Blood e Blood Race, apresentados
Seção 1. p. 1. pelos alunos da Turma TI14, do Curso
Técnico Integrado em Informática do
CAVALIERE, Ana Maria. Anísio Tei- IFPA, Campus Itaituba. Itaituba. 2015.
xeira e a educação integral. Paidéia. 11p.
maio-ago. 2010, Vol. 20, No. 46, 249-
259. Disponível em <http://www. MORIN, Edgar. O método 4. As
scielo.br/pdf/paideia/v20n46/11. ideias. Tradução de Juremir Ma-
pdf>. Acesso em: 10/06/2017. chado da Silva. Porto Alegre: Sulina,
2001. Título original: La Méthode,
FRIGOTTO, Galdêncio; CIAVATTA, Ma- (t..4), Les idées, leur habitat, leur vie,
ria. Educação básica no Brasil na leurs moeurs, leur organisation.
década de 1990: subordinação ativa
e consentida à lógica do mercado. In: SCHMIDT, Ireneu Aloisio. John
Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, Dewey e a Educação Para uma So-
p. 93-130, abril 2003 Disponível em ciedade Democrática. CONTEXTO &
<http://www.cedes.unicamp.br>. EDUCAÇÃO. Editora Unijuí. Ano 24 nº
Acesso em: 10/06/2017. 82 Jul./Dez. 2009. p.135-154.

FRIGOTTO, Galdêncio. A relação da TOLEDO, Renata Ferraz de; JACO-


educação profissional e tecno- BI, Pedro Roberto. Pesquisa-ação e
lógica com a universalização da educação: compartilhando princí-
educação básica. Educ. Soc., Cam- pios na construção de conhecimen-
pinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. tos e no fortalecimento comunitário
1129-1152, out. 2007. Disponível em para o enfrentamento de problemas.
<http://www.cedes.unicamp.br>. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 34, n.
Acesso em: 10/06/2017. 122, p. 155-173, jan-mar, 2013, Dis-
ponível em: http://www.redalyc.org/
INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ, CAM- articulo.oa?id=87326413014. Acesso
PUS ITAITUBA. Minuta do projeto em: 10/06/2017.
político-pedagógico do IFPA –
campus Itaituba. Itaituba. 2016. 37p.

INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ, CAM-


PUS ITAITUBA. Relatório Técnico de
apresentação das OVA’s: Collect

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 165


PARA ALÉM DO ENSINO INTEGRADO: EXPERIÊNCIAS,
POSSIBILIDADES E DESAFIOS DA ARTICULAÇÃO ENTRE
ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NO CURRÍCULO
Jaqueline de Moraes Thurler Dália1, Gabriel Almeida Frazão2
1
Instituto Federal Fluminense - Campus Cambuci
2
Instituto Federal Fluminense - Campus Cambuci
E-mail: jaqueline.dalia@iff.edu.br

1. INTRODUÇÃO todo o ensino básico e para todas as


suas ações, e também para o ensino
As discussões sobre Ensino Inte- superior. Para tanto, é fundamental
grado, embora já há muito tempo que toda práxis pedagógica carre-
consolidadas no cenário acadêmico gue em si um arcabouço de debates
pedagógico, ganharam maior visibi- já consolidado sobre seu entendi-
lidade no Brasil e, consequentemen- mento de Currículo Integrado, pois
te se tornaram mais frequentes e é ele que norteará todo o conjunto
democráticas a partir de 2008, com a de ações do e no espaço escolar e se
política de implementação dos Insti- apresentará como o documento de
tutos Federais de Educação, Ciência e identidade institucional.
Tecnologia. Nessa perspectiva, gran-
É exatamente sobre isso que se
de parte da atenção se voltou para a
pretende versar aqui. Sendo assim, a
compreensão de uma formação ple-
finalidade deste trabalho é apresen-
na para o mundo trabalho, principal-
tar, mesmo que de forma objetiva, a
mente no nível médio, afastada da
trajetória das teorias curriculares, tra-
concepção dicotômica tecnicista até
zendo luz sobre os conceitos e mo-
então pensada e praticada nas políti-
dos de integração para então pensar
cas públicas.
a proposta dos Institutos, principal-
No entanto, sabe-se que a conso- mente, no que se refere à sua ban-
lidação de uma educação integrada deira de articulação entre ensino,
de fato e as discussões acerca dela pesquisa e extensão. Por fim, preten-
podem, e devem, ultrapassar a sim- de-se, ainda, debater sobre as expe-
ples articulação entre a formação ge- riências, as possibilidades e os desa-
ral e profissional, estendendo-se por fios de uma escola real, o IFF-Campus

166
Cambuci, na tentativa de demons- Unidos da América, somente, por
trar como, na prática do cotidiano, os volta de 1920. Um grupo de estudio-
discursos e as teorias se concretizam. sos, ligados à administração escolar,
passou a entender o currículo, ofi-
2. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS EN- cialmente, como forma de racionali-
zação, sistematização e controle da
TRE CURRICULO E ENSINO MÉDIO
prática educativa. Diante desse novo
INTEGRADO objeto, diferentes concepções de
O currículo não pode ser analisa- currículo começaram a se delinear e
do fora do seu contexto. Ele é a ex- várias teorias foram definidas, enfa-
pressão de seu tempo, mesmo que tizando certos conceitos de acordo
de forma não elaborada, e das ideo- com seu campo de interesse.
logias que configuram o pensamen- Essas visões são categorizadas,
to educacional, político, econômico segundo Silva, T. T. (2009), como: Te-
e social de sua época. O que dife- orias Tradicionais, que priorizam os
rencia e configura um determinado métodos de ensino-aprendizagem e
pensamento curricular é a ênfase, de avaliação, a metodologia didáti-
organizada e orientada, dada a cada ca, a organização e o planejamento,
um desses enfoques em detrimento além da eficiência para o alcance de
de outros. Mas ele não é apenas fei- objetivos; Teorias Críticas, que dão
to de consensos e supremacias. Ele ênfase à ideologia, aos artefatos de
é adaptável, é campo de conflito, de reprodução cultural e social, às rela-
contestação, de relações de poder e ções sociais de produção e de classe
de propagação de ideologias. Sen- e a um currículo que leve à conscien-
do assim, uma análise aprofundada tização, emancipação, libertação e
nesse campo de estudo nunca fará resistência; e Teorias Pós-Críticas, que
emergir, somente, a relação da so- enfocam a identidade, a alteridade,
ciedade com o conhecimento, mas o as diferenças e a subjetividade, assim
modo como ela se organiza ou não como os processos de significação e
para manter e/ou modificar suas es- construção do discurso no currículo
truturas (DÁLIA, 2011). e a ligação existente entre o saber e o
Segundo autores como Silva, T. T. poder e a múltipla representação so-
(2009), Moreira e Silva (2002) e Ma- cial e cultural nos documentos curri-
cedo (2009), o currículo como cam- culares.
po de estudos surgiu nos Estados Sabe-se que a rotina pedagógica,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 167


ainda, é basicamente guiada pelas lista e nas teorias administrativas de
teorias tradicionais, no que se refere Taylor (SILVA, T. T., 2009). Especial-
ao modo de pensar a formação aca- mente no ensino profissional tradi-
dêmica como utilitária a um sistema cional, o currículo, então, funcionava
e ao modo de organizar o conheci- como uma organização mecânica
mento em disciplinas justapostas, baseada no levantamento de habi-
muitas vezes, sem abrir espaço para lidades que deveriam ser desenvol-
o pensamento questionador. Toda- vidas para as diversas ocupações no
via, as teorias críticas já provaram mercado. Assim, a educação passa a
que o currículo vai além da organiza- construir e desenvolver habilidades
ção de objetivos e meios e estende- necessárias à economia, inclusive já
se a aspectos ideológicos, dialógicos, prevendo instrumentos de mensura-
estruturais e materiais. Já as pós-críti- ção para avaliá-las (SILVA, T. T., 2009).
cas elevaram o questionamento para Para as outras duas correntes,
o modo como se constrói a própria que combatem fortemente a ante-
validação do conhecimento “canôni- rior, a fragmentação do conhecimen-
co” e o reconhecimento, ou não, da to já não é mais aceitável. Busca-se,
diversidade e da identidade contida pois, uma construção curricular que
nesses documentos. integre as diversas áreas do conheci-
No primeiro caso, o que se obser- mento e é aí que o Currículo Integra-
va é um campo fértil para a manu- do passa a ser considerado. Segundo
tenção e a propagação de um ensino a proposta de Ramos, a finalidade da
dual, estreitamente ligado aos inte- formação integral é “possibilitar às
resses do capital. As questões colo- pessoas compreenderam a realidade
cadas por essa linha de pensamento, para além de sua aparência fenomê-
dirigidas primeiramente por Bobbit nica” (RAMOS, 2005, p.114), basean-
(1918), giram em torno das finalida- do-se em três pressupostos filosófi-
des e dos arranjos dados à educação cos: a concepção de homem como
de massas. A proposta defendida ser histórico-social que transforma a
pelo autor, e que ecoa até hoje, era si e a natureza, produzindo conheci-
que a escola funcionasse como uma mento; o princípio segundo o qual a
empresa com metas de eficiência realidade é uma totalidade sintética
e desenvolvimento de habilidades de muitas relações; e a compreen-
para o trabalho, pautados na manu- são de que o conhecimento é um
tenção do ideal econômico capita- produto do pensamento e por meio

168
dele se percebem e se representam pode ser estabelecido entre as várias
as relações dessa realidade (RAMOS, áreas de conhecimento com o intui-
2005). Sob essa perspectiva, o tra- to de desenvolver no educando um
balho, como “mediação ontológica olhar múltiplo sobre a sociedade.
e histórica na produção do conheci- Isso evidencia o compromisso polí-
mento” (RAMOS, 2005, p.114) passa a tico da escola em formar cidadãos
ser visto como princípio educativo e inteiros a partir e no meio do qual
integrador do conhecimento e a pro- participa.
fissionalização junto com a formação Diante disso, leva-se em conta
geral constituiriam, portanto, uma para a compreensão de currículo,
unidade e promoveriam uma escola neste trabalho, o pensamento dos
unitária e de educação politécnica seguintes autores, que se articulam
(FRIGOTTO, 2005). às concepções críticas e pós-críticas:
O Currículo Integrado de fato não Sacristán (2000), para o qual o currí-
diz respeito somente à articulação culo é uma práxis, um projeto educa-
entre formação geral e profissional. tivo, no qual se estabelece um diálo-
Isso significa que sua práxis deve se go entre agentes sociais, elementos
sustentar no desenvolvimento do técnicos, alunos e professores; Silva,
pensamento complexo, na experi- T. T. (2009), que o defende como do-
mentação, no trabalho como prática cumento de identidade; Moreira e
educativa e no contexto no qual o Silva (2002), que afirmam ser o cur-
discente está inserido, para assim ter rículo um instrumento de conserva-
como resultado uma aprendizagem ção, transformação e renovação dos
significativa, em uma tentativa cons- conhecimentos e de socialização
tante de interação entre as diversas ideológica; e Macedo (2009), com-
áreas de conhecimento. Consonan- preendendo o currículo como um ar-
te a Santomé (1998), a escolha de tefato socioeducacional que veicula
um currículo desse tipo demonstra, uma formação ética, política, estéti-
mesmo com dificuldades internas, ca e cultural, no cotidiano, enquanto
a identidade e a posição política de concepção e prática.
um determinado grupo educativo. Com base nesses pressupostos,
Não se desqualifica, nessa ocasião, entende-se que currículo é toda
o campo de ensino e pesquisa das prática que se tornou habitus1 edu-
diversas disciplinas e especialistas, cativo em uma determinada institui-
mas, sim, acredita-se no diálogo que

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 169


ção, além de seu projeto pedagógi- Para tanto, os IFs se instituíram
co (como documento), que carrega como autarquias com autonomia
em si a identidade de um grupo e a administrativa, patrimonial, finan-
maneira pela qual o conhecimento ceira, disciplinar e, principalmente,
pode ser construído e reproduzi- didático-pedagógica (SILVA, C. J. R.,
do. Sendo assim, toma-se currículo 2009). Isso permitiu que as institui-
como toda e qualquer atitude edu- ções tivessem liberdade para cons-
cativa desenvolvida pela escola, com truir seus currículos, pensar suas
todos os seus fins e meios, levando ações de forma identitária e, a partir
em consideração, ademais, os con- daí, ofertar variados percursos for-
textos extraescolares que interferem mativos de acordo com as demandas
na práxis pedagógica. e os contextos nos quais estavam se
inserindo. Desse modo, seria possí-
3. A CONCEPÇÃO DE INTEGRAÇÃO vel, a partir dos Institutos, cumprir
reivindicações antigas da Educação:
DOS INSTITUTOS FEDERAIS E AS
o estabelecimento de uma relação
AÇÕES INSTITUCIONAIS DO IF-FLU- estreita entre escola e comunidade,
MINENSE a contextualização do ensino e o
consequente processo significativo
Os Institutos Federais tiveram
de aprendizagem, além da possibili-
sua estrutura organizada para pla-
dade de se fazer pesquisa de manei-
nejar ações a partir do tripé ensino,
ra mais crítica, sensível e próxima à
pesquisa e extensão, visando a: for-
sociedade.
mação integral de jovens e trabalha-
dores, nas diversas modalidades; o O Plano de Desenvolvimento Ins-
desenvolvimento de soluções técni- titucional (PDI) 2010-2014, mas ain-
cas e tecnológicas para o benefício da vigente no Instituto Federal Flu-
da comunidade; e a difusão do co- minense, defende como um de seus
nhecimento em consonância com o princípios filosóficos e teórico-meto-
mundo do trabalho e com as deman- dológicos gerais que norteiam suas
das sociais, primeiramente, locais práticas, dentre outros: (f ) “o proces-
(SILVA, C. J. R., 2009). so educativo [que] deve primar pela

1 Segundo uma adaptação do conceito de Bourdieu que entende habitus como uma ação
que não é meramente mecânica nem individual, mas que se torna a única prática viável (“a
coisa certa a ser feita”) dentro de um determinado contexto social. Nesse caso, influencia-
do pela ideologia educacional e os valores sociais vigentes nas instituições e comunidades.
(BOURDIEU, 2004, p 21-23) e (GONÇALVES, N. G. e GONÇALVES, S. A. 2010, p. 51).

170
superação do caráter compartimen- cada campus, o IF-Fluminense, que
tado e dicotômico existente que se- abrange 14 municípios da área nor-
para homem/cidadão; teoria/prática; te do estado do Rio de Janeiro, man-
ciência/tecnologia; saber/fazer; (g) tém algumas políticas institucionais.
o desenvolvimento de um trabalho A atual Pró-Reitoria de Pesquisa, Ex-
educativo em que haja articulação tensão e Inovação (ProPEI) vem dan-
entre ensino, pesquisa e extensão;” do continuidade à oferta de ações
(IFF, 2011, p.113). Além disso, tem de pesquisa e de extensão em cada
como diretrizes de suas práticas aca- uma de suas unidades. Por meio de
dêmicas a inter e a transdisciplinari- editais de apoio e da concessão de
dade como oportunizadoras da “in- algumas bolsas aos estudantes, aos
tegração e articulação do currículo, pesquisadores e aos extensionistas,
provocando intercâmbios reais (...), tem-se procurado incentivar pro-
em que o sujeito perceba a neces- jetos nas mais diversas temáticas e
sidade de estabelecer relações (...) com os mais distintos objetivos. Os
na compreensão de um dado fenô- programas como o Núcleo de Estu-
meno ou na resolução de um deter- dos Afro-brasileiros e Indígenas (NE-
minado problema” (IFF, 2011, p.14). ABI), o Núcleo de Gênero e Diversida-
Observa-se aqui que a concepção de (NuGem) e o Centro de Memória
institucional de ensino dialoga com são garantidos em todos os campi,
as teorias críticas e defende a cons- desde que haja interesse dos sujei-
trução de uma visão integradora do tos sociais locais. Ademais, são in-
currículo, inclusive prevendo articu- centivados outros projetos de cunho
lação para além das ações de ensino, extensionista e investigativo, mais
ou seja, pelo menos no plano teórico, específicos, de acordo com as de-
percebe-se um compromisso com a mandas dos próprios profissionais2.
superação da compartimentação do Percebe-se, pois, com tais ativi-
conhecimento e do currículo como dades, que a integração promovida
instrumento do capital. pelo IF-Fluminense perpassa pela
Assim e a partir da necessidade execução dos projetos. Nos próprios
de garantir os princípios de integra- editais que avaliam, autorizam o
ção e articulação no contexto de funcionamento e concedem bolsas

2 Para maiores informações ver editais: 39/2017; 51/2017; 59/2017; 60/2017; 61/2017. Eles
estão disponíveis na página: http://www.sisep.iff.edu.br/cadastro/orientacoes/. Data de
acesso: 04/08/2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 171


para essas propostas, a articulação em Agropecuária e pela continuida-
entre ensino, pesquisa e extensão é de da oferta do curso concomitante.
estimulada, já que é alvo de pontu- Atualmente, cerca de 120 alunos es-
ação específica. Por fim, em relação tão matriculados nesses cursos.
especificamente ao ensino, a liberda- Com relação à infraestrutura, a
de curricular de cada escola tem sido parte agrícola conta com o plantio
respeitada, haja vista que a constru- de maracujá, goiaba, pitanga, bana-
ção de cada Projeto Pedagógico de na, citros, manga, milho, feijão, man-
Curso (PPC), ao menos teoricamente, dioca, hortaliças e pastagens. Na par-
é realizada por suas próprias equipes te zootécnica, o Campus possui cerca
pedagógicas. de vinte vacas de leite holandesas e
girolandas, sessenta ovinos, quatro
4. EXPERIÊNCIAS, POSSIBILIDADES sistemas de tanques escavados para
E DESAFIOS DE INTEGRAÇÃO NO pisicultura e apiário com cinco col-
IFF-CAMPUS CAMBUCI meias. Conta ainda com um galpão
de apoio e insumos, um trator, um
O Campus Avançado de Cambuci microtrator, sulcador, semeadora,
se localiza a 7 km da sede do muni- cinco casas de vegetação, além de
cípio, na Região Noroeste do Estado veículos de transporte (carro de pas-
do Rio de Janeiro, em uma fazenda seio, ônibus e caminhão).
com aproximadamente 50 hectares. Contudo, ainda que se perceba o
As atividades pedagógicas se inicia- campo como uma área importante
ram em 2013 quando a propriedade do ensino, outras estruturas neces-
foi doada ao Instituto Federal Flumi- sárias ao bom desenvolvimento das
nense pelo Ministério da Agricultura práticas pedagógicas deixam muito
Pecuária e Abastecimento. Em um a desejar. Devido à falta de verbas, o
primeiro momento, a unidade per- Instituto ainda não fez as obras pre-
tencia ao Campus de Bom Jesus do vistas no momento de sua criação.
Itabapoana e oferecia, apenas, o Cur- Dessa forma, um único bloco de qua-
so Concomitante de Agropecuária. tro salas foi construído, somando-se
Em 2014, já na condição de Campus aos prédios antigos herdados do Mi-
Avançado, a recém-formada equipe nistério. Não há quadra de esportes,
pedagógica decidiu pela implemen- biblioteca, salas de coordenação e
tação dos cursos Técnicos Integrados de suporte educacional. Faltam tam-
ao Ensino Médio em Agroecologia e

172
bém alguns profissionais caros a uma que resultam, hoje, no envolvimento
escola, como bibliotecários, pedago- direto de cerca de 40% dos discentes
go, psicólogo, dentre outros. da escola nessas propostas, sejam
Mesmo com vários problemas como voluntários ou como bolsis-
estruturais graves, que dificultam tas. Isso pode ser percebido na tabe-
muito as práticas educativas, e se va- la abaixo, que lista a quantidade de
lendo das possibilidades produtivas projetos coordenados pelos profes-
e sociais de uma escola agrícola situ- sores desde o momento em que a
ada na zona rural, os professores do unidade se tornou avançada:
Campus têm demonstrado um cres- Além do crescimento, deve-se
cente interesse pelo desenvolvimen- destacar também a diversidade for-
to de ações de pesquisa e extensão mativa das equipes dos projetos. Em
Tabela 1 – Número de projetos de pes-
quisa e extensão do Campus Cambuci

Projetos 2015 2016 2017


Extensão 2 12 11
Pesquisa 2 3
Integração Pesquisa e Extensão 2
Total 2 14 15
Fonte: Dados das coordenações de Pes-
quisa e de extensão. Campus Cambuci.

alguns deles estão presentes docen- justifica não somente pelo fato de
tes e técnicos com formações bem eles serem coordenados pelos auto-
diferentes, o que aponta para a cons- res deste texto, mas, principalmente,
trução de um conhecimento que por: partirem da concepção de Ensi-
rompe com os limites disciplinares. no Integrado apresentado anterior-
Diante disso, a análise aqui apresen- mente, isto é, serem projetos que,
tada se concentrará sobre três deles: apesar de estarem ligados a aspectos
um de pesquisa, um de extensão, e culturais, também estão fortemente
outro classificado pela instituição, vinculados à temática rural, tão cara
como de integração pesquisa e ex- aos Cursos Integrados de Agroecolo-
tensão. A escolha desses projetos se gia e de Agropecuária desenvolvidos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 173


no Campus Cambuci. e disponibilizado na página do pro-
a) O Centro de Memória do IFF jeto um pequeno vídeo sobre uma
Cambuci. propriedade agrícola de meados do
século XIX.
O Centro de Memória iniciou suas
atividades em março de 2015. Desde O desenvolvimento das ativida-
o início, o projeto contou com servi- des, juntamente com os debates for-
dores de diversas formações (profes- mais e as conversas informais com
sores de história, de língua portugue- colegas e discentes, fez com que a
sa, de geografia, de matemática, com equipe do Centro de Memória cons-
experiência em fotografia, de artes e truísse, no seu terceiro ano de exis-
do técnico de informática) que, além tência, um projeto que dialogasse
de se identificarem com a proposta, ainda mais com a realidade rural e,
poderiam colaborar para o desen- principalmente, com algumas te-
volvimento das atividades. O Cen- máticas pertinentes à agroecologia.
tro sempre desenvolveu ações que Nesse ínterim, foi proposto a ProPEI/
se preocupavam em debater a reali- IFF o projeto Memórias de vidas no
dade local e a questão rural das re- campo: a Revolução Verde e as trans-
giões Norte e Noroeste Fluminense. formações nas “artes de fazer e con-
Nos dois primeiros anos, os projetos viver” dos trabalhadores de bairros
identificaram propriedades antigas e rurais de Cambuci (1950-2000), que
entrevistaram moradores da região. parte para uma ação mais temática,
Ademais, foi criado um canal de co- voltada ao trabalho de valorização
municação da equipe de trabalho do homem do campo. Para tanto,
e a comunidade local: a página do propõe-se uma interação com as co-
Centro de Memória do IFF Cambuci, munidades rurais mais próximas ao
no Facebook3. Por meio da página, Campus: Três Irmãos, Santo Antão,
várias pessoas compartilharam fo- Santa Rita e Vieira Braga.
tos e histórias sobre suas localidades Entende-se que as atividades
e/ou suas famílias, o que ampliou o do projeto serão importantes, em
conhecimento do grupo sobre a re- primeiro lugar, para o crescimento
alidade local e a interação entre a do Campus Avançado Cambuci. Por
instituição e a comunidade. Por fim, meio dele, os professores poderão
ainda nesse momento, foi produzido conhecer mais a realidade das co-

3 https://www.facebook.com/centrodememoriaiffcambuci. Data de acesso: 04/08/2017.

174
munidades vizinhas, o que facilitará já utilizadas nas aulas para as discus-
o desenvolvimento de ações de ensi- sões sobre assuntos cotidianos; tra-
no, de pesquisa e de outras ações de balhar, a partir dos dados obtidos, as
extensão. Tendo em vista os cursos relações entre os grandes processos
integrados oferecidos na unidade históricos estudados e a vida local;
escolar, o melhor entendimento da demonstrar como os sujeitos histó-
história e dos valores das comunida- ricos orientam as suas ações, o que
des rurais facilitará a construção de favorece a perspectiva de que todos
atividades que atendam as deman- nós somos agentes históricos e não
das locais. No que se refere especifi- somente os “grandes personagens”
camente ao Curso de Agroecologia, presentes nos livros didáticos. Ade-
o debate sobre o impacto da Revo- mais, os bolsistas e voluntários te-
lução Verde na produção local dina- rão a oportunidade de participar de
mizará o trabalho de resgate de prá- um projeto científico, tendo acesso
ticas tradicionais de produção. Além a uma série de atividades (leituras
disso, o projeto estará em constante complementares, orientação, apre-
diálogo com o recém-criado curso sentações orais em eventos científi-
de Pós-Graduação Lato Sensu: Lite- cos) que potencializarão o seu cresci-
ratura, Memória Cultural e Sociedade. mento como estudante, preparando,
Como a especialização tem a propos- inclusive, para uma possível vertica-
ta de analisar práticas culturais locais, lização.
o material levantado enriquecerá as Por fim, espera-se que as ações
discussões de algumas disciplinas. colaborem para o maior estreita-
Em segundo lugar, as ações do mento do Campus com as comuni-
projeto auxiliarão nas atividades dades vizinhas. Entende-se que, so-
pensadas pela disciplina de história. mente por meio desse enlace e do
Tendo como pressuposto as estra- conhecimento das demandas locais,
tégias de ensino de Circe de Bitten- será possível a instituição participar
court, defensora do estudo histórico da construção de um projeto coleti-
da realidade por meio de situações vo de desenvolvimento sustentável
problemas (BITTENCOURT, 2004), ele baseado, de fato, nas demandas das
possibilitará: exemplificar o debate populações do campo, respeitando
sobre fontes e metodologias do co- os seus interesses e a sua identidade.
nhecimento histórico; aprofundar as O projeto de extensão é pensa-
técnicas de pesquisa da história oral,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 175


do, então, como uma ferramenta na medida em que a equipe foi de-
que possibilita a difícil articulação senvolvendo as suas atividades, ela
entre as disciplinas, algo primordial constatou a diversidade do perfil dos
na construção de um ensino basea- alunos e a sua abrangência territo-
do na concepção de currículo inte- rial. A unidade não recebia somente
grado. Esse caminho também está jovens de Cambuci e regiões vizinhas
sendo adotado por outros profes- (Itaocara, Aperibé e São Fidélis), mas
sores de história da rede federal. Na também estudantes de áreas um
coletânea, recém-publicada, Ensino e pouco mais distantes, como os mu-
Pesquisa em História e Humanidades nicípios de Nova Friburgo, Bom Jar-
nos Institutos Federais de Educação, dim, Sumidouro e Duas Barras. Além
Ciências e Tecnologias, (FEIJÓ e SILVA, da distância, o perfil desses discentes
2017), há vários trabalhos que anali- chamava a atenção, já que se dife-
sam experiências parecidas que lo- renciava da maioria daqueles oriun-
graram êxito em aproximar a história dos de Cambuci. Ao contrário da-
de conteúdos tradicionalmente vis- queles das regiões mais próximas ao
tos como pertencentes a outras áre- campus, os adolescentes das outras
as de conhecimento. Uma das gran- localidades possuíam maior experi-
des questões do ensino integrado ência e interesse nos conteúdos das
na rede federal, que é a construção disciplinas específicas da formação
de um diálogo entre as disciplinas profissional. Eles, consequentemen-
do chamado núcleo comum e as da te, apresentavam maior interesse
formação técnica, foi alcançada por em atuar profissionalmente na área,
meio de projetos, compostos por como técnicos de nível médio, ou
equipes multidisciplinares. por meio da verticalização dos seus
b) Projeto de Pesquisa Memó- estudos.
rias de Vidas no Campo. Essa diferença de perfil foi alvo
Desde a criação do campus avan- de debates entre os servidores do
çado Cambuci e a chegada dos pro- campus. Com base nas experiências
fessores, no ano de 2014, a equipe formativas dos professores, a hipóte-
pedagógica tem pensado estratégias se levantada foi de que essa caracte-
de ensino, pesquisa e extensão que rística estaria baseada no desenvol-
melhor atendam a população das re- vimento histórico das regiões, o que
giões nas quais atua. Nesse sentido, gerou arranjos produtivos bem dis-
tintos. De toda a forma, essa discus-

176
são reforçou a necessidade de esta- implicação desses insumos na saúde
belecer uma rotina sistematizada de da população local (MOREIRA, 2002).
estudos sobre a realidade dos alunos A introdução dos insumos químicos
do campus. Nasceu, assim, a ideia da esteve ligada a um processo mais
criação do Núcleo de pesquisas e estu- amplo de mudanças produtivas co-
dos sobre as ruralidades fluminenses, nhecida como Revolução Verde. Em
que foi aprovado e cadastrado pelo Nova Friburgo, algumas pesquisas
IFF junto ao CNPq em 20164. mostram que, no início dos anos
O projeto Memórias de vidas no 80, a grande maioria dos agriculto-
campo: as transformações nas “artes res já utilizava esses agroquímicos
de fazer e conviver” dos trabalhadores sem qualquer prescrição (MORETT
de bairros rurais da serra Fluminense e MAYER, 2003). Tal mudança na or-
(Nova Friburgo e Sumidouro) (1950- ganização produtiva deve ter afeta-
2000) é fruto do anseio de se enten- do amplamente a vida cotidiana da
der melhor o processo histórico mais população rural e é, justamente, essa
recente de formação e de desenvol- uma das questões principais da pes-
vimento de regiões rurais do estado quisa. Diante disso, optou-se por um
do Rio de Janeiro e se ancora na linha recorte temporal que se concentras-
de pesquisa: Linguagem, Identidade e se sobre os últimos 50 anos do século
Memória do Rural Fluminense do já XX, o que permitirá estabelecer uma
referido núcleo. O seu recorte geo- análise entre o modo de vida nessas
gráfico pode ser justificado de várias áreas, antes e depois da introdução
formas, levando-se em consideração, do pacote tecnológico e, em parce-
principalmente, as ligações histórias ria com o projeto de extensão Cen-
dessas áreas com aquelas mais pró- tro de Memória do IFF Cambuci, um
ximas ao campus Cambuci e as ati- comparativo com o território rural de
vidades econômicas predominantes Cambuci.
nessas regiões. Essas duas regiões Assim, espera-se entender me-
têm o seu arranjo produtivo voltado lhor as características de comuni-
para o setor agropecuário e são mar- dades rurais de regiões agrícolas
cadas pelo grande uso de agrotóxi- importantes para a economia do es-
cos, o que já gerou estudos sobre a tado. Uma vez de posse dos dados,

4 Disponível em: < http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9034881796745555> Acesso


em: 04 ago.2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 177


será possível elaborar propostas de amplo e prévio de diálogo com os
ensino, pesquisa e extensão que co- agentes sociais locais. O resultado da
laborem para um projeto de desen- pouca proximidade, algumas vezes,
volvimento sustentável baseado nas foi sendo sentido apenas quando, no
demandas das populações do cam- planejamento de ampliação, princi-
po, respeitando os seus interesses e palmente dos campi mais recentes,
a sua identidade. não se podia contar com dados con-
Por fim, seja pela temática pro- textuais concretos. Nesse sentido,
posta, ou pelo trabalho em paralelo uma das diretrizes de construção
que será desenvolvido pelo Centro dos IFs, segundo Silva, não foi sendo
de Memória, entende-se que os dis- plenamente garantida, já que não se
centes do campus estarão proble- podia assegurar “a sintonia dos currí-
matizando a realidade do interior do culos com as demandas sociais, eco-
estado do Rio de Janeiro por meio de nômicas e culturais locais, permean-
debates que envolverão, novamente, do-os das questões de diversidade
profissionais com diversas formações cultural e de preservação ambiental,
curriculares. pautada na ética de responsabilida-
de e do cuidado” (SILVA, C. J. R., 2009,
c) Projeto de Integração Pes- p.11).
quisa e Extensão: aportes para o
planejamento das ações pedagó- Esse processo foi percebido na
gicas de pesquisa e de extensão do implementação do IFF Cambuci. A
IFF-campus Cambuci decisão pelos cursos de Ensino Médio
Integrado em Agropecuária e Agroe-
Com o crescimento acelerado da cologia foi tomada seguindo a área
estrutura multicampi da rede federal, na qual a escola já atuava, mesmo
em muitos momentos, não houve que a equipe pedagógica não tivesse
tempo para que cada campus criasse formada e que a pequena consulta
seus próprios instrumentos de arti- realizada na comunidade apontasse
culação com a comunidade e con- o desejo de outras formações, tais
tou-se apenas com a boa vontade e a como informática, petróleo e gás.
sensibilidade dos atores formadores A partir da consolidação da equipe
para os problemas locais, como pôde docente, projetos de pesquisa e de
ser percebido nos projetos citados extensão foram sendo implantados
acima. Assim, as instituições foram ainda sem a consolidação de instru-
se firmando sem o estabelecimento mentos de consulta e de recolha de

178
dados sociais, que só foram surgin- buci objetiva, pois, atuar exatamente
do de acordo com a necessidade na criação de tais ferramentas, pro-
peculiar de cada uma dessas ações. curando dar subsídios para uma atu-
O mesmo ocorreu com a constitui- ação institucional mais comprometi-
ção dos núcleos de pesquisa e com da com as questões locais.
a oferta dos cursos FIC, Tecnólogo e No campo pedagógico, o projeto
de Especialização, já com previsão partiu do princípio de que o currí-
de início. As ferramentas de consulta, culo de uma instituição educativa é
desses dois últimos, foram pensadas toda a sua práxis, em qualquer âmbi-
a partir da implantação dos projetos to (SACRISTÁN, 2000), transformada
pedagógicos já consolidados por ou- em seu documento de identidade
tros campi e não suscitadas por de- (SILVA, 2009), no qual se forjam ide-
mandas especificamente locais. No ologias, territórios políticos e con-
caso do curso FIC, não houve consul- cepções de saber e poder (MACEDO,
ta e foi uma ação planejada a partir 2009; MOREIRA e SILVA, 2002). Por
de um projeto de pesquisa apoiado isso, é de suma importância que ele
pelo CNPq5. reflita a realidade em que se insere.
Diante desse cenário e com os Contudo, para que ele seja veículo
quadros pedagógico e de gestão de representações e transformações,
já formados, o IFF campus Cambu- é preciso, antes de conceber uma
ci percebeu a necessidade de criar proposta pedagógica, e aí se incluem
instrumentos que possibilitassem as práticas científicas e extensionis-
compreender melhor as demandas tas, seja ela em qual modalidade for,
formativas, produtivas e sociais da conhecer o contexto no qual e para
comunidade que atende e de estrei- o qual se destina. Sendo assim, bus-
tar os laços com os agentes locais cou-se com tal proposta estabelecer
para aprimorar, gerir com mais efici- interlocução entre a escola e as co-
ência, planejar e integrar suas ações munidades atendidas por elas, diag-
de ensino, pesquisa e extensão. O nosticando suas necessidades e seus
projeto de Integração Pesquisa e Ex- anseios formativos. Isso permitirá
tensão Aportes para o planejamento construir os currículos do IFF-Cam-
das ações pedagógicas de pesquisa buci de modo mais coerente e condi-
e de extensão do IFF-campus Cam- zente, além de proporcionar aos seus

5 Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA-IFF).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 179


alunos, consequentemente, uma e sensível (RAJAGOPALAN, 2003) ao
aprendizagem significativa (ASUBEL contexto local.
apud MOREIRA e MASINI, 2001) e Enfim, as atividades buscam, a
emancipadora (FREIRE, 2005), já que partir dos conceitos apresentados,
estarão ancorados em aspectos rele- fomentar o planejamento participa-
vantes de suas realidades e de seus tivo da instituição (GANDIN, 2009;
conhecimentos de mundo. ARRUDA e JÚNIOR, 2015). Por meio
No que se refere à extensão, prin- da coleta e da organização de dados
cipalmente, à rural, já que é na qual e da criação de um canal de comuni-
o campus mais atua, entende-se que cação com a comunidade, espera-se
os agentes extensionistas devem auxiliar nas decisões e nas escolhas
atuar como mediadores capazes de pedagógicas (entendendo pesquisa
criar laços e construir redes de comu- e extensão como tal) e administra-
nicação e de conhecimento (KREUTZ, tivas da unidade, que desde então
PINHEIRO e CAZELLA, 2005). Diante estariam mais sintonizadas com as
disso, o projeto almeja construir co- demandas locais e, por isso, mais ca-
letivamente mecanismos de diálogo pacitadas para organicamente cons-
entre os agentes comunitários e a truir o Currículo Integrado para além
instituição, possibilitando o inter- da articulação entre formação geral e
câmbio de informações e facilitando profissional.
o acesso, principalmente dos mora-
dores vizinhos, às instalações e aos 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
professores do IFF-Cambuci.
Os projetos têm se mostrado, não
Já no que tange a pesquisa, o pro-
somente em Cambuci, mas em ou-
jeto se apoia na concepção de ciência
tros Institutos Federais (FEIJÓ e SILVA,
com relevância (DEMO, 2005 e 2001)
2017), como uma ótima ferramenta
e responsabilidade (RAJAGOPALAN,
de integração entre diversas áreas do
2003) social, principalmente, porque
conhecimento e variadas ações pe-
aqui as investigações ocorrem no
dagógicas. Eles, de uma forma geral,
cotidiano escolar, ou seja, na com-
partem da problematização da reali-
plexidade do real (GARCIA, 2003). Ele
dade para, assim, propor caminhos
colabora com o levantamento de da-
epistemológicos de compreensão
dos regionais para que se possa pra-
da vida cotidiana. Contudo, sabe-se
ticar no campus uma pesquisa crítica
que, embora seja uma boa iniciativa,

180
há de se levar em conta a possibilida- culo como documento e como prá-
de e a necessidade de se estender a tica educativa unitária, ratificando o
integração para além dos projetos e compromisso da instituição pública
torná-la uma prática do cotidiano es- com a excelência e com a formação
colar. Esse seria o principal desafio a crítica.
ser enfrentado pelas escolas da rede
federal, principalmente, pelo campus REFERÊNCIAS
Cambuci.
ARRUDA, M. C. C. e JÚNIOR, J. A. C. C.
A superação da formação dual
Conselhos Municipais de Educa-
de trabalhadores e trabalhadoras
ção: desafios daformação e da ges-
para o mercado encontra bases na
tão democrática. Seropédica: UFRRJ,
concepção da educação a partir da
2015.
construção do Currículo Integrado.
Somente a partir disso, pode-se ir BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de
além da mera formalização existente História: fundamentos e métodos.
no ensino integral como modalidade São Paulo: Cortez, 2004.
e não como práxis. Nesse sentido, a
inter ou a transdisciplinaridade se fa- BOBBIT, J. The curriculum. Boston:
zem imprescindíveis para a articula- Houghton Miffin, 1918.
ção entre os diversos saberes e para
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Pau-
romper com a abordagem empirista
lo: Brasilense, 2004.
e mecanicista da tradicional profis-
sionalização. DÁLIA, J. M. T. Formação integral na
Diante das experiências e dos de- educação do campo: o ensino de
safios apresentados, espera-se que, língua portuguesa no currículo inte-
no IFF campus Cambuci, o acúmulo grado da pedagogia da alternância.
criado com os projetos seja capaz de 24/08/2011. 107f. Dissertação. Pro-
fazer com que a equipe pedagógica grama de Pós-Graduação em Edu-
perceba que a integração curricular, cação Agrícola/UFRRJ. Seropédica,
de fato, é possível. Torna-se mister a 2011.
garantia estrutural para a continui-
dade desses projetos e que a articu- DEMO, P. Metodologia da investi-
lação vivenciada nessas ações seja gação em educação. Curitiba: Ibpex,
reelaborada na construção do currí- 2005.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 181


_______. Pesquisa e informação (IFF). Plano de Desenvolvimento
qualitativa: aportes metodológicos. Institucional 2010-2014. Campos:
Campinas: Papirus, 2001. Essência Editora, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. KREUTZ, I. J., PINHEIRO, S. L. G. e CA-


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ZELLA, A. A. A construção de novas
atribuições para a Assistência Téc-
FRIGOTTO, G. Concepções e mudan- nica e Extensão Rural: a mediação
ças no mundo do trabalho e o Ensino como reconhecimento da identi-
Médio. In.: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, dade. Santa Maria: UFSM, janeiro/
M.; RAMOS, M. (Org). Ensino Médio dezembro de 2005. Disponível em:
Integrado: concepção e contradi- <http://w3.ufsm.br/extensaorural/
ções. São Paulo: Cortez, 2005. art2ed12.pdf>. Acesso em: FALTA
COLOCAR A INFORMAÇÃO.
FEIJÓ, G.,V. e SILVA, T.de F. (Org.) Ensi-
no de História e humanidades nos MACEDO, R. S. Currículo: campo,
institutos federais de educação, ci- conceito e pesquisa. Petrópolis: Vo-
ência e tecnologia: desafios e pers- zes, 2009.
pectivas. Brasília: Ed.IFB, 2017.
MOREIRA, J. C. et al. Avaliação inte-
GANDIN, D. A prática do planeja- grada do impacto do uso de agrotó-
mento participativo: na educação e xicos sobre a saúde humana em uma
em outras instituições, grupos e mo- comunidade agrícola de Nova Fri-
vimentos dos campos cultural, social, burgo, RJ. Ciência e saúde coletiva
político, religioso e governamental. [online]. 2002, vol.7, n.2, pp.299-311.
Petrópolis: Vozes, 2009.
MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. (org.).
GARCIA, R. L. Método: pesquisa com Currículo, cultura e sociedade. São
o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, Paulo: Cortez, 2002.
2003.
MOREIRA, M. A. e MASINI, E. F. S.
GONÇALVES, N. G. e GONÇALVES, S. Aprendizagem significativa: a teo-
A. Pierre Bourdieu: educação para ria de David Ausubel. São Paulo: Cen-
além da reprodução. Petrópolis: Vo- tauro, 2001.
zes, 2010.
MORETT, A. T. e MAYER, J. M. A ques-
INSTITUTO FEDERAL FLUMINENSE tão ambiental em Nova Friburgo. In

182
MAYER. J. M. e ARAÚJO, J. R. (Org.)
Teia Serrana: formação histórica de
Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Edito-
ra ao livro Técnico, 2003, p.265-84.

RAJAGOPALAN, K. Por uma linguís-


tica crítica: linguagem, identidade e
a questão da ética. São Paulo: Pará-
bola Editorial, 2003.

RAMOS, M. Possibilidades e desafios


na organização do currículo integra-
do. In.: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.;
RAMOS, M. (Org). Ensino Médio In-
tegrado: concepção e contradições.
São Paulo: Cortez, 2005.

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma re-


flexão sobre a prática. Porto Alegre:
ArtMed, 2000.

SANTOMÉ, J. Globalização e inter-


disciplinaridade: o currículo inte-
grado. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

SILVA, C. J. R. Institutos Federais lei


11.892, de 29/11/2008: comentá-
rios e reflexões. Natal: IFRN, 2009.

SILVA, T. T. Documentos de identi-


dade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
2009.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 183


ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFIS-
SIONAL: OS DESAFIOS NA CONSOLIDAÇÃO DE UMA
EDUCAÇÃO POLITÉCNICA
Mayara Soares de Melo1, Roberto Ribeiro da Silva2
1
Instituto Federal Goiano, Campus Avançado Cristalina
2
Universidade de Brasília, Instituto de Química
E-mail: mayara.melo@ifgoiano.edu.br

1. INTRODUÇÃO cebe-se que a ideia de Ensino Médio


Integrado à Educação Profissional,
Atualmente, a formação básica de em sua amplitude, não foi conside-
nível médio está em pauta na educa- rada na reforma do ensino médio.
ção brasileira. A busca por um novo Na Lei nº 13.417, apenas é citada a
modelo educacional que possibilite possibilidade de as instituições de
uma melhor formação e, consequen- ensino oferecerem os itinerários for-
temente, amplie as oportunidades mativos integrados. O sentido do ter-
para os jovens, tem sido objeto de mo integrado não fica claro na Lei, tal
debate em vários âmbitos da socie- como em tantos outros documentos
dade. Essa discussão se tornou ainda oficiais. Assim, como ficam os cursos
mais intensa com a publicação da de ensino médio integrado que são
Medida Provisória nº 746, de 22 de prioridades das instituições da Rede
setembro de 2016, convertida em Lei Federal de Educação Profissional,
nº 13.417, de 16 de fevereiro de 2017, Científica e Tecnológica? Infelizmen-
que estabelece diversas mudanças te ainda não temos a resposta para
no ensino médio. Dentre essas mu- essa pergunta. Mas, a partir de toda
danças, bastante controversas, des- essa problemática, torna-se funda-
taca-se a organização curricular em mental ter uma clara compreensão
itinerários formativos, sendo um de- do que se entende por ensino mé-
les a formação técnica e profissional, dio integrado, visando defender esse
que poderá ser ofertada pelas esco- modelo educacional.
las e ser um dos eixos formativos es-
Segundo as Diretrizes Curricula-
colhidos pelos estudantes.
res Nacionais para a Educação Pro-
Porém, a partir desse debate, per- fissional de Nível Técnico (BRASIL,

184
1999), “a educação para o trabalho dos futuros (MOURA, 2007).
não tem sido tradicionalmente co- A nova possibilidade de articu-
locada na pauta da sociedade brasi- lação entre educação básica e edu-
leira como universal” (p. 5), mas que, cação profissional técnica surge na
apesar disto, e devido a inúmeras forma integrada de Educação Profis-
discussões e avanços historicamente sional Técnica de Nível Médio. Essa
construídos, forma é resultante de debates mobi-
não se concebe, atualmente, a edu- lizados nos setores da educação pro-
cação profissional como simples
instrumento de política assisten- fissional, principalmente no âmbito
cialista ou linear ajustamento às dos sindicatos, e pesquisadores da
demandas do mercado de trabalho, Educação e Trabalho, com agentes
mas sim, como importante estraté-
gia para que os cidadãos tenham e atos políticos, que culminou na
efetivo acesso às conquistas cientí- revogação do Decreto nº 2.208/97,
ficas e tecnológicas da sociedade. que determinava a separação entre
Impõe-se a superação do enfoque
tradicional da formação profissional Ensino Médio e educação profissio-
baseado apenas na preparação para nal, e na publicação do Decreto nº
execução de um determinado con- 5.154/04, que permitiu novamente a
junto de tarefas. A educação profis-
sional requer, além do domínio ope- oferta da educação básica de forma
racional de um determinado fazer, articulada à educação profissional.
a compreensão global do processo
produtivo, com a apreensão do sa- O Ensino Médio Integrado à Edu-
ber tecnológico, a valorização da cação Profissional atualmente é ofer-
cultura do trabalho e a mobilização
tado nas instituições da Rede, pois
dos valores necessários à tomada de
decisões (BRASIL, 1999, p. 8). conforme o art. 6º da Lei nº 11.892
uma das finalidades dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tec-
Esse documento denota a bus-
nologia (IFs) é: “ministrar educação
ca pelo rompimento da dualidade
profissional técnica de nível médio,
estrutural que se difundiu no Brasil
prioritariamente na forma de cursos
desde o império: a educação pro-
integrados, para os concluintes do
fissionalizante, de caráter mais ins-
ensino fundamental e para o públi-
trumental direcionada às camadas
co da educação de jovens e adultos”
populares como forma de apoio as-
(BRASIL, 2008, grifo nosso), devendo
sistencialista, e educação básica, de
garantir 50% de suas vagas para este
caráter mais propedêutico, dirigida
fim.
aos que se preparavam para os estu-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 185


Nesse contexto, o significado dadas de forma fragmentada, visando
palavra integrado não pode ser con- alcançar bons resultados em avalia-
fundido com o sentido de somar ou ções externas. Mesmo com a nova
simplesmente juntar as disciplinas proposta de educação integrada, na
de formação básica com as de forma- Escola Agrotécnica Federal analisa-
ção específica, e deve ser entendidoda por Silva (2009), a organização do
na perspectiva de formação integral,trabalho pedagógico permaneceu
no sentido de completude, em que a nos moldes do que era orientado
educação seja um meio que permita pelo Decreto nº 2.208/97, que regu-
uma leitura de mundo mais comple- lamentava as formas fragmentadas
ta. O Ensino Médio Integrado à Edu- de educação profissional e tinha
como função a qualificação para as
cação Profissional deve possibilitar a
formação omnilateral dos sujeitos, onecessidades do mercado. Ele iden-
que implica na integração entre tra-tificou ainda que tanto os docentes
balho, cultura e ciência, dimensões como os gestores não foram pre-
fundamentais que estruturam as parados para esse novo modelo de
relações sociais humanas (RAMOS, educação, não havendo mudanças
2007). nas metodologias utilizadas em sala
Porém, o estudo apresentado de aula e nem objetivos comuns que
por Silva (2009) que discute a im- permitissem uma maior articulação
plementação de um currículo inte- entre os conteúdos.
grado entre ensino médio e educa- Já na pesquisa realizada por Mu-
ção profissional em agropecuária, niz (2015) é apresentada uma discus-
traz dados que demonstram a falta são sobre a evasão dos estudantes
de integração entre ambas as áre- do Ensino Médio Integrado do IFG-
as mesmo após a promulgação do Formosa. Nesse trabalho, a autora
Decreto nº 5.154/04. As disciplinas relata que o número de alunos que
da área profissional normalmente concluíram o ensino médio naquele
são trabalhadas sob a orientação da campus, em 2013, foi muito abaixo
pedagogia de competências profis- do desejável, mesmo com os altos
sionais do mercado – que seriam os investimentos que são feitos na ins-
conhecimentos técnicos necessários tituição quando comparado a outras
para que os empregados se tornem escolas públicas. Um dos aponta-
empregáveis – enquanto as discipli- mentos apresentados que explica a
nas de nível médio são apresenta- alta evasão/reprovação é a organiza-

186
ção curricular. Para ela, os currículos autora relata que em sua prática do-
dos cursos integrados são bastante cente não buscava trabalhar os con-
fragmentados. Ao invés de se pen- teúdos científicos de forma articula-
sar em uma adaptação curricular da com os conhecimentos técnicos e
para essa forma de ensino, eles são lecionava como se estivesse em um
compostos de todas as disciplinas do ensino médio convencional. Visando
ensino médio regular e as demais da promover uma formação e tendo o
formação profissional e, deste modo: trabalho como princípio educativo,
[...] os alunos cursam um grande ela elaborou e aplicou uma propos-
número de disciplinas ao mesmo ta buscando promover a integração
tempo, com pouca carga horária
destinada a cada uma delas e sem
entre quatro disciplinas do curso
nenhum nexo ou ligação entre os técnico integrado em eletrotécnica.
conteúdos das matérias básicas Em sua investigação, a pesquisado-
com o ensino técnico. Os conteúdos
são ministrados individualmente
ra buscou informações sobre a visão
com pouca ou nenhuma conectivi- dos estudantes em relação ao ensino
dade entre si, o que contribui para médio integrado e percebeu que há
dificultar o entendimento e a assi-
milação por parte dos alunos (MU-
um desconhecimento por parte de-
NIZ, 2015. p. 84). les do que é um ensino integrado,
sendo predominante a ideia de que
neste tipo de curso simplesmente se
O problema apresentado por Mu- tem a formação básica adicionada
niz (2015) é tão grave que em pouco a disciplinas de cunho profissional.
tempo de existência do campus já Dentre as dificuldades encontradas
foram encerrados diversos cursos in- pela professora durante a execução
tegrados e abertos outros novos. Ela da proposta, ela destacou o des-
destaca a necessidade de se repensar conhecimento de conhecimentos
os currículos de modo que trabalho e específicos para se promover uma
estudo não sejam excludentes. efetiva integração, demandando
Outro estudo, realizado por Melo bastante pesquisa e estudo ao longo
(2015), também destaca a dificulda- do planejamento. Para a autora, essa
de dos docentes de efetivarem uma dificuldade pode ser atribuída a la-
formação integrada que se contrapo- cunas em sua formação docente que
nha a dualidade estrutural entre for- não contribuiu para prepará-la para
mação básica de nível médio e edu- atuar no ensino integrado.
cação profissional. Em seu trabalho, a

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 187


Percebe-se, portanto que, muitos 2. O Ensino Médio Integrado na
dos cursos de ensino médio profissio-
perspectiva da politecnia
nal ditos integrados, na prática, não
articulam as disciplinas de forma- A proposta de Ensino Médio Inte-
ção básica e de formação específica. grado à Educação Profissional surgiu
Uma de nossas hipóteses para esse tendo como objetivo se contrapor à
quadro está na falta de compreen- dualidade estrutural observada na
são da concepção de educação inte- história da educação brasileira. Con-
grada, na perspectiva da politecnia, forme dito anteriormente, a educa-
e da formação omnilateral, incluindo ção propedêutica era direcionada
o significado das dimensões funda- às elites, à formação dos futuros di-
mentais que estruturam as relações rigentes, enquanto a educação pro-
humanas, trabalho, ciência e cultura. fissional era dirigida aos filhos das
A maioria dos professores entendem camadas populares tendo, portanto,
essas dimensões como distantes ou, uma perspectiva assistencialista e de
quando as relacionam, há uma va- manutenção do sistema socioeconô-
lorização do saber científico em de- mico vigente (MOURA, 2007).
trimento do trabalho manual, uma Ao longo do debate ocorrido na
não compreensão do conhecimento década de 1980, na busca por um
cultural como inter-relacionado ao modelo que superasse essa forma-
ção dual, introduziu-se na educação
conhecimento da ciência, e a percep- brasileira o conceito de politecnia.
ção equivocada da tecnologia como Segundo Saviani (1987), a concep-
uma simples aplicação da ciência bá- ção de politecnia surge da proble-
mática do trabalho e, portanto,
sica. podemos entendê-la a luz do pen-
samento marxista. Marx e Engels,
A fim de contribuir para o diálo- ao se referirem a produção huma-
go sobre a concepção de educação na, a produção material, destacam
integrada, no presente capítulo, são a importância do trabalho para a
constituição do homem. Um dos
discutidos os fundamentos teóricos principais pressupostos da forma-
do ensino médio integrado na pers- ção integral, o trabalho, carrega, no
pectiva da politecnia e os sentidos pensamento marxista, um significa-
do fundamental:
das dimensões trabalho, ciência, tec-
nologia, cultura e suas inter-relações,
tendo em vista a problemática da Pode-se distinguir os homens
não-integração entre as disciplinas dos animais pela consciência, pela
científicas e profissionais. religião ou por tudo que se queira.

188
Mas eles próprios começam a se di- sua plenitude. Constitui-se assim um
ferenciar dos animais tão logo come- processo de alienação e, por meio
çam a produzir seus meios de vida dele, os homens tornam-se menos
(p.27). [...] mas os homens, ao de- homens (PIRES, 1997).
senvolverem sua própria produção As críticas de Marx se estendem/
material e seu intercâmbio material, aplicam à educação. A educação for-
transformam também, com esta sua mal pode contribuir para o processo
realidade, seu pensar e os produtos de humanização ou de alienação dos
de seu pensar (MARX e ENGELS apud jovens. Para o filósofo, a educação
ANDRADE, 2006, p. 52-53, grifo nos- profissional pautada no adestramen-
so). to dos operários por meio do ensino
A atividade humana é entendida de técnicas e manipulação de ferra-
como transformadora da realidade e, mentas tem como objetivos a manu-
ao transformá-la, o homem transfor- tenção da divisão do trabalho e a in-
ma a si mesmo em um movimento trodução de mais máquinas no meio
simultâneo. Deste modo, o homem de produção, contribuindo para o
não se situa fora da realidade, mas processo de alienação. O mesmo
pertence a ela (ANDRADE, 2006). ocorre em um sistema educativo que
É na categoria trabalho que está a foque apenas na formação intelectu-
materialidade histórica do homem, al e abstrata.
sendo ela o centro das relações so- Diversos autores brasileiros
ciais. O trabalho, ao constituir-se tais como Frigotto (2012), Ciavatta
como atividade vital, possibilita que (2012), Kuenzer (1998) discutem a
o homem se torne homem, em um relação entre trabalho e educação e,
processo chamado de humanização para Pires (1997) essa reflexão é mui-
(PIRES, 1997). to importante, pois:
Entretanto, na sociedade capita- A humanidade, produzida histórica
lista, o trabalho é explorado, sendo e coletivamente pelo conjunto dos
homens, diz respeito ao conjunto
vendido sempre por um preço me- de instrumentos (objetos, ideias, co-
nor do que ele vale. Nessa lógica de nhecimento, tecnologia etc) com os
organização, o capitalista expropria quais os homens se relacionam com
a natureza e com os outros homens
o trabalho do trabalhador dividindo para promover a sobrevivência. A
e setorizando os meios de produ- forma histórica de produzir a huma-
ção, retirando dele a atividade em nidade chama-se trabalho, portanto
a centralidade do trabalho nas rela-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 189


diferentes modalidades, proporcio-
ções sociais diz respeito também à
educação (p. 91-91).
nando a articulação entre educação
básica e técnica. Segundo Razuck
Esses autores entendem que para (2006), a respeito da educação poli-
promover uma educação que esteja técnica:
a serviço da humanização deve-se [...] se esses princípios são absorvi-
utilizar o trabalho como um princípio dos, assimilados, e se o educando
adquire essa compreensão não ape-
educativo, sendo este um dos pilares nas teórica, mas também prática do
da educação integral. Deste modo, a modo como a Ciência é produzida,
educação profissional não deve bus- e do modo como a Ciência se incor-
pora à produção de bens, adquire a
car o treinamento ou adestramento compreensão de como a sociedade
do jovem em determinadas técnicas está constituída, qual o sentido das
que o mercado de trabalho necessi- diferentes especialidades em que se
divide o trabalho moderno. Ou seja,
ta, mas buscar a formação humana os alunos aprendem praticando,
em sua totalidade (FRIGOTTO; CIA- mas, ao praticar vão dominando de
VATTA; RAMOS, 2012). forma cada vez mais aprofundada,
os fundamentos, os princípios que
A perspectiva politécnica surge estão direta ou indiretamente na
base desta forma de organizar o tra-
visando superar a formação profis-
balho na sociedade (p. 35)
sional alienante, de modo a resgatar
a formação humana em sua totali-
dade. Para isso, o termo politecnia Assim, os estudantes devem se
não deve ser entendido a partir doapropriar não só das técnicas ne-
cessárias para sua atividade prática
seu significado literal: multiplicidade
enquanto futuro profissional, mas
de técnicas. A educação politécnica
busca a consolidação de cursos de também dos fundamentos e prin-
cípios que norteiam a relação entre
ensino médio profissionalizante que
não restrinjam ao adestramento dashomem e mundo a partir do traba-
lho. Daí a necessidade de se pensar
mais variadas técnicas, mas possibi-
em uma educação de forma integra-
litem a formação de jovens para do-
minarem habilidades e fundamentos da, pois a discussão dos diferentes
conhecimentos de forma estanque e
científicos de diversas técnicas utili-
zadas no sistema produtivo atual. desarticulada não é suficiente para a
compreensão da complexidade das
Entendendo importância do tra-
relações envolvidas no sistema de
balho na constituição humana, a
produção.
politecnia tem como base as suas

190
Na concepção ontológica, o tra- ver seus meios de subsistência, suas
balho não deve ser reduzido ao em- necessidades fisiológicas e culturais,
prego. É uma atividade essencial não sendo correto que alguns grupos
para responder a produção de ele- explorem e vivam do trabalho dos
mentos necessários não só a vida outros (FRIGOTTO, 2012). Esse mito
biológica, mas a vida cultural, social, salvacionista da Ciência e da Tecno-
afetiva e todas outras necessida- logia é amplamente compartilhado
des que se modificam ao longo da pelos docentes que, ao discutirem
história. Segundo Frigotto (2012), o desenvolvimento científico e tec-
os trabalhadores sempre buscaram nológico como estudantes, o fazem
desenvolver meios/modos que pos- argumentando que os problemas
sibilitassem diminuir esse tempo de enfrentados pela sociedade serão
trabalho para dispor de mais tempo resolvidos com cada vez mais tecno-
livre, um tempo de escolha verdadei- logia. O que observamos é a grande
ramente criativo. Nessa perspectiva, desigualdade social, o aumento do
o trabalho humano se dá tanto na es- desemprego e milhares de pessoas
fera da necessidade quanto da liber- que passam fome diariamente, mes-
dade, que são inseparáveis. E é neste mo que se produza alimento sufi-
contexto que a ciência e a tecnologia ciente para atender a demanda.
se inserem, pois, elas podem ser uti- Na política educacional brasileira
lizadas na melhoria das condições de pode-se notar a falta de identidade
vida, permitindo um aumento desse do ensino médio. Mesmo sendo ela
tempo de efetiva escolha. a etapa final da educação básica e,
Todavia, as mudanças científicas consequentemente muito importan-
e técnicas não têm contribuído para te para a formação de cidadãos ativos
que grande parte das pessoas tenha na sociedade, nas instituições priva-
essa melhor qualidade de vida e pos- das ainda se busca apenas a prepara-
sa desfrutar de mais tempo disponí- ção dos jovens para exames e ingres-
vel. Muitos estão desempregados ou so no ensino superior. As instituições
trabalhando em condições precárias. públicas, tentando proporcionar
Desta forma, é preciso pensar em essa mesma oportunidade para seus
uma formação que tenha o trabalho estudantes, devido a diversos fatores
como princípio educativo, pois to- sociais, estruturais, econômicos, que
dos os seres humanos, como parte não se restringem as paredes da es-
integrante da natureza, devem pro- cola, não conseguem atingir os mes-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 191


mos resultados das escolas particu- Para alcançar esse propósito, não
lares. Assim, ambas as escolas pouco cabe pensar em uma educação pro-
contribuem para proporcionar uma fissional de forma desarticulada dos
base de conhecimentos e valores saberes científicos, mas sim elaborar
que possibilitem uma formação que propostas que tenham o trabalho
articule o conhecimento científico e como princípio educativo. Porém,
tecnológico aos aspectos econômi- um dos grandes desafios para atin-
cos, sociais, ambientais e culturais,gir esse objetivo é a superação de
de modo a propiciar uma formação concepções simplistas dos docentes
integral de seus estudantes. que atuam nesses cursos, no que se
Segundo Frigotto (2012) gran- refere à compreensão das dimen-
de parte dos jovens brasileiros não sões articuladoras trabalho, ciência,
conclui essa etapa final da educação tecnologia e cultura. Esse aspecto é
básica ou, quando o fazem, tem que apresentado a seguir.
dividir o tempo dedicado aos estu-
dos com empregos realizando-o de 3. A problemática da (não) in-
forma precária. Esse quadro favorece tegração: sobre as concepções
que se perpetuem as desigualdades de ciência e tecnologia
e dificulta o desenvolvimento de
uma sociedade mais justa e igualitá- Para se promover uma educa-
ria para todos. ção verdadeiramente integrada,
A proposta do ensino médio inte- que supere a dualidade entre o en-
grado surge na tentativa de superar sino médio e a formação técnica,
esse quadro, descontruindo a ideia entendemos ser fundamental que
de formação profissional proposta os docentes das áreas científicas e
pela classe dominante que tem como profissional possuam concepções
foco somente o fornecimento de co- ampliadas, e não reducionistas, de
nhecimentos para a rápida introdu- Ciência, Tecnologia e Sociedade
ção no emprego. Essa forma de ensi- (CTS) e suas inter-relações.
no busca fornecer a esses jovens uma Auler e Delizoicov (2001) analisa-
formação que supere a dicotomia ram as concepções dos professores
trabalho manual/trabalho intelectual e identificaram a presença de três
a partir da compreensão dos funda- mitos que caracterizam uma concep-
mentos científicos, sociais, técnicos, ção reducionista sobre as interações
culturais do sistema produtivo atual. CTS, são eles:

192
• O mito da superioridade do inércia e lógica de evolução,
modelo das decisões tecno- desprovida do controle dos se-
cráticas: na perspectiva tecno- res humanos” (VERASZTO et al.,
crática, os experts (especialistas 2008, p. 70), além disso, acredi-
e cientistas) são os responsá- ta que o progresso tecnológico
veis por decidirem sobre ques- é o principal promotor de mu-
tões controversas, deixando danças sociais.
pouca margem para participa- Ao pensarmos em exemplos de
ção social nessas decisões. Um concepções que manifestam uma
dos pilares que sustenta essa visão reducionista da relação entre
perspectiva é o cientificismo, ciência e tecnologia, podemos citar
que afirma ser a ciência supe- afirmações como: a tecnologia é a
rior a outros conhecimentos, aplicação da ciência básica, ou que a
sendo capaz de resolver quais- tecnologia é um produto da ciência.
quer tipos de problemas, de or- Esse tipo de afirmação desconsidera
dem social, política, econômi- que a tecnologia é muito anterior a
ca, ética, etc. Acredita-se que ciência, estando profundamente re-
os especialistas são capazes lacionada à história humana. É no
de trazer soluções úteis e de momento em que o homem pensa
modo ideologicamente neutro. e constrói uma ferramenta, até en-
• A perspectiva salvacionista tão inexistente, que ele se constitui
da Ciência e Tecnologia: nessa como homem. E isso ocorre muito
concepção, o desenvolvimento antes do advento da ciência. Como
científico-tecnológico conduz afirmam Veraszto e colaboradores
(ou irá conduzir) ao bem-estar (2008):
social. Isso porque, nessa visão, A tecnologia existia muito antes dos
a ciência e a tecnologia são conhecimentos científicos, muito
antes que homens, embasados em
criadas para resolverem os pro- teorias, pudessem começar o pro-
blemas da sociedade. cesso de transformação e controle
da natureza. Além de ser mais an-
• O Determinismo tecnológi- tiga que a ciência, a tecnologia não
co: esse mito “considera a tec- auxiliada pela ciência, foi capaz de
nologia como sendo autôno- inúmeras vezes, criar estruturas e
instrumentos complexos (p. 65).
ma, autoevolutiva, seguindo,
de forma natural, sua própria A crença dos professores em afir-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 193


mações como essas, manifesta con- podem contribuir para a discussão
cepções de neutralidade da ciência e de questões científicas e tecnológi-
dificulta as possibilidades de integra- cas, por não terem o conhecimento
ção. Os professores atribuem à ciên- necessário para tal. Assim, a aborda-
cia o papel de desenvolver um corpus gem de questões sociocientíficas nas
de conhecimento e concebem a tec- aulas, tais como: a produção e con-
nologia como sendo a aplicação da sumo de alimentos transgênicos, a
ciência básica. Nessa perspectiva re- utilização de agrotóxicos, a pesquisa
ducionista e não-integrada, cabe aos com células-tronco, o desmatamento
professores de ciências ensinarem de florestas, deve ser realizada a par-
os conhecimentos científicos, e aos tir de argumentos científicos, para
das disciplinas específicas do âmbito os quais os experts têm as respostas.
profissional, aplicarem os conceitos Não são valorizadas outras formas de
para ensinar as técnicas que os futu- saberes populares, tal como o traba-
ros profissionais deverão utilizar no lho de um ourives, para contribuir na
mercado de trabalho. Em um curso formação de estudantes de um curso
técnico (não) integrado em agrope- de metalurgia, ou a de um agricultor
cuária, tal como o discutido por Silva familiar, para os estudantes de um
(2009), por exemplo, um professor curso em agropecuária, o que pode-
de química ensina conceitos básicos ria proporcionar um olhar mais crí-
de química inorgânica, discute a ci- tico para a relação do homem com
ência básica, enquanto um professor o trabalho e a cultura na sociedade
de agricultura geral aplica esses co- atual.
nhecimentos para discutir artefatos Entendemos que uma formação
tecnológicos utilizados no campo. de professores que favoreça uma
Ao entender a relação entre ciência perspectiva ampliada das relações
e tecnologia de forma tão rasa, se entre ciência e tecnologia, desmisti-
tornam escassas as possibilidades de ficando esses mitos historicamente
integração. constituídos, pode contribuir para
Além disso, os professores das que o futuro docente perceba possi-
disciplinas científicas e profissionais, bilidades de integração entre os co-
quando possuem concepções que nhecimentos.
manifestam o mito da superioridade
do conhecimento científico, acre-
ditam que as pessoas em geral não

194
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Já o ensino médio integrado bus-
ca promover uma formação em sua
As atuais mudanças no ensino totalidade, inter-relacionando as di-
médio podem ser tidas como um re- mensões trabalho, ciência e cultu-
trocesso ao pensarmos na formação ra. A educação em uma perspectiva
integrada à educação profissional. politécnica busca atingir esse fim
Os estudantes que optarem pelo iti- contribuindo para que os estudan-
nerário formativo da formação técni- tes não só aprendam variadas técni-
ca e profissional, possivelmente, te- cas utilizadas no sistema produtivo
rão as mesmas aulas das disciplinas atual, mas as articule com os funda-
científicas dos estudantes que não fi- mentos científicos, sociais e culturais,
zerem essa opção. Deste modo, pen- envolvidas no desenvolvimento tec-
sar em um currículo integrado que nológico. Na prática, deve-se propi-
discuta o trabalho e possibilite uma ciar condições para que os alunos se
melhor compreensão dos funda- apropriem das habilidades e compe-
mentos científicos, sociais e culturais tências necessárias para a formação
do atual sistema produtivo, a partir de um profissional que a sociedade
da formação técnica em questão, se precisa. Portanto, é necessário ques-
torna inviável. tionar: o que a sociedade espera de
O Ensino Médio Integrado à Edu- um técnico em agropecuária? Quais
cação Profissional surge na tentativa são os conhecimentos necessários
de romper com a dualidade entre a para que se constitua um profissio-
educação profissionalizante, focada nal mais crítico, preocupado com as
essencialmente no ensino de técnicas relações sociais e culturais envolvi-
para a rápida inserção no mercado de das em sua prática? Devem ser tra-
trabalho e voltada para as classes po- çados objetivos que se atentem a
pulares, e a propedêutica, com enfo- essas questões, pensando em como
que na discussão de conhecimentos as diferentes áreas do conhecimento
necessários para o prosseguimento podem contribuir para esse fim.
dos estudos futuros. Ou seja, ambas Apesar dos documentos oficiais
as formas de educação desarticula- que tratam da educação profissional
das são alienantes e não contribuem defenderem a perspectiva integrada
para a formação de cidadãos que de ensino, a realização e a consoli-
compreendam o significado do tra- dação desse tipo de curso ainda têm
balho na constituição humana. sido um desafio. Em inúmeras insti-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 195


tuições, eles são integrados apenas Educação, Universidade de Brasília,
no papel e isso tem contribuído para Brasília, 2006.
a alta evasão e, consequentemente,
para o fechamento dos cursos. AULER, D., DELIZOICOV D.; Alfabe-
tização científico-tecnológica para
Acreditamos que para promover quê? Ensaio – Pesquisa em Educa-
uma maior integração nesses cursos ção em Ciências, v. 3, n. 1, 2001.
é necessária uma formação de pro-
fessores, inicial e continuada, que BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de de-
promova a alfabetização científica zembro de 2008. Institui a Rede
em uma perspectiva ampliada, de Federal de Educação Profissional,
modo que eles melhor relacionem a Científica e Tecnológica, cria os Insti-
ciência e a tecnologia, desmistifican- tutos Federais de Educação, Ciência
do concepções que fortalecem a de- e Tecnologia, e dá outras providên-
sarticulação entre os conhecimentos cias. Disponível em: < http://www.
técnicos e científicos. Exemplos des- planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
ses mitos são: a crença na superio- 2010/2008/lei/l11892.htm>. Acesso
ridade do conhecimento científico em: 15 jul.2017. .
para a tomada de decisões sobre as
mais diferentes questões e também ______. Lei nº 9.394, de 20 de de-
a concepção simplista de tecnologia zembro de 2006. Estabelece as dire-
como aplicação da ciência, que forta- trizes e bases da educação nacional.
lece as práticas desarticuladas já que, Disponível em: <http://www.planal-
nessa visão, cabe aos professores de to.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>.
ciências ensinarem conceitos básicos Acesso em: 20 jul.2017..
e, aos das disciplinas profissionais,
_____. Decreto nº 2.208, de 17 de
aplicarem esses conhecimentos.
abril de 1997. Regulamenta o § 2 º
do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
ANDRADE, L. P. de. O professor na que estabelece as diretrizes e bases
psicologia histórico-cultural: da da educação nacional. Brasília, DF: 17
mediação à relação pedagógica. de abril de 1997. Disponível em: <ht-
2006. 151 f. Dissertação (Mestrado) tps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
- Curso de Programa de Pós-gradu- decreto/D2208.htm>. Acesso em: 20
ação em Educação, Faculdade de jul.2017.

196
_____. Decreto nº 5.154, de 23 de Cap. 2. p. 57-82.
julho de 2004. Regulamenta o § 2º
do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
9.394, de 20 de dezembro de 1996, MOS, M. A gênese do Decreto n.
que estabelece as diretrizes e ba- 5.154/2004: um debate no contexto
ses da educação nacional. Brasília, controverso da democracia restrita.
DF: 23 de julho de 2004. Disponível In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
em: <https://www.planalto.gov.br/ MOS, M. (Org.). Ensino Médio Inte-
ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/De- grado: Concepções e contradições.
creto/D5154.htm>. Acesso em: 20 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. Cap. 1.
jul.2017. p. 21-56.

______. Ministério da Educação, KUENZER, A. Z. A formação de edu-


Conselho Nacional de Educação - Câ- cadores no contexto das mudanças
mara de Educação Básica. Diretrizes no mundo do trabalho: Novos de-
Curriculares Nacionais para a Edu- safios para as faculdades de edu-
cação Profissional De Nível Técni- cação. Educação & Sociedade,
co. Brasília: MEC, 1999. Disponível [s.l.], v. 19, n. 63, p.105-125, ago.
em: <http://portal.mec.gov.br/cne/ 1998. Disponível em: <http://www.
arquivos/pdf/1999/pceb016_99. scielo.br/scielo.php?script=sci_art-
pdf>. Acesso em: 20 jul.2017.. tex t&pi3301998000200007&ln-
g=en&nrm=iso>. Acesso em: 05
CIAVATTA, M. A formação integrada: ago.2017.
a escola e o trabalho como lugares
de memória e de identidade. In: FRI- MELO, L. M. Uma proposta didática
GOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, com perspectiva politécnica para
M. (Org.). Ensino Médio Integrado: o Ensino Médio Integrado: um es-
Concepções e contradições. 3. ed. tudo de caso no Ensino de Química
no curso Técnico em Eletrotécnica.
São Paulo: Cortez, 2012. Cap. 3. p. 83-
106. 2015. 180 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de Mestrado em Ensino de
FRIGOTTO, G. Concepções e mudan- Ciências, Instituto de Ciências Bio-
ças no mundo do trabalho e o ensino lógicas/ Instituto de Física/ Instituto
médio. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, de Química/ Faculdade UnB Planalti-
M.; RAMOS, M. (Org.). Ensino Médio na, Universidade de Brasília, Brasília,
Integrado: Concepções e contradi- 2015.
ções. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 197


MOURA, D. H. Educação Básica e de Ciências Biológicas/ Instituto de
Educação Profissional e Tecnoló- Física/ Instituto de Química/ Faculda-
gica: Dualidade histórica e perspec- de UnB Planaltina, Universidade de
tivas de integração. Holos, Natal/RN, Brasília, Brasília, 2006.
v. 2, p. 4-30, 2007. Disponível em:
<http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index. SAVIANI, D. Sobre a concepção de
php/HOLOS/article/view/11/110>. politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.
Acesso em: 05 ago.2017. Politécnico da Saúde Joaquim Ve-
nâncio, 1987.
MUNIZ, M. A. dos S. Por que perde-
mos nossos alunos? Um estudo da SILVA, E. M. da. A implementação
evasão escolar no Instituto Federal do currículo integrado no curso
de Educação, Ciência e Tecnologia de técnico em agropecuária: o caso de
Goiás. 2015. 187 f. Dissertação (Mes- Guanambi. 2009. 125 f. Dissertação
trado) - Curso de Programa de Pós- (Mestrado) - Curso do Programa de
graduação em Psicologia, Faculdade Pós-graduação em Educação, Facul-
de Psicologia, Centro Universitário dade de Educação, Universidade de
de Brasília, Brasília, 2015. Brasília, Brasília, 2009.

PIRES, M. F. C. O materialismo históri- VERASZCO, E. V.; SILVA, D.; MIRANDA,


co-dialético e a Educação. Interface N. A.; SIMON, F. O.; Tecnologia: Bus-
— Comunicação, Saúde, Educação, cando uma definição para o concei-
v.1, n.1, 1997. Disponível em: <http:// to. PRISMA.COM, n. 7, 2008.
www.scielo.br/pdf/icse/v1n1/06.
pdf>. Acesso em: 05 ago.2017..

RAMOS, M. N. Concepção do Ensino


Médio Integrado. Natal: Secretaria
de Educação do Estado do Rio Gran-
de do Norte, 2007.

RAZUCK, R. C. S. R. O Ensino Médio


e a possibilidade de articulação da
escola com o trabalho. 2006. Disser-
tação (Mestrado) - Curso de Mestra-
do em Ensino de Ciências, Instituto

198
IDEOLOGIA EMPRESARIAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS
DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL CEARENSES
Ana Carolina Veras do Nascimento1, Dante Henrique Moura2,
Edilza Alves Damascena3
1
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
2
e 3 Instituto Federal do Rio Grande do Norte
E-mail: karolzinha033@yahoo.com.br

1. INTRODUÇÃO rais, estaduais, municipais e privadas.


Já os novos dados divulgados pelo
Nos últimos anos, a educação MEC/Inep, em fevereiro 2017, refe-
profissional técnica de nível médio rentes ao censo realizado em 2016,
(EPTNM) como um todo, ou seja, as foram contabilizadas 1.859.004 ma-
formas concomitante, subsequente trículas na educação profissional2, ou
e integrada desenvolvidas na esfera seja, quase o triplo da apresentada
pública e na privada, tem recebido em 2002.
destaque no cenário educativo na-
A ampliação no número de vagas
cional1, o que se reflete, dentre ou-
ocorreu nas formas concomitante,
tros aspectos, em uma rápida expan-
subsequente e integrada. Esta última
são de sua oferta. Dados oficiais do
foi possibilitada a partir da aprova-
Ministério da Educação (MEC/Inep,
ção do Decreto nº 5.154/2004, que
2010, p. 24) constatam que até o
incluiu essa possibilidade de articu-
ano de 2002 existiam nacionalmen-
lação do Ensino Médio com a educa-
te 652.073 matrículas na educação
ção profissional. Atualmente, o Plano
profissional vinculada às redes fede-

1 Destacamos que tal realidade vem ocorrendo desde a posse do primeiro governo de Lula
da Silva, quando o executivo do governo federal, ao assumir o poder, possibilitou o retorno
à discussão, principalmente no que diz respeito à necessidade de integração do Ensino Mé-
dio à Educação Profissional. Esse fato acabou resultando numa significativa mobilização dos
setores progressistas vinculados ao campo da Educação Profissional. Assim, vários debates
ocorreram, as discussões sobre a educação politécnica e/ou tecnológica, de tradição mar-
xiana voltaram a ocupar lugar central (MOURA, 2007).
2 Inclui curso técnico concomitante e subsequente, integrado ao Ensino Médio regular, nor-
mal/magistério, integrado à EJA de níveis fundamental e médio, Projovem Urbano e FIC
fundamental, médio e concomitante (MEC/INEP, 2017)

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 199


Nacional da Educação 2014-2024, dos sobre o Ensino Médio Integrado
aprovado pela Lei nº 13.005/2014, (EMI) à Educação Profissional técnica
dispõe na Meta 11 que as matrícu- de nível médio com fundamento na
las da EPTNM devem ser triplicadas concepção de formação humana in-
nos próximos dez anos. Para tanto, tegral. Existe produção acadêmica e
o documento estabelece como es- algumas experiências significativas
tratégias que tal expansão se dê por de implementação do EMI que sina-
meio da ampliação da Rede Federal lizam para um esforço de materiali-
de Educação Profissional, Científica zação dessa perspectiva formativa
e Tecnológica, das redes públicas es- (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2010;
taduais de ensino, da oferta na rede MACHADO, 2010; RAMOS, CIAVATTA,
privada, inclusive, com possibilidade 2011; RAMOS, 2016; MOURA, 2011;
de financiamento estudantil, amplia- MOURA, 2013, dentre outros). Dessa
ção da oferta através de entidades forma, é extremamente relevante di-
sindicais e organizações sem fins lu- recionarmos nossas pesquisas para a
crativos, além do fomento para que concepção político-pedagógica de
a educação profissional seja ofertada Educação Profissional escolhida pe-
na modalidade a distância. los governos, por meio de seus mi-
É importante destacar que esse nistérios e secretarias (União, Estados
processo expansivo tem sido acom- e Municípios), pois estes podem co-
panhado pelo discurso que reforça laborar para a manutenção de uma
uma necessária preparação da popu- perspectiva de educação profissio-
lação jovem e adulta para o merca- nal que vise, unicamente, à inserção
do de trabalho. Tal entendimento é dos jovens no denominado mercado
difundido, principalmente, pelos or- de trabalho, mesmo que de maneira
ganismos multilaterais, como Banco precarizada, ou para o potencializar
Mundial (BM), Banco Interamericano a concepção de formação humana
de Desenvolvimento (BID), entre ou- integral, a depender da correlação
tros, que defendem os interesses do de forças existentes.
capital, quem os patrocina (OLIVEI- Nesse contexto de disputas, no
RA, 2003). Ao mesmo tempo, é preci- ano de 2008, foram criadas as Escolas
so destacar que esse é um campo de Estaduais de Educação Profissional
intensas disputas em torno da con- (EEEPs), no estado do Ceará duran-
cepção de formação humana. Dessa te o governo de Cid Ferreira Gomes.
maneira, têm-se desenvolvido estu- Para essa iniciativa, as principais fon-

200
tes de financiamento foram os recur- Tese (Modelo de gestão – Tecnologia
sos advindos do Tesouro Estadual e Empresarial Socioeducacional), ins-
do Programa Brasil Profissionalizado, pirada, pela Tecnologia Empresarial
via Decreto nº 6.302/2007 que “visa Odebrecht (TEO3), tecnologia edu-
fortalecer as redes estaduais de edu- cacional apresentada inicialmente
cação profissional e tecnológica. ” à Secretaria de Educação do Estado
(BRASIL, MEC, 2013, s.n.). No que se de Pernambuco “como alternativa
refere ao Programa Brasil Profissio- para inovar o sistema de gestão dos
nalizado, o governo federal repassa Centros de Ensino Experimental que
recursos para os estados investirem viriam a ser implantados a partir
nas escolas técnicas. Para ganhar os daquele ano em Pernambuco”(ICE,
recursos desse programa, os esta- 2008, p.5). A Tese, posteriormente,
dos deveriam assinar o compromis- foi apresentada à Secretaria de Edu-
so Todos pela Educação (Decreto nº cação do Estado do Ceará e inserida
6.094/2007). como o modelo de gestão a ser utili-
Desde agosto do ano de 2008, o zado nas Escolas Estaduais de Educa-
número de escolas vem se amplian- ção Profissional.
do, não apenas na capital, mas por Diante do exposto, neste artigo
todo o território do estado. Inicial-
nos propomos a analisar o docu-
mente, contava com 25 EEEPs que mento Tese e seu antecessor TEO,
ofertavam o EMI em 20 municípios. doravante Tese/TEO, responsável
Até o final de 2014 já haviam 106 EE-
pela concepção de formação huma-
EPs distribuídas em 82 municípios. na presente nas escolas profissiona-
No ano de 2016, observamos um to- lizantes do estado do Ceará a fim de
tal de 115 escolas distribuídas por 90
compreendermos a concepção de
municípios (CEARÁ/SEDUC, 2015b). educação defendida por esse mate-
Apesar de as EEEPs serem apre- rial.
sentadas como um projeto de for- A necessidade de compreender,
mação integral, observamos que o de forma mais radical, as políticas
documento norteador da pedagogia educacionais, especificamente às
presente no interior da escola é a voltadas à articulação entre a EPTNM

3 “A Tecnologia Empresarial Odebrecht provê os fundamentos éticos, morais e conceituais


para a condução dos negócios e a atuação de todos os integrantes da empresa Odebrecht
Engenharia e Construção S.A.”.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 201


e o Ensino Médio, traz a obrigação de sos e serão preparados para ingresso
constituir uma metodologia capaz no mundo do trabalho cada vez mais
de captar as contradições vivencia- competitivo.
das na atual sociedade de classes. Consideramos o trabalho como
Sendo assim, o enfrentamento das a mediação do homem com a na-
questões postas para essa investi- tureza, uma atividade realizada de
gação foi realizado a partir de um forma projetada, idealizada na sua
referencial teórico-metodológico consciência antes de ser efetivada na
baseado no materialismo histórico prática (MARX, 2013). Por meio desse
dialético, pois entendemos a neces- intercâmbio com a natureza, os se-
sidade de se ter uma perspectiva de res humanos criam e recriam valores
pesquisa que nos ajude a pensar a de uso, os bens requeridos pelo ho-
partir da realidade concreta dada, mem, os instrumentos de trabalho,
compreendendo nosso objeto de os empreendimentos produtivos, o
investigação como parte de uma conhecimento bem como os demais
totalidade constituída de múltiplas elementos requeridos para sua re-
relações e determinações. Para essa produção. Tudo pela ação consciente
busca da compreensão da realidade do trabalho. Na dialética do proces-
que nos inquieta, propomos reali- so de transformação da natureza em
zar uma investigação exploratória meios de vida, o homem também
em que a pesquisa bibliográfica e a se transforma, cria e recria a própria
pesquisa documental sejam as prin- existência, pois rompe as barreiras da
cipais técnicas de investigação. esfera natural (biológica) e salta para
outra esfera, a social. Assim, materia-
2. RELAÇÃO TRABALHO E EDUCA- liza a sua consciência a partir de uma
ÇÃO necessidade concreta apresentada
anteriormente. Como consequên-
Consideramos que compreender cia, o trabalho transforma, cria algo
a relação entre trabalho, sociedade novo, confronta o homem com a ne-
e sistema capitalista é fundamental cessidade de novas tarefas, novas ca-
para a compreensão do modelo de pacidades e novas necessidades. Por
educação profissional em curso no isso, Lessa e Tonet (2011), a partir de
país e, especificamente, no Ceará. análises de textos de Marx e Engels
Afinal, é nesta realidade que os estu- e Lukács, consideram a categoria tra-
dantes desta modalidade estão imer- balho fundante do “ser social”.

202
Entretanto, Frigotto (2010, p. 59) Sabemos que o sistema capitalis-
ressalta que o trabalho, além de as- ta passou por diversas configurações
sumir sua forma ontológica, também ao longo da história5, sendo que,
adquiriu diversas formas históricas, atualmente, exibe uma organização
respondendo “às necessidades da pautada nos seguintes pilares: rees-
vida cultural, social, estética, simbó- truturação produtiva, políticas neoli-
lica, lúdica e afetiva” vivenciadas em berais, pensamento pós-moderno e
cada época4. Sob a ordem capitalista, globalização econômica. Esses pila-
o trabalho que, ontologicamente, re- res foram a resposta encontrada pelo
presenta a realização humana – sua capital a fim de superar a própria cri-
emancipação e possibilidade de au- se instaurada no início da década de
tossuperação – passa a ser um fardo, 1970, embora engendrada desde a
se transforma em mais um meio de década anterior.
reprodução e acumulação da riqueza No final dos anos 1960, as gran-
para os capitalistas. Nesse contexto, des potências capitalistas6 viram-se
Marx (2010, p. 83) afirma que o “tra- frente a um quadro de crise, que,
balho não é, por isso, a satisfação segundo Antunes (2009), teve como
de uma carência, mas somente um “expressão mais fenomênica” a crise
meio para satisfazer necessidades do padrão de produção taylorista/
fora dele”. Finaliza seu raciocínio afir- fordista. Segundo esse autor, os tra-
mando que o “o homem (o trabalha- ços característicos que desencade-
dor) só se sente como [ser] livre e ati- aram a crise podem ser resumidos
vo em suas funções animais, comer, da seguinte forma: 1) queda da taxa
beber e procriar, quando muito ain- de lucro, dada, principalmente pelo
da habitação, adorno etc., e em suas aumento do preço da força de tra-
funções humanas só [se sente] como balho; 2) esgotamento do padrão de
animal. O animal se torna humano, e produção taylorista/fordista, dada
o humano, animal” (p. 83). pela incapacidade de responder à re-
4 Fazendo um paralelo com a análise de Lessa e Tonet (2011) sobre as diversas formas assu-
midas pelo trabalho, destacamos que, nas primeiras relações sociais, representadas pelo co-
munismo primitivo, período caracterizado pela ausência de classes sociais, todos trabalha-
vam e usufruíam das benesses produzidas, portanto, o trabalho satisfazia as necessidades
básicas vitais e espirituais do ser humano. Com o desenvolvimento das forças produtivas,
diversas formas de sociedades foram produzidas historicamente, estas, apesar de possuí-
rem características próprias, carregavam como uma de suas características unificadoras a
transformação do trabalho de atividade vital para atividade de aprisionamento do próprio
homem.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 203


tração do consumo; 3) hipertrofia da o capital estruturando um novo pro-
esfera financeira, ganhando uma re- jeto de sociabilidade com base na
lativa autonomia frente aos capitais reestruturação produtiva (ofensiva
produtivos; 4) maior concentração do capital na produção), no ideário
de capitais graças às fusões entre as neoliberal (ofensiva do capital na
empresas monopolistas e oligopolis- política) e no pensamento pós-mo-
tas; 5) crise do Welfare State (Estado derno (ofensiva do capital na base
de bem-estar social) acarretando a teórica) que serviram de base para o
crise fiscal do Estado capitalista e a desenvolvimento do novo patamar
necessidade de retração dos gastos de organização capitalista, a “globa-
públicos; e 6) forte incremento das lização”, que denominaremos “mun-
privatizações, desregulamentando e dialização financeira do capital” (AN-
flexibilizando o processo produtivo. TUNES, 2009).
Portanto, a estruturação do pa- Os efeitos desse ajuste conserva-
drão de acumulação taylorista/for- dor provocaram uma nova confor-
dista e juntamente com ele o Estado mação nas relações sociais, econô-
de Bem-Estar Social já não atendiam micas, políticas e culturais. Segundo
aos interesses do capital, que bus- Harvey (2014), essa nova configura-
cava crescer para além das frontei- ção nem mesmo conseguiu alcançar
ras nacionais e adentrar em campos seu objetivo central, ou seja, poten-
ainda não visitados. Assim, a fim de cializar o crescimento econômico
estabelecer um novo ciclo reproduti- visando ampliar a acumulação do
vo e repor seu projeto de dominação, capital denominado produtivo7. No
que estava sendo colocado à prova, campo do mundo do trabalho, em

5 A necessidade crescente do lucro e o pesadelo (para os capitalistas) da queda da taxa de


lucro das mercadorias fazem com que o capital subordine todas as funções reprodutivas
sociais a sua expansão (valorização/lucro). Segundo Marx (2013), é em virtude dessa própria
lógica destrutiva que as suas crises ocorrem e que obrigam o sistema capitalista se reinven-
tar (politicamente, socialmente, culturalmente, economicamente etc.) a fim de manter uma
crescente taxa de lucro
6 A crise ocorreu de forma e com respostas diferente nos países periféricos e de capitalismo
avançado
As taxas agregadas ao crescimento global ficaram em mais ou menos 3,5% nos anos de
1960 e mesmo no curso da conturbada década de 1970 caíram apenas para 2,4%. Mas as
taxas subsequentes de crescimento de 1,4% e 1,1% nos anos 1980 e 1990 (e uma taxa que
alcança 1% no ano de 2000) indicam que a neoliberalização em larga medida não conseguiu
estimular o crescimento mundial, mostrando um crescimento inferior inclusive ao período
de crise (HARVEY, 2014, p. 167).

204
virtude das modificações do próprio acarretou o processo de desespecia-
processo produtivo dadas pelo avan- lização do trabalhador em troca da
ço científico-tecnológico, pela cons- multifuncionalidade. Em decorrên-
tituição das formas de acumulação cia dessas mudanças, exigiu-se um
flexível, presenciamos fortes con- trabalhador adaptado aos “novos
sequências para os trabalhadores, tempos”, flexíveis, polivalentes, capa-
sua estruturação enquanto classe e zes de trabalhar em equipe, cumprir
sua organização. Segundo Antunes metas, prezar pela “qualidade total”
(2009), observamos uma diminuição das mercadorias (que quanto mais
da classe operária industrial, mas, pa- é alegada, maior é a constatação de
ralelamente, um crescimento signifi- indurabilidade dos produtos), par-
cativo do número de trabalhadores ticipativos e criativos, capazes de se
temporários, terceirizados, precariza- adaptar, de forma rápida, às novas
dos, vinculados à economia informal, modificações impostas pelo sistema
ou seja, passamos a vivenciar maior capitalista (ANTUNES, 2011)
intensificação e superexploração do Diante dessas transformações,
trabalho junto a uma elevada taxa de Ramos (2011) afirma que novos con-
desemprego. ceitos foram convocados para definir
Paralelamente a essa tendência as relações capital-trabalho que es-
apresentada, Antunes (2011) acres- tavam sendo construídas. Entre eles,
centa outra: o chamado processo a noção de qualificação8 foi sendo
de desqualificação dos trabalhado- questionada9 como incapaz de estru-
res de inúmeros setores. Esse autor turar as novas “relações de produção
caracteriza que o modelo de acu- e dos códigos de acesso e permanên-
mulação flexível, que modificou cia no mercado de trabalho” (p. 38).
profundamente o chão de fábrica, Nesse emaranhado, “recupera-se o

8 Segundo Ramos (2011), o conceito de qualificação remonta do surgimento do Estado de


Bem-Estar Social, da forma de produção taylorista-fordista. Surgiu como resposta à ausência
de regulações sociais que conhecia o trabalhador como membro de uma categoria, de um
coletivo.
9 Ramos (2011) apresenta os rumos tomados pelo conceito de qualificação a partir da dé-
cada de 1980, a partir dos avanços tecnológicos e da organização do trabalho. No campo
acadêmico, várias teses surgiram com o objetivo de compreender o processo de qualifica-
ção ou desqualificação vivenciado pelos trabalhadores. Ao mesmo tempo, no campo socio-
empírico, foi questionada a adequação e a suficiência do conceito qualificação. Já no campo
teórico-filosófico, a preocupação reside na questão da subjetividade dos trabalhadores, na
busca incessante pelo resgate da sua autonomia.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 205


debate de qualificação como relação ressa ao capital, se explicam os dife-
social, ao mesmo tempo em que se rentes desempenhos dos indivíduos
testemunha a emergência da noção que ocupam um mesmo cargo.
de competências” (p. 39) como forma Acompanhada do modelo de
de atender aos seguintes propósitos: competências, a noção de emprega-
a) reordenar conceitualmente a com- bilidade vai ganhando cada vez mais
preensão da relação trabalho-educa- força, o entrelaçamento dessas duas
ção; b) institucionalizar novas formas acaba contribuindo para uma forte
de educar/formar e gerir o trabalho; elaboração ideológica pós-moderna
c) formular padrões de identificação que busca explicar os problemas so-
da capacidade real do trabalhador ciais a partir do indivíduo. Esse fator
para determinada ocupação. Nesse repercute, de forma direta, na edu-
sentido, a autora afirma ter ocorrido cação, em que o complexo educa-
o deslocamento conceitual de quali- cional é convocado a assumir novas
ficação para competência. configurações10, cabendo, portanto,
Nesse contexto, a competência à escola promover o encontro entre
“assume um novo código de comu- formação e emprego. Entretanto,
nicação entre os diferentes sujeitos sabemos que a permanência no em-
sociais” atuando na fronteira inclu- prego não será garantida unicamen-
são/exclusão sob um novo tipo de te pelo diploma, para Ramos (2011),
contrato social”. Ou seja, como um em tal contexto de valorização dos
modelo de gestão capaz de adminis- saberes tácitos e de um padrão de
trar a disputa entre conhecimento e produção guiado pela flexibilidade,
competência, ultrapassando o falso os fatores determinantes, mas não os
dilema entre qualificação do empre- únicos, para a permanência no em-
go e qualificação do indivíduo. As- prego são: as competências adqui-
sim, é por meio da competência que, ridas e, principalmente, a constante
desde o ponto de vista do que inte- atualização dos trabalhadores.

10 Reconhecemos que a educação tem uma relação de reciprocidade dialética com o traba-
lho, apesar disso, não podemos desconsiderar que ela está inserida e se relaciona na trama
social com os demais outros complexos existentes (econômico, político, religioso etc.), ou
seja, ela não é determinada de forma aleatória ou agindo de forma redentora sem conexão
com as relações sociais, na realidade, “a totalidade social é a responsável pela produção das
necessidades e das possibilidades relacionadas ao complexo da educação” (LIMA; JIMENEZ,
2011, p. 90). Assim, de acordo com a organização de cada sociedade, é exigido determinado
tipo de formação do indivíduo.

206
Nesse novo contexto, o indivíduo Relatório de Jacques Delors (DELORS,
passa a exercer sua capacidade de 2011) como os princípios pedagó-
escolha, sendo responsável por sua gicos atuais, estão bem articulados
formação, devendo adquirir os meios com essa pedagogia. É a partir des-
que o permita ser mais competitivo se contexto histórico que se engen-
no mercado de trabalho. A escola dra a Tese/TEO como uma proposta
agora é o órgão certificador do sta- educacional, a qual discutiremos no
tus de empregabilidade e não mais a próximo item.
garantia do futuro emprego, “a edu-
cação passa a ser entendida como 3. A TESE/TEO: BREVES CONSIDE-
um investimento em capital huma-
RAÇÕES
no individual que habilita as pessoas
para a competição pelos empregos Após apresentarmos breve con-
disponíveis” (SAVIANI, 2011, p. 430). textualização histórica das trans-
Nesse sentido, Saviani (2011) formações ocorridas na sociedade,
afirma que a luta por um bom sta- como também de algumas mudan-
tus de empregabilidade força o tra- ças teóricas que as sustentaram, prin-
balhador a realizar diversos cursos, cipalmente no campo educacional,
permanecer mais tempo na escola, chegamos ao objeto central de nos-
a fim de escapar da condição de ex- sa análise, a compreensão da nova
cluído. Além da busca pelo emprego proposta de educação profissional
formal, existe uma forte propaganda cearense, ou seja, da Tese/TEO.
do indivíduo empreendedor, do mi- Para conseguirmos chegar à raiz
croempresário, do empreendedor do que fundamenta esse documen-
individual. to, remetemo-nos, inicialmente, a
A partir da discussão, finalizamos suas origens para, dessa forma, com-
a seção apontando que o modelo de preendermos que a Tese é um braço
competências casou perfeitamente da Tecnologia Empresaria Odebrecht
com as novas demandas do sistema (TEO) plantada no seio da educação
capitalista, em que a valorização do e carregada por uma racionalidade
saber se coloca secundária diante da própria de compreensão da realida-
dimensão experimental e comporta- de. Foi difundida por Norberto Ode-
mental, não à toa que os quatro pila- brecht no interior de sua empresa
res da educação, estabelecidos pelo como também por meio de diversas
obras. Hoje é também concretizada

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 207


fora da empresa, no interior de mui- centrais presentes na TEO: a) a ideia
tos espaços educativos, dentre os de subserviência do trabalhador;
quais as EEEPs do estado do Ceará, b) a objetividade ou racionalização,
ora em análise. guiada por metas; c) a ideia de líder e
A TEO é uma verdadeira propos- não de chefe; d) a preocupação com
ta de forma de viver baseada em va- os clientes; e e) os trabalhadores de-
lores empresariais, um guia de ação vem ser guiados por uma visão inte-
que deve ser aplicado de forma pro- gradora. Ressaltamos que a empresa
dutiva a fim de gerar bens e servi- possui um modelo de educação que
ços que possam ser comprados por encontra no trabalho (alienado) e na
clientes satisfeitos e, dessa forma, a subserviência do trabalhador a sua
empresa tenha condições de crescer. base de sustentação.
Sua construção foi apoiada na ideia Não podemos negar que sua ide-
de homens civilizados e dispostos ologia está bem atrelada à chamada
a unirem forças para a produção de pedagogia empresarial, que, segun-
riquezas morais e materiais para a do Holtz (2006), é o modelo de edu-
empresa, ou seja, visa à construção cação que mais se aproxima da per-
de um novo ser humano “cujo valor feição para uma formação do tipo
maior deveria ser o de servir, em vez integral, pois tem como base o des-
de ‘ser servido’ (ODEBRECHT, 2004, p. bloqueio das características inatas
3) e que busque sempre evoluir para do ser humano, mas que ainda não
superar resultados. Do nosso ponto foram desenvolvidas, como a pro-
de vista analítico, compreendemos dutividade e valores morais relacio-
que isso demonstra que a Tese/TEO nados à produção. Diante disso, não
almeja um espírito de subserviência podemos negar a forte ligação que a
do trabalhador voltado às necessida- ideologia presente na TEO tem com
des do capital em um cenário mun- o trabalho, entretanto a forma como
dial reconfigurado. Em outras pala- esta categoria é vista se distancia
vras, busca uma força de trabalho completamente da concepção onto-
dócil, que aceite ser explorado sem lógica de atividade que constrói o ser
questionar e que lute a todo custo social. Na realidade, aproxima-se da
pelo crescimento da empresa, pela visão unilateral e alienada de traba-
satisfação dos seus clientes. lho como produção de mercadoria,
A partir de Odebrecht (2004), po- presente na pedagogia empresarial.
demos destacar as seguintes ideias

208
A partir do apresentado, reco- qualidade dos relacionamentos que
a pessoa estabelece com os outros.
nhecemos que essa ideologia foi
O “aprender a fazer” desdobra-se na
reestruturada para adentrar ao am- “competência produtiva” e diz res-
biente escolar por meio da Tese/ peito ao desenvolvimento de habili-
dades e destrezas para o mundo do
TEO, com o objetivo, segundo seus
trabalho. Finalmente o “aprender a
formuladores, de solucionar o pro- conhecer” desdobra-se na “compe-
blema da educação formal. Portanto, tência cognitiva” e articula-se com
o modo com que o indivíduo lida
como o próprio documento afirma,
com o conhecimento (SILVA, 2013,
corresponde a uma nova proposta p.116-117).
de educação para a juventude bra-
sileira. Foi elaborada pelo Instituto
Dessa forma, o documento que
de Co-Responsabilidade pela Educa-
rege as EEEPs coloca em ação a ideia
ção – ICE (ICE, 2008) e apresentada
de uma nova proposta educacional
pelo consultor Jairo Machado, tem
que tem como foco central a apren-
59 páginas que relatam como deve
dizagem de competências e valores.
ocorrer a estruturação das escolas
Segundo Silva (2013) e França (2016),
de Ensino Médio em tempo integral
cada um a seu termo, para alcançar
a partir da experiência do Ginásio de
esse objetivo a escola pauta-se numa
Pernambuco.
Educação para Valores e Educação
Após a análise detalhada do do- para o Trabalho. A primeira é pauta-
cumento, percebemos que sua con- da na necessidade de aprimorar o
cepção de educação está assentada indivíduo enquanto pessoa humana,
nos Quatro Pilares da Educação, esta- que seja predisposta à ação e a hon-
belecida no Relatório produzido por rar seus compromissos e responsa-
Jacques Delors para a Unesco – Edu- bilidades; já a segunda, busca uma
cação: um tesouro a descobrir (DE- educação pela ação, possibilitando
LORS, 2011). Segundo Silva (2013), a ao jovem a compreensão da neces-
Tese/TEO desdobra esses quatro pi- sidade de uma formação contínua,
lares em quatro competências, como tornando o indivíduo capaz de as-
podemos observar na citação abaixo: sumir tarefas pontuais e atividades
O “aprender a ser” é desdobrado na mais complexas no ambiente de tra-
“competência pessoal”, é a qualida-
de da relação que a pessoa estabe-
balho. Salientamos, entretanto, que
lece consigo mesma. O “aprender a esses modelos estão pautados nas
conviver” desdobra-se na “compe- transformações constantes do mun-
tência relacional” e leva em conta a
do do trabalho, propondo então um

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 209


núcleo de habilidades, competên- quais poderão se deparar ao longo
cias e valores que estejam sujeitos de sua vida, sendo capazes, dessa
adaptáveis às tantas oscilações da forma, de buscarem soluções ade-
acumulação flexível. Dessa forma, es- quadas e criativas para os problemas
tamos de acordo com Silva (2013, p. encontrados. Assim, percebemos a
118), para quem apesar do programa ideia do protagonismo concretizada
se propor a cultivar esse conjunto de no chão da escola a partir da propa-
habilidades básicas que protegeriam ganda e de disciplinas escolares que
os jovens do desemprego estrutural, estimulem o empreendedorismo e o
pois são habilidades que acompa- associativismo juvenil.
nharão esses jovens ao longo de sua Diante do exposto, concluímos
vida, na verdade, essa justificativa é que a escolha de tais fundamentos
falaciosa, pois a verdadeira intenção como premissas a serem seguidas no
é formar força de trabalho que apre- interior do espaço educativo busca,
sente um status de empregabilidade na realidade, adequar o estudante
superior à dos estudantes matricula- ao novo perfil de trabalhador exigi-
dos nas escolas regulares e que seja do pelo sistema capitalista em dete-
dócil aos interesses do capital. rioração. Nessa direção, argumentam
Dessa forma, o Protagonismo Ferreti, Zibas e Tartuce (2004, p. 3), ao
Juvenil é tido como uma premissa afirmarem que o protagonismo apre-
básica na formação dos estudantes. sentado pela Tese/TEO é encarado
O protagonismo é visto como um como um mecanismo para “[…] dar
método de ação social e educativo conta tanto de uma urgência social
que busca a conquista da autodeter- quanto das angústias pessoais dos
minação, autoconfiança, autoestima, adolescentes e jovens” diante das
autonomia e criatividade na bus- exigências dessa nova sociedade
ca de solucionar os problemas que moderna, marcada pelo desempre-
possivelmente enfrentará o jovem go. Dessa forma, a compreensão de
ao longo da sua vida profissional e protagonismo está completamente
pessoal. Assim, segundo Costa e Viei- atrelada à ideia de resiliência, ou seja,
ra (2006), o papel do professor seria a capacidade de as pessoas resisti-
estimular cada vez mais essa premis- rem à adversidade imposta, valendo-
sa, a fim de que os estudantes adqui- se da experiência vivida para sobre-
ram maior autonomia e proatividade por-se às condições desfavoráveis.
frente às diversas situações com as

210
A Tese/TEO assume que, apenas caminhos traçados para o proces-
por meio de um novo modelo de ad- so educativo devem ser tratados de
ministração escolar eficiente e eficaz, forma bastante prática, por meio de
essa concepção teria condições de metas e de relatórios objetivos de
ser efetivada. Dessa forma, propõe avaliação, para que, posteriormente,
a aplicação do modelo de gestão sejam realizados os ajustes necessá-
empresarial baseado no Ciclo PDCA rios. A presença do líder (o gestor)
(Plan – planejar, Do – executar, Check que tem o controle sobre todo o pro-
– verificar/avaliar, Act – agir) na admi- cesso, dos parceiros internos (pro-
nistração das escolas, introduzindo, fessores, que devem vestir a camisa
portanto, teorias e práticas da admi- da escola/empresa), da comunidade
nistração privada do setor empre- (estudantes e suas famílias, são os
sarial no setor educacional público. clientes), do investidor social (poder
Assim, a escola assume outro papel, público e iniciativa privada, que apli-
passando a ser compreendida como cam capital) e dos parceiros externos
uma empresa, cujo principal negócio (comunidade, pais etc.) são funda-
é a educação de qualidade conforme mentais para alcançarem as metas
os preceitos da Tese/TEO. Segundo estabelecidas.
essa racionalidade, a escola deve ge- Dessa forma, o papel do gestor é
rar resultados tanto para a comunida- fundamental na organização da es-
de como para os investidores sociais cola-empresa, pois ele será o perso-
(iniciativa privada), de maneira que nagem essencial na transmissão da
o objetivo central é agregar valor às ideologia presente na Tese/TEO, edu-
fontes de vida (cliente/comunidade cando tanto os professores quanto
e investidor), que são riquezas mo- também os estudantes por meio da
rais e materiais, objetivando a garan- chamada pedagogia da presença. O
tia da satisfação de todos. Segundo gestor, portanto, deve ser um sujeito
Santos, Farias e Freitas (2013, p. 271), bastante presente na vida escolar, de-
“este tipo de parceria público priva- monstrando o compromisso, a dedi-
da é encarada com bons olhos pela cação e o exemplo aos professores e
comissão do relatório de Delors, haja estudantes, para que seja respeitado
vista a defesa dos setores empresa- e seguido. Segundo Dantas (2007),
riais para mercadorizar o ensino”. esse mecanismo é algo bastante uti-
De acordo com a Tese/TEO, nes- lizado nas empresas Odebrecht, sen-
sa concepção de escola-empresa, os do denominado por ele como “culto

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 211


ao mito”, em que os personagens im- À guisa de conclusão, compreen-
portantes que fizeram e fazem parte demos que a Tese/TEO, por meio do
da história da empresa são cultuados seu modelo de gestão empresarial
como figuras a serem seguidas pelos nas EEEPs do estado do Ceará, busca
demais. Esse instrumento, além de determinado modelo de educação
servir como mecanismo de integra- que visa atender às demandas atuais
ção, auxilia na difusão da Tese/TEO11. da sociedade capitalista de vertente
Diante do exposto, evidencia- flexível, neoliberal, pós-moderna e
mos que a concepção de educação mundializada financeiramente, que
presente na Tese/TEO e concretizada exige trabalhadores capazes de se
nas EEEPs cearenses é voltada a um deslocarem facilmente de um ramo
projeto de integração de forte cunho a outro da produção, “autônomos”,
empresarial, que transpõe o modelo proativos e criativos. Dessa forma,
e os conceitos do mundo produtivo/ aponta para o protagonismo juvenil
empresarial de forma acrítica para o como o método de ação social e edu-
interior da escola. Com esse modelo cativa capaz de tornar os jovens mais
baseado em resultados, eficiência e ativos diante dos possíveis obstácu-
racionalismo anunciam-se como a los que poderão enfrentar ao longo
solução dos problemas da educação. da sua vida profissional ou pessoal e,
Entretanto não explicitam que “solu- assim, desenvolverem soluções que
cionar os problemas da educação”, possam contribuir para a reprodução
para eles, significa formar a classe ampliada do capital.
trabalhadora para atender aos inte- Entretanto, como compreende-
resses do capital e, em consequên- mos que a escola é um campo de dis-
cia, contra os próprios interesses dos putas tanto da burguesia quanto dos
trabalhadores, agudizando a sub- trabalhadores, encontramos proje-
sunção real do trabalho ao capital. tos antagônicos que buscam nor-
tear suas ações. No caso específico
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS das EEEPs do estado do Ceará, com-

11 Segundo Dantas (2007), vários mitos foram cultuados pela empresa, a figura do mestre
de obra tendo como principal representatividade o mestre Bonifácio, em que sua vida na
empresa foi sempre noticiada nos meios de comunicação da empresa. Outra figura foi de
Emílio Odebrecht, pai de Norberto, que foi construída em torno do símbolo da produtivida-
de, da capacidade técnica, de trabalho e da educação. Não poderíamos deixar de comentar
também a figura de Norberto Odebrecht, o idealizador da TEO.

212
preendemos que a tese/TEO é uma educação e participação democrá-
perspectiva de formação humana tica. Salvador: Fundação Odebrecht,
unilateral voltada, principalmente, 2000.
para atender aos anseios do capital.
Inserida, portanto, no projeto socie- DANTAS, Ricardo Marques de Almei-
tário da burguesia. Do lado oposto a da. Odebrecht: a caminho da longe-
esse avanço conservador, encontra- vidade saudável? 2007. Dissertação
mos a defesa de uma formação que (Mestrado)–Universidade Federal do
tem como norte a omnilateralidade, Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro,
base da proposta de Ensino Médio 2007.
Integrado à Educação Profissional
DELORS, Jacques. Educação: um te-
Técnica de Nível Médio (EMI), cujos
souro a descobrir. Relatório para a
fundamentos estão na concepção
UNESCO da comissão Internacional
de politecnia e de escola unitária, na
sobre educação para o século XXI.
perspectiva da formação humana in-
São Paulo: Cortez, 1998.
tegral.
Finalizamos, portanto, afirmando FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e
que, diante desse forte avanço con- mudanças no mundo do trabalho e o
servador e levando em consideração ensino médio. In FRIGOTTO, Gaudên-
a realidade socioeconômica e edu- cio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Mari-
cacional brasileira, precisamos conti- se (Org.). Ensino Médio Integrado:
nuar lutando para colocar na ordem concepções e contradições. 2. ed.
do dia a defesa de Ensino Médio que São Paulo: Cortez, 2010.
garanta uma base unitária, tendo por
HARVEY, David. O neoliberalismo:
eixo estruturante o trabalho, a ciên-
história e implicações. São Paulo: Edi-
cia, a tecnologia e a cultura.
ções Loyola, 2014.

REFERÊNCIAS HOLTZ, Maria Luiza M. Lições de pe-


dagogia empresarial. MH Assesso-
ANTUNES, Ricardo. Sentidos do Tra- ria Empresarial Ltda., Sorocaba SP,
balho: ensaios sobre a afirmação e a 2006.
negação do trabalho. São Paulo: Boi-
tempo Editorial, 2009. ICE. Modelo de Gestão – Tecnolo-
gia Empresarial Socioeducacional.
COSTA, Antônio Carlos Gomes. Pro- Uma nova escola para a Juventude
tagonismo Juvenil: adolescência,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 213


Brasileira: escolas de ensino médio ção e Pesquisa, revista da Faculdade
em tempo integral (Tese)– Instituto de Educação da USP, v. 39, p. 705-
de Co-responsabilidade pela Educa- 720, 2013.
ção ICE, Recife, 2008. Disponível em:
<http://www.ccv.ufc.br/newpage/ ______. Investigando a implemen-
conc/seduc2010/seduc_prof/down- tação do ensino médio integrado
load/Manual_ModeloGestao.pdf>. aos cursos técnicos de nível mé-
Acesso 15 jul. 2017. dio no CEFET-RN a partir de 2005:
o currículo e a gestão (Relatório de
LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdu- pesquisa). Natal: IFRN, 2011.
ção à Filosofia de Marx. São Paulo:
Expressão Popular, 2011. ODEBRECHT, Norberto. Origens da
Tecnologia Empresarial Odebrecht
MACHADO, Lucília Regina de Souza. – T.E.O. Salvador, 2004.
Ensino médio e técnico com currí-
culos integrados: propostas de ação OLIVEIRA. Ramon. A (des) qualifica-
didática para uma relação não fanta- ção da educação profissional bra-
siosa. In: MOLL, Jaqueline e colabora- sileira. São Paulo: Cortez, 2003.
dores. (Org.). Educação profissional
RAMOS, M. N. Maria. Ensino Médio e
e tecnológica no Brasil contempo-
Educação Profissional no Brasil: dua-
râneo. 1. ed. Porto Alegre: Artmed,
lidade e fragmentação. Retratos da
2010. v. 1, p. 80-95.
Escola, v. 5, p. 27-41, 2011.
MARX, Karl. Manuscritos econômi-
RAMOS, M. N. Projetos societários em
cos e filosóficos. São Paulo: Boitem-
disputa no Brasil contemporâneo: a
po, 2010.
universalização da educação básica
MARX, Karl. O capital: crítica da eco- e a educação profissional. In: MOU-
nomia política: Livro I: o processo de RA, Dante Henrique (Org.). Educação
produção do capital. Tradução de Ru- profissional: desafios teórico-meto-
bens Enderle. São Paulo: Boitempo, dológicos e políticas públicas. 1. ed.
2013. Natal: IFRN, 2016. v. 1, p. 117-140.

MOURA, Dante Henrique. Ensino RAMOS, Marise Nogueira. A peda-


médio integrado: subsunção aos in- gogia das competências: autono-
teresses do capital ou travessia para mia ou adaptação? 4. ed. São Paulo:
a formação humana integral? Educa- Cortez, 2011.

214
SAVIANI, Dermeval. História das
idéias pedagógicas. História das
ideias pedagógicas no Brasil. Cam-
pinas/SP: Autores Associados, 2011.

ZIBAS, D. M. L.; FERRETTI, C. J.; TARTU-


CE, G. L. B. P. A Gestão escolar como
cenário de inovação educativa: o
protagonismo de alunos e pais no
ensino médio; cinco estudos de caso.
São Paulo 2004. Mimeo. [Relatório fi-
nal do Projeto OEI/FCC].

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 215


PROJETO INTEGRADOR: ANÁLISE DE UMA
EXPERIÊNCIA NO IF GOIANO CAMPUS CERES

Adriano Honorato Braga¹, Eneida Aparecida Machado Monteiro²,


Mairon Marques dos Santos³, Flávia Bastos da Cunha⁴
, , , Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano
1 2 3 4

E-mail: eneida.monteiro@ifgoiano.edu.br

1. INTRODUÇÃO la passa a assumir novos contornos


a fim de manter sua função social.
A sociedade contemporânea tem Com a decadência da utilidade do
se constituído, temporal e espacial- saber enciclopédico do professor, a
mente, de forma sui generis devido figura do professor-mediador, antes
ao impacto do avanço tecnológico. componente de uma abordagem te-
A globalização e a organização da órico-metodológica possível, passa
informação atingem, atualmente, a ser uma urgência e, quem sabe, a
uma velocidade e uma capacidade única possibilidade para a manuten-
de organização em rede como nun- ção da atividade docente.
ca antes se viu (CASTELS, 2002). As-
O conceito de mediação é am-
sim, percebe-se que as instituições
plamente explorado na obra de Lev
sociais, algumas secularmente esta-
Vigostky (1896-1934). A abordagem
belecidas, realizam adaptações em
histórico-cultural entende o ser hu-
seu funcionamento com a finalida-
mano como um participante ativo da
de de acompanhar as mudanças da
construção social e cultural. No cam-
sociedade. As instituições de ensino,
po da educação, o professor é visto
responsáveis pela própria produção
como um participante do processo
e reprodução da realidade social (SA-
de construção do conhecimento
VIANI, 2008), já não cabem mais em
juntamente com o estudante. Nessa
seu formato tradicional na realidade
abordagem, o acesso ao construto
atual. Isso é percebido, sobretudo,
teórico produzido culturalmente é
pela velocidade que a informação
percebido em uma relação dialética,
atinge nesse momento tecnológico.
na qual professor e estudante enten-
Por todo esse contexto social, a esco-
dem a realidade como um fluxo em

216
transformação. Diante de tal percep- pesquisadores e professores, na pers-
ção, requer-se uma prática pedagó- pectiva de formação crítico-reflexiva,
gica pautada na valorização das ex- que, por pressuposto, reverterá na
periências pessoais dos estudantes, melhoria do ensino” (FRANCO, 2016,
sejam elas acadêmicas ou de vida. p.513).
Tal proposta, desloca a atenção das Portanto, essa proposta faz parte
atividades de ensino para os resulta- de um plano de ação que visa, além
dos das aprendizagens dos sujeitos e da integração das disciplinas, o forta-
compreende o docente como um fa- lecimento do trabalho coletivo entre
cilitador e o estudante como sujeito os docentes, e também estratégias
ativo do processo de ensino-apren- de um ensino investigativo com ên-
dizagem (BRASIL, 2013). fase na resolução de problemas a
Nessa perspectiva, o presente partir de um tema gerador. Cons-
trabalho tem por objetivo avaliar a tituindo-se uma nova proposta de
experiência de uma proposta de in- conceber o conhecimento e a forma-
tegração curricular no ensino médio ção humana na concepção freireana:
integrado a partir de depoimentos “só existe saber na invenção, na rein-
de professores e estudantes parti- venção, na busca inquieta, impacien-
cipantes em todo processo, à luz da te, permanente, que os homens fa-
pesquisa-ação-participativa. Optou- zem no mundo, com o mundo e com
se por essa metodologia de pesquisa os outros” (FREIRE, 1993, p.58). Esses
por permitir a articulação da produ- são fundamentos básicos para o de-
ção de conhecimentos com a prática senvolvimento do Projeto Integrador
educativa, sendo possível ao mesmo que constitui a temática em questão.
tempo investigar a realidade e reali- Nesse contexto, considera-se o
zar o processo educativo necessário Projeto Integrador como uma estra-
ao enfrentamento dessa mesma re- tégia pedagógica de caráter inter-
alidade. Assim, toda pesquisa-ação disciplinar. O tema do projeto cor-
tem caráter formativo, na qual, obje- responde a um eixo do currículo que
tiva-se também a formação pedagó- articula as disciplinas e suas ementas
gica dos sujeitos da prática. Também para integração, mobilização e apli-
por valorizar o diálogo entre as pes- cação de conhecimentos que contri-
soas, e tornar o trabalho “participa- buam com a formação de uma visão
tivo, colaborativo, pedagógico, entre mais abrangente no decorrer do per-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 217


curso formativo do educando. Obje- Inicialmente, estabelecemos uma
tivou-se desenvolver o trabalho co- compreensão a respeito da interdis-
letivo entre os docentes e, também, ciplinaridade como prática educativa
estratégias de um ensino investigati- e a ampliação desse conceito com a
vo com ênfase na resolução de pro- integração curricular de alguns com-
blemas a partir do tema proposto. De ponentes da área de conhecimento
acordo com Ramos (2014), a filosofia do núcleo básico com outros do nú-
da práxis, aqui proposta, embasa cleo específico, do ensino profissio-
uma orientação filosófica, epistemo- nal, conforme matriz curricular do
lógica e pedagógica, extremamente projeto pedagógico do curso Téc-
necessária na perspectiva de uma nico em Meio Ambiente Integrado
formação ético-política dos estudan- ao Ensino Médio. Essa proposta foi
tes. O autor ainda ressalta a impor- denominada por projeto integrador.
tância de “problematizar fenômenos Posteriormente, foram analisadas as
– fatos e situações significativas e contribuições do desenvolvimento
relevantes para compreendermos o do projeto integrador “O lixo nas ci-
mundo em que vivemos, bem como dades,” explicitando os fundamentos
os processos tecnológicos da área educacionais e os aspectos forma-
profissional para a qual se pretende tivos que se destacam na referida
formar” (RAMOS, 2014, p. 213). proposta, assim como o seu entendi-
mento pelos professores e estudan-
2. DESENVOLVIMENTO tes executores e as ponderações so-
bre os condicionantes que precisam
O projeto integrador visa, priori- ser refletidos e melhorados na imple-
tariamente, atender às demandas do mentação dessa prática educativa in-
sujeito em formação preparando-os tegradora.
para o mundo do trabalho, levando
Outro pressuposto do Projeto
em consideração as suas necessida-
Integrador é propiciar ao estudante
des, as da sociedade local e regional,
o contato com o processo científi-
dando sentido à visão e à missão da
co da investigação sistematizada a
instituição escolar. Isso significa con-
partir da realidade concreta. Assim,
ceber “homens e mulheres como
a utilização dessa prática, como fer-
seres históricos sociais, portanto, ca-
ramenta para o ensino significativo,
pazes de mudar a sua própria reali-
dinamiza o currículo e favorece a
dade”(MOURA, 2007, p.21).
aprendizagem. Nessa perspectiva,

218
de concretização da interdisciplinari- “O ensino médio, concebido como
educação básica e articulado ao
dade, Moura (2007), sugere:
mundo do trabalho, da cultura e
[...] a implementação de projetos da ciência, constitui-se em direito
integradores que visam, sobretudo, social e subjetivo e, portanto, vincu-
articular e inter-relacionar os sabe- lado a todas as esferas e dimensões
res desenvolvidos pelas disciplinas da vida. Trata-se de uma base para
em cada período letivo, contribuir o entendimento crítico de como
para a autonomia intelectual dos funciona e se constitui a sociedade
alunos, por meio da pesquisa, assim humana em suas relações sociais e
como formar atitudes de cidadania, como funciona o mundo da nature-
de solidariedade e de responsabili- za, da qual fazemos parte. Dominar
dade social. no mais elevado nível esses dois âm-
[...] potencializando o uso das tecno- bitos é condição prévia para cons-
logias com responsabilidade social, truir sujeitos emancipados, criativos
sendo, portanto, contextualizado a e leitores críticos da realidade onde
cada realidade específica (MOURA, vivem e com condições de agir so-
2007, p. 24). bre ela. Este domínio também é
condição prévia para compreender
e poder atuar com as novas bases
técnico-científicas do processo pro-
Desse modo, as práticas educati- dutivo”(FRIGOTTO, 2005, p.76).
vas de integração curricular no ensi-
no médio integrado busca também
transferir a centralidade do ensino, O pressuposto de integração to-
predominantemente focada no mer- mado no trabalho aqui apresentado
cado de trabalho, de forma imediatis- foi feito a partir de temas e pesquisas
ta, para uma formação humana com decididos pelos estudantes. Em no-
foco no sujeito e no conhecimento, vembro de 2016, realizou-se uma dis-
numa concepção de “Escola Unitá- cussão com os estudantes, na época
ria”, proposta por Gramsci, que visa ainda matriculados na primeira série
formar os trabalhadores de maneira do curso Técnico em Meio Ambiente
integral, instrumentalizando-os para Integrado ao Ensino Médio, a fim de
o exercício da profissão e o domí- se elencar problemas regionais re-
nio das técnicas, dando-lhes acesso levantes. A maioria apontou para a
ao conhecimento geral produzido problemática do lixo, a partir do qual
pela humanidade e preparando-os definiu-se o tema “O Lixo nas Cida-
para serem os novos dirigentes da des”, que funcionou como um eixo
sociedade. Nesse contexto, Frigotto articulador, por meio do qual foram
(2005) ressalta: desenvolvidas unidades temáticas,
dentre elas: impactos ambientais,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 219


relações do trabalho, consumismo, ações. Os docentes presentes apoia-
coleta de lixo, o crescimento das ci- ram a proposta e viram possibilidade
dades, o antes, o agora e o depois e de envolvimento de suas disciplinas,
paisagens urbanas. sugerindo o uso de compartilha-
mento em nuvem, para facilitar a co-
2.1. Estruturação do Projeto municação em tempo real e o acesso
do grupo aos materiais formativos.
A proposta do Projeto Integrador
Em busca de uma metodo-
foi apresentada aos professores du-
logia de trabalho efetiva e capaz de
rante o planejamento pedagógico no
contemplar as diversas disciplinas
início do ano letivo de 2017, sendo
envolvidas, os professores partici-
conceituados a origem do projeto, o
pantes, a partir das unidade temá-
tema gerador, os eixos temáticos, a
ticas definidas, dividiram-se em 3
interdisciplinaridade, a prática pro-
grupos de trabalho. Cada um desses
fissional, e todas as vantagens para
grupos teve uma proposta diferente,
o processo de ensino-aprendizagem.
sendo responsável pela orientação
Na oportunidade, esclareceu-se que
de um trabalho final (culminância).
o envolvimento dos docentes seria
Aos estudantes ficou livre a escolha
facultativo e que o tempo de dedica-
de uma das três propostas. A Tabela
ção ao projeto não deveria exceder
1 apresenta, de forma resumida, as
10% da carga horária da disciplina.
disciplinas envolvidas em cada gru-
Da mesma forma, as reuniões teriam
po, sua proposta, metodologia utili-
frequência semanal de trabalho co-
zada e a culminância
letivo, dedicadas à estruturação das

220
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

Biologia, Química Am-


Filosofia, Sociolo-
Disciplinas biental, Química, Física, Língua Portugue-
gia, Língua Portu-
envolvidas Produção de Mudas e sa, História e Física
guesa e Ecologia
Recomposição Florestal

Analisar a relação
do ser humano
com a natureza, as
Conhecer o processo de Criação de maque-
relações sociais de
Proposta compostagem e doenças tes a partir de ma-
trabalho e susten-
associadas ao lixo. teriais recicláveis.
tabilidade com
base no filme “Lixo
Extraordinário”.

- Construir composteiras - Estudar os princi-


no campus para tratar - Analisar o filme pais acidentes nu-
lixo orgânico. “Lixo Extraordiná- cleares do mundo:
rio”; usina de Fukushima;
- Trabalhar o papel de
microorganismos na - Discutir sobre o Cs-137 em Goiânia;
Metodologia Chernobyl - Ucrânia;
decomposição. consumo sustentá-
de trabalho
vel e a potência do - Elaborar maque-
- PH e balanço de C e N.
lixo-arte; tes que retratam o
- Termodinâmica acondicionamento
- Investigar as rela-
- Doenças associadas ao ções do trabalho; e uso de materiais
lixo. radioativos.
- Feira de troca de
roupas e acessórios
usados na Semana
Municipal de Meio
- Apresentação da com- Ambiente; Apresentação de
posteira, explicando o maquetes que retra-
- Exposição de um tam usinas nucleares
Culminância processo; quadro de confecção e lixo radioativo a
- Apresentação das doen- coletiva retratando partir de materiais
ças associadas ao lixo. “Os Olhos de Ressa- recicláveis.
ca de Capitu”, como
releitura da obra
“Dom Casmurro” de
Machado de Assis.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 221


Dessa maneira, observa-se que as jeto tornam-se responsáveis e ativos
abordagens dos conteúdos não fo- na construção da proposta, ou seja,
ram conduzidas de forma fragmen- as considerações feitas ao longo do
tada. Cada disciplina escolheu as uni- processo constituem indicadores da
dades temáticas que tinha interesse validade/relevância/adequação das
em discutir, podendo ser mais de ações tomadas (SANTOMÉ, 1998).
uma, desde de que a correlacionasse Após a execução das atividades
com sua respectiva ementa. planejadas, foi reservado um mo-
mento para a exposição dos traba-
2.2. Aplicação do Projeto lhos. Para prestigiar e avaliar a expo-
sição foram convidados os docentes
Conforme a sequência de etapas
das turmas e, para apreciação, os dis-
estabelecida no projeto, em 2017,
centes de outras turmas. Nessa ex-
os estudantes consultados no ano
posição os estudantes mostraram o
anterior foram relembrados sobre a
resultado de suas pesquisas e a fun-
proposta. As vantagens do projeto
damentação teórica orientada pelos
foram bem esclarecidas e boa parte
professores.
dos estudantes se mostrou motiva-
da, principalmente por conta da re- Algumas reuniões de trabalho
dução da quantidade de atividades coletivo foram dedicadas à forma de
extraclasse, já que estas seriam de- avaliação dos estudantes na execu-
mandadas por grupo de disciplinas ção do projeto, ficando estabelecido
e não individualmente. Ademais, a que a nota bimestral do estudante
proposta diminuiu também a quan- seria composta da soma das notas
tidade de atividades avaliativas (pro- relativas a dois momentos: o envol-
vas) descontextualizadas, em favor vimento do estudante no processo
de avaliações que promovessem a (leituras, pesquisas e relatórios) e a
aprendizagem através da ação in- qualidade da culminância. Essa ava-
vestigativa, que partisse do interesse liação foi realizada de forma conjun-
dos estudantes em ampliar e corre- ta pelos professores das disciplinas
lacionar a teoria e a prática dos co- de cada grupo. As avaliações rela-
nhecimentos. A aplicabilidade dos cionadas ao projeto por parte dos
conteúdos e a relevância destes em professores, foram feitas em reunião,
suas práticas profissionais foi outro imediatamente após o término das
aspecto valorizado pelos estudantes. exposições.
Assim, todos os participantes do pro-

222
2.3 Reflexão sobre a prática ensino-aprendizagem na perspecti-
va politécnica se efetive” (OLIVEIRA;
A avaliação do projeto por parte MACHADO, 2012, p. 24).
dos estudantes foi realizada pelas
Os estudantes também elogia-
turmas e relatada pelos seus repre-
ram a relação com os demais cole-
sentantes através de duas formas
gas, uma vez que boa parte das ati-
distintas: durante o conselho de
vidades de pesquisa e prática foram
classe do segundo bimestre e através
executadas em grupos. Como o tema
de depoimentos tanto de estudantes
trabalhado foi “O Lixo nas Cidades”,
quanto de professores participantes.
os estudantes ponderaram a impor-
Em relação ao relato no conselho tância de aplicar conhecimentos no
de classe, ambas as turmas e alguns contexto local (cidade) e também
professores, considerando os mes- pessoal (no lar), envolvendo separa-
mos aspectos, relataram que houve ção de lixo, reciclagem, composta-
falta de clareza no repasse de infor- gem, dentre outros.
mações por parte de alguns profes-
Os estudantes tambeḿ destaca-
sores e também pouco tempo para
ram a importância de se perceber as
execução das atividades propostas.
relações que os seres humanos têm
Contudo, ficaram surpreendidos
com o lixo, sendo ela na forma de
com os resultados, destacando de
aprendizado, na forma econômica
forma positiva a participação, a co-
(retirando o sustento familiar através
operação e o comprometimento
do lixo) e nas relações de trabalho,
dos grupos de trabalho, sendo es-
enfatizando a vida dos catadores.
tes, fatores determinantes para que
Após a finalização do projeto, ficou
os objetivos fossem cumpridos e as
claro no discurso dos estudantes o
metas alcançadas. Da mesma for-
quanto a prática foi importante para
ma, os estudantes perceberam que
agregar conhecimento para o mun-
os conteúdos abordados nas disci-
do do trabalho.
plinas não precisam ser distantes
do mundo real e prático no qual se Quanto aos professores, muitos
inserem; podem explicar o dia-a- elogiaram o tema abordado, dada
dia, o que agrega muito mais valor sua importância no contexto social
ao conhecimento. Por este enfoque, e político regional, além de ser um
“contextualizar o conhecimento é tema articulador que leva a diversas
importante para que o processo de discussões, muitas de âmbito inter-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 223


disciplinar. Da mesma forma, elogia- Portanto, faz-se essencial que a
ram o incentivo que o projeto trouxe fundamentação do currículo inte-
à possibilidade de se trabalhar em grado esteja contida na tessitura da
grupo, o que fortalece muito as habi- documentação institucional e, tam-
lidades dos estudantes para o mun- bém, na organização do trabalho pe-
do do trabalho. dagógico. Optar por uma nova visão
Como sugestão, os estudantes do currículo inclui uma outra visão
solicitaram que mais disciplinas fos- de educação como um todo. Outras
sem agregadas ao projeto. As dis- temporalidades, outras intencionali-
ciplinas que não participaram aca- dades e outras trajetórias. Entendido
baram solicitando suas demandas dessa forma, o currículo integrado é
usuais, sobrecarregando os estudan- uma opção que leva a outra lógica
tes com trabalhos, ao passo que na escolar, pois a sua prática é, em si
prática integrada, por trabalharem mesma, uma oportunidade de for-
interdisciplinarmente, as demandas mação continuada de profissionais
foram menores em quantidade, mas da educação na medida em que
melhores em qualidade. Da mesma recoloca os lugares e trilhas institu-
forma, os estudantes sugeriram que cionais. Um processo de construção
o tema fosse trabalhado integrando coletiva constante de decisões e me-
outros cursos do campus. todologias.

Entretanto, foi possível observar


3. CONCLUSÃO
que pensar na perspectiva do currí-
culo integrado não consiste apenas A busca por práticas pedagógicas
em uma metodologia ou recurso di- que visam à integração dos currícu-
dático. O currículo integrado revela los com a participação de todos os
a forma como a instituição lida com envolvidos no processo, professores,
as dimensões espaço-temporais do estudantes, equipe pedagógica, faz
planejamento pedagógico e com com que a educação encontre seu
os processos de ensino e aprendi- verdadeiro sentido: uma formação
zagem, bem como entende o papel para o mundo do trabalho, com res-
dos atores participantes dos proces- ponsabilidade ética e social. Sentido
sos educativos (docentes, discentes, que é reforçado quando se inclui a
servidores da instituição e comuni- resolução de problemas que podem
dade escolar). trazer ganhos para a sociedade como
um todo.

224
Portanto, dada a possibilidade de do desenvolvimento de produtos
articulação da educação básica com tecnológicos na área de formação
a educação profissional na perspec- profissional e inúmeras outras ativi-
tiva da educação integrada, como dades que contribuem para o reco-
um projeto de sociedade, faz-se ne- nhecimento institucional e social.
cessário pensar formas de integração
curricular e, com isso, novas formas REFERÊNCIAS
de organização do trabalho pedagó-
gico, de planejar e de ensinar para BRASIL. Diretrizes Curriculares Na-
que, de fato, a escola seja vista como cionais da educação Básica. Mi-
um agente transformador da socie- nistério da Educação. Secretaria de
dade. Educação Básica. Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização,
Essa nova proposta de projetos
Diversidade e Inclusão. Secretaria de
integradores de disciplinas traz tam-
Educação Profissional e Tecnológi-
bém a possibilidade de integrar a
ca. Conselho Nacional da Educação.
vida do estudante ao projeto político
Câmara Nacional de Educação Bá-
pedagógico da instituição. Suas ex-
sica. Brasília, 2013. Disponível em:
periências de vida do cotidiano, sa-
<http://portal.mec.gov.br/index.
beres que antes eram desprezados,
php?option=com_docman&view=-
passam a ser valorizados por terem
download&alias=15547-diretri-
relação com as aprendizagens em
zes-curiculares-nacionais-2013-pd-
construção, criando vínculo de per-
f-1&Itemid=30192> Acesso em: 07
tencimento por parte dos estudan-
ago.2016..
tes em relação ao curso, por encon-
trar relação entre a teoria e a pŕatica CASTELLS, Manuel. A era da infor-
no mundo real e possibilidades de mação: economia, sociedade e cul-
inferência na sua própria realidade. tura. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
É nesse movimento do currículo
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pes-
integrado que o Projeto Integrador
quisa-Ação Pedagógica: práticas
sinaliza para a formação humana do
de empoderamento e de participa-
estudante a partir do trabalho cole-
ção. ETD - Educação Temática Di-
tivo, da pesquisa sistematizada, do
gital, Campinas, SP, v. 18, n. 2, abr./
envolvimento do corpo docente,
jun. 2016. ISSN 1676-2592. Disponí-
da adoção de escrita normatizada,
vel em: <https://periodicos.sbu.uni-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 225


camp.br/ojs/index.php/etd/article/ SANTOMÉ, J. T. Globalização e inter-
viewFile/8637507/13331> Acesso disciplinaridade: o currículo inte-
em: 25 jul. 2017. grado. Porto Alegre: Artes Médicas,
1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do opri-
mido. São Paulo: Paz e terra, 1993. SAVIANI, Demerval. Escola e Demo-
cracia. Edição comemorativa. Cam-
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, pinas: Autores Associados, 2008.
Maria. RAMOS, Marise (org). Ensino
Médio Integrado: concepções e tra- VYGOTSKY, L.S. A Formação Social
dições. São Paulo: Cortez, 2005. da Mente. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
MOURA, Dante Henrique. Educação
básica e educação profissional e
tecnológica: dualidade histórica
e perspec;va de integração. Holos,
Natal, v.2, p.1-27, 2007. Disponível
em:<http://www2.ifrn.edu.br/ojs/
index.php/HOLOS/ar;cle/viewFi-
le/11/110.> Acesso em: 27 mar.2017.

OLIVEIRA,J.M; MACHADO,L.R.S. Bo-


letim Técnico do Senac. A Revista
da Educação Profissional. Senac: Rio
de janeiro, v. 38, set./dez. 2012. Dis-
ponível em <http://www.senac.br/
media/26335/2.pdf> Acesso em: 19
ago.2016.

RAMOS, M. Filosofia da práxis e


práticas pedagógicas de formação
de trabalhadores. Trabalho & Edu-
cação, v.23, n.1: 207-218 - Belo Hori-
zonte, 2014.

226
POLÍTICA EDUCACIONAL E POLITECNIA:
A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
José Clovis de Azevedo 1
1
Centro Universitário Metodista IPA. Programa de mestrado
em Reabilitação e Inclusão.
E-mail: clovisazevedo45@gmail.com

1. INTRODUÇÃO co e avaliação emancipatória. A aná-


lise busca identificar os conflitos, as
Este texto tem como objeto de contradições na implantação da po-
estudo a discussão da Reforma do lítica, bem como os avanços alcança-
Ensino Médio, implantada no perío- dos e as potencialidades da Reforma
do 2011-2014, na Rede Estadual de como possibilidades para responder
Ensino do Rio Grande do Sul. A re- aos desafios do EM.
forma orientou-se pela política edu-
Ao longo do texto, tentaremos
cacional elaborada a partir do diag-
localizar as condições em que foi im-
nóstico dos resultados negativos
plantada a Reforma Curricular no EM
do Ensino Médio (EM) ao longo dos
na Rede Estadual de Ensino do Rio
últimos anos e pelos novos instru-
Grande do Sul (REE-RS), situaremos
mentos legais disponíveis a partir da
a Política Educacional da Secretaria
década passada. O material utilizado
Estadual de Educação (Seduc-RS)
para o estudo foram os documentos
na gestão 2011-2014, as mudanças
legais, as normativas e orientações
legais ocorridas na década passada,
da secretaria, os dados de reprova-
verificando o diagnóstico realizado
ção e abandono e os elementos de
e analisando os conceitos teóricos
duas pesquisas que investigaram a
orientadores da Reforma. As referên-
experiência. O referencial teórico da
cias conceituais situam-se em contri-
Reforma é expresso nos conceitos de
buições de pesquisas que investigam
politecnia, trabalho como princípio
a temática educação e trabalho.
educativo, interdisciplinaridade, ges-
tão democrática, trabalho coletivo, Nos dispositivos legais, foram
pesquisa como princípio pedagógi- passos importantes a criação do

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 227


Fundo de Manutenção e Desenvolvi- os resultados quantitativos negati-
mento da Educação Básica e de Va- vos expressam elementos de con-
lorização dos Profissionais da Educa- tradições qualitativas dos currículos
ção (Fundeb) e a sua regulamentação do EM. O desinteresse da juventude
(BRASIL, 2007), bem como o Decreto é decorrente de uma política educa-
nº 5.154 (BRASIL, 2004), que revogou cional e de um modelo curricular des-
o Decreto nº 2.208 (BRASIL, 1997), colado da realidade social, que não
o qual reforçava formalmente a se- dialoga com os contextos culturais
gregação e o dualismo entre Educa- e as expectativas da juventude con-
ção Profissional e formação geral. O temporânea (MOURA; SILVA, 2012).
Decreto de 2004 teve seu conteúdo Os currículos convencionais e as prá-
absorvido pela Lei nº 11.741 (BRASIL, ticas pedagógicas que caracterizam
2008), definindo a possibilidade de a escola tradicional, não alcançam a
integração entre Educação Profissio- pluralidade da nossa juventude. Tra-
nal e educação geral, aprofundando tados como massa homogênea, “[...]
o debate sobre a necessidade de su- sujeitos sem rosto, sem história, sem
perar a tradição dual da educação origem de classe ou fração de classe”
brasileira. Na sequência, foram ho- (FRIGOTTO, 2004, p. 57).
mologadas as Diretrizes Curriculares Diante desse quadro, a Secretaria
para o EM Brasil (2012) e as Diretrizes estabeleceu como objetivo enfren-
Curriculares para a Educação Profis- tar o fracasso escolar apresentado
sional de Nível Médio Brasil (2012), pela Rede há mais de três décadas.
que estabeleceram novos patamares Segundo Azevedo e Reis (2014), vis-
conceituais para a organização desta to no seu conjunto, ao longo de 35
etapa da Educação Básica. anos, os dados são alarmantes. Em
O diagnóstico da Seduc-RS (2012) 1975, o índice de aprovação foi de
apontava um quadro negativo nos 82,21%, tendo uma curva descen-
resultados do EM, reproduzindo a dente nas décadas seguintes, fican-
situação nacional desse nível de en- do quase sempre abaixo de 80% e
sino, ou seja, altos índices de evasão tendo chegado a 66,1% em 2010.
e repetência, desinteresse dos jovens
pelos estudos propostos pelos currí- 2 A REFORMA E O DESENHO CURRI-
culos e um grande número de indi-
CULAR
víduos na idade própria do EM fora
da escola. Segundo Kuenzer (2009), A Reforma Curricular alicerçou-

228
se nos seguintes princípios nortea- (2008, p. 85-86), qualidade implica
dores: planejamento coletivo, arti- também “aumentar o tempo dedi-
culação interdisciplinar do trabalho cado ao aprendizado, melhorar a
pedagógico entre as grandes áreas assiduidade e aumentar o número
do conhecimento (Ciências da Natu- de horas-aula do nível atual de 3-4
reza; Ciências Humanas; Linguagens; horas para 5-6 horas por dia.” A car-
Matemática), trabalho como princí- ga horária do EM aumentou de 2.400
pio educativo, pesquisa como prin- para 3.000 horas. O EM foi organiza-
cípio pedagógico, avaliação eman- do em três modalidades: o Ensino
cipatória e politecnia como conceito Médio Politécnico, não profissionali-
estruturante do pensar e fazer, rela- zante; a Educação Profissional Inte-
cionando os estudos escolares com o grada, profissionalizante; e o Normal
mundo do trabalho (SEDUC, 2011). A (Magistério).
reforma enfatizou, ainda, a qualidade A nova estrutura curricular im-
com permanência e aprendizagem, a plantada define-se como interdis-
redução da repetência e do abando- ciplinar e tem a pesquisa como
no. Como um dos pressupostos para princípio pedagógico e o Seminário
a qualidade, houve o aumento do Integrado (SI) como novo espaço.
tempo escolar, pois, segundo Costa

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 229


Um dos principais objetivos do SI seja na profissionalização imediata
é evidenciar os vínculos do currículo ou em nível superior.
com as novas categorias e princípios A reforma foi implantada de for-
emanados do Conselho Nacional de ma gradativa. Iniciou com as turmas
Educação – CNE (2012). O SI consti- do primeiro ano em 2012, segundos
tui-se como espaço e tempo desti- anos em 2013 e terceiros anos em
nado à articulação interdisciplinar e 2014, alcançando a totalidade do
a socialização dos temas desenvol- EM. A implantação gradativa teve
vidos pelos projetos de pesquisa, como objetivo o acúmulo progressi-
elaborados a partir das áreas do co- vo de novas experiências, em que as
nhecimento. É o local, o momento práticas de cada ano subsidiaram os
em que educador e educando exer- anos subsequentes, aprofundando
citam o aprendizado da pesquisa, as ações pedagógicas à luz das no-
aprendem o método e a operaciona- vas concepções que orientaram as
lização da investigação, elaboram e mudanças.
comunicam os resultados para seus
pares. É o novo espaço curricular em Segundo a Seduc (2011), o objeti-
que pesquisa e ensino articulam-se vo foi partir da realidade dos alunos,
nas ações pedagógicas, colocando abrindo caminhos, construindo tra-
os conteúdos programáticos em diá- jetórias para a inserção social e pro-
logo com a vida, investigada em suas fissional da juventude nesta fase de
dimensões reais. O educando como difícil transição para outro patamar
protagonista e sujeito na construção do ciclo da vida. “No último degrau
do conhecimento pode, pelo exercí- da Educação Básica, os dilemas que
cio da investigação, começar a forjar marcam a transição para outro pata-
gradativamente os contornos de um mar do ciclo da vida ficam mais evi-
projeto de vida: construindo sua au- dentes” (SPOSITO; GALVÃO, 2004, p.
tonomia intelectual; localizando-se 375). O desafio é responder aos dile-
como cidadão; e, no âmbito da for- mas da juventude ao final da Educa-
mação básica, identificando-se com ção Básica.
determinados campos do conheci- A nova concepção curricular
mento; conhecendo o funcionamen- buscou superar o modelo pedagó-
to de setores da sociedade que lhe gico, a organização curricular e as
despertam interesse; e delineando bases epistemológicas que orien-
suas possibilidades profissionais, tam as práticas tradicionais. Segun-

230
do Barbosa (2009), há concepções ção é uma relação de identidade. Os
e práticas que não dialogam com o homens aprendiam a produzir sua
universo social e cultural vivido pela existência no próprio ato de produ-
juventude e, muito menos, com os zi-la.” A separação entre educação e
avanços científicos e tecnológicos trabalho consolida-se na Revolução
do nosso tempo (KUENZER, 2007). Os Industrial, a partir do século XVIII,
fundamentos epistemológicos pre- adquirindo a forma contemporânea.
dominantes como pressupostos das A partir daí, a escola separa-se em
práticas pedagógicas, ainda, são, em duas vias: a preparação específica
grande parte, condicionados pelos dos trabalhadores para funções téc-
princípios positivistas e mecanicis- nicas, a preparação intelectual das
tas, reforçados pela cópia da organi- classes privilegiadas para formar diri-
zação escolar do modelo taylorista- gentes e para produzir a ciência que
fordista de organização do trabalho vai alimentar o aprofundamento do
(AZEVEDO, 2007). Tais pressupostos trabalho abstrato. Kuenzer (2007)
legitimam um currículo engessa- destaca que a divisão entre trabalho
do, fragmentado, com programas manual e intelectual foi aprofunda-
de conteúdos sem conexões com o da e solidificada com a organização
mundo real. científica do trabalho, conforme as
concepções taylorista/fordista que
3. EDUCAÇÃO E TRABALHO: OS hegemonizaram o trabalho fabril no
século passado. A divisão do traba-
DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO
lho aprofundou a separação entre
A política educacional da Sedu- educação e trabalho. Operou a cisão
c-RS (2011) propôs o ensino politéc- entre a atividade intelectual e as ati-
nico como possibilidade para uma vidades humanas laborais (GRAMS-
formação que busque o domínio CI, 1978). A concepção burguesa de
intelectual dos fundamentos cien- educação separou os homens em
tíficos que sustentam os processos dois grandes campos conforme ca-
técnicos e produtivos. O conceito racteriza Saviani (2007, p. 159): “[...]
de educação politécnica implica co- aquele das profissões manuais para
nhecer os nexos e as rupturas entre as quais se requeria uma formação
educação e trabalho. Para Saviani prática limitada à execução de tare-
(2007, p. 155), “[...] no ponto de parti- fas mais ou menos delimitadas, dis-
da, a relação entre trabalho e educa- pensando-se o domínio dos respec-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 231


tivos fundamentos teóricos”, ou seja, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2010, p.
de um lado, os executores das tarefas 17), a ideia de integrar “pressupõe
específicas determinadas pelo tra- que a educação geral se torne parte
balho intelectual. E, de outro lado, a inseparável da educação profissional
formação para as profissões que mo- em todos os campos onde se dá a
vimentam o domínio intelectual do preparação para o trabalho”.
trabalho: “[...] aquele das profissões
intelectuais para as quais se reque- 4. CONFLITOS E RESISTÊNCIAS NA
ria o domínio teórico amplo a fim
IMPLANTAÇÃO DA REFORMA
de preparar as elites e representan-
tes da classe dirigente para atuação As mudanças, em geral, geram
nos diferentes setores da sociedade” tensões e resistências e o cenário da
(SAVIANI, 2007, p. 156). Esta separa- Reforma do EM no RS foi composto
ção consolidou o chamado sistema por acolhimentos e conflitos. No pla-
dual: uma escola para as elites for- no imediato, o desafio foi a desaco-
marem seus dirigentes, baseada nas modação do trabalho pedagógico
ciências e humanidades, e uma es- da sua cultura inercial, reprodutiva
cola de formação profissional para e repetitiva. O trabalho fragmenta-
os trabalhadores. Trata-se de ensinar, do e individualizado foi questionado
treinar, adestrar, formar ou educar pela proposição de ações coletivas e
na função de produção adequada a interdisciplinares. O ensino baseado
determinado projeto de desenvol- no programa rígido de conteúdos,
vimento pensado pelas classes di- com poucos significados, foi incitado
rigentes. Nessa divisão, ficava bem a ceder lugar ao ensino investigati-
claro que a educação destinada aos vo dos fenômenos reais da vida, por
trabalhadores bastava uma forma- meio da pesquisa associada ao ensi-
ção parcial, especializada, com foco no. A avaliação quantitativa, classifi-
na ocupação, como afirma Kuenzer catória e seletiva foi questionada em
(2007). A reforma do EM do RS teve a favor de uma avaliação qualitativa,
intenção de construir práticas peda- permanente, inerente à atividade de
gógicas que possibilitassem aos edu- ensinar e aprender, tendo como ob-
candos a apropriação de fundamen- jetivo principal, não a reprovação ou
tos científicos do trabalho produtivo, a aprovação, mas a garantia do direi-
integrando teoria e prática, pensar e to de todos a aprender. A avaliação
fazer, ciência e tecnologia. Segundo entendida não como instrumento de

232
poder e de exclusão, mas como insu- objetivo apenas melhorar os índices
mo para superação dos problemas de aprovação. A avaliação, entretan-
de ensino e de aprendizagem, ten- to, aparecia como controle, seleção,
do por foco a busca do sucesso do disciplinamento e classificação dos
aprendiz (SEDUC-RS, 2012). Essa con- considerados melhores, mas essas
cepção foi caracterizada na sua pro- posições receberam contrapontos
posição como uma avaliação eman- importantes durante o processo, per-
cipatória. Avaliar para perceber quais dendo força com a qualificação das
as reações pedagógicas necessárias discussões, possibilitadas pela inten-
para a garantia da democratização sa política de formação desenvolvi-
do acesso ao conhecimento. da pela Seduc-RS nos quatro anos
Essas propostas provocaram da gestão. Apesar das dificuldades,
uma discussão de mudança de pa- houve avanços na identificação da
radigma que gerou conflitos com a avaliação emancipatória na perspec-
cultura escolar tradicional, baseada tiva caracterizada por Saul (1998, p.
nas referências mecanicistas, tecni- 68): “O compromisso principal desta
cistas e no padrão taylorista-fordista avaliação é fazer com que as pessoas
de organização da escola. As reações direta ou indiretamente envolvidas
revelaram as representações e as de- em uma ação educacional escrevam
fesas dos signos e símbolos que sus- ‘a sua própria história’ e gerem suas
tentam o senso comum da cultura próprias alternativas de ação”.
escolar tradicional, expressos, princi- Outra reação importante foi dos
palmente, nas práticas de avaliação dirigentes sindicais dos professores.
seletiva e classificatória e no trabalho O sindicato não acompanhou a dis-
disciplinar e fragmentado. cussão junto com as escolas, pois
A insatisfação de segmentos dos negou-se a fazê-la, traduzindo sua
professores foi mais acentuada em posição na alegação de que a refor-
relação à avaliação emancipatória. ma visava “formar mão de obra ba-
As falas revelavam a força das con- rata para os empresários.” A posição
cepções utilitaristas da formação do grupo dirigente foi balizada pela
humana. A reação não apresentava disputa partidária com o governo,
um contraponto teórico à proposta condicionando o exame de qualquer
de mudança. A alegação era de que proposta ao pagamento imediato do
a política do governo tinha como Piso Salarial Nacional. A direção sin-
dical, composta de militantes de par-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 233


tidos da chamada “esquerda radical”, No debate público e nos espaços
fez a queima simbólica do documen- de formação, a secretaria pode colo-
to da Seduc na entrada do prédio car sua posição de forma transparen-
onde se realizava a Conferência Esta- te, apresentar as referências teóricas
dual para deliberar sobre o conteúdo e as possibilidades práticas da pro-
e o processo de implantação da Re- posta. Ficou claro que não se tratava
forma. Esta linha de atuação acabou de ensino voltado ao adestramento e
isolando o sindicato da base da cate- ao treinamento de habilidades espe-
goria. Suas posições não dialogaram cíficas, mas de um projeto curricular
com as preocupações vividas pelas onde ensino e a pesquisa são articu-
escolas. As discussões ocorreram lados em unidade. Um currículo com
nos espaços de formação organiza- a pretensão e ousadia de explicitar,
dos pela Seduc-RS, em cooperação por meio do ensino e da pesquisa,
com as universidades (SEDUC-RS, o domínio teórico e prático sobre os
2012). A ação do sindicato teve, ini- modos de articulação dos saberes
cialmente, certa audiência entre os com o mundo do trabalho. Como
estudantes, em função da ação de diz Saviani (2007, p. 157), “trata-se,
secundaristas vinculados às suas cor- agora, de explicitar como o conheci-
rentes políticas. Para enfrentar as re- mento (objeto específico do proces-
ações, a secretaria abriu uma discus- so de ensino), isto é, como a ciência,
são sistemática com os estudantes, potência espiritual, se converte em
indo diretamente às escolas explicar potência material no processo de
as mudanças e as possibilidades de produção”. A pesquisa de iniciação
avanços para os alunos. Este proces- científica, que mobilizou estudantes
so de formação de professores em e sensibilizou professores, contribuiu
serviço e a discussão com estudan- para demonstrar a relação entre ci-
tes e comunidades realizou-se no ência e mundo do trabalho (PISTRAK,
interior das práticas das novas expe- 1981), com o aprendizado da trans-
riências, aprofundando a reflexão e o formação dos recursos da natureza
debate, tendo como ponto mais alto material e social em meios de produ-
o Pacto Nacional pelo Ensino Médio ção da existência.
Seduc (2013), programa realizado
em cooperação com o Ministério da
Educação (MEC) e todas as universi-
dades públicas do RS.

234
5. ALGUNS PONTOS DE IMPACTO de nas ações pedagógicas. Segundo
Alves (2014, p. 105), “[...] um dos pres-
SOBRE A CURVA HISTÓRICA DES-
supostos da proposta, a autonomia
CENDENTE dos estudantes, foi algo possível de
Na sua fase inicial, a Reforma vi- observação, que se efetivou.” O Se-
veu momentos de conflitos e ten- minário Integrado tornou-se um es-
sões. Todos os estudos realizados a paço importante de diálogo com o
partir de 2012, porém, revelam avan- interesse de aprendizagem dos estu-
ços. Em 2014, já haviam 38 trabalhos dantes. Embora não supere todos os
acadêmicos publicados (RIBEIRO, marcos do pensamento acrítico, do
2016). Uma das marcas da experiên- senso comum e da associação linear
cia foi o trabalho intenso de forma- da educação com o mercado, desen-
ção continuada em serviço oportu- cadeou-se um processo de reflexão
nizada aos professores, em estreita e autonomia entre os educandos.
colaboração com as universidades O trabalho de iniciação à pesquisa
(SEDUC-RS, 2014). Este passo signi- como inerente ao ensino é indicador
ficativo de cooperação entre REE-RS de um novo paradigma, ainda que
e as universidades foi facilitado pela incipiente. As pesquisas referencia-
política do governo federal, concre- das acima ainda destacam a ressigni-
tizada no Pacto pela Melhoria do EM ficação dos conteúdos, tornando-os
(BRASIL, 2013). mais próximos e estabelecendo seus
vínculos com a realidade vivida pelos
O quadro contraditório de dificul- estudantes, sujeitos reais das apren-
dades e avanços é detectado pelas dizagens. Este foi um aprendizado de
pesquisas de Alves (2014) e Ribeiro parte dos professores, sobretudo os
(2016). Ambos destacam a resistên- mais envolvidos com o SI. Ainda que
cia de parte dos educadores, das não tivessem o aprendizado da pes-
adversidades estruturais das escolas, quisa em sua formação inicial, mui-
das alegações de falta de discussão e tos professores aceitaram o desafio e
da alegada imposição do projeto por apropriaram-se das metodologias de
parte do governo. Todavia esses es- pesquisa nas formações continuadas
tudos também destacam os pontos (ALVES, 2014). O protagonismo dos
em que o processo produziu novos educandos corresponde, também, a
comportamentos e práticas que am- um protagonismo dos educadores
pliaram o protagonismo da juventu- que, gradativamente, ultrapassam a

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 235


posição de meros transmissores de preensão e da preocupação com a
informações, ou reprodutores de li- formação integral dos educando. A
vros didáticos, tornando-se pesqui- Reforma constitui-se num esforço
sadores e orientadores de pesquisa. para dar consequência a uma políti-
Outros elementos importantes ca de superação da formação unila-
foram destacados na pesquisa. Alves teral Gramsci (2001), valorizando os
conclui que a proposta do EM Poli- contextos juvenis, com o protagonis-
técnico implantado no RS (2014, p. mo possibilitado pela introdução da
116) “[...] está à frente do seu tempo pesquisa no currículo e a criação do
[...]. Por isso causa tantas resistências SI.
no contexto da prática [...].” A escola Os resultados da pesquisa de Ri-
tradicional tem outros paradigmas, beiro (2016) localizam as seguintes
outra cultura. O fazer cotidiano da críticas ao processo: a discussão insu-
escola mecanicista e tecnicista tem ficiente no processo de implantação;
referências práticas arraigadas e a oposição ou não compreensão do
de difícil superação. Mudar implica conceito de politecnia; e a resistência
construir uma nova identidade epis- à concepção de avaliação emancipa-
temológica, refazer seus fundamen- tória. Contudo a pesquisa destaca,
tos paradigmáticos, pois a escola “[...] também, importantes avanços. En-
não está preparada para romper com tre eles, aponta: o caráter social da
os paradigmas tradicionais de se- proposta que procura dialogar com
leção dos melhores em detrimento a massa de jovens que frequentam
dos mais fracos.” (p. 116). o EM; a mobilização para a formação
A investigação aponta como continuada e em serviço dos educa-
síntese dos pontos positivos que dores; a melhoria dos índices de ren-
se desenvolveram no contexto das dimento escolar, com a diminuição
práticas da escola: 1) a introdução do abandono e da reprovação, con-
da pesquisa de iniciação científica forme demonstra a tabela a seguir;
como parte do currículo e integrada e o sucesso do trabalho, em várias
ao ensino; 2) o movimento provoca- escolas pesquisadas, sem a prioriza-
do pela intensidade da formação de ção da visão de mercado, mas enfa-
professores, abrindo espaço para as tizando a formação ética, crítica em
discussões pedagógicas; e 3) a om- relação ao mundo do trabalho.
nilateralidade, o aumento da com-

236
A pesquisa destaca que, entre o interdisciplinares com projetos de
segundo semestre de 2013 e 2014, pesquisa chegam a 82% das esco-
houve um aumento na adesão à pro- las; 57% das escolas fazem saídas de
posta. Isto se deu pelo avanço no campo para realizar pesquisas.
processo de formação em serviço, Apesar de a política educacional
nos debates mais intensos e apro- da Seduc-RS questionar as avaliações
fundados, melhorando a compre- externas centrada em resultados,
ensão e a percepção da proposta. prestando-se para os rankings e com-
Segundo Ribeiro (2016), quase a to- parações artificiais feitas pela mídia,
talidade das mais de mil escolas de a REE-RS melhorou seus resultados
EM participaram do EM Inovador e nestas avaliações (SEDUC, 2014). No
aderiram ao Pacto pela Melhoria do Índice de Desenvolvimento Educa-
EM, programas do MEC de apoio ao cional Brasileiro (Ideb), a REE-RS ocu-
EM. O estudo aponta também dados pava o 11º lugar em 2011. Em 2013,
quantitativos significativos: 81% das passou para a 2ª colocação entre as
escolas utilizam a pesquisa na cons- redes públicas do Brasil. Nesta mes-
trução do conhecimento; as práticas

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 237


ma avaliação, os alunos do EM da RE- vida, reduzindo e questionando as
E-RS obtiveram o 1ª lugar na profici- práticas pedagógicas que fazem da
ência de Matemática e o 2º lugar na escola mais um espaço de exclusão
proficiência de Língua Portuguesa. pela reprovação e abandono, como
No Exame Nacional do Ensino Médio tem sido o EM desde os anos de 1970.
(Enem), a REE-RS ficou em 2º lugar na A gestão atual da Seduc-RS
proficiência e 74% das escolas pú- (2015-2018) está sendo dirigida por
blicas do RS ficaram acima da média um representante da Federação das
nacional, sendo a melhor posição Indústrias do Estado do Rio Grande
entre todas as redes. Estes resultados do Sul (FIERGS). Está comprometida
podem ser lidos como expressão das com os esforços de instrumentalizar
alterações qualitativas operadas na a escola pública com os princípios
REE-RS. Mas o mais significativo foi e práticas exigidas pelos mercados,
a queda crescente do abandono no bem articulados com as mudanças
período (SEDUC-RS, 2014, p. 26). Sig- no EM implantadas pelo governo
nifica que a mudança de concepção federal. Trata-se de compatibilizar a
e o movimento de formação altera- formação juvenil com os elementos
ram as práticas, recriaram as ações ontológicos e epistemológicos que
pedagógicas, melhorando a apren- orientam os valores e as aprendiza-
dizagem e a permanência dos edu- gens necessários à flexibilização e
candos do EM. A tendência histórica, à precarização do trabalho kuenzer
marcada pela curva de resultados (2017), conforme as demandas e
descendentes, foi interrompida e to- exigências da fase atual da reprodu-
mou um rumo ascendente. ção do capital. Nesta concepção não
Sem desconhecer seus limites e cabe à politecnia a formação integral
contradições, a Reforma evidencia e a integração da educação geral e
as possibilidades para mudar o EM, profissional.
colocando-o em sintonia com a re-
volução científica e tecnológica do REFERÊNCIAS
nosso tempo. Os primeiros resul-
tados apontam a existência de um ALVES, Aline Aparecida Martini. A re-
processo de diálogo com a realidade forma educacional do Ensino Mé-
juvenil, buscando seu protagonismo, dio no Rio Grande do Sul: um es-
respondendo suas necessidades, tudo a partir do contexto da prática.
contribuindo para seus projetos de Dissertação (Mestrado em Educação)

238
- Universidade do Vale do Rio dos Si- Diretrizes Curriculares Nacionais para
nos, Programa de Pós-Graduação em o Ensino Médio. Brasília, DF, 2012.
Educação, São Leopoldo, 2014.
______. MEC. Resolução CNE/CEB
AZEVEDO, Jose Clovis de; REIS, Jonas nº 6, de 20 de setembro de 2012.
Tarcísio (Org.). Reestruturação do Define Diretrizes Curriculares para a
Ensino Médio: pressupostos teóri- Educação Profissional e Técnica de
cos e desafios da prática. São Paulo: Nível médio. Brasília, DF, 2012.
Santillana, 2014
______. MEC. Pacto Nacional pelo
______. Reconversão cultural da Ensino Médio: Formação de Profes-
escola: mercoescola e escola cidadã. sores do Ensino Médio. Documento
Porto Alegre: Sulina, 2007. orientador preliminar. Brasília: MEC/
SEB, 2013.
BARBOSA, Ericka Fernandes. Políti-
cas Públicas para o Ensino Médio e COSTA, Diana Barreto. As Políticas
a Juventude Brasileira. Dissertação Públicas de Educação e o Ensino Mé-
(Mestrado em Educação) - Universi- dio Maranhense. Cadernos do Apli-
dade de Brasília (UnB), Brasília, 2009. cação, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 83-
121, jan./jun. 2008.
BRASIL. Presidência da República.
Decreto nº 2.208, Brasília DF, 14 de FRIGOTTO, Gaudêncio. Sujeitos e co-
abril de 1997. nhecimento: os sentidos do ensino
médio. In:
______. Presidência da República.
Decreto nº 5.154, Brasília DF, 23 de FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. (Org.).
julho de 2004. Ensino Médio: ciência, cultura e tra-
balho. Brasília: MEC/Semtec, 2004. p.
______. Presidência da República. 53-70.
Lei nº 11.494. Brasília DF, 20 de ju-
nho de 2007. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA,
Maria; RAMOS, Marise. Apresenta-
______. Congresso Nacional. Lei ção. In: ______. (Org.). Ensino Médio
nº11.741, Brasília DF, 16 de julho de Integrado: concepções e contradi-
2008. ções. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
p. 07-20.
______. MEC. Resolução CNE/CEB
nº 2, de 30 de janeiro de 2012. Define

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 239


GRAMSCI, Antônio. Concepção Anais... Porto de Galinhas-PE: Anped,
dialética da história. Rio de Janeiro: 2012. p. 01-41.
Civilização Brasileira, 1978.
PISTRAK, M. M. Fundamentos da es-
______. Antônio. Os intelectuais e o cola do trabalho. São Paulo Brasilien-
princípio educativo. 2. ed. Rio de Ja- se, 1981.
neiro: Civilização Brasileira, 2001.
RIBEIRO, Jorge Alberto R. In: SEMI-
KUENZER, A. Z. Trabalho e escola: NÁRIO ENSINO MÉDIA EM DEBATE.
a flexibilização do Ensino Médio no Anais... Proemi UFRGS/Faced. Porto
contexto do regime de acumulação Alegre, 8 abr. 2016.
flexível. Dossiê da reforma do Ensino
Médio. Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. SAVIANI, Dermeval. Trabalho e edu-
139, p. 331-354, abr./jun. 2017. cação: fundamentos ontológicos
e históricos. Revista Brasileira de
______. Da dualidade assumida à du- Educação, v. 12, n. 34, p.152-180,
alidade negada: o discurso da flexibi- jan./abr. 2007.
lização justifica a inclusão excluden-
te. Educação e Sociedade, Campinas, SAUL, Ana Maria. Avaliação emanci-
Especial, v. 28, n. 100, p. 1153-1178, patória. São Paulo: Cortez, 1998.
out. 2007.
SEDUC-RS. Secretaria de Estado da
______. Ensino Médio: construin- Educação do Rio Grande do Sul.
do uma proposta para os que vivem Departamento Pedagógico – DP.
do trabalho. 6. ed. São Paulo: Cortez, Proposta Pedagógica para o Ensi-
2009. no Médio Politécnico e Educação
Profissional Integrada ao Ensino
MOURA, Dante; LIMA FILHO, Domin- Médio - 2011-2014. Seduc-RS: Porto
gos; SILVA, Monica Ribeiro da. Politec- Alegre, 2011.
nia e formação integrada: confrontos
conceituais, projetos políticos e con- ______. Secretaria de Estado da Edu-
tradições históricas da educação bra- cação do Rio Grande do Sul. Depar-
sileira. Trabalho encomendado pelo tamento de Planejamento – Deplan.
GT09 – Trabalho e Educação para a Divisão de Pesquisa e Avaliação Ins-
apresentação na 35ª Reunião Anual titucional – Dpai. Censo Escolar Es-
da ANPED. In: REUNIÃO ANUAL DA tadual (1975-2011). Planilha série
ANPED, 2012, Porto de Galinhas-PE. histórica, 1975-2011, de índices de

240
abandono, repetência e aprovação
no Ensino Fundamental e Ensino Mé-
dio da Rede Estadual de Ensino do
Rio Grande do Sul. Seduc-RS: Porto
Alegre, 2012.

______. Secretaria de Estado da Edu-


cação do Rio Grande do Sul. Rela-
tório de Gestão 2011-2914. Posto
Alegre, 2014.

SPOSITO, Marilia Pontes; GALVÃO,


Izabel. A experiência e as percepções
dos jovens na vida escolar na encru-
zilhada das aprendizagens: o conhe-
cimento, a indisciplina, a violência.
Revista Perspectiva, Florianópolis,
Santa Catarina, UFSC, v. 22, n. 2, p.
345-380, s.d., Disponível em: <https://
periodicos.ufsc.br/index.php/pers-
pectiva/article/view/9649/8876>.
Acesso em: 25 jun. 2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 241


O ENSINO INTEGRADO NO IFRS E SEUS POTENCIAIS
DE ENFRENTAMENTO A DUALIDADE
Fábio Marçal ¹, Jorge Alberto Rosa Ribeiro²
¹ Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Alvorada.
² Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: fabio.marcal@alvorada.ifrs.edu.br

1. INTRODUÇÃO partimos das elaborações conceitu-


ais sentenciadas no Documento Base
Este texto é uma síntese de um do Ensino Médio Integrado (Brasil,
estudo maior que resultou em uma 2017). Este coloca a formação huma-
tese de doutorado defendida no Pro- na integral e o trabalho como prin-
grama de Pós-Graduação em Educa- cípio educativo como algo central
ção da Universidade Federal do Rio dessa forma de ensino médio. As-
Grande do Sul, intitulada O ensino sim, sugere que o ensino médio in-
médio integrado no IFRS enfrentando tegrado proporcione uma formação
a dualidade, defendida em agosto de que considere o ser humano na sua
2015. Em tal investigação buscou- integralidade e que destaque o po-
se na experiência Instituto Federal tencial humano de transformação da
de Educação, Ciência e Tecnologia realidade dentro de uma concepção
do Rio Grande do Sul (IFRS), entre ontológica de trabalho.
os anos de 2011 e 2015, traços que
Metodologicamente, realizamos
apontassem os potenciais e os limi-
o caminho da triangulação de dife-
tes do ensino médio integrado (EMI)
rentes fontes. Assim, na pesquisa,
de enfrentamento à dualidade que
utilizamos observações de campo,
historicamente caracterizou o ensino
entrevistas e análises de documen-
médio (EM) no Brasil em duas pers-
tos internos ao IFRS. Vale ressaltar
pectivas, destinada para a formação
que no momento da pesquisa o IFRS
de mão de obra para o trabalho, ou
era composto por 12 campi consoli-
para universidade. Para aferir as re-
dados e mais 05 em implantação. As
lações do ensino médio integrado
unidades consolidadas foram o foco
com a dualidade, e o seus potenciais
do estudo.
de enfrentamento ao sistema dual,

242
Partimos do pressuposto de que se traduz em uma oferta de ensino
existem experiências de ensino mé- médio público massificada e desqua-
dio integrado que podem ser obser- lificada,e, do outro lado, os projetos
vadas como referência para a oferta vinculados aos movimentos sociais
de ensino médio público no Brasil. que apontam para um ensino médio
Neste sentido, organizamos a in- qualificado como direito do cidadão
vestigação, evidenciando as dificul- e de responsabilidade do Estado.
dades experimentadas pelo ensino Vale reforçar que estas disputas
médio integrado no IFRS, bem como têm algumas questões de fundo.
destacando traços que lhe impulsio- Uma destas é a perspectiva de refor-
nam neste instituto. ço, ou de enfretamento à dualidade
que historicamente caracteriza a
2. O ensino médio integrado educação básica, em especial a de
no IFRS como componente de nível médio. Tal dualidade materia-
uma complexa totalidade liza-se em um modelo de educação
voltado para o imediatismo do tra-
Acreditamos que na atualidade, balho (para os filhos da classe tra-
o EM, fundamentalmente na escola balhadora), e outro voltado para a
pública, está em evidência e em dis- continuidade dos estudos com viés
putas. Disputas estas que estão en- acadêmico (para os filhos das classes
raizadas historicamente e que se es- abastadas). O projeto dual de educa-
tabelecem a partir das contradições ção possui sua base na divisão social
das políticas públicas de educação do trabalho e recebe condicionantes
no Brasil. Vale ressaltar que durante históricos de classe sociais, culturais
a realização da pesquisa ainda não e entre outros (KUENZER 2007). Ain-
se tinha a aprovação da contra re- da, a dualidade está vinculada a um
forma do ensino médio, algo que, projeto de sociedade com objetivos
obviamente, proporciona novos ele- específicos de formação de um ser
mentos no cenário das disputas em humano que se adeque ao modelo
torno desta etapa da educação bási- burguês de sociedade e ao projeto
ca (MOTTA, CARDOSO e FRIGOTTO, hegemônico desta classe social (FRI-
2017). GOTTO, 2010). Assim, as propostas
As disputas em trono do ensino de ensino médio vinculadas ao ca-
médio apresentam, de um lado, os pital buscam a manutenção da du-
projetos vinculados ao capital que alidade, enquanto os projetos dos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 243


movimentos sociais visam o seu en- dio essencialmente técnico, volta-
frentamento. do imediatamente para a formação
Percebemos que uma das estra- de mão de obra para o mercado de
tégias dos grupos ou classes sociais trabalho, e outra formação, direcio-
(setores da grande imprensa, inte- nada para outro grupo social, volta-
lectuais que estão ao lado do capital, da para a continuidade dos estudos
Instituto Alfa e Beta, entre outros) (reforça-se a dualidade, neste caso).
que propõe a manutenção da du- Estas questões estão vivas na contra
alidade é dar luz ao argumento de reforma do ensino médio (FERREIRA,
que o ensino médio no Brasil está SILVA, 20017). Contraditoriamente,
em crise. Os argumentos da crise, falam em reformar mantendo a du-
com indícios de “terra arrasada”, têm alidade que é marcante ao longo da
como alvo, exclusivo, a oferta públi- trajetória da oferta de ensino médio
ca de ensino médio. Coloca-se o foco no Brasil.
na educação pública, porque é nela Verificamos que, entre outros
que está localizada a maior parte das objetivos, este argumento da cri-
matrículas no ensino médio. Logo, se quer esvaziar e reverter algumas
os que propagam crise utilizam a tendências que as legislações e do-
estratégia de desqualificar o ensino cumentos referências na educação
médio da rede pública, em especial brasileira encaminharam nos últimos
as redes estaduais, para poder inter- anos. Salientamos que a Lei de Di-
vir nesta oferta. retriz e Bases da Educação Brasileira
Tentando apontar caminhos que (BRASIL, 1996), ao garantir o ensino
indiquem soluções para tal crise, médio como parte da educação bá-
estes grupos ligados aos projetos sica, sentencia que o mesmo deve
de ensino médio vinculado aos in- ter, em sua formação, elementos que
teresses do capital sugerem aproxi- garantam questões básicas que nos
mação das escolas públicas com as fundamentam enquanto seres hu-
instituições privadas. Sustentam que manos. Vale destacar que o Decreto
se aprenderia com os modelos “mo- nº 5.154/2004 (BRASIL, 2004) que
dernos” de gestão que caracterizam retomou a possibilidade de ensino
as empresas privadas. Além desta médio integrado como forma de
aproximação, continuam indicando educação profissional, somado ao
que a solução seria, para uma par- Documento Base do Ensino Médio
cela da população, um ensino mé- Integrado (BRASIL, 2017), firmemen-

244
te calcado na formação humana in- que, consequentemente, se estabe-
tegral e no trabalho como princípio lecem como contrapondo a dualida-
educativo, criaram caminhos para a de. Defendemos que a positividade
concretização de um ensino médio de tais experiências criam possibili-
que enfrente a dualidade. Ainda, dades para o ensino médio público
cabe mencionar as novas Diretrizes deste país.
Curriculares do Ensino Médio (BRA- Finalmente, verificamos o en-
SIL, 2012) que referendaram os prin- sino médio integrado no IFRS como
cípios da integralidade da formação componente desta complexa totali-
humana para a etapa final da educa- dade em que o EM encontra-se em
ção básica. evidência e disputas. No entanto,
Assim, para impedir o fortaleci- para que o ensino médio integrado
mento de propostas como as conti- se consolide como uma alternativa
das nestes documentos, alardeia-se à dualidade e possa se apresentar
a crise no ensino médio para poder como uma perspectiva para o ensi-
intervir com o objetivo de aproxi- no médio das diferentes redes pú-
mar a escola pública às organizações blicas, ele precisa se fortalecer nas
privadas, e encaminhar proposições instituições em que se concretiza,
que direcionem o ensino médio para reconhecendo as suas dificuldades
uma formação dual (não integral), e consolidando os traços que lhe im-
seja ela acadêmica, ou técnica. pulsionam.
Pensamos que para enfrentar as
dificuldades - como evasão, repe- 3. Obstáculos e potencialida-
tência, currículos desconectados da des do ensino médio integrado
realidade da juventude, entre outras no IFRS
– que não exclusivas das redes pú-
blicas, é preciso fortalecer o ensino É evidente que nos IFs, incluindo
médio público com investimento de o IFRS, o ensino médio integrado tem
todas as ordens. Além disso, devem- de transpor alguns obstáculos para o
se reconhecer experiências que ca- seu efetivo fortalecimento. Um des-
minham para formação humana in- ses é a diversidade de oferta de edu-
tegral e no trabalho como princípio cação profissional que são possíveis
educativo (acreditamos que o ensino aos Institutos, de acordo com a sua
médio integrado seja uma dessas) e lei de criação (Brasil, 2008).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 245


Na da educação básica, os IFs estabelecem dilemas em torno da
podem ofertar a formação inicial e oferta de vagas. Dilemas estes que
continuada, o ensino médio integra- evidenciam alguns dos obstáculos
do à educação profissional, os cursos para a efetivação do integrado. Per-
técnicos concomitantes ao ensino cebemos que a oferta de vagas está
médio e os cursos técnicos subse- vinculada às disputas e embates in-
quentes ao ensino médio. Na educa- ternos aos campi. Neste contexto,
ção superior, de acordo com tal legis- aparecem as divergências referentes
lação, os IFs podem ofertar os cursos às concepções de educação, de for-
na área de tecnologia (tecnólogos), mação profissional e de modelos so-
licenciaturas e bacharelados. Cabe cietários.
mencionar, ainda, que é possível aos Além de que não atender às
IFs a oferta de cursos de pós-gradua- questões legais, a oferta de cursos
ção lato sensu e stricto sensu. do IFRS desobedece às suas próprias
Esta pesquisa verificou que a va- normativas internas, pois o Projeto
riedade de oferta possível aos IFs faz Pedagógico Institucional (PPI-IFRS,
com que o ensino médio integrado disponível em www.ifrs.edu.br) dei-
tenha dificuldade de ser ofertado, ou xa claro que os 50% da oferta na
de se ampliar a sua oferta em deter- educação básica deve ser na forma
minados campi do IFRS. integrada em cada campi do IFRS.
Mesmo que a referida lei de cria- O PPI não utiliza o termo prioritaria-
ção deixe claro que o objetivo dos mente. Na realidade concreta isso
IFs é a oferta de educação básica, não acontece, para se ter uma ideia,
sendo que 50% das vagas devem ser no IFRS existiam 02 campi que não
ofertadas, prioritariamente, na forma ofertavam ensino médio integrado,
integrada, no IFRS isso não é uma re- no momento da pesquisa. Por outro
alidade. A maior parte da oferta de lado, nenhum dos campi deixava de
vagas neste instituto, no momento ofertar os cursos superiores. Mesmo
em que investigamos, estava locali- entre os campi que ofertam ensino
zada na educação básica,não na for- médio integrado e superior, em al-
ma integrada e, sim, nos cursos sub- guns casos, tinham-se mais vagas
sequente ao ensino médio. ofertadas nos cursos superiores.

Ainda, o estudo sobre o IFRS, Estamos certo de que a referida


entre 2011 e 2015, apontou que se lei de criação IFs foi resultado de in-

246
tensos debates em torno de concep- Além das questões em torno do
ções de educação profissional. As- dilema da oferta de vagas, existem
sim, possivelmente, a alternativa que outros obstáculos que o ensino mé-
se encontrou em tal cenário foi o de dio integrado tem que transpor para
colocar os 50% de oferta para EMI. que os seus fundamentos da forma-
utilizando o termo prioritariamente, ção humana integral e o trabalho
tirando assim a obrigatoriedade da como princípio educativo se estabe-
oeferta. Tal fragilidade é mais um dos leçam no IFRS.
limites que o ensino médio integra- Um deles é a carente formação
do encontra no IFRS. inicial e continuada dos servidores
Para finalizar, sobre a oferta de (técnico-administrativos em educa-
vagas do IFRS, acreditamos que é ção e docentes para a prática do in-
preciso reforçar a ideia de que a tegrado). Certamente as dificuldades
Rede Federal de Educação Profissio- relativas à carência de formação dos
nal e Tecnológica tem uma tradição docentes não é uma exclusividade
de oferta reconhecidamente qualifi- do IFRS, algo que não diminui a in-
cada de ensino médio, o que não é tensidade deste obstáculo. Desta-
pouco se forem levadas em conta as camos que na pesquisa pudemos
dificuldades encontradas na oferta perceber que existe certo desconhe-
do ensino público de nível básico no cimento, inclusive entre os gestores,
Brasil. Consideramos que os Institu- sobre as legislações referentes à edu-
tos Federais não podem encaminhar cação básica. Salientamos que gran-
sua oferta de cursos de forma des- de parte do quadro de docentes do
comprometida com a realidade do IFRS, em sua maioria mestres e dou-
ensino médio no Brasil. Mais do que tores, têm a sua primeira experiência
isso, tem que se perceber que a etapa na educação básica ao ingressar no
final da educação básica, como tem instituto. Isso pode ter relação com
sido dito, encontra-se em contexto em um desconhecimento quanto
peculiar, sendo alvo de disputas de às questões conceituais que funda-
projetos educacionais e societários. mentam o ensino médio integrado,
Como os IFs originam-se de uma verificado ao longo da pesquisa.
política pública de educação, esses Logo, o nosso estudo verificou a
aspectos devem ser ponderados no necessidade de institucionalizarem-
momento de se encarar os dilemas se espaços de formação continuada
em torno da oferta de vagas. entre os profissionais da educação

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 247


envolvidos no integrado. Desde que quisa. Em alguns momentos, ela é
os servidores ingressam, a formação apontada como um obstáculo e, em
institucional deve ser uma priorida- outros, como um elemento poten-
de. Ainda, sem reuniões contínuas, cializador do ensino médio integra-
espaços ou momentos de encontros do. Acreditamos que a luta histórica
coletivos, não se planeja e constrói o da qualidade no ensino público sem-
ensino médio integrado. Vale pon- pre teve como pauta a infraestrutura
derar que a simples existência de adequada. No entanto, em alguns
momentos formativos não garante o momentos deste estudo, pudemos
fortalecimento do integrado pauta- perceber que o argumento da falta
do na formação humana integral, no de estrutura é utilizado como uma
trabalho como princípio educativo e justificativa para que o ensino médio
que se contraponha a lógica da du- integrado não aconteça, ou não se
alidade. Por outro lado, percebemos fortaleça nos campi.
que o papel de uma instituição de Consideramos que o IFRS, bem
ensino que se propõe a ofertar o en- como a maior parte dos 38 IFs des-
sino médio integrado é o de garantir te país, possui condições materiais e
a institucionalização de tais espaços recursos humanos acima da média
formativos. do que dispõe as demais redes de
No caso do IFRS, mesmo que ti- escolas públicas brasileira. Logo, as
midamente, verificamos que se está condições mínimas - laboratórios, bi-
avançando nas questões relativas à blioteca, sala de aulas amplas, salas
formação inicial e continuada. Des- de estudo, espaço para realização de
tacamos que no período em que a atividades de pesquisa e extensão,
pesquisa foi realizado, a Pró-Reitoria entre outras - para o desenvolvi-
de Ensino organizou um Grupo de mento e o fortalecimento do EMI, es-
Trabalho (GT) para problematizar o tamos convencidos de que os campi
ensino médio integrado. Tal grupo do IFRS dispõem.
era composto por representantes Além desses obstáculos, verifica-
dos campi que tinham a atribuição mos traços que potencializam o en-
de fazer transitar os debates entre o sino médio integrado no IFRS. Esses
campus e o GT. traços são tratados como germens,
A questão da infraestrutura apa- pois indicam os potenciais do ensino
rece de forma dúbia ao longo da pes- médio integrado para a formação hu-

248
mana integral e o do trabalho como Por outro lado, ao mesmo tem-
princípio educativo no IFRS. Con- po em que consideramos este GT
cordamos com Dante Moura (2013) como um germen importante para o
quando argumenta que é preciso dar EMI, acreditamos que se deve avan-
destaque não apenas ao que dificul- çar. Esta ação da PROEN encontrará
ta a materialização do ensino médio limitações, caso não sejam acompa-
integrado, mas também a “busca, nhadas por outras ações, inclusive
por meio da contradição, identificar de outras Pró-reitoras. Neste sentido,
os germens que podem estar contri- é necessário que a gestão do IFRS,
buindo para a materialização dessa como um todo, tome atitudes rela-
concepção de formação humana” cionadas à infraestrutura, gestão de
(MOURA, 2013, p.112). Logo, estes pessoas, política de ingresso de do-
germens são parte do processo con- centes, financiamento e entre outras
traditório que se estabelece ao lon- questões que considerem as peculia-
go da práxis de construção do ensino ridades do ensino médio integrado.
médio integrado. Percebemos, ao longo da pes-
Percebemos alguns desses ger- quisa, traços que indicam o fortale-
mens do ensino médio integrado nas cimento do ensino médio integrado
ações da gestão do IFRS. Algumas na prática dos docentes, sejam estas
atitudes da Pró-Reitoria de Ensino individuais ou coletivas. Em vários
(PROEN), como a referida criação de momentos da pesquisa, identifica-
um Grupo de Trabalho com repre- mos fazeres docentes (mesmo que
sentantes de diferentes campi para em muitos casos pontuais) indican-
repensar e agir sobre o ensino médio do uma relativa abertura dos profes-
integrado neste instituto, podem ser sores para ações pedagógicas dife-
consideradas como potencializado- renciadas que fortalecem a formação
ras desta forma de EM no IFRS. Veri- humana integral e o trabalho como
ficamos que este espaço de ação e princípio educativo.
reflexão sobre o ensino médio inte- Neste sentido, destacamos o
grado trouxe alguns resultados con- exemplo de uma professora de edu-
cretos, como a previsão de práticas cação física de um determinado cam-
integradoras nos projetos pedagó- pus do IFRS que, em parceria com
gicos de curso de alguns campi que outros colegas, desenvolvia, entre
antes não previam. 2011 e 2015, conhecimentos sobre

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 249


agrotóxico e alimentação saudável, Outro germen do ensino médio
na granja de produção que é um es- integrado, perceptível na pesquisa,
paço característico das disciplinas deestá localizado nos estudantes do
formação específica na área da agri- IFRS. O potencial para o estabeleci-
cultura. mento de uma proposta com base
No nosso entendimento, uma na formação humana integral e no
prática pedagógica como essa ques- trabalho como princípio educativo
tiona a lógica da dualidade, ao pro- se revela, também, a partir da inser-
por que a formação de um técnico ção dos alunos em atividades polí-
agrícola deva considerar conheci- ticas, ações de ensino e práticas de
mentos para além da formação pro- pesquisa e extensão que ocorrem
fissional específica. na sua instituição. Esse envolvimen-
to do estudante faz com que eles se
Continuando sobre o germen nos tornem agentes indutores de ativi-
professores, acredita-se que o mes- dades pedagógicas que podem se
mo que deve ser percebido como um desenvolver dentro de uma lógica
passo de outros que são necessários. contrária à da dualidade.
Na continuidade, as ações que bus-
cam integração entre diferentes áre- A pesquisa verificou que o estu-
as e campos do conhecimento de- dante do ensino médio integrado é
vem ser estar institucionalizadas nos protagonista, entre os seus pares,
planos dos cursos do ensino médio nos espaços políticos internos des-
integrado e nos planejamentos dos te instituto. Atuam no grêmio e nos
docentes. Para o seu enraizamento, conselhos deliberativos (conselho
elas devem ser complementadas por de campi) de forma intensa. Não
outra ação, já apresentadas acima, é por acaso que apenas 01 dos 12
que garantem espaços de diálogos campi do IFRS não possuía entidade
internos (espaços formativos) en- que representasse os estudantes da
tre os sujeitos que atuam no ensino educação básica no momento em
médio integrado nos campi do IFRS. que realizamos a pesquisa. Também
Assim, para potencializar o germen não é por acaso que entre os 11 que
de integração da prática docente, possuíam tais entidades, 10 se orga-
precisa-se enfrentar o obstáculo da nizam como grêmio estudantil (en-
formação inicial e continuada dos tidade característica de estudantes
servidores. da educação básica). Assim, reafir-
mamos que o protagonismo políti-

250
co dos estudantes do ensino médio instituição. Assim, percebemos entre
integrado na maior parte dos campi os pesquisadores e os extensionistas
foi claramente perceptível ao longo potenciais germens de uma forma-
da pesquisa. ção integral e do trabalho como prin-
Entendemos que, ao participar da cípio educativo. Logo, precisam ser
vida política da sua instituição, o es- aprimoradas para que constituam
tudante do IFRS sente-se parte deste vínculos orgânicos com as propostas
espaço. Assim, estabelece reflexões pedagógicas dos cursos de ensino
críticas sobre a sua realidade esco- médio integrado.
lar e tenta intervir sobre ela. Neste Verificamos que as atividades
sentido, ao se perceber como sujeito de pesquisa e extensão, incluindo
atuante da sua realidade e verifican- as culturais, se concretizavam como
do que esta pode ser modificada a ações paralelamente à proposta pe-
partir da sua intervenção, está se po- dagógicas dos cursos do IFRS, quan-
tencializando alguns dos pilares do do da ocorrência deste estudo. Estes
trabalho como princípio educativo, projetos timidamente se relacionam
apontado no já citado Documento com as atividades de sala de aula.
Base (BRASIL, 2007). Na sua maior parte são propostas
As atividades de pesquisa e de por docentes agregando um grupo
extensão também são vivenciadas de estudantes (voluntários ou com
com intensidade pelos estudantes bolsistas) e assim possibilitando a
do ensino médio integrado no IFRS. este grupo tal experiência. Neste ce-
Salientamos que os jovens, que par- nário, uma parcela de estudante fica
ticipam de tais atividades, constroem de fora da pesquisa e da extensão.
itinerários formativos diferenciados Logo, dentro de um mesmo curso e
ao terem contatos com experiências de uma mesma forma de ensino mé-
acadêmicas e vivências pessoais sig- dio, oportuniza-se uma formação de-
nificativas que contribuem decisiva- sigual para os jovens.
mente em sua formação. Reforçamos o nosso reconheci-
Salientamos que o intenso envol- mento do protagonismo dos estu-
vimento dos estudantes do EMI nas dantes de ensino médio integrado
atividades de pesquisa e extensão na pesquisa e na extensão do IFRS,
faz com que o ensino médio integra- no entanto, observamos que se pre-
do impulsione estas atividades na cisa aprimorar tal protagonismo, de

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 251


modo que a pesquisa e a extensão potencializado para a efetivação de
não sejam privilégios de poucos. uma proposta de formação huma-
Associado ao protagonismo na na integral e para o fortalecimento
política estudantil e em atividades de atividades com base no trabalho
de pesquisa e extensão está a pre- como princípio educativo.
sença constante dos estudantes do Assim como o germen dos docen-
integrado no dia-a-dia dos campi. tes, o germem dos estudantes possui
A presença física destes jovens, nos elementos de espontaneísmo, na
três turnos de funcionamento da ins- medida em que muito da presença
tituição, inclusive fora de seu horário contínua dos jovens no campus é re-
de aula, vão possibilitando que eles sultado de suas iniciativas individu-
vivenciem a instituição com inten- ais. Neste sentido, a escola tem que
sidade e contribuam decisivamen- institucionalizar atividades, espaços
te na construção da identidade dos e criar condições para que os estu-
campi do IFRS. dantes consigam permanecer nos
Ouvimos o depoimento de um diferentes turnos de funcionamento
servidor de um dos campis do IFRS da instituição. Ainda, é preciso que
sobre esta realidade de vivência dos sejam repensadas as políticas inter-
alunos na instituição: nas do IFRS, fundamentalmente a de
Assistência Estudantil, para que estes
Esta sala aqui do lado é a sala dos
bolsistas do campus. Se fores ali, jovens possam permanecer em espa-
vais perceber que quem está ali es- ços de aprendizados dentro de cada
tão os estudantes do ensino médio campus.
integrado dos dois cursos, informá-
tica e eletrônica. Eles ficam aqui de
Outra característica do ensino
manhã, de tarde e de noite. Mais de
médio integrado no IFRS, que pode
uma vez tivemos que tirar eles mais
ser percebido como um potencial
de 22:30 da noite. Às vezes nos sá-
bados letivos temos que tirar eles
para a construção de uma proposta
para fechar a instituição no final da
que se fundamente na formação hu-
manhã. Já ouvi eles perguntarem
mana integral e no trabalho como
aos sábados “não dá para ficar de
tarde?”. princípio educativo, está no fato de
que os pais dos estudantes e a co-
Entendemos que a presença con- munidade adentram a instituição
tínua do estudante do ensino médio com maior fluidez através dos cursos
integrado é um germen que deve ser integrados.

252
Algumas práticas - como entre- dessas que devem ser pensadas
ga de resultados, reuniões com pais considerando as peculiaridades do
para tratar de assuntos das turmas, ensino médio integrado de modo a
comunicados ou chamamentos dos fortalecê-lo. Esta referida complexi-
responsáveis pelos estudantes - são dade de forma alguma deve desen-
corriqueiras na educação básica e corajar a ocorrência do ensino médio
ocorrem com frequência nos cursos integrado. Ao contrário, os potencias
de ensino médio integrado do IFRS. e os obstáculos do EMI no IFRS têm
Aproximar a instituição da sua co- que ser percebidos como um apren-
munidade é fundamental para que dizado necessário e que podem ser
se conheça a realidade local e, desta referências para as demais redes pú-
forma, se construa algo que é central blicas.
na política dos IFs, o compromisso De todos os avanços na prática
com os territórios onde se está inseri- do integrado percebidos ao longo
do (BRASIL, 2008). Reafirmamos que da pesquisa, o que dá esperança
no IFRS, se comparada com as outras para quem acredita nesta forma de
ofertas de curso, a aproximação en- ensino médio é o fato de que, mes-
tre a escola e a comunidade encontra mo com todas as suas contradições,
maior força no ensino médio integra- o integrado do IFRS não tem como
do. prioridade a formação de mão obra
para as necessidades urgentes do
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS mercado. Assim, ao longo da pesqui-
sa percebemos ações com potencial
Os elementos encontrados na
para a integração entre as dimensões
experiência do IFRS, estudados por
da vida (o trabalho, a ciência, a tec-
esta pesquisa, apontam a comple-
nologia e a cultura). Logo, existem no
xidade que envolve uma política de
ensino médio integrado pesquisado
educação como a do ensino médio
alguns enfrentamentos a dualidade.
integrado. O conjunto de ações que
são necessárias para a sua consoli- Neste sentido, verificamos que a
dação, como vem se argumentando, experiência do ensino médio inte-
tem que envolver diversas políticas, grado no IFRS contribui como uma
internas e externas ao IFRS. Gestão possibilidade para outro ensino mé-
de pessoas, formação docente e as- dio público no Brasil. Tal experiên-
sistência estudantil são algumas cia evidencia que é possível a cons-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 253


trução de um ensino médio que se integrado em eletrônica de um dos
aproxime da integração entre forma- campi do IFRS:
ção geral e formação profissional es- Aqui não aprendemos apenas que a
pecífica; destaca que é possível ter a unidade de tensão é Volt, de corren-
te é Ampère, de potência é Watts e
prática da pesquisa como estratégia a carga elétrica é Coulomb. Apren-
pedagógica na educação básica (em demos a aprender, a viver, a sonhar,
especial o ensino médio); mostra a a planejar, alutar, a compartilhar e,
por fim, a nos alegrar.
importância de atividades artísticas
e culturais (podendo ser vinculadas Estas palavras ilustram o quanto o
ensino médio integrado deve ser
a atividade de extensão) na forma- percebido como uma possibilidade
ção dos estudantes e deixa claro o para o ensino médio das diferentes
potencial dos jovens para a partici- redes públicas do Brasil.

pação política. Ainda, a experiência


do ensino médio integrado salienta
a importância do envolvimento dos Referências
(as) estudantes na construção da
identidade do IFRS. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezem-
bro de 1996. Estabelece as diretrizes
Ponderamos que ao mesmo tem- e bases da educação nacional. Diário
po em que a experiência do ensino Oficial da União, Brasília, 1996. Dis-
médio integrado do IFRS evidencia ponível em: <http://www.planalto.
que é possível a construção de outro gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>.
ensino médio, ela expõe o quanto é Acesso em:01 de set. 2013.
conservador o ensino médio enca-
minhado, predominantemente, nas ________. Emenda Constitucional
demais redes de escola pública (pau- nº 14, de 12 de setembro de 1996.
tado na pretensão acadêmica ou Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212
com vistas ao mercado). da Constituição Federal e dá nova re-
Todos estes elementos confir- dação ao art. 60 do Ato das Disposi-
mam a ideia de que a experiência ções constitucionais Transitórias.
do ensino médio integrado fortalece _________. Decreto nº 5.154, de 23
a travessia para uma nova forma de de julho de 2004. Regulamenta o § 2º
ensino médio (FRIGOTTO, 2010). Fi- do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº
nalizo citando parte do discurso do 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
orador de uma turma de formandos, que estabelece as
2014/02, do curso de ensino médio

254
diretrizes e bases da educação nacio- ção dos Profissionais da Educação,
nal, e dá outras providências. Diário a Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no
Oficial da União, Brasília, 2004. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov. 5.452, de 1o de maio de 1943, e o De-
br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/ creto-Lei no 236, de 28 de fevereiro
decreto/D5154.htm>. Acesso em: 3 de 1967; revoga a Lei no11.161, de 5
setembro de 2013. de agosto de 2005; e institui a Políti-
ca de Fomento à Implementação de
________. Ministério da Educação. Escolas de Ensino Médio em Tempo
Educação Profissional Técnica de Ní- Integral.
vel Média Integrada ao Ensino Mé-
dio. Documento Base. Brasília: Minis- FRIGOTO.G. A relação da educação
tério da Educação, 2007. Disponível profissional e Tecnológica com a uni-
em: http://portal.mec.gov.br/setec/ versalização da educação básica in:
arquivos/pdf/documento¬_base. (org.) Jaqueline Moll e colaborado-
pdf. Acesso em: 15 mai.2013. res: Educação Profissional e Tecno-
lógica no Brasil Contemporâneo,
________. Lei 11.892 de 29 de de- desafios tensões e possibilidade.
zembro de 2008 que institui os Ins- Porto Alegre: Artmed. 2010.
titutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia. KUENZER, A. EM EP na produção Fle-
xível: a dualidade invertida. In: (rev.)
________. Conselho Nacional de Retratos da Escola/Escola de For-
Educação. Resolução n.2, de 30 de mação da Confederação dos Tra-
janeiro de 2012. Define as Diretrizes balhadores em Educação ( Esforce)
Curriculares Nacionais para o Ensino – v. 5, n 8, jan/jun. 2011 – Brasília:
Médio. Brasília: CNE,2012. CNTE, 2007.
________. Lei 13.415, de 16 de feve- MOURA, D. O ensino médio integra-
reiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, do: perspectivas e limites na visão
de 20 de dezembro de 1996, que es- dos sujeitos envolvidos. In: Ensino
tabelece as diretrizes e bases da edu- Médio Integrado TRAVESSIAS/Mo-
cação nacional, e 11.494, de 20 de ju- nica Ribeiro da
nho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento Silva (organizadora). – Campinas, SP:
da Educação Básica e de Valoriza- mercado de letras, 2013.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 255


MOTTA, CARDOSO, M & FRIGOTTO.
POR QUE A URGÊNCIA DA REFOR-
MA DO ENSINO MÉDIO? MEDIDA
PROVISÓRIA Nº 746/2016 (LEI Nº
13.415/2017). In: Educação & Socie-
dade vol.38 nº 139 Campinas abr./
jun. 2017. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_is-
suetoc&pid=0101733020170002&l-
ng=pt&nrm=iso . Acesso em: 10
jul.2017.

FERREIRA, E.B. & SILVA, M..R. CEN-


TRALIDADE DO ENSINO MÉDIO NO
CONTEXTO DA NOVA “ORDEM E PRO-
GRESSO” In: Educação & Sociedade
vol.38 nº 139 Campinas abr./ jun.
2017. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_is-
suetoc&pid=010133020170002&l-
ng=pt&nrm=iso . Acesso em: 15
jul.2017.

256
PERSPECTIVAS DOS ALUNOS SOBRE O ENSINO
MÉDIO INTEGRADO: POR QUE O FAZEM?
Débora Martins Artiaga1, Daniela Alves de Alves2
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais –
Campus Avançado Ponte Nova
2
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
E-mail: debora.martins@ifmg.edu.br

1. INTRODUÇÃO estruturada de maneira dual: pro-


prietários dos meios de produção,
A educação profissional e tecno- detentores do capital e, trabalhado-
lógica é parte integrante do processo res, donos de sua força de trabalho a
de desenvolvimento socioeconômi- ser transformada em mercadoria de
co de um país, pois são modalidades venda e produção.
de ensino que tecem modelos de ca-
A Educação Profissionalizante foi
pacitação e formação de cabeça de
um tema controverso durante vários
obra (vulgo mão de obra) qualificada
governos, como podemos analisar
para as demandas econômicas e so-
através da legislação e dos decretos
ciais.
sobre o assunto publicados na recen-
O Ensino Profissional e Tecnoló- te história da educação brasileira. Na
gico assumiu, ao longo da história, Lei das Diretrizes e Bases da Educa-
uma finalidade instrumental e opera- ção Nacional (LDB), de 1996, esse as-
cional, na qual o trabalhador deveria sunto voltou a ganhar destaque em
ser capaz de executar as funções que um capítulo específico, o capítulo III.
lhes eram reservadas de forma me- Este capítulo teve uma nova redação
cânica e tecnicista. Esta função dele- após a Lei n° 11.741/08, que passou
gada a essa modalidade de ensino é, a estabelecer as diretrizes e as bases
então, o resultado de uma sociedade da educação nacional, para redimen-

1 Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – Cam-


pus Avançado Ponte Nova, Graduada em Pedagogia e Mestre em Federal de Viçosa (UFV).
E-mail: debora.martins@ifmg.edu.br
2 Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Viçosa (UFV) e do Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: danielaa.alves@ufv.br

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 257


sionar, institucionalizar e integrar as da não integração não têm interfe-
ações da Educação Profissional Téc- rido no alcance do objetivo inicial
nica de nível médio, da Educação de dos estudantes ao ingressarem no
Jovens e Adultos e da Educação Pro- curso, visto que da turma formada
fissional e Tecnológica. Hoje, temos no fim do ano de 2013, apenas um
as possibilidades do Ensino Técnico optou por não cursar o ensino supe-
subsequente, concomitante ou inte- rior, atuando no empreendedorismo
grado ao Ensino Médio, possibilida- rural, enquanto que todos os demais
de esta que não podia ser ofertada ingressaram com êxito nesse nível de
até a promulgação do Decreto nº ensino.
5.154/2004.
Essas modificações ocorridas na 2. GÊNESE DO ENSINO MÉDIO INTE-
maneira de se ofertar a Educação GRADO
Profissional e Tecnológica vão ao en-
contro das mudanças do mundo atu- 2.1. A necessidade de educação a
al, seja no campo econômico, seja no partir das demandas do capital e
campo social, e fazem parte da ex-
dos trabalhadores
pansão da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica iniciada A divisão da sociedade em clas-
no governo do então presidente Luiz ses se iniciou a partir do momento
Inácio Lula da Silva, em 2003. A socie-
em que o homem se fixou na terra,
dade contemporânea e o atual mer- que era o principal meio de produ-
cado de trabalho passam a exigir queção para sua sobrevivência. Ao cer-
a qualificação laboral seja precedida
car essa terra e se afirmar proprietá-
pela formação humana e cidadã, rio dela, dividiu a sociedade em duas
além de ser pautada no compromis- classes: uma detentora das terras,
so de se assegurar que os profissio-ou seja, dos meios de produção, e
nais formados tenham a capacidade a outra não detentora, que deveria
de manter-se em desenvolvimento. prestar seus trabalhos aos que a de-
Por meio das falas dos egressos tinham para poderem sobreviver (DE
do curso, conseguimos identificar MASI, 2000).
certas dificuldades no processo de A classe detentora das terras ti-
integração do curso técnico ao en- nha o privilégio de viver sem traba-
sino médio; porém, estes aspectos lhar, sobrevivendo do trabalho dos

258
outros em suas terras, os quais pro- os demais componentes ambientais,
duziam para si e para o dono das como ainda nos atos civilizatórios e
propriedades. Já aos trabalhadores, nos de conquista. Podemos, pois,
aqueles que não detinham os meios afirmar que o fenômeno da educa-
de produção, restava apenas a pró- ção profissional acompanha as práti-
pria força de trabalho, a qual eles cas humanas desde os períodos mais
ainda precisavam vender para sobre- remotos da história.
viverem. O advento do modo de pro- Na visão de Saviani (1991), a na-
dução capitalista dispõe de mão de tureza da educação passa pelo pro-
obra liberada das obrigações servis cesso de transformação da própria
e desprovida de meios de produção. natureza pelo homem, em sua rela-
A força do trabalho passa então a ser ção com o trabalho, para sua subsis-
vendida ao empregador, que paga tência. Pelo trabalho, ele transforma
por ela e almeja, através dessa agre- a natureza e a si mesmo. Fica claro
gação de trabalho, a matéria-prima e então que o trabalho é intrínseco à
o acúmulo de capital. condição humana, sendo uma ativi-
Manfredi (2002) aponta que, des- dade central no que tange à socia-
de a pré-história, os homens transfe- bilidade e emancipação do homem.
riam seus saberes profissionais para Entretanto, o trabalho, na sociedade
as gerações mais novas por meio de capitalista perde essa dupla dimen-
uma educação baseada na observa- são, “direcionando as relações de
ção, na prática e na repetição, pelas produção para o aprisionamento da
quais repassavam conhecimentos e classe trabalhadora nos grilhões do
técnicas de fabricação de utensílios, trabalho abstrato, assalariado e alie-
aprimoramento de ferramentas, ins- nado” (SILVEIRA, 2010, p. 91).
trumentos de caça, defesa e demais Para Manfredi (2002, p. 34), as
artefatos que lhes servissem e faci- noções de trabalho “[...] vão se cons-
litassem o cotidiano. Com sua cog- truindo e reconstruindo ao longo da
nição e tecnologia acumuladas, as história das sociedades humanas,
populações pré-históricas e as civili- variando de acordo com os modos
zações que se seguiram produziram de organização da população e de
soluções para enfrentarem os desa- distribuição de riqueza e poder”. Du-
fios impostos pelo ambiente no qual rante a época do sistema de produ-
estavam inseridos, bem como nas ção artesanal havia uma relação es-
suas relações e interferências com treita entre sujeito e objeto, homem

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 259


e natureza, entre quem conhece e a ele” (MARX, 2004, p. 71). Segundo
realidade conhecida, características Marx, isso ocorre em função da pro-
presentes em “economias primitivas priedade privada, que é produto da
de subsistência” (MANFREDI, 2002, p. economia burguesa que impede a
37). As sociedades dessa época, em- emancipação social, política e huma-
bora se valessem de meios e instru- na do trabalhador. Tal emancipação
mentos rudimentares de produção, será possível somente quando o tra-
seguiam uma lógica que não era a da balhador entender a relação entre si,
acumulação, ideologia presente na o trabalho e o produto do seu traba-
atual perspectiva do mercado, mas lho e para tanto é necessário romper
sim em experiência baseada na pe- com a lógica da produção burguesa.
dagogia de erro e acerto, de repeti- Assim, se coloca o trabalho como
ção de saberes acumulados pela his- princípio ontológico e educativo bá-
tória e cultura. Ainda de acordo com sico da formação humana.
Manfredi (idem), “[...] tais meios e Podemos observar que, desde
instrumentos encontravam-se à dis- tempos remotos, a educação se faz
posição de todos e as técnicas eram subserviente ao capital, uma vez que
dominadas por qualquer um que as transformações do mundo do tra-
queria ter acesso a elas”. balho impactam a educação, sendo
Já no sistema de produção indus- necessária uma tomada de decisão
trial, no qual impera o sistema capi- a respeito de que “novo trabalhador”
talista, tanto o trabalhador quanto o o setor produtivo requer, para assim
trabalho tornam-se mercadorias: as- traçar os rumos da educação com fi-
salariado, o trabalhador deixa de ser nalidade de atender a essa demanda
dono de sua ferramenta de trabalho do capital. O capital econômico pode
e passa então a vender a sua única ser visto como algo irreformável e in-
propriedade, que é a própria força corrigível (SILVEIRA, 2010), portanto
de trabalho, para o capitalista que é um fator limitante das mudanças
detém os meios de produção (MARX, educacionais que têm como objetivo
2003). Assim sendo, à medida que a uma transformação social qualitativa
sociedade capitalista se desenvolve, (MÉSZÁROS, 2005).
o trabalhador cada vez mais se em- A primeira fase da revolução in-
pobrece, entrando em decadência dustrial, ocorrida no século XVIII, que
por meio “do produto do seu próprio teve início na Inglaterra e espalhou-
trabalho e da riqueza produzida por se durante a segunda metade do

260
século para outros países da Euro- O trabalhador perde sua antiga
pa, promoveu profundas alterações instrução em troca da ignorância ofe-
nas relações de produção e capital e, recida pela fábrica, através da substi-
consequen-temente, nas estruturas tuição dos instrumentos e dos pro-
e modelo de educação que deveria cessos produtivos pela repetição das
suprir o mercado produtivo, domina- máquinas. O capital exigia um traba-
do pela burguesia emergente. Esta lhador qualificado para as mudanças
primeira fase da revolução foi marca- tecnológicas. Surgia, então, um pro-
da pelo grande impulso do capitalis- blema: ou se oferecia dentro das fá-
mo industrial, a invenção de diversas bricas os métodos da aprendizagem
máquinas movidas a vapor e a busca artesanal, baseados na observação e
de matérias-primas e mercados con- imitação, ou então se transferiria às
sumidores na África e Ásia, através do escolas a missão de repassar os co-
neocolonialismo. Os trabalhadores nhecimentos profissionais, aliando a
das fábricas recebiam salários baixos, teoria à prática (SILVEIRA, 2010).
enfrentavam péssimas condições de Passou a ser exigida dos trabalha-
trabalho e não tinham direitos traba- dores da era da Revolução Industrial
lhistas. Houve o uso de mão de obra a capacidade de atender a essas no-
infantil e feminina com salários abai- vas demandas emergentes, ou seja,
xo dos homens (CANEDO, 2012). de se adequar à nova era de produ-
Segundo Frigotto (1999), a mo- ção fabril e servir à maior produção
dernidade alterou o vínculo entre de bens para o consumo. Entretan-
trabalho produtivo e educação com to, para muitos donos dos meios de
o advento do capitalismo, em que produção da época, a escolarização
a produção se rende ao mercado, o operária se tornou um problema,
qual assume para si a organização da pois muitos desses “patrões” enten-
produção e suas relações de capital diam que “[...] era supérfluo e até pe-
e trabalho. Ainda para esse autor, o rigoso ensinar a ler, escrever e, espe-
capitalismo determina as regras so- cialmente, fazer contas aos operários
bre valores, ideias, teorias, símbolos [...]” (MANACORDA, 2001, p. 287), já
e instituições, entre as quais se des- que, na visão deles, possivelmente,
taca a escola como espaço de produ- se os operários fossem instruídos,
ção e reprodução de conhecimentos, poderiam promover uma revolução,
atitudes, ideologias e teorias que jus- ou seja, poderiam exigir aquilo que
tificam o novo modo de produção. lhes era devido: salário justo, salubri-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 261


dade dos postos de trabalho, carga significativas no ambiente fabril: o
de trabalho compatível com sua con- taylorismo e o fordismo. Esses dois
dição de humanos. sistemas visavam à racionalização
Os patrões temiam que os seus extrema da produção e, consequen-
empregados se tornassem indivídu- temente, à maximização da produ-
os esclarecidos, com lucidez e cons- ção e do lucro.
ciência de sua participação e sua O funcionário da fábrica se espe-
função no mundo, sendo capazes de cializava em apenas uma etapa do
se avaliarem e refletirem a respeito processo produ-tivo e repetia a mes-
de sua ação no mundo. Pela preocu- ma atividade durante toda a jornada
pação patronal apontada por Mana- de trabalho, fato que provocava uma
corda (2001), o trabalhador deveria alienação física e psicológica nos
ter, unicamente, noções técnicas, operários, que não tinham noção do
domínio de seu ofício e disposição processo pro-dutivo do automóvel.
para trabalhar, sem aquisição de uma Houve, pois, no fordismo uma racio-
educação formal. nalização da produção e tam-bém
A segunda fase da revolução in- o acordo com sindicados para que
dustrial teve início nos Estados Uni- fossem pagos melhores salários aos
dos no final do século XIX e começo funcionários e que estes passassem
do século XX. Esta fase foi marcada a gozar de benefícios do Estado do
pela criação e uso de novas tecno- Bem-Estar Social, fazendo com que
logias como, por exemplo, veículos diminuíssem as revoltas dos traba-
automotores e aviões, com avanços lhadores e lhes sobrasse algum capi-
na área de telecomunicações como o tal para consumirem os bens produ-
telefone e o rádio. Houve um signifi- zidos naquela época.
cativo aperfeiçoamento nas tecnolo- A terceira fase da revolução in-
gias usadas nas máquinas industriais,dustrial teve seu inicio com o final da
que se tornaram mais eficientes, o Segunda Guerra Mundial (meados
que resultou em maior produtivida- do século XX). Nesta fase, tivemos
de e redução de custos (CANEDO, a introdução do uso de novas fon-
2012). tes de energia como, por exemplo,
No início do século XX, duas for- a nuclear; desenvolvimento e início
mas de organização de produção do uso da informática; melhorias nas
industrial pro-vocaram mudanças condições de trabalho com amplia-

262
ção dos direitos traba-lhistas; for- produtivo. O resultado foi à ênfase na
talecimento do sistema capitalista; bandeira política do neoliberalismo,
desenvolvimento da globalização, a concentração de renda, o enxuga-
princi-palmente após o fim da Guer- mento do estado e o reforço às leis
ra Fria, que trouxe um novo cenário de mercado. Pacheco (2011) afirma
nas relações econômi-cas e formas que o neoliberalismo foi definido por
de produção (CANEDO, 2012). um conteúdo ideológico fundado no
Na década de 1970, tivemos a individualismo e na competitividade
crise do capitalismo, que veio atra- que marcam a sociedade contempo-
vés das duas crises do petróleo e rânea.
também das crises fiscais dos países Com essas mudanças na política
centrais, com consequente aumento econômica, e consequentemente
da inflação. Portanto, na década de no mundo do trabalho, passou a ser
1970, o Estado do Bem-Estar Social, necessária uma nova relação entre o
expressão da ordem internacional homem e o trabalho, mediada pelo
capitalista e do fordismo, começou conhecimento científico, tecnoló-
a dar sinal de esgotamento, tornan- gico e sócio-histórico. Começou a
do-se cada vez mais difícil conciliar haver a demanda da formação de
serviços públicos e garantir os direi- um novo tipo de trabalhador, o qual
tos sociais e trabalhistas. Os sindica- especificaremos na próxima seção,
tos perderam o poder de barganha em que os conhecimentos sistema-
dos trabalhadores, pois não era mais tizados, as experiências e compor-
possível conciliar os direitos sociais e tamentos viessem substituir a rigi-
trabalhistas com a lucratividade do dez (KUENZER, 2004). Para que isto
capital. Essa crise nos conduziu para ocorresse, Kuenzer considera ser im-
um novo modelo de desenvolvimen- prescindível que se fundamentasse a
to econômico calcado no processo educação profissional em uma sólida
da terceira Revolução Industrial, a base de educação geral, para além
também chamada Revolução Tec- das dimensões meramente acadêmi-
nológica, que passou a requerer dos cas que caracterizam o ensino funda-
trabalhadores uma formação flexível. mental e médio no Brasil.
O liberalismo foi revisado e atua- O ensino Médio brasileiro, ao lon-
lizado através de referências compa- go de sua história, oscilou entre uma
tíveis com as alterações no processo finalidade voltada ora para a forma-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 263


ção acadêmica, destinada a preparar uma retração do consumo que o mo-
para o ingresso no Ensino Superior, delo taylorista/fordista mostrou-se
ora voltada para uma formação de incapaz de solucionar, pela crise do
caráter técnico, com vistas a prepa- Estado do bem-estar social e do au-
rar para o trabalho. A partir de 1930, mento das privatizações, dados pela
com o início do processo de indus- crise fiscal do Estado capitalista (AN-
trialização brasileiro passou a haver TUNES, 2002).
a necessidade de se atrelar o ensi- As bases de um novo modelo de
no propedêutico à educação básica, produção, o toyotismo, estavam em
científico-tecnológica e sócio-histó- ter o operário como um ser pensante,
rica. O ensino médio passa a ser con- consciente e integrado ao processo
siderado formação inicial para o tra- produtivo. Há no toyotismo uma in-
balho contemporâneo, tanto como versão de valores, com a valorização
demanda da acumulação flexível, do operário participativo, integrado
quanto dos projetos políticos que ao processo produtivo. Esse novo
pretendem a sua superação (KUEN- modelo econômico e produtivo pas-
ZER, 2007). sa a exigir um operário polivalente
e multifuncional, capaz de trabalhar
2.2. A acumulação flexível e neces- com diversas máquinas simultane-
sidade de uma nova formação amente. Surge o que se chama de
flexibilidade profissional, na qual se
O período em que o fordismo/ verifica a mescla entre elaboração e
taylorismo vigorou como modelo execução de tarefas e estratégias or-
econômico e também modelo de ganizacionais. O trabalhador torna-
produção dominante possibilitou do polivalente é aquele que conhece
um grande acúmulo de capitais pelas para além das suas atribuições pecu-
empresas. No entanto, os anos 1970 liares, sendo capaz de compreender
do século XX marcaram o início de a essência do processo produtivo.
uma crise estrutural que se caracte- Com a possibilidade de conhecer
rizou, principalmente, pela queda na outras operações, pode-se reforçar a
taxa de lucro causada pelo aumento cooperação entre os funcionários de
do preço da força de trabalho, resul- uma organização, aumentando a efi-
tante das lutas entre capital e traba- ciência e a produtividade em prol do
lho dos anos 60, pelo desemprego capitalismo (ANTUNES, 2002).
estrutural que se iniciava, causando

264
Com o toyotismo uma nova for- bilidades, que foram exportados do
ma de organização industrial e de re- mercado de trabalho também para
lação entre capital e trabalho emerge o ambiente escolar. Para Grabowski
das cinzas do taylorismo/fordismo: o (2007), no modelo toyotista, a linha
processo de acumulação flexível, no de montagem foi substituída pelas
qual se elimina a tradicional hierar- células de produção que contavam
quia gerencial, substituindo-a por com equipes de trabalho, onde a
equipes multiqualificadas que ope- qualidade e o trabalho são contro-
ram em conjunto, diretamente no lados pelo próprio grupo que realiza
ponto de produção. O modelo fle- um autocontrole e um autogerencia-
xível aborda a importância de uma mento da produção. Nesse novo mo-
equipe cooperativa, projetada para delo, as palavras de ordem passam
aproveitar a capacidade mental total a ser qualidade e competitividade e
e a experiência prática dos envolvi- assim um novo modelo de trabalha-
dos no processo de fabricação. dor passa a ser exigido.
Garcia (2009,) alega que o discur- De acordo com o autor supra-
so da acumulação flexível em relação citado esse profissional deveria ter
à educação se baseia no argumento algumas caracte-rísticas e capacida-
de que é preciso uma formação fle- des, tais como: comunicar-se corre-
xível, no sentido de acompanhar as tamente, com domínio dos códigos
mudanças tecnológicas, o avanço e e linguagens, incorporando, além do
a dinamicidade da produção científi- domínio da língua nacional, também
ca, substituindo, portanto, o modelo de uma língua estrangeira; autono-
de formação rígida, com formação mia intelectual, ser capaz de resolver
especializada, focada em ocupações problemas práticos gerados pelas
parciais e de curta duração para uma novas tecnologias e ciências; auto-
educação geral, ampliada, que acon- nomia moral, dentre tantas outras.
teça junto à Educação Básica. Este profissional deveria ainda ter a
Segundo Kuenzer (2007), o novo capacidade de enfrentar novas situ-
modelo de trabalhador exigido de- ações eticamente e, principalmen-te,
veria assegurar o domínio dos co- capacidade de comprometer-se com
nhecimentos que fundamentam as o trabalho, entendido em sua forma
práticas sociais e a capacidade de mais com-plexa e honrosa de cons-
trabalhar com eles, através do desen- trução do próprio trabalhador, do
volvimento de competências e ha- homem e da sociedade.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 265


Assim, para se formar esse novo da ao aprimoramento profissional
modelo de trabalhador exigido pelo e também à articulação de vários
mercado de trabalho desencadeou- elementos da sua vida profissional,
se uma reforma da educação básica e escolar, social e pessoal, com vistas
profissional. Atendendo a essa nova a preparar o trabalhador para saber
demanda do mercado de trabalho, a lidar com as incertezas, com flexibili-
organização curricular da educação dade e também rapidez na resolução
pro-fissional passa a amparar-se na de problemas.
premissa da competência, abordada A relação de a prática ser me-
pelas Diretrizes Cur-riculares Nacio-diada pela teoria recupera então a
nais da Educação Profissional, sem- possibilidade da formação integral,
pre de forma relacionada à autono- em que o ensino propedêutico e o
mia do trabalhador contemporâneo profissionalizante seriam ofertados
diante da instabilidade do mundo de maneira articulada. Entretanto,
do trabalho e das mu-danças nas re- autores como Frigotto, Ciavatta e Ra-
lações de produção. mos (2005), Garcia (2009) e Kuenzer
As instituições educacionais que (2007), dentre outros, nos alertam
ofereciam Educação Profissional e para o perigo de se “romantizar os in-
Tecnológica deveriam, então, aten- teresses deste novo modelo da acu-
dendo aos novos anseios da socie- mulação flexível como uma forma
dade, preparar profissionais que universal de emancipação, através
tenham aprendido a aprender e a do conhecimento” (GARCIA, 2009, p.
gerar autonomamente um conheci- 41).
mento atualizado, inovador, criativo Kuenzer (2007) argumenta sobre
e operativo, entendendo que a esses os reais interesses do capital frente à
saberes se incorpore o que houver formação integral dos trabalhadores,
de mais recente em contribuições já que o “estatuto da escola burguesa
científicas e tecnológicas das dife- se constrói, historicamente, à luz das
rentes áreas do saber. demandas de valorização do capital,
Nessa nova fase da Educação Pro- para o que os processos de capacita-
fissional, a qualificação do trabalha- ção ou disciplinamento da força de
dor não deve ser associada apenas à trabalho sejam vitais”. A autora ainda
determinado posto de trabalho ou acrescenta que a dicotomia entre o
função específica, e sim estar liga- trabalho intelectual e o trabalho ma-

266
nual/industrial se deve à concepção cidadã de uma carreira, para o exer-
dada ao trabalho e, assim sendo, a cício de profissões e ofícios que te-
separação entre teoria e prática não nham nas mudanças operacionais e
é o resultado das formas de organi- no dinamismo a única constante.
zação e gestão do trabalho, mas tem Segundo Carvalho (2003) e Pa-
a origem na separação entre a pro- checo (2012), a educação profissio-
priedade dos meios de produção e nal deve ter o propósito de fomentar
a força de trabalho, isto é, na própria
a transformação do conhecimento
natureza do capitalismo. Dessa for- em atividades geradoras de bens
ma, não é o taylorismo ou fordismo e de serviços, considerando como
os que criaram a divisão técnica do pressuposto os avanços científicos
trabalho e não será o toyotismo que e tecnológicos, que são o que mo-
irá superá-la. vimentam todo o desenvolvimento
A educação é colocada então socioeconômico. Ao mesmo tempo,
como um espaço possível para supe- deve-se proporcionar um ensino que
rar a dualidade entre teoria e práti- permita continuidade, atualização e
ca, articulando ambas e fazendo do capacidade de aprender a aprender.
conhecimento e das competências
aliados para a solução de problemas. 2.3. Do Decreto Nº 2.208/97 ao
De acordo com Kuenzer (2007, p.
Decreto Nº 5.154/04
13), o trabalho passa a ser entendido
como “enfrentamento de eventos” e, O ensino médio brasileiro, ao lon-
exigem-se mais conhecimentos te- go de sua história, oscilou entre uma
óricos e mais habilidades cognitivas finalidade voltada ora para a forma-
complexas, portanto, capacidade de ção acadêmica, destinada a preparar
trabalhar intelectualmente, em opo- para o ingresso no ensino superior e,
sição à competência compreendida por outras vezes, voltada para uma
como conhecimento tácito. formação de caráter técnico, com vis-
Consideramos que mais que for- tas a preparar para o trabalho. A par-
mar para o emprego e mercado de tir da vigência da Lei 9.394/96, o en-
trabalho, a educação, seguindo os sino médio passa a ser a etapa final
passos do desenvolvimento de toda da educação básica e, dessa forma,
a sociedade, deve preparar o indiví- sua oferta se torna obrigatoriedade
duo para a construção autônoma e do estado brasileiro. Essa alteração
foi positiva, visto que possibilitou o

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 267


ingresso de milhares de adolescen- Em 1997 houve a promulgação
tes de classes populares, colaboran- do decreto n° 2.208/97, que junta-
do para o início de uma caminhada mente com o Programa de Expansão
rumo a sua universalização. Entre- da Educação Profissional (PROEP) e
tanto, a criação de um ensino médio as ações decorridas deste, ficaram
de formação geral, que contemple o conhecidos como a Reforma da Edu-
ensino de competências para o mun- cação Profissional. Este decreto im-
do do trabalho, acabou transforman- pôs delimitações para a educação
do-se em um modelo excludente. básica e para a educação profissio-
O Decreto n° 2.208/97 veio con- nal. No âmbito da educação básica,
solidar de vez esse modelo exclu- o referido decreto tornou o ensino
dente, ao proibir que o ensino médio médio puramente propedêutico; já
pudesse ser oferecido de forma in- a educação profissional teria uma
tegrada ao ensino técnico profissio- organização curricular de formação
nalizante. O ensino médio ofertado específica, totalmente independen-
não possibilitava ao jovem de classe te do Ensino Médio, podendo ser
popular a oportunidade de se inse- oferecida de forma concomitante ou
rir profissionalmente na sociedade subsequente ao mesmo. Entretanto,
e, muito comumente, dadas as defi- a separação do currículo deste do
ciências das escolas públicas nacio- currículo do ensino técnico, que é o
nais, não possibilita a esse público a princípio deste decreto, empobrece
escolha de percursos formativos de a construção global cidadã, inibindo
nível superior que estejam em con- uma maior oferta de modalidades
sonância com os anseios pessoais do para o ensino profissionalizante.
mesmo. À classe trabalhadora, como Em 2003, logo nos primeiros me-
atualmente temos presenciado após ses do mandado do presidente Luiz
a efetivação das políticas federais do Inácio Lula da Silva, o MEC promoveu
Programa de Reestruturação e Ex- dois eventos fundamentais para o
pansão das Universidades Federais processo de discussão do ensino mé-
(REUNI) e Programa Universidade dio. O primeiro foi o Seminário Na-
para Todos (PROUNI), restam às car- cional do Ensino Médio, que ocorreu
reiras menos prestigiadas socialmen- em maio, e o segundo, o Seminário
te e, em consequência, aquelas a re- Nacional da Educação Profissional,
ceber as remunerações mais baixas. realizado no mês subsequente, am-
bos em Brasília. A proposta do Semi-

268
nário do Ensino Médio foi realizar um que apontavam as contradições em
diagnóstico da real situação e da ne- relação ao projeto de sociedade que
cessidade de ampliação do acesso ao começava a se delinear.
ensino médio. Esses foram os primei- O resultado foi a revogação do
ros passos na discussão da necessi- decreto nº 2208/97 e a aprovação do
dade de se criarem novas diretrizes decreto nº 5154/2004, com o resgate
curriculares e também da decisão do da possibilidade de indissociabilida-
governo brasileiro de universalizar a de do ensino médio e da educação
educação básica. Essas metas eram profissional, na forma do ensino mé-
consensuais entre os participantes. dio integrado. O novo decreto man-
Já o Seminário da Educação Profis- teve ainda as possibilidades de ofer-
sional contou com disputas por pro- ta de cursos técnicos subsequentes
jetos diferentes de sociedade e, con- e concomitantes ao ensino médio.
sequentemente, de educação. Uma Assim o decreto nº 5154/2004 foi
parte dos participantes defendia a incorporado à LDB através da Lei nº
permanência do decreto nº 2208/97, 11.741/2008. Esta lei pretendeu ain-
compunham esse grupo o Sistema S, da reintroduzir a articulação entre
assim como as instituições privadas e conhecimento, cultura e trabalho
também uma parte significativa dos e tecnologia, com o propósito de
Centros Federais de Educação Tecno- formação do ser humano na sua in-
lógica (Cefet). Garcia (2013) ressalta tegralidade física, cultural, política
que a rede federal foi, inicialmente, e científico-tecnológica. Buscou-se
o principal lócus de resistência da com isso a superação da dualidade
“reforma do Ensino Médio”, realiza- entre cultura geral e cultura técnica.
da pelo governo de Fernando Hen- Assim, foi resgatada a perspectiva da
rique Cardoso (1994-2002), mas que politecnia debatida nos anos 1980,
acabou por mudar parcialmente sua no processo de discussão da consti-
posição pelos benefícios conquista- tuinte e da atual LDB.
dos no mesmo período. Na parcela Chegou-se ao entendimento de
dos que apoiavam a revogação do que um tipo de ensino médio que
decreto nº 2208/97 estavam parte da garantisse a integralidade da edu-
rede federal e uma parcela das redes cação básica e também objetivos
estaduais que enfrentavam um gran- adicionais de formação profissional
de refluxo de oferta desta modalida- seria uma solução viável, mesmo que
de, e professores das universidades

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 269


transitória. O ensino médio integra- ranta o direito à educação bási-ca,
do ao ensino profissionalizante, em também possibilite a formação para
que a ciência, a tecnologia, a cultura o exercício profissional.
e o trabalho são eixos estruturantes, Kuenzer (2000) reforça que a pro-
surge como uma opção para a socie- mulgação do Decreto nº 5.154/2004
dade brasileira, onde muitos jovens foi um grande avanço, ao possibilitar
não podem esperar até os 20 anos novamente a articulação integrada
ou mais para ingressarem no merca- do ensino médio e profissionalizan-
do de trabalho. te; entretanto, passamos a vivenciar
Nesse cenário ocorreu a promul- uma inversão da antiga dualidade,
gação do Decreto nº 5154/2004 e, visto que no lugar do ensino médio
posteriormente, através da Lei nº profissionalizante, anteriormente
11.741/2008, a incorporação deste ofertado como política pública, hoje
à LDB. O referido decreto, além de compreende um ensino de formação
manter as ofertas dos cursos con- geral para os filhos das classes baixas
comitantes e subsequentes ao en- e pobres. Contudo, conforme a auto-
sino médio, trazidas pelo Decreto ra, trata-se de uma formação geral,
nº 2208/97, também o revogou, tra- muitas vezes de péssima qualidade
zendo novamente a possibilidade de e que, desse modo, não consegue
integração entre ensino médio e en- oportunizar a seus egressos uma in-
sino técnico, numa perspectiva que serção profissional no mercado de
não mais se confunde totalmente trabalho e, ainda, não possibilita aos
com a educação politécnica e tecno- mesmos a oportunidade de escolher
lógica, mas que aponta em sua dire- carreiras no ensino superior que es-
ção porque contém os princípios de tejam em consonância com seus an-
sua construção. seios pessoais e suas expectativas de
O Decreto nº 5.154/2004 é então remuneração.
um dispositivo legal cuja formula- Por outro lado, e de forma com-
ção se baseou no reconhecimento pletamente inversa, apresenta-se a
das necessidades dos trabalhadores. situação das turmas de ensino médio
Através dele tivemos formas possí- integrado (EMI) ofertadas pelos Insti-
veis de se tentar desenvolver a edu- tutos Federais de Educação, Ciências
cação integrada, com o objetivo de e Tecnologia (IF's), que mesmo ainda
possibilitar que os sujeitos tenham estando em processo de expansão,
uma formação que, conquanto ga- se faz insignificante se comparada ao

270
montante de jovens em idade esco- formou ao final do ano de 2013. Do
lar para esta etapa de ensino no país. total de 20 alunos, 12 aceitaram par-
Essas turmas de EMI têm tido suas ticipar da pesquisa. Os entrevistados
vagas ocupadas pelos filhos das clas- tinham faixa etária variando entre 17
ses média e alta, os quais, identifican- e 18 anos. Dos 12, 11 estão cursando
do a qualidade da estrutura física e o ensino superior, sendo 9 em univer-
do corpo docente (muitos possuem sidades federais e 2 em faculdades
mestrado e doutorado), bem me- particulares. Os cursos escolhidos
lhor remunerado que os professores são os mais diversos, variando entre
da rede municipal e estadual, op- Agronomia, Arquitetura, Bioquímica,
tam por essa modalidade de ensino Direito, Economia, Engenharia Civil,
como uma etapa preparatória para o Engenharia Florestal, Engenharia
ingresso nas concorridas vagas ofe- Mecânica, Engenharia Química e Me-
recidas das universidades federais. dicina Veterinária.
Às classes baixas e mais pobres Dos 12 egressos que participaram
restou uma escola pública estrutu- da pesquisa, apenas um está atuan-
ralmente precária e sem qualidade do como Técnico em Agroecologia e
para fomentar projetos de vida indi-não está cursando o ensino superior.
viduais; enquanto que as classes mé-Esse estudante, aqui denominado de
“Egresso M”, ingressou no CTIA já vi-
dias e altas da sociedade pleiteiam as
poucas vagas ofertadas nas institui-sando a atuação técnica profissional
ções de ensino médio integrado fe- oferecida pelo curso, diferentemente
deral, teoricamente planejadas para dos demais egressos entrevistados.
Relatou ainda que se interessou pelo
atenderem aos filhos da classe traba-
lhadora. curso durante a divulgação feita por
servidores do campus Muriaé na es-
3. AS PERCEPÇÕES DOS EGRESSOS cola em que estudava, pois sempre
SOBRE O ENSINO MÉDIO INTEGRA- gostou dessa área e seus pais tinham
um sítio onde cultivavam hortaliças e
DO outras coisas. Então achou que fosse
Foram entrevistados os alunos uma boa oportunidade, uma vez que
egressos do Curso Técnico Integra- queria trabalhar no sítio com eles.
do em Agroecologia (CTIA) do IF SU- Esses relatos mostram que o objeti-
DESTE MG – Campus Muriaé, que se vo do egresso M sempre foi exercer a
profissão técnica.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 271


Na época não pensava em fazer se tratava um curso técnico integra-
um curso superior. Queria o técnico
do ao ensino médio. Alegam que sa-
mesmo. Minha expectativa era me
formar e poder atuar na proprieda- biam apenas que se estudava o dia
de dos meus pais como técnico em inteiro neste curso.
Agroecologia. Era poder aplicar os
conhecimentos do curso pra ajudar Questionados sobre a expectati-
meus pais no empreendedorismo va com a conclusão do CTIA, apenas
rural. E foi o que consegui! (Egresso
um egresso mencionou que seu inte-
M)
resse era o curso técnico em si.
Minha expectativa era me formar
e poder atuar na propriedade dos
Percebe-se com esta pesquisa meus pais como técnico em Agro-
que, na maioria das vezes, a decisão ecologia. Eu queria aprender para
de matricular os filhos no CTIA par- poder aplicar os conhecimentos
do curso e assim ajudar meus pais
te dos pais e/ou familiares. Dos doze no empreendedorismo rural. E foi o
egressos entrevistados, apenas qua- que consegui! (Egresso M).
tro declararam que a iniciativa de fa-
zer a prova do processo seletivo para
o curso, assim como a decisão de se Os demais egressos entrevista-
matricular na instituição partiu deles dos deixaram claro que almejavam
próprios. Os demais alegaram que um ensino médio de qualidade, em
fizeram a prova do processo seletivo uma instituição pública de ensino
e se matricularam por influência dos com pretensões de adquirirem uma
pais, irmãos, amigos ou ainda por in- boa base para poderem ingressar no
centivo de amigos da família. ensino euperior. Ao longo do cur-
so, alguns alunos passaram até a se
Dos egressos entrevistados, ape-
identificarem com curso e termina-
nas uma relatou ter tido conheci-
ram por escolher áreas afins à Agro-
mento sobre o que era um curso téc-
ecologia.
nico integrado antes de se inscrever
Pra falar a verdade, eu nunca tive so-
para o processo seletivo e se matricu- nho de seguir os estudos dentro da
lar na instituição. Essa egressa alega área de agroecologia não. Eu entrei
que possuía esse conhecimento pré- pensando que talvez, ao longo do
curso eu pudesse começar a gostar
vio por já ter um irmão fazendo esse da área ou tentar alguma área afim,
mesmo curso no campus Muriaé. Os mas nunca pensei em atuar como
demais egressos fizeram tanto a pro- técnica em agroecologia. Sempre
quis fazer um curso superior (Egres-
va do processo seletivo quanto a sua sa C).
matrícula sem saber ao certo do que

272
Na verdade eu nunca cursei o téc- Eu acredito que as condições não
nico com a esperança de seguir car- foram as ideais, mas os professores
reira, eu entre no IF mais pela base sempre tentaram superar as barrei-
excelente de ensino médio (Egressa ras da falta de infraestrutura (Egres-
D). sa L).

Minha expectativa quando iniciei o Os laboratórios foram a parte mais


curso era de melhorar meu currícu- difícil. A estrutura física existe, mas
lo, adquirir novos conhecimentos e quase não existem materiais. Não
experiências e seguir para a gradua- foi possível ter, por exemplo, aulas
ção. Nunca tive a intenção de atuar práticas de química. Acredito que
na área, mas a formação que tenho grande parte disso seja por burocra-
hoje me deu boas bases para esco- cia do processo, pois acompanhei
lher o curso de graduação em Enge- a boa vontade dos professores de
nharia Florestal (Egressa L). tentar comprar o que era necessá-
rio. Hoje, em uma universidade fe-
deral com estrutura vejo a diferença
que isso poderia fazer na minha for-
Todos os egressos que participa- mação (Egresso G).
ram da pesquisa relataram a preca-
riedade encontrada na Unidade Ru-
Bem, as condições não foram as
ral no que tange à infraestrutura de ideais. Se a gente quisesse mesmo
laboratórios, salas de aula, ambien- aprofundar em algo da área técni-
tes de vivência e biblioteca. Segundo ca tinha que “correr atrás” dos pro-
fessores, perguntar mais, procurar
os mesmos, a ausência de recursos coisas na internet. Não tínhamos
adequados para estas instalações um material teórico para seguir e
comprometeu não somente a inte- havia pouca orientação na prática.
Formei sem ter nenhum laboratório
gração do curso como a própria área pronto no IF. A biblioteca deixava
técnica em si. As aulas práticas foram muito a desejar na parte dos livros
muito prejudicadas nesse sentido, da área técnica. Tinham alguns pou-
cos livros que davam para entender,
sendo salva pelas viagens técnicas o restante já era para pessoas for-
realizadas para aperfeiçoamento da madas em agronomia, engenharia
prática e também pelos estágios. florestal e outros cursos superiores.
Mas nos estágios a gente aprendia
Os professores que compõem o muito. Era lá que eu aprendia como
devia fazer alguma coisa ligada à
quadro de servidores do curso são
Agroecologia. Mas isso também de-
quase sempre enaltecidos pelos pendia muito de onde você fazia os
egressos, que os consideram como o estágios... (Egresso M).
diferencial e a razão pela qualidade
do ensino ofertado nesse curso.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 273


Como o IF é bem novo, a estrutura meus pais. Aos poucos já vou aju-
não é completa, o que acaba dificul- dando outros proprietários vizinhos
tando as aulas práticas, e isso não é também. Era o que queria quando
bom para a formação dos técnicos eu comecei o curso (Egresso M).
(Egressa B).

Os egressos entrevistados foram


Tratando-se das expectativas que
unânimes em responderem que fa-
os egressos tinham com a conclusão
riam o curso novamente se estives-
do curso e os resultados alcançados
sem ingressando no ensino médio.
ao seu término, podemos notar que
Dentre os motivos para esta escolha,
os alunos estão satisfeitos e tiveram
prevaleceu a qualidade do ensino
suas expectativas alcançadas. Alguns
oferecido, a gratuidade e também a
egressos relatam ainda que suas ex-
oportunidade de convivência com
pectativas se modificaram no decor-
colegas, professores e demais servi-
rer dos três anos do Ensino Médio
dores que o curso proporcionou. Esse
em relação ao curso que se preten-
convívio intenso, de cerca de oito a
dia fazer no Ensino Superior, mas não
nove horas diárias acaba demandan-
houve variações além desta.
do da instituição mais abordagens
Agora, eu estou estudando Agrono-
mia, na Universidade Federal de Vi-
do campo pedagógico, psicológico,
çosa. Não é o que eu esperava fazer assistencial e do próprio ensino.
antes de iniciar o curso técnico, mas
é o que eu queria fazer quando che- Ao solicitarmos aos egressos en-
guei à reta final do curso e percebi trevistados que nos elencassem as
que gostava da área agrária (Egres- vantagens do curso, temos respos-
sa B).
tas bem variadas, passando desde
o aprofundamento dos estudos na
Sempre quis fazer um curso supe- área da ecologia e da sustentabilida-
rior, mas não sabia qual. Quando es-
távamos no 3o ano, fizemos uma vi- de, o contato com o campo e com o
sita à UFV na 'Mostra de Profissões', agricultor, a formação social, os bons
lá eu decidi que curso queria fazer professores, as viagens técnicas e os
e hoje estou cursando-o (Egressa E).
estágios.
O curso não só faz de você um pro-
Estou fazendo exatamente o que es- fissional, mas ele te prepara para a
perava […] (Egressa L). vida, como cidadão, como estudan-
te, como pessoa. Faz olhar o mundo
de outra forma. A vivência com o
Sim, trabalho como técnico em meio academio é algo a se destacar,
agroecologia na propriedade dos a oportunidade de conhecer outros

274
lugares e trocar conhecimentos so M, que está atuando como técnico
foi muito proveitosa entre outros
em agroecologia, pretende continu-
(Egresso F).
ar trabalhando com seu pai, prestar
assessoria a outros produtores rurais
As vantagens são a formação dife- e almeja ainda, daqui um tempo, fa-
renciada em relação às pessoas que
se formam apenas no ensino médio,
zer o curso superior em Agroecolo-
assim como a experiência adquirida gia ou Agronomia.
em diversas áreas, a oportunidade
de fazer estágios em outros Insti- Quando questionamos aos
tutos Federais, órgãos públicos ou egressos se o CTIA lhes oportunizou
ONGs (Egressa L). crescimento intelectual, eles foram
unânimes em responder que sim.
Percebe-se que as vantagens Todos os que estão cursando o en-
elencadas dizem respeito especifi- sino superior atrelam essa realidade
camente ao curso técnico, visto que ao fato de terem feito o CTIA. Em re-
não seriam possíveis em um Ensino lação ao aumento de renda após o
Médio puramente propedêutico. Já término do curso, apenas o Egresso
em relação às desvantagens do cur- M respondeu positivamente a essa
so, os egressos enfatizam três pon- questão, uma vez que é o único que
tos: excesso de aulas teóricas e pou- está inserido no mercado de traba-
cas práticas, a falta de laboratórios lho. Todos egressos se mostraram sa-
equipados e também a escassez de tisfeitos com a conclusão do CTIA e
oportunidades de trabalho para os atribuem à escolha por este curso os
formados como técnicos em agroe- caminhos que estão trilhando agora,
cologia. Percebemos aqui que tam- seja na atuação profissional ou na se-
bém as desvantagens do CTIA estão quência de cursos superiores.
relacionadas à parte técnica do cur-
so. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação aos anseios dos egres- Pelo exposto, podemos dizer que,
sos para os próximos dez anos, os o ensino profissionalizante tem as-
que estão cursando o ensino supe- sumido um papel instrumental tec-
rior pretendem se formar, muitos nicista ao longo da história da edu-
pretendem continuar se especiali- cação básica brasileira, aspecto que
zando e, após isso, atuarem na área o decreto de 2004 busca superar na
de formação da graduação. O egres- busca de uma formação ampla dos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 275


jovens. A ampliação do leque de es- Discordamos de Pacheco (2011,
colha dos jovens redundou entre os p. 11-12) que enfatiza que nos IFs
egressos do CTIA do ano de 2013 são adotadas “medidas consistentes
em uma entrada maciça em cursos para democratizar o acesso aos cur-
superiores na maioria dos casos em sos oferecidos pela Rede Federal de
áreas não afins à agroecologia. Este Educação Profissional e Tecnológica,
fato aquece o debate sobre os obje- sob pena de a expansão e a qualifica-
tivos e finalidades do EMI como po- ção desse sistema serem apropriadas
lítica de estado, para os professores, pelas minorias já tão privilegiadas”.
coordenadores e diretores e para os Embora o sistema de seleção não
próprios estudantes do curso. tenha ponto de corte, a entrada no
Defendemos ainda que a dimen- curso não beneficia o público-alvo
são técnica desse curso seria pouco desta política pública. Apresenta-
aproveitada pelos seus egressos, se aí um paradoxo, pois o público a
visto que a grande maioria dos alu- que se destina este curso, que seria
nos sequer ingressa em um curso voltado para a formação técnica para
superior que tenha correlação com o uma área específica do mercado de
curso técnico finalizado. Além disso, trabalho, não consegue ocupar as
a tal dimensão técnica é bem defa- vagas. Ingressam predominante-
sada, visto que os egressos relatam mente aqueles estudantes que serão
que se formaram sem ter sequer um encaminhados para o curso superior,
laboratório da área técnica monta- como vimos nos dados da pesquisa.
do na instituição. Se por um lado O processo classificatório poderia
no CTIA de Muriaé não se construiu ser considerado democrático se não
um curso mecânico e tecnicista, isso houvesse vagas tão restritas sendo
não se deve a uma concepção polí- ofertadas, visto que para o CTIA no
tico pedagógica clara e intencionada ano de 2015 foram ofertadas ape-
pelos seus gestores; por outro lado, nas 30 vagas. Assim, ingressam os 30
a formação propedêutica tem obtido candidatos com as melhores notas
sucesso em direcionar os estudantes e, na maioria das vezes, como ocor-
para o ensino superior. Identificamos reu com a turma formada em 2013,
uma falta de clareza sobre os objeti- estes alunos ingressantes têm outros
vos do curso por parte dos profissio- objetivos que não são o de seguirem
nais e estudantes envolvidos. carreira como técnicos em agroeco-
logia.

276
Nesse sentido, o EMI em IFs tem Técnico Integrado do Ensino Médio
se tornado muito atraente para os regular é formar mão de obra em
alunos que almejam o ingresso no atividades específicas, este não está
ensino superior, pois estes visam sendo cumprido. No entanto, o EMI
além de um ensino médio de quali- também objetiva a possibilidade da
dade ofertado por estas instituições, continuidade dos estudos. Alguns
o benefício de poderem concorrer a autores enfatizam que o estudante
50% das vagas que são destinadas em sua atividade profissional de ní-
aos concluintes do ensino médio em vel superior, mesmo que não sendo
instituições públicas, como prevê o a mesma do EMI, pode beneficiar-se
Artigo 2o do Decreto nº 7.824, de 11 dos conhecimentos tecnológicos ob-
de outubro de 2012, que prevê que tidos ao longo de sua formação bási-
as instituições federais de ensino ca.
superior reservarão no mínimo cin- Podemos concluir que o CTIA
quenta por cento de suas vagas em oferece um ensino médio excelente,
cada processo de seleção, por curso, uma vez que proporciona aos alunos
para estudantes que tenham cursa- o ingresso aos mais diversos cursos
do integralmente o ensino médio em superiores. Por outro lado, a parte
escolas públicas, inclusive em cursos técnica/profissionalizante do curso
de educação profissional técnica. está sendo pouco atraente e assim
Outro fator que contribui com a não motiva os alunos a seguirem
não opção dos concluintes do CTIA essa profissão, assim como a falta de
pela profissão técnica é a pouca ofer- ofertas de trabalho na área naquela
ta de empregos na área na região região.
de Muriaé, visto que a agroecologia
é desenvolvida em sua maior parte Referências
pela agriculta familiar na região, si-
tuação agravada pelo fato de que o ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do
CTIA do campus Muriaé ainda não é trabalho – Ensaio sobre a afirmação
reconhecido pelo Conselho Regional e a negação do trabalho. São Paulo:
de Engenharia e Agronomia de Mi- Ed. Boitempo, 2002.
nas Gerais (CREA-MG).
BRASIL. Decreto n. 2.208/1997,
Se o sentido de diferenciar estas de 17 abr. 1997. Regulamenta o §
instituições que oferecem o Ensino 2º do Art. 36 e os Arts. 39 a 42 da

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 277


lei n. 9.394/1996. 1997. Disponível CARVALHO, Olgamir Francisco. Edu-
em: <http://legis.senado.leg.br/le- cação e formação profissional: Tra-
gislacao/ListaPublicacoes.action?i- balho e tempo livre. Brasília: Plano
d=146021&tipoDocumento=DE- Editora, 2003. 176 p.
C&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 07
janeiro de 2013. DE MASI, Domenico. A sociedade
pós-industrial. São Paulo: Senac,
_________. Decreto nº 5.154, de 23 2000.
de dezembro de 2004. Presidência
da República, 2004. Regulamenta o FRIGOTTO, Gaudêncio. Modelos ou
§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da modos de produção e educação: dos
Lei nº 9.394, de 20 de dezem-bro de conflitos às soluções. Tecnologia
1996, que estabelece as diretrizes e educacional. Rio de Janeiro, v. 27, n.
bases da educação nacional, e dá ou- 147, p. 7-14, out./dez. 1999.
tras pro-vidências. Brasília, 2004. Dis-
GARCIA, Sandra Regina de Oliveira.
ponível em: <http://portal.mec.gov.
A política de integração da Educa-
br/setec/arquivos/pdf1/proejadecre-
ção Profissional ao Ensino Médio. In:
to5154.pdf>. Acesso em: 07 janeiro
O ensino médio integrado à edu-
de 2013.
cação profissional: concepções e
_________. Lei n° 9.394/96 de 20 de construções a partir da implantação
dezembro de 1996. Estabelece as di- na Rede Pública Estadual do Paraná.
retrizes e ba-ses da educação nacio- Curitiba, SEED/PR, 2009.
nal. Legislação Básica. Educação Pro-
_________. Ensino Médio e Edu-
fissional e Tecnológica. Mi-nistério da
cação Profissional: breve histórico
Educação. SETEC. Brasília, 2005.
a partir da LDBEN no 9394/96. In:
_________. Lei nº 11.741/08 de 16 Reestruturação do ensino médio:
de julho de 2008: Altera dispositivos pressupostos teóricos e de-safios
da lei nº 9.394, Ministério da Educa- da prática / organização José Clóvis
ção. Setec. Brasília, 2008. de Azevedo, Jonas Tarcísio Reis. 1ª
ed. São Paulo: Fundação Santillana,
CANEDO, Letícia Bicalho. A revolução 2013.
industrial. 23. ed. Campinas, SP: Atu-
al, 2012. (Coleção Discutindo a Histó- GRABOWSKI, Gabriel. Ensino Mé-
ria) dio integrado à educação profissio-
nal. In: Ensino Médio integrado à

278
educação profissional. Salto para MARX, Karl. Manuscritos econômi-
o Futuro. Boletim 07. Maio/Junho co-filosóficos. Tradução de Alex Ma-
2007. Disponível em: http://portal. rins. São Paulo: Martin Claret, 2004.
mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/
boletim_salto07.pdf Acesso em: _________. Contribuição à crítica
02/12/2013. da economia política. Tradução de
Maria Helena Barreiro Alves. 3.ed.
KUENZER, Acácia, Z. Ensino Médio: São Paulo: Martim Fontes. 2003.
construindo uma proposta para os
que vivem do trabalho. São Paulo: MÉSZÁROS, István. A educação para
Cortez, 2000. além do capital. Tradução de Isa Ta-
vares. São Paulo: Boitempo, 2005.
_________. Exclusão Excludente e
Inclusão Excludente: a nova forma PACHECO, Eliezer. (Org.) Institutos
de dualidade estrutural que objetiva Federais: Uma revolução na educa-
as novas relações entre Educação e ção profissional e tecnológica. Brasí-
Trabalho. In: LOMBARDI, José C. et ali. lia: Editora Moderna. 2011.
Capitalismo, Trabalho e Educação.
_________. (Org.) Perspectivas da
Campinas: Autores Associados, HIS-
Educação Profissional Técnica de
TEDBR. 2004.
Nível Médio – Proposta de Diretrizes
_________. As relações entre traba- Curriculares Nacionais. São Paulo:
lho e educação no regime de acu- Editora Moderna, 2012.
mulação flexível: apontamentos
SAVIANI, Demerval. Pedagogia his-
para discutir categorias e políticas.
tórico-crítica: primeiras aproxima-
Curitiba: Editora Moderna, 2007.
ções. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1991.
MANACORDA, Mario Alighiero. His-
SILVEIRA, Zuleide Simas. Contradi-
tória da educação: da antiguidade
ções entre capital e trabalho: Con-
aos nossos dias. Tradução de Gaeta-
cepções de educação tecnológica na
no Lo Manaco. 9.ed. São Paulo: Cor-
reforma do ensino médio e técnico.
tez. 2001.
Jundiaí: Paco editorial, 2010.
MANFREDI, Sílvia Maria. Educação
profissional no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2002.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 279


INTEGRANDO DISCIPLINAS ENTRE OS NÚCLEOS DEFINIDOS
NA RESOLUÇÃO CNE/CEB N006/2012: UMA EXPERIÊNCIA DE
PRÁTICAS INTEGRADORAS NO IFAM/CAMPUS MANACAPURU
Danniel Rocha Bevilaqua 1, Rosângela Santos da Silva 2
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas,
Campus Manacapuru
2
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas,
Reitoria/Pró-Reitoria de Ensino
E-mail: danniel.bevilaqua@ifam.edu.br

1. INTRODUÇÃO segunda guerra mundial (MORAN,


2010).
Realizar um trabalho sobre inter-
Diversos estudos têm mostra-
disciplinaridade no ensino tornou-se
do a importância da integração de
particularmente necessário, na medi-
conteúdos no ambiente escolar. Um
da em que é um tema bastante atu-
exemplo bem estudado é o caso da
al e controvertido na Europa e nos
biologia e matemática, quando a
Estados Unidos, enquanto no Brasil
unificação dos conteúdos promove
é admitido como possibilidade para
o aumento de interesse dos alunos
uma sistematização da educação.
além de levar a uma melhor inter-
Tal situação suscita a necessidade de
pretação do assunto estudado, me-
uma investigação mais acurada e de
lhorando a aprendizagem (BIALEK et
uma análise mais atenta do significa-
al, 2004; MADLUNG et al, 2011; ROBE-
do dessa interdisciplinaridade.
VA et al, 2009).
O termo interdisciplinaridade
Para interpretarmos fatos ou to-
surgiu em um contexto de ansieda-
marmos decisões, utilizamos uma
des acerca do declínio das diferentes
integração de informações prove-
formas de educação, sendo primeira-
nientes de nossa educação ou de
mente utilizado nas ciências sociais
experiências vividas. Este processo
em meados de 1920 e tornando-se
informal representa uma espécie de
comum através das ciências sociais
análise interdisciplinar. A análise in-
e humanas imediatamente após a
terdisciplinar em um ambiente for-

280
mal envolve a utilização de conhe- neidade intelectual e tecnológica,
cimentos especializados, bem como autonomia e responsabilidade,
conceitos adquiridos em disciplinas orientados por princípios éticos,
específicas. A integração dessas estéticos e políticos, bem como
peças é que irá criar um novo co- compromissos com a construção
nhecimento ou compreensão mais de uma sociedade democrática,
profunda (SEIPEL, 2005). Generica- por meio do desenvolvimento sus-
mente, pode-se definir a experiência tentável;
interdisciplinar como o confronto de IV – domínio intelectual das
diferentes saberes organizados ou tecnologias pertinentes ao eixo
disciplinares que desenham estraté- tecnológico do curso, de modo a
gias de pesquisa, diferentes daque- permitir progressivo desenvolvi-
las que faria cada saber por seu lado mento profissional e capacidade
e fora dessa interação (FLORIANI, de construir novos conhecimentos
2004). e desenvolver novas competên-
Diante disto, a Resolução CNE/ cias profissionais com autonomia
CEB no06/2012 define os currículos intelectual;
dos cursos da Educação Profissional V – instrumentais de cada ha-
Técnica de Nível Médio e aquilo que bilitação, por meio de vivencia de
esses currículos devem proporcionar diferentes situações práticas de es-
aos estudantes: tudo e de trabalho;
I – diálogo com diversos cam- VI – fundamentos de empre-
pos de trabalho, da ciência, da endedorismo, cooperativismo,
tecnologia e da cultura como re- tecnologia da informação, legisla-
ferencias fundamentais de sua for- ção trabalhista, ética profissional,
mação; gestão ambiental, segurança do
II – elementos para compreen- trabalho, gestão da inovação e ini-
der e discutir as relações sociais de ciação científica, gestão de pesso-
produção e de trabalho bem como as e gestão de qualidade social e
as especificidades históricas nas ambiental de trabalho.
sociedade contemporâneas; Para atender à estruturação dos
III – recursos para exercer sua cursos prevista na Resolução CNE/
profissão com competência, ido- CEB no06/2012, a organização cur-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 281


ricular dos cursos técnicos de nível demanda muito mais do que téc-
médio, em todas as suas formas e nica, pois requer um olhar atento e
modalidades, ressalvadas as previs- crítico das pessoas para as questões
tas na legislação vigente, será orga- sociais, ambientais e econômicas.
nizada por três núcleos: Na busca por uma educação pro-
I – Núcleo Tecnológico: desti- fissional e tecnológica que atenda às
na-se aos componentes curricula- questões técnicas sem dissociá-las
res que tratam dos conhecimentos da perspectiva humanista, é preciso
e habilidades inerentes à educa- resgatar a formação humana integral
ção técnica; do profissional para que ele seja o
II – Núcleo Básico: destina-se agente transformador da realidade,
aos componentes curriculares que especialmente do meio em que vive
tratam dos conhecimentos e habi- e trabalha. E que seja capaz de acio-
lidades interentes à educação bá- nar seu conhecimento técnico, fa-
sica (disciplinas propedêuticas); zendo deste uma tecnologia social
a serviço de um mundo mais justo
III – Núcleo Politécnico: desti- socialmente. Daí a importância de se
na-se aos componentes curricula- analisar as possibilidades de mudar e
res que tratam dos conhecimentos aperfeiçoar a educação profissional
e habilidades inerentes à educa- e tecnológica que vem sendo ofere-
ção básica e técnica, onde ocorre cida pelas instituições educacionais.
a maior integração com as demais
disciplinas do curso. Segundo o Parecer do Conse-
lho Nacional de Educação/Câmara
Mas como aliar o que dizem os de Educação Básica (CNE/CEB) nº
textos normativos sobre educação 08/2014 (BRASIL, 2014), que trata da
profissional e tecnológica à prática proposta de atualização do Catálogo
pedagógica de dentro da escola? Nacional de Cursos Técnicos de Nível
O conteúdo ensinado pelo pro- Médio, a oferta da educação profis-
fessor deve ser adequado para pre- sional técnica de nível médio passa a
parar o futuro profissional para o ser organizada em torno de 13 eixos
mundo do trabalho – cada vez mais tecnológicos, com núcleos politécni-
exigente quanto ao perfil que se de- cos comuns.
seja –, mas também para uma socie- Por sua vez, o documento de
dade em plena transformação, que trabalho intitulado “Indicações para

282
subsidiar a construção do Plano Na- ca e de politecnia aparecem em pas-
cional de Educação 2011 – 2020”, sagens dessa publicação associados
produzido pela Comissão Bicameral a noções como: formação integral;
do Conselho Nacional de Educação e superação da dualidade escolar; ca-
aprovado por esse órgão em agosto racterísticas humanistas e científico
de 2009, estabelece como uma das - tecnológicas da educação básica;
quatro principais prioridades para o escola unitária; domínio de diferen-
ensino médio: tes modalidades de conhecimentos
Romper com o dualismo estrutural e práticas requeridas pelas ativida-
entre o ensino médio e a educação des produtivas; compreensão teórica
profissional, compreendendo o en-
sino médio na concepção de esco-
e prática dos fundamentos científi-
la unitária e de escola politécnica, cos das múltiplas técnicas utilizadas
para garantir a implantação do pro- no processo produtivo; requisito da
jeto “Ensino Médio Inovador”, bem
como a efetivação do ensino médio
cidadania; combinação entre traba-
integrado como uma das alternati- lho, ciência e cultura; fundamentos
vas de profissionalização dos jovens científico-tecnológicos e histórico-
alunos do ensino médio (BRASIL,
2009).
sociais; superação da dicotomia en-
tre educação básica e técnica; for-
mação humana em sua totalidade;
Visando contribuir para a im- integração entre ciência, cultura,
plantação e o acompanhamento da humanismo e tecnologia; desenvol-
nova proposta de construção de um vimento de todas as potencialidades
ensino médio integrado à educa- humanas; domínio dos fundamen-
ção profissional, a representação da tos científicos das diferentes técnicas
United Nations Educational, Scientific que caracterizam o trabalho pro-
and Cultural Organization (UNESCO) dutivo moderno; fundamentos das
no Brasil editou, em novembro de diferentes modalidades de trabalho;
2009, a publicação “Ensino Médio e integração entre formação geral e
Educação Profissional: desafios da formação técnica no ensino médio.
integração”. O trabalho foi organiza-
Considerando esse contexto, este
do por Regattieri e Castro, com base
trabalho científico propôs descre-
em textos e debates que serviram à
ver a experiência de integração de
constituição de um workshop sobre
componentes curriculares do Curso
o tema (REGATTIERI; CASTRO, 2009).
Técnico de Nível Médio em Recur-
Os conceitos de educação politécni-
sos Pesqueiros na Forma Integrada,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 283


vivenciada no Instituto Federal de vistas na matriz curricular somente
Educação, Ciência e Tecnologia do no segundo ano do curso e mesmo
Amazonas – Campus Manacapuru assim foi possível realizar atividades
(IFAM/CMA). integradoras independentes da de-
finição de tais disciplinas na Matriz
1.1. Descrevendo a experiência Curricular.
No início do semestre foram rea-
Desenvolver em conjunto as ati-
lizados alguns encontros buscando
vidades integradoras às disciplinas
apresentar a proposta das atividades
de biologia e ecologia aquática, ex-
integradoras, a fim de verificar quais
tensão pesqueira, fundamentos de
dentre os alunos estariam dispostos
pesca e piscicultura, disciplinas do
a participar das experiências. A ade-
Núcleo Tecnológico, além das dis-
são ocorreu totalmente pela vontade
ciplinas do Núcleo Básico, biologia,
de participar de algo diferente, sem
química e artes ,foi uma iniciativa
que os alunos tivessem muita clareza
que partiu dos professores respon-
sobre as implicações de um trabalho
sáveis pelas disciplinas e que contou
conjunto.
com a adesão de todos os alunos
matriculados. As experiências estavam sendo
propostas a partir do reconhecimen-
A prática das disciplinas do Nú-
to, dos professores das disciplinas,
cleo Tecnológico, na sua grande
da necessidade do Instituto estar
maioria, é realizada em campo, pou-
investindo, já na formação inicial,
cas em laboratório, e as disciplinas
em elaborações de integração de
do Núcleo Básico, na sua maioria, são
diferentes áreas do conhecimento
realizadas em laboratório e ateliê. As
e no desenvolvimento de um olhar
experiências de desenvolvimento
interdisciplinar para o Eixo Tecnoló-
conjunto das disciplinas contaram
gico de Recursos Naturais, especifi-
com a participação de 38 alunos do
camente no Curso Técnico de Nível
primeiro ano do Curso Técnico de
Médio em Recursos Pesqueiros na
Nível Médio em Recursos Pesqueiros
Forma Integrada. Entendiam ainda
na Forma Integrada que iniciou no
que a formação de um profissional
primeiro semestre de 2017. É impor-
na perspectiva já apontada implica,
tante ressaltar que, apesar de existir
entre outros aspectos, também num
o Núcleo Politécnico, as disciplinas
novo olhar para o conhecimento –
integradoras deste núcleo estão pre-

284
um saber menos fragmentado que plar a integração dos conteú-
reconhece a realidade como uma to- dos envolvidos nas disciplinas;
talidade a ser percebida e analisada • Avaliação do conteúdo minis-
a partir de diferentes modelos e con- trado nas atividades integra-
cepções. doras, desenvolvida por meio
Mesmo reconhecendo a dificul- de relatórios técnicos que os
dade envolvida, professores e alunos alunos produziram em grupos
das práticas de ensino em questão de trabalho.
dispuseram-se a construir juntos um
trabalho nesta direção. As experiên- 2. DESENVOLVIMENTO
cias integradoras com práticas de en-
sino foram organizadas basicamente 2.1 Revisão Literária
a partir dos seguintes momentos:
A integração de disciplinas (ou
• Atividades preliminares com componentes curriculares) surge
o objetivo de construir aulas fortemente com a noção de núcleo
práticas e visitas técnicas a politécnico comum por ocasião dos
partir da junção, sobreposição processos de discussão ocorridos
e complementação de conte- em 2007 e 2008 e promovidos pelo
údos existentes nos planos de MEC sobre a necessidade de promo-
ensino das disciplinas que fize-ver mudanças na lógica de organiza-
ram parte das experiências de ção da oferta dos cursos técnicos no
integração, o que num primei- Brasil. A partir desses debates, que
ro momento passava por com- envolveram diversos especialistas
partilhar objetivos comuns e de campos tecnológicos diferentes,
conhecer e respeitar as diferen-chegou-se à formatação do Catálogo
tes visões presentes no grupo; Nacional de Cursos Técnicos, pau-
• Elaboração e realização das ex- tado em eixos tecnológicos. Antes
periências, que foram executa- os cursos estavam organizados por
das em momentos diferentes, áreas profissionais, o que seguia “a
atendendo à disponibilidade lógica de organização dos setores
dos professores responsáveis; produtivos” (MACHADO, 2009, p.07):
O eixo incorpora a lógica do conhe-
• Aulas em laboratório e visitas
cimento e da inovação tecnológica,
técnicas: essas atividades fo- constituindo-se como um vetor que
ram realizadas para contem- alcança – a partir dele – um conjun-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 285


to mais ou menos homogêneo de interdisciplinaridade surge ligado à
processos tecnológicos. As carac-
necessidade de superação da esteri-
terísticas comuns, buscadas para a
definição dos eixos, são fundamen- lidade acarretada pela ciência exces-
sivamente compartimentada e sem
tadas nas relações lógicas de simila-
ridade ou semelhanças das tecno-
comunicação entre os diversos cam-
logias aplicadas (MACHADO, 2009,
p. 07). pos. O termo poderia ser reservado
à inter-relação de diferentes campos
do conhecimento com finalidades de
De acordo com Machado:
pesquisa ou de solução de proble-
Entende-se que a natureza e a evo- mas, sem que as estruturas de cada
lução tecnológica correspondentes
a cada um dos eixos são resultan- área do conhecimento sejam neces-
tes de processos históricos, do uso sariamente afetadas em consequên-
de diversos recursos e sistemas, de cia dessa colaboração. A integração,
escolhas por soluções técnicas para
problemas humanos, de ajustes às por sua vez, ressaltaria a unidade que
mudanças sociais. Cada um dos ei- deve existir entre as diferentes disci-
xos possui aspectos materiais das plinas e formas de conhecimento nas
tecnologias envolvidas; aspectos
práticos ou a arte do como fazer e instituições escolares.
aspectos sistêmicos pertinentes às
relações técnicas e sociais subja-
A ideia de integração em educa-
ção é também tributária da análise
centes às tecnologias (MACHADO,
2010, p. 14). de Bernstein (1981). Segundo este
autor, a integração coloca as disci-
Apesar da necessidade de existir plinas e cursos isolados numa pers-
o Núcleo Politécnico, isso não nos pectiva relacional, de tal modo que o
obriga a realizar atividades integra- abrandamento dos enquadramentos
dores entre as disciplinas dentro de e das classificações do conhecimen-
uma disciplina que existe com este to escolar promove maior iniciativa
objetivo. Recorremos à explicação de professores e alunos, mais inte-
de Santomé (1998), quando este nos gração dos saberes escolares com os
explica que a denominação de cur- saberes cotidianos, combatendo, as-
rículo integrado tem sido utilizada sim, a visão hierárquica e dogmática
como tentativa de contemplar uma do conhecimento.
compreensão global do conheci- A proposta de integração, quan-
mento e de promover maiores par- do se tenta definir de forma mais cla-
celas de interdisciplinaridade na sua ra as finalidades da formação, é en-
construção. Segundo ele, o termo tendida como: possibilitar às pessoas

286
compreenderem a realidade para ra foi realizada com as disciplinas de
além de sua aparência fenomênica. biologia (Núcleo Básico) e biologia e
Sob essa perspectiva, os conteúdos ecologia aquática (Núcleo Tecnoló-
de ensino não têm fins em si mesmos gico), com o objetivo de contemplar
nem se limitam a insumos para o de- o conteúdo programático das duas
senvolvimento de competências. Os disciplinas relacionado a fisiologia
conteúdos de ensino são conceitos e anatomia animal e ao sistema de
e teorias que constituem sínteses da classificação dos seres vivos. A aula
apropriação histórica da realidade de laboratório teve duração de 2 ho-
material e social pelo homem. ras e atendeu satisfatoriamente ao
Portanto, a integração exige que previsto no plano de ensino das duas
a relação entre conhecimentos ge- disciplinas. Os alunos puderem vi-
rais e específicos seja construída con- venciar boas práticas de laboratório,
tinuamente ao longo da formação, bem como adquirir competências
sob os eixos do trabalho, da ciência e previstas durante a formação técnica
da cultura (RAMOS, 2005). (Figura 1). Todos os alunos consegui-
ram entregar o relatório técnico re-
ferente a esta atividade integradora
2.2 Descrição e Explicação dos
rico em informações, e alcançaram
Resultados notas necessárias para um ótimo
rendimento.
A primeira experiência integrado-

Figura 1 – Registro fotográfico de experiência integradora entre disciplinas. a) Téc-


nico de Recursos Pesqueiros; b) professor de biologia e ecologia aquática (Núcleo
Tecnológico); c) Professor de biologia (Núcleo Básico).
Fonte: (Bevilaqua, 2017, arquivo pessoal)

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 287


A segunda experiência integra- alunos puderem vivenciar a rotina
dora foi realizada com as disciplinas do manejo dos viveiros bem como o
de extensão pesqueira, introdução à comportamento dos peixes em cati-
pesca e piscicultura e biologia e eco- veiro e compará-lo com os peixes na
logia aquática (Núcleo Tecnológico). natureza, assim como conhecer os
Com o objetivo de contemplar com- equipamento e insumos necessários
petências profissionais relacionadas para o desenvolvimento da piscicul-
com assistência técnica, conceitos tura de Tambaqui (Colossoma macro-
básicos de piscicultura e biologia pomum) (Figura 2). Todos os alunos
comportamental, foi realizada uma conseguiram entregar o relatório
visita técnica a uma cooperativa de técnico referente a esta atividade in-
piscicultores localizada na cidade tegradora rico em informações, e al-
de Manacapuru, sob a coordenação cançaram notas necessárias para um
dos professores das disciplinas en- ótimo rendimento.
volvidas. Durante a visita técnica, os

Figura 2 – Registro da experiência integradora entre disciplinas. a) estudantes e professo-


res em frente ao galpão da Cooperativa de Piscicultores de Manacapuru; b) visita à bar-
ragem com destaque para o sistema de drenagem Monge; c) coleta de exemplares para
biometria, seguido de comercialização e d) foto de encerramento da atividade
Fonte: (Bevilaqua: 2017, arquivo pessoal).

288
A terceira experiência integra- periências integradoras relacionadas
dora foi realizada com as disciplinas às disciplinas envolvidas. Durante
de biologia, química e artes (Núcleo a visita técnica, os alunos puderem
Básico) e a disciplina de biologia e vivenciar a rotina de uma curadoria
ecologia aquática (Núcleo Tecnológi- biológica, bem como conhecer es-
co). É importante destacar que esta pécies de peixes e de mamíferos até
experiência integradora contou com então desconhecidos pelos alunos,
a colaboração do Instituto Nacional puderem entender com mais clareza
de Pesquisa da Amazônia (INPA) que o uso do sistema de classificação dos
em parceria com a equipe do Bosque seres vivos e sua aplicação (Figura 3).
da Ciência e da Casa da Ciência de- No período vespertino, no Bosque da
senvolveu as atividades que haviam Ciência e Casa da Ciência (INPA), os
sido previamente repassadas para alunos participaram de uma dinâmi-
atender ao conteúdo das referidas ca onde envolveu temas de química,
disciplinas. Foi realizada uma visita biologia e artes, por meio da qual os
técnica ao INPA sob a coordenação alunos puderam ver a aplicação de
dos professores das disciplinas en- conceitos das disciplinas envolvidas
volvidas, onde os estudantes visita- (Figura 3). Todos os alunos consegui-
ram a coleção de vertebrados (es- ram entregar o relatório técnico re-
pecificamente a coleção de peixes e ferente a esta atividade integradora
mamíferos) no período matutino e, rico em informações, e alcançaram
no período vespertino, participaram notas necessárias para um ótimo
de uma atividade chamada Essên- rendimento.
cias da Amazônia que envolveu ex-
Fonte: (Bevilaqua: 2017, arquivo pessoal).

Figura 3 – a) Palestra na coleção de mamíferos; b) Bosque da Ciência – Essências da


Amazônia c) Pesquisadoras em palestra; d) mural de desenhos dos estudantes; e)
Palestra na coleção de peixes; e) Encerramento em frente à Casa da Ciência.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 289


3. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS
Considerando que romper com a BIALEK, W.; BOTSTEIN, D. Introduc-
estrutura fragmentada do currículo é tory science and mathematics edu-
um dos principais desafios das insti- cation for 21st-century biologists.
tuições que ofertam Cursos Técnicos Science. v. 303, p.788–790, 2004.
de Nível Médio na Forma Integrada,
com foco na articulação efetiva en- BRASIL. Ministério da Educação. Con-
tre a formação geral e a formação selho Nacional de Educação. Câmara
profissional, consubstanciados nos Plena. Portaria nº 10, de 6 de agosto
eixos estruturantes do trabalho, da de 2009. Indicações para subsidiar
ciência, da tecnologia e da cultura, a construção do Plano nacional
podemos afirmar que a intensa par- de educação 2011-2020. Brasília,
ticipação dos estudantes e a possibi- 2009. Disponível em <http://portal.
lidade de integrar disciplinas nessa mec.gov.br/index.php?option=-
experiência de práticas integradoras com_docman&view=download&a-
desenvolvidas no Curso Técnico de lias=2195-portaria-cne-10-pne-pd-
Nível Médio em Recursos Pesqueiros f&Itemid=30192> Acesso em 26 ago.
na Forma Integrada do IFAM/CMA, 2017
além de estar em consonância com
______. Ministério da Educação.
os princípios balizadores da Edu-
Conselho Nacional de Educação.
cação Profissional Técnica de Nível
Câmara de Educação Básica. Reso-
Médio descritos na Resolução CNE/
lução nº 4, de 6 de junho de 2012.
CEB no06/2012 e com os princípios
Catálogo nacional de cursos téc-
filosóficos e políticos da proposta de
nicos. 2a ed. Brasília, 2012. Disponí-
formação humana integral, têm con-
vel em: <http://portal.mec.gov.br/
tribuído para fomentar nos demais
index.php?option=com_docman&-
professores do Campus Manacapuru
view=download&alias=10941-r-
a busca pela integração de discipli-
ceb004-12&category_slug=maio-
nas, potencializando suas práticas
2012-pdf&Itemid=30192> Acesso
pedagógicas e contribuindo, sobre-
em 26 ago. 2017
tudo, para uma formação mais inte-
gral dos estudantes, formação esta ______. Resolução nº 6 de 20 de se-
que os torna protagonistas e dota- tembro de 2012, MEC/CNE. Diretri-
dos de cidadania política, econômica zes Curriculares Nacionais para a
e cultural. Educação Profissional Técnica de

290
Nível Médio. Brasília, 2012. Dispo- MORAN, J. Interdisciplinarity. 2 ed.
nível em: <http://portal.mec.gov.br/ New York: Routledge, 2010.
index.php?option=com_docman&-
view=download&alias=11663-r- MADLUNG, A.; BREMER, M.; HIMEL-
ceb006-12-pdf&category_slug=se- BLAU, E.; TULLIS, A. A Study Assessing
tembro-2012-pdf&Itemid=30192> the Potential of Negative Effects in
Acesso em 26 ago. 2017 Interdisciplinary Math–Biology Ins-
truction, CBE—Life Sciences Edu-
______. Resolução nº 1, de 5 de de- cation. v.10, p. 43–54, 2011.
zembro de 2014. Catálogo nacio-
nal de cursos técnicos. 3a ed. Bra- REGATTIERI, M; CASTRO, J. M. (org).
sília: 2014. Disponível em: <http:// Ensino médio e educação profis-
portal.mec.gov.br/index.php?op- sional: desafios da integração. Brasí-
tion=com_docman&view=down- lia: UNESCO, 2009, 270p.
load&alias=16705-res1-2014-cne-
ROBEVA, R.; LAUBENBACHER, R.
ceb-05122014&category_slug=de-
Mathematical biology education:
zembro-2014-pdf&Itemid=30192>
beyond calculus. Science. v. 325, p.
Acesso em 26 ago. 2017
542–543, 2009.
FLORIANI, D. Disciplinaridade e cons-
SANTOMÉ, J. T. Globalização e inter-
trução interdisciplinar do saber am-
disciplinaridade: o currículo inte-
biental. Desenvolvimento e Meio
grado. Porto Alegre: Artes Médicas,
Ambiente. n. 10, p. 33-37, 2004.
1998.
MACHADO, L.R.S. Inovações e mu-
RAMOS, Marise N. (Org.); FRIGOTTO,
danças: conceitos e abordagens.
Gaudêncio (Org.); CIAVATTA, Maria
In: CABRAL, E.H.S.; SOUZA NETO,
(Org.) Ensino
J.C.(org.). Temas do Desenvolvi-
mento: reflexões críticas sobre ino-
vações sociais. São Paulo: Expressão
e Arte, p. 11-27, 2009.

MACHADO, L.R.S. Eixos tecnológi-


cos e mudanças na organização da
educação profissional e tecnológica.
Linhas Críticas, Brasília, v. 16, n. 30,
2010.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 291


DOCENTES, PROFESSORES E CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO: CENAS EM ANÁLISE

Felipe da Silva Ferreira 1


1
Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca –
CEFET/RJ
E-mail: felipe.ferreira@cefet-rj.br

1. INTRODUÇÃO técnicos que funcionam/funciona-


vam de maneira concomitante (no
Este texto tem por objetivo prin- contraturno, por exemplo) ou de for-
cipal trazer à cena uma reflexão ma subsequente (após o término do
acerca da atuação de docentes não curso regular do Ensino Médio). No
licenciados na Educação Básica, es- entanto, cabe destaque para o curso
pecialmente no contexto do Ensino técnico integrado ao Ensino Médio,
Técnico integrado ao Ensino Médio. que congrega docentes leigos e pro-
Para fins de contextualização, fessores licenciados numa mesma di-
faz-se necessário esclarecer alguns nâmica pedagógica (?), contribuindo
pontos que são base para o enten- para a realização de um curso único
dimento da problemática que aqui (?) e para o aprendizado de conteú-
se estabelece. Em primeiro lugar, há dos gerais, propedêuticos e técnicos,
que se considerar esta modalidade por parte dos estudantes.
de funcionamento de cursos de En- Em segundo lugar, vale ressaltar
sino Médio no sistema educacional que essa reflexão ocorre justamente
brasileiro: o curso técnico integra- quando se intensifica o movimento
do ao Ensino Médio. Pode-se levar no olho do furacão da reforma edu-
em consideração, para a questão da cacional que vem sendo articulada
docência, a formação e atuação dos no Brasil, com a proposta não con-
professores, o que também é um sensual de uma base nacional co-
foco deste texto reflexivo, os cursos mum curricular e alterações muito

292
significativas no Ensino Médio. Al- que circundam o campo do currículo
gumas considerações possíveis de é importante, pois se estará tratando
serem feitas no início do desenvol- dos docentes que, por formação, não
vimento do projeto de pesquisa em estão habilitados para atuarem com
andamento – do qual este texto se as peculiaridades do campo do en-
origina – caíram por terra neste per- sino – destaque-se, da Educação Bá-
curso, como a indicação de que os sica – e, por consequência e origem
docentes não licenciados tivessem da questão, são responsáveis, como
algum tipo de formação pedagógica não poderia ser diferente, pelas dis-
para que pudessem atuar na Educa- ciplinas que acabam sendo as que
ção Básica. Entende-se que proposta lideram e recebem destaque nesta
como essa se torna ainda mais dis- organização curricular de curso.
tante de realização, visto que se pre- A fim de que se possa dar encami-
vê, após a aprovação da lei 13.415 de nhamento a análises mais específicas
16 de fevereiro de 2017, ainda que que constituirão parte do arcabouço
com alguns critérios, a atuação de empírico deste trabalho, serão apre-
outros profissionais de áreas diver- sentados entendimentos que ilumi-
sas, entendidos como possuidores narão outras discussões anunciadas
de notório saber, em disciplinas do mais adiante.
currículo da Educação Básica.
Ainda neste campo introdutório, 2. SOBRE O ASPECTO INTEGRADO
cabe explicitar a inclinação curricular
DOS CURSOS ANALISADOS
que tem esta proposta de estudo e
o entendimento de aspectos da for- O Ensino Médio Integrado surge
mação de professores e de sua atu- como uma possibilidade de reali-
ação. Com Young (2011), é possível zação mais inteira de um processo
considerar a perspectiva do conhe- educacional, neste nível e âmbito,
cimento poderoso e trazê-la mais visto que busca cumprir o papel do
para dentro deste circuito; talvez desenvolvimento da capacidade de
seja coerente pensar que as “discipli- reflexão ampla, de cultura geral, de
nas poderosas” em um curso técnico visão ampliada de mundo e, nem an-
(integrado ao Ensino Médio) sejam tes ou depois, mas ao mesmo tempo,
justamente essas, as técnicas, que desenvolver habilidades específicas
conferem ao curso sua especificida- para o trabalho – que, dessa forma,
de. Assim, enveredar por caminhos não é cego ou alienado, é um traba-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 293


lho oriundo de reflexão crítica. Isso é modernização de uma nação” (2015,
trazido por Moura, Lima Filho e Silva p.123). Com esse autor, entendemos
da seguinte forma: e concordamos que muito comu-
A análise desenvolvida nos permite mente apresenta-se esse segmento
responder afirmativamente e afir- da educação básica como impreciso
mar que na educação brasileira atu-
al essa perspectiva formativa existe
e sem caminhos e objetivos clara-
como possibilidade teórica e ético mente definidos. No entanto, como
-política no ensino médio que ga- se vem apresentando, interessa-nos
ranta uma base unitária para todos,
fundamentada na concepção de
afirmar que muitas possibilidades
formação humana integral, onilate- residem nessa fase da educação, es-
ral ou politécnica, tendo como eixo pecialmente na modalidade aqui de-
estruturante o trabalho, a ciência, a
tecnologia e a cultura e, a partir des-
fendida e abordada, que é o Ensino
sa mesma base, também oferecer, Médio Integrado, que deve ocorrer
como possibilidade, o ensino médio na perspectiva da politecnia, que
integrado. (MOURA; LIMA FILHO;
SILVA, 2015, pp 1071-1072)
habilita e liberta seus sujeitos. É uma
releitura do Ensino Médio o que pro-
pomos nesse texto, visto que o seg-
Moura, Lima Filho e Silva trazem mento perdeu um tanto de sua cons-
ainda o Ensino Médio Integrado tituição e existência autônoma, sua
como saída e possibilidade verdadei- identidade conceitual, ao longo de
ra de transformação social por meio diversos processos, passando a exer-
da educação: cer o já conhecido papel de preparar
[…] como o sistema capital e as re- as elites para o caminho universitário
lações sociais burguesas continuam
e os cidadãos menos privilegiados
hegemônicos, [...] atualmente a dis-
cussão sobre a politecnia e a escola para o trabalho não refletido.
unitária, em seus sentidos plenos e
para todos, ocorre em uma perspec-
É Nosella que explica:
tiva de futuro. Nesse caso, o ensino A função estratégica do ensino mé-
médio integrado pode ser a gênese dio justifica-se também pela função
dessa formação. (MOURA; LIMA FI- estratégica do setor médio da estru-
LHO; SILVA, 2015, p. 1066) tura social da nação. Existe uma ín-
tima relação político-cultural entre
a escolarização média e a elevação
Também Nosella nos estimula ao social desse setor. A atenção dada
a essa fase escolar por parte do Es-
afirmar que “o ensino médio é a fase tado depende de sua concepção de
escolar estratégica do sistema escolar hegemonia nacional e de sistema
e do processo de democratização e escolar. (NOSELLA, 2015, p.124)

294
Vale trazer com ênfase à cena apresentado em seguida:
algum apontamento sobre a ques- a) O aspecto integrado, que é
tão da politecnia. Como em Saviani justamente o que o diferencia de
(2003), a leitura desse termo ocorre outras modalidades de oferta de
no sentido de unir o trabalho técnico curso técnico associado ao nível
com o intelectual, não como uma va- básico da educação brasileira. Con-
riedade de técnicas. O entendimento forme apontado anteriormente, os
que nos interessa sobre o aspecto cursos técnicos concomitantes ou
politécnico se aproxima bastante da- subsequentes têm objetivos muito
quele de uma educação integral, que semelhantes ao curso técnico inte-
habilita o sujeito socialmente, para o grado ao Ensino Médio, no que diz
desenvolvimento de sua autonomia, respeito à liberação de profissio-
pelas vias da reflexão, do conheci- nais para o mercado de trabalho.
mento de uma cultura ampla e ge- No entanto, seus modi operandi os
ral, mas também de sua capacitação diferenciam bastante, visto que o
para o trabalho com técnicas especí- cotidiano escolar em que se inse-
ficas, refletidas e não alienadas. re esse curso técnico quando inte-
De modo que questões impor- grado a um curso de Ensino Médio
tantes façam sentido a partir do que revela diversas questões, disputas,
já foi exposto e nas análises que se- realizações (anti)pedagógicas e
guirão, faz-se necessário oferecer al- coloca em foco, para os que este-
gum destaque a um aspecto que já jam atentos a questões educacio-
está posto, mas parece não ser ób- nais, uma série de fatores que me-
vio, ou não fazer, sempre, diferença recem ser analisados;
no que diz respeito aos aspectos lin- b) Ainda na questão referente
guísticos e semânticos envolvidos. à integração entre dois cursos, um
Trata-se aqui de uma gama de técnico e um de nível médio re-
cursos técnicos integrados ao Ensino gular, há que se apontar a relação
Médio. A partir dessa nomenclatu- sintática que se revela semântica
ra em destaque, pode-se evidenciar e desperta diversos sentidos de
pelo menos dois itens que precisam valor que está presente em “curso
ficar bastante explicitados, conforme técnico em ...*1 integrado ao Ensi-
1 Há uma grande variedade de cursos técnicos possíveis de serem ofertados no Brasil, todos
listados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, que está disponível por meio do link:
https://goo.gl/kC4eQm

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 295


no Médio”. O fato de o curso técni- do Rio de Janeiro. Estabelecidas as
co se integrar ao curso regular de cenas, seguirá a reflexão sobre o que
Ensino Médio, é possível afirmar, é possível depreender dessas situa-
faz com que aquele assuma sua ções discursivas.
realização em uma dinâmica típica
deste. A “cama” na qual se espalha 2.1. O ENSINO TÉCNICO INTEGRADO
o curso técnico, nesse contexto,
AO ENSINO MÉDIO EM CENAS
é uma em que está estabelecido,
antes, o curso de Ensino Médio re- Cena 1: A primeira cena traz o re-
gular. Esse ponto surge em desta- gistro da divulgação de abertura de
que, pois nem sempre é dessa for- concurso para discentes do Ensino
ma que o curso aparece descrito, Técnico em Informática Integrado ao
anunciado, referido. Ensino Médio na instituição públi-
Dando prosseguimento ao texto, ca federal que serve de contexto de
análise e reflexões sobre essa temáti- captura de dados para este trabalho.
ca, serão observadas algumas cenas Trata-se de divulgação do edital em
capturadas do cotidiano acadêmico rede social. O objetivo deste recor-
e de comunicação de uma instituição te é a observação do modo como o
de ensino pública federal em que são curso foi nomeado e anunciado no
oferecidos cursos de pós-graduação, material. Vale o registro de que nos
graduação (inclusive uma licencia- meios de comunicação oficiais da
tura), cursos técnicos e cursos técni- instituição a referência está correta,
cos integrados ao Ensino Médio em conforme descrita no início deste
vários campi localizados no estado mesmo parágrafo.

Figura 1 – Cartaz virtual.

296
Ainda na cena 1, abrindo espa- grupo para conversas em outra rede
ço neste mesmo cenário, pensando social, que congrega docentes que
como as abreviações e agilidades atuam em outro curso técnico inte-
do mundo virtual podem revelar grado ao Ensino Médio da mesma
entendimentos específicos, segue instituição.
apresentado como foi intitulado um

Figura 2 – Grupo de comunicação em rede social.


Cena 2: A cena 2 traz o registro das Olimpíadas de 2016 e algumas
da realização de uma atividade que modalidades esportivas que seriam
buscou integrar as diferentes dis- disputadas no evento, desenvolves-
ciplinas de um dos cursos técnicos sem trabalhos a serem apresentados
integrados ao Ensino Médio da insti- mostrando como cada uma das ma-
tuição-cenário a que se faz referênciatérias escolares por eles estudadas
ao longo deste texto. ajudavam a fazer uma costura da-
Tratou-se uma “Feira Olímpica”, queles conhecimentos ali expostos
proposta inicialmente pelo professor em vídeos, maquetes, textos escritos,
de Educação Física. De forma bem alimentos e outros. Os professores
resumida, a ideia era que os diferen- das diversas disciplinas que foram
tes grupos de alunos, tendo recebi- envolvidas no projeto prestaram
do o nome de um país participante orientação para o desenvolvimento
dos trabalhos.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 297


Neste evento acadêmico-peda- O assunto era a abertura de edital
gógico, realizado junto aos estudan- para concurso de contratação efetiva
tes de um curso técnico em teleco- para docente de uma disciplina des-
municações integrado ao Ensino sa mesma área técnica. A vaga havia
Médio, foi registrada a participação sido liberada e o professor-coorde-
de todos os professores das matérias nador anunciava o fato aos colegas
regulares do Ensino Médio (portu- presentes.
guês, matemática, física, química, Posta essa situação, apresentou-
biologia, inglês, sociologia, filosofia,
se uma sugestão, também de manei-
história, geografia, arte) e de ne- ra informal: uma vez que o docente
nhum professor das disciplinas técni- a ser contratado seria de uma área
cas, que conferem o perfil específico técnica e atuaria primordialmente
que o curso tem. Dessa forma, as es- na Educação Básica, nesse contexto
pecificidades das telecomunicações de curso técnico integrado ao Ensino
não integraram a atividade. Médio, seria uma ideia interessante
Ao serem questionados sobre que se formasse a banca de prova de
motivos que pudessem explicar a aula com profissionais dessa área téc-
não participação nas atividades, os nica, que ficariam responsáveis por
professores apresentavam suas jus- aferir o conhecimento específico do
tificativas, apontando, em síntese, candidato, e por pelo menos um pro-
que não enxergavam possibilidades fissional licenciado, com experiência
de real integração de suas disciplinas e autoridade no campo do ensino, de
em tal projeto, o que lhes causaria maneira que pudesse contribuir com
dificuldades para atribuir notas aos a avaliação didático-pedagógica.
estudantes por seus trabalhos. Dando sequência à conversa, o
Cena 3: A cena 3 apresenta uma professor-coordenador, que havia
conversa informal entre dois pro- feito o informe e que recebeu a su-
fessores do mesmo curso técnico gestão, não apenas negou a possi-
integrado ao Ensino Médio da insti- bilidade de fazer a composição da
tuição-cenário. Um dos professores banca dessa forma, como também
é do campo das propedêuticas, o desferiu imediatamente seus argu-
outro é professor de uma disciplina mentos: a) esse tipo de organização
técnica, sendo este também coorde- não seria tradicional na instituição;
nador de sua área. b) a pessoa que representaria o cam-

298
po do ensino se fazia desnecessá- mais específicos e “vocação” – con-
ria, pois ele mesmo, experiente no ceitos destacados que merecem um
ensino de sua disciplina do campo texto inteiro de reflexão a respeito.
técnico estaria presente na avalia- Ganha destaque nesta cena o
ção; c) nos concursos de disciplinas texto de uma jovem que representa
ligadas mais diretamente ao campo uma estudante na propaganda – “Eu
do ensino, como a área das línguas quero um curso técnico, pra já poder
(usada pelo docente como exemplo) trabalhar”.
nunca se havia visto um docente da
área técnica na composição da ban-
2.2 CENAS SOB ANÁLISE
ca examinadora.
Assim, desceu o pano que encer- A fim de que se possa observar
rou o diálogo. a cenas apresentadas e propor uma
análise, faz-se necessário estabele-
Cena 4: Afastando-se um pou-
cer alguns pontos de partida a par-
co da instituição-cenário na qual se
tir dos quais se fará tal observação.
focou até aqui, a cena 4 apresenta a
O texto fluirá como material único,
propaganda televisionada (disponí-
mas os campos de observação serão
vel em https://www.youtube.com/
a FORMAÇÃO DE PROFESSORES, o
watch?v=7_Fdhibi0yQ, acessada em
CURRÍCULO, o entendimento que se
30 de abril de 2017) em 2016 e 2017,
possa ter sobre ensino, em uma pers-
do governo federal brasileiro, acer-
pectiva DIDÁTICO-PEDAGÓGICA e a
ca do “Novo Ensino Médio”, como se
realização do ENSINO TÉCNICO em
tem chamado esse segmento escolar
si, estando ele integrado à Educação
após a aprovação da lei que oficiali-
Básica.
za sua reforma, alterando em vários
sentidos a Lei de Diretrizes e Bases da Com o primeiro fio de análise, é
Educação, de número 9394 de 1996. possível costurar boa parte de um
patchwork que se fará maior. Este fio
No vídeo, jovens levantam-se de
traz a cena 1, na perspectiva de como
uma plateia (?), sobre cada um se co-
que, ainda que inconscientemente
loca um foco de luz, e o estudante
ou por desconhecimento da cau-
representado diz por que aprova o
sa, se registra verbalmente o curso
novo Ensino Médio. As justificativas
técnico integrado ao Ensino Médio;
variam, mas ficam no campo do “in-
a cena 2 se une a essa perspectiva-
teresse” por itinerários curriculares
costura por demonstrar as dificulda-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 299


des latentes de integração das áreas posital) aparece tratada como “coisa
propedêutica e técnica, seja por na- que qualquer profissional domina”, e
tureza ou por déficit dos envolvidos não como especificidade do trabalho
no que se pode aprofundar de co- do professor por licenciatura e práti-
nhecimento didático-pedagógico; e, ca, não leigo.
com a cena 3, faz-se o arremate desta O modo como o cartaz virtual da
parte da grande colcha, pois a ques- cena 1 apresenta o curso em questão
tão do ensino, originalmente causa é bastante peculiar. A tabela compa-
primeira da existência de uma insti- rativa seguinte se propõe a destrin-
tuição de... ensino (a repetição de pa- char essa diferença:
lavras iguais se fez necessária e pro-
Tabela 1 – Comparação entre nomenclaturas.

Denominação original Modo como o cartaz virtual da figura 1


anuncia
1 Curso Técnico Ensino Médio (Técnico)
2 Em Informática (Técnico)
3 integrado integrado
4 Ao Ensino Médio Á informática

Analisando a tabela a partir da mir as hipóteses de intencionalidade


numeração de suas linhas e assumin- discursiva ou desconhecimento da
do uma perspectiva semântica e de questão.
valores, é possível perceber que na Vale reparar, ainda na linha 1, que
linha 1 o cartaz virtual chama a aten- houve a criação da expressão “En-
ção, primeiramente, para a oferta do sino Médio Técnico”, que, se fosse o
Ensino Médio, considerando-se que caso, criaria uma outra modalidade
se trata de uma propaganda que ob- de organização curricular. Nesse
jetiva convocar estudantes interessa- formato, o Ensino Médio, ou seja, o
dos no curso. O profissional respon- formato mais típico desse segmen-
sável por essa criação une o termo to da educação básica permanece
“técnico” ao Ensino Médio – o que como carro-chefe, ao menos para o
não há como identificar se foi propo- efeito da propaganda. Ao se anali-
sital ou não, assim como o restante sar a nomenclatura original do curso,
desta análise. Passa-se, aqui, a assu- por outro lado, essa área organiza o

300
modo de se fazer o curso, curricular e da empiria que se captura no coti-
pedagogicamente falando, visto que diano, pode-se dizer que há um fator
o “Ensino Médio” carrega, linguistica- intrínseco nesta seara que faz com
mente observando, um curso técni- que os sujeitos se apresentem pri-
co a ele atrelado. meiramente com o que lhe chama,
Cabe o destaque ao termo “inte- antes, a atenção. Cabe o registro de
grado”, que permanece no mesmo que a responsável pela criação desse
ponto da frase original que dá nome grupo de comunicação foi uma pro-
ao curso e não versão equivocada fessora, também coordenadora do
(?) que constitui a propaganda. Isso curso, que é da área propedêutica.
pode ser visto na linha 3 da tabela 1. Este modo de observar e enten-
A linha 4 traz, para essa pers- der o funcionamento, a realização de
pectiva de análise, o entendimento um curso, que independentemente
de cursos de Educação Básica mais de crenças e entendimentos, se faz,
complexo de ser justificado. Apontar por natureza, em atos pedagógicos,
a realização de um curso integrado “à conduz o alinhavo deste estudo para
informática”, que não constitui por si a cena 2: o take em que o aspecto
só um espaço ou segmento na dinâ- “integrado”, central nesta discussão e
mica da educação brasileira, impede também na cena 1, não foi concreti-
enxergar uma justificativa plausível zado por inteiro.
para tal. Tendo em mente a descrição da
Trazendo ao mesmo cenário a cena 2 e a diferença dos lugares de
figura 2, que apresenta o título de fala e de experiência já apontada an-
um grupo de conversas de uma rede teriormente, torna-se bastante possí-
social, pode-se destacar novamente, vel afirmar que a falta de familiarida-
de uma perspectiva semântica, dis- de com os trâmites escolares e com
cursiva e de representação de valor, a dinamicidade essencial que se faz
o fato de o Ensino Médio, apesar de entre conhecimento e disciplinas –
sua especificidade de englobar um que surgem para organizar o conhe-
curso técnico, ser a “cama” na qual cimento – fez com que os docentes
se esticam e movimentam todos os das disciplinas técnicas não vislum-
aspectos incluídos. Ainda que seja brassem caminhos para sua partici-
esse um dado constituído por bas- pação no projeto da “Feira Olímpica”.
tante informalidade, como é típico

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 301


Cabe o destaque, novamente: tra- entender qual é a especificidade do
ta-se de um curso técnico integrado trabalho do professor (licenciado),
ao Ensino Médio, no qual os estudan- pode-se entrar pela cena 3, na qual o
tes têm um quadro de horários único, aspecto do ensino está exposto. No-
sendo as disciplinas propedêuticas ta-se uma disputa por espaço, autori-
e técnicas enquadradas sem distin- dade e especificidade ali.
ção ou prioridade, sendo também as O alinhavo com as cenas ante-
discussões sobre avaliação e rendi- riores, especialmente com a cena 2,
mento dos alunos feitas com a par- torna-se evidente quando se enten-
ticipação de todos os professores, os de que o docente que nega a parti-
projetos criados em encontros que cipação de um profissional/autorida-
contam com a participação de todos de do campo do ensino é ao mesmo
os envolvidos. tempo um integrante do grupo que
Nesse sentido, talvez seja possí- não enxergou possibilidades de ar-
vel correr o risco de afirmar que re- ticulação com uma proposta inte-
side na formação desses docentes grada de trabalho, a “Feira Olímpica”.
sua facilidade ou dificuldade de se Nesse sentido, retira-se do grande
enxergarem plenamente participan- patchwork o quadrado de tecido
tes de um projeto de atividades pe- que trazia a justificativa do profissio-
dagógicas que previa o desengave- nal em questão, tendo ele anuncia-
tamento das disciplinas. Estariam os do que sua presença examinadora,
professores do campo propedêutico, como pessoa que teria conhecimen-
por serem licenciados, mais imedia- to prático do segmento final da Edu-
tamente disponíveis e hábeis a se in- cação Básica, apesar de não forma-
tegrarem do que os docentes não li- ção na área.
cenciados, que atuam em educação, A partir disso, é coerente trazer
tendo sido sua formação em áreas um registro sobre a formação técnica
outras (telecomunicações, informáti- e dos docentes que podem/poderão
ca, engenharias...)? atuar neste tipo de curso, conforme
Em sequência e na busca de se- apresentado no site do Senado bra-
guir na mesma reflexão, que não de- sileiro: “Os professores da formação
verá trazer respostas específicas, vis- técnica poderão ser profissionais de
to que os estudiosos da formação de notório saber em sua área de atua-
professores ainda se debruçam sobre ção ou com experiência profissional

302
atestados por titulação específica ou item d, urge perceber a necessidade
de preparo didático-pedagógico es-
prática de ensino”. Estará a prática de
ensino, considerando, por exemplo, pecífico e consistente dos docentes
a experiência vivida no contexto da que são responsáveis pelas discipli-
cena 2, em condições de equivalên- nas técnicas em um curso técnico
cia aos caminhos de formação pro- integrado ao Ensino Médio, visto que
postos em um curso de licenciatura essas disciplinas constituem o perfil
de professores? Seria possível con- desses cursos, sendo, assim, frequen-
figurar, aqui, um exemplo de que a temente as que lideram os currículos
prática de ensino não embasada em e, como causa e consequência, estão
pressupostos outros, teóricos, não se nas mãos dos docentes que não são
sustenta? oriundos dos cursos que preveem
Cabe o registro de alguns enten- formação para o ensino. Forma-se
dimentos, neste ponto, visto que o um ciclo. O item a poderia continuar
espaço e objetivo deste trabalho são o texto, e assim por diante.
mais estreitos do que o que pressu- A cena 4 se emenda neste fio de
põe um alongamento (necessário) análise das cenas anteriores porque
dessas questões: a) está posto que traz, é possível afirmar, uma propa-
não há curso de licenciaturas para a ganda com texto falacioso, pelo me-
formação de professores de todas as nos em parte; e traz também uma
áreas técnicas; b) não seria o item a questão muito atrelada ao ensino,
uma proposta oriunda dessa refle- aos profissionais que atuam nos cur-
xão; c) como na Medicina, por exem- sos técnicos e ao objetivo original
plo, sabe-se que os profissionais da desse tipo de curso.
área específica são os que têm o co- A estudante que aparece no ví-
nhecimento que precisa ser ensina- deo, como destacou a cena 4, anun-
do, e isso não está sendo questiona- cia que deseja optar pelo curso téc-
do aqui; d) há que se considerar que nico porque prefere logo começar
a Educação Básica tem demandas di- a trabalhar. Apesar de esta também
dático-pedagógicas específicas, que, ser uma discussão que necessita ser
aí diferentes de um curso superior detalhada em outro estudo, cabe o
como o de Medicina, fazem necessá- registro da grande falácia já denun-
rio considerar as condições e neces- ciada por Paulo Freire na década de
sidades específicas de aprendizagem 1960 ao evidenciar os riscos do tecni-
dos estudantes; e) estando posto o

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 303


cismo: formar trabalhadores fora de 3. CONCLUSÃO
uma perspectiva libertadora e que
lhes garanta chances razoáveis de Buscando encerrar essa análise
alcançar outros campos além do seu de cenas, sem pretender concluir
imediato não é um ato de cidadania, a discussão, que ainda se espalha
é, ao contrário, contribuir para que e precisa ser alongada, é possível
permaneçam atrelados a um circuito anotar que o ensino deve ser aspec-
de opressão e diminuição de possi- to central, antes de qualquer outro,
bilidades. Como se pode conferir de uma vez que é isso o que move e
forma resumida em matéria do site torna coerente a existência de qual-
do Senado brasileiro, esse tipo de quer instituição que se destine a ser
formação técnica mais desassociada de Educação. Estando o ensino no
dos aspectos integradores e inte- centro, os modos de fazê-lo encami-
grais do Ensino Médio regular atual, nham a discussão para a formação
é possível analisar, tende a contribuir dos profissionais que têm/terão essa
diretamente para que os estudantes responsabilidade.
que estejam submetidos a essa or- Esse aspecto assume especifici-
ganização curricular a) tenham cada dades quando a modalidade de or-
vez mais experiências de ensino não ganização curricular é a de um curso
satisfatório e b) permaneçam opri- técnico, pois os docentes provavel-
midos e sem condições de expandir mente serão provenientes de forma-
outros horizontes por conta de uma ções outras que não a didático-pe-
escolha precipitada e não refletida dagógica, típica das licenciaturas; e
quando de seu acesso ao “Ensino ainda outras peculiaridades quando
Médio”. Segue o trecho da matéria: o contexto for o que se analisou nes-
[…] para cursar a formação técnica te texto de reflexão, o de um curso
de nível médio, o estudante precisa
técnico integrado ao Ensino Médio,
cumprir ao longo de três anos 2,4
mil horas do ensino regular e mais segmento que integra a Educação
1,2 mil horas do técnico. A nova le- Básica, fase escolar em que as de-
gislação prevê que essa formação
mandas de cuidado com o meios e
ocorra dentro da carga horária do
ensino regular, desde que o aluno maneiras diferentes de aprender dos
continue cursando português e ma- estudantes precisam ser levados em
temática. Ao final do ensino médio,
conta de forma veemente.
o aluno obterá o diploma do ensino
regular e um certificado do ensino De nenhuma forma se pretende/
técnico. (AGÊNCIA SENADO, 2017)
pretendeu estabelecer uma vertente

304
dicotômica ou de antagonismo entre forma veemente na realização plena
o perfil técnico e o propedêutico ao da integração, em seu sentido mais
se colocar cursos técnicos integrados amplo.
ao Ensino Médio em questão. O ob-
jetivo é, com verdade, problematizar REFERÊNCIAS
os modos como têm sido postas e
assumidas determinadas questões AGÊNCIA SENADO. Sancionada lei
e práticas que, se entendidas como da reforma no ension médio. Se-
naturais, podem inviabilizar os senti- nado Notícias. Brasília, atualiza-
dos originais que são base de qual- do em 17/02/2017. Disponível em :
quer processo/curso/ação educativa: <www12.senado.leg.br/noticias/ma-
que os estudantes aprendam e que terias/2017/02/16/sancionada-lei-da
tenham condições de realizar coi- -reforma-no-ensino-medio> Acesso
sas outras com o que for aprendido, em 30 de abril de 2017.
produzir, para além de reproduzir. A
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de de-
própria disputa ideológica, pedagó-
zembro de 1996. Estabelece as dire-
gica e de entendimento de mundo,
trizes e bases da educação nacional.
típica do lugar escola, ainda tem se
Brasília, 1996
dado, de fato, com vistas a uma es-
pécie de demarcação de territórios _______. Lei nº 13.415, de 16 de
– o que é técnico, o que é propedêu- fevereiro de 2017. Altera as Leis nº
tico, o que se deseja que o estudante 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
egresso desses cursos seja capaz de que estabelece as diretrizes e bases
fazer e como, bem no sentido que já da educação nacional, e 11.494, de
destacamos sobre o conhecimento 20 de junho 2007, que regulamenta
poderoso. São movimentos natu- o Fundo de Manutenção e Desen-
rais de um processo recente, que se volvimento da Educação Básica e
está dando a conhecer e prosseguirá de Valorização dos Profissionais da
em constante mudança. O formato Educação, a Consolidação das Leis
integrado suaviza e busca atenuar do Trabalho - CLT, aprovada pelo De-
a demarcação entre os dois campos creto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
e, consequentemente, eliminar tam- 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28
bém as relações de poder e opressão de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº
entre um e outro tipo de formação. É 11.161, de 5 de agosto de 2005; e ins-
nessa perspectiva que insistimos de titui a Política de Fomento à Imple-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 305


mentação de Escolas de Ensino Mé-
dio em Tempo Integral. Brasília, 2017.

MOURA, D. H; LIMA FILHO, D. L; SILVA,


M. R. Politecnia e formação integra-
da: confrontos conceituais, projetos
políticos e contradições históricas da
educação brasileira. Rev. Bras. Educ.
[online]. 2015, vol.20, n.63, pp.1057-
1080.

NOSELLA, P. Ensino médio: unitário


ou multiforme?. Rev. Bras. Educ.
[online]. 2015, vol.20, n.60, pp.121-
142..

SAVIANI, D. História das ideias pe-


dagógicas no Brasil. Campinas: Au-
tores Associados, 2007.

___________. Choque Teórico da Po-


litecnia. Trab. educ. saúde [online],
vol.1, n.1, 2003.

YOUNG, M. F. D. O futuro da educa-


ção em uma sociedade do conhe-
cimento: o argumento radical em
defesa de um currículo centrado em
disciplinas. Rev. Bras. Educ. v.16 n.
48, 2011, pp.609-625

306
CURRÍCULO INTEGRADO: UMA PROPOSTA EM
CONSTRUÇÃO
Rose Márcia da Silva 1
1
Instituto Federal de Mato Grosso/ Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
E-mail: rose.marcia@oi.com.br

1. INTRODUÇÃO Neste recorte serão abordados


aspectos relativos à organização e
Este texto traz um recorte de mi- estrutura do currículo do curso, na
nha dissertação de Mestrado “Efetiva- perspectiva da efetivação do currí-
ção do Currículo Integrado no curso culo integrado na Educação Profis-
Técnico em Agropecuária Integrado sional Integrada ao Ensino Médio,
ao Ensino Médio do Instituto Fede- com objetivo de contribuir com
ral de Educação, Ciência e Tecnolo- avanços em termos teórico práticos,
gia de Mato Grosso (IFMT) - Campus tanto para o campo do currículo in-
Sorriso”. O estudo que culminou na tegrado quanto para a luta por uma
dissertação pautou-se em uma pers- educação omnilateral, politécnica e
pectiva crítico-dialética e utilizou-se unitária, inscrita em reformas curri-
das técnicas de análise documental, culares no IFMT, na Rede Federal de
observação participante e entre- Educação Profissional e Tecnológica
vista semiestruturada, com equipe e demais redes de Educação Básica
pedagógica, gestores, docentes e e Profissional. O aporte teórico para
estudantes do curso, a fim de com- este estudo foi buscado em Frigotto
preender como se efetiva o currículo (2014), Ciavatta e Ramos (2012), Pis-
integrado, qual a concepção de currí- trak (2000), Sacristán (2000), Macha-
culo integrado presente na literatura, do (2010), Vendramini e Machado
nos discursos oficial, institucional e (2011), na legislação curricular e em
dos sujeitos envolvidos, bem como documentos institucionais do IFMT.
compreender os avanços e desafios
dessa construção/efetivação.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 307


2. ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO ensão da realidade para além de sua
aparência fenomênica, segundo Ra-
INTEGRADO
mos (2005), fundamenta-se na con-
Entendo o currículo como parte cepção de homem como ser históri-
determinada e determinante da so- co-social que transforma a natureza
ciedade, que encontra na escola “ter- e a si próprio pelo trabalho; e no prin-
reno” fecundo para desenvolvimento cípio de compreensão da realidade
e prática adaptativa, reformista ou concreta como totalidade, síntese de
de resistência, e tem sua efetivação múltiplas relações. A interdisciplina-
como “projeto seletivo de cultura, ridade atua como reconstituidora “da
totalidade pela relação entre os con-
cultural, social, política e administra-
tivamente condicionado, que preen- ceitos originados a partir de distintos
che a atividade escolar e que se tor- recortes da realidade” (RAMOS, 2005,
na realizada dentro das condições da p. 116).
escola tal como se acha configurada” Nesse sentido, ressalta-se que a
(SACRISTÁN, 2000, p. 34). integração não se refere à dispen-
Para Machado (2010) o currículo sa do estudo por disciplinas, nem à
orienta as ações da escola, partin- soma de conhecimentos específicos.
do dos valores e normas, passando A essência de cada disciplina fica
pela metodologia/organização dos mantida, mas exige-se a construção/
conteúdos/disciplinas, percorrendo re-construção de relações entre es-
a distribuição do tempo/espaço, ma- ses conhecimentos/disciplinas, res-
nifestando-se na definição dos fins tabelecendo a totalidade, de modo
sociais e culturais da educação, bem que o conhecimento do todo se dê
como na organização de instrumen- pelo conhecimento das partes. Se-
tos e elementos para sua concretiza- gundo Ramos (2005), o desafio do
ção. Segundo a autora, é pelo currí- currículo integrado estaria na cons-
culo que a escola revela as “opções trução de relações entre os conheci-
relativas à concepção de educação, mentos específicos, pois nenhum co-
homem e mundo, envolve um exer- nhecimento é só geral nem somente
cício sistemático de teorização sobre específico, os conceitos precisam ser
prática pedagógica educação e ciên- tratados no interior de cada discipli-
cia” (p. 215). na, que inter-relacionando-se com
outros conceitos retomam a unidade
A organização do currículo inte-
parte-totalidade.
grado sob perspectiva da compre-

308
O Parecer CNE/CEB nº 5/2011, [...] desenvolvidas em, pelo menos,
dois espaços e tempos: um volta-
que deu origem às Diretrizes Curri-
do para as denominadas atividades
culares Nacionais para o Ensino Mé- integradoras e outro destinado ao
dio, apresenta como outras possíveis aprofundamento conceitual no in-
terior das disciplinas. É a partir daí
propostas de organização curricular:
que se apresenta uma possibilidade
complexos; temas; projetos; apren- de organização curricular do ensino
dizagem baseada em resolução de médio que potencialize uma am-
pliação de conhecimentos em sua
problemas; centros de interesses e
totalidade e não por suas partes
investigação do meio, entre outros. isoladas. Para fins formativos, isso
Para uma escola que se pretende significa identificar componentes
e conteúdos curriculares que per-
emancipadora e transformadora da
mitam fazer relações cada vez mais
realidade dual e desigual na qual vi- amplas e profundas entre os fenô-
vemos, é destacado como relevante menos que se quer “apreender” e a
realidade na qual eles se inserem.
que a organização curricular se pau-
(BRASIL, 2013, p. 40)
te em concepções e metodologias
críticas, como o complexo1 de Pistrak
ou os temas geradores2 de Freire. Nesse sentido, a prática curricular
tem permanecido, grande parte do
No entanto, algumas barreiras
tempo, organizada por disciplinas,
têm sido encontradas para pôr em
alternando-se com atividades inte-
prática tais metodologias no Ensi-
gradoras, por meio de práticas inter-
no Médio, devido à necessidade de
disciplinares ou projetos de pesquisa
aprofundamento dos conceitos ine-
e extensão, conforme o Projeto Pe-
rentes a cada disciplina e área do
dagógico de Curso (PPC) prevê:
conhecimento e seus métodos de
A utilização de metodologias dia-
exposição próprios. O que tem dire- lógicas, interdisciplinares, inter-re-
cionado o trabalho docente para a lacionadas às condições históricas,
escolha de metodologias mistas. sociais e culturais dos alunos será o

1 Na carta metodológica que apresenta a noção de complexo aos professores do sistema


educacional da União Soviética (NarKomPros, 1924) pode-se ler: “Por complexo deve-se
entender a complexidade concreta dos fenômenos, tomada da realidade e unificados ao
redor de um determinado tema ou ideia central”. A complexidade concreta dos fenômenos
apreendida da realidade remete à vida, e esta à questão do trabalho: “Deste ponto de vista
o trabalho é a base da vida”.
2 O método criado por Paulo Freire fundamental à educação numa perspectiva dialógica
horizontal, parte de uma problemática da comunidade, considerando principalmente as
condições de trabalho, e oferece meios de refletir e atuar sobre a realidade, buscando a
transformação.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 309


enfoque principal, em que o aluno como ferramenta de emancipação
possa desenvolver habilidades para
das classes trabalhadoras, sendo as-
observar, fazer análises, levantar hi-
póteses e fazer inferências do que sim o currículo não é algo abstrato e
se aprendeu. (IFMT CAMPUS SORRI- estático.
SO, 2014, p. 101)

2.1. Currículo do curso Técnico em


Porém, professores têm buscado Agropecuária Integrada ao Ensino
superar a fragmentação do currículo
Médio do IFMT Campus Sorriso:
e construir inter-relações entre con-
teúdos/disciplinas, para atender à construção, organização e prática
exigência do conhecimento como de integração
um todo, mas isso acontece, muitas
vezes, sem planejamento coletivo, Conforme consta no PPI, o mode-
de forma improvisada. Isso con- lo de currículo integrado articula te-
jectura a necessidade de formação oria e prática, orientando-se por uma
continuada para que os educado- postura interdisciplinar e crítica fren-
res compreendam as concepções te ao conhecimento, adotando a pes-
e metodologias de organização do quisa como princípio pedagógico e o
currículo integrado e da interdisci- trabalho como princípio educativo.
plinaridade, a fim de construí-lo co- “Em consonância com tais princípios,
letivamente, de modo que, segundo a escola passa a ser um espaço de
Pistrak (2000), as tarefas e os objeti-re-construção e de socialização das
vos relativos a cada disciplina escolarexperiências entre o conhecimento
estejam subordinados aos objetivos sistematizado, relacionado com o
gerais da escola e estes determinem mundo vivido, e o contexto social”
a forma de organizar o currículo. (IFMT, 2014, p. 48), possibilitando
não apenas a formação técnica e
Nesse sentido, diante da missão
profissional, mas o desenvolvimento
de “educar para a vida e para o tra-
da capacidade de análise crítica da
balho” o Projeto Pedagógico Institu-
sociedade (IFMT, 2014).
cional (PPI) do IFMT afirma que para
“a elaboração e definição do currí- O Projeto Pedagógico do Curso
culo implica na descrição de como Técnico em Agropecuária Integrado
se concretizam as funções da insti- ao Ensino Médio foi elaborado em
tuição, dentro de um dado contexto 2014 por uma comissão de professo-
histórico e social”(IFMT, 2014, p.47), res e equipe pedagógica. Para cons-

310
trução do PPC, conforme afirma um Houve alguma conversa com al-
dos gestores: guns alunos e alguns pais, porém
[...] basicamente os projetos são não foi feita uma audiência pública,
construídos [...] partir de comissões eles não participaram, a comunidade
com a presença de professores das
diferentes áreas, mas, sobretudo
não participou, da elaboração desse
da área específica da formação que PPC (Gestora 1).
aquele curso vai enfatizar, com a
presença de pedagogos, técnicos, A maioria dos estudantes, des-
dos conselhos educacionais, enfim conhece, se confunde ou não se in-
da equipe pedagógica da institui- teressa por conhecer o PPC. Quando
ção. E o trabalho é coordenado pela
equipe pedagógica, porque exis- questionados, deram-se conta da
te uma preocupação em relação importância do documento, mas en-
a essa proposta de integração das tre os alunos entrevistados apenas
formações, da educação básica com
a educação profissional, mesmo sa- 01 disse conhecer todo o projeto.
bendo que essa não é uma questão Os outros, a princípio, disseram não
simples (Gestor 3). conhecer e, após explicação do que
seria o PPC, afirmaram que havia sido
A participação da comunidade apresentado no início do curso o que
escolar aconteceu via representação iriam estudar, como iriam concluir o
na comissão e em algumas ativida- curso e da necessidade de estágio;
des de elaboração de ementas e con- que foram apresentadas as ementas
versas com pais e alunos, segundo a das disciplinas e houve outros que
afirmação dos sujeitos: não sabiam como seria até o final do
[...] participei especificamente das
curso, somente durante cada ano.
disciplinas ligadas à área que eu mi- A construção da proposta pe-
nistro [...] na construção das emen-
tas. Aqui no IF [Instituto Federal] a dagógica do curso teve início com
gente tem um conjunto docente a discussão e definição coletiva do
formado por uma quantidade de en- perfil do curso, objetivos, justificati-
genheiros [...] a gente sempre estava
conversando entre si. Mas eu tam- va, bem como o perfil dos egressos
bém, buscava outras instituições de e o perfil de cada área, o que deveria
IFs no Brasil, outros IFs e fazia uma orientar o currículo integrado. Para
comparação de várias ementas, pra
ver o que era mais atual, fazer um isso, segundo um dos gestores, bus-
compilado dessas ementas e trazer caram
pra cá (Professor 2).
[...] levantar informações, conhecer
essas realidades através de pesqui-
sas, estatísticas, de diálogos com os

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 311


próprios produtores, isso sim nós O objetivo geral do curso, explici-
buscamos fazer com os sindicatos,
tado em seu PPC é proporcionar uma
com, no caso do curso de agrope-
formação que integre trabalho, ciên-
cuária, entrevistas com presiden-
cia, cultura e tecnologia e oportu-
te do sindicato tanto dos grandes
produtores quanto dos pequenos
nizar aos estudantes construção de
produtores rurais. Fizemos entrevis-
competências profissionais na pers-
tas com os próprios produtores de
pectiva de continuar aprendendo e
assentamentos e fazendeiros pra sa-
ber qual seria a real demanda nesse
adaptando-se de maneira dinâmica
sentido... (Gestor 3).
às diferentes condições do mundo
do trabalho e do sistema educativo.
O perfil do curso e o perfil dos A base da formação específica pre-
profissionais a serem formados, tende formar profissionais capazes
presentes no PPC, foram construí- de colaborar de forma responsável,
dos com base no Catálogo Nacional participativa, crítica e criativa na so-
dos Cursos Técnicos de Nível Médio lução de problemas na área de pro-
(Resolução CNE/CEB nº 4/2012) na dução e transformação vegetal e/
concepção, nos princípios e nos ob- ou animal e de conservação do meio
jetivos referenciados no PPI do IFMT, ambiente, desenvolvendo saberes e
e nas atribuições do Técnico em valores necessários à organização so-
Agropecuária definidas pela Resolu- cial, política e econômica.
ção nº 262, de 28 de julho de 1979
A justificativa principal do curso
(CONFEA). Assim, o perfil profissional
está relacionada ao contexto e ar-
visa contemplar uma sólida forma-
ranjos produtivos locais e à carência
ção técnico-científica, considerando
por soluções técnicas e tecnológicas
“os conhecimentos, saberes e com-
para a dinâmica dos sistemas de pro-
petências profissionais gerais reque-
dução agropecuária. São apresen-
ridas para o trabalho, em termos de
tados dados de produção do agro-
preparação básica; comuns a um
negócio, de instalação de empresas
determinado segmento profissional
multinacionais, regionais, associa-
do eixo tecnológico estruturante Re-
ções e cooperativas, assim como
cursos Naturais; e específicas da ha-
o desenvolvimento da agricultura
bilitação profissional do Técnico em
familiar. Conforme consta no PPC, a
Agropecuária” (IMFT CAMPUS SORRI-
oferta do curso se justifica pelo fato
SO, 2016, p. 28).
de atender a “demanda por profissio-
nais qualificados dentro do eixo Tec-

312
nológico de Recursos Naturais com institucional, uma vez que o currí-
ênfase na Agropecuária”, oferecer culo sempre foi organizado por dis-
ensino de qualidade, articulando for- ciplinas. A escolha das disciplinas
mação para o trabalho e para prosse- para compor a matriz curricular, bem
guimento nos estudos para “discen- como a distribuição das cargas ho-
tes oriundos do ensino fundamental rárias dos componentes curriculares
das escolas locais e dos municípios foram definidas a partir de discus-
circunvizinhos” e, sobretudo, “opor- sões entre os professores das discipli-
tunizar a criação e ampliação de no- nas específicas e os professores das
vas tecnologias que diversifiquem o áreas do Ensino Médio, a saber: lin-
cenário agropecuário regional, com guagens, códigos e suas tecnologias,
vistas a novas oportunidades de ciências humanas e suas tecnologias,
geração de emprego e renda, bem ciências da natureza e suas tecno-
como contribuir para a conservação logias e matemática e suas tecno-
dos recursos naturais ainda existen- logias, e a composição das ementas
tes”(IFMT CAMPUS SORRISO, 2015, p. das disciplinas foi feita isoladamente
16). por cada docente.
A organização curricular no for- Assim o processo pode ser de-
mato disciplinar decorre da cultura monstrado da seguinte forma:

Figura 1 – Representação do processo de construção do currículo

Fonte: elaborado pela pesquisadora.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 313


O PPC está em consonância com tados pelo eixo estruturante do tra-
balho como princípio educativo e
o PPI do IFMT e se fundamenta na
pela integração das dimensões do
concepção de currículo integrado trabalho, da ciência e da tecnologia.
por considerar ser essa a concepção (IFMT CAMPUS SORRISO, 2014, p. 30)
de dilui as fronteiras, permitindo a
construção, reconstrução, socializa- O curso é organizado na modali-
ção e difusão do conhecimento. dade anual, com 200 dias letivos por
A organização do currículo con- ano. As aulas são ofertadas em perío-
templa do integral, de segunda a sexta-feira,
[...] uma parte diversificada, exigida com duração de 50 minutos por aula,
pelas características regionais e lo- sendo 36 aulas semanais na 1º Ano,
cais da sociedade, da cultura e a si-
tuação econômica dos educandos,
37 aulas semanais no 2º Ano, e 34 au-
observando dentre as diretrizes a las semanais no 3º Ano, distribuídas
orientação para o trabalho, asse- em 40 semanas no ano.
gurando ainda a formação comum
indispensável para o exercício da ci- Mesmo procurando fazer um
dadania e meios para progredir no balanceamento na distribuição das
trabalho e em estudos posteriores,
de acordo com o que estabelece a cargas horárias, a Matriz Curricu-
LDB nº 9.394/1996. (IFMT CAMPUS lar do curso ainda mantém a reco-
SORRISO, 2014, p. 30) mendação anterior ao Decreto nº
5.154/2004, tanto na opção pela
Ainda está definido no PPC que a fragmentação do currículo por disci-
organização curricular plinas quanto na distribuição da car-
[...] tem como princípios norteado- ga horária entre as áreas do conheci-
res dois eixos essenciais: o trabalho mento. Como podemos observar no
como princípio educativo e a pes- Gráfico a seguir.
quisa como princípio pedagógico
(Parecer CNE/CEB nº 5/2011), orien- A estrutura curricular privilegia a

Gráfico 1: Distribuição da
Carga Horária por Área

Fonte: Elaborado pela


pesquisadora a partir da Matriz
Curricular do Curso.

314
área de ciências da natureza e mate- va entre as áreas, a fim de evitar que
mática e o Núcleo Profissionalizante disciplinas consideradas mais impor-
em detrimento da área de ciências tantes como bases científicas dos
humanas, o que pode dificultar a cursos técnicos fiquem com a maior
possiblidade de um trabalho inter- parte da carga horária nos currículos.
disciplinar com outras áreas e com o Com relação às disciplinas especí-
Núcleo Técnico. E esse aspecto é co- ficas da área profissional, destaca-se
mum na definição das matrizes dos que o projeto de curso apresenta a
cursos técnicos, que buscam priori- opção da instituição em “atuar priori-
zar áreas mais relacionadas ao eixo tariamente nas áreas relacionadas ao
articulador da tecnologia. No entan- agronegócio, à agricultura de preci-
to para Ciavatta e Ramos (2012) o são, à produção de grãos, à produção
currículo elaborado sobre as bases e industrialização de alimentos, à pe-
do trabalho, da ciência, da cultura e cuária, à sustentabilidade ambiental,
da tecnologia, não pode hierarquizar à formação de professores, entre ou-
os conhecimentos nem os respec- tras áreas” (IFMT CAMPUS SORRISO,
tivos campos das ciências, devendo 2015, p. 12).
problematizá-los em suas historici-
dades, relações e contradições. A tendência dos cursos na área
agropecuária está na adoção de com-
O tempo concedido a cada área ponentes curriculares como agroe-
é um fator importante na definição cologia e cooperação, porém, como
das prioridades visualizadas na cons- alertam Vendramini e Machado, “es-
trução do currículo. Sendo assim, sas matrizes, embora reconhecidas
um grande desafio que se apresen- como importantes no processo de
ta para os Institutos Federais (IFs) é resistência, não são as que predomi-
romper com a cultura institucional nam nas relações produtivas” (2011,
de base técnica e científica das Es- p. 97). Tais componentes curriculares
colas Técnicas e Centros Federais não fazem parte da matriz curricular
de Educação Tecnológica (CEFETs) e do curso, a seleção das ementas das
conceber uma formação omnilateral, outras disciplinas se apresenta de
sob os eixos do trabalho, conheci- forma aberta, apresentando a cultu-
mento e cultura sob a base tecno- ra, criação de animais e tecnologias
lógica. Cabe ressaltar que alguns IFs de modo a contemplar a diversidade
já buscam orientar a construção do de pequenas e grandes proprieda-
currículo a partir da divisão equitati-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 315


des. Especificamente no 3º ano do com o trabalho análogo realizado
em outros lugares, no sentido de
curso, a disciplina de extensão rural
se chegar à compreensão do rumo
contempla assuntos mais relaciona- e da importância de nossa luta por
dos a essa diversidade, tais como: formas de trabalho aperfeiçoadas.
(PISTRAK, 2000, p. 73)
Extensão rural e as novas ruralida-
des: as populações tradicionais e o
acesso à modernização agrícola. O
desenvolvimento sustentável e a Decorrente do que preceitua o
Decreto 5.626, de 22 de dezembro
agroecologia. A dinâmica campo-ci-
dade e a agricultura familiar. O asso-
de 2005, em seu Art. 3º § 2º, o ensino
ciativismo e o acesso aos mercados,
com elaboração e execução de pro-de Libras é contemplado como disci-
plina optativa, fora da carga horária
jetos de assistência técnica. (IFMT
CAMPUS SORRISO, 2015, p. 94) total do curso, no 3° ano do curso, a
fim de oportunizar “a formação e re-
Para Pistrak, o contato com o es- flexão acerca da inclusão e garantia
tudo da agricultura em escolas da de todos à educação de qualidade”
cidade deve pautar-se na necessida- (IFMT CAMPUS SORRISO, 2015, p. 30).
de de “aliança entre operários e cam- Os conhecimentos concernen-
poneses, entre a cidade e o campo” tes à educação ambiental, história
(2000, p. 70). O currículo não deve es- e cultura afro-brasileira e dos povos
tar limitado ao estudo da economia indígenas brasileiros e educação em
rural, mas divulgar a influência cul- direitos humanos (diversidade, inclu-
tural da cidade no campo, participar são, gênero, direitos do idoso, direi-
diretamente, a fim de que cada aluno tos da criança e do adolescente, edu-
conheça e compreenda o que é o tra- cação para o trânsito) aparecem no
balho agrícola, o campo e o trabalho PPC como temáticas interdisciplina-
social entre os camponeses. res, integradas às disciplinas do cur-
Nesse sentido, Pistrak alerta que so, de modo transversal, contínuo e
o trabalho precisa ser tomado como permanente, no formato de Ativida-
princípio fundante da compreensão des Complementares (debate, pales-
da necessidade de aliança entre a ci- tra, mesas temáticas, entre outros).
dade e o campo, pois
O trabalho agrícola só se tornará 2.2 Experiência e prática de inte-
um fator de educação social quan-
do for tomado como ponto de par-
gração
tida, fazendo-se sua comparação
Os Planos de Ensino das discipli-

316
nas contemplam uma variedade de tão o projeto integrador seria uma
alternativa (Gestor 3).
metodologias, conforme as caracte-
rísticas de cada disciplina, tais como
aula expositiva, aula dialogada, apre- Em análise dos Planos de Ensino
sentação de seminários, debates, uso do 2º ano, percebe-se que das 18 dis-
de tecnologias, trabalhos individuais, ciplinas ofertadas, 14 fazem referên-
em duplas e grupos, problematiza- cia ao uso de atividades práticas em
ção, utilização e discussão de vídeos, laboratórios, visitas ou viagens técni-
revistas e filmes, aula prática, leituras cas e núcleo de produção (fazenda
e fichamentos, desenvolvimento de experimental) como recursos para o
projetos, demonstração, experimen- processo ensino-aprendizagem. De
tação e realidade do campo. acordo com o Gestor 3, é percebida
No entanto, percebe-se nas falas uma dificuldade dos professores efe-
dos professores e equipe de ensino tivarem o que está no projeto de cur-
a necessidade de uma definição me- so com relação à integração teoria e
todológica de organização do currí- prática, devido a um distanciamento
culo, ainda em discussão, como afir- entre elas, pois
mam: [...] no projeto pedagógico do cur-
so, há uma preocupação de que
[...] eu acho muito interessante, que essa prática, que é necessária para
a gente pode pensar no futuro e a formação do profissional [...] seja
trabalhar com temas, eu acho bem um lugar, uma espécie de origem
legal, tipo você propõe um tema ge- ou situação em que, a partir da
rador e as disciplinas vão trabalhan- qual os professores possam buscar
do todas naquele, existem colégios as teorias para poder elucidar, para
que trabalham dessa forma e dá poder resolver os problemas [...] não
muito certo. se vai a campo pra poder executar
[...] acredito que a introdução aí de aquilo simplesmente [...] a propos-
projetos integradores né..., ou por ta do curso era que aquela área da
problemas, facilitaria muito a mu- fazenda experimental, no caso es-
dança de concepção. [...] se a gente pecífico do Campus de Sorriso, sem
trabalhasse, por exemplo, com pro- estruturação, sem qualquer condi-
jeto integrador, seria uma coisa que ção de produção ela fosse analisada,
daria esse salto no sentido de pro- conhecida da maneira como ela é, e
porcionar ao grupo a compreensão aí sim a partir desse conhecimento,
de como é possível fazer a integra- da situação real em que a área se
ção e de como os conteúdos na re- encontra buscar na teoria, ou nos
alidade estão imbricados..., eles não estudos, nas disciplinas elementos
estão separados, estão separados e subsídios pra poder intervir na-
na nossa matriz curricular, mas na quela realidade modificando aquela
realidade eles estão imbricados, en- realidade para aquilo que se deseja,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 317


que é produzir, fazer com que ela se ção no trabalho:
torne produtiva. Então a proposta é
que isso não seja feito sem conhe- É preciso imaginar a fábrica como o
cer a realidade [...] fazendo as aná- centro de uma ampla e sólida teia
lises, os estudos e o diagnóstico do de aranha, de onde partem inume-
problema que hoje nós temos pra ráveis fios ligados entre si de manei-
resolver [...] a teoria ela está aí pra ra a formar os nós múltiplos da vida.
oferecer subsídios, ela é um instru- [...] a escola não estudará apenas a
mento pra poder resolver uma situ- fábrica; consideramos que o traba-
ação problema ou uma intervenção lho principal da escola é tornar com-
que é necessária para modificar preensíveis ao aluno todos os nós e
uma realidade que existe (Gestor 3). todos os fios que se ligam à fábrica.
[...] Os estudos o levarão a esta ou
àquela questão científica ou, mais
exatamente, a toda uma série de
No entanto a concepção de prá- questões científicas e práticas para
tica que prevalece entre parte dos as quais a escola deverá lhe fornecer
professores é de que respostas através da formação bási-
ca e da educação. (PISTRAK, 2000, p.
[...] quando os professores, sobre- 78-79)
tudo os que trabalham com estas
áreas disciplinas mais técnicas vão
a campo eles vão levando uma con-
Observamos que, mesmo diante
cepção de prática que tem origem
na educação tradicional, na con-de tais dificuldades, os professores
em espaços fora da sala de aula dia-
cepção idealista, de que a prática se
reduz a uma aplicação de teoria, en-
logam sobre a sua prática, ainda sem
tão, você pré-elabora o projeto, faz
uma pré-concepção de uma situa- uma obrigatoriedade burocrática e,
como define o Gestor 4, “interdisci-
ção e vai lá na área pra poder aplicar
aquilo e fazer com que aquilo que
plinaridade eu vejo que ela tem que
foi pensado aconteça. Muitas vezes
aí que há uma situação em que, ofluir meio naturalmente, não é uma
coisa... hoje eu estou a fim e hoje vou
que está sendo feito lá ou o que se
pretende fazer não ocorra, ou não é
fazer interdisciplinaridade. Não, não
possível de se fazer porque não se
é desse jeito, porque ela tem que
atentou para a necessidade de ex-
fluir”. Reconhecer essa condição da
plorar a situação problema, as con-
dições objetivas que aquela área
interdisciplinaridade é importante,
oferece para a execução daquele
propósito... (Gestor 3). pois permite ir avançando, desco-
brindo, tomando decisões e fazendo
escolhas juntos, como a experiência
Como bem ilustra Pistrak sobre o
apresentada pelo Gestor 4, que tam-
trabalho na fábrica, ciência e traba-
bém é professor:
lho precisam se integrar pela educa-
[...] a gente faz bastante trabalhos

318
interdisciplinares com a disciplina mesmo ainda não tendo definido a
nos 2º anos do Ensino Médio com
concepção metodológica a ser tra-
topografia. Então, a gente trabalha
meio que paralelamente, a mate- balhada pelo campus, os docentes
mática e topografia, até alguns pro- buscam alternativas ou metodolo-
jetos de extensão foram feitos nesse
gias críticas diversas, que inovem ou
sentido, matemática e topografia e
na agricultura I, trabalham os solos despertem o interesse dos estudan-
na agricultura I e na matemática es- tes e minimizem a fragmentação dis-
tava se trabalhando área e volume
ciplinar. A indefinição de uma meto-
então a gente conseguiu fazer bem
essa relação, até mesmo o professor dologia não pode ser vista como um
de física entrou com densidade, pra problema grave que compromete a
trabalhar isso. A topografia usa mui-
concepção de formação integrada,
to a trigonometria, então, a gente
trabalhou paralelamente também. haja vista que o campus está em pro-
A minha parte, matemática a gen- cesso, e a indefinição é própria do
te ia a campo coletava informações
processo. É o que Frigotto sinalizou
com trena, voltava pra sala e vinha a
parte matemática novamente nesse numa entrevista concedida em 2014:
sentido (Gestor 4). [...] a maior dificuldade de integrar
é primeiro querer integrar, uma ati-
tude política, segundo é o professor
Essa prática foi observada tanto que comece a fazer essa discussão
em sala de aula, como nos momen- que vocês estão fazendo “afinal de
contas, o que é integrar? mas como
tos de diálogo na sala dos professo- nós vamos fazer?”, precisa ter um
res e com os estudantes. Em deter- início e é uma atitude de querer, e
minadas aulas os professores fizeram aí o cara vai encontrar os caminhos
[...] você pode integrar por discipli-
articulação com outras disciplinas e na, não é impossível... você pode in-
os alunos relataram que percebiam tegrar por projetos, em todo aquele
essa inter-relação entre o conteúdo semestre a escola vai trabalhar um
grande projeto onde entra todos os
que eles estavam estudando naque- campos de conhecimento ou você
la disciplina com outros conteúdos pode trabalhar por temas, Paulo
ou com uma visita técnica ou uma Freire, temas geradores... isso não
tem uma regra, porque a gente par-
aula prática. Mas também que per- te do princípio que vocês como pro-
cebiam mais fortemente essa rela- fessores, foram se formando e têm
ção das áreas quando desenvolviam os elementos pra dizer "bom, aqui
nós vamos tentar isso, vamos tentar
alguma atividade prática, ou projeto aquilo”. Não existe uma fórmula, o
de ensino, de pesquisa ou extensão. que existe é uma concepção, de não
negar um conhecimento básico em
Dado o exposto, percebe-se que todas as áreas do que é humano.
(FRIGOTTO, 2014)

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 319


Após análise da concepção de- sino Médio do IFMT Campus Sorriso
fendida pela instituição, pelo cam- está conseguindo avançar na efeti-
pus e pelo curso, do que pensam vação de uma proposta pedagógica
os sujeitos, e da prática pedagógica, amparada em referencial teórico crí-
ressalto alguns avanços e desafios tico de currículo integrado, pautan-
na efetivação do currículo integrado do-se na formação integral dos edu-
no Curso Técnico em Agropecuária candos, preparação para o trabalho,
Integrado ao Ensino Médio do IFMT para prosseguir nos estudos e para
Campus Sorriso. serem cidadãos atuantes e transfor-
Em síntese, levando em consi- madores da realidade. O compro-
deração os dados discutidos, des- metimento de toda a equipe repre-
taco que a busca pela construção/ senta um importante contraponto,
efetivação do currículo integrado buscando com base em tentativas e
no IFMT Campus Sorriso é uma luta experiências implementar atividades
semelhante à da maioria dos Institu- e metodologias integradoras dos ei-
tos Federais que foram instituídos a xos trabalho, conhecimento, cultura
partir de Escolas Técnicas ou CEFETs, e tecnologia, por meio de projetos,
é a luta diária entre uma escola com temas, área ou disciplinas.
a tradição de formação técnica e de Como fase de “travessia” para uma
ensino tecnicista e uma nova reali-
formação mais ampla, a indefinição
dade, com um nova concepção, um quanto a uma concepção curricular
novo currículo e uma prática aindae metodológica não pode ser vista
a ser construída, sem ter, conforme
como um aspecto negativo. Nessa
afirma o Gestor 2, um modelo, um es-
fase, retomando Frigotto (2014), o
pelho a ser seguido, com as mesmasque não se pode é perder de vista o
características, para poder avaliar o
direito do jovem ao desenvolvimen-
que está ruim e o que precisa melho-
to integral, em todas as áreas “do que
rar, tudo é novo e tudo está sendoé ser humano”. Para tal, a escolha des-
experimentado, buscando melhorar sa organização, seja por temas, com-
a cada dia. plexo, projetos, por área, ou mesmo
por disciplina, deve estar embasada
3. CONCLUSÃO em teorias críticas do currículo, que
concebem o estudante completo: in-
A organização do Curso Técnico telectual, social, profissional, huma-
em Agropecuária Integrado ao En- na, política e culturalmente. Desse

320
modo, se torna necessária a forma- pitalista neoliberal que ameaçam as
ção continuada dos educadores para conquistas da classe trabalhadora
aprofundamento dos conceitos de e de educadores socialistas. Isso é
integração e das concepções curri- claramente demonstrado pelo atu-
culares e metodológicas para efeti- al governo, que edita um pacote de
vação dessa proposta. “contrarreformas” de Medidas Pro-
As políticas curriculares imple- visórias, Projetos de Lei e Emendas
mentadas nos últimos dez anos têm à Constituição que ferem e retroce-
avançado no sentido de definir nas dem nas conquistas alcançadas até
Diretrizes Curriculares Nacionais para aqui, tais como a Lei nº 13.415/20173,
a Educação Básica (Resolução CNE/ a nova Base Nacional Comum Curri-
CEB nº 4/2010), nas Diretrizes Curri- cular (BNCC)4; a Emenda Constitucio-
culares Nacionais para o Ensino Mé- nal nº 95/20165 e o Projeto de Lei do
dio (Resolução CNE/CEB nº 2/2012) e Senado nº 193/20166. Esse pacote de
nas Diretrizes Curriculares Nacionais medidas antissociais precariza o tra-
para a Educação Profissional Técnica balho docente, despolitiza o ensino,
de Nível Médio (Resolução CNE/CEB empobrece o currículo e impede a
nº 6/2012) como eixos articuladores efetivação de uma educação integral
e integradores do currículo: trabalho, de qualidade.
ciência, cultura e tecnologia, tendo A luta pela superação da concep-
trabalho como princípio educativo ção utilitarista do ensino médio e
e a pesquisa como princípio peda- da educação profissional está posta
gógico. Mas encontram como desa- como resistência ao capital. O mo-
fio, na atualidade política brasileira, mento atual brasileiro tem exigido
projetos e programas de cunho ca- enfrentamento e posicionamento

3 A Medida Provisória (MP) nº 746/2016, transformada na Lei nº 13.415/2017, altera as Leis


nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolida-
ção das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943,
e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto
de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral.
4 BNCC - Documento de caráter normativo que define o conjunto de aprendizagens essen-
ciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educa-
ção Básica. Estabelece o ensino com base em competências e habilidades que se espera que
todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 321


contra as reformas e medidas políti- TO, G. Dicionário da Educação do
cas neoliberais. Esse momento é de- Campo. (Org.). Rio de Janeiro, São
safiador, altamente educativo, pois a Paulo: Escola Politécnica de Saúde
escola é terreno fértil das contradi- Joaquim Venâncio, Expressão Popu-
ções e o currículo pode ser encarado lar, 2012.
como instrumento de conformação
ou de transformação, resistência e FRIGOTTO, G. Entrevista concedida
luta. no Hotel Ucayali. Sinop, 2014.

IFMT, INSTITUTO FEDERAL DE EDU-


CAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE
REFERÊNCIAS MATO GROSSO. Projeto de Desen-
volvimento Institucional/ Projeto
BRASIL. Ministério da Educação. Pare- Pedagógico Institucional. Mato
cer do CNE/CEB nº 5/2011. Diretrizes Grosso: IFMT, 2014.
Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Diário Oficial [da República IFMT CAMPUS SORRISO. Projeto
Federativa do Brasil]. Seção 1. Brasí- Pedagógico do Curso Técnico em
lia, de 25 de junho de 2012. p. 7. Agropecuária Integrado ao Ensino
Médio – IFMT Campus Sorriso. Sorri-
______. Ministério da Educação. Se- so: IFMT, 2015.
cretaria de Educação Básica. Currícu-
lo, seus sujeitos e o desafio da for- MACHADO, I. F. Organização do Tra-
mação humana integral. Caderno balho Pedagógico em Uma Escola
III. Curitiba: UFPR/Setor de Educação, do MST e a Perspectiva de Forma-
2013a. ção Omnilateral. Campinas. Editora
RG, 2010.
CIAVATTA, M. RAMOS, M. Ensino Mé-
dio Integrado. In: CALDART, R. S.; PE- PISTRAK, M.M. Fundamentos da Es-
REIRA, I. B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOT- cola do Trabalho. Trad. Daniel Aarão

5 Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Chamada de novo regime fis-


cal, limita as despesas primárias da União por 20 anos para pagar dívida pública, recaindo
sobre os trabalhadores, os servidores e os serviços públicos e, especialmente, em áreas es-
senciais à população brasileira como a Educação e Saúde.
6 Projeto de Lei do Senado nº 193 de 2016 - Inclui entre as diretrizes e bases da educação
nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o "Programa Escola sem
Partido", chamado por educadores progressistas de “Lei da mordaça”, pois atua como ferra-
menta de controle, de opressão e de silenciamento do pensamento crítico.

322
Reis Filho. 1. ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2000.

RAMOS, M. N. Possibilidades e desa-


fios na organização do currículo in-
tegrado. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA,
M.; RAMOS, M. N. (Org.). Ensino Mé-
dio Integrado: Concepções e Con-
tradições. São Paulo: Cortez, 2005. p.
106 – 127.

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma


reflexão sobre a prática. Trad. Ernani
F. da F. Rosa. 3. ed. Porto Alegre: Art-
med, 2000.

VENDRAMINI, C.R; MACHADO, I. F. A


relação trabalho e educação nas ex-
periências escolares do MST. In: VEN-
DRAMINI, C.R; MACHADO, I. F. (Orgs.).
Escola e movimento social: a expe-
riência em curso no campo brasilei-
ro. São Paulo: Expressão

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 323


DO ENSINO INTEGRADO AO CURRÍCULO
INTEGRADO: RELAÇÃO ENTRE MÚLTIPLO E UNO
Juliana de Almeida Pereira e Santos1
1
Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), campus Araçuaí
E-mail: juliana.santos@ifnmg.edu.br

1. INTRODUÇÃO ra, a arquitetura, a pintura, a escultu-


ra, o teatro, a música, dentre outros.
Este texto constitui excerto de Com essa associação, pretendeu-se
estudo de dissertação de Mestrado, aludir ao caráter de protagonismo e
cujo objetivo foi descrever o proces- de inovação do trabalho das profes-
so de construção de uma nova práxis soras, no âmbito da reforma curricu-
pedagógica, com base em uma re- lar em análise.
forma curricular, do tradicional para
Nesse recorte, aqui proposto, de
o integrado, a partir da trajetória de
um lado, engendra-se um paralelo
professores do curso Técnico em En-
entre os parâmetros organizacionais
fermagem do Instituto Federal da
que tangenciam o Ensino Médio In-
Bahia (IFBA), campus Eunápolis. Para
tegrado e, por outro lado, os funda-
tanto, utilizou-se pesquisa de nature-
mentos epistemológicos e filosóficos
za básica do tipo exploratória, com
que originam e sustentam a concep-
abordagem hipotético-dedutiva e
ção de currículo integrado, no que
enfoque qualitativo. No que tange ao
concerne à educação omnilateral.
procedimento, utilizou-se o estudo
de caso a partir da técnica de histó- Segundo a legislação que inau-
ria oral, na modalidade temática. Na gura o Instituto Federal (IF), no Bra-
análise dos resultados, as depoen- sil, as escolas da rede devem cons-
tes, constituintes da amostra, foram tituir-se como centro de excelência
identificadas com nomes de artistas para oferta de Educação Profissional
do Movimento Modernista, iniciado e Tecnológica, em todos os seus ní-
em 1922, o qual permeou a literatu- veis e em todas as suas modalidades,

324
priorizando, no caso da Educação série de dicotomias, de contradições
Profissional de nível médio, a forma e de possibilidades, o que evidencia
de cursos integrados (BRASIL, 2008, o trabalho escolar e a prática docente
p. 4). O conceito de ensino integral, a partir de novas perspectivas. Nessa
contudo, não se origina e nem se direção, a inserção político-social da
restringe a essa modalidade de or- escola, aqui, analisada, bem como
ganização de cursos, ainda que mui- o posicionamento do curso Técnico
tas pessoas só o identifiquem nessa em Enfermagem, nesse contexto,
acepção. constituem-se como espaço privi-
Discussões e propostas de edu- legiado para dar contornos claros e
cadores vão mais longe. Ao defen- nítidos, materializando, assim, as elu-
derem a proposta de Ensino Médio cubrações propostas.
Integrado, resgatam fundamentos
filosóficos, epistemológicos e peda- 2. DESENVOLVIMENTO
gógicos da concepção de educação
politécnica e omnilateral e a de es-
2.1. Do ensino integrado ao currí-
cola unitária, baseados no programa culo integrado
de educação de Marx e Engels e de
Interdisciplinaridade, educação
Gramsci (RAMOS, 2011, p. 772).
global, centros de interesse, metodo-
Tais fundamentos convergem logia de projetos, globalização são
para uma concepção de currículo in- vocábulos que traduzem coisas bem
tegrado, cuja formulação incorpora semelhantes. Para Santomé (1998),
contribuições já existentes sobre o não obstante a vasta diversificação
mesmo tema, mas pressupõe a pos- de termos, pode-se pensar que, no
sibilidade de se pensar em um currí- fundo, trata-se apenas do mesmo e
culo convergente com os propósitos do eterno problema, ainda não re-
da formação integrada – formação solvido de maneira definitiva, isto é:
do sujeito em múltiplas dimensões, a necessidade de superar a fragmen-
portanto, omnilateral – e da supera- tação dos conhecimentos e a impe-
ção da dualidade estrutural da socie- rativa tarefa de estabelecer diálogo
dade e da educação brasileiras (RA- entre o currículo e a realidade coti-
MOS, 2011, p. 772). Nesse sentido, diana.
por sua complexidade e sua plurali-
Nesse sentido, fundamenta-se
dade, os estudos apontam para uma
o conceito de currículo integrado

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 325


que reúne os argumentos da globa- completo [...].” (LUKÁCS, 1979, p. 19).
lização, da interdisciplinaridade, do Trata-se, portanto, de uma dimensão
conhecimento e das inter-relações ontológica do trabalho, em uma ló-
sociais, econômicas e políticas. Para gica criadora e transformadora, di-
o autor, a expressão deriva do vo- ferente de sua dimensão histórica, a
cábulo integração, o que resulta na qual gera exploração e alienação.
unidade das partes e não em uma Como se percebe, ambos os au-
simples soma ou agrupamento de tores (Gramsci e Lukács) foram bas-
objetos distintos ou de partes dife- tante influenciados pelos escritos de
rentes, mas resulta, sim, na unidade Karl Marx e Engels; constituindo-se,
que deve existir entre as diferentes conforme Ciavatta (2008), como re-
disciplinas e formas de conhecimen- ferência para os teóricos que se de-
to (SANTOMÉ, 1998). bruçam sobre o tema. Inclusive, no
Sua base teórica é intensamente Brasil, influenciaram autores como
influenciada pelas formulações edu- Gaudêncio Frigotto, Demerval Sa-
cacionais de Antônio Gramsci (2004), viani, Marise Ramos, além da própria
o qual propõe o conceito de escola Maria Ciavatta, dentre outros.
unitária e aprofunda o conceito de A partir da década de 1980, no
politecnia. Outro autor, com grande Brasil, esses e outros agentes contri-
influência na constituição da base te- buíram para que houvesse um incre-
órica, acerca de currículo integrado, mento nas produções teóricas acerca
foi o filósofo húngaro György Lukács, de abordagens relativas à politecnia
a partir de suas formulações no que e ao currículo integrado, essa discus-
tange à ontologia do ser social. Para são foi incorporada no contexto dos
ele, os seres humanos transformam- debates da LDB (Lei de Diretrizes e
se e constroem novos conhecimen- Bases) de 1996. Todavia, essa deman-
tos à medida que transformam a na- da foi se perdendo gradativamente
tureza por meio do trabalho. durante o processo, de tal forma, que
“[...] Esse ser não apenas se de- o texto da Lei, seguido pelo Decreto
senvolve no processo concreto-ma- nº 2.208/1997,
terial de sua gênese a partir do ser “[...] separou obrigatoriamente o en-
da natureza, mas também se repro- sino médio da educação profissio-
nal, produzindo grandes prejuízos
duz constantemente nesse quadro e a ambos durante o período de sua
não pode jamais se separar de modo vigência e, inclusive após a sua re-
vogação, uma vez que é difícil des-

326
construir todo o aparato ideológico bilização do governo com a adoção
[...]”. (MOURA, 2012, p. 54).
do real, o qual visava o ajuste estra-
tégico e à retomada do crescimento
Em face disso, o que se viu, em econômico. É nesse cenário em que
relação às novas regulamentações, se processam importantes mudan-
foi a fragmentação do ensino técni- ças no campo educacional. O ensino,
co, enfeixado junto com outras polí- consoante a perspectiva neoliberal
ticas, sob a denominação de Educa- de mercantilização, transforma-se
ção Profissional e Tecnológica. Essa em produto de venda. E, nessa pers-
tendência, consubstanciada em uma pectiva, aqueles que conseguem pa-
reforma educacional, implementada gar por um produto, assim o fazem,
no Brasil, a partir dos anos de 1990, deixando a rede pública como alter-
ocorre sob um novo modelo de Es- nativa para os que não conseguem
tado, de padrão norte-americano ou fazê-lo (SILVEIRA, 2004).
liberal-corporativo (RAMOS, 2012). Com isso, e tendo em vista a de-
Nele, ao mesmo tempo em que a sorganização do ensino técnico de
vida econômica é deixada ao livre nível médio, gerada pelo Decreto nº
jogo do mercado, o conflito de inte-
resses é também resolvido numa es-
2.208/97, as políticas de formação,
pécie de mercado político, no qual para o trabalho, passam a ser orien-
os grupos com recursos obtêm re- tadas para os programas de capaci-
sultados, enquanto os que não dis-
põem de tais recursos são excluídos,
tação em massa (RAMOS, 2012).
sem condições de obter influência “As escolas técnicas deixaram de
real. Estamos diante da proposta oferecer ensino médio profissionali-
mais conhecida como “neoliberal”, zante para oferecer cursos técnicos
que vem predominando em nosso concomitantes ou sequenciais a
país pelo menos desde o governo esses. A formação destinada aos tra-
Collor (COUTINHO, 2006 apud RA- balhadores passou a ser comparti-
MOS, 2012, p. 34). lhada pelos ministérios da Educação
e do Trabalho.” (RAMOS, 2012, p. 36).

Com o tempo, esse modelo neoli-


beral intensificou-se, chegando, con- Nesse interim, as ações mantive-
forme Silveira (2009), no seu auge ram-se desarticuladas e a oferta de
nos anos de1990, no governo do pre- educação, pelo setor privado, cres-
sidente Fernando Henrique Cardoso; ceu consideravelmente, superando o
época em que o modelo consolidou- setor público. No que tange aos as-
se. Pesou, para tanto, o Plano de Esta- pectos político-pedagógicos, Ramos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 327


(2012, p. 37) explicita que “[...] esses Em essência, a grande mudança,
valores são difundidos com base na estabelecida por ele, foi o reestabe-
‘pedagogia das competências’, cujo lecimento da proposta interrompida
princípio é a adaptabilidade indivi- pelo Decreto nº 2.208/1997, o qual
dual do sujeito às mudanças socioe- proibia que o ensino médio propi-
conômicas do capitalismo.”. ciasse também a formação técnica.
Essa pedagogia ancora-se nos O reestabelecimento dessa garantia,
por meio do Decreto nº 5.154/2004,
postulados construtivistas. Seus pretende reinstaurar um novo pon-
pressupostos, conforme Therrien to de partida para essa travessia, de
(2001) estão muito presentes no cur- tal forma que o horizonte do ensino
médio seja a consolidação da for-
rículo nacional a partir da reforma mação básica unitária e politécnica,
curricular dos anos de 1990, em uma centrada no trabalho, na ciência e na
lógica ligada à avaliação de resulta- cultura, numa relação mediata com
a formação profissional específica
dos e assentada em uma burocracia que se consolida em outros níveis e
paralela, guiada pela cultura admi- modalidades de ensino (FRIGOTTO;
nistrativa da eficiência, do menor CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 44).
custo e das comparações internacio-
nais. Ressalta-se que o Decreto nº
Mantiveram-se, com certo des- 5.154/2004 discorre acerca da cen-
taque, até os anos de 2000, esses tralidade do trabalho como princípio
aspectos político-pedagógicos, “[...] educativo, trazendo-o, em seu artigo
quando a conjuntura política permi- 2º, como premissa a ser observada
tiu retomar, no final de 2002, período na Educação Profissional. Para tanto,
de transição entre os governos FHC o texto legal estabelece, como uma
e Lula, a discussão sobre a relação de suas estratégias principais, a arti-
entre o ensino médio e a educação culação entre a Educação Profissio-
profissional [...].” (MOURA, 2012, p. nal Técnica de nível médio e o ensino
55). Para Frigotto, Ciavatta e Ramos médio; podendo essa se dar das se-
(2012), esse foi um processo polê- guintes formas:
mico que envolveu educadores, for- I – integrada, oferecida somente a
madores, dirigentes, consultores de quem já tenha concluído o ensino
fundamental, sendo o curso plane-
sindicatos, de ONGs e de instituições jado de modo a conduzir o aluno à
empresariais, o que culminou na habilitação profissional técnica de
aprovação do Decreto nº 5.154 de ju- nível médio, na mesma instituição
de ensino, contando com matrícula
lho de 2004. única para cada aluno;

328
II – concomitante, oferecida somen- cionalização, os Institutos Federais ,
te a quem já tenha concluído o ensi-
conforme Moura (2012), não foram,
no fundamental ou esteja cursando
o ensino médio, na qual a comple- totalmente, bem sucedidos no que
mentaridade entre a educação pro- concerne a manter o foco nas ques-
fissional técnica de nível médio e o
tões político-pedagógicas. Para o
ensino médio pressupõe a existên-
cia de matrículas distintas para cada autor, a estrutura administrativa das
curso [...] novas instituições, como, por exem-
III – subsequente, oferecida somen- plo, no que diz respeito à ocupação
te a quem já tenha concluído o ensi- dos novos cargos criados e à cons-
no médio (BRASIL, 2004, p. 2).
trução de prédios, sublinhadas pelo
imediatismo desse processo, figu-
A possibilidade de um ensino in- raram como eixo de deslocamento,
tegrado era real, sendo necessário roubando muito da centralidade que
avançar em sua direção, de modo a deveria repousar nas questões de en-
contribuir para uma efetiva (re)cons- sino-aprendizagem (MOURA, 2012).
trução da identidade e do sentido Por esse caminho, corre-se o risco
dessa etapa da educação básica bra- de negligenciar a construção de
projetos político-pedagógicos bem
sileira. Nessa perspectiva, contribui,
fundamentados, elaborados cole-
para esse processo de construção, a tivamente e coerentes com a reali-
implementação de um novo modelo dade socioeconômica local e regio-
nal de cada nova unidade. Por esse
institucional, consubstanciado nos
caminho, se está negligenciando a
Institutos Federais de Educação, Ci- necessária formação dos professo-
ência e Tecnologia (IFETs), e regula- res que estão sendo aprovados nos
concursos públicos para ingressar
mentado pelo Decreto nº 6.095/2007
na rede federal, principalmente nas
e pela Lei nº 11.892/2008. novas unidades. Essa é uma situação
crucial, pois muitos desses novos
Conforme Pereira (2010), a cria- e jovens professores são mestres e
ção dos Institutos Federais não con- doutores recém-formados, mas se-
sistiu apenas em uma ampliação da quer conhecem o campo da educa-
ção, uma vez que são bacharéis.
estrutura física da rede, mas também
Quanto aos licenciados nas discipli-
representou a afirmação de uma
nas da educação básica, muitos não
nova “[...] concepção de Educação conhecem a educação profissional,
Profissional que [colocasse] em seu pois os cursos de licenciatura, em
geral, não incluem em seus currícu-
cerne a humanização e democrati-
los estudos sobre esse campo e me-
zação do progresso” (PEREIRA, 2010, nos ainda sobre a sua relação com
p. 239). Não obstante, em sua opera- o ensino médio, de maneira que os

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 329


professores têm dificuldades para mativo. Tal concepção pode orien-
estabelecer conexões entre a sua tar tanto a educação geral quanto
disciplina específica, as tecnologias, a profissional, independentemente
o mundo do trabalho e a cultura da forma como são ofertadas. O
(MOURA, 2012, p. 63-64). horizonte da formação, nessa pers-
pectiva, é a formação politécnica
e omnilateral dos trabalhadores e
Do ensino integrado, ministrado teria como propósito fundamental
proporcionar-lhes a compreensão
através de Educação Profissional Téc- das relações sociais de produção e
nica de nível médio em cursos e pro- do processo histórico e contraditó-
gramas integrados ao ensino regular, rio de desenvolvimento das forças
produtivas (CIAVATTA, 2011, p. 31).
e garantido através do texto legal do
Decreto nº 6.095, de 2007, e da Lei nº
11.892, de 2008, até a efetivação do Nessa perspectiva de entendi-
currículo integrado, visando a uma mento, é admissível prever a possi-
formação integral do ser humano, bilidade de experiências de ensino
com ênfase na politecnia, de base integrado fundadas em uma lógica
unitária e omnilateral, há uma gran- extremamente tradicional, enciclo-
de distância. pedista, consoante a proposta bur-
O ensino médio integrado ao en- guesa de educação. Para tanto, por
sino técnico, conquanto seja uma um lado, basta que a articulação
condição social e historicamente
necessária para a construção do en-
seja uma mera formalidade de atre-
sino médio unitário e politécnico, lamento entre ensino médio e en-
não se confunde totalmente com sino profissional, a qual não avança
ele porque a conjuntura do real as-
sim não o permite (FRIGOTTO; CIA-
além das demarcações legais e das
VATTA; RAMOS, 2012, p. 44). estruturações burocráticas. Por ou-
tro lado, práticas de ensino, inde-
Ainda que sejamos levados a com-
pendentemente do nível e da forma
preender o ensino médio integrado como são ofertadas, podem efetivar
à educação profissional como uma uma experiência de fato integrado-
forma de relacionar processos edu-
cativos com finalidades próprias em
ra, à medida que consigam erigir um
um mesmo currículo, compreen- currículo visando a formação integral
demos integração como algo mais do ser humano.
amplo. O primeiro sentido que atri-
buímos à integração expressa uma Com base nisso, é possível falar
concepção de formação humana em currículo integrado nas séries ini-
que preconiza a integração de todas
as dimensões da vida – o trabalho, a ciais, no ensino superior, na educa-
ciência e a cultura – no processo for-

330
ção especial, enfim, de forma ampla, tes, questões políticas associadas aos
nas práticas educativas. Afinal, currí- aspectos ideológicos.
culo integrado não encerra o discur- Em relação ao contexto político,
so na modalidade de ensino médio, destaca-se o Decreto nº 5.154/2004,
vinculada à Educação Profissional, que buscava resgatar a base unitá-
mas antes vislumbra um universo ria do ensino médio, com vistas a
complexo de experiência educativa, “[...] restabelecer as condições jurí-
bastante abrangente e com grande dicas, políticas e institucionais que
potencial de transformação. se queria assegurar na disputa da
A exemplo disso, no caso da for- LDB na década de 1980.” (CIAVAT-
mação técnica em enfermagem do TA; FRIGOTTO; RAMOS, 2012, p. 37).
Instituto Federal da Bahia (IFBA), Disputa que, à época, resultou no
campus Eunápolis, observada nesta Decreto nº 2.208/1997 e na Portaria
análise, a forma de organização, em nº 646/1997, os quais proibiam a for-
nenhum momento, se deu por meio mação integrada e regulamentavam
da modalidade de ensino integrado. formas fragmentadas e aligeiras de
A opção pedagógica foi por estrutu- Educação Profissional, em função
rá-la nos moldes de ensino subse- das alegadas necessidades do mer-
quente, o que não inviabilizou o per- cado (CIAVATTA; FRIGOTTO; RAMOS,
curso no que concerne ao currículo 2012).
integrado, aqui, admitido como fun-
damento filosófico e epistemológico.
Do ponto de vista ideológico,
elementos compatíveis com o pen-
2.2 Espaço escolar: fios e desafios
samento de currículo integrado pa-
enredados recem, a princípio, não ter emanado
de uma escolha didático-pedagógi-
No contexto do curso Técnico em
ca, mas figurado como consequên-
Enfermagem do IFBA, na época CE-
cia frente ao desejo de se adequar
FET-BA (Centro Federal de Educação
à formação, no curso em análise, a
Profissional e Tecnológica da Bahia),
perspectiva marxista da saúde, em
ao lado do protagonismo docente,
consonância com a proposta de mu-
destacaram-se, como fatores motiva-
dança de paradigma sanitário, isto
cionais, para a busca de uma reforma
é, a transição do modelo flexneria-
curricular, figurando como elemen-
no, centrado na atenção médica e
tos estruturantes das ações docen-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 331


apoiado em uma concepção de saú- da educação integral, em oposição a
de como ausência de doença, para um forte e reiterado discurso político
uma dimensão focada na produção frente à arena de saúde. A partir de
social da saúde, em que a mesma é uma avaliação superficial, por meio
entendida como qualidade de vida, de uma ferramenta de análise esta-
tística de textos, percebe-se que as
um bem-estar físico, mental e social.
Como embasamento para a afir- palavras, que evocam a área da saú-
mativa, ressalta-se a pequena pre- de, são predominantes em relação
sença de discurso pedagógico acerca aos subsídios pedagógicos e ideoló-
gicos acerca de currículo.
Tabela 1

Fonte: acervo constituído a partir da fala das depoentes,


tratado a partir da ferramenta “Contador de Palavras”1

Na sequência, aparecem as pala- Esse, talvez, seja um dos elementos


vras que evocam o campo semântico mais fortes de que o trabalho, como
de trabalho, recursivas nas análises. princípio educativo, permeou, de

Disponível em: <http://linguistica.insite.com.br/corpus.php>. Acesso em: jan. 2017.

332
modo intenso, a construção curricu- ções bastantes presentes na fala de
lar, aproximando-a das concepções Tarsila:
de escola unitária e de politecnia. So- Eu penso na formação integral,
bre essa centralidade da formação, né[...] essa formação omnilateral,
que tanto se fala, que a gente tanto
a partir do trabalho, perpassando a almeja, mas que a gente não con-
relevância do conceito para existên- segue. Então não é formar apenas
cia humana, Ramos (2012), citando para o trabalho, para o mercado de
trabalho, mas eu acho que[...] tendo
Lukács (1978) e Mészáros (1981), co- o trabalho como princípio educati-
menta: vo, né. A formação humana, mesmo,
A produção da existência humana, né, do sujeito que vai modificar o
portanto, se faz mediada, em pri- mundo, né, que consegue fazer essa
meira ordem, pelo trabalho. Primei- reflexão e intervir nesse mundo que
ramente, como característica ine- tá, atual, né. (sic) (TARSILA).
rente ao ser humano de agir sobre
o real, apropriando-se de seus po-
tenciais e transformando-o. Por isto Muito embora, a materialização
o trabalho é uma categoria ontoló- dos pressupostos ideológicos, na
gica: é inerente à espécie humana e
primeira mediação na produção de perspectiva de conceitos pedagógi-
bens, conhecimentos e cultura (RA- cos, expressos nos depoimentos e no
MOS, 2012, p. 108). texto do PPC (Projeto Pedagógico do
Curso), não se estabelece de forma
Nessa perspectiva, acredita-se tão nítida. Observa-se, por exemplo,
que a preocupação, com a esfera que, nas falas, os termos integrado,
do trabalho, no bojo da discussão integral, integração e integrado não
curricular, evidencia, como pressu- aparecem com tanta frequência. Tal
posto, na organização do currículo, fato, conforme explicitado anterior-
a formação humana, a qual concebe mente, ao que parece, demonstra
o sujeito como ser histórico-social que a construção não se pautou na
concreto, capaz de transformar a re- perspectiva de aplicação de matrizes
alidade em que vive; tendo, assim, o teórico-metodológicas estabeleci-
trabalho como princípio educativo, das, mas antes emergiu da esponta-
no sentido em que o trabalho permi- neidade do anseio de uma proposta
te, concretamente, a compreensão educacional mais condizente com o
do significado econômico, social, his- cenário da saúde, em âmbito nacio-
tórico, político e cultural das ciências nal.
e das artes (RAMOS, 2012). Concep-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 333


Lima (2007) comenta acerca des- Nesse caminho, tais paradigmas,
se processo de mudança inerente ao no bojo do movimento sanitário, e
setor, e, por conseguinte, sobre a ne- entre outros movimentos da saúde,
cessidade de alterações no processo estabelecem, em boa medida, con-
de formação em saúde: gruências com a ideologia de currí-
[...] com esse projeto de reforma que culo integrado; estando, conforme
ia além da reforma setorial, o movi- Lima,
mento não podia deixar de exigir
também mudanças no conteúdo e [...] na origem das discussões então
na forma de pensar e fazer saúde. travadas em torno da concepção
Isso vai se expressar na ampliação politécnica de ensino no âmbito do
do conceito de saúde e na necessi- setor saúde. Essa concepção de en-
dade de reestruturação do processo sino, tributária da tradição socialista,
de trabalho em saúde, a partir da tem por objetivo permitir o domínio
redefinição do seu modelo assisten- dos fundamentos das diversas téc-
cial. Por outro lado, essas mudanças nicas utilizadas na produção, e não
passam a exigir também um novo o mero adestramento em técnicas
compromisso ético-político dos produtivas (LIMA, 2007, p. 4).
trabalhadores de saúde, pautado
fundamentalmente na questão da
construção da democracia e na de- Ao seu modo, Pagu comenta essa
fesa da dignidade humana, assim perspectiva de mudança curricular
como mudanças na materialidade
das práticas e da formação em saú- em consonância com as necessida-
de (LIMA, 2007, p. 2). des instauradas na saúde:
Aí fizemos a mudança é[...] tentando
fazer essa construção, mas, também,
Essas reformas, estabelecidas na tentando fazer um diálogo com o
saúde, aparecem, conforme Nunes campo da saúde[...] com as mudan-
ças que tavam acontecendo[...] pe-
(1997), estreitamente vinculadas a raí gente, esses módulos tem que
um projeto pedagógico, de tal modo, ter sentido[...] Aí foi quando a gente
que, inicialmente, na medicina, pro- começou a fazer esse diálogo entre
o currículo integrado e aquilo ali[...]
curou-se criticar a biologização do (sic) (PAGU).
ensino, calcado em práticas indivi-
duais e centradas no hospital. Nesse
Olha... primeiro... vantagens no mo-
processo, buscou-se fornecer uma delo, primeiramente, eu vejo a ques-
visão menos fragmentada do indiví- tão da gente...fazer a disputa ideoló-
duo, com vistas à integração biopsi- gica não só no âmbito da educação,
mas também, no âmbito do modelo
cossocial e ao modelo de medicina das práticas de saúde. Então, especi-
integral no plano da comunidade. ficamente, no curso, né, nos cursos
da área de saúde...esse modelo ele

334
casa com o que a gente sempre al- pulação, né, que envolvesse desde
mejou de formação, né, assim...da... a qualidade dos serviços de saúde,
de profissionais, para atuar na...na mas também, até as condições de
área de saúde, desde 1800...1988... vida e de trabalho, né, território...
pra cá... (sic) (PAGU). (sic) (PAGU).

Em que pese que, conforme Nu- A abordagem, a partir da utiliza-


nes (1994, p. 10-11), ção de projetos, não chega a ser uma
[...] em cada formação social con- inovação didático-metodológica nas
creta, a educação cumpre um pa- estratégias de ensino. Trata-se de
pel fundamental na reprodução da
organização dos serviços de saúde
instrumento bastante recorrente no
e se cristaliza na reatualização e âmbito da Pedagogia das Compe-
preservação das práticas específi- tências. Conforme Ramos (2012), das
cas, tanto nas dimensões do conhe-
cimento quanto nas técnicas e no
proposições metodológicas propa-
conteúdo ideológico. gadas no âmbito das competências,
“[...] a mais difundida foi o trabalho
por projetos.” (RAMOS, 2012, p. 115).
Sendo assim, uma das principais
estratégias, estabelecidas no currícu- Contudo, ainda segundo a auto-
lo, com vistas à pretensa integração, ra, o “[...] que a pedagogia das com-
é a articulação do mundo do traba- petências não considera, entretanto,
lho com o contexto de ensino por é que os problemas a que se propõe
meio de projetos interdisciplinares, resolver não são exclusivamente pe-
em consonância com os níveis de dagógicos.”. Com isso, Ramos (2012)
prevenção que subjazem a saúde co- demarca um posicionamento de
letiva. crítica ao alcance, para ela restritivo,
[...] são os projetos interdisciplina-
da Pedagogia das Competências, li-
res. Essa...esse foi nosso carro-chefe mitando-se à mobilização de capa-
pra gente fazer o currículo andar. [...] cidades cognitivas, sem promover a
Então, a gente por isso que a gente
pensou...os módulos fazendo sen-
compreensão dos problemas na sua
tido com os níveis de prevenção e essência, com vistas à sua superação.
fazendo projetos interdisciplinares,
que pudesse tornar aquilo ali palpá- É, nessa perspectiva, que a abor-
vel, né, inclusive é...mexer um pouco dagem, por meio de projetos, no
e envolver os professores que não contexto do curso Técnico em En-
eram da nossa área. [...] Então, pen-
samos um projeto interdisciplinar fermagem do IFBA, parece, de certo
em que o aluno avaliasse, né, con- modo, distanciar-se da Pedagogia
dições de saúde de uma dada po- das Competências, aproximando-se

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 335


das concepções de currículo inte- Outra importante estratégia de
grado. Nesse panorama, ressalta-se integração utilizada, mais no âmbito
que os delineamentos, instaurados organizacional, são as reuniões de
na proposta, não se ancoram em si- planejamento, as quais integram os
tuações-problema simuladas, nem docentes e objetivam a troca de ex-
se limitam a discussões no âmbito periências e de saberes com vistas à
intraescolar. Trata-se de proposições localização de possibilidades de in-
embasadas nas relações que consti- tegração. É o que explicita Tarsila em
tuem e estruturam a realidade obje- sua fala:
tiva, em interface com o mundo do ...a gente já lançou várias estraté-
trabalho e com o contexto de organi- gias...a gente já lançou outras estra-
tégias para conseguir esse diálogo...
zação da saúde, como materialidade as reuniões de...as reuniões de, de,
da prática profissional. de...organização de módulo, né...
trazendo os professores...possibili-
Nas falas de Tarsila, a seguir, é tando que eles falem de que forma
possível notar essas múltiplas po- que eles trabalham, de que forma o
tencialidades e intencionalidades no outro possa...pode contribuir....né...
eu acho que a gente já lançou mão
âmbito do trabalho com projetos: de muitas coisas sim... (sic) (TARSI-
[...] a gente tá conseguindo ainda... LA).
com todas as dificuldade, a gente
consegue ainda uma boa formação,
né, a gente consegue que o estu- Sobre essa centralidade do diálo-
dante ele perceba...a realidade, né,
go, em um processo de construção,
que ele é capaz de fazer interven-
ção, principalmente, através dos que visa à integralidade, Pontuschka
projetos. Então, quando ele vai, re- (2002, p. 23) afirma que o “[..] diálo-
almente, pra...pra prática...a gente
go, a interlocução sobre um mundo,
ainda consegue essa prática social...
né, quando ele vai para a realidade e uma realidade partilhada, embora
ele vê, e ele traz de novo pra cá e...a vista sobre diferentes ângulos, é o
gente teoriza, ele faz essa reflexão
principal motor, o que desencadeia
e a gente volta pra lá, trazendo as
ações, eu acho que...eu penso que e mantém o movimento do grupo.”.
ele consegue perceber que ele é... Paulo Freire (1980), também, sinaliza
ele consegue ser agente de mu-
a esse respeito, ao afirmar que o diá-
dança, né...e que lá depois como
profissional, ele também vai poder logo é um instrumento por excelên-
ser agente de mudança...nem que cia, por meio do qual o conhecimen-
seja um pouquinho, o que ele fizer
to se produz. Para Oliveira (2007, p.
de pouquinho, vai ajudar. (sic) (TAR-
SILA). 75), “[...] diálogo entre sujeitos é edu-
cação não alienada e não alienante.”.

336
Conforme Pagu, trata-se de fer- 3. CONCLUSÃO
ramenta essencial para a construção
do currículo integrado: Em relação ao currículo integra-
[...] as pessoas estão ali, elas discu- do, observa-se que, consoante o seu
tem, elas...é...estão juntas fisicamen- caráter ideológico e epistemológico,
te. E num processo desse não tem os encaminhamentos práticos, para
como ser virtual, né. Na construção
de um currículo integrado, as pes- o seu estabelecimento, não estão
soas precisam estar integradas, elas bem definidos. Ao contrário do que
precisam sentar juntas, elas preci- ocorre com o ensino integrado, no
sam...então...assim...(sic) (PAGU).
qual o conceito é utilizado apenas
no que está relacionado a um arranjo
Nesse contexto, exige-se a mo- organizacional.
bilização de novos e de diversos sa-
Nessa perspectiva, não existem
beres docentes numa perspectiva
fórmulas prontas e as estratégias,
de ruptura com o processo de tra-
para efetivação da politecnia e da
balho, calcado na fragmentação dos
omlateralidade, no bojo do currícu-
saberes e na desarticulação entre os
lo integrado, vão sendo definidas de
profissionais; engendrando, assim,
modo intuitivo, de acordo com as
desafios e novas abordagens. Esse
necessidades e o perfil da realidade
percurso envolve muitos desafios
escolar. Não obstante, a união do en-
e muitas disputas, o que resulta em
sino com o trabalho produtivo, a afir-
um caminho bastante heterogêneo.
mação do trabalho, como princípio
Contudo, a longevidade do trabalho,
educativo, e a busca de superação
que já conta com mais de dez anos, e
da fragmentação, com vistas a uma
os bons resultados, em relação à for-
melhor compreensão da realidade,
mação, tornam, de certo modo, vigo-
e objetivando superá-la, ao que pa-
rosa a constatação de uma busca real
rece, são marcas indispensáveis per-
na direção de um ensino integral,
meando as estratégias.
ainda que com base organizacional
diversa; o que se constitui como um
REFERÊNCIAS
convite para reflexões e experiên-
cias sobre uma formação condizente CIAVATTA, Maria; SILVEIRA, Zuleide
com os princípios da omnilateralida- Simas da. Celso Sucow da Fonseca.
de, e, também, indo além das orga- Recife: Fundação Joaquim Nabuco;
nizações meramente burocráticas e Editora Massangana, 2010.
limitantes.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 337


FONSECA, Celso Suckow da. História cação tecnológica. CCS/CEFET-BA.
do Ensino Industrial no Brasil. Rio Salvador: 2002.
de Janeiro: Senai, Departamento Na-
cional, Divisão de Pesquisas, Estudos MARX, Karl. O Capital. Volume 1. São
e Avaliação, 1986. Paulo: Abril Cultural, 1983.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Opri-


mido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A Polissemia


da Categoria Trabalho e a Batalha das
Ideias nas Sociedades de Classe. Re-
vista Brasileira de Educação, v. 14,
n. 40, jan./abr., 2009.

_____. Concepções e mudanças no


mundo do trabalho e o ensino mé-
dio. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; CIA-
VATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensi-
no Médio Integrado: concepção e
contradições. 3. ed. São Paulo: Cor-
tez, 2012.

_____; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Ma-


rise. Ensino Médio Integrado: con-
cepções e contradições. São Paulo:
Cortez, 2012.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do


Cárcere. 3. ed. Tradução de Carlos
Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira, 2004.

LESSA, José Silva. CEFET- BA – uma


resenha histórica: da escola do min-
gau ao complexo integrado de edu-

338
Ensino Médio Integrado: correlação de
força de uma escola em disputa
Reinaldo de Lima Reis Júnior¹
¹ Instituto Federal de Goiás (IFG)
E-mail: reinaldo.reis@ifg.edu.br

1. INTRODUÇÃO1 Ao analisar os modelos e as con-


cepções propostos de EPT no Brasil,
Para entender as disputas em em certa medida, deve-se ter em vis-
torno dos modelos de Educação Pro- ta a capacidade de influência e deter-
fissional e Tecnológica (EPT), é de minação dessas teorias da educação.
fundamental importância a cautela Se, a partir desse olhar, observarmos
de análise e, na investigação sobre em específico o campo da EPT e sua
os seus propositores no campo da institucionalidade por meio da esco-
teoria da EPT, é necessário desvelar la, parte-se da base de que, dadas as
o currículo oculto por trás dessas suas condições históricas, essa escola
teorias. Demonstrá-los é traçar os foi constituída, predominantemente,
sentidos e as possibilidades que es- a partir de duas abordagens teóricas
sas propostas teóricas trazem e qual principais, como a de formação críti-
pode estar mais afeita à rede dos Ins- ca3 e a não críticas.
titutos Federais (IFs) em seu Ensino
Médio Integrado2.

1 Este trabalho é parte da análise desenvolvida na tese de doutorado defendida na Univer-


sidade Federal de Brasília. REIS JR. Reinaldo de Lima. Os limites da experiência de Estado
desenvolvimentista no Brasil (2003-2015): o caso dos Institutos Federais. Tese (Doutorado)–
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Brasília (UnB), 2017.
2 Para Saviani (2008b), há dois campos gerais de teorias da educação, de um lado, as teorias
não críticas e do outro as teorias crítico-reprodutivistas. Nesse primeiro campo, o autor de-
fende que essas teorias “entendem ser a educação um instrumento de equalização social,
portanto, de superação da marginalidade” (p. 4) e, no segundo campo, essas teorias estariam
dispostas a observar que a educação é um instrumento de reprodução das desigualdades
sociais manifestas na sociedade.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 339


Ambas convergem por pressu- 2. FORMAÇÃO TÉCNICA E PROFIS-
porem que seja possível a supera-
SIONAL, ENTRE AS TEORIAS CRÍTI-
ção das condições de desigualdade
estrutural, pelo fortalecimento do CAS E NÃO CRÍTICAS DE EPT
sentido formativo de que sua con- Por mais progressistas ou conser-
cepção se investe. À primeira, estão vadores que sejam os instrumentos
os arautos de um projeto de EPT que normativos, há um espaço de mano-
dê condições de superação das de- bra inerente ao ambiente da escola.
sigualdades sociais, a escola de viés Entre a convergência com sua base
técnico e profissional tem as condi- legal e/ou em uma trajetória relativa-
ções da superação dessa estrutura mente autônoma, está a complexi-
social. Já no campo da EPT não crí- dade do desenvolvimento curricular,
ticas, na influente participação das entre o currículo proposto e o currí-
análises econômicas, elas traçam ca- culo em ação.
ráter de estímulo ao desenvolvimen-
to determinado pela EPT. Invertendo A importância da escola no con-
a indução do processo de desenvol- junto da sociedade está em fornecer
vimento econômico, promete à EPT um momento de formação humana
a capacidade de geração de empre- por meio do acesso a determinados
go, na sua definição de empregabili- saberes que as pessoas dificilmente
dade, como propõem os estudos de teriam sem essa institucionalidade.
Schwartzman (2013; 2016) e Marope Contudo esses saberes que, na inter-
et al. (2015). pretação de Charlot (2000), são atri-
buídos como missão da escola, visam
Este estudo analisa as influências estimular/proporcionar aos sujeitos
e implicações decorrentes dos usos pensar e refletir sobre si mesmos, so-
dessas referências teóricas da Educa- bre os outros e sobre o mundo, exis-
ção Profissional e Tecnológica como tindo, assim, certa objetividade.
fomentadores da singularidade da
formação técnica de nível médio, re- Para Mészáros (2007), a escola
alizada na rede dos IFs. vem sofrendo uma crise nos últimos

3 No campo que situo como de teoria crítica da Educação Profissional e Tecnológica (EPT),
embora também tenha a presença de um modelo de Pedagogia Tradicional que, de acordo
com Saviani (2008b), se caracteriza pela centralidade na figura do professor dotado de co-
nhecimento que o transmite mediante exposição de conteúdos aos alunos. O conhecimen-
to seria o meio para os sujeitos romperem com sua condição de ignorância. Temos como
foco a politecnia por ser típica do campo da EPT.

340
anos por estar reclusa em ser repro- se impõe e condiciona o segundo.
dutora das relações sociais em que Ou seja, na narrativa e na disposição
está inserida, o que tem resultado dos não críticos, estes aparecem vin-
em uma formação desumanizadora. culados com uma razão instrumental
O sentido dessa desumanização es- que traz à sua formação em EPT a ca-
taria no fato de os indivíduos acei- pacidade de gerar emprego e de ser
tarem legitimamente a posição que o instrumento de engrenagem do
lhes foi atribuída no conjunto da desenvolvimento.
hierarquia social, estando neste ho- Mais do que qualificar populações
rizonte suas expectativas e condu- de todo o mundo em larga escala, a
TVET [educação e formação técnica
tas, pois “enquanto a internalização e profissional] recebeu um prêmio
conseguir fazer o seu bom trabalho, alto por seu potencial de instrumen-
assegurado os parâmetros reprodu- talizar a juventude com habilidades
imediatas para o trabalho, bem
tivos gerais do sistema do capital, como por seu potencial para lidar
a brutalidade e a violência podem com o desafio global duplo da em-
ser relegadas a um segundo plano.” pregabilidade e do desemprego en-
tre os jovens. (MAROPE et al., 2015,
(MÉSZÁROS, 2007, p. 206, grifo do p. 20, grifos meus).
autor).
Uma proposta curricular e de
Suas propostas de curso estão
ação educacional voltada para diri-
vinculadas com atividades de for-
mir os impactos de uma realidade de-
mação mais flexíveis, com menor
sigual, assim, dota a EPT de um pro-
duração de tempo por considerar
cesso educacional imediatista, nesse
que estão mais afeitas às rápidas
sentido de seu entendimento não
transformações da contemporanei-
crítico. Nessa proposta curricular, a
dade e, sobretudo, voltadas à espe-
escola retroalimenta as condições da
cialização descontextualizada. Não
desigualdade social, sem muitas pos-
por menos, dos modelos propostos
sibilidades de atuação para além das
por Schwartzman (2016), os cursos
necessidades econômicas imediatas
de Formação Inicial e Continuada
dos sujeitos. Entre o valor emprego e
(FIC)4 e os subsequentes5 ganham
o valor educação, o primeiro sempre
4 Os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) realizados pelo bolsa-formação Pronatec
caracterizam-se por uma formação curta de 160 horas a 400 horas.
5 Os cursos subsequentes são aqueles com carga/horária superior aos FICs, variando de
acordo com o curso e o eixo tecnológico entre 800, 1.000 ou 1.200 horas, tem vinculação
somente com a área técnica e são etapas formativas que exigem o Ensino Médio completo.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 341


destaque. Mesmo que a capacidade O ponto em questão é: essa mo-
de maior entendimento não esteja dalidade que se apoia na teoria não
vinculada à maior ou menor carga crítica da EPT é a que melhor atende
horária, o que se observa em regra ao perfil e à necessidade formativa
nesses cursos é que, salvo casos pon- da rede dos IFs?
tuais, sua finalidade e estrutura não De acordo com esse modelo, dis-
buscam uma relação contextualiza- corre Marope et al.:
da com o saber ao conjunto social.
Ao focar sua atenção em habili-
Schwartzman (2016) procura, com dades relacionadas ao trabalho,
sistemas de TVET eficazes são va-
isso, uma proposta que estaria dis- lorizados por sua preocupação em
posta a responder à fluidez do mer- atender às demandas ocupacionais
cado de trabalho, considerada mais e às demandas de rápida mudança
exigidas pelo mercado e pelo am-
atenta e mais em afeição, os cursos biente de trabalho. Em geral, eles
FICs e subsequentes apresentam-se alcançam esses objetivos melhor do
com uma base curricular restrita. Essa que a educação geral ou mesmo a
educação superior. (2015, p. 23, gri-
situação pode ser observada nos 485 fos meus).
cursos bolsa-formação do Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico
e Emprego (Pronatec) realizados no No que diz respeito à proposta
Instituto Federal de Educação, Ciên- dos não críticos – reconhecidos por
cia e Tecnologia de Goiás (IFG) entre Saviani (2008b) como da teoria da
2012 e 2015, sendo todos na modali- Escola Dualista –, situam as análises
dade FIC. Para a rede dos IFs, também formuladas por Schwartzman e Cas-
foi identificado que a realização des- tro (2013), Cassiolato e Garcia (2014)
se modelo formativo demanda um sobre a EPT.
quadro de professores e profissionais Consequentemente, não cabe dizer
que a escola qualifica diferentemen-
da educação mais flexível e rotativo,
te o trabalho intelectual e o traba-
gerando impactos diretos na qualida- lho manual. Cabe, isto sim, dizer que
de desses cursos e na viabilidade de ela qualifica o trabalho intelectual e
desqualifica o trabalho manual, su-
participação mais integrada desses
jeitando o proletariado à ideologia
profissionais às demandas internas burguesa sob um disfarce pequeno
dos cursos de Ensino Médio Integra- -burguês. [...] Consequentemente, a
escola, longe de ser um instrumento
do, como observado no relatório de
de equalização social, é duplamente
gestão da Controladoria-Geral da um fator de marginalização: conver-
União –CGU (BRASIL/CGU, 2014). te os trabalhadores em marginais,
não apenas por referência à cultura

342
burguesa, mas também em relação habilitar as pessoas para o exercício
ao próprio movimento proletário, autônomo e crítico de profissões,
buscando arrancar do seio desse sem nunca se esgotar a elas. (RA-
movimento (colocar à margem dele) MOS, 2008, p. 5).
todos aqueles que ingressam no sis-
tema de ensino. (SAVIANI, 2008a, p.
22-23, grifos meus). O ponto de convergência dessas
formulações está no perigo da pro-
Por tudo isso, os não críticos tei- fissionalização precoce. As teorias,
mam em alardear uma necessidade sejam as consideradas críticas ou
urgente de reformulação de sua es- não críticas, no ardil da dualidade es-
trutura e proposta curricular e peda- tabelecem uma base curricular que
gógica. Nesse sentido, percorrer de pode referendar a desigualdade da
maneira crítica as questões de uma estrutura social brasileira, cristalizan-
tendência à profissionalização pre- do-a como diferença, reforçando um
coce dos jovens brasileiros é, sim, processo de inclusão dos incluídos
das mais fulcrais para entendimento (KUENZER, 2000).
de qual lugar possível de uma rede Assim, seja numa fórmula utilita-
de EPT6. Ao direcionar o Ensino Mé- rista imediata, aquela que pressupõe
dio Vinculado estritamente com o uma formação de EPT vinculada dire-
mercado de trabalho, tem-se, em seu ta e exclusivamente com o mercado
arco de ação, a preparação de jovens de trabalho em uma concepção de
entre 15 e 17 anos à profissionali- competência de sentido mnemôni-
zação, crítica da qual Nosella (2011; co, repetitivo de viés taylorista, seja a
2015) subscreve e que Ramos (2008) mais acadêmica, formulada em con-
demarca: ceitos e conteúdos desvinculados
Portanto, formar profissionalmen- com a realidade socioeconômica,
te não é preparar exclusivamente ambas estabelecem um arcabouço
para o exercício do trabalho, mas é
proporcionar a compreensão das di- que desmotiva e não estimula o es-
nâmicas sócio-produtivas das socie- pírito interventor, criativo e crítico de
dades modernas, com as suas con- sujeitos, que são essenciais às pró-
quistas e os seus revezes, e também
prias demandas econômicas predo-

6 Não é surpresa a atual proposta de reforma do Ensino Médio por meio da Lei nº13.415/2017
realizada pelo governo Michel Temer. Ela, claramente, sinaliza para um processo de profis-
sionalização precoce à rede de EPT envolvida no Ensino Médio, e também para uma des-
qualificação e desprofissionalização da atividade docente, retirando a possibilidade de uma
formação básica comum ao conjunto social que perpassa por essa etapa do ensino.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 343


minantes da sociedade contempo- Quando não preparado e elaborado
rânea, como já alertado por Kuenzer no matiz de uma teoria crítica, po-
(2000). dem falhar em fornecer um saber
No primeiro caso, aqui reconhe- que não se elabora no trabalho, em-
cido como não críticos, coloca-se um bora deva ser mercadologicamente
modelo de escola de EPT pública e desinteressado, não pode perder de
do Estado no mesmo arcabouço de vista a realidade e a relação entre
um modelo já suficientemente rea- conhecimento e vida social. O sa-
lizado pelo Sistema S7. Suas análises ber, aqui defendido, pressupõe um
avaliam como insuficiente e ineficaz saber que seja capaz de estimular o
a política pública de EPT. Contudo, estudo sobre questões que levem
embora sejam perspicazes em seu os educandos a problematizarem e
modelo e critério de avaliação, são sentirem, de maneira mais apurada,
reducionistas por estabelecerem a relação entre conhecimento e reali-
como condição sine qua non a mis- dade social mediada pela tecnologia.
são de EPT do Estado e do Sistema S. O saber, portanto, está em uma for-
mação que forneça in per si a relação
No segundo caso, o do mode- do educando com o conhecimento
lo crítico8, seus problemas são mais do mundo onde está inserido, não
amplos e complexos com relação ao voltado para um objetivo profissio-
saber que estabelece para as escolas nal ou técnico imediato do sentido
dos IFs no Ensino Médio Integrado. taylorista.

7 Sistema S são pessoas jurídicas privadas, cuja criação está prevista em lei, com representa-
tividade de categorias econômicas, tendo por exemplos: Confederação Nacional da Indús-
tria (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional do Transporte
(CNT), entre outras. Tem por objetivo uma atividade social não lucrativa, mormente atuam
voltadas ao aprendizado profissional.
8 Ao considerar que as propostas do campo da politecnia estão vinculadas com o mode-
lo crítico, estou considerando mais uma variável das teorias críticas de EPT. Lanço mão do
sentido de politecnia utilizado por Machado (1991): “E a necessidade de desenvolvimento
de uma cidadania livre, consciente a ativa, é a necessidade de que cada um desenvolva,
não só suas qualidades intelectuais, mas também as capacidades de aplicação e que tenha
também acesso a um saber gestionário. É a necessidade de desenvolver a capacidade de in-
tervir na reorganização da sociedade, com a criação de novas formas de organização, novas
habilidades de trabalho coletivo. Que a juventude possa realmente colocar a perspectiva de
intervir na reorganização da sociedade, na busca de soluções dos problemas da sociedade
em que vivemos.” (p. 58).

344
3. OS NÃO CRÍTICOS SÃO REDUCIO- mação uma incapacidade de for-
marem os educandos em resposta
NISTAS NA ASSERTIVA DEFESA DO
a uma demanda dinâmica e flexível
SEU MODELO DE EDUCAÇÃO PRO- presente no mercado de trabalho.
FISSIONAL E TECNOLÓGICA Ao propor um currículo restrito à
EPT, por perceber que a juventude
Suas análises sobre educação
é heterogênea, Schwartzman (2016)
profissional, sobretudo matizada por
recai nos educadores do aprender a
Schwartzman e Castro (2013), Cas-
aprender9, que reforçaram, sem que
siolato e Garcia (2014), são sensatas
fosse o seu objetivo, as desigualda-
e corretas ao perceberem que a rede
des da educação, por não levarem
de EPT nos IFs no Ensino Médio Inte-
em consideração as condições da es-
grado tem realizado uma formação
trutura social, como aponta Saviani
muito “acadêmica”, de acordo com
(2008b).
suas palavras. A formação acadêmica
estaria caracterizada por uma forma- São restritivos ao atribuírem a este
ção básica geral em todas as áreas do modelo formativo como equívoco à
conhecimento, mais centrada no en- EPT dos IFs. Essa talvez seja a maior
tendimento de ciência e sua noção qualidade e mérito pedagógico que
epistêmica/histórica, no estudo das a implantação da rede dos IFs trouxe
teorias científicas e filosóficas. no período recente à educação, com
foco no Ensino Médio Integrado. As
Suas críticas perpassam pela du-
críticas ao Ensino Médio Integrado
ração muito longa dos cursos, quan-
“muito acadêmico” não seriam, na
tidade de disciplinas e carga horária
verdade, o seu mérito? Pois estaría-
muito extensa. Atribuem a esta for-
mos retomando um sentido “para si”
9 Para Saviani (2008b), as teorias não críticas estariam situadas na Pedagogia tradicional,
Pedagogia nova e Pedagogia tecnicista. Com relação a esta última, diz: “A partir do pres-
suposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a
torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pre-
tende-se a objetivação do trabalho pedagógico.” (p. 10, grifos meus). Mais à frente, demostra
o ardil em que incorreu: “A educação será concebida, pois, como um subsistema, cujo fun-
cionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte. Sua base de
sustentação teórica desloca-se para a psicologia behaviorista, a engenharia comportamen-
tal, a ergonomia, informática, cibernética, que tem em comum a inspiração filosófica neo-
positivista e o método funcionalista. Do ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para
a pedagogia tradicional a questão central é aprender, e para a pedagogia nova, aprender a
aprender, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer.” (p. 12, grifos meus).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 345


para o Ensino Médio, completando financiamento do Estado, como no
a formação básica e possibilitando a caso do Pronatec.
estes sujeitos, em qualquer um dos Na questão curricular, Schwartz-
dois caminhos (mercado de trabalho man (2016) defende uma proposta
e universidade), subsequentes esta para EPT centrada na competência10.
formação, possibilidades de mobili- Em sua crítica, lanço a argumentação
dade de classe como demarcado no de Sacristán (2013), ao alertar para
artigo 35 da Lei de Diretrizes e Basesa existência de um currículo oculto.
da Educação (LDB) de 1996. Mesmo que ressalve a importância
Schwartzman (2016), também, de uma competência flexível dada
cai no ardil de alguns estudos sobre as características do mercado de
política pública que desconsideram trabalho, reduz por não perceber as
o processo histórico próprio e a cul- sutilezas epistêmicas presentes nes-
tura do país, dispondo sobre mode- sa estrutura curricular, refém de uma
los estrangeiros a serem seguidos estrutura utilitarista e economicista
exemplarmente. de viés restrito.
Ao reforçar, a partir dos modelos Nisso surge mais uma distinção,
europeus e estadunidenses que vi- pois entendo que o currículo propos-
veram a etapa de bem-estar social, to/formal à rede dos IFs deva estar
a menor participação do Estado e a centrado no conhecimento (saber) e
maior participação do setor empre- na aprendizagem mediada pela tec-
sarial, desconsidera, novamente, as nologia11, sobretudo tendo por base
características do país, ao ignorar o uma rede que tem como missão a in-
pouco interesse do setor empresarial clusão e a alavancagem tecnológica
(GOMES, 2011), salvo quando com e científica, sendo que não é possível

10 Muito esclarecedor sobre o currículo centrado na competência, dispõe Lopes (2008): “A


organização curricular, nesse caso, não tem centralidade no conhecimento e nas disciplinas
escolares, pois estes são subsumidos às competências, às habilidades e às tecnologias a se-
rem adquiridas pelos alunos. Ainda que muitas vezes as competências funcionem a serviço
do ensino das disciplinas acadêmicas, o currículo por competências tem por princípio a or-
ganização do currículo segundo módulos de ensino que transcendem às disciplinas. Cada
módulo é organizado com o conjunto de saberes entendidos como necessários à formação
das competências esperadas, podendo, inclusive, ter caráter de terminalidade parcial. [...]
Dentro desse entendimento, por mais que assuma uma perspectiva de integração, o currí-
culo por competências não expressa um potencial crítico. Ao contrário, revela-se um pen-
samento conformista, na medida em que não tem por princípio focalizar como é possível à
escola questionar o modelo de sociedade no qual está inserido.” (p. 68).

346
a uma competente formação pro- pesquisa e a extensão, aparece com
fissional, sem uma sólida formação características muito próprias da
geral na perspectiva da contempo- sua etapa e modelo de formação.
raneidade. Portanto, a formação in- Sua relação prático/teórica não deve
tegral deve ser capaz de trabalhar desvincular-se do trabalho, distinta-
com a formação básica comum à sua mente do que ocorreu na formação
complexidade dos conhecimentos técnica/profissional do taylorismo,
elaborados, com a formação de com- creditando à capacidade reflexiva do
petências à atuação no mundo do trabalhador uma distinta formação
trabalho. técnico/profissional.
Isso é distinto de uma formação O saber – em suas múltiplas esfe-
genérica e de uma formação profis-ras possíveis – e o mundo do traba-
lho estabelecem uma aproximação
sional restrita (KUENZER, 2000), pois
que possibilita aos sujeitos, no pro-
está, sim, na formação e capacitação
vinculada à complexidade de acessocesso de educação escolar, certo do-
ao acúmulo da produção cultural, mínio do mundo das coisas, forjan-
sócio-histórica da humanidade, comdo condições de atuarem no e para
os conhecimentos mais sofisticadosalém do mercado de trabalho. Não
por menos, em sua maioria, esses
da ciência e da tecnologia. O aces-
so à tecnológica supera a formaçãojovens, em vez da inserção imediata
na vida laboral, estão continuando o
técnica restrita da estrutura fordista/
taylorista, está como um campo de seu processo formativo em nível uni-
saber que aproxima as áreas do co-versitário12, mas, mesmo os que vão
nhecimento científico com o setor para a ação profissional, devem ter
produtivo e material. condições de agir com maior enten-
Seu sentido pedagógico, traça- dimento sobre o contexto no qual
do na vinculação do ensino com a estão inseridos, em consequência da

11 A tecnologia deve ser entendida como um conhecimento de ligação entre as ciências.


“[...] tecnologia também tem de ser vista numa outra dimensão. Não a dimensão usual do
termo, muitas vezes identificado com técnica, mas a tecnologia como estudo das técnicas,
o estudo teórico-prático, das técnicas, quer dizer, uma visão teórica das técnicas, uma com-
preensão do fenômeno tecnologia, inclusive como elo de ligação entre as ciências naturais
e as ciências humanas e sociais.” (MACHADO, 1991, p. 55).
12 Dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2014 e 2015 colocam a rede dos
IFs nas médias das escolas privadas, dotando-os de condições de acesso ao ensino superior
por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 347


formação profissional vinculada à ca- Em outro vetor, a extensão nessas
pacidade reflexiva mais sofisticada. instituições está, ainda, em processo
“Adquirir saber permite assegurar-se mais lento de realização, sobretudo
um certo domínio do mundo no qual porque, fora do Pronatec, não pos-
se vive.” (CHARLOT, 2000, p. 60). sui o aporte financeiro, como a área
A pesquisa aplicada vinculada à da pesquisa, mesmo assim, a área da
realidade, que pensa o seu contexto extensão tem caminhado em uma
em sua totalidade social/econômica/ aproximação da escola com sua co-
cultural/tecnológica/ambiental, bus- munidade, sendo possível vislum-
ca soluções às demandas do local. O brar processos articulados e forma-
ensino que foi dado aos “desvalidos tivos, como discorre na auditoria da
da sorte” – investido de controle so- CGU (BRASIL/CGU, 2014).
cial –, hoje, deve possibilitar o enten- Portanto, o saber tecnológico,
dimento da totalidade do trabalho e que está sob a primazia da objetivi-
sua relação orgânica com o mundo, dade, tem por missão aproximar os
nas dimensões tecnológica, ambien- sujeitos ao máximo do domínio do
tal, social, cultural, empresarial, artís- mundo das coisas, em sua ampla e
tico etc. complexa relação societal. A tecno-
Como dispôs a pesquisa de Ca- logia, assim, deve aparecer como
margo (2016) que demonstrou o campo do saber que conecta as ciên-
crescimento das bolsas de Iniciação cias. Exclusivamente das demandas
Científica Júnior no estado de Goi- do mercado de trabalho, busca-se
ás nos anos de 2014 e 2015 contou na sua formação geral aprofundar
com participação predominante do o conhecimento científico e tecno-
IFG, acompanhado da Fundação de lógico integrado com as condições
Amparo à Pesquisa do Estado de sócio-históricas – uma atuação dos
Goiás. No caso da rede dos IFs, ain- sujeitos capazes de buscarem sua so-
da, há poucos estudos sobre o papel brevivência qualificada – ocupando
da Iniciação Científica Júnior (ICJ) ou almejando os melhores postos de
no Ensino Médio Integrado, mas é trabalho – , mas atuando, também,
importante referencial que ganhou de maneira crítica e comprometida,
volume e, por ele, pode desenvolver no quarteto trabalho, cultura, ciên-
o ensino com a cultura científica de cia e tecnologia. Entendendo-o na
jovens espalhados no interior do país fronteira das necessidades contem-
e nas periferias das grandes cidades. porâneas, eleva-se a formação média

348
geral dos sujeitos, um tipo de escola Ter no horizonte de pesquisa o
elementar-média que enseja o mun- espaço escolar é buscar entender
do do trabalho em suas práticas (te- que a escola tem suas propriedades
óricas e empíricas). “[...] formando-osespecíficas das quais se tributa o
neste período como pessoas capazes currículo. Nesse sentido, o currículo,
de pensar, de estudar, de dirigir ou seja no seu espectro crítico ou nor-
de controlar quem dirige.” (GRAMSCI mativo13, passou a forjar-se como
apud NOSELLA, 2015, p. 132). uma teoria do conhecimento, possi-
bilitando ampliar as oportunidades
4. FUNDAMENTOS DA ESCOLA DOS de aprendizagem (YOUNG, 2014).
INSTITUTOS FEDERAIS E SENTIDOS Pensar e entender a educação como
uma área do saber que se dedica a
DO CURRÍCULO uma atividade prática e especializa-
Estou convencido de que não há da ressalta as formas de estabelecer
questão educacional mais crucial a ação docente.
hoje em dia do que o currículo. Para
colocar o problema mais diretamen- Cabe ao professor ser capaz de
te, precisamos responder à pergun- estimular o engajamento14 dos alu-
ta: “o que todos os alunos deveriam
saber ao deixar a escola”? (YOUNG, nos àqueles conhecimentos primor-
2014, p. 192). diais ao conjunto social. Contudo o
que Young (2011) está propondo não
é o desprezo das experiências e traje-

13 Para Young (2014), a teoria do currículo é uma teoria e só se constituiu como tal graças
a uma tradição construída pelos pesquisadores da área, que passaram a traçar uma teoria
do conhecimento. Por essa tradição, forjaram-se o campo crítico e normativo. Este último
procura entender que o currículo estabelece normas que influenciam, em certa medida,
as pessoas que, em seu processo formativo, interagem com elas. A teoria crítica, entre suas
possibilidades, analisa os campos de poder, das maneiras pelas quais o currículo explícito ou
implicitamente se apresentou na história da educação. Contudo o acordo com Young (2014)
está em entender que o debate sobre o currículo seja um dos nichos mais importantes, que
fortalece e dá sustentação à prática docente.
14 Existe o risco de o currículo centrado em disciplinas remeter a um modelo tradicional
de educação, que introjeta, de forma hierárquica e excludente, o conhecimento, sobretudo
no campo da EPT, como aventado por Saviani (2008b): “Consequentemente, não cabe dizer
que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual. Cabe, isto
sim, dizer que ela qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual.” (p. 23,
grifos meus). O modelo defendido por Young (2011) do currículo centrado em disciplinas é
distinto do modelo tradicional pelo sentido dado ao saber e às relações dos aprendizes com
o saber. Defendendo o currículo que estabelece a relação com o saber por “engajamento” e
não por “acatamento”.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 349


tórias dos estudantes, nem a recusa A finalidade do currículo para a
das competências. A competência, rede de EPT é estabelecer quais sabe-
embora trate com conhecimento, res tecnológicos devem ser adquiri-
pouco trata sobre o próprio sujei- dos “[...] que atividades são possíveis,
to construindo e interagindo com que processos são desencadeados e
o conhecimento. O currículo funda- que valor eles têm, o ritmo e a sequ-
mentado na competência está mais ência da progressão do ensino e da
centrado no conhecimento por aca- aprendizagem, o modelo de indiví-
tamento. Exemplificando na planta duo normal, etc.” (SACRISTÁN, 2013,
fordista/taylorista, o currículo cen- p. 20).
trado na competência sua eficiência Assim, ao se tomar o desafio de
tem por objetivo a aprendizagem uma formação para além do mer-
de habilidades específicas, como cado de trabalho, que se aceite em
ensinar um trabalhador a apertar o seus limites na busca de uma for-
parafuso, se essa for sua finalidade. mação integral15. Embora isso ainda
Entretanto o currículo engajado no não esteja estabelecido, o currículo
conhecimento, além de ensinar as proposto/formal16 começa a dar en-
“técnicas” de apertar o parafuso, en- sejos a experiências realizadas de
sinará o porquê de apertar o para- um currículo em ação. , – pois, na
fuso, qual o papel do parafuso e do rede dos IFs, se faz uso dos Parâme-
apertar o parafuso no processo pro- tros Curriculares Nacionais (PCNs) do
dutivo, o papel do sujeito apertador Ensino Médio e, para a área técnico/
do parafuso, a função do conjunto profissional, do Catálogo Nacional de
social no trabalho e assim sucessiva- Cursos Técnicos –, como se começa a
mente. ensejar o currículo em ação. O que se
está apresentando no horizonte é a

15 Formação integral é a formação voltada para a vida. Não se encerra em um prazo, esta-
belece a complexa relação do sujeito com o meio social (ambiental, cultural e, neste caso,
tecnológica), na sua capacidade de conhecer o mundo das coisas, apropriando-se dos sabe-
res elaborados pela humanidade. Qualquer missão, nesse sentido, nasce sabendo o árduo
caminho, entretanto, isso não deveria ser usado como critério de sua negação, mas do en-
tendimento das possibilidades e dos limites de sua realização.
16 Currículo proposto/formal é utilizado aqui se fazendo referência às proposições da teoria
do currículo que, com cautela, observam a distinção entre a elaboração de um currículo pro-
posto/formal, no âmbito normativo, como no caso os PCNs, e um currículo em ação, aquele
pelo qual, no espaço escolar, o professor e a própria instituição fazem com objetivo a lograr
o processo de aprendizagem.

350
possibilidade de uma prática escolar Também no conjunto das publi-
no Ensino Médio Integrado que con- cações feitas pela Associação Na-
tribua com a formação média sócio/ cional de Pós-Graduação e Pesquisa
técnica/cultural dos sujeitos, em suas em Educação (Anped), há presença
múltiplas experiências de atuação. substantiva de profissionais pesqui-
Este processo, como temos de- sadores da rede dos IFs como campo
monstrado, ainda incipiente na rede de estudo, analisando sua formação.
e pontual, não impede de ser obser- Dos trabalhos e pôsteres apresenta-
vado à luz de procedimentos inova- dos de 2007 a 2015 nos Grupos de
dores no campo do Ensino Médio Trabalho (GT)18, que têm, de manei-
Integrado e da (re)significação do ra direta ou indireta, como objeto de
sentido formativo dessa rede. Um estudo a integração curricular em
levantamento aleatório de 233 te- seus vários matizes (humana, escolar,
ses e dissertações com o tema cur- curricular, pedagógica, entre outros)
rículo integrado, do período entre do total de 18 trabalhos nessa área,
2010 a 2016, no portal da Comissão 10 estão diretamente vinculados à
de Aperfeiçoamento de Pessoal do rede dos IFs.
Nível Superior (Capes), apresentou Ao reconhecer a realidade social
104 pesquisas na área do currícu- e a complexidade das possibilidades
lo integrado – demonstrando uma de formação no campo da EPT, os
incidência de 44,63% –, vinculados estudos convergem ao apresentar
diretamente com a rede dos IFs17, a formação educacional que a rede
com temas que, a partir do currículo dos IFs tem por objetivo. Dos traba-
integrado, versam sobre o Programa lhos apresentados, há análises sobre
Nacional de Integração da Educação a possibilidade de elaboração do co-
Profissional com a Educação Básica nhecimento que aproxima em uni-
na Modalidade de Educação de Jo- dade o manual e o intelectual. O tra-
vens e Adultos (Proeja), formação de balho de integração que, no primeiro
professores e, sobretudo, experiên- momento é por objeto de análise,
cias no Ensino Médio Integrado. aproximando áreas fronteiras do co-
nhecimento, é desdobrado por afini-

17 Como não foi possível estabelecer um recorte mais próximo, as pesquisas que versavam
sobre o currículo integrado no Proeja, também, foram consideradas.
18 Foram pesquisados os: GT4 Didática; GT9 Trabalho e Educação; GT12 Currículo; GT 14
Sociologia da Educação; GT 18 Educação de Pessoas Jovens e Adultos.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 351


dades políticas, ideológicas e peda- um projeto implícito de reforço à ex-
gógicas, aproximando áreas dispares clusão, não forjando base dos sabe-
do conhecimento científico. (MA- res mais elaborados a todos, limitan-
CIEL, 2013). Das análises cuidadosas do as possibilidades de participação
sobre os Projetos Políticos Pedagógi- na dinâmica do mercado de trabalho
cos (PPPs) e seu distanciamento de e nas maneiras pelas quais ele inte-
fundamentos mínimos que visem a rage no mundo das coisas. Acaba
um currículo integrado na rede (BE- apreendendo uma autodepreciação
ZERRA; BARBOSA, 2013), aos limites e a escola legitima a posição dele no
de um projeto de educação integral mundo do trabalho, na condição de
na lógica do capital (SILVEIRA, 2015), subalternidade excludente.
não deixam de demonstrar a impor- Uma educação busca fornecer
tância da vinculação do ensino com maior capacidade de entendimento
o trabalho produtivo (GONÇALVES, e ampliação da compreensão sobre
2004). as possibilidades que o saber forne-
Os sentidos dados à escola de- ce à sociedade em transformação,
pendem dos valores que o conjunto alargando, assim, o leque de enten-
social convenciona como desejados dimento de aplicação da pesquisa
e, por consequência, o seu currícu- e mesmo de contribuição econômi-
lo é a manifestação dessa intenção. ca, social, tecnológica e cultural que
Aceitar um currículo proposto/for- a escola pode fornecer ao meio em
mal de EPT para a rede dos IFs em que está inserida. Assim, sua base
um desenho frágil e restrito de ba- curricular, ao trazer a dinâmica do
ses de saberes elementares (geral profissional, na sua estrutura técnica,
e tecnológico) e de especialização traz a ampliação de saberes científi-
dotada de sentido executório pouco cos de uma física, matemática, bio-
reflexivo é incorrer (FRIGOTTO, 2010) logia, entre outras, que provoca sua
sobre o fracasso da produtividade inserção em demandas do tempo
da escola improdutiva. A escola da presente, mas não restritiva.
rede dos IFs, vinculada a um projeto Isso está na base do argumento
de país e para agir contra a estrutu- de Nosella (2015) que, ao criticar o
ra sociorregional desigual, acaba por ensino médio profissionalizante, não
determinar que o seu fracasso, sob significa ir de encontro à formação
uma óptica é o sucesso sob outra, li- pedagógica que tenha o trabalho
mitando a inserção dos sujeitos, em

352
como princípio educativo. Nesse internacionais e no conjunto da lite-
sentido, o Ensino Médio Integrado ratura especializada no tema. A pri-
da rede dos IFs deve e pode ser pen- meira se assume como pertencente
sado e realizado não na direção de às políticas de ponta no campo edu-
uma profissionalização precoce do cacional à formação e às concepções
educando, base do novo precariado, de fronteira da ciência. A segunda
mas no sentido mais abrangente da observa que há mudanças estrutu-
formação no trabalho coletivo e de rantes no capital e na forma e ma-
sua possibilidade de intervenção so- neira da distribuição das ocupações
cial. pelas cadeias produtivas globais,
Portanto, não elaborando uma que exigem maior complexidade a
estrutura curricular que dê formação este modelo educacional, não mais
restrita, de pouca formação geral e exclusivamente no sentido da espe-
básica. A proposta de Ensino Médio cialização de tarefas, competências e
Integrado da rede não precisa incor- habilidades, como na base produtiva
rer nessa formação limitada como anterior.
uma noção de saberes desvinculados O Brasil vive uma transição desde
do contexto mais amplo, dos saberes os anos 1980 entre essas duas estru-
tecnológicos e das suas possibilida- turas produtivas (ALVES, 2015). Lon-
des de uso e sentido no seio social. ge da consolidação predominante
Como dispõe Nosella (2009), “[...] dessa cadeia produtiva, a rede dos
a consideração de que o ensino mé- IFs deve entender e atuar para além
dio deve priorizar a preparação (ime- da lógica da profissionalização pre-
diata ou remota) para o mercado é coce.
admitir a legitimidade da profissio- A lógica ainda presente entre as
nalização precoce.” (p. 1). Não é porvelhas e novas formas de organiza-
menos que nos níveis e modalidades ção, distribuição e perfil da ocupa-
da educação básica e mesmo na su- ção, em torno da acumulação flexível
perior, é em torno do Ensino Médio de capital, tem alterado, constante-
que se encontra o espaço de maior mente, as demandas do mercado de
diversidade de proposições pedagó- trabalho, linha na qual já atua o Sis-
gicas e de propostas curriculares. tema S e a rede Federal, simplesmen-
Duas novas características à EPT te, reproduzir esse sistema incorreria
são fatos já perceptíveis por órgãos em estabelecer uma subutilização do
seu potencial de intervenção e ten-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 353


sionamento no seio social no qual a BEZERRA, Daniella de Souza; BARBO-
escola pode vir a realizar. SA, Walmir. Ensino Médio Integra-
Seu locus, ao perceber essa di- do à Educação Profissional Técnica
nâmica, deve estar mais em sintonia e seus Projetos Político-Pedagógi-
com essa nova percepção de EPT, cos: na mira(gem) da politecnia e da
de fronteira de ciência e tecnologia, (des)integração. Grupo de Trabalho
e com as necessidades do país no 9: Trabalho e Educação. In: 36ª REU-
tempo presente. No seu processo de NIÃO ANUAL DA ANPED, GOIÂNIA,
expansão, implantação e de consti- 2013.
tuição de sua missão deve elevar um BRASIL. MEC. Catálogo Nacional de
processo pedagógico que engaje os Cursos Técnicos. 3. ed. Brasília: MEC,
sujeitos nos saberes da ciência e da 2016.
tecnologia, que passa a (re)significar
sua interpretação do mundo e inter- ______. MEC/SETEC. Apontamen-
venção no meio social. tos primeiras aproximações com a
A esta escola, o desafio coloca-se base tecnológica nacional comum.
no limiar do entendimento e da par- Anexo 2. Elaborado por Nilva Schore-
ticipação na complexidade do tem- der a partir de discussões realizadas
po presente. Sua incipiência abre-se na Diretoria de Políticas de Educação
a este desafio e com sua política pú- Profissional e Tecnológica, março de
blica demanda energia, elaboração e 2016b.
sofisticação que só pode ser lograda
______. MEC. Lei de Diretrizes e Bases
com ampla participação social e com
da Educação Nacional. Decreto Lei nº
capacitação (formação de professo-
9.934/1996. Diário Oficial [da] Re-
res e gestores), direcionamento (cur-
pública Federativa do Brasil, Poder
rículo) e envolvimento participativo
Executivo, Brasília, DF, 20 dez. 1996.
dos atores sociais.
_____. Ministério da Educação. Lei nº
REFERÊNCIAS 11.892/2008. Diário Oficial [da] Re-
pública Federativa do Brasil, Poder
ALVES, Giovanni. O novo (e precá- Executivo, Brasília, DF, 29 dez. 2008.
rio) mundo do trabalho: reestrutu-
ração produtiva e crise do sindicalis- CAMARGO, Lilian Ribeiro. Iniciação
mo. São Paulo: Boitempo, 2005. Científica no Técnico Integrado ao
Ensino Médio do Instituto Federal

354
de Goiás, Campus Goiânia: tensões da escola do trabalho e a formação
entre empreendedorismo e forma- integral do trabalhador. Grupo de
ção integral. Monografia do Progra- Trabalho 9: Trabalho e Educação. In:
ma de Pós-Graduação Especialização 27ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Ca-
em Políticas e Gestão da Educação xambu, 2004.
Profissional e Tecnológica do IFG,
2016. KUENZER, Acácia Zeneida. O ensino
médio agora e para a vida: Entre o
CASSIOLATO, Maria Martha M. C.; pretendido, o dito e o feito. Revista
GARCIA, Ronaldo Coutinho. Prona- Educação & Sociedade, ano XXI, n.
tec: múltiplos arranjos e ações para 70, abr. 2000.
ampliar o acesso à educação profis-
sional. Texto para Discussão. Rio de LOPES, Alice Casimiro. Políticas de
Janeiro: Ipea, 2014. integração curricular. Rio de Janei-
ro: Ed. UERJ, 2008.
CHARLOT, Bernard. A relação com
o saber. Elementos para uma teo- MACHADO, Lucília Regina de Sou-
ria. Tradução de Bruno Magne. Porto za. Politecnia no ensino de segundo
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. grau. In.: CUNHA, Célio; GARCIA, Wal-
ter (Coord.). Politecnia no ensino
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtivi- médio. Brasil. Ministério da Educa-
dade da escola improdutiva. Um ção. São Paulo: Cortez; Brasília: Se-
(re)exame das relações entre edu- neb, 1991.
cação e estrutura econômico-social
capitalista. 9. ed. São Paulo: Cortez, MACIEL, Cosme Leonardo Almeida.
2010. Educação integral, trabalho e pro-
cesso formativo no Instituto Poli-
GOMES, Carlos Antônio. A qualifica- técnico de Cabo Frio/RJ. Grupo de
ção resignada. A má formação da Trabalho 9: Trabalho e Educação. In:
força de trabalho como um proble- 36ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Goi-
ma estrutural do desenvolvimento ânia, 2013.
brasileiro. Tese (Doutorado)–Progra-
ma de Pós-graduação em Educação, MAROPE, P. T. M.; CHAKROUN, B.;
Universidade Estadual de Campinas HOLMES, K. P. Liberar o potencial.
(Unicamp), Campinas, 2011. Transformar a educação e a forma-
ção técnica e profissional. Brasília:
GONÇALVES, Adilene. A pedagogia Unesco, 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 355


MÉSZÁROS, István. Educaçao para passam, benefícios ficam?: sobre
além do capital. p.195-224. In: a implantação do IFG/Campus Lu-
______. O Desafio e o fardo do tem- ziânia (2010-2014). p. 163-191, In:
po histórico. O socialismo no século BARBOSA, W.; PIRES, L. VILASBOAS E
XXI. Tradução de Ana Cotrim e Vera SANTOS, N. (Org.). O IFG no tempo
Cotrim. São Paulo: Boitempo, 2007. presente: possibilidades e limites no
contexto das reconfigurações insti-
NOSELLA, Paolo. Ensino médio: em tucionais (de 1990 a 2015). Goiânia:
busca do princípio pedagógico. Edu- Editora do IFG, 2016.
cação & Sociedade, v. 32, n. 117, p.
1051-1066. 2011. SACRISTÁN, José Gimeno. O que sig-
nifica o currículo? p. 16-35. In: _____.
_____. Ensino Médio unitário ou Saberes e Incertezas Sobre o Currí-
multiforme? Revista Brasileira de culo. Porto Alegre: Penso, 2013.
Educação, v. 20, n. 60, jan./mar. 2015.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia his-
PACHECO, Eliezer; REZENDE, Caetana. tórico-crítica. Primeiras aproxima-
Institutos Federais: um futuro por ar- ções. 10. ed. Campinas: Autores As-
mar. In.:JURACY, Caetana; VIDOR, Ale- sociados, 2008a.
xandre; PACHECO, Eliezer; CALDAS,
Luiz Augusto (Org.). Institutos Fe- _____. Escola e democracia. Campi-
derais, Lei 11.892, de 29/12/2008. nas: Autores Associados, 2008b.
Comentários e reflexões. Natal: IFRN,
2009. SCHWARTZMAN, Simon; CASTRO,
Claudio de Moura. Ensino, forma-
PACHECO, Eliezer (Org.). Institutos ção profissional e a questão da mão
Federais. Uma revolução na educa- de obra. Revista Ensaio: Aval. Pol.
ção profissional e tecnológica. Brasí- Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 21, n.
lia: Fundação Santillana, 2011. 80, p. 563-624, jul./set. 2013.

RAMOS, Marise. A concepção de en- _____. Educação média profissio-


sino médio integrado. Seminário da nal no Brasil. Situação e caminhos.
Secretaria Estadual de Educação do São Paulo: Fundação Santillana,
Pará. 2008. 2016.

REIS JR., Reinaldo de Lima; GOLO- SILVEIRA, Adriana Gomes. Educação


VATY, R.; HERMANN, D. Transtornos em tempo integral e juventudes:

356
entre a responsabilidade e a respon-
sabilização. Grupo de Trabalho 14:
Sociologia da Educação, 37ª Reunião
Anual da Anped. Florianópolis, 2015.

YOUNG, Michael. Teoria do currícu-


lo: o que é e por que é importante.
Caderno de Pesquisa, São Paulo, v.
44, n. 151, jan./mar. 2014.

_____. O futuro da educação em


uma sociedade do conhecimento: o
argumento radical em defesa de um
currículo centrado em disciplinas.
Rev. Brasileira de Educação, v. 16,
n. 48, p. 608-624, set./dez. 2011.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 357


INSTITUTOS FEDERAIS: INOVAÇÃO, CONTRADIÇÕES
E AMEAÇAS EM SUA CURTA TRAJETÓRIA
Fábio Aparecido Martins Bezerra1
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia,
campus Muriaé
E-mail: fabio.bezerra@ifsudestemg.edu.br

1. INTRODUÇÃO educação profissional e tecnológica


como fomentadoras de ciência e de
A proposta de constituição de tecnologia a serviço da sociedade,
uma Rede Federal de Educação Pro- as quais, por serem financiadas por
fissional, Científica e Tecnológica, recursos públicos, devem estar vol-
instituída pela Lei nº 11.892, de 29 de tadas à resolução de problemas e de
dezembro de 2008 (BRASIL, 2008a), contradições conjunturais ou regio-
enfatiza um modelo de ensino con- nais que impedem o desenvolvimen-
figurado na forma de política pública to socioeconômico das localidades;
de integração regional, algo novo, as quais podem perpetuar situações
até então, na história da educação de desigualdade, de atraso e de de-
profissional no Brasil. Isso estabele- pendência.
ceu ações conjuntas com outros mi-
Segundo o documento base para
nistérios e órgãos públicos e outras
a Educação Profissional Técnica de
secretarias, de modo a possibilitar
Nível Médio Integrada ao Ensino Mé-
um sentido social e pedagógico, com
dio,
o qual se pretende ir além do ensino
[...] ao se pensar no ensino médio
profissionalizante integrado ao ensi- integrado como política pública
no básico, enquanto dimensão peda- educacional é necessário pensá-lo,
gógica, e, também, superar a ideia da também, na perspectiva de sua
contribuição para a consolidação
formação de cidadãos aptos apenas das políticas de ciência e tecnolo-
ao mercado de trabalho. gia, de geração de emprego e ren-
da, de desenvolvimento agrário, de
Essa proposta enfatiza a impor- saúde pública, de desenvolvimento
tância estratégica das instituições de da indústria e do comércio, enfim, é

358
necessário buscar o seu papel estra- Essa nova perspectiva, por sua
tégico no marco de um projeto de
vez, não reduz as comunidades à
desenvolvimento socioeconômico
do estado brasileiro, o que implica condição de espectadores ou de co-
essas inter-relações com, no mí- adjuvantes no processo de implanta-
nimo, as políticas setoriais acima
ção e de desenvolvimento dos Proje-
mencionadas (BRASIL, 2007b, p. 29).
tos Políticos e Pedagógicos das novas
instituições. Ao contrário disso, elas
Essa nova relação possui, como passariam a ser uma das bases para
parâmetros éticos e pedagógicos, a a reflexão e a orientação com vistas à
construção de um domínio crítico e elaboração dos cursos e dos respec-
consciente sobre a relevância do co- tivos projetos de extensão, os quais
nhecimento científico e tecnológico poderão ser desenvolvidos com a
desenvolvido pelas instituições pú- finalidade de promover soluções de
blicas de ensino, para que esse recur- problemas sociais diversos, por meio
so seja um instrumental político de da aplicação do conceito de Tecnolo-
transferência e de formação de no- gia Social.
vos saberes, os quais auxiliem e esti-
Nesse sentido, ainda segundo o
mulem melhores condições de vida
texto, Concepções e Diretrizes para
às comunidades atendidas, por meio
os Institutos Federais, deve-se desta-
do desenvolvimento econômico,
car que:
cultural e social; dessa forma, cons-
[...] não basta a garantia de que é
tituindo interfaces entre a educação pública por estar vinculada ao orça-
e as outras áreas de intervenção do mento e aos recursos de origem pú-
Estado. blica. Ainda que o financiamento da
manutenção, a partir de fonte orça-
Em síntese, o papel que está previs- mentária pública, represente condi-
to para os Institutos Federais é o de ção indispensável para tal, a política
garantir a perenidade das ações que pública assenta-se em outros itens
visem a incorporar, antes de tudo, também obrigatórios, como estar
setores sociais que historicamente comprometida com o todo social,
foram alijados dos processos de de- enquanto algo que funda a igualda-
senvolvimento e modernização do de na diversidade (social, econômi-
Brasil, o que legitima e justifica a im- ca, geográfica, cultural, etc.) e ainda
portância de sua natureza pública e estar articulada a outras políticas
afirma uma educação profissional e (de trabalho e renda, de desenvol-
tecnológica como instrumento re- vimento setorial, ambiental, social
almente vigoroso na construção e e mesmo educacional) de modo a
resgate da cidadania e da transfor- provocar impactos nesse universo
mação social (PEREIRA, 2007, p. 3). (BRASIL, 2008b, p. 10).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 359


Dessa forma, a escola, por meio Esta análise é parte de um estudo
do processo de formação e de intera- sequencial que dialoga com as con-
ção, o qual ela é capaz de promover, cepções propostas nos projetos na-
deve ser reconhecida como um es- cionais de criação dos Institutos Fe-
paço possível dessa mediação, mas derais, evidenciados principalmente
também deve ser compreendida na Lei nº 11.892, de 29 de dezembro
como um espaço aberto de disputas de 2008. Sendo assim, destacam-se
de projetos e de interesses conflitan- quais seriam os principais obstáculos
tes e não apenas como um mero apa- e desafios e as possíveis perspectivas
relho ideológico do Estado, fadado a para a consecução das finalidades e
reproduzir a ordem social vigente. dos objetivos dos Institutos Federais.
Entretanto, há um conjunto de fa- O presente artigo utilizou, como
tores que pode dificultar ou mesmo procedimento metodológico, a pes-
inviabilizar tal intento, principalmen- quisa exploratória em um estudo
te em relação àqueles campi mais de caso, o qual embasou minha dis-
novos e às unidades mais antigas, sertação de mestrado em educação
evidenciado principalmente pela au- profissional e tecnológica sobre a ex-
sência da devida compreensão dos periência de implantação do campus
seus fundamentos políticos, filosó- Muriaé do IF Sudeste de Minas Gerais
ficos e pedagógicos; além das pos- e seus impactos regionais. A pesqui-
síveis dificuldades financeiras e dos sa utilizou-se de levantamento bi-
conflitos de interesses locais. bliográfico e documental à época,
Desse modo, o questionamento, de entrevistas semiestruturadas com
que emerge em tal contexto, e fun- servidores em cargos de direção e de
damenta o objetivo da análise deste análises bibliográficas sobre o con-
artigo, é apresentar um ensaio refle- texto conjuntural da crise econômica
xivo sobre o Ensino Médio Integrado e os efeitos imediatos sobre o custeio
a partir da constituição dos IFETs, no e o respectivo futuro dos IFETs.
que diz respeito à sua fundamenta-
ção teórica, à sua relevância histórica, 2. BREVE HISTÓRICO E O VARIÁVEL
em seu curto percurso, e às contradi- PERCURSO DA EDUCAÇÃO PROFIS-
ções evidenciadas no âmbito dessa SIONAL
instituição; em relação à pesquisa, ao
ensino e à extensão ligada à conjun- Ao analisar a história centenária
tura atual em que se apresenta à EPT. da Educação Profissional no Brasil,

360
percebe-se que esta vivenciou diver- técnicos e de profissionais destina-
sos contextos e foi instrumentalizada dos a dar o devido suporte ao proje-
de formas distintas, de acordo com as to desenvolvimentista em curso.
conveniências e as estratégias políti- Esse contexto já demonstra que
cas que iam, desde uma concepção o processo formativo vai assumin-
inicial, assistencialista e de discipli-
do, cada vez mais, importância para
na forçada da pobreza, por meio do a formação de força de trabalho es-
trabalho, até a conjugação do ensino pecializada nas novas e nas sofisti-
profissionalizante com demandas de cadas exigências do setor produtivo,
expansão do capital em graus varia- as quais vão além do conhecimento
dos, por meio de formação técnica técnico. Em algumas áreas específi-
de uma força de trabalho mais qua- cas, a unidade do saber propedêuti-
lificada, até mesmo a parceria pú- co e a do saber técnico são exigên-
blico-privada, para a construção e o cias cada vez mais constantes para
financiamento de escolas profissio- a capacitação de trabalhadores, que
nalizantes; como foi o caso da insta-deverão ser aptos a interpretarem
lação do Senai na década de 1940. e a superarem determinados desa-
Nesse percurso, os incentivos fios. As atribuições cognitivas, mais
orçamentários, também, variavam complexas, exigidas pelo desenvol-
sempre em consonância com as aspi- vimento tecnológico, em algumas
rações desenvolvimentistas, as quais áreas, vão ampliando a necessidade
vivenciaram etapas distintas, entre de uma formação mais completa e,
elas, podemos destacar as dos anos ao mesmo tempo, mais flexível em
1940, 1950 e 1970. sua funcionalidade.
Sob o lema "crescer o Brasil 50 Se antes, principalmente até o fi-
anos em 5", o Governo JK, em seu Pla- nal dos anos 1930, a educação pro-
no de Metas, previa o investimento fissional assumia um sentido assis-
em áreas de infraestrutura (energia tencialista, moralista e subordinado
e transporte principalmente), desti- à formação básica de mão de obra
nando, para essas áreas, 73% do total pouco especializada, o desenvolvi-
dos investimentos e cerca de 3,4% mento da industrialização, no Brasil,
para a educação; o que demonstra, e a maior presença do país, no mer-
nesse contexto, uma preocupação cado capitalista mundial, não mais
especial em aumentar a formação de apenas como fornecedor de pro-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 361


dutos agrícolas, possibilitaram uma de adestrar para o mercado. A peda-
gogia do Sistema S, em especial do
significativa mudança, representada,
SENAI, como pedagogia do capital,
sobretudo, em investimentos e em foi incorporada como política dos
ampliação de escolas técnicas por governos militares para o campo da
educação.
todo o país.
Esse surto de desenvolvimento
capitalista, na economia brasileira, Nesse contexto, pode-se dizer
iniciado no governo Getúlio, amplia- que a ampliação da Rede Federal de
do no período JK, encontra, nos anos Educação Profissional, no país, não
iniciais da ditadura cívico-militar foi além das perspectivas expostas
(1964-1985), uma nova etapa do cha- acima. Tão pouco se percebe, nos
mado modelo desenvolvimentista documentos oficiais, qualquer em-
brasileiro, o qual mantém o foco na basamento da expansão com uma
educação profissional como um dos perspectiva de consolidação de uni-
eixos de suporte para atender às de- dade nacional e de redução das dis-
mandas de mão de obra qualificada paridades regionais, além da ausên-
frente à expansão econômica do iní- cia de perspectivas que vinculassem
cio dos anos 1970, em diversos seto- a questão da ciência e da tecnologia,
res. Sobre esse período e as reformas cada vez mais evidentes, principal-
que o sistema educacional brasileiro mente com a qualificação dos Cen-
sofreu, destacam-se as observações tros Federais de Educação Profissio-
de Frigotto (2007, p. 136): nal e Tecnológica (Cefets), na oferta
[...] O campo da educação teve um
cursos de formação tecnológica, em
ciclo de reformas completo para fomento de transferência ou de com-
adaptar-se ao projeto do golpe ci- partilhamento desse conhecimento,
vil-militar. Sob a égide do economi-
cismo e do pragmatismo, adotou-
com segmentos da sociedade me-
se a ideologia do capital humano, nos favorecidos e com significativos
reiterando nossa vocação de cópia problemas microrregionais que re-
e mimetismo. A Pedagogia do Opri-
mido, ícone de uma concepção de
produziam e/ou retroalimentavam
educação emancipadora de jovens seculares disparidades locais.
e adultos, foi substituída pelo Movi-
mento de Alfabetização de Adultos A partir do início dos anos 1990,
(MOBRAL) sob a pedagogia do mer- principalmente nos governos de
cado. A profissionalização compul- Fernando Henrique Cardoso (1994-
sória do ensino médio e a formação
técnico-profissional, por outro lado, 2002), o Estado promove políticas
efetivou-se dentro da perspectiva econômicas e sociais pautadas pelo

362
ideário de administração neoliberal. As significativas transformações
Tal modelo de administração do Esta- que o mundo do trabalho sofreu,
do promove o sucateamento e a pos- com a abertura do mercado econô-
terior privatização ou terceirização mico e a implementação de novas
de diversos serviços públicos e de tecnologias produtivas e os arranjos
setores estratégicos da economia. A organizacionais, favoreceram os dis-
Educação Profissional e Tecnológica, cursos ideológicos que transferiam,
também, é alvo desse processo, com para os trabalhadores, a responsabi-
evidentes ações que procuravam lidade pela falta de empregabilida-
reduzir os investimentos públicos e de, devido à defasagem educacional,
o custeio nas escolas já existentes, à falta de competências1 básicas e de
causando, assim, o sucateamento e qualificação para o trabalho.
a promoção do ensino privado como Sob esse discurso, o governo
forma de atender à demanda sempre neoliberal preparava terreno para a
crescente. Segundo Bresser Pereira implantação de um conjunto de me-
(apud PERONI, 1997), “No Plano de didas que se configuraram em refor-
Reforma do Estado no Brasil (1995), mas profundas na educação, muitas
as políticas sociais foram considera- delas financiadas por organismos fi-
das serviços não exclusivos do Esta- nanceiros internacionais.
do e, assim sendo, de propriedade
pública não-estatal ou privada”. Em 20 de novembro 1996, foi
sancionada a nova Lei de Diretrizes
Peroni (2010, p. 3) ressalta que: e Bases da Educação Brasileira (LDB),
As estratégias de reforma do Estado Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996). Essa nova
no Brasil são: a privatização, a publi-
cização e a terceirização. Terceiriza- LDB dispunha de um capítulo dedi-
ção, conforme Bresser Pereira, é o cado à Educação Profissional, sepa-
processo em que se transferem para rado da Educação Básica, deixando
o setor privado os serviços auxiliares
ou de apoio. A publicização consiste transparecer um caráter ambíguo
na transferência para o setor públi- sobre a articulação entre o Ensino
co não-estatal dos serviços sociais e Médio e o Ensino Profissional.
científicos que hoje o Estado presta.

1 O conceito de “competência”, historicamente, refere-se à ideologia empresarial, sendo en-


tendido como: aptidão, habilidade, capacidade. Esse modelo é muito criticado na esfera da
educação, pois está associado à adaptação do currículo e às exigências do mercado, em uma
concepção de educação para o trabalho e não pelo trabalho, que visa o adestramento do
indivíduo e a instrumentalização do saber para atender às demandas do sistema capitalista,
como o aumento da produtividade da exploração da força de trabalho.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 363


Em 1997, o governo federal, pelo Segundo Manfredi (2002), a Me-
Decreto nº 2.208 (BRASIL, 1997a), dida Provisória nº 1.549/1997 (BRA-
cria o Programa de Expansão da Edu- SIL, 1997a) transferia os deveres de
cação Profissional (Proep), o qual re- manutenção e de gestão do Ensino
gulamentou os artigos da nova LDB Técnico para os estados e os municí-
que tratavam da Educação Profissio- pios, para os setores produtivos e/ou
nal. A chamada “Reforma da Educa- as organizações não governamen-
ção Profissional” apresentava a des- tais, retirando a responsabilidade da
vinculação entre o Ensino Médio e o União na expansão da rede técnica
Profissionalizante, reinstaurando, no federal.
cenário brasileiro, a dualidade estru- A Medida Provisória nº 1.549/97
tural do ensino brasileiro. Recursos (BRASIL, 1997b), por exemplo, em
seu artigo 44, apontava para a trans-
foram adquiridos com o Banco In- ferência de responsabilidade de ma-
teramericano de Desenvolvimento nutenção e gestão do ensino técni-
(BID), com o objetivo de financiar tal co para os Estados, os Municípios e
o Distrito Federal, 'para o setor pro-
projeto, o qual visava a redução da dutivo e/ou para organizações não-
presença do Estado na manutenção governamentais, eximindo a União
e no investimento na EPT, e a conse- da responsabilidade de continuar
participando da expansão da rede
quente transferência desse ensino à técnica federal (MANFREDI, 2002).
iniciativa privada, de acordo com as
orientações do modelo neoliberal
em curso no país à época. Apenas em outubro de 2003,
Juntamente com o Decreto nº quando ocorreu a revogação desse
2.208/97, que estabeleceu as bases Decreto pela Portaria nº 2736/2003,
da reforma da educação profissio- as diretrizes políticas, para a EPT, ba-
nal, o governo federal negociou
empréstimo junto ao Banco Inte- seadas no Decreto nº 2.208 (BRASIL,
ramericano de Desenvolvimento 1997a), foram suspensas. Em seu lu-
(BID) com o objetivo de financiar a gar, no bojo da retomada do debate
mencionada reforma como parte in-
tegrante do projeto de privatização pela Educação Tecnológica, como
do estado brasileiro em atendimen- matriz pedagógica para a EPT, foi
to à política neoliberal, determina- aprovado o Decreto nº 5.154/2004
da desde os países hegemônicos
de capitalismo avançado, dos or- (BRASIL, 2004), o qual, de acordo com
ganismos multilaterais de financia- o documento base para a Educação
mento e das grandes corporações Técnica de Nível Médio Integrada ao
transnacionais. Esse financiamento
é materializado por meio do Proep Ensino Médio, compreendia a EPT
(BRASIL, 2007a, p.19). como:

364
[...] uma educação unitária e univer- uma nova identidade à EPT, baseada
sal destinada à superação da dua-
na:
lidade entre cultura geral e cultura
técnica e voltada para “o domínio [...] formação de cidadãos capazes
dos conhecimentos científicos das de compreender a realidade social,
diferentes técnicas que caracteri- econômica, política, cultural e do
zam o processo de trabalho pro- mundo do trabalho para nela inse-
dutivo moderno” (Saviani, 2003, rir-se e atuar de forma ética e com-
p.140, citado por Frigotto, Ciavatta petente, técnica e politicamente,
e Ramos, 2005, p. 42) sem, no en- visando contribuir para a transfor-
tanto, voltar-se para uma formação mação da sociedade em função dos
profissional stricto sensu, ou seja, interesses sociais e coletivos. (BRA-
sem formar profissionais em cursos SIL, 2007a, p. 25).
técnicos específicos. (BRASIL, 2007a,
p. 23).
Essa perspectiva estaria em con-
sonância com o novo projeto estipu-
Além da tentativa de reconciliar o
lado à EPT sob uma nova perspectiva
ensino propedêutico e o ensino téc-
desenvolvimentista instaurada no
nico, tal decreto procurava dar uma
governo Lula, evidenciada principal-
nova identidade à EPT, que superas-
mente no plano da Educação Profis-
se a dualidade estrutural entre “[...]
sional e Tecnológica, a partir do texto
cultura geral e cultura técnica ou for-
produzido pelo encontro de diversas
mação instrumental (para os filhos
entidades ligadas à EPT, que compu-
da classe operária) versus formação
nham o Fórum Nacional de Educa-
acadêmica (para os filhos da classe
ção Profissional e Tecnológica3. O re-
média-alta e alta)”2 (BRASIL, 2007, p.
sultado do encontro foi a publicação
25), e, ao mesmo tempo, garantisse
do texto “Pacto pela Valorização da

2 Essa dualidade é fruto da separação entre a educação proporcionada aos filhos das classes
médio-alta e alta e aquela permitida aos filhos dos trabalhadores. Sobre o assunto, consul-
tar: Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005); Cefet-RN (2005); e Moura; Baracho; Pereira; Silva (2005).
3 O Fórum Nacional de Educação Profissional e Tecnológica foi criado por meio da Portaria
nº 3621, de 4 de Dezembro de 2003. Era composto, inicialmente, pelas seguintes entidades:
Conselho Nacional de Dirigentes dos Cefets (Concefet), Frente Parlamentar em Defesa da
Educação Profissional (FPDEP), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Servi-
ço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem em
Transporte (Senat), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Sindicato Nacional dos
Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), União Nacional dos Estudantes (UNE),
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Federação dos Servidores das Univer-
sidades Brasileiras (Fasubra), Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica
e Profissional (Sinasefe), entre outros (BRASIL, 2003b).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 365


Educação Profissional e Tecnológi- são da Rede Federal, com a cons-
ca”, assinado em agosto de 2004, du- trução de 60 novas unidades de
rante a segunda reunião do Fórum ensino pelo governo federal;
Nacional de Educação Profissional e d) lançamento, em 2007, da se-
Tecnológica, o qual criaria, posterior- gunda fase do Plano de Expansão
mente, as condições para a expansão da Rede Federal, com previsão de
da Rede Federal de Educação Profis- 354 unidades até 2010; e
sional e Tecnológica e o surgimento
dos Institutos Federais de Educação, e) lançamento, em 2007, do
Ciência e Tecnologia, com a Lei nº Plano de Desenvolvimento da Edu-
11.892, de 29 de dezembro de 2008 cação: razões, princípios e progra-
(BRASIL, 2008a). mas, que orienta a EPT como po-
lítica pública de desenvolvimento
regional e de ordenação territorial.
3. OS IFETS: CONCEPÇÃO, DIRETRI-
ZES E CONTRADIÇÕES Segundo o texto Concepções e
Diretrizes para os Institutos Federais:
O processo que levou à transfor- [...] a concepção de Educação Pro-
mação do antigo modelo, constituí- fissional e Tecnológica (EPT) orien-
ta os processos de formação com
do na Rede Federal de Educação Pro- base nas premissas da integração
fissional e Tecnológica, iniciou-se em e da articulação entre ciência, tec-
2003 com medidas que retomavam nologia, cultura e conhecimentos
específicos e do desenvolvimento
o investimento e iniciava o processo da capacidade de investigação cien-
de mudanças nas diretrizes pedagó- tífica como dimensões essenciais à
gicas e na redefinição da missão po- manutenção da autonomia e dos
saberes necessários ao permanen-
lítica desse modelo de ensino. Nesse te exercício da laboralidade, que
percurso, podemos destacar: se traduzem nas ações de ensino,
pesquisa e extensão. Por outro lado,
a) a substituição do Decre- tendo em vista que é essencial à
to nº 2.208/1997 pelo Decreto nº Educação Profissional e Tecnológica
5.154/2004; contribuir para o progresso socioe-
conômico, as atuais políticas dialo-
b) instituição, em 2005, pela Lei gam efetivamente com as políticas
sociais e econômicas, dentre outras,
nº 11.195, da expansão da oferta com destaque para aquelas com en-
da Educação Profissional; foques locais e regionais. (BRASIL,
2008b, p. 9).
c) o lançamento, em 2005, da
primeira fase do Plano de Expan-

366
A Lei nº 11.892/2008 (BRASIL, Em relação à EPT, compreende-
2008a), que criou os Institutos Fede- se uma nova perspectiva, no que diz
rais, destaca as finalidades e as carac- respeito ao percurso tradicional de
terísticas dos institutos como o prin- investimentos do Estado, nesse se-
cipal instrumento de intervenção do tor, e a tradicional função de formar
Estado, para que a Educação Profis- mão de obra especializada para su-
sional e Tecnológica possa exercer, prir as necessidades específicas do
entre outras finalidades: setor produtivo.
II – desenvolver a educação profis- A estruturação multicampi e a
sional e tecnológica como processo
educativo e investigativo de gera- definição mais específica da área
ção e adaptação de soluções técni- de atuação dos Institutos Federais,
cas e tecnológicas às demandas so- auxiliado por dados estatísticos de
ciais e peculiaridades regionais;
instituições, como o Instituto Brasi-
IV – orientar sua oferta formativa
em benefício da consolidação e
leiro de Geografia e Estatística (IBGE),
fortalecimento dos arranjos produ- o Instituto de Pesquisa Econômica
tivos, sociais e culturais locais, iden- Aplicada (Ipea), Instituto Nacional
tificados com base no mapeamento
das potencialidades de desenvolvi-
de Estudos e Pesquisas Educacionais
mento socioeconômico e cultural Anísio Teixeira (Inep), Ministério do
no âmbito de atuação do Instituto Desenvolvimento Social (MDS), den-
Federal;
tre outras, as quais contribuem para
IX – promover a produção, o de- a demarcação das mesorregiões4 e
senvolvimento e a transferência de
tecnologias sociais, notadamente as das cidades polo para a implantação,
voltadas à preservação do meio am- demarcaram a expectativa que o go-
biente. (BRASIL, 2008a, art. 6º). verno depositou nesse novo modelo
E na seção que trata dos objeti- de organização da Rede. Tudo isso,
vos dos Institutos Federais: no sentido da intervenção coorde-
V – estimular e apoiar processos nada, o que visa identificar os possí-
educativos que levem à geração veis problemas e as dificuldades que
de trabalho e renda e à emancipa-
possam impedir o desenvolvimento
ção do cidadão na perspectiva do
desenvolvimento socioeconômico sustentável com inclusão social, por
local e regional (BRASIL, 2008a, art. meio da conjugação do ensino inte-
7º).
grado com os cursos técnicos, da uti-

4 Mesorregião é uma subdivisão dos estados brasileiros, criada pelo IBGE, e tem sido utili-
zada para fins estatísticos. Congrega diversos municípios de uma área geográfica com simi-
laridades econômicas e sociais.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 367


lização do conhecimento científico e vante sentido que a EPT possui no
tecnológico por meio do ensino, da cenário brasileiro, pois a conjugação
pesquisa e da extensão; articulados do modelo pedagógico que integra
com os movimentos sociais locais e o ensino propedêutico com o ensino
com outras políticas públicas, pro- técnico, sob uma perspectiva crítica,
motoras de desenvolvimento local e a divisão e a expansão dos novos Ins-
regional (PACHECO, 2012). titutos com os respectivos campi, em
A perspectiva, segundo Eliezer regiões, previamente, determinadas
Pacheco, que, à época da implanta- por meio de critérios que levam em
ção dos IFETs, ocupava o cargo de conta as disparidades econômicas
Secretário Executivo da Secretaria e a sua potencialidade regional e a
Nacional de Tecnologia (Setec), era proposição do envolvimento da co-
de que o novo modelo de ensino munidade local, no planejamento
profissional se organizasse por meio dos cursos, a serem implantados, de
de: modo a possibilitar o diálogo com a
região, suas demandas e suas possi-
[...] autarquias de regime especial de
base educacional humanístico téc- bilidades de desenvolvimento, reve-
nico científica, encontrando na ter- lam, a priori, uma mudança no eixo
ritorialidade e no modelo pedagó- de intervenção do Estado. Isso se dá
gico elementos para sua definição
identitária. Pluri curriculares e mul- no sentido de favorecer, por meio da
ticampi, especializados na oferta de Educação Profissional e Tecnológica,
educação profissional e tecnológica o desenvolvimento regional susten-
em diferentes níveis e modalidades
de ensino, é, porém, ao eleger como tado, ao mesmo tempo, a integração
princípio de sua prática educacio- de macrorregiões, outrora dispersas,
nal a prevalência do bem social so- e, em alguns casos, em franco pro-
bre os demais interesses que essas
instituições consolidam seu papel cesso de decadência e de depen-
junto à sociedade [...] E na constru- dência, em uma teia que tinha, como
ção de uma rede de saberes que metas, a constituição de uma política
entrelaça cultura, trabalho, ciência
e tecnologia em favor da sociedade, pública que possibilitasse a alteração
identificam-se como verdadeiras in- positiva do quadro econômico e so-
cubadoras de políticas sociais. (PA- cial dessas localidades.
CHECO, 2012).
Se antes, por sua vez, a EPT cum-
pria o papel destacado de formar e/
Dessa forma, percebe-se, com
ou de qualificar a mão de obra local,
especial destaque, o novo e o rele-
para atender apenas às demandas

368
produtivas do mercado, a nova pro- e de qualidade, esse novo modelo
posta traz, pela primeira vez, na his- estaria fundamentado na apropria-
tória da Rede Federal de Educação ção do conhecimento e dos saberes,
Profissional e Tecnológica, a questão os quais são desenvolvidos nessas
da transferência de Tecnologia So- instituições em franco processo de
cial. Conceito este, até então, pouco extensão junto às comunidades lo-
discutido e, ainda, muito pouco com- cais. Assim sendo, de modo a auxiliar
preendido no âmbito do conjunto em ações, na tentativa de solucionar
dos servidores das instituições de problemas e de superar contradições
ensino5. que, ainda, mantêm o subdesenvol-
Percebe-se a intenção de se cons- vimento e a precarização da vida de
tituir uma plataforma de ensino que milhares de seres humanos em todo
corresponda ao sentido filosófico da o país.
educação politécnica, superando a Segundo o texto do Ministério da
dicotomia causada pela dualidade Educação, à época das comemora-
entre um modelo de ensino tecnicis- ções do centenário da Rede Federal
ta e outro academicista, na: de Educação Profissional:
[...] perspectiva de integração das A Rede Federal de Educação Pro-
políticas para o ensino médio e fissional e Tecnológica está funda-
para a educação profissional, tendo mentada numa história de constru-
como objetivo o aumento da esco- ção de 100 anos, cujas atividades
larização e a melhoria da qualidade iniciais eram instrumento de uma
da formação do jovem e adulto tra- política voltado para as “classes des-
balhador. (BRASIL, 2009a). providas” e hoje se configura como
uma importante estrutura para que
todas as pessoas tenham efetivo
Ao mesmo tempo, em que a EPT acesso às conquistas científicas e
tecnológicas. Esse é o elemento
possibilitaria, por meio dos IFETs, a diferencial que está na gênese da
consecução ética que o papel de uma constituição de uma identidade so-
instituição pública de ensino deveria cial particular para os agentes e ins-
tituições envolvidos neste contexto,
ter com a sua população, o qual vai cujo fenômeno é decorrente da his-
além da oferta de cursos gratuitos tória, do papel e das relações que a

5 Segundo a definição mais frequente no Brasil, onde o conceito surgiu, entende-se a Tec-
nologia Social (TS) compreendendo “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, de-
senvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de trans-
formação social” (DAGNINO. R. Tecnologia Social: ferramenta para construir outra sociedade.
Campinas, SP: IG/Unicamp, 2009. Fonte: <www.rts.org.br.>).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 369


Educação Profissional e Tecnológica de especialistas que acompanharam
estabelece com a ciência e a tecno-
a transição e a implantação do novo
logia, o desenvolvimento regional e
local e com o mundo do trabalho e modelo de organização da Rede
dos desejos de transformação dos Federal de Educação Profissional e
atores nela envolvidos.
Tecnológica, somam-se, agora, a um
Parte integrante de um projeto de novo e preocupante cenário que
desenvolvimento nacional que bus-
ca consolidar-se como soberano, pode comprometer, decisivamente,
sustentável e inclusivo, a Educação não apenas o processo de expansão
Profissional e Tecnológica está sen- e de consolidação da Rede de EPT,
do convocada não só para atender
às novas configurações do mundo mas também a sua sobrevivência.
do trabalho, mas, igualmente, a
São destacadas, como contradi-
contribuir para a elevação da esco-
laridade dos trabalhadores. Nessa ções, que não foram, devidamente,
direção a atual conjuntura histórica tratadas, ainda, à época da implanta-
é extremamente favorável à trans-
ção dos Institutos Federais:
formação da Educação Profissional
e Tecnológica em importante ator a) a ausência de um diálogo
da produção científica e tecnológica
nacional, especialmente porque o mais reflexivo sobre a nova con-
espaço social das práticas de ensino, cepção, as diretrizes e os objetivos
pesquisa e inovação desenvolvidas dos IFETs junto aos servidores das
nessa área possui características di-
ferenciadas daquelas desenvolvidas antigas Escolas Técnicas Federais
no espaço do mundo acadêmico ( ETFs) e às unidades dos Cefets,
(BRASIL, 2009b, p. 7). os quais vieram a constituir-se em
IFETs, e também nas recentes uni-
dades implantadas, o que na prá-
4. CONTRADIÇÕES E AMEAÇAS QUE tica configurou apenas uma assi-
COLOCAM O FUTURO DOS IFETs Em milação de alguns procedimentos
formais; sem, contudo, alterar o
Risco modus operandi em relação à pes-
Apesar de todo esse intento, al- quisa e à extensão, muitas vezes,
gumas situações, verificadas por desassociadas e, muitas vezes, di-
meio de entrevistas com servidores, recionadas, preferencialmente, ao
que compuseram as comissões de setor produtivo, com pouco dire-
instalação do Campus Muriaé do IF cionamento para outros segmen-
Sudeste de Minas Gerais, assim como tos sociais;
leituras de artigos e de comentários

370
b) o pouco ou nenhum conhe- de se debater sobre o modo como
cimento e debate ou nenhuma re- deve ser o sentido dessa política
flexão interna, situação presente associada à prática docente e à
na maioria das instituições, no que avaliação dos resultados dos pro-
diz respeito ao entendimento e à jetos de pesquisa e de extensão,
aplicação do conceito de Tecno- no que tange às demandas regio-
logia Social e seus referenciais na nais e à população local.
prática do ensino associado à pes- Esses aspectos acima, em sua
quisa e à extensão; maioria, são possíveis de serem me-
c) a pouca ou nenhuma pre- diados por ações propositivas das
sença, nos conselhos de campus, instâncias de direção nos campi ou
de representantes dos chamados nas reitorias, conforme opinião de
arranjos produtivos, sociais, cul- grande parte dos entrevistados.
turais locais, os quais seriam os Por sua vez, com o agravamento
principais parceiros regionais e da crise política e econômica, desde
motivadores do diálogo entor- o início de 2016, as ações, promovi-
no dos projetos de pesquisa e de das pelo governo federal, tanto no
extensão, como também seriam campo administrativo, principalmen-
motivadores para a avaliação críti- te com o Projeto de Emenda Consti-
ca dos projetos de expansão e/ou tucional nº 55 (PEC-55), que redefini
de reavaliação dos cursos técnicos critérios e condições de investimento
ofertados em suas diversas moda- e de custeio nas áreas sociais, conge-
lidades; considerando os desafios lando por até 20 anos esses recursos,
e as perspectivas como fruto das quanto em relação à reformulação
experiências desenvolvidas; e das Bases Curriculares Nacionais, por
d) o acúmulo de tarefas diver- meio da chamada: “Reforma do Ensi-
sas, em alguns casos, sobre o se- no Médio”, Projeto de Lei nº 34/2016,
tor responsável pela extensão nos comprometem, substancialmente,
campi, impede o mesmo de pro- todo o conjunto de expectativas de-
videnciar um devido acompanha- positadas ao longo de mais de uma
mento e registro dos resultados década de trabalhos para a reestru-
dos trabalhos desenvolvidos. Há turação da Rede Federal de EPT e o
necessidade não apenas de se dis- comprometimento de seus objetivos
cutir a importância da política de iniciais.
extensão no campus, mas também

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 371


Em relação à PEC nº 55, o cenário é guesa e cinco horas à Matemática,
desolador, pois, além de comprome- e cerca de oito horas à “parte fle-
ter o devido investimento no custeio xível”, o que pode ocasionar a jun-
e na ampliação da Rede, a inanição ção de áreas, como Física, Química
de recursos poderá efetivar o desdo- e Biologia, em uma grande área
bramento de um vínculo forçado e comum, chamada ciências da
utilitarista, na condição de parcerias natureza, ofertada em um único
com a iniciativa privada, por meio conteúdo, por um único docente;
de concessão de laboratórios e de reduzindo o acesso ao conheci-
outras dependências e, até mesmo, mento mais específico de cada
servidores para a promoção de con- uma dessas disciplinas e reprodu-
tratos de prestação de serviços, via zindo as propostas generalistas do
fundações; o que compromete os passado, o que retalha e segmenta
projetos de pesquisa e os projetos o acesso ao saber;
de extensão com segmentos sociais c) a efetivação de parcerias
mais pobres e/ou que não poderão com instituições privadas, poden-
garantir o custeio do investimento do as instituições públicas prescin-
em tais áreas; ou seja, a privatização dir de seus próprios servidores(as),
do acesso ao conhecimento científi- o que poderá resultar em meca-
co e tecnológico. nismos de dispensa compulsória
Em relação à Reforma do Ensino de servidores qualificados e a ins-
Médio, pode-se destacar, como con- titucionalização da terceirização
tradições pertinentes, que merecem e do repasse de recursos públicos
destaque e comprometem a finalida- para a administração de empresas
de das concepções teóricas e os fun- educacionais, com objetivos e fi-
damentos iniciais, sobre os IFETs: nalidades divergentes em relação
a) a retirada da obrigatorieda- ao estipulado, até aqui, à EPT pelos
de dos ensinos de Artes, de Filoso- IFETs;
fia, de Sociologia e dos estudos so- d) outra contradição é o fim do
bre a História da África e a cultura modelo de educação integrada, re-
afro-brasileira; editando as aspirações tecnicistas
b) ampliação da jornada esco- e excludentes da Lei nº 2208/97,
lar semanal para 37,5 horas, desti- pois tal Reforma do Ensino Médio
nando cinco horas à Língua Portu- não garante aos IFETs que suas

372
unidades possam desenvolver, fase mais recente. Vejamos, a seguir,
concomitante, o ensino politécni- esses três aspectos detalhados.
co, podendo se resumir, apenas, 1) Promoveu o resgate de uma
ao ensino concomitante ou sub- educação unitária, superando a
sequente como complemento em visão tecnicista de formação para
parceria com outras redes. Isso, atender, apenas, às demandas do
inevitavelmente, irá reproduzir a mercado, o que possibilita ao jo-
nefasta lógica das dualidades de vem uma formação integrada que
ensino, ou seja, um ensino para combina o acesso a todas as áreas
aqueles que irão seguir seus es- do conhecimento humano e o co-
tudos universitários e outro para nhecimento técnico, superando a
aqueles que estarão retidos à lógi- dicotomia estrutural presente na
ca das competências e dos saberes estrutura da educação brasileira.
do ensino somente para o merca- Um modelo de educação que re-
do de trabalho. conhece a necessidade da forma-
ção de um sujeito crítico, apto ao
5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS mundo do trabalho, mas também
apto a refletir o sentido do seu tra-
Diante desse cenário obscuro, os
balho, o qual deve estar em con-
desafios, pela defesa dos IFETs, são
dições de dar sequência aos seus
numerosos e muitos serão afetados
estudos.
pelo desdobramento do conjunto
de medidas que avança contra uma 2) Instituiu um modelo de es-
perspectiva de Educação Profissio- cola que tem como proposta a
nal e Tecnológica, a qual, ainda, não descentralização da oferta dos
atingiu a plenitude dos seus objeti- cursos técnicos e tecnológicos,
vos e de suas finalidades, estipula- possibilitando o acesso a essas
dos em sua formulação, por razões modalidades de ensino em regi-
e situações diversas. Dessa maneira, ões distantes dos grandes centros
tal perspectiva educacional deve ser urbanos, o que acarretava um mis-
ao menos valorizada e reconhecida to de dependência e de desigual-
como um modelo inovador em três dades significativas no interior do
aspectos, ao se considerar a trajetó- país. Ao mesmo tempo, tal dinâ-
ria da história da Educação Profissio- mica traz à ordem do dia a impor-
nal no Brasil, principalmente em sua tância de se refletir criticamente, à

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 373


luz das contradições e dos limites dade no processo formativo, deve-se
do atual sistema produtivo, a Edu- reconhecer que os IFETs, ainda, regis-
cação Tecnológica apresenta-se traram contradições que merecem
como possibilidade de desenvol- empenho daqueles que defendem
vimento e de integração regional, uma educação mais avançada, a qual
indo além da reprodução socio- deve possibilitar transformações so-
metabólica do capital. ciais mais amplas e populares. Entre
3) O fato de ter sido destacado, essas ações, destacam-se:
pela primeira vez, na história do a) A constituição de uma am-
Ensino Profissional e Tecnológi- pla frente em defesa dos IFETs con-
co, em seus mais de cem anos de tra o sucateamento e as medidas
existência, a questão do conheci- que colocam em risco seu caráter
mento desenvolvido em uma ins- público, o modelo de educação
tituição do Estado, na perspectiva politécnico, assim como suas fina-
da transferência ou do compar- lidades e seus objetivos.
tilhamento de Tecnologia Social, b) Referendar a política de ex-
acarreta outra compreensão ética tensão e as pesquisas desenvolvi-
e estratégica sobre o sentido so- das nos IFETs, sobre os impactos
cial das ciências e das tecnologias na região, e a consecutiva parce-
desenvolvidas: a apreensão dessas ria com as comunidades locais, de
tecnologias enquanto projeto po- modo que se possa ampliar o es-
lítico, o público-alvo e os respecti- paço de intervenção, legitimando
vos locais para desenvolver essas e fortalecendo a presença macror-
tecnologias. regional dos Institutos Federais e o
vínculo com as parcerias estratégi-
Mesmo reconhecendo o grau cas, no intento de aumentar o las-
de inovação e de relevância da EPT, tro de apoio e de defesa dos IFETs.
enquanto política pública de desen- c) Refletir sobre o planeja-
volvimento e de integração regional, mento estratégico que está sen-
compartilhamento de Tecnologia do promovido no âmbito da EPT,
Social e democratização de acesso, para que as comunidades locais
por meio do ensino politécnico, à possam se tornar partícipes des-
educação pública de qualidade, que se planejamento, tendo acesso
busca transcender à lógica da duali- ao conhecimento tecnológico e

374
científico, de modo a transformar ______. Lei nº 11.892, de 29 de de-
e a emancipar essas comunidades zembro de 2008. Institui a Rede Fe-
de situações de miséria, de depen- deral de Educação Profissional, Cien-
dência e de exploração. tífica e Tecnológica, cria os Institutos
d) Resistir às investidas privatis- Federais de Educação, Ciência e Tec-
tas, ao recrudescimento da desva- nologia, e dá outras providências.
lorização das disciplinas do núcleo Diário Oficial da União, Brasília, 30
comum, às concepções tecnicistas, dez. 2008a.
utilitaristas e mercadológicas; as ______. MEC. Secretaria de Educação
quais poderão ganhar apelo dos Profissional e Tecnológica. Concep-
setores mais pragmáticos e conci- ção e Diretrizes. Instituto Federal
liadores, como mecanismos de re- de Educação Ciência e Tecnologia.
estruturação, considerando como 2008b. Disponível em: <http://por-
adaptação a precarização em cur- tal.ifrn.edu.br/institucional/normas
so. -e-leis/concepcao-e-diretrizes-dos
-institutos.pdf/view>.
REFERÊNCIAS
______. MEC. Secretaria de Educação
BRASIL. Ministério da Educação. Se- Profissional e Tecnológica. Concep-
cretaria de Educação Profissional e ções e Diretrizes da Educação Pro-
Tecnológica. Educação Profissional fissional e Tecnológica (Política da
Técnica de Nível Médio Integrada EPT 2003-2010). 2009a. Disponível
ao Ensino Médio. Documento Base. em: <http://www.inmetro.gov.br/
Brasília, dez. 2007a. Disponível em: painelsetorial/palestras/Luiz_Augus-
<http://portal.mec.gov.br/setec/ar- to_Caldas_Pereira_Concepcoes_Di-
quivos/pdf/documento_base.pdf>. retrizes.PDF>. Acesso em: 5 jan. 2015.
Acesso em: 30 jun. 2015.
______. Ministério da Educação. His-
______. MEC. Secretaria de Educação tórico da educação profissional.
Profissional e Tecnológica. Plano de 2009b. Disponível em: <http://portal.
Desenvolvimento da Educação: Ra- mec.gov.br/setec/arquivos/centena-
zões, Princípios e Programas. 2007b. rio/historico_educacao_profissional.
Disponível em: <http://portal.mec. pdf>. Acesso em: 5 dez. 2014.
gov.br/arquivos/livro/>. Acesso em:
30 jun. 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 375


BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A re-
forma do Estado dos anos 90 - cri-
se e reforma. 1997. Disponível em:
<http://www.mare.gov.br/reforma>.
Acesso em: 9 jul. 2015.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Relações da


Educação Profissional e Tecnológica
com a universalização da Educação
Básica. Educ. Soc., Campinas, Espe-
cial 1, v. 28, n. 100, p. 1129-1152, out.
2007.

MANFREDI, Sílvia Maria. Educação


profissional no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2002.

PACHECO, Eliezer. Perspectivas da


Educação Técnica de Nível Médio:
proposta de Diretrizes Curricula-
res Nacionais. São Paulo: Moderna,
2012a.

PEREIRA, Luiz Augusto C. Institu-


tos Federais de Educação Ciência
e Tecnologia. 2007. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/setec/
arquivos/pdf3/artigos_ifet_jornal.
pdf>.

PERONI, Vera M. V. Reforma do Esta-


do e a tensão entre público e pri-
vado. 2010. Disponível em: <http://
www.redefinanciamento.ufpr.br/
antigo/vera2.pdf.>. Acesso em: 7 jul.
2015.

376
AVANÇOS E DESAFIOS NOS CURSOS PROEJA DO
INSTITUTO FEDERAL GOIANO CAMPUS RIO VERDE
Luiza Ferreira Rezende de Medeiros1
1
Instituto Federal Goiano (IF Goiano), campus Rio Verde
E-mail: luizafrmedeiros@gmail.com

1. Introdução marginalizações e a inclusão socioe-


conômica de pessoas que, historica-
Compreender a complexidade mente, foram neutralizadas e ocupa-
das transformações e dos desafios, ram planos secundários no sistema
pelos quais passam a Educação Pro- educacional brasileiro.
fissional Integrada à Educação de
Embora a Educação Profissional
Jovens e Adultos, constitui um im-
de Jovens e Adultos possa ser nota-
portante aspecto a ser enfrentado
da em diversos momentos da histó-
no contexto educacional brasileiro
ria do Brasil, o Proeja detém uma sin-
atual. Instituída pelo governo fede-
gularidade, uma vez que é específico
ral, em meados de 2005, a articula-
para uma modalidade de ensino: a
ção entre Educação Profissional e
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Educação de Jovens e Adultos é uma
Nessa modalidade, o número de pes-
construção da Secretaria de Educa-
soas, que são potenciais estudantes,
ção Tecnológica e Científica do Mi-
é alto, constituindo, de acordo com
nistério de Educação (Setec/MEC),
Campos (2010), uma demanda ime-
que busca a universalização do En-
diata. Objetivando relatar e compar-
sino Médio e o aumento da escolari-
tilhar experiências, avanços e ques-
dade da população. Assim, emerge o
tionamentos, o presente capítulo
Programa Nacional de Integração da
apresenta algumas vivências exito-
Educação Profissional com o Ensino
sas dos cursos Proeja do Instituto Fe-
Médio, na modalidade Educação de
deral Goiano, campus Rio Verde.
Jovens e Adultos (Proeja), o qual tem,
em seu cerne, o enfrentamento de O Proeja foi implantado no mu-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 377


nicípio de Rio Verde em 2006, época ção da escolaridade, e construída a
em que o campus contava com nove partir de um processo democrático
diferentes cursos técnicos. O pla- e participativo de discussão coletiva.
no de curso do Proeja foi elaborado No entanto, a implementação desses
por meio da parceria entre o Centro fundamentos e da perspectiva de
de Educação Federal Tecnológica um currículo integrado não é tarefa
(CEFET) e a Secretaria de Estado da fácil. Alguns aspectos de tensão po-
Educação de Goiás (SEE)1. No ano de dem ser elencados, dentre os quais,
2009, já integrante da Rede Federal, destacamos concepções de Ensino
o campus Rio Verde alterou os rumos Médio voltadas, quase exclusiva-
do Proeja e, assim, foram ofertadas mente, para a formação específica,
duas habilitações da formação pro- os currículos fragmentados e cienti-
fissional: Alimentos e Administração; ficistas, excessivamente tecnicistas
com matrícula única, e segundo uma e, em larga medida, disciplinadores.
perspectiva de curso integrado, for- Conforme Costa (2009), em muitas
mato que permanece até os dias de instituições, o currículo é entendido
hoje. Atualmente, a grade de oferta como a organização das disciplinas e
de cursos, na modalidade Proeja, é de seus respectivos conteúdos, pre-
composta pelos cursos de adminis- valecendo uma rigidez de fronteiras
tração e de edificações. entre eles.
Segundo Campos (2010), a for- Tais aspectos, somados às di-
mação humana, que busca o fazer e ficuldades didático-pedagógicas,
o saber articulados, é preceito do cur- apresentadas por docentes, ao des-
rículo integrado e a matrícula única considerarem as especificidades dos
avança nesse sentido também, uma alunos do EJA, a instabilidade nos
vez que é possível integrar a habili- contratos de trabalho dos docentes,
tação profissional com as disciplinas a forte evasão entre outros, com-
e com a análise da realidade dos alu- põem um cardápio de desafios a se-
nos. Assim, os fundamentos da orga- rem enfrentados para a consolidação
nização curricular, concebida para o do Proeja no campus Rio Verde. No
Proeja, estruturam-se na integração entanto, algumas atividades desen-
curricular, visando à qualificação so- volvidas, no programa, têm apresen-
cial e profissional, articulada à eleva- tado resultados positivos e estimu-

1 O Instituto Federal Goiano, campus Rio Verde, nessa época, integrava o Centro de Educa-
ção Federal Tecnológico.

378
ladores dessa caminhada; aspectos promovessem a formação integral
propulsores para sua socialização, vi- do aluno, contemplando, de maneira
sando o compartilhamento de sabe- indissociável, a formação para o tra-
res e o estabelecimento de um profí- balho e a formação cidadã, oportu-
cuo diálogo. Tais atividades tiveram, nizando situações que priorizassem
como fio condutor, o trabalho como “sujeitos emancipativos, criativos e
princípio educativo e foram gestadas leitores críticos da realidade onde
segundo uma concepção de valori- vivem e com condição de agir sobre
zação dos diferentes saberes no pro- ela” (FRIGOTO, 2005, p. 74). Contem-
cesso educativo, e orientadas para pla-se, assim, a proposta de uma
o protagonismo de todo o coletivo formação mais ampla e crítica, que
envolvido, o qual é integrado por do- articule o lugar de importância do
centes, discentes e gestores. trabalho no processo de constituição
dos seres humanos como realização,
2. Experiências no Proeja: como atividade criativa e criadora
(CAMPOS, 2010).
caminhos em construção
A seguir, descrevemos as experi-
A luta pela Educação de Jovens e ências relativas às seguintes ativida-
Adultos insere-se nas lutas sociais e des: a) integração dos alunos: leitura
na busca pela universalização da es- de mundo, leitura de vida; b) exposi-
cola pública, democrática e de qua- ção temática do mundo do trabalho;
lidade. Objetivando contribuir com c) curtas Proeja; e d) será que é só um
esses propósitos, apresentamos, a tapinha? Maria da Penha vai ao Pro-
seguir, experiências que considera- eja.
mos exitosas no reconhecimento da
potencialidade e da positividade as
2.1. Integração dos alunos: leitura
quais ensejam a participação e o em-
poderamento desse público. de mundo, leitura de vida
Nessa perspectiva, buscamos As expectativas, em relação ao
desenvolver atividades estruturadas estudo, apresentam algumas espe-
de maneira a contribuir para a supe- cificidades quando consideramos os
ração da forma, ainda, hegemônica alunos que integram o Proeja, cujas
de abordar o conhecimento, ou seja, trajetórias escolares foram interrom-
fragmentada. Assim, articulou-se o pidas, o que implica forte expectati-
desenvolvimento de práticas que va no momento do retorno à escola,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 379


ao contexto escolar. No campus Rio cia ao educando Proeja. Esse edital
Verde, percebeu-se que os alunos in- é muito importante, pois prevê uma
gressantes vivenciavam forte ansie- bolsa de assistência e de permanên-
dade em relação ao retorno ao am- cia ao aluno Proeja. Ele é elaborado
biente acadêmico, especialmente, segundo as exigências requeridas
no que se referia ao conhecimento por esse tipo de documento, o que
sobre os prédios que compunham acarretava, em muitos casos, em
o campus, às siglas e às abreviações confusão e, até mesmo, desistência,
que compõem a rotina escolar, às por parte dos alunos, de participar,
nomenclaturas, ao volume das dis- pois não compreendiam o conteúdo
ciplinas, aos regulamentos, aos edi- do edital.
tais, aos documentos e aos registros Notou-se que a complexidade
escolares. Enfim, um novo mundo das informações, contidas nesses
se descortinava e, com ele, especifi- editais, provocavam enormes dificul-
cidades que continham, em um só dades de leitura, implicando, muitas
tempo, euforia e medos. Não intervir, vezes, em um sentimento de frustra-
nessas questões, representava uma ção por parte dos alunos, ao perce-
inadequação da educação ofertada berem suas dificuldades na leitura e
que poderia corroborar com a exclu- na compreensão desse tipo de docu-
são e a desistência desses alunos, o mento. A importância de uma apren-
que nos impeliu a construir, para que dizagem, que dê significado aos
minimizassem esses aspectos e con- alunos, é debatida por Freire (1996)
tribuíssem com a permanência do e alicerçou a estratégia de enfrenta-
aluno na escola. mento dessas dificuldades apresen-
Essa demanda resultou em um tadas pelos alunos. Essa importância
projeto de integração de novos alu- consubstanciou uma atividade que
nos, construído a partir de aspectos intervisse nessa dificuldade e, ao
físicos e de simbólicos que envolvem mesmo tempo, que possibilitasse a
o retorno às aulas. Assim, além de integração de disciplinas, proporcio-
percorrer todos os prédios, conhecer nando leitura, interpretação e aces-
suas estruturas administrativas, tam- so aos editais publicados no cam-
bém, foi pensado estratégias de lei- pus. Primeiramente, os editais eram
tura de documentos oficiais os quais acessados nas aulas de informática,
permeiam o cotidiano do aluno, es- pela plataforma que hospeda o site
pecialmente, os editais de assistên- institucional. Posteriormente, os

380
editais eram xerocados e suas leitu- a disciplina de Psicologia da Apren-
ras eram desenvolvidas nas aulas de dizagem, seis curtas-metragens que
Língua Portuguesa e de Literatura, e versavam sobre estórias e histórias
os aspectos críticos eram problema- que envolviam tanto os alunos do
tizados nas aulas de Sociologia. As Proeja quanto à implantação do cur-
atividades consistiam nas seguintes so Proeja.
etapas: a) leitura dos editais de as- Os vídeos, produzidos pelos
sistência ao educando Proeja; e b) alunos, giraram em torno de 8 a
preenchimento dos formulários, por 20 minutos. Os educandos Proejas
parte dos estudantes, para participa- contaram suas histórias, suas difi-
rem dos editais abertos. As turmas culdades e sobre a caminhada até
eram divididas em grupos. Eram li- chegarem ao Proeja, possibilitan-
das e interpretadas todas as páginas do, desse modo, a expressão de sua
que compunham o edital. Ao final da trajetória de vida e a visibilidade de
leitura, era realizado o preenchimen- pessoas que, historicamente, foram
to dos formulários e o devido enca- ofuscadas pela mídia. Além desses
minhamento para a participação. aspectos, a exposição e o falar, dian-
te de uma câmara, permite, segundo
2.2. Curta o Proeja Mourão (2015), o reconhecimento de
sua posição de cidadão. Os roteiros,
O protagonismo dos educandos
utilizados pelos alunos de licencia-
Proeja passa, entre outros aspectos,
tura, contemplavam aspectos que
pela dimensão do fortalecimento da
envolviam as seguintes temáticas: a)
identidade, da melhora da autoes-
o curso do Proeja, e b) mudanças de
tima e de uma maior compreensão
vida a partir do ingresso no Proeja.
de si. Nesse sentido, foi pensado um
Em todos os curtas, foram aplicados
trabalho que se articula, simultanea-
um termo de consentimento livre e
mente, aos aspectos pedagógicos e
esclarecido sobre a atividade e, tam-
aos aspectos de valorização da sub-
bém, uma autorização de utilização
jetividade dos alunos que integram
de imagem, de nome e de som dos
o Proeja; nascendo, assim, o “curta o
participantes. Para a realização das
Proeja”.
filmagens, foram utilizadas câmeras
Trata-se de um trabalho articula- fotográficas comuns, manipuladas
do com os alunos da licenciatura de pelos alunos do curso. O cenário,
Biologia, os quais produziram, para para os depoimentos dos alunos do

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 381


Proeja, eram a própria sala de aula 2.3. Exposição temática do mundo
ou outro espaço escolhido, de forma do trabalho
combinada entre os alunos.
Esse material, além de um rico A centralidade do mundo
registro, possibilitou o envolvimento do trabalho mostra-se, nos dias de
e o engajamento dos alunos nas ati- hoje, inconteste; ocupa lugar na pro-
vidades propostas, isto é, dos licen- dução da riqueza, na construção da
ciandos na produção dos curtas e identidade dos indivíduos e no de-
dos educandos Proejas como prota- lineamento das condutas coletivas.
gonistas dessa produção. Os alunos As profundas e as rápidas transfor-
da licenciatura buscaram se aproxi- mações, caracterizadas por novos
mar da realidade dos alunos do Pro- modos de organização da produção
eja, precisaram se inteirar dos docu- e do processo de trabalho, o papel
mentos pertinentes e da prática de preponderante do setor de serviços,
sala de aula, necessitaram construir na recomposição da estrutura e das
um roteiro para a obra audiovisual ocupações, o ingresso maciço das
que fosse capaz de expressar os con- mulheres no mercado de trabalho, as
teúdos de maneira clara e interessan- novas exigências de qualificação, a
te. Embora, no início dessa proposta, redução do papel do sindicato, como
os alunos tenham apresentado certa instituição representativa e de defe-
relutância, o envolvimento com a sa dos trabalhadores entre outros,
atividade foi, paulatinamente, mo- constituem aspectos que revestem
dificando a percepção inicial, dando de importância e de urgência ativi-
lugar a um envolvimento contagian- dades que buscam discutir, refletir e
te que extrapolou as orientações ini- analisar esses mesmos aspectos.
ciais. Com isso, muitos alunos saíram Assim, com o objetivo de dar vi-
dos muros escolares e entrevistaram, sibilidade, para temáticas do mundo
também, docentes, pedagogos, se- do trabalho, de uma forma lúdica e
cretários municipais de educação interativa, foi construído o projeto
que foram responsáveis pela implan- de extensão Exposição Temática so-
tação do Proeja em Rio Verde. bre o Mundo do Trabalho, buscando
proporcionar, ao mesmo tempo, dis-
cussão, amostra e conhecimento so-
bre assuntos pertinentes ao mundo
do trabalho, envolvendo tanto a co-

382
munidade acadêmica do IF Goiano, cal. A participação de profissionais, li-
campus Rio Verde, quanto à socie- gados às indústrias e às empresas de
dade em geral. Foi realizada, no dia serviços, especializadas em seguran-
04 de maio, de 2016, a 1ª Exposição ça do trabalho, foi muito importante,
Temática sobre o Mundo do Trabalho uma vez que possibilitou o estreita-
nos períodos vespertino e noturno. mento de laços entre o IF Goiano e
O evento contou com a exposição essas empresas; aspecto este que
de 15 stands montados com temas pode contribuir tanto com o incre-
que versavam sobre: acidentes de mento de discussões que abordem
trabalho, uso e variedade de equipa- os temas expostos quanto com mos-
mentos de proteção individual e co- tras dessa natureza nos contextos
letivos, Normas Regulamentadoras organizacionais. A sociedade moder-
(NRs), Lei de Cotas, Lei de Inclusão na é a sociedade do trabalho. Nesse
de Pessoas com Deficiência (PCD), sentido, dar visibilidade aos aspectos
e doenças relacionadas ao trabalho. concernentes ao mundo do trabalho,
Participaram estudantes dos cursos é possibilitar a reflexão sobre a rele-
técnicos de administração e os alu- vância do acesso ao trabalho seguro
nos do Proeja. Os materiais expostos como recurso de construção do reco-
foram, em sua maioria, desenvolvi- nhecimento do outro e de si, e de es-
dos pelos alunos do Proeja; também, truturação das identidades pessoal e
foi realizado um jogo interativo de- grupais, necessárias no processo de
nominado “Acerte a Sigla”, no qual os formação de cidadãos autônomos.
alunos-visitantes deveriam acertar Possibilitar essa aproximação dos
os termos que compõem algumas aspectos do mundo do trabalho com
das siglas utilizadas no campo da o público Proeja, é contribuir com a
saúde do trabalhador. construção de conhecimento, bus-
O evento possibilitou o envolvi- cando novos sentidos para a prática.
mento e o engajamento dos alunos
nas atividades propostas. O quantita- 2.4. Será que é só um tapinha?
tivo de pessoas que visitaram a expo-
Maria da Penha vai ao Proeja
sição e participaram das atividades
surpreenderam as expectativas ini- Nessa atividade, buscamos abor-
ciais, sendo expressivo o quantitativo dar uma temática singular e impor-
de estudantes de outras Instituições tante, que é a violência doméstica,
de Ensino Superior e comunidade lo- por meio de uma condução teórico-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 383


metodológica que contemple ativi- podem expressar duas coisas. A pri-
dades atrativas, integradoras e for- meira consiste em reproduzir alguns
mativas conforme exposto a seguir. mitos e estereótipos de que a violên-
Toma-se, como ponto de parti- cia contra a mulher é um problema
da, a lei Maria da Penha, que é fruto da esfera privada ou “um problema
da atuação da sociedade civil orga- de segunda ordem”. A segunda é que
nizada por meio do Consórcio de acabam contribuindo para mantê-la
Organizações Não Governamentais invisível. A questão é que muitos
Feministas (BARSTED, 2011), mas se comportamentos violentos, dirigi-
tornou possível pelo compromisso dos dos homens para as mulheres,
da Secretaria de Políticas para Mu- estão tão embrenhados, tão natu-
lheres que, desde o ano de 2003, ralizados e internalizados que pas-
empenhou todos os esforços para sam despercebidos (MENDES; SILVA;
aprovar uma legislação nacional de SOUZA, 2017). E o agravante é que as
enfrentamento à violência contra as estatísticas mostram a visão errônea
mulheres; conforme recomendação de que a violência contra a mulher
da Comissão Interamericana de Di- é um problema que atinge, apenas,
reitos Humanos, na decisão do caso uma pequena parcela da população
de Maria da Penha Maia Fernandes, brasileira. Ao contrário, a violência
de 2002. contra a mulher é um problema mui-
to mais comum do que se imagina, e
Quando alguém toma conhe- atinge todas as classes sociais, o que
cimento de que alguma mulher, requer um esforço hercúleo por par-
próxima ou não do seu convívio, te de todos componentes da socie-
“apanhou” do marido, do namorado dade, a fim de superá-lo.
ou do companheiro, geralmente, a
primeira reação é de reprovação ou A educação é um espaço singu-
até raiva. Mas, na maioria das vezes, lar para a prevenção e o combate à
as pessoas se mantêm em silêncio violência, pois possibilita o diálogo e
por ainda acreditar que “em briga de o conhecimento, o que constitui um
marido e mulher ninguém mete a mecanismo eficiente para erradica-
colher”, ou que isso pode ter sido um ção da violência contra a mulher no
evento esporádico, ou mesmo que ambiente doméstico e familiar. Nes-
o casal pode administrar “o proble- se sentido, o contexto escolar, local
ma” por conta própria. Essas crenças de socialização e do aprendizado for-
mal, tem papel fundamental na des-

384
construção da violência contra a mu- nentes de Rede Protetiva, em Rio
lher, contribuindo para que o adulto, Verde (exemplos: CRAS (Centro de
em processo de aprendizagem, pos- Referência de Assistência Social), de-
sa reconhecer e combater os diversos legacias especializadas, casas que re-
níveis de violência doméstica. Assim, cebem mulheres vítimas de violência
ao discutir a temática da violência e o etc.), e apresentação dos dados para
conteúdo da Lei Maria da Penha, na os alunos do Proeja.
escola, objetiva-se trabalhar a forma- Esse projeto, ainda, não foi con-
ção de uma nova consciência junto cluído e as atividades, já desenvolvi-
ao público EJA, contribuindo para das, referem-se àquelas relacionadas
torná-los potentes agentes transfor- ao Teatro-intervenção.
madores da realidade.
Assinalamos a excepcional opor- 3. Considerações finais
tunidade da presente proposta em
associar a prática da aprendizagem É inconteste que o Programa Na-
formal aos novos conceitos e às in- cional de Integração da Educação
formações capazes de reverter este- Profissional com o Ensino Médio, na
reotipias sociais sobre o fenômeno Modalidade Educação de Jovens e
da violência contra a mulher. Nesse Adultos (Proeja), fazem parte do ce-
projeto, trabalharemos de forma nário dos diversos campi que com-
interdisciplinar, envolvendo tanto põem a rede federal, enfrentando
as disciplinas básicas quanto as dis- aspectos epistemológicos, pedagó-
ciplinas técnicas. Tendo em vista a gicos e de infraestrutura, ao propor-
previsão de dois bolsistas do Proeja, cionar o atendimento à Educação de
foram pensadas as seguintes ativida- Adultos no nível médio, aliada à Edu-
des para a condução dessa proposta: cação profissional. Os alunos do Pro-
a) Teatro-intervenção: pequenas pe- eja constituem um público, extrema-
ças construídas pelos alunos sobre mente, peculiar e têm a diversidade
diversos aspectos do cotidiano que como marca. São sujeitos sociocul-
abordem a temática da violência turais ricos em experiências e expec-
contra a mulher; b) Cine Prevenção: tativas, trabalhadores urbanos, cam-
exibição do filme Louco Amor, se- poneses, mulheres, homens, jovens,
guido de debate; c) Rede Protetiva: adultos, idosos, pessoas com defici-
levantamento de informações pelas ências, indígenas, afrodescendentes,
bolsistas, sobre instituições compo- empregados, desempregados, filhos,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 385


pais, mães, avós, moradores urbanos sertação (Mestrado)–Universidade
de periferias, de favelas, de vila; com Federal de Goiás (UFG), 2010.
tantas particularidades e imersos na
diversidade, mas que se unificam em COSTA, R. C. A. Trajetórias de políticas
torno de uma condição: a trajetória de currículo: discursos circulantes
escolar descontínua, interrompida no Programa de Integração da Edu-
brutalmente, na maioria das vezes, cação Profissional com Educação de
pela necessidade de emprego. Jovens e Adultos. In: 32º REUNIÃO
ANUAL DA ANPED. Anais... Caxam-
Conhecer e compartilhar experi- bu, MG, 2009.
ências exitosas, no Proeja, constitui
de suma importância para a oxige- FREIRE, P. Pedagogia da autonomia:
nação desse programa. Como afirma saberes necessários à prática educa-
Paulo Freire (1996), jamais podemos tiva. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra,
perder a esperança de construir uma 1996.
educação melhor, e, para que isso
aconteça, devemos refletir sobre FRIGOTTO, Gaudêncio. A relação da
nossa prática, sobre as atividades de- educação profissional e tecnológica
senvolvidas e como elas são utiliza- com a universalização da educação
das, uma vez que estas podem tanto básica. Educação e sociedade, Cam-
levar à submissão, à conformação pinas, Especial, v. 28, n. 100, p. 1129-
com a realidade ou à transformação 1152, out. 2007.
desta.
IFGOIANO. Projeto de Implantação
do Curso de Educação Profissional
REFERÊNCIAS de Alimentos Integrado ao Ensino
BARSTED, L. L. Lei Maria da Penha. Médio na Modalidade de Jovens e
Uma experiência bem sucedida em Adultos – PROEJA. Rio Verde- GO,
advocacia. In: CAMPOS, C. (Org.). 2008.
Lei Maria da Penha comentada na _____. Projeto de Implantação do
perspectiva jurídico-feminista. Rio Curso de Educação Profissional de
de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Administração Integrado ao En-
CAMPOS, C. Os desafios da imple- sino Médio na Modalidade de Jo-
mentação do currículo integrado vens e Adultos – PROEJA. Rio Ver-
no Proeja em Rio Verde-GO. Dis- de-GO, 2008.

386
MENDES, C.; SILVA, L.; SOUZA, M. F.
Gênero e Violência contra a mulher.
In: VIZA, Ben-Hur; SARTORI, M.

C.; ZANELLO, V.; LEMOS, A. K. (Org.).


Maria da Penha vai à escola: edu-
car para prevenir e coibir a violên-
cia doméstica e familiar contra a
mulher. Brasília: TJDFT, 2017.

MOURÃO, L. C. C. B. A Produção de
Vídeos na Pesquisa-Intervenção: a
Oficina de Vídeo como potência de
pesquisa. In: XVII ENCONTRO NACIO-
NAL DA ABRAPSO. Universidade Fe-
deral do Ceará, 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 387


A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NO ENSINO MÉDIO E A
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Isidorio Nascimento Simões 1, Danilo de Carvalho 2


1
Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do ES (Idaf )
2
Instituto Federal de Educação (Ifes)
E-mail: isidoriosimoes@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO estavam, totalmente, descontextua-


lizados dos conteúdos técnicos. Per-
O Centro Estadual Integrado de cebeu-se que algumas das práticas
Educação Rural de Águia Branca pedagógicas adotadas, como, por
(Ceier-AB) está localizado na zona exemplo, a transmissão fidedigna
rural do município de Águia Branca, dos conteúdos do livro didático, a in-
distante 12 km da zona urbana do serção de conteúdos fora de contex-
município e 22 km da zona urbana to e da realidade dos educadores e
do município de São Gabriel da Pa- dos educandos, e a maneira equivo-
lha. Ele tem por objetivo praticar cada de se trabalhar com o tema ge-
a educação do/no campo e para o rador; pois o ponto de partida, para
campo, em tempo integral, e ofertar o tema gerador, não era a realidade
aos filhos de agricultores, de assen- do estudante e, sim, a comodidade
tados e de camponeses a educação do professor. Enfim, a realização da
nas séries finais da Educação Básica; educação bancária não é adequada
e, principalmente, o Ensino Médio In- para uma educação de massa, já que
tegrado à Educação Profissional. ela tende à libertação do oprimido
Em 2010, o Ceier-AB recebeu um e de sua opressão, partindo da “prá-
professor que atuou na Educação xis como ação-reflexão dos homens
do Campo na Escola Família Agríco- sobre o mundo para transformá-lo”
la de Barra de São Francisco, o qual, (FREIRE, 2011). Na educação bancá-
ao analisar a didática desenvolvida ria, não existe a intenção de liberta-
na instituição, considerou-a equi- ção, busca-se, sim, a opressão do in-
vocada, desfocada e alienada. Isso divíduo e a desumanização.
porque os conteúdos propedêuticos

388
Além disso, como o Ceier-AB não nentes curriculares recebem um tra-
fazia uso de uma metodologia peda- tamento integrado.
gógica sistematizada, embasada te- Integração Curricular é o “diálogo
oricamente e didaticamente funcio- entre as disciplinas na perspectiva
de desenvolver e promover os di-
nal, que servisse de ferramenta para ferentes saberes, de forma contex-
o corpo docente realizar a necessária tualizada e/ou globalizada e, con-
sequentemente, entre os diferentes
integração, na forma como propõe profissionais, contudo incluindo o
o Parecer CNE/CEB nº 39/2004, cada cotidiano do estudante e sua for-
mação profissional” (GRECHI, 2010,
docente desenvolvia os conteúdos p. 10).
do currículo segundo suas próprias
concepções, metodologias e experi-
ências profissionais.
2. OBJETIVO
Outro fator importante, a ser co-
mentado, é que os professores con- Esta pesquisa tem por objetivo
tratados e efetivos da SEDU (Secre- geral analisar a eficiência do Método
taria de Estado da Educação), para Ver-julgar-agir-celebrar na integra-
atuar na Educação Profissional na ção curricular como instrumento da
Educação do Campo, em momento práxis pedagógica para a Educação
algum, receberam alguma orienta- do Campo, a fim de formar um sujei-
ção/formação para atuar nessas mo- to crítico e reflexivo para sociedade
dalidades de ensino. e para o mundo do trabalho; confor-
me determina o Parecer do Conse-
Ainda de acordo com o Decreto
lho Nacional de Educação e Câmara
nº 5.154/2004, não é adequado orga-
da Educação Básica (CNE/CEB) nº
nizar esse curso integrado em duas
39/2004 e o Decreto nº 5.154/2004.
partes distintas. Conforme Ramos
Por objetivos específicos, pontua-
(2005, p. 122), “a integração exige
se: descrever as etapas do Método
que a relação entre conhecimentos
Ver-julgar-agir-celebrar como instru-
gerais e específicos seja construída
mento da práxis pedagógica, o qual
continuamente ao longo da forma-
é capaz de promover, no estudante,
ção, sob os eixos do trabalho, da ci-
um senso crítico e reflexivo na Edu-
ência e da cultura”, ou seja, o Ensino
cação Profissional, cumprindo o que
Médio Integrado à Educação Profis-
prevê a legislação supracitada; ava-
sional é um curso único e coeso, de
liar a aplicabilidade do Método Ver-
tal forma que todos os seus compo-
julgar-agir-celebrar em diálogo com

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 389


o tema gerador na prática pedagó- a apresentação dos objetivos da pes-
gica da Agroecologia; sensibilizar os quisa e das regras para participação.
governantes da importância de se O assunto foi introduzido com um
oferecer formação pedagógica para questionamento sobre a integração
os professores que atuam e atuarão curricular no Ensino Médio Integra-
na Educação Profissional e, mais es- do, que foi sendo detalhada até que
pecificamente, na Educação do Cam- os dados necessários fossem obtidos.
po nos Ceiers. O segundo momento foi reali-
zado por meio de entrevista com os
3. METODOLOGIA DE PESQUISA professores que atuaram e desen-
volveram o Método Ver-julgar-agir-
A produção desse artigo teve um
celebrar, entre 2010 e 2011, com o
caráter descritivo, que, de acordo
objetivo de identificar como eles
com Gil (2008), houve a observação
procediam didaticamente antes e
e a leitura interpretativa dos fatos
depois do método.
já ocorridos ao longo da história do
Ceier-AB, como também dos fatos O método de coletas de dados foi
que estão acontecendo mais recen- por meio de entrevista face a face,
temente na instituição. com perguntas fixas para todos os
professores entrevistados, conforme
O processo de coleta de dados
Gil (2008, p. 113), “A entrevista es-
deu-se, no primeiro momento, na
truturada desenvolve-se a partir de
entrevista respaldada, por informa-
uma relação fixa de perguntas, cuja
ções obtidas a partir de pesquisa bi-
ordem e redação permanece invariá-
bliográfica e de estudo de documen-
vel para todos os entrevistados”. Este
tos históricos do Ceier-AB, com os
tipo de entrevista possibilita o trata-
estudantes do 3º ano do EMI (Ensino
mento quantitativo dos dados.
Médio Integrado), com o objetivo de
avaliar a aplicabilidade, a partir das De acordo com Gil (2008 apud
experiências vividas no desenvolvi- SELLTIZ, 1967, p. 273):
mento do Método Ver-julgar-agir-ce- a entrevista é bastante adequada
lebrar durante o curso. para a obtenção de informações
acerca do que as pessoas sabem,
Para os estudantes do 3º ano do crêem, esperam, sentem ou dese-
jam, pretendem fazer, fazem ou fi-
Ensino Médio Integrado à Educação zeram, bem como acerca das suas
Profissional, utilizou-se a entrevista explicações ou razões a respeito das
em grupo. Iniciou-se a reunião com coisas precedentes.

390
A entrevista foi realizada no pe- sobre o Método Ver-julgar-agir-cele-
ríodo compreendido entre os dias brar da Ação Católica:
05 e 06 de setembro, de 2012, com a) o Método Ver-julgar-agir-
duração média de 30 minutos por celebrar encontra-se associado à
participante do grupo de professo- León Joseph Cardjin, sacerdote
res, como também com os estudan- belga, filho de operário, que, em
tes do 3º ano do EMI. Em uma sala 1924, funda a Ação Católica. Essa
reservada, ocorreu a apresentação última terá por objetivo oferecer
das partes (entrevistador e profes- ao operariado um conjunto de en-
sor), em seguida, foram explicados sinamentos sociais da igreja. Nesse
os objetivos da entrevista e, à medi- processo, o Método Ver-julgar-agir
da que o entrevistado discorria sobre foi adaptado à mentalidade con-
a pergunta, e conforme sua evolução creta do operariado;
livre, eram inseridos novos questio-
namentos seguindo o roteiro pré-es- b) surge, nos anos 1950, de ori-
tabelecido. O registro das respostas gem Belgo-francesa, na Europa,
foi realizado por meio do gravador que, também, recebeu a influência
do celular. Para isso, todos os entre- do método do materialismo histó-
vistados assinaram um termo de au- rico, o qual, na época, se constituía
torização. na práxis social por excelência;

O método científico utilizado foi c) a práxis da Ação Católica


o dedutivo, que, de acordo com Gil consistia na formação de lideran-
(2008, p. 10-11), ças jovens (militantes). Os eventos
conciliares possibilitaram essas
[...] parte-se da observação de fatos
ou fenômenos cujas causas se dese- discussões e essas reflexões na
jam conhecer. A seguir, procura-se Igreja da América Latina, pelo diá-
compará-los com a finalidade de
logo e pela retomada da centrali-
descobrir, as relações existentes en-
tre eles. Por fim, procede-se à gene- dade de sua proposta inicial;
ralização, com base, na relação veri-
ficada entre os fatos ou fenômenos. d) no período de ditadura mi-
litar, surge a Ação Católica Espe-
cializada no Brasil, na tentativa de
organizar as pastorais e os movi-
4. METODOLOGIA PEDAGÓGICA mentos populares e sociais; e
De acordo com Silva (2009, p. 52- e) o método da Teologia da Li-
53), temos as seguintes informações

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 391


bertação, em suas três dimensões:classe privilegiada, a qual o usa para
sócio-histórica, hermenêutica e reproduzir os seus interesses econô-
micos. A legitimação do conhecimen-
prática, acaba por se tornar pres-
suposto central da epistemologia to, como algo possível, apenas pela
teológica da libertação. produção acadêmica universitária,
desqualifica qualquer investigação
4.1. O Método Ver-julgar-agir-ce- que não esteja na mesma condição
metodológica do saber acadêmico.
lebrar
Contudo, o Ceier-AB populariza o
Para Abreu (1996, p. 51), é “Pro- método científico por meio do Méto-
mover a organização e valorização do Pedagógico Ver-Julgar-Agir-Cele-
do produtor desenvolvendo a ca- brar. A seguir, descrevo as etapas que
pacidade de observar, pensar e agir compõem o método e lhe dão nome.
individualmente e coletivamente”. O tempo do ver: jamais se come-
O método, utilizado pelo Ceier-AB, ça uma ação educativa ou um plane-
procura partir da realidade sensí- jamento do zero. É preciso conhecer,
vel, fonte de todo o conteúdo do adequadamente, a realidade a ser es-
conhecimento, e é devolvido, para tudada. Nessa realidade, já encontra-
a realidade, de modo organizado e remos muitos sinais da ação educa-
sistematizado pelo pensamento, ser- tiva. Ver a realidade significa buscar
vindo como forma de explicação do conhecer a sociedade que realmente
mundo vivenciado pelo estudante. temos. Com isso, vamos construindo
Silva (2009, p. 54-55) afirma que, um “marco da realidade”.
“quando se faz uma análise da reali- É preciso ver a realidade com o
dade social, o que se procura não éolhar da Educação do Campo, um
saber se ela é boa ou ruim, mas se olhar que tem como objetivo a li-
busca a compreensão dos elementos bertação, ou seja, a transformação
que a determinam e a maneira como da realidade camponesa. Os funda-
ela se transforma ou pode ser trans-
mentos pedagógicos direcionarão
formada”. esse olhar. Será muito útil definir al-
O método, proposto pelo Ceier guns enfoques de análise, como, por
-AB, procura romper com o modelo exemplo, aspectos que formam as
estabelecido de conhecimento que realidades pessoais, sociais, políticas,
restringe o saber científico a uma econômicas e religiosas. Silva (2009

392
apud GUERRE; ZINTY, 1965, p. 101) ajuda a discernir os desafios da nossa
observa que: “Trata-se, portanto de ação educativa (que podem ser con-
ver as pessoas com os seus proble- siderados tanto como oportunida-
mas de vida, e não de descobrir por des quanto ameaças ou apelos), rela-
via intelectual grandes problemas, cionar as urgências e as prioridades
porque depois se deve passar à solu- e determinar o que queremos fazer.
ção do caso”. O estudante e o educador, no
Torna-se indispensável a partici- encontro, entre o que temos (marco
pação direta do estudante na leitura da realidade) e o que queremos ter
da realidade e o seu modo de viven- (marco ideal), revelam os elemen-
ciar a sua relação com o meio que o tos integradores de toda a atividade
circunda. Essas experiências serão educativa. O objetivo geral deve ser
direcionadas pelo educador no am- elaborado em sintonia com a peda-
biente escolar como forma de obser- gogia emancipatória/libertadora dos
var a realidade histórico-cultural do povos do campo.
estudante, trazendo elementos para Corresponde, no método, à pri-
a construção dos conteúdos progra- meira etapa do julgar e consiste em
máticos. uma análise de teor mais filosófico a
Isso corresponde, no método, à respeito do tema gerador, que apoia-
etapa do ver e apresenta dados, in- rá o educador na condução dos de-
formações, notícias, aspectos políti- bates sobre os temas.
cos, sociais, econômicos, religiosos e Corresponde, no método, à se-
outros que subsidiam o educador na gunda etapa do julgar e consiste em
discussão do tema gerador. um roteiro de perguntas que suge-
O tempo de julgar é o momento rem um debate que auxiliam o edu-
de refletir sobre a sociedade a qual cando a estabelecer uma relação de
queremos (construção de um mar- diálogo e de questionamento em
co de valores). Julga-se a realidade relação ao tema gerador.
com os olhos do campesinato, tendo O tempo de agir é o momento de
como base uma pedagogia emanci- selecionar e de programar as ativida-
patória/libertadora. des, que são compromissos tanto do
Compara-se a realidade vista, no educador quanto do estudante. Essa
momento anterior, com as ideias e os programação deve ser caracterizada
valores do camponês. Tudo isso nos pela unidade e criatividade, pela vi-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 393


sibilidade e objetividade. A escolha 4.2 Prática pedagógica
de prioridades deve sempre estar
em harmonia com o objetivo geral. O Ceier-AB, desde sua fundação,
É importante, nesse momento, refor- se propõe a participar do desenvolvi-
çar e criar estruturas e espaços que mento do modo de vida camponês.
garantam a possibilidade de se reali- A Agroecologia aparece como pro-
zar aquilo que se está programando; posta de desenvolvimento ecologi-
estabelecendo, assim, uma práxis camente sustentável, capaz de trans-
transformadora da realidade huma- cender as contradições impostas aos
na. De acordo com Morin (2004, p. povos do campo pelo modelo capi-
21), "o conhecimento deve mobilizar talista de produção.
não apenas uma cultura diversifica- O Decreto nº 7.352, de 4 de no-
da, mas também a atitude geral do vembro, de 2010, defende, como po-
espírito humano para propor e resol- pulações do campo:
ver problemas". Art. 1º I - populações do campo: os
agricultores familiares, os extrati-
Corresponde, no método, ao agir
vistas, os pescadores artesanais, os
e trata das mudanças propostas, ou ribeirinhos, os assentados e acam-
seja, trabalhar com a leitura (apren- pados da reforma agrária, os tra-
balhadores assalariados rurais, os
der a interpretar um texto) e com
quilombolas, os caiçaras, os povos
o cálculo (aprender as operações da floresta, os caboclos e outros que
matemáticas básicas), e trabalhar, produzam suas condições materiais
de existência a partir do trabalho no
coletivamente, em projetos de inter-
meio rural.
venção na realidade social, política,
econômica etc. O Ceier-AB observa, diante da di-
versidade das populações do campo,
No tempo do celebrar, deve-se
a importância de não delimitar uma
contemplar as conquistas realiza-
forma fixa de referência ao campe-
das, reconhecendo que a realidade
sinato, uma vez que, segundo Costa
é dinâmica e pode ser ressignificada
(2000, p. 14), “estes resolvem seus
para melhor atender às necessidades
problemas reprodutivos a partir da
de humanização das relações inter-
produção rural [...] desenvolvida de
pessoais e com a natureza, com vista
tal modo que não se diferencia o uni-
a perpetuar uma visão crítica das ex-
verso dos que decidem sobre a loca-
periências vivenciadas no ambiente
ção do trabalho, dos que sobrevivem
escolar e comunitário.
como o resultado dessa alocação”.

394
O mundo contemporâneo apre- do ser humano com a terra. A terra
senta duas visões/direções de desen- é a mãe (Gaia) de onde gera toda a
volvimento, as quais se contrapõem: vida. Ela é lugar de produção mate-
o capitalismo agrário, para o qual o rial e imaterial da existência. Torna-
campo é, ainda, um lugar do atraso se, imprescindível, a compreensão
que precisa ser modernizado, enten- da historicidade do cultivo da terra e
dendo o campo como um espaço de da sociedade, o trato amoroso com a
negócios; e, a agricultura campone- terra – natureza – para garantir mais
sa, para a qual o campo é lugar de vida, a educação comprometida com
produção de vida/alimentos, de cul- sentimento de pertença à terra, e a
turas e não, meramente, de produ- contemplação do tempo de cultivo
ção econômica, concebendo o cam- da terra como forma de organização
po como ambiente de trabalho que da realidade camponesa. Portanto,
gera vida com dignidade. a Agroecologia, proposta pelo Ceier
A produção agroecológica busca -AB, não nega o conhecimento cien-
responder às exigências da agricul- tífico em detrimento do popular, mas
tura camponesa. O Ceier-AB entende o ressignifica para uma práxis huma-
a Agroecologia como um conceito a nizadora.
ser compreendido, aceito e, então, Diante da realidade de abando-
praticado. Boff (2003, p. 1) observa no sofrida pelo meio rural, torna-se
que: urgente a definição de políticas pú-
A agroecologia parte de um novo blicas para reverter as desigualda-
estado de consciência e de respon- des históricas infligidas ao povo do
sabilidade com o futuro da terra
e da humanidade. Ela procura um
campo. Desigualdades estas relacio-
desenvolvimento que se faz com a nadas à exclusão econômica, social
natureza e nunca contra ela. Visa à e, principalmente, educacional. E é,
autocontenção e à justa medida em
todas as ações que envolvem recur-
justamente, a educação do campo,
sos escassos ou não renováveis. Ela base de desenvolvimento econô-
não é contra a produção eficiente, mico e humano de toda sociedade,
mas é a favor de uma produção res-
ponsável, solidária e atenta às rea-
que sofreu maior abandono. A refe-
ções da natureza. rida escola, na maioria das vezes, é a
única forma de os sujeitos do campo
adquirir conhecimentos que pos-
A prática pedagógica agroeco- sam auxiliá-los na resolução de pro-
lógica do Ceier-AB nasce da mistura blemas da produção agrícola e no

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 395


reconhecimento dos processos his- culiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente: I - conteúdos
tóricos, culturais e sociais nos quais
curriculares e metodologias apro-
estão inseridos. A escola do campo priadas às reais necessidades e inte-
é a “ferramenta” de conhecimento, a resses dos alunos rurais; dos alunos
da zona rural; II - organização esco-
construtora da eficiência do trabalho
lar própria, incluindo adequação do
e da identidade do homem e da mu- calendário escolar às fases do ciclo
lher do ambiente rural. agrícola e às condições climáticas
(LDB, 1996).
O ambiente rural, vítima do aban-
dono do poder público, tem, na es-
cola, a esperança de romper com a A escola que faz Educação do
pobreza que assola sua população. Campo precisar ter seus currículos
Contudo, a escola rural não vem e suas didáticas próprios com base
cumprindo com sua função educati- na realidade, conectando as tensões
va de conduzir a formação do sujeito sociais para não perderem sua força
do campo. Em nome de uma univer- educativa, pois, do contrário, dei-
salização mal entendida, educam-se xarão de ser/fazer educação eman-
as crianças do meio rural para que cipatória/libertadora em relação às
admirem um mundo que não é o condições de opressão sofrida pelos
seu, com toda carga de valores e de povos do campo. Deve-se observar,
ilusões que isso implica. Nesse pro- ainda, que, para ser educação do
cesso “educativo”, o sujeito do cam- campo, seus protagonistas devem
po é desvinculado de sua realidade, ser, inexoravelmente, o sujeito do
quando crescer, desejará viver no campo. É o oprimido o gerador da
ambiente urbano. As consequências ação pedagógica, da produção da
desse grave engano se manifestam “Arte de Formar-se”, é um cidadão
por meio do êxodo rural que provoca consciente e transformador da reali-
a deplorável miséria, imperante nas dade desigual, frente à classe hege-
periferias das cidades. mônica.

Visto a importância da educação Segundo a LDB, em seu artigo 1º:


no meio rural, a LDB (Lei de Diretrizes A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na
e Base da Educação) defende, no seu vida familiar, na convivência huma-
artigo 28, que: na, no trabalho, nas instituições de
Na oferta de educação básica para ensino e pesquisa, nos movimentos
a população rural, os sistemas de sociais e organizações da sociedade
ensino promoverão as adaptações civil e nas manifestações culturais.
necessárias à sua adequação às pe-

396
O Ceier-AB pretende ser um agen- o(a) outro(a), visto que está em um
te mediador dos diversos espaços intenso espaço de interdependência
formativos, ultrapassando a escolari- com toda a realidade que o rodeia,
zação formal e estática, promovendo seja ela humana ou natural.
a inserção do estudante em sua co-
munidade, nas relações sociais, cul- 5. Referencial teórico
turais, familiar e comunitária; como
também o inserindo na relação com Este artigo foi escrito pautando-
a terra e os recursos naturais, sempre se nos estudos de Silva (2009), a qual
de modo dinâmico e crítico, no que aborda sobre o Método Pedagógico
diz respeito à realidade estabelecida. Ver-julgar-agir, proveniente da Ação
Católica, para pequenos grupos de
Parte-se do princípio que a escola
base. O método proposto está asso-
só se torna um agente de mudança
ciado à León Joseph Cardjin, sacer-
se tiver a habilidade de desenvolver
dote belga, filho de operário, que,
a capacidade de observar, de pen-
em 1924, funda a Ação Católica. Essa
sar e de agir, tanto individualmente
última terá por objetivo oferecer ao
quanto coletivamente. Conside-
operariado um conjunto de ensina-
ram-se estas as potencialidades que
mentos sociais da igreja. Nesse pro-
qualificam um sujeito educado para
cesso, o Método Ver-julgar-agir foi
exercer as suas funções de cidadão
adaptado à mentalidade concreta do
sabedor de seus direitos e seus de-
operariado.
veres.
Abreu (1996) traz a temática do
O Ceier-AB, como escola do cam-
CIER (Centro Integrado de Educação
po, precisa ser um agente de mu-
Rural) que, posteriormente, tornar-
dança da realidade de opressão, his-
se-ia Ceier (Centro Estadual Integra-
toricamente, imposta aos povos do
do de Educação Rural), o qual abor-
campo. Somente, dessa forma, os su-
da a escola “rural” na nomenclatura,
jeitos do campo poderão ter a opor-
mas que desenvolve uma Educação
tunidade de viverem daquilo que o
do Campo e para o campo. Educação
meio rural oferece de melhor.
esta voltada para o desenvolvimento
O estudante que se forma no do senso crítico dos jovens.
Ceier-AB cultiva uma relação de
Caldart (2004) defende a ideia de
amor com a terra e o próximo. De-
uma educação voltada e pensada
senvolve sua sensibilidade para com
para o campesinato, para crianças e

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 397


jovens provenientes do campo. En- 6. Resultados alcançados
tendo que a Educação do Campo é
fruto das lutas por educação nas áre- Dos professores entrevistados,
as da reforma agrária. Os temas abor- 57% disseram que, quando chega-
dados por Caldart dialogam com os ram ao Ceier-AB, desenvolviam seus
estudos propostos por Silva (2009), conteúdos da mesma maneira que
quando discorre sobre o Método aprenderam a fazer na universidade,
Ver-julgar-agir da Ação Católica, que mas, ao se depararem com a reali-
fora disseminado no povo do campo, dade do Ceier-AB, com o ambiente
assim como Abreu (1996) que trata amistoso, com a integração existente
das especificidades de uma escola entre professores, serventes, meren-
do campo, mas que é financiada pelo deiras, alunos e demais segmentos
governo do Espírito Santo desde sua da comunidade; inicia-se um proces-
concepção. so de mudança de paradigma dentro
de cada professor.
Freire (2011), em seu livro Peda-
gogia do Oprimido, faz inúmeras Os professores foram enfáticos
relações sobre a educação bancária ao afirmar que o Método Ver-julgar
e educação problematizadora e li- -agir-celebrar proporciona aos edu-
bertadora com a educação dialógi- candos e aos educadores todas as
ca, a respeito dos temas geradores. possibilidades de, na prática, realizar
É, nesse ponto, que Freire dialoga a integração curricular proposta pelo
com a prática pedagógica do Ceier Decreto nº 5.154/2004; podendo,
ao desenvolver os temas geradores, também, ir além disso, pois oportu-
visando uma educação crítica dos fa- niza ao educando a visão geral de
tos que cercam os estudantes. Nesse mundo, de forma que o estudante,
sentido, os autores pesquisados. Para ao desenvolver esta metodologia
subsidiar este artigo, estão em inten- de aprendizagem, desenvolve-se, ao
so diálogo, pois o Método Ver-Julgar mesmo tempo, como ser social, psi-
-Agir-Celebrar tem por objetivo prin- cológico, biológico e espiritual.
cipal trazer a realidade vivida para Outro fator importante, a ser
dentro da escola, problematizando e mencionado, é sobre a principal ca-
conduzindo-a na busca pela solução racterística do Ceier-AB, no qual 43%
do problema. apontaram a filosofia de trabalho da
escola, o tema gerador e a Agroe-
cologia, que impulsionam a escola

398
a desenvolver a educação do cam- tizadora do Método Ver-julgar-agir-
po, aliada aos 14% que destacaram celebrar, em diálogo com o tema
a personalidade como resistência às gerador, na prática pedagógica da
mudanças impostas pela SEDU. Ain- Agroecologia, promover a integra-
da, 29% considerou a relação inter- ção curricular proposta pelo Decre-
pessoal que, de acordo com Abreu to nº 5.154/04, já que se entende o
(1996, p. 33), “a escola propicia a rela- Ensino Médio Integrado à Educação
ção entre professor e aluno de modo Profissional como um curso único e
que as vinculações sejam recíprocas, coeso, de forma tal que todos os seus
e que, portanto, essa dialética esti- componentes curriculares recebam
mule a uma maior integração". um tratamento integrado.
Na visão dos estudantes do 3º De acordo com Freire (2011, p.
ano, do curso Técnico em Agrope- 134), “a investigação do tema gera-
cuária Integrado ao Ensino Médio, dor se realizada por meio de uma
quando eles começaram a desen- metodologia conscientizadora, além
volver o curso, sem o método obje- de nos possibilitar sua apreensão, in-
to deste estudo, 90% consideravam sere ou começa a inserir os homens
o curso integrado como se fossem numa forma crítica de pensarem seu
dois cursos distintos, pois não conse- mundo".
guiam fazer a “ponte” entre os conte- Ao se propor desenvolver o mé-
údos técnicos e os propedêuticos. todo, buscou-se não somente aten-
Com a introdução do método, na der às exigências da legislação em
metodologia pedagógica do Ceier vigor, mas, principalmente, atender
-AB, os estudantes relataram que foi aos anseios da instituição, às in-
possível perceber o sentido prático quietações do corpo docente, que,
daquilo que estava sendo ensinado mesmo de forma implícita, resiste às
em sala; sendo assim, o conhecimen- drásticas mudanças impostas pela
to deixou de ser transmitido pelo Sedu, quando esta trata os Ceiers
professor e passou a ser construído como escolas de ensino regular, não
pela turma. reconhecendo as suas especificida-
des e suas diferenças, retirando o di-
7. Conclusões reito da comunidade à educação de
qualidade e ignorando-a.
O Ceier-AB, por iniciativa própria,
procura, na metodologia conscien-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 399


A pesquisa de campo confirmou se inicia pela própria compreensão
da necessidade de ruptura com o
que o Método Ver-julgar-agir-ce-
repasse tradicional. Caso esse obs-
lebrar é muito eficiente quanto ao táculo seja vencido, ele ainda se vê
objetivo de promover a formação diante de novos desafios para atuar
de forma diferente, tais como: lidar
biopsicossocial do indivíduo, pois o
com questionamentos, dúvidas, in-
método considera muito mais o sa- serções dos alunos, críticas, resulta-
ber construído no coletivo do que o dos incertos, respostas incompletas
e perguntas inesperadas. O novo
saber individualizado do professor,
procedimento abrange, também,
como detentor de todo o conheci- uma modificação na dinâmica da
mento. Por isso, é preciso considerar aula, o que inclui a organização es-
pacial, com o rompimento da antiga
que “todos somos detentores de sa-
disciplina estabelecida (ANASTA-
beres e é preciso que o diálogo en- SIOU; ALVES, 2006, p. 71).
tre educadores e educandos permita
a cada um ter consciência dos seus
Neste artigo, não foi possível
saberes, além de ampliá-los e diver-
contemplar os três Ceiers existen-
sificá-los por meio da partilha e da
tes no Espírito Santo, porém muitos
produção coletiva de novos saberes”
desafios, que permeiam o Ceier-AB,
(CALDART, 2004, p. 47).
também, se fazem presentes nos ou-
O método em si, quando aplica- tros dois Ceiers, como, por exemplo,
do, seguindo as etapas metodológi- o financiamento do projeto Ceier, a
cas, promove o desenvolvimento do seleção dos professores/efetivação,
senso crítico não só dos estudantes, o perfil profissional do professor, a
como também dos professores en- formação inicial e continuada dos
volvidos com a metodologia. Quanto professores em temas concernentes
ao desenvolvimento do senso crítico à Educação do Campo, à Agroecolo-
nos professores, que o método pro- gia, à metodologia, ao tema gerador,
move, podemos dizer que, na apli- ao currículo, ao reconhecimento da
cação do método, forja-se um novo Sedu quanto às práticas pedagógi-
professor. cas desenvolvidas.
Quando o professor é desafiado a
atuar numa nova visão em relação Diante desses grandes desafios,
ao processo de ensino e de apren- o assunto não se esgota com a con-
dizagem, poderá encontrar dificul- clusão deste artigo, há muito o que
dades, até mesmo pessoais, de se
colocar numa diferenciada ação do- se abordar sobre os Ceiers, como, por
cente. Geralmente esta dificuldade exemplo: os espaços e os tempos de

400
formação, a integração curricular e 1-2, 2003.
outros supracitados que não foram
contemplados nesta pesquisa por CALDART, R. S. Elementos para a
falta de tempo; e, para não se perder construção do projeto político e pe-
o foco inicial da pesquisa em ques- dagógico da educação do campo. In:
tão, o que não significa que não pos- MOLINA, M. C.; AZEVEDO DE JESUS,
sa ser retomada em pesquisas poste- S. M. S. (Org.). Educação para a cons-
riores. trução de um projeto de educação
do campo. 5. ed. Brasília: UnB, 2004.
v. 5. 129 p. (Educação do Campo).
Referências bibliográficas
COSTA, F. A. Formação agropecuá-
ABREU, S. H. P. Centro Integrado de
ria da Amazônia: os desafios do de-
Educação Rural/CIER: contribuições
senvolvimento sustentável. Belém:
e desafios no processo de transfor-
NAE/UFPA, 2000, 355p.
mação social. Dissertação (Mestra-
do)–Programa de Pós-Graduação Serviço Alemão de Cooperação Téc-
em Educação, Centro Pedagógico da nica e Social – SACTES. Centro Inte-
Ufes, Vitória, 1996. grado de Educação Rural de Águia
Branca: fundamentos e desafios. Do-
ANASTASIOU, L. G. C.; ALVES, L. (Org.).
cumento, Águia Branca, 1984.
Processo de ensinagem na uni-
versidade: pressupostos para as es- FREIRE, Paulo. Pedagogia do Opri-
tratégias de trabalho em aula. 6. ed. mido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Ja-
Joinville: Univille, 2006. neiro: Paz e Terra, 2011, 253 p.
BRASIL. Ministério da Educação. Es- FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,
tabelece a Lei de Diretrizes e Bases M. (Org.). Ensino Médio Integrado:
da Educação Nacional (LDB). Dis- concepções e contradições. São Pau-
ponível em: <http://www.planalto. lo: Cortez, 2005.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>.
Acesso em: 29 dez. 2012. GIL, Antônio Carlos. Métodos e téc-
nicas de pesquisa social. 6. ed. São
BOFF, L. Informe agropecuário: uma Paulo: Atlas, 2008.
publicação da empresa de pesquisa
agropecuária de Minas Gerais, EPA- GRECHI, E. M. A importância do
MIG: Agroecologia, v. 24, n. 220, p. currículo integrado a partir da ex-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 401


periência no Centro Estadual Inte-
grado de Educação Rural de Águia
Branca e Vila Pavão. Monografia
(Especialização)–Curso de Especiali-
zação em Ensino Médio Integrado à
Educação Profissional Técnica de Ní-
vel Médio, Instituto Federal do Espíri-
to Santo, Nova Venécia, 2010.

MORIN, E.; ALMEIDA, M. C.; CARVA-


LHO, E. A. (Org.). Educação e com-
plexidade: os sete saberes e outros
ensaios. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez,
2004. 104 p.

SILVA, I. C. A. Ressignificar a forma-


ção continuada de educadores em
seu cotidiano escolar: um olhar a
partir da metodologia da práxis pe-
dagógica [manuscrito]. Canoas: Cen-
tro Universitário La Salle – Unilasalle,
2009. 170 p.

402
A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO IFPR CAMPUS JACA-
REZINHO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCÍPIOS

David José de Andrade Silva1


1
Instituto Federal do Paraná, campus Jacarezinho
E-mail: david.silva@ifpr.edu.br

1. INTRODUÇÃO mete, em vários sentidos, à corrente


pós-modernista de educação, prin-
A busca por alternativas, para cipalmente, no que tange à interdis-
uma educação significativa, é uma ciplinaridade, à desierarquização do
meta constante em diversas institui- conhecimento e à integração. Embo-
ções nacionais e internacionais. Cada ra, ainda, esteja em estágio embrio-
qual construindo suas propostas pe- nário de implementação, os efeitos,
dagógicas de acordo com sua reali- produzidos pela mudança, demons-
dade, sua compreensão de mundo tram seu potencial de criatividade,
e seus objetivos, abarcando desde a de inovação e, ao mesmo tempo, de
Educação Infantil até a Pós-gradua- incerteza; tal qual se espera de qual-
ção. Nesse contexto, embora haja um quer projeto que se arrisca a execu-
esforço do governo atual para a “pas- tar algo que foge da trivialidade, a
teurização” do Ensino Médio com a qual é observada na grande maioria
Base Nacional Curricular Comum, das escolas (principalmente públi-
ainda, existem escolas que primam cas) do país.
pela ressignificação dessa etapa de
O presente artigo pretende apre-
ensino e caminham na contramão do
sentar a organização curricular do
modelo hegemônico, como o Institu-
Ensino Médio Integrado do campus
to Federal do Paraná (IFPR) campus
Jacarezinho à luz de teorias curricu-
Jacarezinho.
lares filiadas à corrente pós-moder-
O campus Jacarezinho iniciou, nista de pensamento e da Teoria da
em 2015, uma proposta curricular Complexidade. Para tal, a metodolo-
baseada em unidades curriculares, gia, a ser utilizada, é a revisão biblio-
cujo embasamento conceitual re-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 403


gráfica articulada ao Projeto Pedagó- homem, mundo e natureza são coi-
sas separadas? [...] Como conviver
gico de Curso.
com uma escola burocrática, hierár-
quica, rígida, estruturada e organi-
2. PÓS-MODERNISMO E EDUCAÇÃO zada por especialidades ou funções,
com visão fragmentada do conhe-
cimento e, consequentemente, da
Os anseios, por uma nova edu- prática pedagógica, com sistemas
cação, permeiam a sociedade desde rígidos de controle, dissociada do
as camadas populares, as quais tes- mundo e da vida?
temunharam, ao longo das ocupa-
ções das escolas de Ensino Médio, a Em contrapartida, a mesma pes-
precarização do ensino público até quisadora coloca em xeque o mode-
o ensino superior, cujas greves con- lo curricular massificado, vislumbra
tínuas de servidores, não somente, uma alternativa de superação à con-
expressam o eterno embate pelo re- dição em que as escolas se encon-
conhecimento da classe, mas, princi- tram e propõe uma guinada (MORA-
palmente, a necessidade de investi- ES, 1997, p. 20, grifo nosso):
mento e de planejamento sérios na
Se queremos formar indivíduos
área. Enquanto as insatisfações se intelectual e humanamente com-
multiplicam, os conflitos ocorrem, os petentes e bem formados, capazes
de aceitar desafios, construir e re-
tensionamentos se acirram e muito
construir teorias, discutir hipóteses,
pouco é, concretamente, resolvido confrontá-las com o real, formar se-
em relação ao lado reivindicante. A res em condições de influenciar na
construção de uma ciência no futu-
escola permanece no “fogo cruza-
ro ou participar dela, então, neces-
do”, geralmente, inerte, reproduzin- sariamente, o paradigma educacio-
do seus problemas e conservando nal precisa ser revisto. Isto porque
o modelo convencional de ensino
seu status quo, os quais se manifes-
adotado pela maioria das escolas,
tam em sala de aula. Moraes (1997, nos mais diversos países, não esti-
p. 136) adensa a análise sobre essa mula o pensamento divergente, a
criatividade, a criticidade, não gera
questão ao colocar que:
ambientes para descobertas cientí-
Se o mundo que nos cerca é tão im- ficas, para desenvolvimento de um
previsível e sujeito a tantas variações trabalho cooperativo, além de uma
e tanta criatividade, como conviver série de outros valores que necessi-
com uma educação fundamentada tam ser resgatados nos novos am-
no estudo do comportamento, nos bientes de aprendizagem.
usos e costumes dominantes trans-
feridos através do tempo por com-
portamentos reforçados, em que o

404
O novo paradigma nasce, então, inconformidade e engajamento, os
em meio aos conflitos, às incertezas quais convertem intencionalida-
e às angústias, característicos dos de em ações concretas. Silva (2013,
tempos hodiernos. Moraes (1997, p. p.114) apresenta a pós-modernidade
144), ao invés de negar a dinamicida- nos seguintes termos:
de da vida e de propor a estabilidade Inspirado por sua vertente estética,
e a segurança, reconhece que a mu- o pós-modernismo tem um estilo
que em tudo se contrapõe à lineari-
dança deve partir da reformulação dade e à aridez do pensamento mo-
intrínseca das próprias concepções derno. [...] O pós-modernismo não
conservadoras arraigadas aos sujei- apenas tolera, mas privilegia a mis-
tura, o hibridismo e a mestiçagem
tos: – de culturas, de estilos, de modos
Na realidade, com todas as trans- de vida. O pós-modernismo prefere
formações que estão ocorrendo no o local e o contingente ao universal
mundo, mais do que nunca é preci- e abstrato. O pós-modernismo in-
so aprender a viver com a incerteza. clina-se para a incerteza e a dúvida,
Para tanto, necessitamos desenvol- desconfiando profundamente da
ver em nossos ambientes de apren- certeza e das afirmações categóri-
dizagem a autonomia de nossas cas. No lugar das grandes narrativas
crianças e também de nossos pro- e do “objetivismo” do pensamen-
fessores, levando-os a aprender a to moderno, o pós-modernismo
aprender. Isso significa ter condição prefere o “subjetivismo” das inter-
de refletir, analisar e toma consciên- pretações parciais e localizadas. O
cia do que sabemos, dispormo-nos pós-modernismo rejeita distinções
a mudar os conceitos e os conhe- categóricas e absolutas como a que
cimentos que possuímos, seja para o modernismo faz entre “alta” e “bai-
processar novas informações, seja xa” cultura.
para substituir conceitos cultivados
no passado e adquirir novos conhe-
cimentos. Alinhado ao pós-modernismo,
com seu espírito contestador, refle-
Para dar conta dos desafios edu- xivo e provocativo, Carneiro (2012,
cacionais, nesse contexto, o pensa- p. 211) propõe que nos debrucemos,
mento pós-modernista se apresenta pedagogicamente, sobre a última
como uma contribuição significativa etapa da Educação Básica a partir
para repensar o currículo; primeira- dos seguintes questionamentos:
mente, por sua natureza indisciplinar Como tornar criativo o aluno que
frequenta uma escola inteiramente
e indolente, características essenciais pautada por processos de ensino
para iniciar qualquer processo de re- que favorecem a mera repetição?
novação social, mas também pela Como estimular a iniciativa dos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 405


alunos do Ensino Médio, quando Criticamos também a postura da
eles são “treinados”, mediante aulas escola pública brasileira e dos sis-
essencialmente expositivas, para temas educacionais em suas mais
repassar, nos exames, o que foi ex- diversas instâncias que continuam
posto nas aulas? caracterizando-se como instituições
fechadas, passivas e obedientes,
cumpridoras de normas e decisões
Embora o próprio autor (CARNEI- provenientes de outras estruturas
centrais existentes no próprio país
RO, 2001, p. 94) coloque qual o pon- ou fora dele e, portanto longe do
to de partida, para se construir uma seu contexto social. O fato de a es-
proposta pedagógica, ele aponta cola apenas cumprir, obedecer e
pouco “pensar” tem levado a um
para um dos obstáculos a serem ven- certo descompromisso com a qua-
cidos na reestruturação curricular e lidade dos serviços que vêm sendo
faz um diagnóstico das consequên- prestados. E se isso ocorre em nível
de administração da escola, possi-
cias do modelo disciplinar: velmente ocorrerá também na sala
A questão é como a escola deve agir de aula [...].
para deixar de ser um bloqueio e
passar a ser um canal de irrigação
curricular alimentado da vida con- Assim, a autora provoca as escolas
creta dos alunos. Na verdade, o cur-
rículo do ensino médio tem estado
a serem muito mais que “paus-man-
centrado nas disciplinas, no corpo dados acéfalos”, que elas lamentem
controlado de conhecimentos e, em menos as dificuldades (as quais são
consequência, numa relação tensa
de aprendizagem. A sala de aula,
perenes), se assumam como prota-
ambiente de contensão de senti- gonistas, se comprometam com seu
mentos e emoções, ao organizar- público e engajem suas ações naqui-
se pelo controle e pela disciplina, é
sempre um espaço do dever e nun-
lo em que desejam realizar (CIAVAT-
ca o espaço do prazer. TA, 2012, p. 98). Se é sabido o que
não se quer para a educação na con-
temporaneidade, pode-se partir para
Moraes (1997, p. 53) aprofunda
o que se idealiza. Se não há água en-
a crítica de Carneiro (2001) quando
canada no bairro, onde a escola está
avalia a postura dos profissionais di-
situada, a escola deve almejar formar
retamente ligados à escola, pois não
vereadores, secretários municipais
se trata, somente, da disciplina em
e prefeitos que tenham vivenciado
si, mas das condições para sua acei-
as dificuldades locais, os quais com-
tação plena, como se não houvesse
preendam a importância daquele
outros arranjos possíveis:
espaço para um grupo de pessoas,

406
almejando “intelectuais propositivos po, devem ser trabalhadas à luz des-
te processo de agregação da cultura
e inseridos em ações políticas funda-
humana que se exterioriza (é sem-
mentadas em bases coletivas e soli- pre uma manifestação dinâmica).
dárias” (OLIVEIRA, 2012, p. 97).
O Ensino Médio Integrado deve A admissão do conhecimento,
propiciar condições por meio da con- como provisório, local e, histori-
junção do olhar especialista técnico camente, situado, demanda uma
e da formação da matriz ampla, para postura dialógica da comunidade
que seus estudantes observem a re- escolar e não mais uma relação de
alidade e se posicionem ativamente submissão, a qual se inicia a partir
(MORAES; KÜLLER, 2016, p. 92). Os da equipe de servidores em relação
problemas, as dificuldades e as res- às instâncias regulamentadoras (as
trições passam, então, de razão para quais, geralmente, impõem sua vi-
não fazer nada e descompromisso são burocrática sobre as escolas) e
à motivação para desenvolvimento dos servidores em relação aos estu-
tecnológico, contestação e luta por dantes. O resultado dessa abertura,
direitos. para a democratização da escola, é o
A outra contribuição é de Behrens descontrole sobre os resultados que,
(2013, p. 55), cuja visão é de que ao mesmo tempo em que gera a in-
A ação pedagógica que leve à pro- certeza, aumenta a probabilidade de
dução do conhecimento e que arranjos e de novas soluções para
busque formar um sujeito crítico e questões conhecidas e imprevistas.
inovador precisa enfocar o conhe-
cimento como provisório e relativo, Segundo Moraes (1997, p. 100):
preocupando-se com a localização Sob esse novo enfoque, o currículo
histórica de sua produção. é algo que está sempre em processo
de negociação e renegociação entre
alunos, professores, realidades e ins-
Essa mudança de perspectiva, tâncias administrativas. Ele emerge
também, é abordada por Carneiro da ação do sujeito com os outros,
com o meio ambiente. É datado, si-
(2012, p. 209) quando este coloca tuado no tempo e no espaço. [...] É
que: algo que está sempre em processo
mediante um diálogo transforma-
O currículo trabalha um conheci-
dor, enriquecido por processos re-
mento sempre provisório que exi-
flexivos recursivos. É um currículo
ge, do aluno, estar em “reciclagem”
que tem como suposição básica a
permanente. Neste sentido, as letras
capacidade de auto-organização
e as artes, menos do que manifesta-
inerente aos seres vivos e que tra-
ções culturais congeladas no tem-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 407


duz os processos de equilibração e ainda, eram ofertados em disciplinas.
regulação [...]. É um currículo que
No início daquele ano letivo, aconte-
emerge da ação e da intenção dos
participantes com a realidade. ceu uma série de ocorrências com
estudantes, o que demonstrou gran-
de estresse devido à alta exigência
Imaginar uma organização curri-
no ritmo de estudos. Para se ter um
cular, com essa configuração, é um
parâmetro, a carga horária total do
desafio (FRIGOTTO, 2012, p. 77), pois
curso de Eletromecânica era de 4.740
o ceticismo e o desconhecimento de
horas (abrangendo 19 disciplinas,
fundamentos pedagógicos, ainda,
estágio supervisionado e produção
são predominantes na educação bra-
do trabalho de conclusão de curso),
sileira, principalmente, na Educação
enquanto a carga mínima de Enge-
Profissional, Técnica e Tecnológica,
nharia é de 3.600 horas. Assim, a co-
na qual parte do corpo docente não
munidade de docentes e de técnicos
cursou licenciatura (o que, também,
se viu impelida, motivada por uma
não é uma garantia, considerando
perturbação, a rediscutir várias ques-
tantas formações docentes que, ain-
tões pedagógicas a partir de Grupos
da, seguem o padrão 3+1). Contudo,
de Trabalho, incluindo um específico
há inúmeras iniciativas concretas
sobre currículo, o qual foi incumbido
de rompimento com o paradigma
de fazer um estudo teórico e legal
hegemônico e, a seguir, serão apre-
sobre o Ensino Médio Integrado para
sentados alguns princípios que con-
embasar um novo projeto.
duziram a uma reforma, visando um
currículo no paradigma emergente: A proposta curricular, iniciada
o campus Jacarezinho do Instituto naquele período, embasou-se em
Federal do Paraná. alguns princípios que deslocavam o
campus de uma perspectiva discipli-
3. Princípios de um currículo nar fechada para uma mais aberta,
dentro das fronteiras legais vigentes.
organizado por unidades cur- O primeiro princípio é o de não mais
riculares enxergar estudantes vinculados, ex-
clusivamente, a um curso, mas, sim,
A mudança curricular começou
inseridos em uma instituição que
em 2014, quando os cursos técnicos
tem suas limitações e seus potenciais
de Ensino Médio Integrado (Alimen-
para ofertar o que fosse possível den-
tos, Eletromecânica e Informática),
tro de suas capacidades físicas (salas

408
de aula, laboratórios, biblioteca e ensino e de suas respectivas descri-
áreas de lazer), humanas (servidores, ções (ementa, conteúdo programáti-
instâncias colegiadas e relações inte- co, forma de avaliação, metodologia
rinstitucionais) e simbólicas (o status e nível de complexidade1). Logo, na
de ser estudante de uma escola fe- primeira semana de aula, os recém
deral e estar localizado no interior do -ingressos passam por um período
estado). de integração para compreender a
Assim, a escola não tenta vender instituição e são orientados a refletir
a falsa ideia de que “ensinará tudo” sobre o que seria o processo de to-
como muitos pais esperam em rela- mada de decisão sobre seu itinerário
ção à preparação para o vestibular, formativo. Isso é feito, minimamen-
mas apresenta aquilo que tem para te, em três etapas, as quais não são
os discentes fazerem e, também, sequenciais nem obrigatórias, mas
aquilo que desejam. Isso nos leva norteadoras. A primeira é o auto-
a outro princípio, o da autonomia. questionamento, no qual o sujeito
Sobre esse ponto, Carneiro (2012, p. busca, analisa e avalia, em si mesmo,
276) considera que: seus desejos, suas limitações e seus
potenciais no sentido de traçar um
O apoderamento refere-se ao di-
reito de o aluno ser ator de sua objetivo para sua vida. A segunda
aprendizagem. Há um certo tipo de é a confrontação, a qual implicará
escola que busca pilotar a aprendi- em diálogo com um servidor (majo-
zagem, substituindo a vontade do
aluno pela vontade do professor. ritariamente docente) e um familiar
Este deve ser, na verdade, um esti- para discutir suas escolhas e tentar
muladora da autonomia daquele. A enxergar, a curto, a médio e em lon-
escola é única no sentido de ser um
espaço de reflexão crítica e de exer- go prazo, as implicações de estar ou
cício e construção da autonomia. não matriculado nas unidades curri-
culares escolhidas. A terceira é a con-
solidação que consiste no resultado
No currículo novo do campus Ja-
do processo intra e interdialógico,
carezinho, os estudantes escolhem
inserindo o/a discente em um espa-
o que irão estudar ao longo dos se-
ço com o qual deverá se comprome-
mestres letivos do curso, a partir da
ter pelo tempo previsto. Portanto, as
apresentação de todos os planos de

1 Embora não haja pré-requisitos, é uma forma de os estudantes terem ciência das expec-
tativas dos docentes sobre conteúdos básicos necessários para compreender os conceitos
trabalhados naquela unidade curricular.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 409


unidades curriculares são formadas and on a higher level than previously
por estudantes cujos desejos, de es- attained”. Por sua vez, institucional-
tar naquele espaço, são convergen- mente, o grande ganho é a capacida-
tes ou menos arbitrários, comparan- de adaptativa frente às necessidades
do-se com o sistema de organização dos principais interessados: os estu-
seriado por turmas. Carneiro (2001, dantes. Logo, sobre a adaptabilidade
p.13-14, grifo do autor) corrobora ligada à demanda, Carneiro (2012, p.
com essa configuração e comple- 253) coloca que:
menta: Como se sabe, na educação escolar
O “segundo passo” no horizonte de não há proposta pedagógica sem
mudanças está na compreensão currículo. Por outro lado, não se
da escola como uma comunidade pode falar em verdadeiro currículo
de interesses. Esta preocupação vai se ele não possui uma organização
necessariamente propor alternati- permeável à diversidade da inteli-
vas de respostas diárias à questão: gência dos alunos às suas diferentes
para onde vou com minha escola e realidades. Nesse sentido é que se
para onde a minha escola vai comi- afirma que currículo é contexto. [...]
go?. [...] Construir uma comunidade Em função da abrangência do con-
de interesses é possível a partir de ceito de educação, pode-se concluir
respostas a demandas e a interesses que as formas alternativas e diver-
individuais. A educação transforma sificadas de organização curricular
o indivíduo e não turmas (classes, buscam contemplar precisamente a
séries). Por isso, o sucesso do tra- multiforme realidade da demanda.
balho do professor depende de sua
competência em individualizar o
contato com seus alunos. O terceiro princípio é o da plurali-
dade conceitual e metodológica para
garantir que todo o corpo docente
A possibilidade de um(a) estudan-
pudesse explorar seus pontos fortes
te construir seu itinerário formativo,
e que suas crenças, sobre ensino, fos-
em meio à vasta gama de opções, é
sem respeitadas. O direcionamento,
um movimento com potencial para
para apenas um viés metodológico,
desencadear uma incontável série
é algo, extremamente, complicado
de eventos. A preparação, para to-
de se aplicar em um espaço público,
mar decisões, pode causar descon-
no qual os ingressantes são oriundos
forto e ansiedade, contudo, para Doll
de instituições cujas bases filosófi-
Jr. (1993, p. 82-83), “In trying to over-
co-epistemológicas não são, neces-
come disequilibrium – here perturba-
sariamente, as mesmas (às vezes até
tions, errors, mistakes, confusions – the
antagônicas) propostas pelo projeto
student reorganizes with more insight

410
pedagógico, ainda mais, em tem- do, Carneiro (2001, p. 112) considera
pos, cuja identidade pós-moderna é que “A equipe escolar precisa consi-
“descentrada, múltipla e fragmenta- derar a urgência de trabalhar com o
da” (SILVA, 2013, p.114). Além disso, conceito de pluritemporalidade, ou
o ponto é fazer com que os/as pro- seja, permutar o tempo acadêmi-
fessores(as) se sintam parte da cons- co – que é um único tempo – pelos
trução e, para isso, todos os pontos tempos dos alunos – que são tem-
de vista, as concepções e os posicio- pos culturais”. Da mesma forma que
namentos são importantes para que os estudantes escolhem com quem e
o currículo, que se propõe a ser um o quê estudarão, o quando, também,
sistema aberto, permaneça dinâmi- está compreendido nesse processo,
co e, periodicamente, em discussão. o qual se manifesta de duas formas.
Conforme Doll Jr. (1993, p. 66) coloca, A primeira é o próprio movimento
e, comparando com a própria gêne- dos(as) discentes de escolher, por
se do projeto, “open systems actually exemplo, quando começarão a estu-
need problems and perturbations in dar conteúdos específicos de Mate-
order to function”. Sobre esse aspec- mática, se no primeiro, no segundo
to, a contribuição de Morin (2014, ou no terceiro semestre (embora se-
p. 219), ao construir-se um currículo jam, também, abordados em outras
aberto, como uma organização viva, áreas de Ciências da Natureza). Con-
avança no sentido de que: forme Carneiro (2001, p. 89) afirma,
[...] as organizações vivas não só to- “É preciso abrir a escola ao jovem e
leram uma certa desordem, como deixar que ele seja cidadão, partici-
produzem os contraprocessos de
regeneração e, com isso, extraem
pando do processo educativo e te-
um benefício de rejuvenescimento nha a autonomia para plasmar a sua
dos processos internos de degrada- identidade”. A segunda é a própria
ção e degenerescência. Vemos que
a organização viva tolera a desor-
carga horária da unidade curricular
dem, produz a desordem, comba- que, apesar de ter estabelecido um
te essa desordem e se regenera no padrão predominante de 30 horas
próprio processo que tolera, produz
e combate a desordem.
semestrais, por motivos logísticos
(como a troca de salas de aula), ela
pode ser ofertada em outros arran-
O quarto princípio é concernente jos, seja com carga horária menor ou
à ideia de mudança do tempo escola maior, para adequar-se, por exem-
para o tempo indivíduo. Nesse senti- plo, à estação do ano, ao período de

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 411


colheita, às pautas urgentes ou aos Assim, os estudantes não deixam de
outros objetivos específicos. Para reconhecer unidades curriculares
Carneiro (2001, p. 14, grifo do autor): que expressam um conteúdo espe-
O “terceiro passo” para se construir a cífico de uma disciplina (como Quí-
“outra” escola consiste em compre- mica e Geografia), mas também têm
ender, como diz PARRA (1978) que,
o ensino não é nem um currículo fe-
acesso às propostas que possuem
chado nem um programa pré-esta- interconexões e promovem discus-
belecido, mas todo um processo de sões mais abertas (como Robótica,
condução de aprendizagem. Daí ser
fundamental o conhecimento dos
Empreendedorismo ou Pensamento
marcos e das referências individu- Crítico), tal qual discutido por Ramos
ais, do potencial dos alunos, do seu (2012, p. 122).
“paladar” como jovens, do estilo de
aprendizagem preferido. Complementar a essa relação to-
do-parte-interseções, e consideran-
do a discussão proposta por Moraes
O quinto princípio refere-se à or-
(1997, p. 191), sobre o hólon, algo
ganização das unidades curriculares
que é “[...] um todo em si mesmo e,
por áreas de conhecimento do nú-
ao mesmo tempo, parte de uma to-
cleo básico (Ciências Humanas, Ciên-
talidade, parte de uma grande famí-
cias da Natureza, Linguagens e Códi-
lia, que pode funcionar de maneira
gos) e do técnico-profissionalizante
autônoma e, ao mesmo tempo, com-
(Controle e Processos Industriais, In-
partilhada”. Independentemente de
formação e Comunicação e Produ-
como as unidades curriculares são
ção Alimentícia). O planejamento
construídas, elas são, metaforica-
pedagógico se dá de forma coletiva
mente, uma trilha (um assunto ou
entre os professores da mesma área
um tema específico) que represen-
ou entre as áreas diferentes, para a
ta um conjunto de caminhos (uma
construção de unidades curriculares.
área), em uma relação recíproca que
Doll Jr. (1993, p. 64) destaca a impor-
remete à concepção de holograma.
tância dessa interação ao considerar
Morin (2014, p. 181) esclarece que:
que “One of the essential characteris-
Holograma é a imagem física cujas
tics of living systems is that of interac-
qualidades de relevo, de cor e de
tion. In a living system, parts are de- presença são devidas ao fato de
fined not in isolation from one another cada um dos seus pontos incluírem
quase toda a informação do con-
but in terms of their relations with each
junto que ele representa. [...] Nesse
other and with the system as a whole”. sentido, podemos dizer que não só

412
a parte está no todo, mas também ao longo do percurso. O segundo, de
que o todo está na parte.
garantir a liberdade criativa do corpo
docente e técnico para fazer com que
Em termos estruturais, a unida- a instituição acompanhe as transfor-
de curricular não se limita a realizar mações sociais e as pautas emergen-
uma atividade de ensino, mas per- tes; sendo estas descritas por Doll Jr.
mite dar vazão à integração com ex- (1993, p. 66) como “new structures
tensão e iniciação científica, pois sua emerging spontaneously, self-gene-
configuração holográfica comporta ratively, unpredictably from old ones”.
as muitas faces presentes nas áreas Além da emergência, a flexibilidade
do conhecimento e nos encaminha- permite que os produtos gerassem
mentos metodológicos. Essa capaci- novas ideias em um movimento cí-
dade de arranjos diversos possibilita clico ininterrupto. Morin (2015, p. 74)
o que Carneiro (2001, p.13, grifo do contribui para a discussão ao refletir
autor) enxerga como positivo para sobre a concepção de recursividade:
essa etapa de ensino: A ideia recursiva é, pois, uma ideia
em ruptura com a ideia linear de
O “primeiro passo” para a escola
causa/ efeito, de produto/ produtor,
introduzir as mudanças urgentes
de estrutura/ superestrutura, já que
aqui propostas está no seu des-
tudo o que é produzido volta-se so-
muramento virtual. Abrir-se para
bre o que se produz num ciclo ele
a vida. Extroverter-se para acolher
mesmo autoconstitutivo, auto-or-
e valorizar as diferenças. Tornar-se
ganizador e autoprodutor.
um laboratório de comunicações e
não de comunicados. Multiplicar-se
em espaços sociais, dessacralizando
os conteúdos curriculares. Acolher Doll Jr. (1993, p. 87) vai ao encon-
tro de Morin (2015) ao considerar que
linguagens diferentes e associá-las
através de critérios educativos so-
“a transformative curriculum, then, is
cialmente relevantes. Estimular a in-
tegração de ações com mecanismos one that allows for, encourages, and
explícitos de aprimoramento como develops this natural capacity for com-
atitude ativa e permanente.
plex organization; and through the
process of transformation the curricu-
Por fim, o sexto princípio é concer- lum continually regenerates itself and
nente à promoção da flexibilidade, o those involved with it”. Essa relação,
qual atende dois objetivos. O primei- também, é abordada por Behrens
ro, de tornar a jornada dos estudan- (2013, p. 71) ao enxergar que:
tes fluída e passível de modificações

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 413


A concepção de que o homem influi2015, p. 60), “A desordem está, pois
no meio e é por ele influenciado de-
no universo físico, ligada a qualquer
safia a escola no sentido de propor-
trabalho, a qualquer transformação”.
cionar uma educação que possibili-
Segundo, porque a flexibilidade exi-
te a vivência no coletivo. Admitindo
o grupo como fonte de equilíbrio
ge do corpo docente uma visão mui-
e de contradições, a escola deve
to mais global dos efeitos provoca-
ter presente que cada indivíduo no
grupo tem sua própria leitura de dos por essa fluidez, a qual perpassa
mundo.
desde a construção do horário das
aulas até a alocação de mobília nas
Compreende-se, então, que não salas. Moraes (1997, p. 148, grifo da
é só o documento que é transforma- autora) destaca que:
do, mas também os sujeitos, o que Embora um currículo possa se ba-
aumenta o grau de responsabilidade sear em referenciais preestabele-
cidos como planos, objetivos mais
sobre sua concepção. Conforme Sil- amplos, ele não deixa de levar em
va (2013, p. 150) pontua, não se pode consideração a ação do sujeito con-
olhar o currículo como um texto tri- forme as ações educativas se esta-
belecem. Um currículo em ação é
vial e inocente, pois ele é “documen- flexível, respeita a capacidade do
to de identidade”. E, se a organização indivíduo de planejar, executar, criar
curricular, assumida pela comunida- e recriar conhecimento, ou seja, sua
ação concreta. É algo que, mesmo
de escolar, possui uma “cara”, ela é levando em consideração planos e
multifacetada, diversa (e divergente) objetivos existentes, sabe a priori
histórica, cultural e socialmente tal das possibilidades de alterá-los com
base na ação individual e coletiva.
qual é o mundo real. Essa pluralida- Está sempre em processo, em um
de produz, segundo Doll Jr. (1993, p. diálogo transformador, baseado nas
173), “A curriculum based on infinite peculiaridades das situações locais.

patterns within set parameters […] is a


curriculum richer and richer with more Cabe destacar que esse currícu-
and more foci, networks, interrelations lo exige um compromisso coletivo
emerging and being generated”. maior, pois não se trata, somente, de
Sob um olhar cético, a impressão fazer o que já está predeterminado,
provocada, ao se deparar com essa mas de ser parte de uma construção
característica, é a de desordem e de contínua que depende da participa-
falta de planejamento, o que é equi- ção efetiva; muito embora, não seja
vocado. Primeiro, porque, na pers- rara a prática de servidores públicos
pectiva da complexidade (MORIN, com dedicação exclusiva para atu-

414
ar como “prestadores de serviços”, e pela complexidade. Além de serem
ou seja, cumprir o mínimo e não se preparados para a incerteza e a con-
inteirar das necessidades da institui- tingência, os estudantes são impeli-
ção. Essa corresponsabilidade, sobre dos a (re)conhecerem-se, a explorar
a instituição, também, se estende seus potenciais e a agirem. Por sua
ao corpo discente e técnico, desta- vez, os servidores, também, têm, nes-
cando-se, desse último, a equipe pe- se projeto, a chance de explorar suas
dagógica multiprofissional a qual é qualidades e seus talentos “além-di-
de fundamental importância para o ploma”, renegados, historicamente,
atendimento dos estudantes e a me- pela visão tradicional. Quanto menos
diação das relações. A seguir, passa- regras e imposições, mais margem
mos às considerações finais. há para a criatividade e a imaginação
fluírem, o que é, educacionalmente,
muito mais rico. Nas palavras de Doll
Jr. (1993, p. 163):
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] I believe, that teachers and stu-
dents need be free, encouraged, de-
O presente artigo propôs trazer
manded to develop their own curricu-
um breve histórico, os fundamentos lum in conjoint interaction with one
teórico-conceituais e os princípios another. General guidelines wherever
they come from – textbooks, curricu-
que conduziram o IFPR, campus Ja-
lum guides, state education depart-
carezinho, a reformular sua proposta ments, professional organizations, or
curricular. Apesar de ser uma insti- past tradition – need to be just that:
general, brad, indeterminate.
tuição altamente regulamentada, e
com menos liberdade do que as ins-
tituições privadas e as universidades Em virtude de todas as suas ca-
públicas, todas as suas propostas de racterísticas e sua trajetória de cons-
ruptura, de contestação e de mudan- trução, a aplicação desse modelo, em
ça paradigmática são, legalmente, outro contexto, deve ser, cautelosa-
amparadas e, por isso, seguras juridi-mente, pensada. Já a sua discussão
camente. necessita ser ampla, pois a contribui-
No aspecto pedagógico, a indo- ção de atores, que não estão viven-
lência, proposta pelo novo currículo, ciando o cotidiano, pode apontar
sustenta-se na concepção pós-mo- aspectos não percebidos. Outro pon-
derna de conhecimento e de socie- to importante, a ser destacado, é a
dade, o qual é conduzido pelo caos opção pela vertente pós-moderna, a

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 415


qual significa assumir que a garantia Quanto ao futuro do Ensino Mé-
de qualquer coisa é ilusória e hipó- dio Integrado do campus Jacarezi-
crita. Esse talvez seja um dos passos nho, é impossível de ser previsto.
mais arriscados os quais nem todos O que há de concreto, hoje, é o seu
estejam dispostos a dar. Como olhar reconhecimento em espaços go-
para os pais de um/uma adolescen- vernamentais, como a recente con-
te de 14 anos, e dizer que esse(a) tribuição para a Comissão Mista da
discente escolherá o que estudará e Medida Provisória nº 746, de 2016,
poderá fazer isso dentro do seu tem- na discussão da reforma do Ensino
po? E o que dizer sobre a possibilida- Médio, e a participação no Programa
de de uma unidade curricular existir Escolas Transformadoras, que é uma
em um ano e não ser ofertada no ano rede internacional de escolas inova-
seguinte? A escola é um espaço da doras. Arriscar qualquer prognóstico,
segurança (os pais ficam bem mais seria “futurologia”, mas é inegável
tranquilos com os filhos na escola) que o projeto já deixou sua marca
e da certeza (aulas e horários estan- na história da educação, mesmo que
ques e previsíveis) há séculos. Ir na seja uma pequena marca.
contramão dessa imagem, implica Por fim, o texto não pretende
em ter de se provar, constantemente, “erguer bandeiras”, fazer apologia a
como uma aposta certeira, apresen- uma corrente teórica ou entrar em
tando resultados por meio das rea- uma disputa para tornar-se uma re-
lizações dos estudantes. Recorre-se, ferência, mas agregar novos elemen-
novamente, a Doll Jr. (1993, p. 173), o tos ao debate sobre o Ensino Médio
qual esclarece que: Integrado a partir de uma experiên-
The difficulty with a post-modern, cia que, até o momento, tem suscita-
transformative curriculum is that
there is no ideally set norm, no canon do muitas reflexões para uma comu-
which can exist as a universal refe- nidade em particular.
rence point. An open, transformative
system is by nature always in flux,
always in (thermos)dynamic inter- Referências
and transaction. Attractors do appear
in this process but often dissipate as BEHRENS, M. A. O paradigma emer-
quickly as they emerge (as in a stream
gente e a prática pedagógica. 6. ed.
flowing or a cloud billowing). Further,
the very process of transformation re- Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
quires that the goals achieved be fed
back (iteraded) into the system so the
process may continue.

416
BRASIL. Conselho Nacional de Edu- ções. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
cação/Câmara de Educação Superior. p. 57-82.
Dispõe sobre a carga horária míni-
ma e procedimentos relativos à in- INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ.
tegralização e duração dos cursos Campus Jacarezinho. Projeto Peda-
de graduação, bacharelados, na gógico do Curso de Eletrotécnica
modalidade presencial. Resolução do Campus Jacarezinho. Jacarezi-
nº 2, de 18 de junho de 2007. Dispo- nho, PR: IFPR Campus Jacarezinho,
nível em: <http://portal.mec.gov.br/ 2017.
cne/arquivos/pdf/2007/rces002_07.
MORAES, F. de; KÜLLER, J. A. Currícu-
pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
los integrados no ensino médio e
CARNEIRO, M. A. Os projetos juvenis na educação profissional: desafios,
na escola de ensino médio. Brasília, experiências e propostas. São Paulo:
DF: Interedisciplinar, 2001. Editora Senac, 2016.

_____. O nó do ensino médio. Pe- MORAES, M. C. O paradigma edu-


trópolis, RJ: Vozes, 2012. cacional emergente. Campinas, SP:
Papirus, 1997. (Colexão Práxis)
CIAVATTA, M. A. Formação integrada:
a escola e o trabalho como lugares MORIN, E. Ciência com consciência.
de memória e de identidade. In: FRI- 16. ed. rev. e mod. Rio de Janeiro:
GOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; Bertrand Brasil, 2014.
RAMOS, Marise (Org.). Ensino médio
______. Introdução ao pensamen-
integrado: concepções e contradi-
to complexo. 5. ed. Porto Alegre: Su-
ções. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
lina, 2015.
p. 83-106.
OLIVEIRA, R. de. Por uma educação
DOLL JR., W. E. A post-modern pers-
profissional democrática e emanci-
pective on curriculum. New York,
patória. In: OLIVEIRA, R. (Org.). Jo-
NY: Teachers College, 1993.
vens, ensino médio e educação
FRIGOTTO, G. Concepções e mudan- profissional: políticas públicas em
ças no mundo do trabalho e o ensino debate. Campinas, SP: Papirus, 2012.
médio. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, p. 83-106.
M.; RAMOS, M. (Org.). Ensino médio
integrado: concepções e contradi-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 417


RAMOS, M. Possibilidades e desafios
na organização do currículo inte-
grado. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA,
M.; RAMOS, M. (Org.). Ensino médio
integrado: concepções e contradi-
ções. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
p.107-128.

SILVA, T. T. da. Documentos de iden-


tidade: uma introdução às teorias
do currículo. 3. ed. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2013.

418
ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FUNDAMENTOS E IN-
TENCIONALIDADE FORMATIVA
João Kaio Cavalcante de Morais1, Ana Lúcia Sarmento Henrique2
1 e 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologiado
do Rio Grande do Norte – IFRN
E-mail: kaio-ca-valcante@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO teórico-metodológico.
De acordo com a Lei de Diretri-
O presente artigo surge como um
zes e Bases da Educação Nacional nº
recorte de uma pesquisa maior em
9.394/1996 (LDBEN nº 9.394/1996),
nível de mestrado vinculada ao Pro-
art. 36-A, o Ensino Médio Integra-
grama de Pós-Graduação em Edu-
do (EMI) é uma das possibilidades
cação Profissional (PPGEP) do Insti-
de oferta do Ensino Médio (EM) no
tuto Federal de Educação, Ciência e
Brasil. Ainda segundo o dispositivo,
Tecnologia do Rio Grande do Norte
o EMI deve ser oferecido somente a
(IFRN).
quem já tenha concluído o Ensino
O artigo tem como objetivo des- Fundamental (EF), sendo o curso pla-
crever os fundamentos teóricos e a nejado de modo a conduzir o aluno
intencionalidade formativa que per- à habilitação profissional técnica de
meia a proposta do Ensino Médio nível médio, na mesma instituição de
Integrado à Educação Profissional ensino, contando com matrícula úni-
(EMI) no Brasil. Para isso, recorre- ca para cada aluno.
mos aos estudos de autores como
O último senso escolar (MEC,
Ciavatta (2012), Moura, Lima Filho e
2016) mostra que o país conta com
Silva (2012) e Ramos (2015), o que
1,9 milhão de matriculados na Edu-
configura nossa pesquisa enquanto
cação Profissional (EP1), desse total,
bibliográfica, tendo o materialismo
aproximadamente 500 mil estão cur-
histórico-dialético como referencial
1 Inclui curso técnico concomitante e subsequente, integrado ao Ensino Médio Regular, nor-
mal/magistério, integrado à Educação de Jovens e Adultos (EJA) de níveis fundamental e
médio, Projovem Urbano e Formação Inicial e Continuada (FIC) fundamental, médio e con-
comitante.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 419


sando o EMI no Brasil, seja nas redes que uma não sobrevive sem a outra:
federais ou estaduais de ensino do a classe trabalhadora e os donos do
Brasil. capital. Durante o percurso histórico
Mediante esse cenário, constata- do modo de produção capitalista,
mos que o EMI está garantido por lei essas duas classes sempre estiveram
e hoje atende a um número expres- em conflito, sendo que os trabalha-
sivo de estudantes dentro da mo- dores são os mais prejudicados pelo
dalidade de ensino da EP, seja pela fato de não serem detentores do
expansão da rede federal de ensino capital. Para o trabalhador, resta-lhe
técnico, ou pela própria expansão e vender a sua força de trabalho para
oferta nas redes públicas de ensino os donos do capital.
que vem acontecendo desde o início O modo de produção capitalista
da década passada. e o seu desenvolvimento e firma-
Nesse sentido, pretendemos, mento como modo hegemônico de
mesmo que brevemente, discorrer a produção e existência humana pres-
respeito das especificidades do EMI, sionaram – no decorrer do proces-
bem como sua intencionalidade for- so histórico – diversos segmentos e
mativa. Isso se faz necessário, tendo setores da sociedade; um deles foi a
em vista o processo de expansão da Educação. Dentro dessa lógica, cabia
oferta do EMI nas redes de ensino do – e cabe – às instituições de ensino
Brasil. formar trabalhadores para atender
às demandas e necessidades do
O texto encontra-se dividido a mundo produtivo capitalista.
partir da introdução e mais três tópi-
cos, a saber: 1) Ensino Médio Integra- Observamos que as escolas apre-
do: Para quê e para quem?; 2) Os fun- sentam papéis distintos no modo de
damentos que norteiam a proposta produção capitalista. Notamos uma
do EMI; e 3) Considerações finais. escola voltada a atender aos interes-
ses dos filhos dos donos do capital e
outra voltada a formar os trabalha-
2. ENSINO MÉDIO INTEGRADO:
dores para o trabalho manual. Essas
PARA QUEM? duas escolas acentuam a questão da
divisão social do trabalho em manual
Partimos do pressuposto que vi-
e intelectual.
vemos em uma sociedade capitalista
dividida em duas classes sociais em Moura (2013), ao desenvolver

420
uma abordagem sobre a função da de àquelas de EM propedêutico, em
Educação na sociedade capitalista, sua maioria privadas, que têm como
comenta que essa divisão da socie- objetivo formar os filhos da classe
dade fortalece o modo de produção dominante ou dos donos dos meios
capitalista que se baseia na valori- de produção. Em contrapartida, o
zação diferenciada do trabalho inte- segundo grupo de escolas, em sua
lectual e do trabalho manual, do tra-maioria pública, recebe os filhos da
balho complexo e do trabalho dito classe trabalhadora com o intuito de
como simples. ofertar-lhes uma formação também
Kuenzer e Grabowski (2006), por de caráter propedêutica, mas sem o
sua vez, alertam que cada socieda- alto nível de conteúdo do primeiro
de, em cada modo de produção e grupo de escolas apresentadas.
regimes de acumulação, dispõe de Percebemos, no Brasil, que os es-
formas próprias de educação que tudantes filhos da classe dominante
correspondem às demandas de cada estudam nas melhores escolas parti-
grupo e das funções que lhes cabem culares do país, nas quais é ofertada
desempenhar na divisão social e na uma educação de caráter conteudis-
técnica do trabalho. ta, baseada na escola humanista. A
Dito de outra forma, essa separa- essas escolas cabe a função de pre-
ção afeta diretamente a escola, que, parar os filhos da classe dominante
por sua vez, também apresenta um para assumir as melhores vagas das
caráter dual, tendo em vista que a universidades públicas, ou até mes-
mesma se encontra imersa no con- mo, em um movimento mais recen-
texto social do modo de produção te, prepará-los para o Exame Nacio-
capitalista e, apesar de apresentar nal do Ensino Médio (Enem).
forças antagônicas internamente, Por outro lado, a maioria dos jo-
são submissas – mesmo resistindo – vens da classe trabalhadora, ao in-
aos interesses da lógica capitalista. gressarem no EM, deparam-se com
Moura (2013), referindo-se espe- uma realidade diferente da apre-
cificamente ao EM, comenta que, no sentada acima, posto que as escolas
Brasil, existem dois grandes grupos onde eles estão incluídos não pre-
de escolas2. O primeiro correspon- param o sujeito nem para dar pros-

2 Dentro de cada um dos grupos, existem outras subdivisões. Para melhor aprofundamento,
indicamos a leitura do texto de Moura (2013).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 421


seguimento aos estudos nem para o de de proporcionar um caráter for-
mundo do trabalho (MOURA, 2013). mativo para esses milhões de jovens,
Moura (2014), em trabalho que sobretudo da classe trabalhadora, o
desenvolve uma análise a respeito EMI surge como uma proposta pos-
do EM no Brasil, destaca o quantitati- sível para modificar o cenário da du-
vo de jovens que desistem nessa eta- alidade educacional nessa etapa da
pa de ensino, justamente pela neces- educação, tendo como pressupostos
sidade de se inserirem no mundo do a formação humana integral, o tra-
trabalho. Em outras palavras, o autor balho e a pesquisa como princípios
destaca que a extrema desigualdade educativos e o currículo integrado
socioeconômica obriga grande parte para a classe trabalhadora.
dos filhos da classe trabalhadora na-
cional a buscar, muito antes dos 18 3. OS FUNDAMENTOS QUE NOR-
anos de idade, a inserção no mundo TEIAM A PROPOSTA DO EMI
do trabalho, visando complemen-
tar a renda familiar ou a sua manu- Compreendemos que os pressu-
tenção financeira, com baixíssima postos norteadores da proposta do
escolaridade e sem nenhuma quali- EMI são: formação humana integral,
ficação profissional, engordando as trabalho e pesquisa como princípios
fileiras do trabalho simples e contri- educativos e currículo integrado.
buindo fortemente para a manuten- Esses fundamentos, caso materiali-
ção da lógica do capital. zados, são elementos basilares para
garantia da educação de qualidade
Logo, a educação que deveria
socialmente referenciada para a clas-
apresentar um caráter emancipató-
se trabalhadora.
rio, subordina-se aos interesses do
capital e ajuda a manter o desempre- Pensar em uma formação huma-
go estrutural. Ao apresentar uma ca- na integral é refletir primeiramente
racterística sem identidade própria, sobre o trabalho como ação fundan-
o EM no Brasil contribui no sentido te, haja vista que este é elemento
de formar os jovens dessa etapa dis- primordial da existência humana.
tante da realidade do mundo do tra- Ramos (2015) lembra que, além do
balho (KUENZER, 2009). trabalho, mais três elementos devem
ser levados em consideração quan-
Em decorrência dessa falta de
do se fala em formação humana in-
identidade no EM e dessa necessida-
tegral: ciência, tecnologia e cultura.

422
A ciência é a reunião dos conhe- uma centralidade geral e não espe-
cimentos produzidos pela humani- cífica na sociabilidade humana. A
dade em processos mediados pelo tecnologia passou a ter um lugar de
trabalho, pela ação humana, que centralidade em quase todas as práti-
se tornam legitimados socialmente cas sociais, em particular, no proces-
como conhecimentos válidos por- so educativo e de pesquisa. Assim,
que explicam a realidade e possibili- o trabalho como categoria central
tam a intervenção sobre ela. Portan- de produção de saber, bem como a
to, trabalho e ciência formam uma ciência e a tecnologia são indissociá-
unidade, uma vez que o ser humano veis (LIMA FILHO, 2005).
foi produzindo conhecimentos à me- Em consonância com as abor-
dida que interagiu com a realidade, dagens teóricas propostas por Lima
com a natureza e se apropriou dela Filho (2005) e Moura (2007), Demo
para suprir suas próprias necessida- (2006) evidencia, em estudo para-
des (RAMOS, 2015). lelo, que a pesquisa tem um caráter
Outro elemento, que constitui político, ou, como ele prefere cha-
a formação humana integral e que mar, uma atitude política, sem redu-
está relacionada com os dois consti- cionismo e embaralhamento, num
tuintes discutidos anteriormente, é a todo só dialético. Segundo o autor,
tecnologia. Compreendemos, nesta a pesquisa é o processo que deve
produção de dissertação, tecnolo- aparecer em todo trajeto educativo,
gia como a mediação entre ciência como princípio educativo que é, na
(apreensão e desvelamento do real) base de qualquer proposta emanci-
e produção (intervenção no real). De patória.
acordo com Moura (2007), é necessá- Visto isso, o outro constituinte da
rio compreender a tecnologia como formação humana de caráter integral
construção social complexa integra- é a cultura. Esta vem acompanhada
da às relações sociais de produção. de outros dois pressupostos: valores
Portanto, mais que força mate- e normas que orientam os grupos
rial da produção, a tecnologia, cada sociais. Ramos (2015, p. 4) diz que
vez mais indissociável das práticas os “grupos sociais compartilham va-
cotidianas, em seus vários campos/ lores éticos, morais, simbólicos que
diversidades/tempos e espaços, as- organizam a sua ação e a produção
sume uma dimensão sociocultural, estética, artística, etc.”.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 423


Logo, compreendemos que o homem integral, a tornar os proces-
homem é um ser social, que utiliza sos educacionais ações efetivas na
da ação planejada do trabalho para formação para o mundo do traba-
transformar a natureza com intuito lho na visão ampliada, isto é, não a
de suprir suas necessidades. Ao esta- atividade laboral no sentido estrito,
belecer essa relação com a natureza, mas, também, as condições de vida
o homem produz conhecimento, o do trabalhador, com os seus vínculos
qual é repassado para as gerações políticos e culturais (CIAVATTA, 2012).
futuras por meio da cultura. Então, Tal formação deveria apresentar
em seu sentido ontológico, o ho- aspectos de criticidade, de reflexões
mem deveria ser formado em espaço em torno do atual modo de produ-
escolar que pudesse prepará-lo para ção hegemônico. É relevante, na for-
assumir uma postura que proporcio- mação humana, a compreensão não
nasse o entendimento dessa dinâmi- apenas dos fenômenos naturais da
ca sobre o conhecimento. Física, da Química e da Biologia, por
A ideia de formação integral su- exemplo, mas também da história
gere superar o ser humano dividido da sociedade e das contradições do
historicamente pela divisão social do modo de produção capitalista. Isso,
trabalho. Conforme Ciavatta (2012), se trabalhado de forma articulada,
trata-se de ir além do preparo para pode contribuir no sentido de formar
o trabalho operacional, simplificado, os homens a partir de uma perspec-
escoimado dos conhecimentos que tiva crítica, transformadora e eman-
estão na sua gênese científico-tecno- cipatória.
lógica e na sua apropriação histórico- Logo, compreendemos que o EM,
social. Ao contrário disso, busca-se como última etapa da EB, deve ser o
garantir ao estudante o direito a uma espaço de travessia para uma pos-
formação completa para a leitura do sível concretização dessa formação
mundo e para a atuação como cida- humana integral, na qual trabalho,
dão pertencente a um país, integra- ciência, tecnologia e cultura encon-
do dignamente à sociedade política. tram-se presentes, problematizando
Formação que, nesse sentido, supõe a sociedade e ofertando aos jovens
a compreensão das relações sociais uma preparação para o mundo do
subjacentes a todos os fenômenos. trabalho e/ou para dar continuidade
Dessa forma, busca-se resgatar o aos estudos.

424
Essa finalidade se impõe na edu- subordinada às exigências do capital
cação brasileira, especialmente no (TADDEI; DIAS; SILVA, 2015).
EM, pelo caráter dual da educação A proposta apresentada por esta
no país e a correspondente desvalo- pesquisa se contrapõe a esse sentido
rização da cultura do trabalho pelas de formação e de escola. Defende-
elites e pelos segmentos médios da mos uma formação humana integral,
sociedade, tornando a escola refra- na qual, ciência, tecnologia e cultura
tária a essa cultura e suas práticas. sejam os fundamentos de uma for-
Assim, a não ser por uma efetiva re- mação integral. Entendemos que o
forma moral e intelectual da socie- EM articulado à EP, enquanto última
dade, preceitos ideológicos não são etapa da EB, se constitui, a partir da
suficientes para promover o ingresso realidade brasileira, como espaço
da cultura do trabalho nas escolas, mais propício para que essa propos-
nem como contexto e, menos ainda, ta aconteça, justamente por sua pro-
como princípio (CIAVATTA; RAMOS, ximidade com as questões inerentes
2011). ao mundo do trabalho que deveriam
Além da formação humana inte- compor a formação dos jovens e
gral, o trabalho e a pesquisa são con- adultos.
siderados como princípios educati- Sendo assim, o objetivo ético e
vos na proposta de EMI na qual nos político da proposta do EMI e, con-
filiamos. sequentemente do nosso objeto de
É preciso ressaltar que não é dissertação, deveria incentivar que
qualquer forma de trabalho que os trabalhadores voltassem a ter o
pode ser considerada como princí- domínio sobre o conteúdo do pró-
pio educativo. Precisamos esclarecer, prio trabalho e, dessa forma, tives-
antes de expor as bases do trabalho sem melhores condições para en-
como princípio educativo, que, com frentar a contradição entre capital e
efeito, o trabalho que explora, que trabalho, na perspectiva da supera-
aliena, que degrada, que bestializa, ção do modo de produção capitalis-
por óbvio, não pode servir de princí- ta, pela via do aprofundamento de
pio para a construção de um projeto suas contradições internas (MOURA,
de educação emancipatória e trans- LIMA FILHO; SILVA, 2012).
formadora, muito pelo contrário, O trabalho como princípio edu-
porque, dessa forma, a escola ficaria cativo vincula-se, então, à própria

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 425


forma de ser dos seres humanos. Es- Saviani (1989), citado por Frigot-
tes se constituem enquanto parte da to, Ciavatta e Ramos (2015), lembra
natureza dependendo dela para re- que o trabalho pode ser considera-
produzir a vida. É também pela ação do como princípio educativo em três
vital do trabalho que os seres hu- sentidos diversos, mas articulados
manos transformam a natureza em entre si. Num primeiro, o trabalho é
meios de vida. Se essa é uma condi- princípio educativo na medida em
ção imperativa, socializar o princípio que determina, pelo grau de desen-
do trabalho como produtor de valo- volvimento social atingido historica-
res de uso para manter e reproduzir a mente, o modo de ser da educação
vida é crucial e educativo (FRIGOTTO; em seu conjunto. Nesse sentido, aos
CIAVATTA; RAMOS, 2015). modos de produção correspondem
Em meio a isso, ao discorrer a res- modos distintos de educar com uma
peito da relação entre trabalho, edu- correspondente forma dominante
cação e EM, Saviani (2007) relata que, de educação. Em um segundo senti-
na última etapa da EB, ela deveria do, o trabalho é princípio educativo
acontecer de maneira explícita e di- na medida em que coloca exigên-
reta. O autor continua sua argumen- cias específicas que o processo edu-
tação afirmando que, no EM, já não cativo deve preencher, em vista da
basta dominar os elementos básicos participação direta dos membros da
e gerais do conhecimento que resul- sociedade no trabalho socialmente
tam e, ao mesmo tempo, contribuem produtivo. Finalmente, o trabalho
para o processo de trabalho na so- é princípio educativo, num terceiro
ciedade. Trata-se de explicitar como sentido, à medida que determina a
o conhecimento (objeto específico educação como uma modalidade es-
do processo de ensino), isto é, como pecífica e diferenciada de trabalho: o
a ciência, potência espiritual, conver- trabalho pedagógico.
te-se em potência material no pro- Nesse sentido, trabalho e pesqui-
cesso de produção. Tal explicitação sa são considerados princípios edu-
deve envolver o domínio não apenas cativos. Esses princípios influenciam
teórico, mas também prático sobre o diretamente o currículo e a intencio-
modo como o saber se articula com nalidade formativa da escola.
o processo produtivo. Com o intuito de conceituar cur-
rículo, recorremos aos estudos de

426
Santomé (1998). O autor evidencia tureza – discutido ao longo desta
que este, enquanto projeto, pode ser produção. O segundo remete à rea-
compreendido como um guia para lidade concreta. Disso decorre outra
os encarregados de seu desenvol- perspectiva, de ordem epistemológi-
vimento, um instrumento útil para ca, que consiste em compreender o
orientar a prática pedagógica, uma conhecimento como uma produção
ajuda para o professor. Por esta fun- do pensamento pela qual se apreen-
ção, o currículo não pode limitar-se de e se representam as relações que
a enunciar uma série de intenções, constituem e estruturam a realidade
princípios e orientações gerais que, objetiva (RAMOS, 2012).
por excessivamente distantes da re- Dessa forma, entendemos que a
alidade das salas de aula, sejam de proposta de currículo aqui tratada
escassa ou nula ajuda para os profes- abarca muito mais que apenas um
sores. conjunto de diretrizes para o con-
A proposta, em que esta investi- texto das práticas escolares. Defen-
gação se firma, incorpora elemen- demos uma proposta ético-político-
tos das análises de Santomé (1998), formativa, imbuída da concepção de
entretanto vai além, ao definir, de luta de classes, na qual trabalho, ci-
forma mais clara, as finalidades da ência, tecnologia e cultura são indis-
formação: possibilitar às pessoas sociáveis da formação crítica, eman-
compreenderem a realidade para cipatória e transformadora.
além de sua aparência fenomênica, Com relação a isso, Moreira e Silva
buscando transformá-la. Os conte- (2005, p. 7) comentam que o currícu-
údos de ensino não têm fins em si lo é um “artefato social” que expressa
mesmos, eles são conceitos e teorias as múltiplas determinações do con-
que constituem sínteses da apropria- texto em que está sendo trabalhado.
ção histórica da realidade material e Isso significa dizer que o currículo
social pelo homem (RAMOS, 2015). não é neutro, ele tem intenções – po-
Ramos (2015) aponta três pressu- dem ser implícitas ou explícitas – que
postos que deveriam fundamentar vão demonstrar o tipo de sociedade
a organização curricular numa pers- que se tem ou se pretende (com)for-
pectiva integrada: o primeiro deles mar, o tipo de educação que se pre-
é a concepção de homem como ser tende para o sujeito inserido nessa
histórico-social que age sobre a na- sociedade.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 427


Apple (2005, p. 59), ao defender Sendo assim, chegamos a algu-
o currículo enquanto uma política mas considerações relevantes para
ligada à cultura, afirma que “é sem- essa proposta. Se o trabalho, em seu
pre parte de uma tradição seletiva, sentido ontológico, é uma ação de
resultado da seleção de alguém, da transformação humana para suprir
visão de algum grupo acerca do que suas necessidades, como decorrên-
seja conhecimento legítimo. É pro- cia, produz conhecimento e esse é
duto das tensões, conflitos e conces-transmitido para as gerações futuras
através da cultura, nada mais coeren-
sões culturais, políticas e econômicas
que organizam e desorganizam um te que desenvolver um currículo em
povo”. que seus pressupostos norteadores
Nesse encaminhamento teórico, se constituam enquanto elementos
percebemos que a educação veicu- empíricos, ou seja, da própria reali-
lada na escola, por meio do seu cur- dade.
rículo, ou reproduz as desigualdades Dessa forma, o currículo integra-
da sociedade em que vivemos ou se do poderia organizar o conhecimen-
coloca como instrumento que per- to e desenvolver o processo de ensi-
mita fazer a crítica das forças que no e aprendizagem de forma que os
perpetuam essas desigualdades. conceitos fossem apreendidos como
Pode, pois, ser locus de manutenção sistema de relações de uma totalida-
ou de transformação. de concreta que se pretende expli-
Constituir um currículo nessa car/compreender. Essa concepção
perspectiva é compreender que isso compreende que os componentes
exige um método, que parte do con- curriculares são responsáveis por
creto, do empírico e, mediante a de- permitir apreender os conhecimen-
terminação mais precisa através da tos já construídos em sua especifici-
análise, chega a relações gerais que dade conceitual e histórica; ou seja,
são determinações mais precisas da como as determinações mais parti-
realidade concreta (RAMOS, 2012). culares dos fenômenos que, relacio-
Ou seja, o currículo, mediante essa nadas entre si, permitem compreen-
proposta, deve ser pensando a partir dê-los (RAMOS, 2012).
de uma situação concreta, real, em- Com relação ao papel das disci-
pírica. plinas escolares, Morin (2015) acre-
dita que elas ajudaram no avanço do

428
conhecimento e, por isso, são insubs- como econômica, produtiva, social,
tituíveis. Na visão dele, o que existepolítica, cultural e técnica. Os concei-
entre esses componentes do currí- tos, enquanto força impulsionadora
culo é invisível e as conexões entre para esse estudo, revertem-se em
elas – as disciplinas – também são conteúdos de ensino sistematiza-
invisíveis. No entanto isso não sig- dos nas diferentes áreas de conhe-
nifica que seja necessário conhecer cimentos e suas disciplinas. Por esse
somente uma parte da realidade, é caminho, percebemos que conhe-
preciso, sim, ter uma visão que possa cimentos gerais e conhecimentos
situar o conjunto. profissionais – o caso da formação
O que se pretende evidenciar até no EMI – somente se distinguem me-
aqui é a necessidade de refletirmos todologicamente e em suas finalida-
sobre o papel das múltiplas relações des situadas historicamente; todavia,
na constituição dos conceitos e das epistemologicamente, esses conhe-
teorias na organização dos compo- cimentos formam uma rede de signi-
nentes curriculares, bem como no ficados e relações (RAMOS, 2012).
processo de ensino e aprendizagem. É importante ressaltar que a inte-
No tocante a isso, evidenciamos que gração de componentes curriculares
os componentes – Língua Portugue- considerados de formação geral e de
sa, Matemática, Química, Geografia, formação específica – leia-se: volta-
Biologia, entre outras – apresentam dos para a futura profissão –, ao lon-
papel fundamental para que possa- go do curso, exige uma relação entre
mos compreender os aspectos em- esses conhecimentos que seja cons-
píricos da realidade. Entretanto eles truída continuamente ao longo da
não podem ser vistos de forma dis- formação, e não de forma dissociada
sociada ao estudar um objeto – por e desarticulada.
exemplo, o aquecimento global –, A interdisciplinaridade, como
precisam ser efetivados a partir das fundamento pedagógico, é a recons-
múltiplas relações de seus consti- tituição da totalidade pela relação
tuintes, considerando-se os demais entre os conceitos originados a par-
elementos das outras disciplinas. tir de distintos recortes da realidade;
Sob esse prisma, um processo de isto é, dos diversos campos da ciên-
produção, como parte de uma reali- cia representados em componentes
dade mais completa, pode ser estu- curriculares. Esse processo de inte-
dado em múltiplas dimensões, tais gração entre várias disciplinas e cam-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 429


pos de conhecimentos tem como tam o EMI, podem contribuir para
objetivo possibilitar a compreensão uma formação com um caráter críti-
do significado dos conceitos, das ra- co, transformador e emancipatório,
zões e dos métodos pelos quais se no qual são ofertadas às possibilida-
pode conhecer o real e apropriá-lo des de os estudantes construírem os
em seu potencial para o ser humano próprios conhecimentos acerca da
(RAMOS, 2011). natureza e de uma futura profissão.
O currículo integrado, elaborado
sobre essas bases, não hierarquiza os 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
conhecimentos nem os respectivos
Propulsemo-nos, no presente ar-
campos das ciências, mas os proble-
tigo, a discorrer a respeito dos fun-
matiza em suas historicidades, rela-
damentos e das intencionalidades
ções e contradições (RAMOS, 2011).
formativas do EMI. Em um primeiro
Ramos (2012) lembra que esses momento, vimos que a oferta e o
saberes científicos, técnicos e ope- desenvolvimento do EMI são garan-
racionais que estão na base dos fe- tidos por lei (LDBEN nº 9.9394/1996),
nômenos naturais e das relações so- bem como apresentamos os dados
ciais, e que se constituem em objetos do último censo escolar nele se evi-
de ensino das diferentes áreas do dencia um índice considerável de
conhecimento, devem se organizar matrículas na EP, tendo em vista a
em programas escolares consideran- grande diversidade de modalidades
do que um corpo de conhecimento de oferta nessa modalidade de ensi-
obedece às próprias regras internas no.
de estruturação. Essas regras são fle-
Nesse sentido, pesquisas volta-
xibilizadas e atendem às necessida-
das para discutir e analisar o EMI ca-
des e interesses da realidade social,
recem de maior atenção no cenário
política e cultural, nos quais a pro-
brasileiro, sobretudo quando vol-
posta da disciplina é construída.
tadas à discussão dos pressupostos
Nesse sentido, a formação huma- norteadores dessa proposta, tendo
na integral, o trabalho e a pesquisa em vista que a compreensão desses
como princípios educativos e o currí- fundamentos pode levar a uma for-
culo integrado materializado, a partir mação que convirja com os interes-
da interdisciplinaridade e do traba- ses da classe trabalhadora.
lho pedagógico das escolas que ofer-

430
No decorrer do texto vimos que o Para alcançarmos tal intento, é
modo de produção capitalista gerou necessária uma profunda reorgani-
uma dualidade estrutural na escola, zação do nosso sistema de ensino,
sobretudo na última etapa da EB, ou o que perpassa, primeiramente, por
seja, no EM. No Brasil, essa perspecti- investimentos em educação assegu-
va é bastante preponderante, tendo rados a partir de políticas públicas de
em vista que um número restrito da Estado.
população tem acesso a uma educa- Sendo assim, ressaltamos que
ção de caráter propedêutico e que a garantia da oferta do EMI não ga-
prepara para o ensino superior, en- rante a efetividade dos fundamentos
quanto um grande número de pes- norteadores da proposta que locali-
soas abandona a escola pela neces- zamos na literatura especializada.
sidade de trabalhar.
A efetivação da proposta do EMI
Nesse sentido, o EMI surge como tem a formação humana integral, o
alternativa viável para os jovens da trabalho e pesquisa como princípios
classe trabalhadora, uma vez que, educativo. Já o currículo integrado
em suas bases epistemológicas, tem perpassa algumas dimensões. Pode-
o intuito de resgatar a formação hu- mos citar três delas, mas não resumi-
mana integral, o trabalho e a pes- remos apenas a elas.
quisa como princípios educativos e
o currículo integrado. Além de uma Uma primeira dimensão é a pro-
formação que proporcione ao estu- dução acadêmica a respeito do tema.
dante o domínio do conteúdo his- O EMI carece de maiores discussões
toricamente construído pela huma- teóricas e, principalmente, trabalhos
nidade, o EMI deve possibilitar uma acadêmicos empíricos que ressaltem
formação técnica, com um caráter o que venho sendo desenvolvido no
crítico e emancipatório. EMI. Uma segunda dimensão diz res-
peito à adesão e unidade das escolas
Estamos nos referindo, portanto, que ofertam ao EMI a formação hu-
a uma proposta de ensino que tem, mana integral, o trabalho e pesquisa
em suas bases, um caráter crítico e como princípios educativos e o cur-
transformador, que visa incluir sujei- rículo integrado. Uma última dimen-
tos problematizadores no contexto são perpassa a formação inicial e
das contradições internas do modo continuada de professores para atuar
de produção capitalista. em consonância com essa proposta.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 431


Acreditamos que a última dimensão construção de um projeto para os
elencada se mostra como uma das que vivem do trabalho. Perspectiva,
mais desafiadoras, tendo em vista a Florianópolis, v. 24, n. 1, p.298-318,
ausência de políticas públicas volta- jan. 2006.
das para tal finalidade.
______. Ensino médio e profissio-
nal: as políticas do estado neoliberal.
REFERÊNCIAS
4. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
APPLE, M. A política do conhecimen-
LIMA FILHO, D. L.; A universidade tec-
to oficial: faz sentido a ideia de um
nológica e sua relação com o ensino
currículo nacional? In: MOREIRA, A.
médio e a educação superior: discu-
F.; SILVA, T. T. (Org.). Currículo, Cultu-
tindo a identidade e o futuro dos CE-
ra e Sociedade. Tradução de Maria
FETs. Perspectiva, Revista do Centro
Aparecida Baptista. 8. ed. São Paulo:
de Ciências da Educação da UFSC,
Cortez,2005. p. 59.
Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 349-380,
CIAVATTA, M. A formação integrada: 2005.
a escolar e o trabalho como luga-
MEC. Censo Escolar da Edu-
res de memória e de identidade. In:
cação Básica. Disponível em:
FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M; RAMOS,
<http://download.inep.gov.br/
M. (Org.). Ensino Médio Integrado:
educacao_basica/censo_escolar/
Concepção e Contradições. 3. ed. São
notas_estatisticas/2017/notas_
Paulo: Cortez, 2012. p. 83-107.
estatisticas_censo_escolar_da_edu-
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M; RAMOS, cacao_basica_2016.pdf>. Acesso
M. O trabalho como princípio edu- em: 7 ago. 2017.
cativo no projeto de educação in-
MOURA, D. H. A função social da rede
tegral de trabalhadores: excertos.
federal de educação profissional e
Disponível em: <http://redeesco-
tecnológica na educação brasileira.
ladegoverno.fdrh.rs.gov.br/uploa-
Tecnologia & Desenvolvimento
d/1392215839_O TRABALHO COMO
Sustentável, v. 1, p. 3-23, 2007.
PRINCÍPIO EDUCATIVO NO PROJETO.
pdf>. Acesso em: 17 out. 2015. MOURA, D. H.; LIMA FILHO, D. L.;
SILVA, M. R. Politecnia e formação
KUENZER, A; GRABOWSKI, G. Edu-
integrada: confrontos conceituais,
cação Profissional: desafios para a
projetos políticos e contradições his-

432
tóricas da educação brasileira. In: 35ª RAMOS, M. O currículo para o ensino
REUNIÃO ANUAL DA ANPED – ASSO- médio em suas diferentes modalida-
CIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADU- des: concepções, propostas e proble-
AÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO. mas. Educação e Sociedade, Campi-
35. 2012, Porto de Galinhas. Anais... nas, v. 32, n. 116, p.771-788, jul. 2011.
Porto de Galinhas: Anped, 2012. p. 1
- 41. ______. Possibilidades e desafios na
organização do currículo integrado.
______. Mudanças na sociedade bra- In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
sileira dos anos 2000 limitadas pela MOS, M. (Org.). Ensino Médio Inte-
hegemonia do neoliberalismo: impli- grado: Concepção e Contradições. 3.
cações para o trabalho e para a edu- ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 107-
cação. In: MOURA, Dante Henrique 129.
(Org.). Produção de Conhecimento,
Políticas Públicas e Formação Do- ______. Concepção do ensino
cente em Educação Profissional. médio integrado. Disponível em:
Campinas: Mercado de Letras, 2013. <http://www.iiep.org.br/curricu-
p. 109-14. lo_integrado.pdf>. Acesso em: 8 out.
2015.
______. Trabalho e formação do-
cente na educação profissional. SANTOMÉ, J. Globalização e inter-
Curitiba: IFPR, 2014. disciplinaridade: o currículo inte-
grado. Porto Alegre: Artes Médicas,
MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. Sociologia 1998.
e teoria crítica do currículo: uma in-
trodução. In: MOREIRA, Antonio Flá- TADDEI, P. E. D; DIAS. V. G.; SILVA, A.
vio; SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Currí- W. P. Considerações sobre o trabalho
culo, cultura e sociedade. Tradução como princípio educativo e a educa-
de Maria Aparecida Baptista. 8. ed. ção como instrumento de resistência
São Paulo: Cortez, 2005. e emancipação. Trabalho Necessá-
rio, Niterói, v. 19, n. 12, p. 8-25, jan.
MORIN, E. Os sete saberes necessá- 2014.
rios à educação do futuro. Dispo-
nível em: <http://portal.mec.gov.br/
seb/arquivos/pdf/EdgarMorin.pdf>.
Acesso em: 29 out. 2015.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 433


CURRÍCULO INTEGRADO: OS DISTANCIAMENTOS
ENTRE A COMPREENSÃO DO ALUNO E A
CONSOLIDAÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR
Paula Reis de Miranda 1, Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca 2'
1
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Sudeste de
Minas Gerais – IF Sudeste MG
2
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
E-mail: paula.reis@ifsudestemg.edu.br; mcfrfon@gmail.com

1. O CURRÍCULO INTEGRADO do Ensino Médio aos cursos técnicos,


houve o desmembramento da Secre-
A revogação do Decreto nº 2208, taria de Educação Média e Tecnológi-
de 19 de abril de 1997 (BRASIL, 1997), ca (Semtec). Assim, enquanto a inte-
por meio do Decreto nº 5.154, de 23 gração era proposta pelo plano legal
de julho de 2004 (BRASIL, 2004), pos- via decreto, a estrutura organizacio-
sibilitou a oferta de Ensino Médio In- nal que seria responsável por tal in-
tegrado (EMI) ao Ensino Técnico pela tegração estava sendo desmembra-
rede federal com uma única matrícu- da em Secretaria de Educação Básica
la e uma única certificação em todo (SEB) e Secretaria de Educação Pro-
o país, porém o decreto, também, fissional e Tecnológica – Setec (MOU-
permitiu às instituições de ensino RA, 2010).
profissional a continuidade de oferta
Os documentos nacionais afir-
de cursos concomitantes1 e subse-
mam:
quentes2.
A ideia de formação integrada su-
É interessante relembrar que, no gere superar o ser humano dividido
mesmo período em que o Decreto nº historicamente pela divisão técnica
do trabalho entre a ação de execu-
5.154/2004 possibilitou a integração

1 Nos cursos técnicos concomitantes, o aluno possui duas matrículas distintas: uma no curso
técnico e outra no Ensino Médio, sendo que, ao final do curso, ele receberá duas certifica-
ções, uma referente a cada matrícula. O aluno poderá cursar o ensino técnico e o ensino
médio em uma mesma instituição ou em instituições distintas.
2 Nos cursos técnicos subsequentes, o aluno, ao matricular-se, deverá apresentar o históri-
co de conclusão do Ensino Médio. Em algumas instituições, esse tipo de curso é nomeado
como “curso pós-médio”.

434
tar e a ação de pesar, dirigir, plane- (2010), com essa mesma perspectiva,
jar. Trata-se de superar a redução da
destacam que o caminho até a edu-
preparação para o trabalho ao seu
aspecto operacional, simplificado, cação integral foi trilhado na busca
escoimado dos conhecimentos que de superação de “dicotomias e dua-
estão na sua gênese científico-tec-
lidades” historicamente instituídas
nológica e na sua apropriação his-
tórico social. Como formação hu- no Brasil, devido à separação entre
mana, o que se busca é garantir ao teoria e prática, entre o ensino para
adolescente, ao jovem e ao adulto
classes sociais, entre o intelectual e o
trabalhador o direito a uma forma-
ção completa para a leitura do mun- profissional.
do e para a atuação como cidadão
pertencente a um País, integrado A superação dessa formação visa
dignamente à sua sociedade políti- a uma formação técnica, intelectual,
ca (BRASIL, 2007, p. 41). cultural e política, no intuito de for-
mar não apenas trabalhadores, mas
A proposta da integração surge sujeitos capazes de atuar no mundo
no processo histórico de luta da clas- do trabalho de forma crítica, ativa e
se trabalhadora contra a formação comprometida com a transformação
para o mercado até então determi- da sociedade. Frigotto (2005, p. 74)
nada pela sociedade capitalista: destaca que, para que essa proposta
A formação integrada entre ensi-
realmente aconteça, é fundamen-
no geral e educação profissional tal desenvolver os fundamentos das
ou técnica (educação politécnica, diferentes ciências, facultando aos
ou talvez tecnológica) exige que
se busquem os alicerces do pensa-
estudantes a “capacidade analítica
mento e da produção da vida além tanto dos processos técnicos que en-
das práticas de educação profis- gendram o sistema produtivo quan-
sional e das teorias da educação
propedêutica que treinam para o
to das relações sociais”.
vestibular. Ambas as práticas, ope- Todavia Ramos (2005) ressalta
racionais e mecanicistas e não de
formação humana no seu sentido que é preciso ultrapassar algumas
pleno (CIAVATTA, 2005, p. 94). práticas da educação globalizada
como o currículo por competências
e a fragmentação dos conteúdos:
Também para Ciavatta (2005), a
Sob essa perspectiva [da integra-
ideia de “formação integrada” sugere
ção], os conteúdos de ensino não
a superação do ser humano dividido têm fins em si mesmos nem se li-
historicamente pela divisão social do mitam a insumos para o desenvol-
vimento de competências. Os con-
trabalho. Castro, Machado e Vitorette
teúdos de ensino são conceitos e

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 435


teorias que constituem sínteses da fissionais somente se distinguem
apropriação histórica da realidade
metodologicamente e em suas fi-
material e social do homem (RA-
MOS, 2005, p. 114). nalidades situadas historicamente.
Epistemologicamente, porém, esses
conhecimentos formam uma uni-
De acordo com Viriato e Favoret-
dade”. O currículo integrado permi-
to (2012, p. 29), o currículo integrado
tiria, desse modo, a organização do
transcende “o domínio do conhe-
conhecimento e o desenvolvimento
cimento historicamente produzido
do processo ensino aprendizagem
pela humanidade” quando deixa de
“de forma que os conceitos sejam
estar apenas nos documentos legais
apreendidos como sistemas de rela-
e passa a integrar os conteúdos es-
ções de uma totalidade concreta que
colares, permitindo a compreensão
se pretende explicar/compreender”
crítica do conhecimento e de sua or-
(RAMOS, 2005, p. 116).
ganização, sistematização e reprodu-
ção. Essa proposta de transcendência Castro, Machado e Vitorette
vai ao encontro do conceito de inte- (2010, p. 155) chamam a nossa aten-
gração proposto por Maria Ciavatta: ção para o desafio de uma “educa-
Remetemos o termo [integrar] ao
ção que busca o desenvolvimento
seu sentido de completude, de integral – ou por inteiro – de todas
compreensão das partes no seu as potencialidades humanas”, o que
todo ou da unidade no diverso, de
tratar a educação como uma totali-
implica a “livre e plena expansão das
dade social, isto é, nas múltiplas me- dimensões intelectuais, afetivas, es-
diações históricas que concretizam téticas e físicas do homem”, não de
os processos educativos [...]. Signifi-
ca que buscamos enfocar o trabalho
forma isolada de sua história, mas
como princípio educativo, no senti- “como componente histórico e con-
do de superar a dicotomia trabalho tra-hegemônico, que visa à integra-
manual/ trabalho intelectual, de in-
corporar a dimensão intelectual ao
ção do homem na produção da vida”
trabalho produtivo, de formar tra- (CASTRO; MACHADO; VITORETTE,
balhadores capazes de atuar como 2010). Um caminho proposto por
dirigentes e cidadãos (CIAVATTA,
2005, p. 84).
Ramos (2005) para essa integração
seria a apropriação da interdiscipli-
naridade como método.
Nessa perspectiva, Ramos (2005,
Na visão de Baracho et al. (2006),
p. 120) considera que “conhecimen-
alguns princípios, também conside-
tos gerais e conhecimentos pro-

436
rados eixos articuladores, são peças zir-se e reproduzir-se por sua ação
fundamentais para a organização de consciente. Não podemos descon-
propostas curriculares do currículo siderar que é, por meio do trabalho,
integrado: compreender homens e que os seres humanos, desde sua in-
mulheres como seres históricos so- fância, socializam suas experiências
ciais, o trabalho como princípio edu- quer para suprir suas necessidades fi-
cativo, a pesquisa como princípio siológicas e/ou biológicas, quer para
educativo para a construção da au- suprir suas necessidades sociais.
tonomia intelectual do educando, a Se se pretende, porém, assumir
realidade concreta como totalidade, a pesquisa como princípio da inte-
síntese das múltiplas relações e a in- gração, a disposição investigativa
terdisciplinaridade, a contextualiza- deve ser “intrínseca ao ensino desde
ção e a flexibilidade. a educação básica e estar orientada
Entretanto, para compreender ao estudo e à busca de soluções para
homens e mulheres como seres his- questões práticas do dia a dia do
tórico-sociais, torna-se imprescindí- meio em que vive o estudante” (BA-
vel considerar os educandos como RACHO; SILVA; PEREIRA, 2007, p. 4).
“seres capazes de transformar a reali- Por isso, é preciso ter sempre em
dade, seres que buscam autonomia, perspectiva a necessidade de tomar a
auto-realização e emancipação atra- realidade concreta como totalidade,
vés de sua participação responsável o que significa concebê-la como “um
e crítica nas esferas sócio-econômi- todo dialético e estruturado, produ-
co-políticas” (BARACHO et al., 2006, zido por um conjunto de fatos que
p. 26). se inter-relacionam e que podem ser
É com essa concepção dos sujei- compreendidos, mas não predeter-
tos que se pode tomar o trabalho – minados ou previstos”. Esse eixo, pro-
um dever e um direito (FRIGOTTO, posto por Baracho et al. (2006) está,
2005) – como princípio educativo, portanto, diretamente relacionado
pois, se todos devem colaborar na com os dois eixos anteriormente
produção de bens culturais, mate- apresentados, o trabalho e a pesqui-
riais e simbólicos, imprescindíveis à sa como princípios educativos, pois
vida, o ser humano tem o direito de possibilitaria ao estudante desenvol-
se constituir como um ser da nature- ver a capacidade de compreensão
za, capaz de transformar-se, produ- do conhecimento globalizado.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 437


O último eixo proposto também Moura (2010, p. 2) recomenda
contribui para essa compreensão, uma proposta de integração que im-
pois a interdisciplinaridade, a con- plique “a superação da dualidade tra-
textualização e a flexibilidade impli- balho manual e trabalho intelectual e
cam traduzir os conhecimentos atra- entre cultura geral e cultura técnica”
vés de uma abordagem articulada e por meio da “construção de um ensi-
integrada, que propicie relacionar o no médio politécnico ou tecnológico
conteúdo escolar com as experiên- unitário e universal, sem, no entanto,
cias do passado e do presente de es- voltar-se para a formação profissio-
tudantes e educadores e possibilite nal stricto sensu” (MOURA, 2010, p. 2).
mudanças, teorizações e auto-orga- Nessa proposta, o que se pretende
nizações do processo educativo (SIL- é promover o domínio dos funda-
VA; TACCONI, 2013). mentos das técnicas diversificadas
Na última década, algumas insti- utilizadas na produção, e não o ades-
tuições (IFRN, IFES, UFG, UFMG, UFRJ, tramento funcional, possibilitando
UTFPR, etc.) têm dedicado parte de a formação de politécnicos no lugar
suas pesquisas a estudar o currículo de técnicos especializados em técni-
integrado, mas a articulação entre cas produtivas (FRIGOTTO, CIAVATTA;
as disciplinas e a integração teoria RAMOS, 2005). Assim, a proposta pri-
e prática, que estão no cerne dessa vilegiaria uma formação visando ao
proposta, ainda se encontram um desenvolvimento multilateral, poli-
tanto distantes do desenvolvimento técnico no sentido de “abarcar todos
de muitos cursos. Torna-se impor- os ângulos da prática produtiva” (SA-
tante assumirmos, enquanto edu- VIANI, 2003, p. 140), possibilitando
cadores, o desafio da integração e que o estudante domine os “princí-
vislumbrarmos “a importância do pios que estão na base da organiza-
currículo como possibilidade de luta ção da produção moderna” (SAVIANI,
pela hegemonia da classe trabalha- 2003, p. 140).
dora diante do discurso neoliberal Analisando as possibilidades de
que, reiteradamente, procura sua desenvolvimento da formação inte-
consolidação/legitimação no campo grada, Marise Ramos apresenta três
educacional” (VIRIATO; FAVORETTO, possíveis contextos para o Ensino
2012, p. 35). Médio integrado conforme a base
unitária trabalho, ciência e tecnolo-
gia e cultura. Trata-se de

438
uma que considere o trabalho como 2. CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA
contexto de formação, daí resultan-
do o ensino médio integrado aos
cursos técnicos de nível médio; ou- Neste relato de experiência, bus-
tra que considere ciência e tecno- camos apresentar e discutir uma si-
logia como contexto de formação, tuação de sala de aula ocorrida no
resultando em iniciação científica
e tecnológica; e uma terceira que ano de 2015, durante a aula de Ma-
considere a cultura como contexto temática, de uma turma de Técnico
de formação, resultando na amplia- em Agente Comunitário de Saúde in-
ção da formação cultural (RAMOS,
2008 apud MOURA, 2010, p. 11). tegrado ao Ensino Médio, na moda-
lidade Proeja do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do
Ainda nesse sentido, Moura Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste
(2010, p. 5) ressalta que não podemos MG). Não discutiremos os princípios,
perder as “construções conceituais as concepções e a história do Proeja3,
e as práticas pedagógicas” que são visto que nosso foco aqui é a propo-
forjadas no Ensino Médio Integrado, sição do currículo integrado.
pois poderão ser estratégicas no de-
A turma era composta por 17 es-
senvolvimento de um Ensino Médio
tudantes, sendo apenas 2 do sexo
Integrado não profissionalizante,
masculino e a coleta de material
favorecendo a integração entre a
empírico contou com registro das in-
educação profissional e a educação
terações que aconteciam na sala de
básica, em seu sentido politécnico e
aula e nos demais espaços de forma-
tecnológico.
ção em diário de campo, gravação
em áudio e vídeo.

Alunas e alunos do Proeja e a integração do currículo

Noite de quarta-feira, 5 de junho de 2013, aula de Mate-


mática. O professor Romaro iniciou a aula repassando orien-
tações sobre o trabalho a ser apresentado no dia 10 de junho,

3 Para os interessados, sugiro a leitura da tese “O PROEJA vai fazer falta”: uma análise de
diferentes projetos educativos a partir dos discursos de estudantes nas aulas de Matemá-
tica, disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/
BUBD-A7VPWU/paulamirandatesecorrigidafinalcomfichacatalografica.pdf?sequence=1>.
Acesso em: jan. 2016

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 439


conversou com os alunos sobre os conteúdos a serem traba-
lhados na próxima etapa do curso e iniciou a explanação sobre
o tema da aula: Medidas de Dispersão.
O professor explicou medidas de dispersão, definiu vari-
ância e passou o seguinte exemplo no quadro para os alunos
anotarem. Enquanto anotavam e discutiam as formas de re-
solver a questão, uma das estudantes questionou a intenção
do professor em comparar notas de estudantes de diferentes
turmas sem conhecer os estudantes e suas idades.
Jaqueline: É porque pessoas mais velhas têm dificuldade
[os demais alunos riem].
Marcelle: Depende...
Jaqueline: É uê ...
Marcelle: Mas têm pessoas mais novas que têm dificuldade
também [a aluna Lêda ri].
Jaqueline: Gente mais nova com a cabeça fresca... [a aluna
Maria de Fátima ri].
Marcelle: Tem gente que tem dificuldade de aprender, uê?
Jaqueline: Aquele negócio na cabeça, lá... [estrala os de-
dos]... que a professora explicou... Como chama?
Robertt: Neurônio?
Jaqueline: Não...Ventrix ... Aquilo que a professora de Bio-
logia explicou... esqueci o nome... Abafa o caso [os demais alu-
nos riem].
Jaqueline: Aquilo que a professora de Biologia explicou...
passou nos slides...
Lêda: O tal de azinho, azão, bezinho, bezão... Só penso nis-
so... [todos os alunos riem].
Professor Romaro: Pessoal [virando de frente para os alu-
nos], vamos lá. O que foi?
Marcelle: Só a Lêda... [risos]... Essa Lêda não existe não.
Professor: O que foi, Lêda?

440
Jaqueline: A Lêda falando de Biologia: azinho, azão...
Professor Romaro: Ah...sim! A genética, né? Muito bem
pensado. Vocês verão que lá trabalha o quê? Já chegaram na
parte de porcentagem?
Alunos: Ah sim...
Professor Romaro: Vinte e cinco por cento...
Angélica: Biologia é Matemática. Química hoje teve Mate-
mática.
O professor chama a atenção da turma para a tabela escrita
no quadro e retoma a resolução do exercício.

Após o comentário de Marcelle unicamente à porcentagem (expres-


sobre a preocupação da colega Lêda são de proporcionalidade que é usa-
com os estudos de Biologia (Lêda fa- da em diversos campos) denuncia
lando de biologia: azinho, azão...), o a fragilidade de seu conhecimento
professor de Matemática se insere no sobre possibilidades de interação da
diálogo e, reconhecendo o conteúdo Matemática com outras disciplinas
de Biologia pela referência informal a do currículo escolar.
procedimentos de estabelecimento O estudo de Silva Júnior e Gazire
de possibilidade de genótipos (azi- (2009) expõe diversas possibilida-
nho, azão, bezinho, bezão; Ah...sim! A des de diálogo e articulações entre
genética, né?), tenta relacionar o con-vários assuntos das disciplinas de
teúdo de Biologia com a Matemática Biologia e Matemática. Em estudo
estudada no curso (Vocês verão que lá específico com o tema genética, os
trabalha o quê? Já chegaram na parte autores apontam outras possíveis ar-
de porcentagem?). ticulações, sugerindo abordagens in-
Com efeito, o tratamento con- tegradas com temas matemáticos ou
ferido aos estudos de Genética no como aplicação desses. Eles citam,
Ensino Médio mobiliza diversos co- para isso, vários conteúdos matemá-
nhecimentos matemáticos e se apoia ticos que estão envolvidos no trata-
neles, especialmente àqueles relacio- mento da Genética com intenções
nados à análise combinatória. Entre- explicativas ou preditivas.
tanto a referência que o professor faz

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 441


Análise combinatória: apresentação A esse respeito, Lopes e Mace-
de dados sob forma de diagrama de
do (2011) chamam a atenção para a
árvores; trabalho a partir de combi-
nações com repetição de elementos; importância dos esforços de estabe-
Probabilidade: espaços amostrais; lecimento de uma perspectiva inter-
cálculos de probabilidades simples,
disciplinar como um primeiro passo,
de eventos mutuamente exclusivos,
eventos complementares, de pro- necessário, mas não suficiente, para
babilidade condicional; Determina- a proposição do currículo integrado,
ção de espações amostrais sujeitos
pois
a condições dadas; princípio multi-
plicativo e produto de probabilida- é possível afirmar que a perspectiva
des; Estatística; Porcentagem; Binô- integrada de tais enfoques curricu-
mio de Newton; Triângulo de Pascal; lares permanece hoje na concepção
Frequência; Aplicações de função de interdisciplinaridade. Na medida
afim e estudo de proporções (SILVA em que as disciplinas escolares têm
JÚNIOR; GAZIRE, 2009, p. 23). suas fontes de organização situadas
no conhecimento de referência, é
também a partir do conhecimento
Para analisar potencialidades de de referência que é pensada a inte-
gração. Trata-se de uma concepção
integração entre as disciplinas de de currículo integrado que valoriza
Matemática e Biologia no curso de as disciplinas individuais e suas in-
ACS-Proeja, recorremos ao programa ter-relações (LOPES; MACEDO, 2011,
p. 131).
analítico da disciplina de Matemáti-
ca. Ali encontramos o tema probabi-
lidade proposto para ser contempla- As autoras destacam que a inte-
do no último semestre do curso, ao gração entre conhecimentos esco-
passo que o tema genética é traba- lares já está em discussão desde o
lhado durante o penúltimo semestre. século passado, tendo sido propos-
Essa verificação pontual é, porém, ta por Kilpatrick em 1918 e sendo
mais um flagrante das dificuldades defendida por defensores expoen-
de implementação de um currículo tes como Hilton Japiassu (1976),
integrado entre a formação geral e a Ivani Fazenda (1995) e Hernandez
formação profissional, quando nem e Ventura (1998), referenciados em
mesmo as disciplinas de formação diferentes tendências. Essa mesma
geral conseguem estabelecer um es- preocupação continua inspirando
paço e uma dinâmica consistente de trabalhos da educação matemática
diálogo e integração curricular pelo e da educação profissional, como
menos no que diz respeito à articula- os de Tomaz e David (2005), Ramos
ção dos temas. (2005), Frigotto, Ciavatta e Ramos

442
(2005), Kuenzer (2005), entre outros, articulados" (LOPES; MACEDO, 2011,
ainda que desenvolvidos sob pers- p. 134). A partir dessa compreensão,
pectivas diversas. O vasto interesse as alunas reafirmam a proposição do
pela integração permeia, também, professor acerca do envolvimento da
os discursos tecnicistas com a preo- Matemática com outras áreas do co-
cupação de que o estudante tenha nhecimento (Ah... sim! A genética, né?
acesso a “uma visão cada vez mais Muito bem pensado. Vocês verão que
unificada” do conhecimento, permi- lá trabalha o quê? Já chegaram na
tindo-lhe aplicá-lo em muitas situa- parte de porcentagem?), mencionan-
ções de sua vida cotidiana “de forma do outras possibilidades de articula-
que haja uma unidade cada vez mais ção vivenciadas em sua experiência
integrada em seus pontos de vistas, escolar (Biologia é Matemática. Quí-
aptidões e atitudes” (TYLER, 1978, p. mica hoje teve Matemática).
78-79). A integração potencial, mas
Lopes e Macedo (2011), ao ana- nem sempre oportunizada na sala
lisarem o estudo de Ivani Fazenda de aula, é reconhecida pelos alunos
sobre interdisciplinaridade (1995), e relaciona-se à proposta pedagó-
asseveram que “integrar via interdis- gica que se coloca em prática e aos
ciplinaridade significa alcançar um modos como se organiza a forma-
nível de profundidade, ao mesmo ção ofertada nos diferentes níveis e
tempo ampla e sintética, capaz de fa- instâncias de decisão nesse curso de
zer emergir potencialidades ocultas Proeja (distribuição dos tempos, defi-
nos alunos” (LOPES; MACEDO, 2011, nição de currículo, regime de ofertas,
p. 134). preparação dos professores, apoio
No episódio que analisamos, pedagógico institucional, elabora-
mesmo a frágil proposta de integra- ção e apropriação dos documentos
ção, enunciada pelo professor, e os que regem o curso).
momentos efêmeros em que ela é Mesmo tomando por base uma
vivenciada pelos estudantes no cur- perspectiva tecnicista, vale o alerta
rículo do curso alimentam, nos alu- sobre as dificuldades de se conseguir
nos do Proeja, uma compreensão a integração se a organização curri-
de que “uma dada disciplina escolar cular é composta de muitas partes
incorpora objetivos de formas de co- – no caso desse curso, são 31 discipli-
nhecimento diversas, genuinamente nas para dois anos de curso.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 443


Do ponto de vista da consecução de Desse modo, nessa empreitada
uma boa organização, todo arranjo
de efetivação do currículo integrado
estrutural que propicie blocos maio-
res de tempo para se proceder ao e da perspectiva de formação inter-
planejamento leva vantagem à or- disciplinar, o professor também é um
ganização estrutural que fragmenta
nível de decisão da implantação des-
o tempo total em muitas unidades
específicas, cada uma das quais sa política curricular, pois ele pode
deve incluir, em seu planejamento, minorar ou efetivar os efeitos dessa
algumas espécies de transição, bem
política por meio da sua prática. Es-
assim como a consideração do tra-
balho que se está realizando nas ou- tamos no território das práticas, pois,
tras unidades (TYLER, 1978, p. 93). “na relação entre professor e aluno,
o trabalho interdisciplinar exige um
Hilton Japiassu também defende novo olhar do professor, disposto a
uma organização curricular em blo- aprender com o aluno e ajudá-lo na
cos quando considera que a “divisão sua autodescoberta” (LOPES; MACE-
disciplinar do saber é uma patologia, DO, 2011, p. 134). Nesse processo,
para a qual o remédio só pode ser segundo as autoras, cabe ao profes-
a totalidade tanto do ser humano sor e à equipe pedagógica dos cur-
quanto do conhecimento interdisci- sos Proeja refletirem de que modo as
plinar” (JAPIASSU, 1976 apud LOPES; disciplinas curriculares nos formam
MACEDO, 2011, p. 133, grifos do au- e se conectam com as demandas so-
tor). ciais (em especial as do mundo do
trabalho), de que maneira elas estão
As pesquisas de Baracho, Silva e em constante modificação e como
Pereira (2007) e de Oliveira e Macha- produzimos novas estruturas disci-
do (2011) sobre Proeja, respectiva- plinares ao organizarmos o currícu-
mente no Rio Grande do Norte e em lo integrado. Objetiva-se com essa
Goiás, analisando, sistematicamente, reflexão que eles entendam “a quais
práticas e resultados como objetos finalidades esses efeitos se vinculam
de reflexão do currículo integrado e se nos permitem, ou não, alguma
e para além dele, apontam para a possibilidade de ampliar o que acor-
necessidade de envolvimento de damos chamar de justiça social e de-
gestores e professores, responsáveis mocracia” (LOPES; MACEDO, 2011, p.
pela formação geral e pela formação 140).
específica, em um trabalho coletivo.

444
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS nero (SILVA, 2010, p. 27). As interven-
ções desses estudantes reiteram que
Esta análise nos confronta com o “currículo está centralmente en-
a capacidade de alunos e alunas em volvido naquilo que somos, naquilo
fazer uma leitura crítica de uma re- que nos tornamos, naquilo que nos
alidade que eles percebem e viven- tornaremos”.
ciam em suas múltiplas dimensões,
Nesse sentido, como educadores,
não raro concebidas por eles e elas
precisamos estar atentos e abertos
de modo integrado, em sua forma de
ao modo como nossas alunas e nos-
ver o mundo e nele agir, em especial,
sos alunos reelaboram discursos e se
no que se refere ao mundo do traba-
posicionam em relação aos diversos,
lho, que emerge dentro e fora da sala
e por vezes conflitantes, projetos
de aula.
educativos que interagem na sala de
Nesse contexto, a valorização da aula, para assim podermos compre-
escolarização é reforçada pelos alu- ender como o currículo integrado,
nos e, com ela, a valorização da ma- vivenciado nessa nova oportunida-
temática escolar. Os discursos dos de de escolarização, contribui para
especialistas são legitimados pelos sua formação humana e profissional,
estudantes que, entretanto, lidam de para a constituição de sua identida-
maneira tática com as dissonâncias e de de sujeitos.
os distanciamentos existentes entre
Desse modo, cabe a nós, profes-
os documentos que regem o curso
sores, técnicos em educação e ges-
(documento-base, projeto pedagó-
tores da para Educação Profissional
gico do curso, programas analíticos
e Tecnológica (EPT), fazer de seu
das disciplinas) e as atividades reali-
currículo um campo aberto, em que
zadas nos espaços de formação (sala
sentidos possam ser disseminados
de aula, laboratórios, ambientes de
de forma polissêmica, em que se
visitas técnicas e estágios).
possam reconhecer as identidades
Assim, alunas e alunos nos ensi- produzidas (SILVA, 2010) e em que
nam que não podemos ver o currícu- se possa constituir, assumir e discutir
lo, em especial o currículo de Mate- uma concepção de cidadãos emanci-
mática, como um simples espaço de pados (BRASIL, 2007), críticos e livres
transmissão de conhecimento, mas (FREIRE, 1967, 1974, 2014), capazes
sim como produtor e organizador de de compreender o mundo do traba-
identidades culturais, raciais e de gê- lho e de se compreender nele.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 445


REFERÊNCIAS integrar para quê? Brasília: MEC, Se-
cretaria de Educação Básica, 2006.
BRASIL, Ministério da Educação.
Decreto nº 2208, de 19 de abril de BARACHO, Maria das Graças; SILVA,
1997. Regulamenta o § 2º do art. 36 e Antônia Francimar da e PEREIRA,
Ulisséia Ávila. Ensino Médio integra-
os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabele- do à Educação Profissional: análise
ce as diretrizes e bases da educação de uma experiência realizada em Na-
tal – RN. In: ANPAE – XXIII SIMPÓSIO
nacional. Brasília: 19 de abril de 1997.
BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINIS-
______. Decreto nº 5.154, de 23 TRAÇÃO DA EDUCAÇÃO, V CONGRES-
de julho de 2004. Regulamenta o SO LUSO-BRASILEIRO DE POLÍTICA E
§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO E
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de I COLÓQUIO IBERO-AMERICANO DE
1996, que estabelecem as diretrizes POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO. 2007.
e bases da educação nacional, e dá Brasil. Anais... Porto Alegre: Anpae,
outras providências. Brasília: 23 de 2007. p. 1-11.
julho de 2004.
______. Ensino Médio integrado à
______. PROEJA: Programa. PROEJA: Educação Profissional: análise de
Programa Nacional de Integração da uma experiência realizada em Natal –
Educação Profissional com a Educa- RN. IN: ANPAE – XXIII SIMPÓSIO BRA-
ção Básica na Modalidade da Educa- SILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRA-
ção de Jovens e Adultos. Formação ÇÃO DA EDUCAÇÃO, V CONGRESSO
Inicial e Continuada/Ensino Funda- LUSO-BRASILEIRO DE POLÍTICA E
mental – Documento-Base. Brasília: ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO E
MEC/Setec, 2007. I COLÓQUIO IBERO-AMERICANO DE
POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO. 2007.
BARACHO, Maria das Graças; MOU-
Brasil. Anais... Porto Alegre: Anpae,
RA, Dante Henrique; PEREIRA, Ulis-
2007. p. 1-11.
séia Ávila; SILVA, Antônia Francimar
da. Algumas reflexões e proposições CASTRO, Mad’Ana Desirée Ribeiro de;
acerca do Ensino Médio Integrado MACHADO, Maria Margarida; VITO-
à Educação Profissional Técnica de RETTE, Jacquelina. Educação Integra-
Nível Médio. ______. Ensino Médio da e Proeja: diálogos possíveis. Edu-
integrado à educação profissional: cação & Realidade. Porto Alegre: v.

446
35. n. 1, p. 151-166. jan./abr. 2010. HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA,
Montserrat. A organização do currí-
CIAVATTA, M. A formação integrada: culo por projeto de trabalho. Porto
a escola e o trabalho como lugares Alegre: Artmed, 1998.
de memória e identidade. In: FRI-
GOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinari-
M. (Org.). Ensino médio integrado: dade e a patologia do saber. Rio de
concepções e contradições. São Pau- Janeiro: Imago, 1976.
lo: Cortez, 2005. p. 83-105.
KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino
FAZENDA, Ivani. Interdisciplina- Médio: construindo uma proposta
ridade: história, teoria e pesquisa. para os que vivem do trabalho. 4. ed.
Campinas: Papirus, 1995. São Paulo: Cortez, 2005.

FREIRE, Paulo. Educação como prá- LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Eli-
tica da liberdade. São Paulo: Paz e zabeth. Teorias de currículo. São
Terra, 1967. Paulo: Editora Cortez, 2011.

______. Pedagogia do Oprimido. MOURA, Dante Henrique; BARACHO,


57. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Maria das Graças (Org.). Proeja no
2014. [1974]. IFRN: práticas pedagógicas e for-
mação docente. Natal: IFRN Editora,
FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, 2010.
Maria; RAMOS, Marise Nogueira
(Org.). Ensino Médio Integrado: MOURA, Dante Henrique. Algumas
concepções e contradições. São Pau- Possibilidades de organização do en-
lo: Cortez, 2005. sino médio a partir de uma base uni-
tária: trabalho, ciência, Tecnologia e
FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções cultura. In: I SEMINÁRIO NACIONAL:
e mudanças no mundo do trabalho CURRÍCULO EM MOVIMENTO – PERS-
e ensino médio. In: FRIGOTTO, Gau- PECTIVAS ATUAIS. 1, 2010, Belo Ho-
dêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, rizonte. Anais... Brasil, 2010. p.1-14.
Marise Nogueira (Org.). Ensino Mé- Disponível em: <http://portal.mec.
dio Integrado: concepções e con- gov.br/index.php?option=com_con-
tradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. tent&view=article&id=16110&Ite-
57-82. mid=93>. Acesso em: 5 jan. 2014.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 447


OLIVEIRA, Edna Castro; MACHADO, Sarmento; MOURA, Dante Henrique;
Maria Margarida. O desafio do Proe- BARACHO, Maria das Graças (Org.).
ja como estratégia de formação dos Teoria e Prática no Proeja: vozes
trabalhadores. In: XXV SIMPÓSIO que se completam. Natal, RN: Editora
BRASILEIRO E II CONGRESSO IBERO IFRN, 2013. p. 11-32.
-AMERICANO DE POLÍTICA E ADMI-
NISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO-JUBILEU SILVA, Tomaz Tadeu. O currículo
DE OURO DA ANPAE (1961-2011), como fetiche. A poética e a política
2011, São Paulo. Cadernos Anpae. do texto curricular. 1. ed. Belo Hori-
Anais... São Paulo: Anpae, 2011. p. zonte: Autêntica, 2010.
1-12.
TOMAZ, Vanessa Sena; DAVID, Maria
RAMOS, Marise. Possibilidades e de- Manuela Martins Soares. Interdis-
safios na organização do currículo ciplinaridade e aprendizagem da
integrado. In: FRIGOTTO, Gaudêncio; Matemática em sala de aula. Belo
CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise No- Horizonte: Autêntica, 2005.
gueira (Org.). Ensino Médio Integra-
TYLER, Ralph. Princípios básicos de
do: concepções e contradições. São
Currículo e Ensino. Porto Alegre:
Paulo: Cortez, 2005. p. 106-127.
Edição Globo, 1978.
SAVIANI, Demerval. O choque teóri-
VIRIATO, Edaguimar Orquizas; FA-
co da politecnia. Trabalho, Educa-
VORETTO, Aparecida. Currículo inte-
ção & Saúde, Rio de Janeiro, n. 1, p.
grado e o método dialético no ensi-
131-152, 2003.
no: entre limites e possibilidade. In:
SILVA JÚNIOR, Gerado B.; GAZIRE, ZANARDINI, Isaura Mônica Souza;
Eliane. S. Biologia e Matemática Dia- FILHO, Domingos Leite Lima; SILVA,
logando no Ensino Médio? Educa- Mônica Ribeiro. Produção do co-
ção Matemática em Revista, São nhecimento no Proeja: cinco anos
Paulo, v. 1, p. 18-24, 2009. de pesquisa. Curitiba: Ed. UFTPR,
2012. p.15-38.
SILVA, Enio Petterson; TACCONI, Mar-
li de Fátima Ferraz da Silva. O ensino
de empreendedorismo e a formação
integral no Proeja: uma experiência
no IFRN. In: HENRIQUE, Ana Lúcia

448
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO A PARTIR DA LEI Nº
13.415/2017: NOVA LEI – VELHOS INTERESSES – UM RECORTE
HISTÓRICO A PARTIR DO DECRETO Nº 2.208/97 AOS DIAS ATUAIS'

Luiz Henrique de Gouvêa Lemos1, Margareth Nunes da Silva2,


Maria Cledilma Ferreira da Silva Costa3,
Maria Verônica de Medeiros Lopes4, Stella Lima de Albuquerque5
, , , e 5 Instituto Federal de Alagoas
1 2 3 4

E-mail: cledilmacosta@hotmail.com

1. INTRODUÇÃO Frigotto (2003) traz ao debate


questões urgentes para a área. De
A educação profissional, ao lon- um lado, como afirma o autor, o em-
go de sua história, tem sido palco de bate que se efetiva em torno dos
lutas de interesses de organismos processos educativos e de qualifica-
internacionais e do setor produti- ção humana responde aos interesses
vo, num verdadeiro embate político e necessidades de redefinição de um
e ideológico em torno de políticas novo padrão de reprodução do capi-
e ações para a concretização da re- tal. De outro lado, o atendimento às
produção e ampliação do capital via necessidades do trabalhador. Ainda,
Estado, que adota uma política edu- segundo esse autor, trata-se de uma
cacional a serviço do modelo econô- relação conflitante e antagônica por
mico. Da mesma forma, as discussões confrontar as necessidades de repro-
em torno de uma proposta pedagó- dução do capital e as múltiplas ne-
gica para a Educação Profissional cessidades humanas.
acompanham essas lutas ideológicas
As instituições de ensino profis-
e políticas de cada período, trazendo
sional, em decorrência do surgimen-
consequências sérias para quem pro-
to de novos paradigmas, assumem
cura a Educação Profissional como
conceitos do setor produtivo como
alternativa de formação intelectual e
flexibilidade, participação, emprega-
profissional.
bilidade, competência, competitivi-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 449


dade e qualidade, entre outros, dife- um investimento econômico, desvin-
rentemente de períodos recentes da culada de sua real função social. As
história do Brasil, em que os concei- reformas declaram, simbolicamente,
tos como democracia, participação, papel do capitalismo global no des-
igualdade e solidariedade direciona- tino nacional.
vam os discursos educacionais. Assim, o artigo intitulado “A Re-
Frigotto (1998, p. 14), ao referir-se forma do Ensino Médio integrado a
a essa mudança, afirma que, na atual partir da lei 13.415/2017: nova lei –
conjuntura, “estreita-se mais a com- velhos interesses um recorte histó-
preensão do educativo, do formativo rico a partir do Decreto nº 2.208/97
e da qualificação, desvinculando-os aos dias atuais”, objetiva analisar a
da dimensão ontológica do trabalho reconfiguração do ensino médio in-
e da produção, reduzindo ao econo- tegrado, a partir das implicações da
micismo do emprego e, agora, da Reforma do Ensino Médio, por meio
empregabilidade”. da sanção da Lei nº 13.415/2017.
No plano educacional, esse novo Para a elaboração deste texto, a
modelo levou as instituições de en- metodologia utilizada deu-se a par-
sino que preparam os futuros traba- tir de levantamento documental e
lhadores a manter uma estreita liga- bibliográfico, com a finalidade de
ção com o setor produtivo. Assim, a construir uma base histórica e con-
educação na escola, sob a ótica em- ceitual sobre os caminhos da Educa-
presarial, passa a significar, no enten- ção Profissional no contexto brasilei-
dimento de Kuenzer (1998), investi- ro. Como base teórica e conceitual,
mento individual e não social, para tomamos como referência estudio-
a empregabilidade em um mercado sos da educação brasileira de forma
de trabalho cada vez mais escasso. mais geral e abrangente como Frei-
A área de trabalho e educação tag (1986) e Romanelli (1978) e traze-
nos anos 90 constituiu-se em um ter- mos Kuenzer (1992), Frigotto (1993;
reno fértil para investigação da fun- 1998; 2005), Machado (1991), Ciavat-
ção social da escola no conjunto das ta (2005) e outros, para compreen-
lutas pela efetivação de uma escola der as questões relativas à Educação
mais democrática e comprometida Profissional e ao Ensino Médio Inte-
com os ideais da classe trabalhadora. grado, mais especificamente. Os pes-
A educação passa cada vez mais a ser quisadores citados, de maneira geral,

450
preocupados com a natureza a espe- lítica social, portanto, as mudanças
cificidade e complexidade desta área promovidas pelo Ministério da Edu-
de ensino, têm avançado considera- cação (MEC) na Educação Básica e
velmente na pesquisa e produção de profissional estão integradas a um
conhecimentos para fundamentá-la. projeto mais amplo de reforma do
Buscaremos, também, o aporte de estado, procurando responder a um
outras referências teóricas das ciên- novo momento do desenvolvimento
cias humanas e sociais para entender capitalista, determinado por influên-
a relação política e econômica no cia de teorias econômicas que articu-
âmbito da educação profissional. lam educação e desenvolvimento.
Como proporcionar ao aluno tra-
2. A PROPOSTA DE FORMAÇÃO balhador uma formação politécnica
PROFISSIONAL NO BRASIL DIAN- em uma sociedade perpassada pela
TE DA NOVA PEDAGOGIA DO divisão social e técnica do trabalho?
Responderemos a esta questão utili-
TRABALHO A PARTIR DA LEI Nº zando-nos de uma citação de Kuen-
9.394/1996 zer (1992, p. 149):
Mesmo considerando que o traba-
A década de 1990 foi marcada lho como princípio educativo cor-
por grandes reformas da educação responde à necessidade do capital
profissional, preconizada na Lei nº de formar seus intelectuais segun-
do as exigências da modernidade,
9.394/1996, que, nos dizeres de Pe- a escola politécnica é por essência
reira (2003, p. 35), a escola demandada pela classe tra-
contraria os propósitos educacio- balhadora, satisfazendo em parte as
nais voltados aos interesses da suas necessidades de transforma-
sociedade em seu conjunto, prin- ção da sociedade. E é exatamente
cipalmente os interesses das cama- esta contradição que pode tornar
das populares. E acrescenta, ‘ago- esse projeto viável; ou pelo menos,
ra a educação profissional parece estimular a que se invista nele, se-
acompanhar a desregulamentação não enquanto projeto imediato,
da economia, ou seja, está também pelo menos enquanto utopia, a di-
a serviço da competitividade dos rigir o esforço de criação das condi-
mercados’. ções necessárias à sua viabilização.

Esses fatos, para a autora cita- Para a autora, há muito que se


da, vêm evidenciar que a educação caminhar até que se transforme a
cada vez menos é tratada como po- proposta de politecnia em uma pro-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 451


posta curricular concreta, porém mesmo com todas as inovações tec-
afirma que alguém precisa provocar nológicas, discussões em favor de
o debate como condição de avanço, uma formação profissional integrada
uma vez que esta tarefa não é fruto ao desenvolvimento científico e tec-
do trabalho de um intelectual, mas nológico, poucas foram as mudanças
da práxis coletiva. no perfil do profissional, nos anos 80.
Para Machado (1989), a politecnia Assim, as pesquisas e discussões
é apontada como uma formação ca- ocorridas nesse período não provo-
paz de fornecer ao aluno uma base caram formulações na proposta de
sólida e profunda dos processos formação profissional, muito menos
científicos e técnicos, tanto das ciên- na forma de conceber o aluno tra-
cias humanas quanto das sociais, o balhador como um sujeito capaz de
que significa orientar o trabalho es- buscar no trabalho humano a trans-
colar para que o aluno perceba que a formação da sociedade e do próprio
realidade é produto das ações huma- homem.
nas, e que cada sujeito é agente his-
tórico dessa mesma realidade. Ainda 3. A NOVA LEGISLAÇÃO – A REFOR-
segundo a autora, a politecnia visa
MA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A
romper a dualidade estrutural do en-
sino, estabelecendo uma escola uni- PARTIR DO DECRETO Nº 2.208/97:
tária, distinta do modelo tradicional, A SUPOSTA SUPERAÇÃO DE UM
na busca do desenvolvimento multi- MODELO MERAMENTE TÉCNICO
lateral do indivíduo, na busca de sua
formação omnilateral. A Lei nº 9.394/1996 (Lei de Dire-
trizes e Bases de Educação Nacional),
Cabe observar que, apesar de
o Decreto nº 2.208/1997, que regula-
todo esforço teórico e político em
menta o § 2º do artigo 36 e os artigos
torno da viabilização da proposta
39 ao 42, e a Portaria nº 646/1997,
politécnica, precisamente entre o
voltada para disciplinar o assunto no
período de 1984 e 1996, não foi su-
âmbito da Rede Federal de Educação
ficiente para sua implementação,
Profissional, promoveram uma pro-
uma vez que a reforma do ensino
funda reforma nas bases legais da
técnico-profissionalizante acabou
Educação Profissional do país.
ocorrendo pela via contrária dos in-
teresses da classe trabalhadora e, Do ponto de vista pedagógico,
a reforma da Educação Profissional

452
vinha buscando a superação de um dutivas e caracteriza uma tendência
modelo meramente técnico, me- mundial, aceita por empresários, tra-
diante a construção de um paradig- balhadores e governo.
ma de educação tecnológica capaz O Decreto nº 2.208/1997 veio na
de adaptar-se a realidades diferen- contramão dessa proposta, anulan-
ciadas e que fosse mais compatível do a pretendida formação integra-
com as novas demandas do mundo da e regulamentando estratégias de
do trabalho. Em oposição à supera- formação aligeirada em função das
ção de modelo meramente técni- necessidades do setor produtivo,
co, observamos um retorno ao que segundo Frigotto (2005), em aten-
ocorria anteriormente na educação dimento ao Ministério do Trabalho e
brasileira – a questão da dualidade Emprego (MTE), por meio de sua po-
estrutural –, quando preconizava lítica profissional. Acrescenta o autor
que a Educação Profissional deveria que o enfoque na produtividade e no
ser ofertada em paralelo ou após a mercado foram tomados como nor-
conclusão do ensino médio e deter- teadores dos investimentos realiza-
minava que a continuidade dos estu- dos em formação profissional, e não
dos dependia do certificado de con- mais o direcionamento para uma for-
clusão do Ensino Médio. mação omnilateral de dimensões hu-
O conhecimento, nesse contex- manas e técnicas que se pretendia.
to, reassumia uma dicotomia entre A exigência da necessidade de
o saber acadêmico e o saber para uma formação científica e tecnoló-
o trabalho, prevalecendo a heran- gica de alto nível que forme traba-
ça teórica, em detrimento do saber lhadores polivalentes e com elevado
produzido coletivamente no interior grau de abstração, requisitos indis-
do processo produtivo, “da crescente pensáveis à reestruturação produti-
incorporação da ciência ao mundo va, foi premissa básica da proposta
do trabalho e das relações sociais, da de Educação Profissional posta na
indissociável articulação entre ciên- LDBEN nº 9.394/1996.
cia, cultura e trabalho, entre pensar
e fazer, entre refletir e agir” (KUEN- Para Almeida (2000, p. 14), o en-
ZER,1999, p. 121-138). Ainda segun- foque da educação orientada para
do a autora, esta exigência de forma- o “desenvolvimento”, presente du-
ção é demandada pela nova etapa rante a década de 70 no Brasil e que
de desenvolvimento das forças pro- norteou a LDBEN nº 5.692/1971, foi

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 453


substituído na LDBEN nº 9.394/1996 bos. Como vemos, o centro da polí-
por uma versão mais operacional de tica educacional relativa à Educação
“educação voltada para o mercado”, Profissional era a separação entre
tomando os conceitos de produtivi- o Ensino Médio e o Ensino Técnico.
dade e flexibilidade como centrais. Resta-nos concluir o inevitável retor-
Segundo a autora, “neste aspecto, no à dualidade de sistemas, ainda,
destaca-se a influência das orienta- que, em outros termos, assumindo
ções do Banco Mundial, onde a pre- o ideário pedagógico do capital e
ocupação é com a oferta de cursos, do mercado – pedagogia das com-
tanto em termos de conteúdo como petências para a empregabilidade –
de duração” ressaltando que a Edu- proposto pela referida legislação.
cação Profissional deve ter enfoque A partir do entendimento de que
na produtividade. o Decreto nº 2.208/1997 era uma
A educação passa, cada vez mais, roupagem nova para a velha ques-
a ser um investimento econômico, tão da dualidade proposta e assumi-
desvinculada de sua real função so- damente escancarada pela educação
cial. As reformas declaram, simbo- brasileira, especialmente a partir da
licamente, o papel do capitalismo década de 40, com a promulgação
global no destino nacional. Para da Lei Orgânica, estendendo-se até
Bueno (2000), elas propõem acesso a profissionalização compulsória no
à educação, mas não se preocupam ensino secundário, instituída pela
diretamente com o acesso ao conhe- Lei nº 5.692/1971, que surgia com o
cimento. propósito de promover a superação
As transformações na cultura, no do dualismo, a sociedade civil orga-
modo de viver da sociedade e no nizada, por meio de suas represen-
modo de produzir propiciaram es- tações, começou um movimento de
tudos que conduziram a uma nova revogação do Decreto nº 2.208/1997,
visão da educação, conferindo, por que regulamentava a Educação Pro-
intermédio do então Decreto nº fissional e sua relação com o Ensino
2.208/1997, uma organização curri- Médio.
cular para a educação profissional, Ao investir no princípio da “equi-
em nível técnico, de forma indepen- dade”, a proposta política do então
dente e articulada ao ensino médio, Decreto nº 2.208/1997 recuperava a
resguardando a identidade de am- lógica da racionalidade e do controle

454
da organização da escola como uma rio neoconservador ou neoliberal e
da afirmação e ampliação da desi-
relação de poder e de investimento
gualdade de classes e do dualismo
público que só se justifica para os na educação (FRIGOTTO; CIAVATTA;
mais competentes; são esses que po- RAMOS, 2005, p. 53).
dem investir individualmente e ter
acesso à educação numa perspectiva O que se pretendia com o proje-
de verticalidade, que deixa de ser da to de educação em 1988 foi, de cer-
ação do Estado, passando a ser res- ta forma, como diz Frigotto (2005, p.
ponsabilidade individual e deixando 37), retomado no novo Decreto de
de ser direito de cidadania. nº 5.154/2004, possibilitando, inclu-
Esses elementos de reflexão so- sive, a ampliação de seus objetivos,
bre o Decreto nº 2.208/1997 servi- apesar das contradições e disputas.
ram para ilustrar de maneira históri- O autor se coloca dizendo que, “em
ca a trajetória da educação brasileira termos ainda formais, o referido
e situar a dimensão espaço-temporal decreto tenta reestabelecer as con-
na reconstrução histórica da reforma dições jurídicas, políticas e institu-
do ensino técnico-profissional. cionais que se queria assegurar na
A revogação do Decreto nº disputada LDBEN na década de 80.”
2.208/97 e a promulgação do De- Afirma, ainda, que sua efetivação vai
creto nº 5154/2004 se deu em meio depender do sentido em que se de-
a posições contrárias. Para os envol- senvolva a disputa política e teórica,
vidos com a sua elaboração, “a gêne- ou seja, “o desempate entre as forças
se das controvérsias está na luta dos progressistas e conservadoras pode-
anos 80, pela redemocratização do rá conduzi-lo para a superação do
país e pela ‘remoção do entulho au- dualismo na educação brasileira ou
toritário’” (FRIGOTTO, 2005, p. 22). consolidá-la definitivamente”.

Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005) O Decreto nº 5.154/2004 trouxe a


são enfáticos em afirmar construção de novas bases conceitu-
ais e legais para o Ensino Médio e a
[...] que o embate para revogar o
Decreto 2.208/97 engendra um Educação Profissional, a garantia de
sentido simbólico e ético-político um ensino em que estão vinculados
de uma luta entre projetos societá- ciência, trabalho e cultura, objetivan-
rios e projeto educativo mais am-
plo, que tem um sentido explícito do uma formação omnilateral.
de superação [...] a regressão social
e educacional sob a égide de ideá-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 455


A origem da formação omnilate- vessada pelo país, que o governo
ral interino do vice-presidente Michel
[...] remonta a educação socialista Temer, instalado em 12 de maio de
que pretendia [...] formar o ser hu- 2016, e que se torna definitivo em
mano na sua integralidade física,
mental, cultural, política, científico-
31 de agosto do mesmo ano, após a
tecnológica. Foi aí que se originou aprovação do processo de impeach-
o grande sonho de uma formação ment da presidente Dilma Roussef. O
completa para todos, conforme
queriam os utopistas do Renasci-
atual presidente, por meio da Medi-
mento [...] (FRIGOTTO; CIAVATTA; da Provisória (MP) nº 746, de 2016,
RAMOS, 2005, p. 86). instaura uma reforma educacional
que fere, de forma substancial, a Lei
As reflexões provocadas pelo de Diretrizes e Bases da Educação
Decreto nº 5.154/2004 e as conse- Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996) e
quências advindas dos debates acer- contradiz o projeto de governo elei-
ca da historicidade do conceito de to em 2014, nega a soberania popu-
formação integrada, da abordagem lar e impõe um ataque às conquistas
epistemológica em confronto com históricas relativas aos currículos do
a pedagogia das competências e os Ensino Médio, bem com ao financia-
fundamentos do currículo integrado mento da Educação Básica.
aponta que a função da Educação A Reforma do Ensino Médio, san-
Profissional e Tecnológica não se cionada pela Lei nº 13.415, de 16
restringe à preparação de recursos de fevereiro de 2017, traz à tona as
humanos demandadas pelo merca- concepções políticas conservadoras/
do de trabalho, mas tem a ver com a liberais do “novo governo” e aponta
formação intelectual, cultural, profis- para um tratamento de descaso para
sional, social, política e ética de cida- com a Educação Profissional, especi-
dãos que sejam tanto trabalhadores ficamente no que se refere ao Ensi-
produtivos, quanto agentes na cons- no Médio Integrado (EMI). Um refle-
trução da equidade social. xo do momento histórico, político e
econômico, representando os inte-
4. O ENSINO MÉDIO INTEGRADO resses presentes em distintos para a
(EMI) NA LEI Nº 13.415/2017 educação nacional.
Resultante de um dispositivo jurí-
Mudanças ocorreram em meio a dico-político, essa lei tem a pretensão
um contexto de crise política atra-

456
de fazer uma reforma numa etapa da atende às expectativas da maioria
educação brasileira reconhecida por dos jovens brasileiros. O que ocorre,
sérios problemas estruturais e histó-ao contrário do que prega o governo,
ricos, desconsiderando a importân- é a consolidação de um ensino dire-
cia da participação da sociedade no cionado para setores diferentes da
debate que a questão exige. sociedade e a possibilidade de esva-
Compreendemos que a política ziamento do ensino técnico de nível
reducionista da formação básica, em médio. Essas duas realidades assim
relação ao tempo curricular e a não se apresentam: uma voltada prefe-
obrigatoriedade de oferta de áreas rencialmente para a garantia da for-
do conhecimento em todos os anos mação básica necessária ao ingresso
do Ensino Médio, terá desdobramen- no Ensino Superior, e outra, fragmen-
tos imediatos para a Educação Básica tada e esvaziada de conteúdos fun-
e para a Educação Profissional. damentais para a solidificação de
uma consciência mais crítica da rea-
A reforma do Ensino Médio, que lidade existente e sem atrativos para
se dá acompanhada de grandes a classe pretendida.
embates políticos e ideológicos, faz
parte de um redirecionamento das Quanto à Educação Profissional
políticas de formação, implemen- de nível técnico, parece que a velha
tada pela “nova velha” proposta de cena se repete: terminalidade dos
formação traçada no bojo dessa lei. estudos para os setores populares,
Ao retirar do seu interior o ensino refletindo um controle do conheci-
acadêmico necessário a uma forma- mento para pequenos estratos da
ção humana, essa proposta não só sociedade.
mantém a dualidade histórica no sis- Nesse sentido, os estudantes das
tema educacional, como, ao mesmo camadas populares matriculados
tempo, torna cada vez mais distante nas escolas públicas de Educação
para os setores populares a concre- Profissional, ao estarem realizando
tização de um modelo de educação um curso profissionalizante de nível
que objetive formar o homem na sua médio, encontrarão dificuldades em
dimensão omnilateral. prosseguir seus estudos no Ensino
O governo, em seu discurso em Superior, por perceberem que exis-
defesa da reforma, disse ter pos- te, além de um conjunto de fatores
to fim a um ensino médio que não de ordem econômica e social que os

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 457


impede de realizá-los, a existência de como princípio pedagógico, no sen-
uma proposta de currículo que lhes tido de responder a uma formação
alijam o direito de prosseguirem seus integral, potencializando o ser hu-
estudos em igualdade de condições, mano como cidadão pleno, desen-
com aqueles que “escolheram” os ou- volvendo suas dimensões individual
tros itinerários formativos, os quais e social.
englobam as demais áreas do co- O modelo de formação expres-
nhecimento. Isto significa que, para so na lei impossibilita participação
os alunos deste segmento social, o dos seus protagonistas na socieda-
ensino profissionalizante assume de científica e tecnológica, pois seus
um caráter de terminalidade não por princípios direcionam sua atuação
escolha pessoal, mas por imposição não como sujeitos, mas como obje-
do próprio sistema de ensino, econô- tos, perdendo-se, assim, a dimensão
mico e social vigentes. Na prática, o política; a construção da identidade
que acontece é que o conhecimento, social; e a integração plena da cida-
na sociedade capitalista, é um ins- dania. Nesse sentido, sucumbe-se o
trumento de dominação de classes papel da educação, fundamentada
e grupos; às elites econômicas re- numa perspectiva humanista, que é
servam-se poderes fundamentais ao de formar cidadãos trabalhadores e
exercício da dominação de política conhecedores de seus direitos e obri-
econômica e aos demais cabe uma gações que, a partir da apreensão
formação laboral capenga, frente à do conhecimento, da instrumenta-
negação ao acesso pleno à ciência, à lização e da compreensão crítica da
tecnologia, à cultura. sociedade, sejam capazes de empre-
Diante dessa realidade a nós im- ender uma inserção participativa, em
posta ilegitimamente, não será pos- condições de atuar qualitativamente
sível realizar uma proposta de edu- no processo de desenvolvimento so-
cação que favoreça a organização de cioeconômico e de transformação da
atividades integradas e articuladas, a realidade.
partir da síntese entre trabalho, ciên- Numa visão pragmática, me-
cia, tecnologia e cultura, própria da diante o esvaziamento científico e
proposta curricular dos cursos técni- a superficialidade de formação que
cos integrados, que estabelece o tra- a lei propõe, podemos dizer que a
balho como princípio geral da ação articulação entre conhecimento bá-
educativa, bem como a pesquisa

458
sico e específico – contemplando os 5. CONCLUSÃO
conteúdos científicos, tecnológicos,
culturais e sócio-históricos; a capa- O presente texto buscou refletir
cidade de articular e integrar as di- acerca das implicações causadas pela
mensões do currículo, para atender Reforma da Educação Profissional,
aos princípios da educação continu- especificamente tratando dos des-
ada e à verticalização da carreira de dobramentos da Lei nº 13.415/2017
formação profissional e superior; e a para o EMI.
capacidade de mobilizar os conhe- Compreendemos que, diante da
cimentos para o exercício da ética e atual conjuntura política e econômi-
da cidadania, articulando os saberes ca, uma proposta de educação, numa
curriculares aos do mundo do traba- perspectiva de formação integrada,
lho e aos das relações sociais – serão está longe de ser efetivada. Isso, em
impossíveis de serem concretizados.. grande parte, deve-se ao fato de
Saviani (1987), na sua obra Sobre a que as atuais políticas para a Educa-
concepção dialética de politecnia: po r ção Profissional estão pautadas num
uma outra política educacional, refor- paradigma tecnicista de educação,
çando a ideia de que a dualidade en- em que o ensino está fundamental-
tre Educação Profissional e educação mente, a serviço das necessidades
geral deve ser compreendida a par- econômicas e às exigências do setor
tir das relações capitalistas de pro- produtivo.
dução, explica que a fragmentação As instituições de educação pro-
existente no processo educacional fissional têm passado por uma fase
é a própria expressão de apropria- em que as mudanças no mundo da
ção desigual da produção material produção – marcada pelo forte in-
existente. Da mesma forma que se cremento tecnológico e científico –
observa uma divisão entre proprie- exigem que se avaliem seus modelos
tários e não proprietários dos meios pedagógicos, para que estes deem
de produção, estabelece-se também, conta de formar o trabalhador para
no processo de ensino, uma dualida- atuar em todos os setores da eco-
de entre o ensino para aqueles que nomia, com capacidades intelectu-
devem comandar (ensino científico ais que lhe permitam adaptar-se ao
intelectual) e o ensino profissionali- novo sistema produtivo.
zante para os que devem ser coman-
dados.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 459


Aliada às demais práticas sociais, Nesse contexto, a formação para
a função precípua da educação é, so- o trabalho requer níveis de educação
bretudo, recuperar o conceito forma- e qualificação cada vez mais eleva-
tivo presente em todos os domínios dos, não podendo ficar reduzida à
da atividade humana, propiciando aprendizagem de algumas habilida-
o alargamento dos horizontes dos des técnicas. Exige a compreensão
indivíduos, ultrapassando as dimen- global do processo produtivo, com
sões do mundo do trabalho, prepa- a apreensão do saber tecnológico, a
rando-os para a totalidade da vida, valorização da cultura do trabalho e
requisitos sem os quais a perspectiva a mobilização dos valores necessá-
de inserção social fica comprometi- rios à tomada de decisões. A Educa-
da. ção Profissional não pode ser conce-
Assim, o papel da educação deve bida apenas como uma modalidade
estar pautado em uma formação de ensino com terminalidade defi-
crítica, humanizada e emancipado- nida, mas, sim, constituir-se em um
ra, numa perspectiva que propor- processo de Educação continuada,
cione o despertar do senso crítico, que perpassa a vida do trabalhador.
elevando o sujeito a patamares de Deve ter caráter plural e visar, preci-
compreensão que ampliem seu nível puamente, à formação de um cida-
de participação nas esferas sociais e dão inteiro, capaz de se reconhecer
no mundo do trabalho. A educação sujeito de direitos e deveres, capaz
não pode negligenciar a relação do de identificar-se como produtor de
homem com as questões de socia- ideias e conhecimento nos mais di-
lização, com as novas tecnologias, versos campos do saber, da cultura e
com as questões ambientais e com das artes, o qual, sob nenhuma hipó-
a totalidade do complexo mundo do tese, venha a tornar-se mera peça na
trabalho. A educação há de ter, em complexa engrenagem do processo
sua feitura, natureza que albergue a produtivo.
elaboração teórica que sirva de las-
tro àquilo que se apresentar duran- REFERÊNCIAS
te a vida, seja em seu caráter mais
ALBUQUERQUE, Stella Lima de. A
prático, característico do processo
reforma do ensino técnico: impli-
produtivo, seja em seu caráter subje-
cações à prática pedagógica dos
tivo, mais próprio do conhecimento
professores da educação profissio-
teórico.

460
nal. Tese (Doutorado)–Universidade ______. A produtividade da escola
Federal da Bahia. Faculdade de Edu- improdutiva: um (reexame das rela-
cação, 2008. 181 f. ções entre educação e estrutura eco-
nômico social capitalista. 4. ed. São
BRASIL. Ministério da Educação e Paulo: Cortez, 1993.
Cultura. LDB – Lei de Diretrizes e Ba-
ses. Lei nº 9.394/1996, de 20 de de- ______. As mudanças tecnológicas
zembro de 1996. Diário Oficial [da] e educação da classe trabalhado-
República Federativa do Brasil, ra: politecnia, polivalência e qualifi-
Poder Executivo, Brasília, DF, 20 dez. cação profissional. In: MACHADO, Lu-
1996. cília et al. (Org.). Trabalho e Educação.
2. ed. Campinas: Papirus, 1995.
______. Lei nº 13.415, de 16 de feve-
reiro de 2017. Altera a Lei de Diretri- ______. Educação e crise do traba-
zes e Bases da Educação e outras leis lho: perspectiva de final de século.
da área. Diário Oficial [da] Repúbli- Petrópolis: Vozes, 1998.
ca Federativa do Brasil, Poder Exe-
cutivo, Brasília, DF, 16 fev. 1996. ______. Educação e a crise do capi-
talismo real. 5. ed. São Paulo: Cortez,
______. Decreto Federal nº 2003.
2.208/1997. Regulamenta a educa-
ção profissional. Diário Oficial [da] ______. Concepções e mudanças
República Federativa do Brasil, Po- no mundo do trabalho e o ensino
der Executivo, Brasília, DF, 1997. médio. In FRIGOTTO, Moacir; CIA-
VATTA, Maria; RAMOS, Marise (Org.).
______. Decreto Federal nº Ensino Médio Integrado: concepções
5.154/2004. Regulamenta a educa- e contradições. São Paulo: Cortez,
ção profissional. Diário Oficial [da] 2005.
República Federativa do Brasil, Po-
der Executivo, Brasília, DF, 2004. KUENZER, Acácia Zeneida. A Refor-
ma do Ensino Técnico no Brasil e suas
FRIGOTTO, Gaudêncio. Trabalho e Consequências. In. FERRETTI, João
conhecimento: dilemas na educa- Celso (Org.). Trabalho, Formação
ção do trabalhador. 2. ed. São Paulo: e Currículo: Para onde vai a escola?
Cortez, 1989. São Paulo: Xamã, 1999.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 461


______. Ensino médio e profissio- PLANO DE DESENVOLVIMENTO INS-
nal: as políticas do estado neoliberal. TITUCIONAL – PDI do Instituto Fede-
São Paulo: Cortez, 1998. ral de Alagoas – Ifal. PDI/Ifal (2014-
2018). Disponível em: <http://www.
______. Ensino de 2º grau: O traba- desenvolvimento.ifal.edu.br/docu-
lho como princípio educativo. São mentos/pdi-1/pdi-1>. Acesso em:
Paulo: Cortez, 1992. jan. 2017.
LOPES, Maria Verônica de Medeiros. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
Educação e prática social: um es- INSTITUCIONAL – PPPI do Instituto
tudo a partir da (re)construção do Federal de Alagoas – Ifal. PDI/Ifal
projeto político pedagógico de uma (2013). Disponível em: <http://www.
instituição de educação. 214 f. Tese desenvolvimento.ifal.edu.br/docu-
(Doutorado)–Universidade Federal mentos/pdi-1/pppi>. Acesso em: jan.
da Bahia, Faculdade de Educação, 2017.
Bahia, 2007.
SAVIANI, Dermeval. Sobre a concep-
MANFREDI, Sylvia Maria. Trabalho, ção de politecnia. Rio de Janeiro:
qualificação e competência profis- Fiocruz; Politécnico de Saúde; Joa-
sional: das dimensões conceituais e quim Venâncio, 1987.
políticas. Educação e Sociedade, n.
64, set. 1998. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. His-
tória da educação no Brasil (1930-
______. As políticas de formação: a 1973). Petrópolis: Vozes, 1978.
constituição da identidade do pro-
fessor sobrante. Educação & Socie-
dade, Campinas, Cedes, ano XX, n.
68, dez. 1999.

PEREIRA, Maria Zuleide; MOITA, Filo-


mena Mª Gonçalves da S. Cordeiro.
Políticas Educacionais no Brasil
(re)lendo a história da educação
profissional. João Pessoa: Ed. Uni-
versitária, 2003.

462
NOS ESTREITOS LIMITES A QUE NOS COAGEM O MERCADO DE TRABALHO E
O CURRÍCULO ESCOLAR, AINDA, PODEMOS NOS MEXER: PRÁXIS DOCENTE
NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NA MODALIDADE DE EJA

Aldo Rezende1, Bruno dos Santos Prado Moura2


1
e 2 Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) – Campus Vitória.
Coordenadoria do Proeja.
E-mail: bruno.moura@ifes.edu.br

"Certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas


excelentes por falta de liberdade – talvez ingênuo recurso de justificar
inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém desfruta: começamos
oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de
Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a
gramática e a lei, ainda nos podemos mexer."
Graciliano Ramos. Memórias do cárcere.

1. INTRODUÇÃO aponta para o prodigioso processo


de desmonte das políticas públicas,
O golpe político, jurídico e midiá- em especial, no campo da educação,
tico em curso no país, desde o ano de sinalizando para as consequentes fis-
2016, apresenta-se como importante suras na estrutura de organização e
marco para o reconhecimento sobre funcionamento das escolas públicas
as estratégias perversas de um pro- como espaço de produção do co-
jeto de educação nacional que, im- nhecimento. Na retórica do discurso
posto de cima para baixo, coloca em transvestido pela flexibilidade, eficá-
xeque todas os avanços decorrentes cia e atratividade, presente na refor-
das históricas lutas dos mais diversos ma do Ensino Médio imposta pelo
segmentos sociais em defesa da es- atual governo, é possível reconhecer
cola pública, democrática e de qua- o implícito movimento de precariza-
lidade. ção do ensino em todas as dimen-
Refletir sobre o Ensino Médio sões possíveis e alcançáveis.
Integrado (EMI) na modalidade de A mágica da flexibilidade e da
Educação e Jovens e Adultos (EJA) propalada atratividade coaduna com
é dar conta da complexidade des- o movimento de sucateamento da
te projeto neoliberal perverso que

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 463


escola pública a partir da precariza- em algumas experiências vivencia-
ção do ensino, tendo em vista, prin- das pelo Proeja. Não se trata de apre-
cipalmente, a estratégia de redução sentar receituário ou fórmulas mági-
de investimentos, reafirmando uma cas para dar solução a problemas ou
política de governo que, concomi- situações. Trata-se, portanto, de uma
tantemente, enjaula os educadores e tentativa no sentido de iluminar a
educandos. possibilidade de resistência no con-
No âmbito pragmático da atrati- texto de um movimento dialético
vidade pautada na proposta de fle- indutor de alternativas para impul-
xibilidade do cardápio self service de sionar a saída do estágio de letargia
disciplinas oferecidas aos alunos, em e, assim, produzir novos sentidos e
muitos casos, com opções restritas, a significados no âmbito da escola, em
reforma de ensino imposta pelo atu- especial, no tocante às práticas po-
al governo, em seu conjunto, dialoga lítico-pedagógicas em seu conjunto
também com a Lei da Mordaça, numa de relações.
tentativa de inibir a possibilidade de Para alcançar o objetivo principal
os educadores atuarem como inte- apresentado, o recurso da revisão
lectuais orgânicos engajados na luta bibliográfica em teorias e conceitos
pela transformação social. específicos permitirá fundamentar o
Com efeito, a partir da breve ini- movimento reflexivo pretendido e,
ciativa de contextualização, o pre- assim, dar conta da importância das
sente artigo tem como objetivo prin- experiências acumuladas e vivencia-
cipal contribuir com a reflexão sobre das em mais de uma década de luta
os desafios para o EMI, em especial, pela afirmação do Proeja, no Ifes –
na modalidade de EJA, materializado campus Vitória.
no Programa Nacional de Integra- Assim, na primeira parte do pre-
ção da Educação Profissional com a sente artigo, a atenção estará volta-
Educação Básica de Nível Médio na da para a tentativa de contribuir com
Modalidade de Educação e Jovens a discussão sobre a atuação do tra-
e Adultos (Proeja). Neste particular, balhador de ensino em suas práticas
a partir de aspectos relacionados a político pedagógicas, em especial
fundamentos das práticas educati- sobre a relação entre conteúdo, for-
vas no âmbito da estrutura do EMI, mação e trabalho.
buscaremos, de forma pontual, reali- Na sequência, elencadas algumas
zar o movimento reflexivo com base

464
possibilidades de reflexão sobre a a vida lá fora; os conteúdos são ne-
importante reação e resistência nes- cessários para as seleções que o alu-
te contexto histórico marcado pela no enfrentará no mercado; a compe-
imposição da reforma do Ensino Mé- tição é necessária, pois o mercado é
dio, em especial em relação às esco- competitivo, eles vieram desprepara-
dos do ensino fundamental, por isso
las públicas, dentre elas os Institutos
Federais (IFs), buscar-se-á dar visi- não aprendem entre muitos outros
bilidade às experiências do Proeja, constructos sociais que vão se natu-
ofertado pelo Ifes – campus Vitória, ralizando e ganhando o viés de ver-
através do Curso Técnico em Guia de dade absoluta. Além disso, ouvimos
Turismo Integrado ao Ensino Médio colegas professores justificarem suas
na Modalidade de Educação de Jo- condutas de conformidade a essas
vens e Adultos. percepções com frases do tipo: as
Sem pretender concluir as con- coisas são assim mesmo, fazer o quê?
siderações, estarão voltadas para o Na reconhecida obra intitulada
despertar e o fortalecimento da co- Memórias do Cárcere, Graciliano Ra-
munidade escolar frente ao desafio mos nos oferece, logo nas primeiras
de desconstruir o sentido perverso páginas, um excelente argumento
da reforma do Ensino Médio impos- para refletir sobre essa questão. De
ta pelo atual governo e, desta forma, fato, pensando com base nas pala-
ressignificar o movimento de resis- vras do renomado escritor, não há
tência e de luta pelo ensino público contexto mais ou menos favorável
e de qualidade. para a ação política, há apenas o con-
texto, e ele será sempre atravessado
2. DESCONSTRUINDO O ESTÁGIO pelas tensões em disputa. Nesse sen-
DE LETARGIA NO CONTEXTO DA RE- tido, o agir político não se refere a
uma questão de oportunidade, mas
SISTÊNCIA POLÍTICA E DOS PRINCÍ- de convicção. Assim, partimos da
PIOS DA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA convicção de que a ação docente é
uma ação política que, por diversas
Cada dia que passamos nos in-
razões, se faz encharcada de justifi-
teriores da escola de nível médio,
cativas como as levantadas por Gra-
deparamo-nos com frases ou ideias
ciliano, apontando para uma parali-
que assumem a forma de axiomas:
sia, um enclausuramento da ação em
eles precisam estar preparados para
moldes preestabelecidos. E, assim,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 465


paralisados por uma concepção es- princípios políticos e econômicos
tática da educação e do seu contex- neoliberais, a educação tem sido um
to histórico, vemos a escola de nível dos alvos mais privilegiados, atacado
médio atender plenamente a uma em doses homeopáticas. O argumen-
formação fragmentada, unilateral e, to central tem sido o da qualidade
cada vez mais, seletiva, em perfeita duvidosa, firmado na ineficiência da
sintonia com a concepção neoliberal escola pública, cuja referência deve-
de educação. ria ser a escola privada, competitiva,
No âmbito da reforma do Ensino dinâmica e focada nos princípios do
Médio importa pelo atual governo, mercado (ARAÚJO, 2005). Convém
é possível perceber a perversidade observar com atenção o que subjaz
de uma investida estrategicamente a esse discurso. A educação pública,
afinada com o propósito de moldar gratuita e de qualidade é um direito
e de instituir um novo senso comum público subjetivo, ou seja, é ineren-
em torno dos princípios políticos e te ao cidadão. A crítica à educação
econômicos de caráter neoliberal. pública promovida pelo discurso
Segundo ela, o mercado se constitui neoliberal procura provar que a inca-
no orientador de toda realização hu- pacidade da mesma em satisfazer o
mana, funcionando como o contex- desejo de qualidade ocorre pelo fato
to absoluto de desenvolvimento das de ela ser pautada em um ideal de
relações sociais. Assim propalado, igualdade coletiva impossível de se
geridas pelas regras do mercado, as realizar. Para esse discurso, a qualida-
relações humanas se pautariam em de só poderá ser alcançada quando a
uma liberdade entendida dentro do escola pública abandonar esse prin-
espírito humano de sobrevivência e cípio coletivista e seguir o plano do
superação, o qual se alimenta de um mercado no plano da competitivida-
processo de afirmação de dualidades de e da meritocracia.
assumido como natural e aceitável Nas entrelinhas, essa ideia escon-
(GENTILI, 1995). Impõe-se, assim, a de uma redução do debate sobre
ideia de um darwinismo social que educação ao aspecto estritamente
prega a competição como regra e a econômico e, por conseguinte, uma
desigualdade como princípio. redução da ideia de cidadão, que
deixa de ser sujeito social com direi-
tos a serem garantidos pelo Estado
Nesse contexto de afirmação dos cuja cidadania precisa ser fundada

466
pelos e nos princípios da justiça e da compreensão. Em outras palavras, é
igualdade. No discurso neoliberal, preciso exercer o olhar crítico sobre
a cidadania se faz no mercado por as condições objetivas das escolas
meio do consumo de bens. Daí a fre- dos Institutos, no sentido de escapar
quente associação entre cidadão e da armadilha que as associam à pre-
consumidor. A força dessa visão tem tendida e propalada qualidade da
sua evidência na descrença de que educação.
possam ser articuladas propostas al- Assim, propomos uma analogia
ternativas. com um trecho da epígrafe, retirada
Os Institutos Federais de Educa- da obra de Graciliano Ramos: entre
ção, Ciência e Tecnologia constituem os estreitos limites a que nos coagem
uma realidade formada por escolas o mercado de trabalho e o currículo
bem ou relativamente bem estrutu- escolar, ainda podemos nos mexer.
radas, com quadro docente de boa Com ela, procuramos exprimir o ca-
formação, com relativa autonomia ráter dialético que constitui o con-
pedagógica e financeira, com pro- texto da práxis docente no EMI ofe-
cessos eleitorais regulares e com boa recido pelos Institutos Federais, em
dose de protagonismo dos profissio- especial nos cursos Proeja. A escola
nais da educação e do ensino. Con- comprometida com a emancipação
texto bem diverso do que encontra- humana e a formação integral dos
mos na maioria das escolas públicas sujeitos educandos não resultará de
estaduais de nível médio. A partir prédios bem equipados, salas cli-
dessa realidade, tem sido comum a matizadas, bibliotecas com amplo
suposição de que as condições ofe- acervo, profissionais bem formados,
recidas pelas escolas (condições ob- dentre outras possibilidades. É notó-
jetivas, portanto) dos IFs, equivalem rio que esses fatores são importan-
a uma educação “de qualidade”. No tes no processo de afirmação dessa
entanto é preciso interrogar sobre o perspectiva de educação, porém, em
que se faz nas escolas dos IFs, pois, si mesmos, não conduzirão a esse
devido à sua ligação com a lógica do projeto, que resultará, de fato, da
capital, elas tendem a reforçar a du- luta política, na qual se contrapõem
alidade que marca a escola do Ensi- projetos de formação e de sujeitos.
no Médio, em vez de contribuir para Em outras palavras, as condições
superá-la por meio da oferta de cur- objetivas podem levar a determina-
sos integrados em sua totalidade de do tipo de educação e de qualidade,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 467


mas é preciso indagar sobre eles cri- sado e assumido enquanto projeto
ticamente e intervir para provocar o político de vida, reconhecendo-nos
movimento. a nós mesmos enquanto capazes e
No âmbito da práxis, o docente, imprescindíveis na luta permanente
compreendido como agente capaz pela liberdade, pela democracia e
de dar respostas aos problemas pos- pela justiça social.
tos pela sociedade e de fazer frente Com efeito, reconhecer a escola
aos desafios do presente (GADOTTI, em sua função reprodutora das de-
2001), deve encontrar, na contem- sigualdades sociais é um importante
poraneidade do seu agir, as possibi- passo, capaz de nos mover a assumir
lidades para se alcançar um horizon- o papel de intelectuais orgânicos ati-
te educativo em que a escola esteja vos e comprometidos com a produ-
comprometida com a formação hu- ção do conhecimento libertário dos
mana, com a transformação social ca- indivíduos, sobretudo os subalter-
paz de se contrapor à perversa lógica nos, historicamente alijados do direi-
do mercado. Dessa maneira, a práxis to à educação enquanto instrumen-
educativa no contexto dos IFs deve to de formação onmilateral. Nesse
ser projetiva no sentido de encontrar ínterim, entendemos ser impres-
as brechas, as fissuras, as contradi- cindível manter acesa a chama das
ções desse sistema e evidenciá-las, discussões e reflexões sobre o coti-
além de fecundá-las com o germe da diano de nossas práticas sem perder
mudança, pois, como destacou Ga- de vista as considerações acerca dos
dotti (2001, p. 105), “a transformação conflitos e das tensões dialeticamen-
das coisas só é possível porque no te importantes para a totalidade do
seu próprio interior coexistem forças movimento reflexivo e da concretu-
opostas tendendo simultaneamente de a ser efetivada na perspectiva do
à unidade e à oposição”. saber e fazer acontecer.
O exemplo das formas de resis-
tência política assumida pelos estu- 3 DUALIDADE ESTRUTURAL E CON-
dantes de todo o país, por ocasião do TEÚDO DE ENSINO
movimento de ocupação das escolas
públicas, ilumina as possibilidades Conforme alguns autores que se
de romper com a letargia para, assim, dedicam ao estudo do Ensino Médio
ressignificar o que precisa ser repen- (RAMOS, 2004, 2005; OLIVEIRA, 2009;
MOURA; LIMA FILHO; SILVA, 2015;

468
FRIGOTTO; CIAVATTA; 2004, 2011), há do, a atual reforma do Ensino Mé-
a compreensão de que esta modali- dio reafirma ainda mais esta lógica
dade é atravessada por uma contra- perversa de disputa política. Sendo
dição histórica, explicada pela dua- assim, não podemos perder de vis-
lidade estrutural. No movimento de ta a importância e necessidade de
reflexão desta contradição, esboça- fortalecer nossa organização para
se o perfil dual, no qual entram em assim, junto com outros segmentos
disputa a formação para a cidadania sociais, contribuir para “constituir um
e a formação para o mercado de tra- projeto de ensino médio que supere
balho. Conforme Oliveira (2009. p. a dualidade entre formação específi-
54), ca e formação geral e que desloque
[...] A tentativa de universalizar a ar- o foco de seus objetivos do mercado
ticulação entre a formação geral e de trabalho para a pessoa humana”
a formação técnica não conseguiu
superar a dualidade histórica que
(RAMOS, 2004, p. 40).
persegue o Ensino Médio, pois as No âmbito da práxis docente,
escolas não se estruturaram a partir
de um novo princípio educativo, no esse desafio lançado por Ramos
qual o pensar e o fazer fossem con- (2004) perpassa a problematização
siderados expressões de um único de um dos pontos fundamentais
saber constituinte da identidade
humana. subjacentes ao meio escolar: os con-
teúdos de ensino. Predomina, nas es-
colas de Ensino Médio em geral e nas
Percebe-se, então, que a ques- escolas dos IFs em particular, uma
tão central colocada e que mobiliza compreensão de conteúdos como
muitos estudiosos do Ensino Médio saberes estabelecidos e que devem
interroga sobre o projeto subjacen- ser transmitidos. Em geral, essa per-
te à modalidade. As contradições de cepção os vê como conhecimentos
classe que compõem a sociedade exclusivos das matérias ou das disci-
brasileira ecoam também nas esco- plinas que se expressam em nomes,
las dos IFs e, quando trazemos à luz conceitos, princípios, enunciados e
o seu cotidiano, percebemos uma teoremas (ZABALA, 1998). É como se
naturalização das relações sociais eles fossem coisa em si, totalmente
hegemônicas na atual sociedade ca- satisfatórias e que trouxessem em si
pitalista e que valorizam a lógica da o necessário para a formação dos es-
competitividade, da submissão, da tudantes em sua totalidade social.
não ação política. Assim considera-
Entendemos que esta ideia em

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 469


torno dos conteúdos como coisas crueza exatamente nos cálculos de
em si corresponde, ainda que, indi- rendimento dos estudantes, quando
retamente, às demandas do capi- se mede o quanto de conteúdo ele
talismo e das suas relações de pro- sabe, ou melhor, foi capaz de pro-
dução no contexto atual, marcado cessar. O foco, portanto, não está no
pelo pragmático aperfeiçoamento sujeito em formação, mas sim nos
da produção a partir do uso de novas conteúdos transmitidos para a sua
tecnologias. Nesse contexto, a mão moldagem, formatação. A associa-
de obra disponível no mercado não ção entre quantidade de conteúdo
precisa ser eficientemente treinada, e formação, nos parece, responde a
mas sim treinável (CIAVATTA, 2009). um tipo de sociedade e a um tipo de
Conforme argumentou Ramos (2004, demanda social, qual seja, a de su-
p. 39), essa perspectiva entende que jeitos adaptados aos caprichos e às
é necessário o desenvolvimento de exigências do mercado, do trabalho
“competências genéricas e flexíveis, pelo trabalho.
de modo que as pessoas pudessem Entendemos que essa percep-
se adaptar facilmente às incerte- ção oblitera o caráter sócio-histórico
zas do mundo contemporâneo”. Os dos conteúdos e aprisionam-nos em
conteúdos trabalhados em si mes- formas fixas de difusão. Esse aspec-
mos atenderiam a essa necessidade, to instrumental a que nos referimos
pois garantiriam o instrumental – ou acima está de acordo com uma pers-
competências – necessário para que pectiva reducionista dos conteúdos
o estudante seja alocado no merca- de ensino, vistos estritamente no
do, conforme sua capacidade, seu seu aspecto disciplinar e cognitivo
mérito. (ZABALA, 1998). Em uma crítica à pe-
Associada a essa compreensão, dagogia das competências, Ramos
está também a noção de que os es- (2005, p. 115) enfatiza que a finalida-
tudantes precisam desses conteúdos de da formação consiste em “possi-
para enfrentar a vida no mercado de bilitar às pessoas compreenderem a
trabalho. Atribui-se, assim, um ca- realidade para além da sua aparência
ráter meramente instrumental aos fenomênica.” Nessa perspectiva, os
conteúdos de ensino, descolando-os conteúdos não têm caráter mera-
de qualquer possibilidade forma- mente instrumental. Eles estão vin-
tiva onmilateral. O caráter classista culados a uma proposta de emanci-
da escola média se mostra na sua pação humana:

470
[...] Apreender o sentido dos con- A importância de se alargar a
teúdos de ensino implica em reco-
compreensão dos conteúdos de en-
nhecê-los como conhecimentos
construídos historicamente e que sino significa entender a educação
se constituem, para o trabalhador, como uma prática ao mesmo tempo
em pressupostos a partir dos quais
técnica e política, devendo ser a mes-
se podem construir novos conheci-
mentos no processo de investiga- ma “atravessada por uma intenciona-
ção e compreensão do real (RAMOS, lidade teórica, fecundada pela signi-
2005, p. 108).
ficação simbólica”, sem, no entanto,
perder de vista a sua importante me-
Os conteúdos, portanto, devem diação com “a integração dos sujei-
ser aportes para uma formação hu- tos educandos nesse tríplice univer-
mana integral, que nos possibilite al- so das mediações existenciais: no
cançar as diversas dimensões do ser universo do trabalho, da produção
humano: cognitiva, política, cultural, material, das relações econômicas”.
afetiva, psicomotora, de relações Cabe reafirmar a citada integração
interpessoais etc. O conhecimento “no universo das mediações insti-
pressupõe um solo de relações so- tucionais da vida social, lugar das
ciais, que, por sua vez, são atraves- relações políticas, esfera do poder;
sadas pelo poder (SEVERINO, 1998). no universo da cultura simbólica, da
Ao assumir um caráter instrumental, experiência da identidade subjetiva,
os conteúdos de ensino – que nada esfera das relações intencionais” (SE-
mais são do que formas assumidas VERINO, 1998, p. 36).
pelo conhecimento socialmente pro- Em outras palavras, os conteúdos
duzido para atender às demandas são, sim, formas assumidas pelo co-
escolares – parecem se descolar do nhecimento cientificamente produ-
seu contexto e assumir uma auto- zido, mas são também – e ao mesmo
nomia que, no contexto da socieda- tempo – produções culturais, resulta-
de capitalista neoliberal, atende aos do de convenções e seleções e estão
interesses dos grupos socialmente cheios de carga valorativa. Não são,
privilegiados e detentores dos espa- portanto, neutros.
ços de poder, acabando por reforçar Há um aspecto ético nessa dis-
a dualidade presente, principalmen- cussão, muito bem colocado por
te, na recente reforma educacional Gramsci (1968, p. 119) ao discutir o
do Ensino Médio, imposta pelo atual papel da cultura geral na formação
governo. dos indivíduos:

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 471


[...] Coloca-se a questão de modifi- estudante galgue com sucesso es-
car a preparação do pessoal técnico
ses degraus e se torne uma pessoa
político, integrando sua cultura de
acordo com as novas necessidades, bem-sucedida. Assim, faz-se neces-
e de elaborar novos tipos de funcio- sário um exercício de reflexão críti-
nários especializados, que integrem
ca. Se os conteúdos são o bastante
– sob forma colegiada – a atividade
deliberativa. O tipo tradicional do para formar o estudante, como nos
‘dirigente’ político, preparado ape- portaríamos diante de um estudante
nas para as atividades jurídico-for-
de nível médio que, tendo estuda-
mais, torna-se anacrônico e repre-
senta um perigo para a vida estatal: do toda a história do Brasil e tendo
o dirigente deve ter aquele mínimo conhecimento do processo escra-
de cultura geral que lhe permita,
vocrata pelo qual passou nossa so-
senão ‘criar’ autonomamente a so-
lução justa, pelo menos saber julgar ciedade, manifeste opiniões racistas
entre as soluções projetadas pelos envolvendo, por exemplo, a política
especialistas e, consequentemente,
de cotas para acesso às universida-
escolher a que seja justa do ponto
de vista ‘sintético’ da técnica políti- des? Qual seria nossa reação diante
ca. da atitude de um médico que, ten-
do estudado tudo o que se refere à
ética na sua conduta profissional, re-
Em outras palavras, é preciso in-
ceita um remédio sem nenhum efei-
dagar: a que servem os conteúdos
to para seus pacientes, apenas para
ensinados na escola de nível médio?
alcançar a meta de vendas do labo-
Essa não é uma questão trivial. So-
ratório produtor do medicamento e
mos levados cotidianamente a supor
ganhar uma viagem para a Europa?
que o destino dos nossos estudantes
Imaginemos que um jovem estu-
está definido. Irão se formar no Ensi-
dante de Direito, depois de forma-
no Médio, serão absolvidos ou não
do, siga a carreira de juiz e, de forma
pelo mercado de trabalho ou presta-
declaradamente parcial, promova o
rão o Exame Nacional do Ensino Mé-
fim do Estado Democrático de Direi-
dio (Enem) e ingressarão em alguma
to através de práticas coercitivas e o
das universidades brasileiras, da qual
abuso de autoridade sob o crivo dos
sairão formados para o exercício de
holofotes da grande mídia? Ou mes-
uma profissão qualquer.
mo, enverede pelo campo da política
Tal perspectiva limita a práxis e, ao se tornar parlamentar, passe a
docente a simples transmissão dos defender medidas restritivas às liber-
conteúdos necessários para que o dades civis e aos direitos sociais?

472
Sabemos que o processo de matização que manifesta um olhar
aprendizagem não é limitado apenas pedagógico. Resultam, portanto, de
à relação professor-aluno. Mas essas trabalho. Se hoje eles servem a uma
situações hipotéticas nos ajudam a lógica de competição e desigualdade
desconstruir a suposta neutralidade que se retroalimenta e se perpetua a
dos conteúdos de ensino e inserir partir da escola, é preciso mexer as
na ordem do dia a reflexão sobre os peças, provocar fissuras, inverter a
tipos de pessoas que iremos formar lógica, fazendo-a movimentar em fa-
em nossas escolas. De alguma forma, vor de uma formação voltada para a
temos responsabilidades que se con- pessoa e para a vida em uma socie-
cretizam em manifestações de ale- dade justa e igualitária.
grias, tristezas ou frustrações. Portanto, na tentativa de diálogo
Acreditamos que os conteúdos entre conteúdos e realidade vivida
devem ser pensados e trabalhados e vivenciada pelos estudantes e a
no âmbito da relação tripartite entre relação desse diálogo com a pers-
Trabalho, Ciência e Cultura (RAMOS, pectiva de formação onmilateral, ca-
2004; FRIGOTTO; CIAVATTA; 2004). paz, portanto, de afirmar o trabalho
Nessa relação, que não é linear, cada enquanto princípio educativo, apre-
ponto interfere no outro diretamen- sentamos, na sequência, a exposição
te. O trabalho, como mediação de de experiências pontuais, desenvol-
primeira ordem do ser humano com vidas no âmbito do Proeja do Ifes –
o meio natural, permite a ele objeti- campus Vitória. Elas são mostradas
var esse mundo, atribuindo-lhe sen- na condição de alento, de possibili-
tido e significado. Trabalho e cultura, dades no campo da resistência ne-
assim, são indissociáveis e, a partir cessária frente aos desafios impostos
deles, torna-se possível a explicação pela reforma de Ensino Médio em
sistematizada do mundo, na forma curso nas escolas do país.
de ciência. Esta, por sua vez, possibili-
ta novas formas de trabalho e de cul- 4. Experiências Pontuais De
tura. Como manifestação da ciência, Integração: Ensino, Pesquisa
os conteúdos de ensino são também E Extensão No Curso Técnico
cultura, pois exprimem o legado da
sociedade, aquilo que ela considera
Integrado De Guia De Turismo
relevante preservar e difundir. Nes- Na Modalidade De Educação De
se sentido, evidenciam uma siste- Jovens E Adultos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 473


Dentre os 20 campi do IF implan- sobre as estratégias para garantir re-
tados no Espírito Santo, apenas o de formas de interesse das corporações
Vitória oferece cursos na modalidade empresariais, financeiras e rentistas.
de EJA. Contudo importa destacar Assim, assistimos a imposição da re-
os desafios enfrentados ao longo forma do Ensino Médio num contex-
de mais de uma década, numa ins- to marcado tanto pela anulação das
tituição de ensino de perfil majori- iniciativas de projeção política e eco-
tariamente elitista, declaradamente nômica do país no cenário mundial
comprometida com a formação uni- quanto pelo desmonte das políticas
lateral, com foco nas expectativas do sociais.
mercado de trabalho. Dessa forma, Os impactos da reforma do En-
constata-se que a reforma do Ensino sino Médio são desafiadores e, por
Médio imposta pelo atual governo isso, faz-se necessário reiterar o pa-
tenciona ainda mais as relações sina- pel dos educadores enquanto inte-
lizando para o comprometimento do lectuais orgânicos, em sua capacida-
projeto político pedagógico de for- de de levar aos subalternos a filosofia
mação onmilateral, assim como das da práxis, a partir do movimento de
condições necessárias à garantia da reflexão e apreensão da realidade de
equidade no acesso, na permanência vida dos mesmos. Nesse contexto, as
e no êxito dos estudantes. experiências em curso, no Proeja do
Nessa perspectiva, importa não Ifes – campus Vitória, se constituem a
perder de vista a voracidade dos partir das considerações sobre as sin-
processos de dominação econômi- gularidades de um público formado
ca, política e ideológica no viés dos por jovens e adultos em grande par-
princípios neoliberais alicerçados te trabalhadores e desempregados,
nas e pelas mais diversas estratégias historicamente marcados pela domi-
de exploração e controle social das nação e exploração.
classes subalternas, há muito alijadas No âmbito dos princípios que
do projeto de crescimento econômi- consolidam os fundamentos da mo-
co dos grupos dominantes, pautado dalidade de EJA, a iniciativa de ela-
na concentração de renda e riquezas. boração participativa do programa
Não por acaso, a conjuntura política, de extensão denominado Coletivo
desvelada a partir do golpe político, pela base: educação e mobilização
jurídico e mediático de 2016, ilumi- para o exercício da cidadania apon-
na a possibilidade de compreensão

474
ta para o comprometimento dos dos e debatidos pelo conjunto dos
educadores que, na condição de in- estudantes durante o citado evento.
telectuais orgânicos, buscam, pela A partir de então, os estudantes re-
elaboração e implementação de pro- presentados em comissões junto aos
jetos específicos, possibilitar o diálo- docentes, passaram a movimentar-
go entre escola e comunidade sob a se para a realização da II Semana do
intermediação e participação direta Turismo com o tema: Limites e desa-
dos estudantes. Outrossim, os proje- fios da formação e atuação profissio-
tos de pesquisa em nível de iniciação nal dos guias de turismo no Espírito
científica voltados à identificação Santo, oportunidade em que tam-
e caracterização dos espaços e gru- bém acontecerá a I Feira de Turismo
pos afrodescendentes, assim como do Ifes – campus Vitória, organizada
a identificação e caracterização das pelos estudantes em conjunto com
comunidades populares da cidade docentes.
de Vitória, são possibilidades para o No âmbito da modalidade de
exercício do diálogo interdisciplinar EJA, outra experiência diz respeito
entre conteúdo das mais diversas ao projeto de extensão denominado
disciplinas do núcleo comum e do Mobiliza Proeja, que se propõe a pro-
núcleo técnico do Curso Técnico em mover a equidade das condições de
Guia de Turismo. acesso dos jovens e adultos ao EMI
O projeto embrionário de orga- do Ifes. Ações de incursão nas comu-
nização e realização da I Semana de nidades com parcerias estabelecidas
Turismo do Ifes – campus Vitória, re- entre movimentos sociais, sindicatos,
alizada no ano de 2016, permite re- organizações não governamentais
conhecer o protagonismo dos estu- (ONGs) e prefeituras do entorno da
dantes do Curso Técnico em Guia de capital buscam divulgar e criar efeti-
Turismo em todos os processos que vas condições de acesso à escola.
culminaram com as discussões sobre O projeto de EMI na modalidade
o tema: Turismo e hospitalidade na de EJA, realizado no Ifes – campus
diversidade. Discussões polêmicas Vitória, persegue a proposta de for-
sobre xenofobia, homofobia, misogi- mação onmilateral dos estudantes.
nia, preconceitos de classe, racismo, Trata-se, portanto, de um projeto po-
assim como sobre os princípios da lítico comprometido com iniciativas
democracia, da ética e da hospitali- de promoção humana e emancipa-
dade foram, devidamente, estuda-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 475


ção cidadã. Pegar na mão, olhar nos econômico internacional, são fatores
olhos, ouvir a voz, driblar os limites que precisam ser considerados em
do processo de aprendizagem mar- suas correlações com as reformas em
cado pelos fracassos vivenciados são curso: trabalhista, previdenciária e
práticas indispensáveis a educadores do ensino.
que se permitem orgânicos no pro- Em especial, na reforma do Ensi-
cesso de desconstrução do processo no Médio imposta pelo atual gover-
de dominação e exploração das clas- no, a reformulação da matriz curricu-
ses subalternas. lar e da distribuição da carga horária
Com efeito, os conteúdos inte- das disciplinas comprova a estratégi-
grados em permanente diálogo com ca intervenção nesses dois campos
a realidade do educando sinalizam de disputas políticas na totalidade
para a possibilidade de fermentar o do projeto político pedagógico em
movimento histórico de resistência processo a partir de 2006, quando
no enfrentamento aos desafios por da instituição do Ensino Técnico In-
meio de um projeto político pedagó- tegrado nas escolas de Ensino Médio
gico que busque reduzir as tensões do país. Declaradamente, é possível
presentes na estrutura do EMI em dar conta do movimento induzido
suas contradições historicamente de paulatina desintegração entre ci-
determinadas. ência, trabalho e cultura.
A partir da referida estratégia
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS contida no projeto de reforma do
Ensino Médio em curso, a proposta
Na atualidade, a discussão so-
de formação unilateral do estudante
bre os desafios da proposta de EMI
afirma-se na condição antidemocrá-
passa, necessariamente, pelas con-
tica de uma escola cuja finalidade é
siderações acerca do movimento de
preparar, de forma seletiva e diferen-
desmonte das políticas públicas e
ciada, os estudantes de acordo com
sociais, assim como pelos impactos
o lugar que os mesmos deverão ocu-
da crise econômica e política agra-
par na sociedade.
vada a partir do golpe político, jurí-
dico e midiático de 2016. Além do Nesse contexto marcado por rup-
crescente índice de desemprego, o turas e descontinuidades, o papel
movimento de desqualificação do dos educadores precisa ser repensa-
país, no âmbito do cenário político e do no âmbito da compreensão e da

476
definição de estratégias de enfrenta- FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA,
mento aos desafios que se tornaram Maria (Org.). Ensino Médio: ciên-
ainda maiores e complexos. Em par- cia, cultura e trabalho. Brasília: MEC;
ticular, a modalidade de EJA, torna- Semtec, 2004.
se ainda mais preocupante quando
levado em consideração os desafios GADOTTI, Moacir. Pedagogia da
inerentes aos processos de acesso, práxis. São Paulo: Cortez: Instituto
permanência e êxito cada vez mais Paulo Freire, 2001.
comprometidos.
GENTILI, Pablo. Adeus à escola públi-
As possibilidades de avanço afir- ca: a desordem neoliberal, a violên-
mam-se a partir de movimentos de cia do mercado e o destino da edu-
resistência articulados no âmbito da cação das maiorias. In: ______. (Org.).
tomada de consciência, organiza- Pedagogia da exclusão: crítica ao
ção e mobilização da comunidade neoliberalismo em educação. 4. ed.
escolar no sentido de lutar pela ma- Petrópolis: Vozes, 1995. p. 228-252.
nutenção do Estado de Direito, da li-
berdade de pensar e expressar e pela GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais
garantia do direito à educação públi- e a organização da cultura. Rio de
ca e de qualidade. Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1968.
REFERÊNCIAS MOURA, Dante Henrique; LIMA FI-
ARAÚJO, Gilda Cardoso de; OLIVEIRA, LHO, Domingos Leite; SILVA, Mônica
Romualdo Portela de. Qualidade do Ribeiro. Politecnia e formação inte-
ensino: uma nova dimensão da luta grada: confrontos conceituais, pro-
pelo direito a educação. Revista Bra- jetos políticos e contradições histó-
sileira de Educação, Rio de Janeiro, ricas da educação brasileira. Revista
n. 28, p. 5-24, jan./fev./mar./abr. 2005. Brasileira de Educação, Rio de Ja-
neiro, v. 20, n. 63, p. 1057-1081, out./
CIAVATTA, Maria. Mediações históri- dez. 2015.
cas de trabalho e educação: gênese
e disputas na formação dos traba- OLIVEIRA, Ramon de. Possibilidades
lhadores. Rio de Janeiro: Lamparina; do Ensino Médio Integrado diante
CNPq; Faperj, 2009. do financiamento público da educa-
ção. Educação e Pesquisa, São Pau-
lo, v. 35, n. 1, p. 51-66, jan./abr. 2009.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 477


RAMOS, Marise. Possibilidades e de-
safios na organização do currículo
integrado. In: FRIGOTTO, Gaudêncio.
CIAVATTA, Maria (Org.). Ensino mé-
dio integrado: concepção e con-
tradições. São Paulo: Cortez Editora,
2005. p. 107-128.

_______. O projeto unitário de en-


sino médio sob os princípios do tra-
balho, da ciência e da cultura. In: FRI-
GOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria
(Org.). Ensino Médio: ciência, cultu-
ra e trabalho. Brasília: MEC; Semtec,
2004. p. 37-52.

SEVERINO, Antônio Joaquim. O co-


nhecimento pedagógico e a inter-
disciplinaridade: o saber como inten-
cionalidade da prática. In: FAZENDA,
Ivani (Org.). Didática e interdisci-
plinaridade. Campinas, SP: Papirus,
1998. p. 31- 44.

ZABALA, Antoni. A prática educati-


va: como ensinar. Porto Alegre: Art-
med, 1998.

478
REFLEXÕES SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO CURSO TÉCNICO
EM EVENTOS INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO NO IFB1

Dayane Augusta da Silva1, Juliana Ferreira Leite2, Glauco Vaz Feijó3,


Marcos Ramon Gomes Ferreira4
, , e 4 Instituto Federal de Brasília (IFB), campus Brasília
1 2 3

E-mail: glauco.feijo@ifb.edu.br

1. INTRODUÇÃO: OS INSTITUTOS ficar cidadãos com vistas à atuação


profissional nos diversos setores da
FEDERAIS COMO PROJETO DE
economia, com ênfase no desenvol-
NAÇÃO vimento socioeconômico local, re-
Em tempos sombrios, é bom reto- gional e nacional. Fica claro que “de-
marmos um pouco do que foram os senvolver a educação profissional e
Institutos Federais de Educação Ci- tecnológica como processo educati-
ência e Tecnologia (IFs) como projeto vo e investigativo de geração e adap-
e como sonho, antes que também a tação de soluções técnicas e tecnoló-
memória se apague, ou, nesse caso, gicas” tem como norte as demandas
não seja construída. Fazemos isso sociais e o desenvolvimento local.
antes de entrarmos na experiência Nos IFs, a educação de qualidade
de implantação do Curso Técnico em deveria ser vista como direito de to-
Eventos Integrado ao Ensino Médio das as pessoas. Grupos que foram his-
no Campus Brasília do Instituto Fede- toricamente excluídos dos sistemas
ral de Brasília (IFB). de ensino, e territórios, antes pouco
A Lei nº 11.892/2008, ao criar os atendidos, deveriam ser a prioridade
IFs, elegeu como suas finalidades de atuação dessas instituições que
a oferta da Educação Profissional e foram criadas para consolidar a ga-
Tecnológica, em todos os seus níveis rantia de direitos. A educação como
e modalidades, para formar e quali- direito está presente em diversos

1 Esse texto é uma versão atualizada do texto originalmente publicado pelos mesmos auto-
res e autoras em: FEIJÓ, Glauco Vaz; SILVA, Thiago de Faria e. Ensino e Pesquisa em História
e Humanidades nos Institutos Federais: Desafios e Perspectivas. Brasília: Editora do IFB,
2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 479


documentos legais e declarações de Nesse projeto de educação repu-
princípios das quais o Brasil é signa- blicana, pautada pela construção da
tário. Mais do que na Constituição autonomia, pela inclusão e pelo res-
Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes peito à diversidade, o PDE previa que
e Bases da Educação Nacional (LDB), os IFs teriam uma visão sistêmica de
de 1996, o Plano de Desenvolvimen- educação, território e desenvolvi-
to da Educação (PDE) de 2007 e a lei mento. Nessa seara, os Institutos en-
que criou os IFs reiteram a educação tendem que o processo de educação
enquanto instrumento de garantia para o desenvolvimento do território
de direitos e de melhoria das condi- se dá pelo trabalho, o que vai além
ções de vida da população. da formação para o trabalho. O de-
A Constituição Federal (CF) enu- senvolvimento de competências la-
mera-a como um direito social, uni- borais e cognitivas é marcado como
versal e dever do Estado. O acesso à consequência e não objetivo.
escola deve ser proporcionado pela Além do caráter cognitivo e epis-
União, pelos Estados, Distrito Fede- têmico, a concepção dos Ifs, tam-
ral e pelos Municípios, assegurada a bém, valoriza o sensível no ser huma-
igualdade de condições para o aces- no, com a significação mútua entre
so e permanência. O PDE de 2007, trabalho, ciência e cultura. Autores
vigente à época de criação dos Ifs, como Ramos (2005, p. 118) afirmam
apresentava explicitamente uma vi- que, por ser cognitivo, o ser humano
são bastante abrangente de educa- é capaz de desenvolver esquemas
ção. Segundo o referido documento, mentais complexos, mas também é
o objetivo da política nacional de um ser essencialmente epistêmico,
educação deve se harmonizar com “cuja natureza compreende a capaci-
os objetivos fundamentais da pró-
pria República, fixados pela Cons-
dade e a necessidade de conhecer”.
tituição Federal de 1988: construir Ao pautar a formação integral
uma sociedade livre, justa e soli-
dária; garantir o desenvolvimento no trabalho, na produção de conhe-
nacional; erradicar a pobreza e a cimento, nas artes e, também, na
marginalização e reduzir as de- cultura, os IFs assumiram a perspec-
sigualdades sociais e regionais e
promover o bem de todos, sem pre- tiva de que essas quatro esferas são
conceitos de origem, raça, sexo, cor, indissociáveis e basilares. Elas con-
idade e quaisquer outras formas de tribuem para a constituição de um
discriminação (BRASIL/MEC, 2007,
p. 5, 6). trabalhador apto a compreender as

480
dinâmicas produtivas do trabalho no te uma formação humanista, capaz
modo de produção vigente, sabendo de inseri-lo na atividade social de for-
diferenciá-las do trabalho como con- ma efetiva. Nas palavras de Gramsci
dição ontológica, que se manifesta (1979, p. 121), “levá-lo a um certo
em diferentes linguagens e que está grau de maturidade e capacidade, à
na base de tudo o que é humano. criação intelectual e prática e a uma
A formação integral do profissio- certa autonomia na orientação e na
nal ultrapassa a preparação para o iniciativa”. Gramsci não olvidava as
exercício do trabalho ou para a exe- condições materiais objetivas de
cução de tarefas rotineiras. Enten- seu tempo, que obrigava os jovens
deu-se que não é papel do Estado “a uma certa colaboração produtiva
fornecer mão de obra para o capital, imediata” que tornava o projeto de
mas, sim, formar pessoas integrais e escola unitária como um objetivo a
críticas, que poderão também atuar ser alcançado com a emancipação
como técnicas. Para isso, levou-se do ser humano, sendo, ao mesmo
em conta o sentido histórico que o tempo, objeto e sujeito dessa eman-
trabalho assumiu no modo de pro- cipação.
dução capitalista. Teve-se como ho- No caminho da construção da
rizonte a formação de profissionais escola unitária, algumas conquistas
que concorressem para a superação deveriam ser realizadas. Gramsci já
dos sentidos que, normalmente, as- enumera algumas delas:
sume o trabalho e para o alcance de a escola unitária requer que o Esta-
formas mais solidárias de produção do possa assumir as despesas que
hoje estão a cargo da família, no
material e imaterial e de apropriação que toca à manutenção dos escola-
dessa produção. O objetivo maior res […] o corpo docente, particular-
da formação proposta foi, em última mente, deveria ser aumentado, pois
a eficiência da escola é muito maior
instância, contribuir para a emanci- e intensa quando a relação aluno
pação da classe dos que vivem do professor é menor […] Também a
trabalho (ANTUNES, 2005) no Brasil questão dos prédios não é simples,
pois este tipo de escola deveria ser
e, como consequência, de todos os uma escola-colégio, com dormitó-
brasileiros e brasileiras. rios, refeitórios, bibliotecas especia-
lizadas, salas aptas ao trabalho de
Nesse cenário, o IFB deveria, tam- seminário etc. […] reorganizadas
bém, ter se pretendido uma escola não somente no que diz respeito
unitária, que oferecesse ao estudan- ao conteúdo e ao método de en-
sino, como também no que toca à

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 481


disposição dos vários graus da car- em que atuam, além de tratar de
reira escolar […] deveria desenvol-
questões de fundo como a temática
ver notadamente a parte relativa
aos “direitos e deveres”, atualmente ambiental, por exemplo. Deveriam
negligenciadas, isto é, as primeiras ser valorizados os espaços de discus-
noções do Estado e da sociedade
são coletiva, de formação política, de
como elementos primordiais de
uma nova concepção de mundo atendimento individual ou coletivo
que entra em luta contra as concep- com os docentes. Esse processo foi
ções determinadas pelos diversos
diluído pela realidade, pela mun-
ambientes sociais tradicionais […].
De fato, a escola unitária deveria ser danidade da negociação de cargos,
organizada como colégio, com vida pelos embates ideológicos que cres-
coletiva diurna e noturna, liberta de
ceram junto com o crescimento dos
suas atuais formas de disciplina hi-
pócrita e mecânica, e o estudo de- IFs, mas sempre estiveram vivos, em
veria ser feito coletivamente, com alguns cantos mais forte, em outros
a assistência dos professores e dos
momentos mais fracos. Agora, o que
melhores alunos, mesmo nas horas
de aplicação chamada individual se tem é o desmonte do projeto de
(GRAMSCI, 1979, p. 121-123). nação malcomeçado e, com ele, des-
montam-se também os IFs.
Os IFs, como projeto de Escola
Unitária, precisariam, então, con- 2. O ENSINO MÉDIO INTEGRADO
tar com número de professores que NOS INSTITUTOS FEDERAIS
consiguissem atender, com plenitu-
de, a todos os alunos e atividades ex- A Educação Profissional Técnica
traclasse, de pesquisa e de extensão. Integrada ao Ensino Médio, ou, resu-
Os campi deveriam contar com refei- midamente, o Ensino Médio Integra-
tórios, bibliotecas especializadas, sa- do (EMI), foi uma das bases da formu-
las aptas ao trabalho em seminários, lação dos IFs e da proposta de Escola
laboratórios adequados, espaços de Unitária. Deveria ser, ao mesmo tem-
convivência, quadra de esportes e, po, uma solução para os impasses do
quando viável, alojamento. Na pers- Ensino Médio propedêutico versus
pectiva de humanização da escola e Ensino Profissionalizante para po-
de todos os conteúdos, os cursos de- bres, como também uma plataforma
veriam contar com abordagens que pedagógica de inovação curricular
discutissem a inserção do trabalha- com potencial para promover “uma
dor no mundo do trabalho, os direi- revolução na educação brasileira”.
tos e deveres e o papel social da área

482
Enxergamos como base da pro- vo, na cultura e nas artes. O traba-
posta do Ensino Médio a construção lho como princípio educativo não
de um currículo integrado na con- deve ser entendido como formação
cepção proposta por Basil Bernstein na prática ou simples treinamento
(1996), sendo importantes, sobretu- para o exercício de uma profissão,
do, suas ideias de classificação e en- mas sim como derivado da ideia de
quadramento. Nos termos de Berns- trabalho como princípio ontológico
tein, os currículos dos EMIs deveriam do ser humano, assumindo que toda
observar uma classificação curricular atividade humana age no sentido de
fraca, que elidisse as fronteiras entre transformar o mundo e que cada um
as disciplinas, e um enquadramento de nós deve assumir conscientemen-
também fraco, que tende ao enfra- te seu papel de “trabalhador”, de edi-
quecimento das hierarquias nos pro- ficador do mundo em que vivemos.
cessos comunicativos. Tomaz Tadeu Considerar o trabalho como princí-
da Silva (2000, p. 75), ao interpretar pio educativo equivale a dizer que o
ser humano é produtor de sua reali-
as categorias elaboradas por Berns- dade e, por isso, se apropria dela e
tein, propõe que o autor diferencia pode transformá-la. Equivale dizer,
o currículo integrado do currículo ainda, que nós somos sujeitos de
nossa história e de nossa realidade.
tipo coleção, sendo este pautado em Em síntese, o trabalho é a primeira
uma classificação forte, que não per- mediação entre o homem e a reali-
mite a permeabilidade entre as áreas dade material e social (BRASIL/MEC/
SETEC, 2007, p. 45).
do conhecimento.
O currículo integrado é entendi-
do como aquele que Perseguia-se, pois, repetimos, a
Escola Unitária nos moldes do que foi
organiza o conhecimento e desen-
volve o processo de ensino-apren- definido por Antonio Gramsci (1979),
dizagem de forma que os conceitos atentando-se ao que nos permitia o
sejam apreendidos como sistemas
momento histórico de emancipação
de relações de uma totalidade con-
creta que se pretende explicar, com- em que acreditávamos estar vivendo,
preender e transformar (RAMOS, sem se perder de vista a intenção de
2010, p. 79).
ruptura com a dicotomia histórica do
Ensino Médio entre educação prope-
O EMI visaria, então, à formação dêutica para as elites e classes médias
integral do ser humano pautada no altas e a educação profissionalizante
trabalho como princípio educati- para as classes subalternas. Busca-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 483


va-se superar essa dicotomia, bem 3. O CURSO TÉCNICO EM EVENTOS
como a determinação do mercado
INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO NO
de trabalho sobre a educação no En-
sino Médio, que age em suas duas IFB
formas, imediatamente na forma pro- O elaboração do Plano Pedagógi-
fissionalizante e de forma mediata co de Curso (PPC) do curso integra-
na educação propedêutica (BRASIL/ do de eventos foi um processo mais
MEC/SETEC, 2007, p. 6). Não foi inten- denso e tenso do que costumam ser
ção esquecer o mercado do trabalho, as mecânicas elaborações de PPCs.
pois essa é uma faceta importante do Após a devolução do projeto inicial
trabalho humano, sobretudo em seus pelo Conselho Superior do IFB, com
sentidos atuais, e a ela temos que nos pedidos de alterações e explicações,
ater. Propôs-se, apenas, que a deter- o grupo de professores da Área de
minação do processo educativo se Hospitalidade e Lazer, que havia ela-
desloque do mercado de trabalho borado o plano, buscou ampliar o
para a emancipação do ser humano, diálogo, convidando para a reelabo-
que passa também por sua colocação ração do PPC as pessoas que estives-
crítica no mercado de trabalho. sem dispostas a pensar um projeto
A implantação do EMI no IFB não de integração curricular que supe-
foi homogênea e se realizou de dis- rasse a justaposição entre disciplinas
tintas formas, com maiores ou meno- da área técnica e disciplinas do Ensi-
res reflexões nos campi da instituição. no Médio regular. A proposta elabo-
No Campus Brasília (CBRA), foram im- rada pelo novo grupo foi bem além
plantados dois cursos, sendo que um de responder aos questionamen-
deles, o Curso Técnico em Eventos tos do Conselho Superior: o PPC foi
Integrado ao Ensino Médio (CTEIEM), completamente refeito, tentando es-
teve como horizonte a escola unitá- truturar, com uma organização curri-
ria, que implicou tanto nos desafios cular mais clara e com um embasa-
teóricos de lidar com as contradições mento teórico mais forte os pontos
da formação classista que se perpe- que, desconfiávamos, seriam objeto
tua desde a formulação do conceito de contestação.
gramsciano, quanto nos desafios prá- De forma sucinta, dois pontos
ticos de enfrentar as resistências an- centrais deram a conformação da
teriores e posteriores à implantação organização curricular do plano: a
do Curso.

484
organização por áreas, com docen- toria de Ensino (PREN), que apoiou a
tes atuando em conjunto em sala ideia, mas fez questão de preparar o
de aula, e os projetos bimestrais, PPC com todo o cuidado necessário
amarrados por avaliações obriga- para sua aprovação no Conselho Su-
toriamente integradas entre todos perior (Consup). Técnicas e diretores
os componentes curriculares (IFB, da PREN discutiram conosco cada
2015). Sobre a organização por áreas, ponto do PPC, esclarecendo todas
cabe frisar que ela não deve ser con- as dúvidas e fazendo sugestões de
fundida com qualquer porposta de reformulação para dirimir dúvidas,
generalização da autação de docen- sem que, em nenhum momento, fos-
tes. Embora ela tenha por horizonte sem propostas alterações na estru-
o debate transdisciplinar, entende- tura ou na concepção do curso que
mos que a trandisciplinaridade não estávamos propondo. Conversamos
se alcança pela superficialidade, mas também com conselheiros e conse-
sim pela sólida formação interdisci- lheiras, antes do envio do PPC para
plinar, por meio da qual as frontei- o Conselho, para saber de seus posi-
ras disciplianres possam ser diluídas cionamentos e tentar, pelo diálogo,
para as próximas gerações sem ali- contornar anteriormente posições
geiramento do conhecimento apre- contrárias.
endido e produzido. Sendo assim, Chegamos então ao Consup
nessa proposta, docentes formados confiantes na aprovação do PPC,
em cada disciplian planejam e atuam mas sabíamos que isso não ocorre-
em conjunto, buscando, por meio ria sem debates e muito menos por
de uma base sólida, a diluição das consenso, como costuma acontecer
fronteiras disciplinares e a formação
na aprovação de PPCs no IFB. Mes-
integral dos educandos. Esse proces-mo cientes disso, os debates foram
so vem se demonstrando ao mesmo mais intensos do que esperávamos.
tempo bastante enriquecedor para a Um dos conselheiros, também do-
formação de docentes que buscam cente no IFB, em sua manifestação
superar suas limitaçõe disciplinares,
contrária, afirmou que “tenho, sim,
sem abrir mão da expertise de suas muita suspeita em relação a isso, e me
disciplinas. causa, sim, muita preocupação, a gen-
As suspeitas sobre as possíveis te fazer experimento com os filhos dos
resistências ao PPC se confirmaram outros”2. Não se trata aqui de debater
assim que o plano chegou à Pró-Rei- as razões desta fala, fundamentada

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 485


pelo conselheiro na sua observação em grupo, realizaram vídeos curtos
sobre perfil docente do IFB3. O in- sobre o tema “Espaços público de
tuito é apenas descritivo, queremos lazer” – a reação entre discentes e
apenas dar ênfase aos enfrentamen- alguns colegas docentes foi bastan-
tos necessários para se promover te negativa, o que gerou uma onda
uma reforma curricular que se funda crescente de reclamações e exigên-
em questionamentos tanto do ethos, cias de repasse de conteúdo e, tam-
quanto da moral, da estética e do bém, de controle disciplinar, que
fazer escolar. Ainda que esses ques- culminou com o envio, ao mesmo
tionamentos não sejam explicitados, colegiado, de uma carta elaborada
justamente para diminuir as resis- com a turma por um professor sob
tências, os movimentos da guerra de o mote “Ensino integrado, integrou
posição são percebidos e as reações tanto que sumiu”. A carta, muito bem
a eles são fortes, pois ocupar posi- redigida, acusava o colegiado de es-
ções, de fato, traz ameaças ao esta- tar negando aos adolescentes o di-
belecido. reito à Educação, ao substituir méto-
O PPC foi aprovado e a primeira dos tradicionais de ensino por nada,
turma entrou no ano letivo de 2016. ao se apoiar no fazer sem aprender
Os maiores desafios estavam por vir. e não no “aprender fazendo”. Por trás
Enfrentamos, em primeiro lugar, uma de todas as reclamações, estava o
grande dificuldade de organização justo temor dos estudantes de que
do projeto bimestral e uma evidente o formato do curso não lhes possibi-
incapacidade em deixarmos tranqui- litasse entrar em uma universidade
las os estudantes diante de uma or- pública, devido ao fato de o curso
ganização curricular tão inesperada. não “preparar para o Enem”.
Apesar de, como colegiado, termos Para além das questões éticas
avaliado positivamente o resultado envolvidas na elaboração da carta,
das avaliações coletivas do primeiro ela detonou uma série profícua de
bimestre – nas quais as estudantes, conversas entre todos os grupos en-

2 A 33ª Reunião do Conselho Superior do IFB, na qual foi aprovado o PPC do Curso Técnico
em Eventos Integrado ao Ensino Médio está disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=kwf2Trpver8>. Acesso em: 13 maio 2017. A fala do conselheiro aqui citada se en-
contra a partir de 1:29:00.
3 Na mesma fala, o conselheiro avalia que “a gente tem é o cara querendo vir, dar sua auli-
nha, cascar fora e não volto mais essa semana. Essa é a nossa dinâmica” (ver referência na
nota anterior).

486
volvidos, que nos levou a tomarmos tenderam e gostaram de Mário de
medidas de organização que foram Andrade, estão mais presentes em
bastante produtivas. Uma das reu- sala de aula e, por iniciativa própria,
niões provocadas por essa situação resolveram um dos pontos que mais
foi realizada com os responsáveis angústia lhes provocava: criaram um
pelas estudantes, uma vez que mui- mecanismo de atribuição de percen-
tos haviam demonstrado a intenção tual de participação de cada mem-
de retirar suas filhas da escola. Reto- bro da turma para ser aplicado no
mamos detalhadamente com os res- cálculo da nota. O amadurecimento
ponsáveis a organização curricular da turma tem sido um dos temas
do curso e, sobretudo, reafirmamos mais constantes das reuniões pe-
que, de fato, o curso não preparava dagógicas e de colegiado, contudo,
para o Enem. Contudo fizemos isso ainda é cedo para termos certeza se
demonstrando que a organização podemos comemorar isso como re-
do curso se aproximava muito mais sultado do curso.
das exigências do Enem do que eles Além da atapatação da obra Ma-
imaginavam e, embora o Enem não cunaíma para os palcos, foram ence-
fosse uma de nossas preocupações, nadas as peças O auto da Compadeci-
de forma alguma estávamos tirando da, de Ariano Suassuna, e O pagador
o direito de os estudantes passarem de promessas, de Dias Gomes, cada
neste exame. uma delas pensada e executada por
Ninguém abandonou o curso na- uma das duas turmas de primeiro
quele momento e, ao final do ano le- ano do curso para compor a mostra
tivo, tivemos uma aluna retida e duas Teatrando.
alunas transferidas. O resto da turma Ainda nos é difícil avaliar o pro-
retornou e continuam todas bastan- cesso de construção de conhecimen-
te reivindicativas; acreditamos que to e de autonomia que pretendemos
empoderadas. No primeiro bimes- fomentar entre os e as discentes do
tre de 2017, escreveram um projeto curso, principalmente por não ter-
de 50 páginas que foi executado no mos nos preprarado para isso, mas
segundo bimestre: a montagem de também pelo pouco tempo do curso
uma peça teatral a partir da leitura da e de alguns de seus resultados mais
obra de Macunaíma, em uma mostra visíveis e expressivos. A avaliação
de teatro organizada pelas três tur- sistematizada dos processos desen-
mas do curso. Leram (algumas), en-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 487


cadeados será certamente um novo turma concluísse que o muiraquitã
e grande desafio. Temos, contudo, representava a cultura brasileira, o
algumas impressões. Sobre o último cárater que nosso héroi sem caráter
trabalho elaborado pelas turmas, o estava buscando em suas andanças
Teatrando, ainda que não seja um pelo Brasil. Concordemos ou não
critério mensurável de avaliação, com essa interpretação, pois não é
não temos dúvida, mesmo que ainda esse o caso aqui, essa nos parece ser
não saibamos precisar, que há mui- uma leitura bastante elaborada de
to significado, muito aprendizado e uma obra tão densa quanto o é Ma-
contrução de conhecimento e auto- cunaíma.
nomia na emoção provocada no pú- Para além das humanidades, que
blico pelas cenas finais da morte de é a área em que atuamos, a turma
Zé do Burro nas escadarias da igreja que adaptou e encenou Macunaí-
ao som de Funeral de um lavrador em ma foi avaliada em matemática, por
uma adaptação da peça inteiramen- exemplo, por meio da construção e
te construída pela turma, incluindo a inserção no cenário de sólidos geo-
escolha da trilha sonora. métricos que haviam sido estudados
Quando acompanhávamos um no bimestre, daí tenha talvez surgido
dos ensaios de Macunaíma, por a ideia para o final da peça, no qual
exemplo, um de nós tomou a inicia- Macunaíma, ao ser devorado pela
tiva de iniciar uma conversa com o Uiara, não morre, mas se transforma
intuito de avaliar o que a turma es- em uma estrela, uma estrela da músi-
tava entendendo sobre o texto que ca, pendurada no teto do palco para
estavam adaptando. Como as alunas dar vida a um dos sólidos geométri-
e os alunos brincavam muito com o co das aulas de matemática.
nome muiraquitã, inicamos a con- Para fecharmos essa descrição
versa por meio de brincadeiras com e registro da última experiência do
o amuleto que Ci, a Mãe do Mato, curso, ocorrida há pouco mais de um
presenteara Macunaíma. Em meio mês do momento em que concluí-
à convesa, surge a pergunta: “Mas mos a atualização desse texto, regis-
o que vocês acham que representa o tramos que essas linhas, que são as
muiraquitã?” Não foi preciso muito últimas desse texto a serem inscritas,
mais do que meia dúzia de frases foram concluídas no mesmo dia 4
para que o tom de brincadeira inical de agosto de 2017, no qual foi divul-
se tornasse mais sério e para que a

488
gado o resultado preliminar da se- Desse sertão
leção de propostas de artes cênicas De coração bom?
da Chamada Pública IFB nº 03/2017, É simples!
que selecionou propostas para o Co- Cor e tom
necta IF, um dos maiores eventos da Não são datas de inscrição
Rede Federal de Educação Profissio- Para o respeito necessário.
nal. Entre as propostas preliminar- É a imensidade
mente aprovadas está a peça O Auto Da diversidade,
da Compadecida, cujo projeto foi es- Culpa do universo
crito de forma autônoma por uma De cada um.
das duas turmas de primeiro ano do (Ana Gabriela Lorenz – poesia iné-
Curso Técnico em Eventos Integrado dita)
ao Ensino Médio e encenada pela
primeira vez no Teatrando, processo
Como não temos ainda avalia-
de avaliação integrada do curso con-
ções sistematizadas, esse texto, que
duzido durante o primeiro e segun-
insere alguns parágrafos a outro tex-
do bimestres de 2017. Abaixo repro-
to recentemente publicado (SILVA;
duzimos o poema escrito pela aluna
LEITE; FEIJÓ; FERREIRA, 2017), serve
Anna Gabriela Lorenz, da turma R do
mais como registro de uma proposta
1° ano do curso, para a adaptação de
de inovação e integração curricular
O Auto da Compadecida produzida e
do que propriamente como modelo
encenada pela turma como trabalho
de um projeto sólido, mas é aí que
final do segundo bimestre letivo de
reside sua importância, na abertura,
2017 e escolhida pela Chamada Pú-
em seu caráter incipiente e aberto
blica IFB Nº 03/2017, que selecionou
a trocas, diálogos e reflexões com
propostas para o Conecta IF 2017:
pessoas outras que estão buscando
Vai da forma de se apaixonar
caminhos para a construção de um
A forma de se portar,
Ensino Médio Integrado significativo.
Ao jeito de colorir o sorriso
Então, se registramos algumas pers-
Branquíssimo ou amarelo. pectivas, cabe também o registro de
Despimos o preconceito alguns desafios.
A barreira da colheita, que também
é cultura, Ao longo do processo de solidi-
Mas o que dança tem a ver com a ficação do curso, temos enfrentado
secura resistências e dificuldades tanto por

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 489


parte dos próprios professores do cionar os saberes, tendo como prin-
IF, quanto por parte de alunas e das cípios a contextualização, a trans e
famílias. Confunde-se a ideia de uma a interdisciplinaridade” (IFB, 2015, p.
educação integral que trata o en- 75), o que, pela formação que rece-
sino, a pesquisa e a extensão como bemos, talvez, impacte diretamente
princípios indissociáveis (o que está nas dificuldades encontradas em re-
indicado no PDI do IFB e na propos- alizar trabalhos conjuntos. De modo
ta do curso de eventos) com uma que essas resistências e dificuldades,
educação tecnicista, voltada para o ao mesmo tempo que nos ameaçam,
vestibular e o trabalho. Nesse senti- tornam-se também desafios a en-
do, percebem-se dificuldades no que frentar em planejamentos coletivos,
tange a uma compreensão mais am- encontros ou reuniões de grupo de
pla dos pilares do curso e, do ponto professores e reuniões colegiadas.
de vista mais pragmático, por exem- Certamente, a situação funcional
plo, quanto ao uso crítico do livro da equipe escolar, envolvendo jorna-
didático, e/ou ao seu menor uso. Por da de trabalho, programas de desen-
desconhecimento, ou indisposição a volvimento profissional e condições
tentar o novo, as alunas nos cobram de organização do trabalho pedagó-
uma educação tradicional, centrada gico, tem um peso significativo para
no professor, e no uso sequencial do o êxito da proposta aqui discutida.
livro didático. De igual modo, as visi-
tas técnicas, seminários, exposição e Ainda não tivemos fôlego para
debate de vídeos, muitas vezes, são elaborar algum instrumento de pes-
mal vistos por não estarem restritos quisa que pudesse nos orientar na
ao espaço de sala de aula. interpretação sobre as razões das
resistências ao formato do Curso de
No entanto tais dificuldades não Eventos. Claro que há a suspeita do
vêm apenas dos estudantes, existe novo, mas não são tão novas assim
certa relutância também por parte e nem tão revolucionárias as práti-
dos docentes na compreensão dos cas adotadas. Desconfiamos, porém,
princípios norteadores do curso e que há duas coisas na estrutura do
mesmo no trabalho interdisciplinar. curso que são ameaçadoras: uma de-
Do ponto de vista metodológico, no las foi intencional, sobre a outra, em-
plano de curso do EMI Eventos, pre- bora bem-vinda, não havíamos feito
viu-se a “elaboração de projetos com qualquer planejamento. O que haví-
o objetivo de articular e inter-rela- amos planejado foi o questionamen-

490
to às disciplinas que fundamentam for isso, estamos felizes de estar ten-
o PPC e do qual não é possível fugir tando. Mas, como dissemos, estamos
na execução do curso, pois as aulas aqui tratando mais de esperanças do
conjuntas, a organização por áreas que de fatos, mais de interpretações
e as avaliações únicas para todos os do que de análises, mais do que que-
componentes nos obrigam a pen- remos ser, do que do que de fato so-
sar sobre a disciplinaridade. Ocorre mos.
que a estrutura disciplinar da mo-
dernidade é tão pesada que apenas 4. PERSPECTIVAS FRENTE À RE-
o fato de pensar que ela não é um
FORMA DO ENSINO MÉDIO E AO
dado da natureza e que pode estar
com seus dias contados é suficiente DESMONTE DOS IFs
para causar angústias e inseguranças A reforma do Ensino Médio, san-
em muitas de nós. O outro ponto é, cionada pela Presidência da Repú-
na realidade, a outra face do regime blica no dia 16 de fevereiro de 2017,
disciplinar, ele é consequência dire- como Lei nº 13.415 (BRASIL, 2017),
ta do questionamento que se faz às e que decorre da Medida Provisória
disciplinas: a ausência de controle nº 746, de 2016, apresenta uma re-
disciplinar dos corpos, dos espaços formulação da Educação Básica em
e a aposta no exercício da liberdade seus diversos níveis, tendo um im-
como a melhor forma de aprender a pacto direto na existência e viabilida-
ser livre. Quando colocamos em che- de do Ensino Médio Integrado. Uma
que as disciplinas escolares, se não prerrogativa da existência do Ensino
somos muito contraditórios, contes- Médio Integrado sempre foi a ideia
tamos todo o regime disciplinar que de que a integração não equivale a
fundamenta a escola moderna e que tempo integral na escola. O que se
sustenta a sociedade moderna. Para propõe na estrutura dos IFs – algo
além da ausência dos nomes das não consolidado, mas em processo –
disciplinas em lugar de destaque no é a possibilidade da autonomia inte-
PPC, assusta-nos a todos a liberdade lectual dos estudantes e do ambien-
e a ameaça de, talvez, estarmos perto te escolar como um todo. Para tanto,
de um momento de transformação no currículo integrado, não basta a
na forma como organizamos as rela- existência de disciplinas básicas e
ções sociais desde a consolidação da técnicas ocorrendo ao mesmo tem-
modernidade. Talvez seja isso e, se po. Não se trata, portanto, apenas de

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 491


juntar coisas. Dito isso, é importante O segundo motivo pelo qual a
ressaltar que a construção desse mo- integração nos IFs é um desafio é o
delo de integração nos IFs ainda é fato de que as experimentações de
um desafio. modelos de cursos e propostas ainda
Em primeiro lugar, porque a pró- estão em movimento. E é importan-
pria formação dos docentes que atu- te que seja assim. Para além de um
am nestes cursos se deu a partir de modelo de Ensino Médio definitivo,
um modelo tradicional, rígido, disci- os IFs têm experimentado, ainda que
plinar. E é muito difícil aprender a tra- com alguma resistência, caminhos
balhar em conjunto, reconhecendo para que se repense o Ensino Médio
as implicações de um conhecimen- e suas possibilidades. Essa autono-
to que é construído coletivamente mia de experimentação corre o risco
e por meio da colaboração em seus de ser podada por um modelo que,
diversos níveis, algo muito diferente ainda que seja abrangente, apresen-
do tipo de experiência escolar viven- ta características gerais que impe-
ciada pela maior parte desses pro- dem – pelo menos conceitualmente
fessores: a ideia de que professores – a existência de uma integração que
apenas ensinam (e só ensinam sua se dê desde o currículo.
especialidade, agindo sozinhos) e de Diante do que colocamos até
que estudantes apenas aprendem. aqui, é importante ressaltar que a
Demerval Saviani (1999) argumenta Lei nº 13.415/2017 é uma decorrên-
que um processo de ensino signifi- cia do projeto de Lei nº 6.840/2013,
cativo é aquele em que quem ensina que buscava já uma reformulação do
tem controle do processo no início. Ensino Médio em termos bem pareci-
Afinal, é necessário decidir o que dos com os atuais. Essa discussão, no
ensinar, como ensinar etc. Contudo entanto, ficou parada desde o final
esse processo só é realmente signi- de 2014 e só foi retomada em agos-
ficativo se, ao fim, não soubermos to de 2016. Logo que foi resgatado, o
quem aprendeu mais, os professores projeto de lei, com pouquíssimo tem-
ou os estudantes. Assim, entende- po de discussão, foi convertido em
mos que se comprometer com o pro- Medida Provisória em setembro de
jeto de integração é algo complexo 2016, o que permitiu a aceleração da
e leva tempo, tempo esse que, como reforma, mas impediu uma discussão
veremos, está sendo desconsiderado adequada do tema, principalmente
pela reforma do Ensino Médio. considerando suas implicações.

492
Richard Sennett (2013, p. 51) ar- ções em que estamos inseridos con-
gumenta que um mecanismo natural sideram apenas, ou prioritariamente,
para a construção da solidariedade é critérios objetivos e tecnicistas para
a cooperação. Em um ambiente em a construção de seus valores, tende-
que nos reconhecemos como parte mos a enfraquecer as relações sociais
de um grupo em que prevalecem entre os indivíduos participantes. No
os vínculos sociais, tendemos a agir entanto, se a cooperação é mesmo
tendo em vista aquilo que é melhor algo natural, será possível impedir
para o grupo. Essa perspectiva ques- por completo o desejo de associação
tiona a forma de ver a realidade so- e colaboração que as pessoas pos-
cial como um espaço de lutas cons- suem? A experiência no Ensino Mé-
tantes em que prevalece apenas o dio Integrado do IFB nos mostra que
mais forte. A visão de que o egoísmo esse tipo de cerceamento não é tão
humano preexiste à existência social simples assim.
– algo que aparece na teoria política A experiência da escola é uma
de Hobbes, por exemplo – é o que experiência cotidiana por excelên-
nos faz considerar que a realidade cia. Vivemos em uma sociedade em
de determinados ambientes sociais que os valores da educação formal
são imutáveis. Contudo, se conside- se sobrepõem, pelo menos em parte,
rarmos a complexidade das relações aos valores culturais estabelecidos
humanas, poderemos perceber que, nos diversos espaços comunitários.
em muitos casos, as construções so- Tudo isso acaba por nos levar a en-
ciais impedem as nossas ações, ou tender a escola como um ambiente
pelo menos limitam as nossas von- separado da experiência comuni-
tades. tária e cotidiana. Tanto é assim que
Para Sennett, a cooperação, ape- costumamos ouvir expressões como
sar de ser algo que queremos fazer, “a escola prepara para a vida”. Se a
envolve uma complexidade bem escola prepara para a vida é porque
maior do que aquilo que nos é, inicial- a escola em si mesma não faz parte
mente, permitido realizar: “nossa ca- da vida e, assim, se parece com algo
pacidade de cooperar é muito maior que devemos deixar para trás o mais
e mais complexa do que querem rápido possível. O Ensino Médio Inte-
crer as instituições” (SENNETT, 2013, grado propõe uma reflexão em um
p. 43). O desafio, portanto, é romper campo diferente, convidando todos
essas barreiras. Quando as institui- os envolvidos (professores, funcio-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 493


nários, estudantes, familiares etc.) a presenta um bem que ainda quere-
se comprometerem com esse espa- mos que permaneça vivo e ativo em
ço que é de todos e que, ao contrário nossa sociedade. Tirar as pessoas da
da visão que apresentamos antes, se passividade não é simples em um
concretiza na vida cotidiana de for- mundo complexo onde somos tão
ma imediata e marcante. O que pode pouco nós mesmos e estamos cada
transformar, de forma definitiva, a vez mais esmagados por compro-
nossa experiência com a comunida- missos, obrigações e determinações
de onde estamos inseridos é a expe- do globaritarismo. Mesmo assim, vis-
riência cotidiana e não as imediatas lumbramos a possibilidade de que
construções formais. este momento de entrave político
Na medida em que a escola é um nos ajude a compreender o valor de
espaço de mediação entre o privado nos associarmos e nos comprome-
(sobretudo a família) e o público (so- termos com um projeto que, ainda
ciedade), ela deve também favorecer em construção, já mostra tantas pos-
procedimentos e conhecimentos sibilidades e surpresas.
que façam essa transição (ARENDT,
1968). É por esse motivo que, ape- 5. CONCLUSÕES
sar de considerarmos o avanço des-
Recorrendo a Veiga (2000, p. 13)
ta proposta inicial de mudança de
e às interpretações e discussões aqui
currículo, compreendemos também
desenvolvidas, podemos entender
que os maiores desafios estão em
que qualquer PPC vai além de um
despertar em cada um esse desejo
simples agrupamento de planos de
de se associar àquilo que é, efetiva-
ensino e de atividades diversas, pois
mente, uma construção coletiva.
é construído e vivenciado, em todos
A crise de legitimidade do go- os momentos, por todas as pessoas
verno e a incoerência das recentes envolvidas com o processo educati-
reformas políticas não são capazes, vo da escola.
por si mesmas, de eliminar o dese-
Ao se tratar da organização do
jo das pessoas de se entregarem à
Plano Pedagógico do Curso Técni-
posse daquilo que efetivamente está
co em Eventos Integrado ao Ensino
em suas mãos. A educação pública
Médio, um conjunto de questões
– e percebemos isso em nossos es-
emerge. A própria construção e im-
tudantes e em seus familiares – re-
plementação do PPC traz consigo o

494
tratamento de dimensões histórico- intransponíveis, pois a ousadia deve
sociais e epistemológicas, afinal, a ser entendida como saudável e im-
escola sempre foi território de dis- prescindível aos processos humanos
puta política. As concepções de pro- e educativos. Assim, o que se ofere-
fessor versus aluno; as relações entreceu aqui foi um ponto de partida,
os sujeitos da escola, já construídas antes de tudo, uma avaliação inicial
e em construção; a passagem de um do processo de concepção de um
modelo de currículo tradicional para curso de Ensino Médio Integrado no
um currículo com ênfase na autono- campus Brasília do IFB. Entendemos
mia dos sujeitos, nas práticas reais, que é imprescindível persistir na (re)
possíveis e interdisciplinares; além construção de uma escola que ob-
da própria gestão (do espaço) es- jetive um ensino de qualidade, que
colar, foram pontos que mereceram proponha mudanças e que busque
nossa reflexão. reconstruir os procedimentos envol-
Os desafios apontados revelam vidos na produção dos conhecimen-
nada menos que a tensão perma- tos, oferecendo aos egressos opor-
nente entre conservação e mudança, tunidades de inserção no mundo do
em qualquer instância da sociedade. trabalho e no desafio de participação
Quando o velho é abalado pelo novo, em uma sociedade como a atual, que
que, por essência, é irrequieto, sem- requer aprendizagem autônoma e
pre há conflito, tensão (GRAMSCI, contínua ao longo da vida.
1987). Dessa forma, qualquer expe-
riência que proponha algo diferente REFERÊNCIAS
sofre alguma resistência. No caso do
ANTUNES, R. O Caracol e sua Con-
curso de eventos, ao elencar alguns
cha: ensaios sobre a nova morfologia
pontos deste desafio, torna-se mais
do trabalho. São Paulo: Boitempo,
fácil compreender o movimento por
2005.
que tem passado essa resistência,
não só estritamente por parte do ARENDT, H. Entre o passado e o fu-
corpo docente, mas de toda a comu- turo. São Paulo: Perspectiva, 1968.
nidade escolar.
BERNSTEIN, B. A estruturação do dis-
Ao expormos as dificuldades para
curso pedagógico. Classe, códigos e
o desenvolvimento deste projeto
controle. Petrópolis: Vozes, 1996.
interdisciplinar, no entanto, enten-
demos que estas não são barreiras BRASIL. Lei 13. 415 de 16 de feverei-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 495


ro de 2017. Diário Oficial [da] Re- IFB. Resolução N.º 021/2015/CS-I-
pública Federativa do Brasil, Poder FB. Aprova o plano de curso do curso
Executivo, Brasília, DF, 16 fev. 2017. técnico em eventos integrado ao En-
sino Médio e autoriza seu funciona-
BRASIL/MEC. O Plano de Desenvol- mento. Disponível em: <http://www.
vimento da Educação: razões, prin- ifb.edu.br/attachments/article/8689/
cípios e programas, 2007. Disponível Resolu%C3%A7%C3%A3o_021_
em: <portal.mec.gov.br/arquivos/ Autoriza%20funcionamento%20
livro/livro.pdf>. Acesso em: 13 maio curso%20t%C3%A9cnico%20
2017. em%20eventos%20integrado%20
ao.pdf>. Acesso em: 13 maio 2017.
BRASIL/MEC/SETEC. Educação Pro-
fissional Técnica de Nível Médio PACHECO, E. (Org.). Os institutos fe-
Integrada ao Ensino Técnico: Docu- derais uma revolução na educação
mento Base. Disponível em: <portal. profissional e tecnológica. São Pau-
mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/do- lo: Ed. Moderna, 2011.
cumento_base.pdf>. Acesso em: 13
maio 2017. RAMOS, M. Possibilidades e desafios
na organização do currículo integra-
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. do. In: CIAVATTA, M.; FRIGOTTO, G.;
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. RAMOS, M. (Org.). Ensino Médio In-
tegrado. Concepções e Contradi-
FRIGOTTO, G. Concepções e mudan-
ções. São Paulo: Cortez, 2005. p.106-
ças no mundo do trabalho e o Ensino
127.
Médio. In: CIAVATTA, M.; FRIGOTTO,
G.; RAMOS, M. (Org.). Ensino Médio ______. Implicações políticas e peda-
Integrado. Concepções e Contradi- gógicas da EJA integrada à educação
ções. São Paulo: Cortez, 2005. p. 57- profissional. Educação e Realidade,
82. n. 35, v. 1, p. 65-85, jan./abr. 2010.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a or- SANTOS, M. A natureza do espaço:
ganização da cultura. Rio de Janei- técnica, tempo, razão e emoção. São
ro: Civilização Brasileira, 1979. Paulo: Hucitec, 1996.
______. Gramsci, le sue idee nei SAVIANI, D. Escola e Democracia.
nostro tempo. Roma: Editrice L’Uni- Campinas: Autores Associados, 1999.
tà, 1987.

496
SENNETT, R. Juntos. Rio de Janeiro:
Record, 2013.

SILVA, D. A. da; LEITE, J. F.; FEIJÓ, G. V.;


FERREIRA, M. R. G. A experiência de
implantação de um curso de Ensino
Médio Integrado no IFB – Campus
Brasília. In: FEIJÓ, G. V.; SILVA, T. de F.
e. Ensino e Pesquisa em História e
Humanidades nos Institutos Fede-
rais: Desafios e Perspectivas. Brasília:
Editora do IFB, 2017.

SILVA, T. T. da. Teorias do currículo.


Uma introdução crítica. Porto: Porto
Editora, 2000.

VEIGA, I. P. A. Projeto político-peda-


gógico da escola: uma construção
coletiva. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Pro-
jeto político-pedagógico da escola.
Uma construção possível. Campinas:
Papirus, 2000. p. 11-35.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 497


A QUÍMICA E A HISTÓRIA EM SUAS RELAÇÕES NO
SÉCULO XX: UM CASO DE PROJETO INTERDISCIPLI-
NAR NA SALA DE AULA
Alessandra Ciambarella Paulon1, Daniel Pais Pires Vieira2
e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
1 2

Janeiro (IFRJ)
E-mail: alessandra.paulon@ifrj.edu.br

1. Introdução crítico e articulado sobre o conheci-


mento, desconstruindo o modelo de
Esse trabalho nasce como fruto ensino-aprendizagem pautado na
de uma parceria bem sucedida en- dualidade do conhecimento técnico
tre as disciplinas História e Síntese e do conhecimento “propedêutico”,
Orgânica, a partir do viés temático e e caracterizado pela não interlocu-
interdisciplinar: "A Química e a Histó- ção entre as disciplinas escolares.
ria em suas relações no século XX: os Buscou-se, ainda, fomentar, nos do-
conflitos da Guerra Fria (1945-1990)”. centes e nos estudantes envolvidos,
As atividades foram desenvolvidas a produção do conhecimento autô-
pelo 6º período do curso de Ensino nomo e cooperativo sobre o tema
Técnico de Nível Médio em Química, “Química e História no contexto dos
do campus Rio de Janeiro, do Institu- conflitos da Guerra Fria”. Por fim, ob-
to Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). jetivou, também, estimular a pesqui-
Seu principal objetivo foi, a par- sa e a produção oral e escrita dos es-
tir da História Temática, produzir um tudantes.
projeto de ensino-aprendizagem Teve, como metodologia, a pes-
que envolvesse as áreas dos conheci- quisa e a produção, pelos estudan-
mentos técnicos e de formação geral tes, de análises e de materiais audio-
que compõem o currículo do curso visuais que explicassem a intrínseca
de Química, por meio das discipli- relação entre os avanços científicos
nas História Geral e Síntese Orgânica. e um contexto histórico de conflitos
Como objetivos específicos, preten- mundiais, reconhecendo, assim, seus
deu: fornecer aos alunos um olhar efeitos sociais, econômicos, políticos

498
e ambientais, no passado e nos dias ensinado”. Esse último é condicio-
de hoje. Para tanto, os conceitos que nado por inúmeros fatores, como
pautaram a concepção e a execução os saberes docentes, os saberes dos
do projeto foram: transposição didá- estudantes, as práticas sociocultu-
tica, interdisciplinaridade e contex- rais entre outros. Constitui-se, des-
tualização. se modo, num conjunto de saberes
próprios da escola que, longe de ser
2. Desenvolvimento um lócus de reprodução dos conteú-
dos produzidos na academia, vigora
A partir de uma análise prévia como um espaço de construção de
dos conhecimentos dos estudantes, novos conhecimentos. Tal percepção
sobre os conflitos característicos do foi fundamental para fornecer aos
contexto da Guerra Fria (1945-1990), alunos o protagonismo na produ-
o projeto pautou-se na proposta de ção dos saberes e dos valores des-
construção autônoma e dialogada pertados, a partir de uma proposta
dos conteúdos, a partir do conceito pedagógica que articulou as com-
inicial de transposição didática refe- petências, os conteúdos, os recursos,
renciado, entre outros autores, por os meios e os sujeitos da aprendiza-
Yves Chevallard. Segundo esse autor, gem, a qual se almejava como signi-
a transposição didática se dá quando ficativa e produtora de novos conhe-
“um conteúdo de saber que te- cimentos.
nha sido definido como ‘saber a
Outro conceito fundamental,
ensinar’, sofre, [...] um conjunto de
para a execução dessa proposta de
transformações adaptativas que irão
ensino-aprendizagem, foi a interdis-
torná-lo apto a ocupar um lugar en-
ciplinaridade. Sabemos que, para a
tre os objetos de ensino. O ‘traba-
escola, seus saberes e seus agentes,
lho’ que faz de um objeto de saber a
a proposta interdisciplinar, ainda, é
ensinar, um objeto de ensino [...].”
uma ação muito difícil. Especialmen-
(CHEVALLARD, 1991, p. 39).
te, em uma escola técnica, influen-
Assim, a concepção inicial, que ciada por uma cultura dualista do
pautou essa proposta de ensino conhecimento. Ainda, estamos, rela-
-aprendizagem, foi o reconhecimen- tivamente, distantes de uma cultura
to das diferenças entre o “saber aca- interdisciplinar a qual compreen-
dêmico” e a sua apreensão na sala de da que o diálogo, entre a formação
aula, isso constitui o chamado “saber geral de nível médio e a formação

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 499


técnica de nossos cursos, devem como educadores, precisamos cons-
ser pautados pela integração e pela truir, com nossos alunos, a percepção
verticalização. Mais do que nunca, é da diferença entre o conhecimento
preciso consolidar aquilo que deno- sobre a realidade, apreendido na es-
minamos de “cultura da integração” cola e em outros espaços de educa-
em nossos institutos, garantindo, ção formais e não formais, e o conhe-
assim, a superação de concepções e cimento da realidade. Essa última,
de práticas que não condizem com a marcada por uma complexidade,
institucionalidade, característica da que exige de todos nós habilidades
Rede EPTT. múltiplas, dentre elas, a percepção
Compreendemos, aqui, o concei- de que, para compreensão e atua-
to de interdisciplinaridade a partir da ção, no mundo, é preciso ressignifi-
definição de Isabel Brasil Pereira. Se- car os saberes antes fragmentados,
gundo a autora, de modo a constituir um conjunto
integrado, interativo e dinâmico.
Ainda que pese a polissemia do ter-
mo, a interdisciplinaridade pode ser
Aplicar o conceito da interdiscipli-
traduzida em tentativa do homem
naridade, ao projeto em questão, sig-
conhecer as interações entre mun-
nificou reconhecer as relações entre
do natural e a sociedade, criação
humana e natureza, e em formas e
as diferentes formas de conhecer
maneiras de captura da totalidade
o fenômeno da Guerra Fria, possibi-
social, incluindo a relação indiví-
duo/sociedade e a relação entrelitando aos alunos a mobilização dos
indivíduos. Consiste, portanto, em
conhecimentos químicos e históri-
processos de interação entre co-
cos. Daí, resulta-se um conhecimen-
nhecimento racional e conhecimen-
to mais complexo do que aquele que
to sensível, e de integração entre
saberes tão diferentes, e, ao mesmo
cada uma das disciplinas poderia ter
tempo, indissociáveis na produção
lhes apresentado em separado. Pro-
de sentido da vida (PEREIRA, 2009).
curamos, dessa forma, fornecer aos
alunos as habilidades necessárias
Nós não vivemos em um mundo para, por meio da mobilização e da
de forma fragmentada. No entanto, seleção de conteúdos de Química e
a escola, o seu currículo e os seus de História, reconstruir e dar sentido
agentes fazem, de forma comparti- ao tema em estudo.
mentada, em disciplinas, a interpre-
Em suma, o primeiro desafio, a
tação da realidade para poder dar
ser vencido, foi o de construir, com
conta da complexidade. Entretanto,

500
os alunos, a percepção de que era leitura e interpretação de textos, e
possível produzir uma proposta de o trabalho com fontes históricas es-
ensino-aprendizagem que: primeiro, critas e audiovisuais, os alunos fo-
os colocasse como protagonistas na ram instigados a apresentarem os
produção de seus conhecimentos; conhecimentos prévios, históricos
segundo, que fosse viável a articu- e químicos que conheciam sobre
lação interdisciplinar dos conteúdos o tema: “Química e História no con-
presentes nos currículos de História texto dos conflitos da Guerra Fria”.
Geral e de Síntese Orgânica; e, por Assim, mediante a troca de saberes e
fim, que o caminho, para a articula- de percepções, professores e alunos
ção desses conteúdos, fosse constru- foram compartilhando suas vivên-
ído de forma contextualizada. cias e construindo, coletivamente,
Chegamos ao terceiro conceito os temas do projeto “Os Conflitos
norteador deste trabalho: a contex- Regionais do Período da Guerra Fria
tualização. Entendemos a contextua- (1945-1990)”.
lização como a categoria que permi- O segundo passo foi a escolha da
te unificar todos os demais conceitos,metodologia a ser adotada. A partir
visto que todos os fenômenos físicos de instruções prévias aos alunos, me-
e sociais, presentes na educação e na diante uma ficha de orientações, os
escolarização dos indivíduos, nasce estudantes foram estimulados a for-
das heranças históricas, culturais e marem grupos e a organizarem apre-
científicas das sociedades. Significa sentações audiovisuais que ultrapas-
dizer que o próprio conhecimento sassem a mera exposição visual dos
insere-se numa dada realidade social dados levantados. Os grupos foram
a qual deve ser historicizada e con- estimulados a apresentarem produ-
textualizada. tos finais audiovisuais que atendes-
Fundamentados os conceitos sem a um desafio: a partir do confli-
norteadores do projeto, coube aos to escolhido pelo grupo, apresentar
professores o ponto de partida para suas características históricas, de
a sua execução. O primeiro passo foi forma palatável, ao professor de Quí-
a realização de aulas compartilhadas, mica; e, do mesmo modo, expor os
sejam na sala de aula ou no labora- conhecimentos químicos à professo-
tório de Síntese Orgânica. Nesse mo- ra de História, de maneira articulada
mento, mediante aulas expositivas, e contextualizada. Para tanto, foram
realizados os seminários nas aulas

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 501


compartilhadas com a audiência e a 3 Conclusão e resultados
análise de ambos os professores.
obtidos
Os principais materiais e os es-
paços utilizados foram os recursos O projeto “A Química e a História
audiovisuais disponíveis no campus em suas relações no século XX: os
Rio de Janeiro, do IFRJ, e, também, a conflitos da Guerra Fria (1945-1990)”
própria sala de aula como espaço de foi, na avaliação dos docentes envol-
apresentação/discussão dos seminá- vidos, muito bem sucedido. Mais do
rios temáticos. Além disso, encontros que uma alternativa didática inter-
de orientação, com os professores, disciplinar e contextualizada, as ati-
sejam de forma física ou virtual, fo- vidades que compuseram o projeto
ram realizados para avaliação pro- permitiram aos estudantes um novo
cessual da produção dos seminários, olhar sobre a sua escola, o seu curso
assim como para solucionar proble- e os conhecimentos que desenvolve-
mas pontuais que, porventura, sur- ram.
gissem no decorrer da produção dos Para os docentes, representou a
materiais. certeza de que é possível, sim, de-
Ainda, como estratégias de ava- senvolver um currículo escolar que
liação processual, foram realizadas, supere o dualismo, ainda, presente
ao final de cada seminário, uma sé- na Educação Técnica de Nível Mé-
rie de perguntas e de observações, dio. Acima de tudo, significou uma
tanto dos professores quanto dos integração bem sucedida de saberes
demais alunos presentes na sala de técnicos e de formação geral, com
aula, além da avaliação do material destaque para uma nova concepção
audiovisual e escrito, produzido pe- de Ensino Médio Técnico Integrado,
los grupos. Soma-se, a isso, a realiza- enfatizando a educação científica e
ção de um questionário eletrônico humanística de matriz integrada e
respondido por todos os membros politécnica, por meio da articulação
do grupo, contendo perguntas au- indissociável entre formação geral e
toavaliativas para os alunos, autoa- Educação Profissional, considerando
valiativas para os professores e uma a realidade social, cultural, científica
avaliação global do projeto. e histórica.
Dessa forma, acreditamos estar
em consonância com os princípios

502
norteadores da nova visão da Edu- ou seja, “que contemple o aprofun-
cação Profissional e Tecnológica, damento dos conhecimentos cientí-
construída a partir da criação dos ficos produzidos e acumulados his-
Institutos Federais e presente no Do- toricamente pela sociedade, como
cumento base Educação Profissional também objetivos adicionais de for-
Técnica de Nível Médio Integrada mação profissional” (MOURA; GAR-
ao Ensino Médio (2017): “construção CIA; RAMOS, 2017, p. 25); mediante
de um projeto que supere a duali- a adoção da ciência, da tecnologia,
dade entre formação específica e da cultura e do trabalho como eixos
formação geral e que desloque o estruturantes de uma educação po-
foco dos seus objetivos do mercado litécnica. Em suma, um modelo de
de trabalho para a pessoa humana, educação que
tendo como dimensões indissoci- deve ser orientado [...] à formação
áveis o trabalho, a ciência, a cultura de cidadãos capazes de compreen-
der a realidade social, econômica,
e a tecnologia.” (2017, p. 06). Assim, política, cultural e do mundo do tra-
integrando, de forma orgânica, num balho para nela inserir-se e atuar de
mesmo currículo, a formação básica forma ética e competente, técnica
e politicamente, visando contribuir
e a formação profissionalizante. para a transformação da sociedade
De forma mais ampla, tratou-se em função dos interesses sociais e
coletivos (MOURA; GARCIA; RAMOS,
de um desafio e de uma inovação 2017, p. 25).
em nossa escola, exatamente, no
momento em que, no âmbito do IFRJ
e da Rede EPTT, de um modo geral, Por isso, precisamos entender a
discutimos os caminhos para a in- natureza de nossa prática docente na
tegração do Ensino Técnico com o Educação Profissional e Tecnológica,
Ensino Médio, diante de um cenário a partir da construção de currículos e
nacional de nítido sucateamento da de fazeres pedagógicos que incorpo-
Rede EPTT e da Educação Nacional rem, em definitivo, o trabalho como
como um todo. princípio educativo e não como um
sinônimo de formar para um exercí-
Assim, como educadores da Rede cio profissional. Necessitamos com-
EPTT, acreditamos, ao desenvolver preender, epistemologicamente, o
tal projeto, avançar no caminho de trabalho como um instrumento me-
uma Educação Profissional e Tecno- diador da relação do homem com
lógica que queremos: asseguradora sua realidade, na qual ele se apropria
da integralidade da Educação Básica,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 503


dela e a transforma de acordo com No entanto, é importante des-
o seu contexto sócio-histórico e cul- tacar que 80% dos respondentes
tural. Significa entender o trabalho e fizeram uso do livro didático, o que
o conhecimento como produtos do demonstra que, a despeito das con-
seu tempo histórico e dos grupos so- trovérsias que envolvem a produção
ciais que o constroem, a partir de de- didática, os estudantes, ainda, reco-
mandas contextualizadas no tempo nhecem, nessas obras, importantes
e no espaço. referenciais de estudos.
Para os nossos estudantes, os im- Vale ressaltar, ainda, que, mesmo
pactos do projeto, também, foram diante de todos os recursos tecnoló-
representativos. Ao responderem o gicos e didáticos, o diálogo entre os
questionário avaliativo, ao final do membros do grupo, mediante a for-
projeto, tivemos dados significativos.mação de grupos de estudo, corres-
Do total de respondentes, 80% pondeu a 80% das respostas. Esse, ao
afirmou nunca ter realizado um pro- nosso ver, foi um dos maiores ganhos
jeto envolvendo uma área do conhe- do projeto: estimular, nos estudan-
cimento técnico e outra área do co- tes, a cultura da pesquisa proativa e
nhecimento de formação geral. Esse compartilhada, de forma a superar
dado, por si só, corrobora a análise posturas individualistas e competiti-
feita neste artigo, demonstrando os vas, dentro e fora da escola.
limites, ainda, existentes em relação Como estratégia, para aferir a ca-
à interdisciplinaridade em nosso es- pacidade do projeto de melhorar as
paço escolar. condições de ensino-aprendizagem
Quando perguntados sobre os dos estudantes, as repostas, tam-
principais recursos utilizados para a bém, foram muito positivas: 60% dos
produção do seminário, 100% dos alunos responderam que projetos,
alunos responderam que os sites e assim, auxiliam para melhor compre-
outros meios de informação virtual ensão dos conteúdos das aulas; 80%
foram utilizados, o que demonstra afirmou que o projeto promoveu a
a importância das tecnologias da in- melhoria dos seus estudos; 100%
formação e da comunicação na pro- consideraram que o projeto tornou
dução dos conhecimentos dos nos- as aulas mais dinâmicas e interessan-
sos alunos, diante de uma realidade tes; e 60% sentiram-se mais estimu-
altamente informatizada e midiática. lados na escola a partir de sua par-

504
ticipação no projeto. Com a palavra, não se limitou ao espaço da sala de
nossos alunos: aula, do laboratório de Síntese Orgâ-
"O projeto tem muito futuro! Com nica ou, muito menos, ao campus Rio
bastante preparo e organização po- de Janeiro/IFRJ. Incentivados pelos
de-se aprimorar o projeto apresen-
tando melhor os conflitos e suas res-
professores, os alunos produziram
pectivas armas químicas." (L.F.). banners e panfletos explicativos que
"Gostei muito. Vale muito a pena, pois foram apresentados no evento “Será
nos incentiva a estudar/pesquisar so- que rola Química?”, no dia 29 de ju-
bre coisas que nós não sabíamos, mas lho, de 2017, no Espaço Ciência Viva,
que acabamos gostando." (H.M.).
no Rio de Janeiro. Contando com o
"É um projeto muito bom pois nos
apresenta uma nova visão da quí-
apoio da Fundação de Amparo à Pes-
mica, que não está apenas no labo- quisa do Estado do Rio de Janeiro
ratório e que, infelizmente, as vezes (FAPERJ), do Conselho Nacional de
não é utilizada para o beneficio das
pessoas. Além disso, faz com que o
Desenvolvimento Científico e Tecno-
interesse pela história aumente. Sinto lógico (CNPq), e das universidades
que sei muito mais sobre os conflitos federais parceiras, o Espaço Ciência
por ter feito o trabalho do que sabe-
ria se tivesse uma aula normal sobre
Viva promove inúmeros eventos de
eles." (G.A.). popularização científica e tem como
missão tornar o conhecimento cien-
Por fim, outro ganho fundamen-
tífico mais acessível à sociedade, tor-
tal, da produção do projeto, residiu
nando a Ciência mais próxima do co-
nas respostas às duas últimas ques-
tidiano dos indivíduos.
tões que compunham o questioná-
rio: quando perguntados se haviam Além disso, o projeto fará parte
conseguido, por meio do projeto, re- de outros projetos científicos discen-
lacionar os conhecimentos de Histó- tes a serem apresentados na XXXVII
ria e os conhecimentos de Química, Semana de Química do campus Rio
100% dos estudantes responderam de Janeiro do IFRJ, intitulada “Sus-
sim; e, quando questionados sobre tentabilidade e diversidade através
a viabilidade de relacionar os conhe- da Ciência”, entre os dias 16 e 21 de
cimentos apreendidos, por meio do outubro de 2017. É mais um sinal de
projeto, ao seu cotidiano, 80% res- que projetos interdisciplinares, dessa
ponderam positivamente. natureza, podem e devem ser pro-
duzidos no ambiente escolar, pois
O projeto "A Química e a História
extrapolam os limites da sala de aula
em suas relações no século XX: os
tradicional e nos desafiam a produzir
conflitos da Guerra Fria (1945-1990)”

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 505


uma educação mais proativa, cons- experiências mais adequadas à inte-
ciente e cidadã. gração. Conforme descrito no docu-
Nosso principal intuito foi, como mento base Educação Profissional
educadores, estimular os nossos es- Técnica de Nível Médio Integrada ao
tudantes a construírem seus itinerá- Ensino Médio (2017, p. 57):
rios formativos, compreendendo-se Idéias em curso nas escolas são, por
exemplo, projetos que articulam
como agentes produtores e trans- arte e ciência; projetos de iniciação
formadores do conhecimento. Nada científica; componentes curricula-
no projeto foi imposto. Tudo foi dia- res voltados para a compreensão
dos fundamentos sócio-políticos da
logado, respeitando as opções dos área profissional, dentre outros. Há
alunos, os seus limites e os avanços. que se dar ao aluno horizontes de
captação do mundo além das roti-
Para nós, o projeto superou os nas escolares, dos limites estabele-
objetivos iniciais, configurando em cidos e normatizados da disciplina
escolar, para que ele se aproprie da
uma experiência de formação esco-
teoria e da prática que tornam o tra-
lar integrada pautada pelo protago- balho uma atividade criadora, fun-
nismo estudantil, pela democracia damental ao ser humano.
participativa e pelo processo de re-
criação permanente. Entendemos,
também, que integrar e interdisci-
Referências
plinarizar não são tarefas fáceis, mas
podem ser possíveis. Cabe a todos os CHEVALLARD, Yves. La Transposi-
envolvidos, docentes, alunos e a es- tion Didactique: du savoir savant au
cola, superar suas visões tradicionais savoir enseigné. Grenoble: La Pensée
e autoritárias, nas quais o conheci- Sauvage, 1991.
mento se produz por meio da tríade:
aula expositiva- livro didático-pro- PEREIRA, Isabel Brasil. Interdiscipli-
tagonismo docente. Uma educação naridade. Dicionário da Educação
integradora não ocorre sob o auto- Profissional em Saúde. Rio de Ja-
ritarismo, porque deve ser uma ação neiro: Fundação Oswaldo Cruz. Esco-
coletiva, já que o movimento de inte- la Politécnica de Saúde Joaquim Ve-
gração é, necessariamente, interdis- nâncio, 2005. Disponível em: <http://
ciplinar. www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/
verbetes/int.html>. Acesso em: 6 jul.
Por isso, exige que os professores
2017.
se abram à inovação, aos temas e às

506
MOURA, Dante Henrique; GARCIA,
Sandra Regina de Oliveira; RAMOS,
Marise Nogueira. Educação Profis-
sional Técnica de Nível Médio In-
tegrada ao Ensino Médio. Brasília:
Setec/MEC, 2017. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/setec/ar-
quivos/pdf/documento_base.pdf>.
Acesso em: 6 jul. 2017.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 507


ATIVIDADES INTEGRADORAS:
INOVAÇÃO NO INTEGRADO1
Luciano Marcos Curi 1, Laila Lidiane Costa Galvão 2
1
IFTM – Campus Uberaba, Mestrado Profissional em Educação
Tecnológica e Mestrado em Educação Tecnológica em Rede (PROFEPT)
2
IFTM – Campus Patrocínio, Integrado e Tecnólogo em Gestão Comercial
E-mail: lucianocuri@iftm.edu.br'

1. INTRODUÇÃO momento histórico atual, início do


século XXI, e com os impactos da
Inovar é uma questão de sobre- globalização, época em que a prática
vivência para todos. Ao contrário do inovadora ganhou dimensões profis-
que muitos acreditam, a inovação sionalizadas.
está presente na história humana
Em tempo de transformações
desde a pré-história e não apenas na
constantes, inovar é palavra de or-
atualidade. Foi, inclusive, uma série
dem. A busca por uma mudança de
de inovações, a roda, agricultura, o
postura, sobretudo na Educação, é
manuseio do fogo, a vestimenta, en-
uma demanda perene, e soluções
tre outras, que permitiram à espécie
diferentes devem ser incorporadas
humana sobreviver e lograr êxito na
diante dos novos modelos de família,
ocupação de vastas áreas do Planeta
das novas profissões e até mesmo de
(CARDOSO, 2002; CURI, 2013).
uma nova interpretação da realida-
Apesar de a inovação ser antiga de. Trata-se também da necessidade
na história humana, só recentemen- de adequar o nível escolar, no caso
te ela foi estudada, teorizada, e teve o Integrado, às demandas típicas da
seus mecanismos e variações elen- faixa etária de seu público: adoles-
cados e conhecidos. Isso, por óbvio, centes e jovens. Enfim, inovar é pre-
está diretamente relacionado com o ciso; inclusive, na educação.

1 Este texto é uma versão ampliada e problematizada de: CURI, Luciano Marcos; GALVÃO,
Laila Lidiane da Costa. Atividades Integradoras: inovação no Ensino Médio. Gestão Organi-
zacional: reflexões sobre inovação. Vol. 5. Catalão: UFG – Regional Catalão, 2017. Os auto-
res deste texto foram responsáveis pelas Atividades Integradoras de 2014 a 2016.

508
O tema da inovação na Educação 1.1. O que é inovação?
entrou formalmente na agenda de
discussão e de ação governamen- A inovação é uma necessidade
tal no Brasil no início do século XXI. social e humana. A inovação sempre
Desde então, tem havido alguns es- esteve presente na história humana
tudos baseados na implementação e foi fator decisivo para sobrevivên-
de propostas curriculares inovadoras cia de nossa espécie (Cf. CARDOSO,
nas escolas de nível médio do País. A 2002; CURI, 2013). Contudo é preciso
despeito do grande mérito dos tra- reconhecer que nunca se falou tanto
balhos nesse campo no Brasil, ainda em inovação quanto no início des-
há uma escassez de contribuições te milênio. Por que se fala tanto em
conceituais e de estudos empíricos inovação? O que é inovação? Qual a
de estratégias voltadas para o apri- sua importância? Inovação significa
moramento do currículo, objetivan- produzir algo novo ou até mesmo
do torná-lo mais dinâmico e adequa- renovar algo que já existia. Sobretu-
do às expectativas dos estudantes e do, inovar é introduzir uma novidade
às demandas da sociedade contem- que produza uma mudança qualita-
porânea. tiva na vida social. As inovações de-
rivam de invenções, porém a maior
Nesse sentido, este artigo tem
parte das invenções acabam não se
seu foco na análise de uma experi-
transformando em inovações. A ino-
ência pedagógico-interdisciplinar
vação é hoje compreendida como a
bem-sucedida desenvolvida desde
invenção que foi assimilada pela so-
o início da implementação do Inte-
ciedade.
grado no IFTM – Campus Patrocínio
em 2014. Experiência que procurou Deve-se ao economista austríaco
privilegiar as demandas da formação Joseph Alois Schumpeter a distinção
para cidadania, conjugada e aliada entre invenção e inovação. Muitas
ao atendimento das demandas da patentes de inventos que são reque-
faixa etária dos estudantes do nível ridas não impactam na vida social
médio, e que procurou também ino- nem no mercado, não resultam em
var com um baixo custo financeiro, mudanças. Depois das publicações
quesito indispensável para ser exe- de Schumpeter, passou-se a refletir
quível em qualquer escola pública e acerca da inovação, suas caracterís-
mesmo privada. ticas, suas formas e seus impactos.
Antes de seus estudos, inovava-se

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 509


em bases empíricas e, após seus tra- zação da pesquisa de inovação pro-
balhos, passou-se a fazê-lo lucida- curando aplicar a ela os postulados
mente e criticamente (cf. CURI, 2013). clássicos da gestão, ou seja, a defini-
A transposição do pensamento de ção de metas, métodos e objetivos
Schumpeter para a teoria social re- para a prática da inovação nas orga-
sultou em pesquisas sobre inovação nizações públicas e privadas. Aqui se
para resolução de problemas sociais. evidencia que a gestão da inovação
Várias pesquisas, acompanhando tem a tarefa de cuidar do processo
o mesmo ideário schumpeteriano, inovativo como um todo; pesquisa,
procuravam inovações que equacio- criação, adequação ao público, im-
nassem demandas sociais sem des- plantação, avaliação, correções, en-
pender grandes investimentos. tre outros.
Foi dentro desse mesmo escopo
que a pesquisa de inovações edu- 1.2. Inovação na Educação
cacionais emergiu no Brasil e no
Inovar também é o caminho para
mundo, particularmente no final do
a Educação. Um primeiro debate que
século XX. Essas pesquisas sobre ino-
precisa se firmar no Brasil é que a
vação na Educação tornam-se cada
educação pública precisa implemen-
vez mais importantes, principalmen-
tar práticas inovadoras para atender
te a partir do momento que as limita-
às demandas educacionais e cum-
ções orçamentárias e de investimen-
prir a determinação legal de oferecer
to para a Educação ficam cada vez
educação pública, laica, gratuita e
mais evidenciadas. Em suma, vislum-
de qualidade a todos os brasileiros,
brou-se na inovação o caminho para
conforme preconiza a Constituição
estender e melhorar a Educação, tan-
Federal de 1988. Não se trata de
to no Brasil quanto no mundo.
transposição acrítica de soluções de
Assim, numa época em que a mercado para a educação pública e/
inovação se tornou rotineira e fator ou mesmo para a privada. Trata-se de
determinante do sucesso e de sobre- incorporar a prática de produção de
vivência de empresas, universidades inovações como forma de solucionar
e organizações, a gestão da inovação problemas educacionais e alcançar o
caminhou no sentido da profissiona- atendimento de demandas inatingi-
lização. Desse modo, assistiu-se nas das.
últimas décadas a uma profissionali-

510
A Educação hoje enfrenta sérios A democratização efetiva da Edu-
problemas tais como: evasão, defa- cação e das práticas educativas no
sagem escolar, falta de adequação Brasil são itens que carecem de ino-
dos conteúdos aos níveis escolares vações para serem verdadeiramente
e à faixa etária do estudante, falta realidades no País. É preciso inovar
de interdisciplinaridade, práticas na postura, no relacionamento com
antiquadas de avaliação, problemas os estudantes. Numa época em que a
infraestruturais, entre outros. A ino-democracia se consolida no País nos
vação na Educação não pode ser aspectos macro e microssocial, é im-
apenas a busca de soluções onerosas pertinente e improdutivo por parte
para os problemas atualmente en- das escolas manter práticas autoritá-
frentados. A inovação educacional, rias de outrora. É preciso ouvir os es-
principalmente na Educação públi- tudantes. Aquilo que alguns autores
ca, deveria conjugar dois elementos: chamam de Parceria Construtiva. Se-
recursos disponíveis e problemas en- gundo Padilha (2012), os estudantes
frentados. se ressentem de passar grande parte
Inovar nas escolas públicas é di- de sua vida submetidos a propostas
ferente de inovar nas empresas. Di- e atividades sem sentido e aperce-
ferente, mas não impossível. Trata- bem-se da crise da escola.
se de organizações diferentes com Não se trata aqui de celebrar as
sistemáticas, objetivos e formatos inovações como soluções mágicas
diferentes. Logo o caminho da inova- ou mesmo espalhar deslumbre e en-
ção não poderá ser o mesmo. Inovar cantamento. O efeito da inovação na
para resolver problemas existentes vida social já é sabido e comprova-
e abrir novas perspectivas. É claro do por meio de inúmeros exemplos,
que a inovação não se resume a re- resta agora compreender que a Edu-
solver problemas. Mesmo as escolas cação e seus profissionais precisam
públicas podem trilhar o caminho da se colocar ativa e decididamente
inovação como busca de outras pers- partícipes desse processo. Por fim,
pectivas e de outras possibilidades. um último equívoco que é preciso
É preciso entender e esclarecer que combater é que a inovação é apenas
não são apenas as inovações tecno- aquela que revoluciona a escola ou
lógicas que são bem-vindas e nem o processo educacional por inteiro.
mesmo as mais necessárias. É perfeitamente possível e segura-
mente necessário inovar no miúdo e

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 511


no graúdo. E muitas vezes inovações Ao término do nível médio, to-
consideradas cotidianas ou mesmo das as deficiências tornam-se visíveis
banais tiveram resultados revolu- quando o concluinte dessa etapa
cionários na história. A utilização escolar tenta ingressar no Ensino Su-
do fogo, a invenção da agricultura, perior ou no mercado de trabalho.
a invenção da escrita, entre outros Muitos são os jovens brasileiros que
tantos exemplos, surgiram como ino- descobrem ou confirmam que estão
vações cotidianas e em escala micro despreparados quando concluem o
que revolucionaram a médio e longo nível médio, isso quando dele não
prazo a história humana (Cf. CARDO- desistem antes da conclusão. Não
SO, 2002). conseguem ter acesso às universida-
des via vestibular e também têm di-
1.3. Ensino Médio e Integrado no ficuldades para estabelecer-se com
êxito no mercado de trabalho. Isso,
Brasil
no entanto, não é novo no Brasil.
A história da educação de nível A existência do nível médio de en-
médio no Brasil é longa e tortuosa. sino remonta ao Período Colonial, ao
Certamente é nela que se manifes- ensino jesuítico, antigo estudos me-
tam as contradições mais gritantes nores, depois secundários, e passou
da educação brasileira e onde as ma- por diversas mudanças desde então.
zelas de uma formação educacional Mudanças que, apesar de numero-
sem qualidade desembocam viti- sas, foram qualitativamente pouco
mando um sem número de cidadãos relevantes. De modo geral, este nível
(cf. CARNEIRO, 2012; ALVES, 2012). de ensino foi, durante quase toda
É sabido que a história do Ensino sua trajetória, marcado pela pecha
Médio e da Educação Técnica não de ser uma antessala do Ensino Su-
tem as mesmas origens e, inclusive, perior ou Universitário, ou no caso da
possuem finalidades e propósitos Educação Técnica, preparação para o
diferentes. Contudo, no Integrado mercado e não preparação de traba-
(Ensino Médio Integrado à Educa- lhadores para a vida social.
ção Técnica), as duas modalidades se A educação de nível médio bra-
encontram, se articulam e comparti- sileira atual corresponde, segundo
lham funções, finalidades e práticas a Lei de Diretrizes e Bases – LDB de
(cf. FRIGOTTO, ET AL., 2012). 1996, aos três últimos anos, ou séries,

512
da chamada Educação Básica. Esta Idade Média, também não é. Veja
última engloba, desde a Educação bem, Ensino Médio é uma etapa que
Infantil, internacionalmente conheci- fica localizada entre o nível funda-
da como educação pré-primária, até mental e o nível superior assim como
a última série antes do ingresso no Idade Média situa-se entre a Antigui-
nível universitário. Em suma, a Edu- dade e o Renascimento. Isso tam-
cação Básica no Brasil corresponde a bém não significa dizer que a atual
toda escolarização não universitária. reforma implementada por meio da
Quando os estudantes estão na fai- Lei Federal nº 13.415, de 06/02/2017
xa etária considerada adequada, os seja a solução para os problemas
concluintes do nível médio possuem enfrentados. Além do atropelo com
entre 17 e 18 anos. Mas nem sempre que a proposta foi aprovada, alguns
foi assim. Segundo CURI (2012), a du- analistas apontaram que deficiências
ração de três anos do atual nível mé- do Ensino Fundamental podem ser
dio, por exemplo, remonta à década fatores responsáveis por certas fa-
de 1940. Seu caráter de terminalida- lhas do nível médio, além de inúme-
de da Educação Básica e arremate da ros outros problemas operacionais
formação para a cidadania apareceu que essa reforma ainda não equacio-
com a atual LDB. O nome atual data nou. A flexibilização proposta pela
de 1996. Ele também já se chamou 2º reforma, se não for implementada
grau e Colegial. de maneira adequada e responsável,
Assim não resta dúvida quanto à pode terminar reduzindo a formação
importância estratégica que o nível básica e empobrecendo ainda mais o
médio ocupa na vida estudantil. Se- currículo do nível médio.
gundo CARNEIRO (2012), considera- A educação de nível médio deve-
se indiscutível que sua história evi- ria ser condizente com a faixa etária
dencia que este nível de ensino foi o dos estudantes, ou seja, a adolescên-
menos inovador e, por isso mesmo, cia e o início da juventude. Esse é um
hoje um dos mais defasados dentre momento da vida em que inúmeras
os níveis da educação brasileira. A escolhas devem ser feitas, e a estru-
própria terminologia utilizada para tura atual do nível médio brasileiro
nomear evidencia o desprestígio para não favorece tais escolhas.
com este nível de ensino. O nome En- Já o Integrado emerge no Brasil
sino Médio, por exemplo, a rigor não a partir de 2004, particularmente a
é uma nomenclatura. Assim como

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 513


partir do novo contexto do Decreto A atual estrutura legislativa e
nº 5.154, de 23/07/2004, que permi- constitucional evidencia a maior pre-
tiu o curso de matrícula única que ocupação histórica com o nível supe-
antes inexistia (cf. FRIGOTTO et al., rior. Observe que, pela Constituição
2012). Decididamente o Integrado é de 1988, cabe à União a responsa-
o curso de nível médio mais comple- bilidade por esse nível. A União é
to e mais bem articulado até hoje de- quem detém mais recursos e rece-
senvolvido no Brasil. Ele contempla be a maior quantidade de impostos.
a formação básica para a cidadania Obviamente que o nível universitário
conjugada com a formação profissio- é mais caro, mais oneroso, mas inú-
nal de nível técnico num único curso. meros problemas apresentados nos
Isso assegura ao estudante tanto a anos iniciais dos cursos superiores
formação cidadã quanto a possibili- originam-se por causa de falhas e in-
dade de ingresso no mercado de tra- suficiências dos cursos de nível mé-
balho bem como a continuidade dos dio.
estudos. Desse modo, parte do empenho
maior de recursos dispensados para
1.4. Inovações no Integrado o Ensino Superior no Brasil também
fica desperdiçado. Muitas vezes as
O nível médio educacional brasi-
Universidades e Institutos Federais
leiro carece de inovações. Tal neces-
se veem obrigados a fazer o traba-
sidade é uma constatação histórica,
lho do nível médio, pois seus alunos
sociológica e pedagógica. No Brasil,
ingressantes chegam aos cursos su-
costuma-se dispensar mais atenção,
periores despreparados para a pro-
energia e recursos ao nível superior
fissionalização ali oferecida. Enfim,
do que aos demais níveis de ensino.
recursos gastos no local incorreto, re-
Nossa legislação e os orçamentos pú-
sultam em pouca efetividade social e
blicos dão claro testemunho dessa
educacional. Mais do que investir em
situação (cf. PINTO, 2007). Figuras de
nivelamentos universitários e cursi-
proa como Paulo Freire, Anísio Teixei-
nhos pré-vestibulares, e similares, o
ra e Darcy Ribeiro, para citar os mais
mais adequado seria inovar no nível
conhecidos, sempre se ressentiram
médio para assegurar-lhe mais qua-
dessa dificuldade de chamar a aten-
lidade.
ção e mobilizar recursos para outros
níveis de ensino que não o superior.

514
Esses não são os únicos proble- iniciativas congêneres a jovens de
mas enfrentados pelo nível médio até 21 anos também oferecem for-
no Brasil. O vestibular e o Exame Na- mas de se esquivar do curso de nível
cional do Ensino Médio – ENEM difi- médio. Muitos críticos alegam que a
cultam as inovações e a construção duração do nível médio deveria ser
de um nível médio mais adequado revista para se aproximar mais do
à faixa etária dos estudantes e às que é feito na Europa e nos Estados
atuais demandas sociais e de merca- Unidos. Noutros países desenvolvi-
do. Isso desde a época imperial (cf. dos, a duração média deste nível de
HAIDAR, 2008). Aqui não se está re- ensino é de quatro anos. No Brasil, na
alizando nenhuma crítica específica atual conjuntura, as escolas que têm
aos vestibulares/Enem, mas apenas ofertado o nível médio com duração
formalizando uma constatação. Isso superior a três anos têm enfrentado
ocorre porque obter uma vaga num uma grande evasão propiciada pelas
curso superior acaba sendo uma ne- certificações supletivas hoje existen-
cessidade mais urgente que impede tes (Cf. CURI, 2012). Aqui não se está
estudantes e profissionais da Edu- apregoando contra a necessidade de
cação de se aperceberem de outras modalidades supletivas e EJA, ape-
demandas e necessidades dos es- nas sua aplicação a jovens menores
tudantes do nível médio. A pressão de 21 anos (Cf. PINTO, 2007).
exercida pelos vestibulares/Enem Todos esses fatores, entre outros,
tende a coibir a prática de inovações explicam porque ocorrem pouquís-
nesse nível de ensino. Não deveria simas experiências de inovação no
ser assim, mas é o que ocorre. nível médio. Diferentemente do que
Certos elementos também evi- se observa no Ensino Fundamental e
denciam nossa concepção de que Superior.
o nível médio é transitório e mera-
mente preparatório para o Superior. 2. ATIVIDADES INTEGRADORAS:
Estudantes aprovados em vestibu-
CAMINHOS INTERDISCIPLINARES
lares e que são dispensados judi-
cialmente de concluir o nível médio A construção de um nível médio
evidenciam o desprestígio e a des- de qualidade é um dos desafios bra-
valorização desse nível de ensino. A sileiros neste início de século XXI. Ao
certificação de nível médio disponi- longo da história brasileira, alguns
bilizada pelos supletivos e por outras modelos foram discutidos e experi-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 515


mentados. Contudo, é forçoso reco- da família. Enfim, é possível melhorar
nhecer que o nível médio foi o que o nível médio atual introduzindo ino-
menos ações inovadoras empreen- vações. Isso é um preceito já há mui-
deu. Um fato indicativo dessa situa- to sabido, notadamente esclarecido
ção foi a tardia extensão da obrigato- pelos teóricos da inovação.
riedade dos estudos ao nível médio É nesse sentido que a experiência
no Brasil, o que só ocorreu em 2009, aqui relatada e analisada se enseja.
de acordo com a Emenda Constitu- Ela foi construída a partir da análi-
cional nº 59, de 11 de novembro de se do Ensino Médio tradicional e da
2009. Educação Técnica oferecida nos Insti-
Contudo, no contexto atual bra- tutos Federais. Além disso, originou-
sileiro, é preciso avançar no debate se também da indicação do Parecer
educacional e aproximá-lo do debate que aprova a Proposta de experiên-
sobre inovação. É possível, sem que- cia curricular inovadora do Ensino
rer desmerecer o debate e a luta pela Médio CNE/MEC (2009), conhecido
ampliação do nível médio brasileiro, como Parecer do Ensino Médio Ino-
melhorá-lo rearticulando práticas já vador. Esse Parecer foi resultado de
conhecidas e existentes em outros uma luta política que forçou o Es-
níveis educacionais. tado Brasileiro a reconhecer que o
Enfim, acredita-se, e a experiên- nível médio precisa ser adequado à
cia que aqui será abordada aponta realidade atual. Ele propõe estimular
neste sentido, que é possível me- novas formas de organização das dis-
lhorar o nível médio, notadamente ciplinas, articuladas com atividades
o Integrado. Essas melhorias respon- integradoras, a partir das inter-rela-
dem a dois desafios atuais, um social ções existentes entre os eixos consti-
e outro legal. Social porque é visível tuintes do Ensino Médio, o trabalho,
e urgente a necessidade de se cons- a ciência, a tecnologia e a cultura.
truir um nível médio que atenda às Em Patrocínio (MG), no campus
demandas típicas da faixa etária dos do IFTM, quando da implementação
adolescentes e jovens. O desafio le- do Integrado em 2014, foi pensada
gal é materializar a determinação uma iniciativa que pudesse oferecer
constitucional de oferecer uma edu- coesão, coerência e que pudesse ser
cação de qualidade a todos os cida- um espaço-tempo aberto para a rea-
dãos brasileiros, dever do Estado e lização de práticas interdisciplinares

516
que pudessem enriquecer, comple- Técnico em Administração Integrado
mentar e melhor articular o conjunto ao Ensino Médio, Técnico em Eletrô-
das disciplinas ou unidades curricu- nica Integrado ao Ensino Médio e
lares dos Cursos Técnicos Integrados Técnico em Manutenção e Suporte
ao Ensino Médio que foram construí- em Informática Integrado ao Ensino
dos naquela ocasião: Administração, Médio. Iniciaram-se 90 alunos, e esta
Eletrônica e Manutenção e Suporte modalidade de nível médio foi uma
em Informática. novidade na cidade de Patrocínio
A equipe que debateu e elaborou (MG).
a proposta dos cursos tinha consci- O IFTM – Campus Patrocínio ini-
ência de que um curso organizado ciou suas atividades em 2009 e foi
apenas com disciplinas não atendia à formalmente elevado à categoria de
demanda dos adolescentes e jovens campus em 2013. O Integrado é uma
do Integrado, demandas típicas da modalidade de nível médio que con-
juga, num só curso e numa mesma
faixa etária. Por tradição, a organiza-
ção de cursos em disciplinas é muito matrícula, as disciplinas tradicionais
rígida com conteúdos e procedimen- do Ensino Médio articulado com as
tos geralmente já consolidados. Os disciplinas tradicionais da Formação
cursos foram construídos pensando Técnica. Esses cursos integrados ge-
que deveria haver um espaço onde ralmente possuem uma carga horá-
experiências e práticas inovadoras e ria elevada e um acúmulo de avalia-
interdisciplinares pudessem ocorrer ções e atividades aos alunos. Apesar
sem alterar a formação exigida e pre- de toda essa fartura de carga horária,
conizada pela legislação, atenden- isso não significa dizer que a forma-
do o que relata Borher, Ávila, Castro,ção é mais completa ou necessaria-
Chamas e Paulino (2007) quando mente melhor. Em suma, a quantida-
dizem que: “a nova perspectiva – in- de não é, necessariamente, sinônimo
terdisciplinar – vem influenciando os de qualidade. A experiência dos en-
currículos dos programas de ensino”. volvidos na construção dos cursos
Esse espaço foi denominado de Ati- indicava claramente que, apesar de
vidades Integradoras coadunando- toda a taxa de ocupação, os adoles-
se com o preconizado pelo Parecer centes e jovens terminavam habitu-
CNE/MEC nº 11 de 2009. almente os cursos técnicos carentes
Os cursos foram construídos em de formação em muitos elementos
2013 e iniciados em 2014. Foram eles: necessários à vida e às demandas da

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 517


faixa etária. Desse modo, as Ativida- Durante o ano de 2014 foram re-
des Integradoras foram planejadas alizadas 38 Atividades Integradoras
para serem um espaço-tempo de que versaram sobre os mais variados
atendimento de várias demandas e temas e utilizaram formatos diferen-
ponto de articulação e coesão dos ciados. Temas como sexualidade, tra-
cursos técnicos integrados. Foi cons- balho, vida urbana, empregabilida-
truída a seguinte definição para elas: de, drogas, representação estudantil,
Atividades Integradoras são ações segurança na internet, religiosidade,
didático-pedagógicas transdiscipli- intercâmbios etc. Quanto ao forma-
nares, intercursos e interséries reali-
zadas num espaço-tempo especial-
to, foram utilizados partilhas, deba-
mente reservado para elas; com o tes, reflexões, momentos de convi-
objetivo de atender às necessidades vência, palestras, oficinas, sessões de
dos estudantes quanto à prepara-
ção para a vida, para o trabalho e
cinema, gincanas, entre outros. Sem-
para a continuidade dos estudos, pre procurou priorizar-se atividades
nesta ordem de prioridade. que contemplassem o interesse de
todos os cursos e de todas as séries,
preferencialmente aquelas que de-
As Atividades Integradoras são
mandavam um espaço ou metodo-
uma atividade de ensino que com-
logia difícil de ser atendida pelas dis-
põe a estrutura do curso e não são
ciplinas tradicionais. Em 2014, elas
apêndices nem extras ou adicionais,
foram ofertadas semanalmente, o
ou facultativas. A diferenciação prin-
que, de modo indiscutível, desafiou
cipal com relação a uma disciplina
os organizadores. Por tratar-se de
tradicional é o fato de que o côm-
uma prática inovadora para a qual
puto das atividades se faz apenas
não havia referências, o número de
com relação à frequência e não é
situações imprevistas levou a uma
atribuída pontuação às Atividades
aprendizagem constante, senão tor-
Integradoras. Na prática, todas as tur-
tuosa, de todos os envolvidos com
mas dos três cursos do campus têm
a sua realização. Apesar de produti-
o mesmíssimo horário, terça à tarde,
vas, as atividades evidenciaram que
para realizar as Atividades Integrado-
sua organização necessitaria de um
ras, ou seja, o horário, espaço-tempo,
amadurecimento de toda a equipe
para realização e promoção de ativi-
envolvida para aproveitá-las adequa-
dades para além das disciplinas exis-
damente, bem como para utilizá-las
te e é assegurado semanalmente.
com a finalidade que motivou sua

518
criação. Desde o princípio, elas pos- 3. CONCLUSÃO
suem a duração de cem minutos.
A análise da prática das Ativida-
Em 2015, elas foram retomadas
des Integradoras após a conclusão
inicialmente com regularidade men-
das primeiras turmas foi muito sa-
sal e, posteriormente, quinzenal e
lutar e evidenciou algumas de suas
continuaram com o mesmo formato.
virtudes, dificuldades e limitações.
Neste ano foram realizados inicial-
O espaço proporciona a interação
mente debates, e uma grande cha-
entre professores de diferentes dis-
mada ao público interno foi realizada
ciplinas a fim de que possam encon-
objetivando fomentar o maior envol-
trar pontos de convergência em seus
vimento dos professores, bem como
conteúdos, relacionando-os com o
incentivar novas práticas interdisci-
mundo fora da escola. O depoimento
plinares. Também em 2015 foi criado
dos primeiros egressos do Integrado
um logotipo e um slogan para as Ati-
materializa adequadamente o que as
vidades Integradoras.
Atividades Integradoras proporciona-
Em 2016 e 2017, as Atividades In- ram:
tegradoras prosseguiram seu curso Durante três anos participei das ati-
procurando sempre priorizar ativi- vidades integradoras que ocorriam
dades conjuntas dos três cursos. Isso no IFTM _ Campus Patrocínio. No
decorrer desse período, acompa-
não significa que houve momentos nhei a evolução das atividades e o
em que os cursos realizaram ativi- aumento do interesse por parte dos
dades separadamente por temas es- outros alunos e também de pro-
fessores. Em um primeiro instante
pecíficos que trataram de questões tinha em mente que a atividade
temáticas referentes ao trabalho e à integradora era apenas uma forma
formação técnica. Muitas Atividades descontraída de abranger certos as-
suntos com a presença de todos alu-
Integradoras surpreenderam os or- nos e convidados externos. Porém,
ganizadores pela riqueza. Alguns de- com o passar dos dias, percebi que o
bates movimentaram a escola, o que intuito ia muito além disso, descobri
que o objetivo era formar melho-
dificilmente ocorreria no espaço e no res profissionais e seres humanos.
escopo de única disciplina. Entre as Posso afirmar isso pois em diversos
atividades preferidas dos estudan- momentos pude refletir sobre prin-
cípios culturais, religiosos, políticos,
tes, certamente os debates ganha- econômicos e também assuntos
ram destaque. polêmicos e atuais como descri-
minalização do aborto e drogas,
preconceito, homofobia, corrupção

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 519


etc. Outro aspecto importante era a eram convidadas para compartilhar
liberdade que nós alunos tínhamos seus conhecimentos, nos levando
para fazer indagações e comentá- para fora dos muros da escola. Ao
rios a respeito do assunto, desen- mesmo tempo, esses momentos
volvendo nossas habilidades de co- possibilitaram que a organização
municação e de senso crítico. Esse estudantil no campus surgisse e se
último fato foi o que mais colaborou consolidasse. Nesses horários acon-
com a minha formação, pois com teceram diversas Assembleias Ge-
eles criei autoconfiança, aprimorei rais do Grêmio Estudantil. Tendo em
meus conhecimentos, relação in- vista que os cursos têm uma grande
terpessoal e desenvolvi habilidades carga horária, seria muito imprová-
que me ajudaram em vestibulares, vel a presença de uma quantida-
redações e até mesmo no desenvol- de significativa de estudantes nas
vimento de seminários e relatórios. assembleias se não acontecessem
Hoje reconheço que as atividades fora desses horários. Além disso, por
integradoras tiveram suma impor- meio da participação na comissão
tância na minha formação e tam- das Atividades Integradoras, do Grê-
bém na minha vida pessoal. (Isabele mio Estudantil ou pelo contato di-
Mendes Oliveira – concluinte 2016) reto com os educadores, os alunos
eram consultados sobre as ativida-
des e poderiam sugerir atividades,
As Atividades Integradoras foram fazendo com que muitas delas fos-
muito importantes para a minha sem realizadas diante de demandas
formação enquanto cidadão e, com reais apresentadas. Um momento
certeza, também a de meus colegas. como esse, livre das restrições das
Por ser um momento que comporta disciplinas é, sem dúvidas, um passo
atividades muito mais flexíveis que no caminho da interdisciplinarida-
um horário de aula, as atividades de e na formação de habilidades e
eram uma possibilidade de horá- competências, algo que a educação
rio para que as atividades que não de diversos países já adotam. (Mar-
se adequavam a uma sala de aula celo Lucas – concluinte 2016).
pudessem acontecer. Os debates e
discussões sobre os mais diversos
assuntos nos colocava em contato Durante os anos em que cursei o
com questionamentos sobre as opi- curso Técnico em Administração
niões que tínhamos, nos levando a Integrado ao Ensino Médio, esta-
criar nossas próprias opiniões após va presente na grade curricular o
conhecer outras diferentes das que Projeto Integrador. Eu o enxergava
conhecíamos. Ao meu ver, isso é como uma estratégia didática dife-
muito importante para a constru- renciada, onde ele não se restringia
ção de cidadãos conscientes, pes- à abordagem tradicional de conte-
soas mais preparadas para viver údos separados e sim integrados.
em sociedade, atingindo um dos Essa forma de ensino fez-me cer-
objetivos do Ensino Médio, que é tamente uma cidadã mais crítica e
promover a cidadania. Tudo isso menos alienada mediante os temas
ganhava proporções ainda maio- abordados no projeto que são – até
res quando pessoas da sociedade hoje – recorrentes e onipresentes

520
no meu dia a dia. Dessa forma, ele dor na grade curricular do Ensino
se aproximava da realidade nos fa- Médio-Técnico (antes restrito ape-
zendo refletir sobre vários assuntos, nas para cursos superiores) foi uma
por conseguinte integrando conhe- promissora aposta em virtude de
cimentos. Lembro-me de participar tantos benéficos oferecidos para
de projetos com convidados que tra- os alunos. Ouso convidar todos a
tavam de assuntos diversificados. O refletir sobre a perpetuação e con-
fato de ter um interlocutor diferente tinuação vitalícia desse importante
a cada semana com um assunto ex- projeto. (Évelyn Thuane Silva de Oli-
clusivo nos proporcionava um leque veira – concluinte 2016).
de conhecimentos globais que nos
ensinavam e motivavam. O projeto,
nesses anos, contou com diversos As atividades integradoras per-
profissionais como empreendedo-
res, juízes e profissionais da saúde. mitiram a aprendizagem da prática
Eventualmente, a presença destes interdisciplinar que, posteriormente,
reforçou a escolha da minha carrei- levou-se para as disciplinas curricu-
ra, que pretendo seguir. Acredito
que não somente eu mas também lares. Outra virtude é que o espaço
muitos alunos que participaram fo- das Atividades Integradoras, por ser
ram norteados ou mesmo inspira- um espaço aberto, pode ser utilizado
dos para escolherem uma profissão.
Me felicita saber que o projeto aten- pelos próprios estudantes dos dife-
deu também as causas ambientais. rentes cursos para interagirem com
Neste momento, eu como ex-aluna os próprios colegas. Um aspecto que
deixava de ser apenas uma aprendiz
para me converter em agente trans- ficou evidente é que as Atividades
formadora da realidade. O projeto Integradoras contribuem para uma
integrador reforçou muitas vezes a melhor socialização dos alunos de
matéria dada em sala de aula, elu-
cidando com filmes que retratam todos os cursos, diminuindo even-
a realidade histórica. Estes mostra- tuais rivalidades ou competições ne-
ram-se promissores, uma vez que, gativas que costumeiramente se ob-
para mim, o conteúdo tornava-se
mais atrativo e fácil de compreen- serva em escolas profissionalizantes.
der. Decerto, o projeto foi um aliado Outra virtude é que elas demonstra-
para desfazer pensamentos e con- ram ser um instrumento valioso para
cepções preconceituosas ao abor-
dar assuntos como diversidade das incrementar a preparação para a vida
religiões, preconceito racial e opção e para a cidadania. Temas como gra-
sexual. O interessante é que, além videz na adolescência, aborto, redu-
da disseminação do conhecimento,
sempre no final das palestras, nós ção da maioridade penal, sexualida-
alunos podíamos fazer indagações de, escolha profissional, inserção no
para o palestrante ou compartilhar mercado, podem ser bem explora-
nosso ponto de vista. Concluo que
a incorporação do projeto integra- dos em atividades desse tipo. As Ati-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 521


vidades Integradoras mostraram-se doras foram pensadas para serem
ricas e valiosas. diferentes de suas congêneres uni-
Quanto às dificuldades, a maior versitárias. Elas diferem porque no
delas é o envolvimento da equipe e Ensino Superior quase sempre existe
a compreensão das características um professor responsável por elas, e,
e particularidades das Atividades In- em alguns casos, com um conteúdo
tegradoras. Outra dificuldade é que determinado previamente e até mes-
a maioria dos profissionais não teve mo com avaliação da aprendizagem.
esta experiência durante sua forma- A experiência aqui relatada dife-
ção, tradicionalmente disciplinar e re desse modelo. Em Patrocínio (MG)
conteudista, não conseguindo traba- foi criada uma Comissão para orga-
lhar de forma articulada ou conceber nizar as Atividades Integradoras, cor-
novas atividades, o que levou alguns roborando com o que fala Barañano
a emitirem comentários e julgamen- (2005), o desenvolvimento de ino-
tos apressados e preconceituosos ou vações está fortemente condiciona-
a apresentarem resistência em par- do pela existência de um ambiente
ticipar da prática inovadora. Enfim, interno no qual as ideias criativas
conforme aponta CORDIOLLI (2011), possam emergir e os conhecimen-
trata-se de um processo difícil, mas é tos, quer tecnológicos, quer de ges-
preciso inovar. Segundo ele, colocar tão, possam ser acumulados. Essa
as inovações em prática, promover comissão inclusive foi composta por
diversas experimentações e avaliar professores, técnico-administrati-
cada passo para reformular o que vos e estudantes. A organização das
não está funcionando é uma forma Atividades Integradoras por meio de
de aprimorar o processo educativo. uma comissão com participação es-
Um ponto a ser destacado é o tudantil garantiu que o espaço fosse
grau de inovação que esta experi- mantido, propositalmente, aberto às
ência com as Atividades Integradoras demandas presentes e futuras. Desse
encerra. Há muito já são praticadas modo, elas permitem momentos de
no Ensino Superior iniciativas seme- integração, intercursos e interséries e
lhantes, geralmente denominadas entre professores de diferentes disci-
de Projeto Integrador. Contudo, é plinas e orientações teóricas. Isso ob-
preciso ressaltar que no IFTM – Cam- viamente tem a ver com o Integrado.
pus Patrocínio, as Atividades Integra- Nesse curso fazem-se presentes tan-
to as demandas da Formação Geral

522
(Ensino Médio) quanto da Formação REFERÊNCIAS
Profissional (Ensino Técnico).
ALVES, C. Estudos secundários no
Assim, decididamente, as Ativi-
Brasil nos séculos XIX e XX. In: PES-
dades Integradoras mostraram-se
SANHA, E. C.; JUNIOR, D. G. Tempo
uma inovação no sentido schumpe-
de cidade, lugar de escola: história,
teriano. Elas se constituíram como
ensino e cultura escolar em “esco-
uma forma de inovação dos serviços
las exemplares”. Uberlândia: Edufu,
oferecidos pela instituição, visto que
2012. p. 87 a 116.
corroboram com a oferta de um en-
sino de nível médio mais atualizado BARAÑANO, A. M. Gestão da Inova-
frente às demandas dos estudantes e ção Tecnológica – Estudo de Cinco
da sociedade. A partir desta análise, PMEs Portuguesas. R. Bras. de Inov.,
pode-se concluir que se trata de uma v. 4, n. 1, 2005.
inovação devido ao seu impacto no
sentido de transformar processos e BORHER, M. B. A.; ÁVILA, J.; CASTRO,
pessoas. De acordo com os concei- A. C.; CHAMAS, C. I.; PAULINO, S. En-
tos de Fonseca e Figueiredo (2014), sino e Pesquisa em Propriedade Inte-
a inovação é entendida como um lectual no Brasil. R. Bras. de Inov., v.
processo e não como evento isolado. 6, n. 2, 2005.
Verificou-se que as Atividades Inte-
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da
gradoras contribuem para a melho-
Educação Nacional (LDB) nº 9.394,
ria e construção de um Integrado de
de 20 de dezembro de 1996.
qualidade. Elas propiciam momen-
tos ricos e valiosos que as disciplinas CARDOSO, T. F. L. Sociedade e desen-
tradicionais não permitem. O forma- volvimento tecnológico: uma abor-
to aberto sem conteúdo predeter- dagem histórica. In: GRINSPUN, M.
minado deu a elas uma flexibilidade P. S. Z. Educação Tecnológica. São
necessária para atender às deman- Paulo: Cortez, 2002.
das dos cursos e dos estudantes. En-
fim, elas se mostraram valiosas para a CARNEIRO, M. A. O nó do Ensino
formação de cidadãos e profissionais Médio. Petrópolis: Vozes, 2012.
com autonomia intelectual.
CORDIOLLI, M. Apud: TEIXEIRA, B.
Inovação ou Acomodação: de qual
lado sua escola está? Ver. Educ.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 523


Educ., ano 1, n. 1, p.18, maio 2011. Caminhos para Inovar. Fundação Vic-
tor Civita. São Paulo: Editora Abril,
CURI, L. M. História & Inovação: O 2012. Edição Especial nº 14.
campo em foco. SILVA, J. C. et al.
(Org.). Sustentabilidade e Inovação PINTO, J. M. de. O Ensino Médio. In:
no Campo. Uberlândia: Composer, OLIVEIRA, R. P.; ADRIÃO, T. Organiza-
2013. ção do ensino no Brasil. São Paulo:
Xamã, 2007. p. 47 a 72.
CURI, L. M. Noções de Direito no Ensi-
no Médio: uma demanda urgente. R.
J. do Unia Araxá: Composer, v. 16, n.
15, 2012.

FONSECA, M. FIGUEIREDO, P. N. Acu-


mulação de capacidades tecnológi-
cas e aprimoramento de performan-
ce operacional. Rev. Bras. de Inov.,
v. 13, n. 2, p. 311-344, 2014.

FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,


M. (Org.). Ensino Médio Integrado:
Concepções e Contradições. 3. ed.
São Paulo: Cortez, 2012.

HAIDAR, M. de L. M. O Ensino Secun-


dário no Brasil Império. São Paulo:
Edusp, 2008.

MANFREDI, S. M. Educação Profis-


sional no Brasil. São Paulo: Editora
Cortez, 2002.

MEC. Conselho Nacional de Educa-


ção. Parecer CNE/CP nº 11/2009
(Proposta de experiência curricular
inovadora do Ensino Médio).

PADILHA, M. Parceria Construtiva.

524
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO:
CONCEPÇÃO E CATEGORIAS FUNDANTES

Ivonei Andrioni 1
1
Universidade Federal de Mato Grosso, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Educação
E-mail: ivoneiandrioni@yahoo.com.br

1. INTRODUÇÃO dores protagonistas dessa proposta,


no Brasil, destacamos Gaudêncio Fri-
Este texto é um recorte da Disser- gotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos,
tação “Educação Profissional Integra- Paolo Nosella e Dermeval Saviani, au-
da ao Ensino Médio no/do Campo em tores estes que referenciam em suas
Mato Grosso: Limites e Possibilida- afirmações filósofos e educadores
des”. A pesquisa que culminou com como Marx, Engels, Pistrak, Grams-
a Dissertação teve como campo em- ci, Manacorda, Krupskaya, Mészáros
pírico uma escola do campo de Edu- e que defendem os princípios da
cação Profissional Integrada ao En- escola humanista e de formação in-
sino Médio (Epiem), da rede pública tegral, pública, laica, de qualidade,
estadual, no Estado de Mato Grosso. para todos, preconizados pela Cons-
O objetivo era entender como a con- tituição Federal de 1988 e pela Lei de
cepção de Epiem transitava na pro- Diretrizes e Bases da Educação Na-
posta político- pedagógica-curricu- cional de 1996. Bem como protago-
lar da escola; qual a fundamentação nizaram a publicação do Decreto nº
teórica utilizada pelos profissionais 5.154/2004 em substituição ao De-
de educação da escola na construção creto nº 2.208/1997.
da proposta pedagógica; a presença
O objetivo deste recorte é apre-
ou não das políticas públicas de edu-
sentar a fundamentação teórica e
cação; bem como os limites e as pos-
conceitual, os autores que possibi-
sibilidades na efetivação da proposta
litaram entender o processo histó-
na perspectiva da formação integral.
rico da construção da proposta de
Entre os educadores, pesquisa- Epiem no Brasil e como esta concep-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 525


ção transita nas políticas públicas de o Ensino Médio e a educação profis-
educação. Assim como apresentar sional (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p.
as categorias fundantes da concep- 305).
ção de Epiem como contraponto ao Para Ciavatta e Ramos (2012),
projeto de educação dualista pre- conceitualmente e organicamente, a
sente na maioria das escolas da rede concepção de EPIEM vai muito além
pública estadual do Estado de Mato da articulação entre educação geral
Grosso. e formação técnica. Tem o objetivo
de superar a segmentação de clas-
2. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTE- ses, a separação entre formação para
GRADA AO ENSINO MÉDIO o trabalho manual ou formação para
o trabalho intelectual, “busca recu-
Historicamente, no Brasil, a edu- perar, no atual contexto histórico e
cação escolar caracterizou-se como sob uma específica correlação de for-
dualista, binária, a serviço da ma- ças entre as classes, as concepções
nutenção da segmentação social. A de educação politécnica, educação
concepção de Epiem surge como al- omnilateral e escola unitária”, que es-
ternativa para superar o ser humano tiveram no projeto da LDBN dos anos
dividido historicamente pela divisão de 1980, mas que se perderam antes
social do trabalho entre a ação de da aprovação da LDBN/96” (p. 306).
executar e a ação de pensar, dirigir Ou seja, não se trata somente de
ou planejar, a fim de garantir ao es- integrar uma à outra na forma, mas
tudante o direito a uma formação sim de se constituir o Ensino Médio
completa, que contribua na leitura como um processo formativo que in-
do mundo e em sua atuação como tegre as dimensões estruturantes da
cidadão. vida, trabalho, ciência e cultura, abra
O termo “integrado” nasce novas perspectivas de vida para os
como contraponto ao Decreto nº jovens e concorra para a superação
2.208/1997, ou seja, “foi incorporado das desigualdades entre as classes
à legislação – primeiramente, no De- sociais.
creto nº 5.154/2004 (que revogou o Ciavatta (2005) afirma que quan-
Decreto nº 2.208/1997) e, posterior- do nos referimos à concepção de
mente, na Lei nº 9.394/1996, alterada integração entre formação geral e
pela Lei nº 11.741/2008, nasce como formação técnica, “queremos que
uma das formas de articulação entre

526
a educação geral se torne parte in- educativo. Ou seja, o objetivo é ofe-
separável da educação profissional recer ao jovem formação humana
em todos os campos onde se dá a e de cultura geral, para inserir “os
preparação para o trabalho: seja jovens na atividade social, depois
nos processos produtivos, seja nos de tê-los elevado a um certo grau
processos educativos como a for- de maturidade e capacidade para a
mação inicial, como o ensino técni- criação intelectual e prática e a uma
co, tecnológico ou superior” (p. 84). certa autonomia na orientação e na
Assim, no Ensino Médio Integrado, iniciativa” (GRAMSCI, 2011, p. 36).
os alunos terão acesso aos conheci- Rodrigues (2010, p. 184) afirma
mentos equivalentes à base nacional que o Ensino Médio no Brasil esteve
comum referente ao nível de ensino reservado a uma elite proprietária,
e os conhecimentos específicos do como passaporte para o Ensino Su-
curso técnico escolhido. O objetivo perior. Segundo Rodrigues, o que há
é unir teoria e prática, preparação é “uma formação propedêutica, vol-
para prosseguir nos estudos e pre- tada para os integrantes da elite, que
paração para o trabalho. No curso conseguia continuar os estudos em
subsequente isso não acontece, pois direção ao Ensino Superior”.
o objetivo é formação prática, treina-
mento, aprender a fazer. Para Nosella (2009), até a década
de 1930, no Brasil, a modalidade de
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos Ensino Médio existia apenas como
(2005), a modalidade de Epiem, no formação geral, formação científica,
Brasil, é recente. Somente a partir de para uma minoria que se dava o luxo
2003, abre-se a possibilidade de uma de prosseguir em estudos superio-
nova concepção que problematiza res. Segundo o autor, o filho do tra-
e busca superar o currículo dualista, balhador só teve acesso a essa mo-
historicamente presente na educa- dalidade devido à necessidade de
ção brasileira. formação de mão de obra para aten-
Com a concepção de formação der as demandas da industrialização
integrada ou de Epiem, pretende-se crescente. Antes disso, aos filhos da
construir/organizar educação esco- classe operária, do campo ou da clas-
lar na perspectiva da escola unitária se urbana, por diferentes razões, não
e politécnica. Perspectivas que con- lhes era garantido o direito à escola
cebem o trabalho como princípio de Ensino Médio.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 527


Ainda segundo o autor (2009), o Konder (2000) afirma que
Ensino Médio no Brasil continua sen- Toda sociedade vive porque con-
do uma questão polêmica, pois some; e para consumir depende da
produção, isto é, do trabalho. Toda
Uns defendem uma formação hu- a sociedade vive porque cada gera-
manista e científica única e para ção nela cuida da formação da ge-
todos; outros uma formação pré ração seguinte e lhe transmite algo
-profissional ou até mesmo profis- da sua experiência, educa-a. Não há
sionalizante; outros ainda defen- sociedade sem trabalho e sem edu-
dem a separação entre o Ensino cação (KONDER, 2000, p. 112).
Médio regular e o ensino técnico
e profissional; e outros finalmente
defendem o Ensino Médio integra-
do ao ensino técnico ou à educação Brandão (2005) afirma que
profissional (NOSELLA, 2009, p. 2). Ninguém escapa da educação. Em
casa, na rua, na igreja ou na escola,
de um modo ou de muitos todos
nós envolvemos pedaços de vida
2.1 Categorias estruturantes da com ela: para aprender, para ensi-
nar, para aprender-e-ensinar. Para
Educação Profissional Integrada saber, para fazer, para ser ou para
conviver, todos os dias misturamos
ao Ensino Médio a vida com a educação. Com uma ou
com várias: educação? Educações.
Trabalho e Educação: Para Frigot- [...] Não há uma forma única nem um
to (2012, p. 273), as práticas sociais, único modelo de educação; a escola
não é o único lugar onde ela acon-
trabalho e educação coexistem des- tece e talvez nem seja o melhor; o
de que o homem se reconhece como ensino escolar não é a sua única prá-
ser humano. O homem se sobrepõe tica e o professor profissional não é
o seu único praticante. [...] A educa-
aos demais seres da natureza pela ção pode existir livre e, entre todos,
prática do trabalho e, por meio da pode ser uma das maneiras que as
educação, o homem socializa às ge- pessoas criam para tornar comum,
como saber, como ideia, como cren-
rações que se sucedem as técnicas ça, aquilo que é comunitário como
de produção, os valores, as experiên- bem, como trabalho ou como vida.
cias e os conhecimentos construídos Ela pode existir imposta por um
sistema centralizado de poder, que
historicamente. É por meio do traba- usa o saber e o controle sobre o
lho, desde a época da coleta, passan- saber como armas que reforçam a
do pelas maneiras de organizar e se desigualdade entre os homens, na
divisão dos bens, do trabalho, dos
organizar para o trabalho, que o ho- direitos e dos símbolos (BRANDÃO,
mem produz e se reproduz. 2005, p. 7- 10).

528
A concepção de educação foi pelas condições gerais de funciona-
mento do processo de acumulação
deturpada pelo capital, pelo grupo
de riqueza (FREITAS, 2010, p. 156).
que vive da exploração do trabalho
da classe operária. Pois, o que po- Para Frigotto (2006), a função do
deria ser espaço de emancipação, Ensino Médio é “preparar cidadãos
formação para a cidadania, espaço autônomos para atuarem no campo
para conhecer os princípios da pro- social, político, cultural e econômico”.
dução e da organização social, tor- Porém, o que se percebe são milha-
nou-se espaço e instrumento que a res de jovens que, vitimados pela so-
sociedade capitalista usa para “for- ciedade de classes, são condenados
necer os conhecimentos e o pessoal a frequentar “cursos profissionalizan-
necessário à maquinaria produtiva tes desprovidos de uma base científi-
em expansão do sistema capitalista, ca, técnica e de cultura humana mais
mas também gerar e transmitir um geral”, que não os prepara “nem para
quadro de valores que legitimam os as exigências profissionais e nem
interesses dominantes” (MÉSZÁROS, para o exercício autônomo da cida-
2008, p. 15). dania” (p. 91).

Freitas (2010, p. 156) afirma que Segundo o autor,


a educação, no decorrer da histó- A escola média de melhor quali-
dade é reservada ao topo da pirâ-
ria, nunca esteve a favor do filho do mide social e dentro da cultura do
trabalhador. Mesmo que o discurso “bacharel e do coronel”, vale dizer
fosse educação laica, pública e para uma elite preconceituosa, ilustrada,
mas desprovida de cultura humana
todos, o que se observa é a disse- e violenta. [...] Sem romper com as
minação de valores hierárquicos: estruturas de poder que subordi-
“Aprende-se relações de subordina- nam os interesses da sociedade as
minorias do topo da pirâmide social
ção no processo de gestão escolar; continuaremos reproduzindo o que
aprende-se relações de submissão Francisco de Oliveira explicita pela
na sala de aula; aprende-se valores e metáfora do ornitorrinco: uma so-
ciedade monstrengo social que se
atitudes nas variadas vivências apon- funda na desigualdade e se alimen-
tadas pela escola”. Ou seja, ta dela (FRIGOTTO, 2006, p. 92).
A escola produz a aceitação da vida
e a submissão do aluno às regras vi-
gentes e, em relação à classe traba- Pistrak (2000), referindo-se à
lhadora, continua a sonegar conhe- união trabalho e educação, sugere a
cimento, distribuindo-o, quando o
faz, segundo o nível que é esperado criação de oficinas escolas, e afirma

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 529


que não existe melhor maneira para Para Ciavatta e Ramos (2012, p.
entender o processo de funciona- 305), essa maneira de organizar a
mento de uma máquina e o signifi- educação, com a intenção de integrar
cado da mecanização da produção, ensino e trabalho, formação geral-
do que “sentir diretamente o que é científica e formação técnica – para
de fato a mecanização da produção” o trabalho, tem origem na “educação
(p. 59). socialista, na concepção de educa-
Para o autor, uma oficina bem ção politécnica ou tecnológica”.
organizada proporciona ao aluno A concepção socialista de edu-
conhecimento da organização cien- cação a que Ciavatta e Ramos (2012)
tífica do trabalho (tempo de um se referem foi protagonizada, inicial-
trabalhador e tempo de um grupo mente, por Robert Owen que defen-
de trabalhadores na confecção de dia “formação integral, sob o aspecto
determinado produto); organização físico e moral, dos homens e das mu-
econômica da oficina (elementos lheres, para que aprendam a pensar
da administração, compreensão de e agir sempre racionalmente” (MA-
possíveis problemas econômicos); e NACORDA, 1989, p. 274).
a importância social de uma oficina Para Owen “a educação devia ter
para as pessoas de determinada lo- como princípio básico o trabalho pro-
calidade melhorar as técnicas de tra- dutivo. A escola deveria apresentar
balho/produção e as condições de de maneira concreta e direta os pro-
vida/existência. blemas da produção e os problemas
Ainda segundo Pistrak (2000), sociais” (GADOTTI, 2002, p. 120). Ou
o problema é que estas atividades seja, Owen acreditava ser possível a
do cotidiano do aluno não são con- construção de outra organização da
sideradas no trabalho escolar. Para sociedade a partir da educação. Con-
que isso aconteça, faz-se necessário tudo, o equívoco estava em querer
organizar o programa de estudos/ superar os problemas sociais “apenas
trabalho a partir dos “complexos”. por meio da força da razão”, superar
Ou seja, “o estudo dos complexos na a ignorância sem atacar o problema
escola apenas se justifica na medida do modo de produção e da necessi-
em que eles representam uma série dade de novas formas de trabalho,
de elos numa única corrente, condu- entrelaçados com a educação.
zindo à compreensão da realidade
atual” (p. 137).

530
Gramsci (2011) afirma que cada e gratuita. O objetivo é a superação
classe social cria os seus intelectuais da separação entre formação técnica
orgânicos. Com isso surge a escola para o trabalho e formação científica/
dualista tradicional que divide o en- geral para prosseguir nos estudos.
sino em clássico – destinado à classe Para Frigotto, Ciavatta e Ramos
dominante e aos intelectuais, e o en- (2005, p. 42), os mentores do referido
sino profissional – destinado à classe decreto apropriam-se da ambiguida-
instrumental, os operários. de e dos princípios de educação es-
Gramsci propõe uma escola úni- tabelecidos no Art. 1º da Lei de Dire-
ca, de formação humana, de base trizes e Bases da Educação Nacional
unitária, em que nº 9394/96 e defendem a possibili-
[...] a última fase (Ensino Médio) dade de “incorporar no Ensino Médio
deve ser concebida e organizada processos de trabalho reais, possibi-
como a fase decisiva, na qual se ten-
de a criar os valores fundamentais
litando-se assimilações não apenas
do “humanismo”, a autodisciplina teóricas, mas também práticas, dos
intelectual e autonomia moral ne- princípios científicos que estão na
cessária a uma posterior especiali-
zação, seja ela de caráter científico
base da produção moderna”. Ou seja,
(estudos universitários), seja de ca- o que se pretende é construir uma
ráter imediatamente prático-produ- educação unitária e universal desti-
tivo (indústria, burocracia, comércio
etc.) (GRAMSCI, 2011, p. 39).
nada a superar a dualidade entre cul-
tura geral e cultura técnica, ainda no
Ensino Médio, visto que
No Brasil, um dos marcos signifi- O Ensino Médio integrado é aque-
cativos na superação da dualidade le possível e necessário em uma
é o Decreto nº 5.154/2004. Decreto realidade conjunturalmente des-
favorável – em que os filhos dos
esse que nasce no auge da luta en- trabalhadores precisam obter uma
tre conservadores e progressistas. profissão ainda no nível médio, não
De um lado, os conservadores lutan- podendo adiar este projeto para o
nível superior de ensino – mas que
do por uma educação/escola seg- protagonize mudanças para, supe-
mentada: profissionalizante, para a rando-se essa conjuntura, consti-
classe trabalhadora e científica, para tuir-se em uma educação que con-
tenha elementos de uma sociedade
a elite/burguesia. De outro lado, os justa (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,
progressistas: lutando por uma edu- 2005, p. 44).
cação democrática, de base unitária,
laica, politécnica, humanista, pública

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 531


Consta no Documento Base adultos para a população urbana e
do campo na faixa de 15 a 17 anos,
(BRASIL, 2007, p. 24), que o Decreto
com qualificação social e profissio-
5.154/2004, além de manter “as ofer- nal para jovens que estejam fora da
tas dos cursos técnicos concomitan- escola e com defasagem série-idade
(PEREIRA, 2012, p. 288).
tes e subsequentes determinados
pelo Decreto 2.208/97, teve o gran-
de mérito de revogá-lo e de trazer Para Frigotto (2005, p. 44), o Ensi-
de volta a possibilidade de integrar no Médio integrado se faz necessário
à educação profissional”. Ou seja, o para uma realidade em que o filho
objetivo do Decreto nº 5.154/2004 é do trabalhador, nessa modalidade
proporcionar “uma formação voltada de ensino, tenha que trabalhar e es-
para a superação da dualidade estru- tudar. Ou seja, faz-se necessário o
tural entre cultura geral e cultura téc- filho do trabalhador obter uma pro-
nica ou formação instrumental (para fissão ainda no Ensino Médio, poten-
os filhos da classe operária) versus cializando este trabalhador também
formação acadêmica (para os filhos com conhecimentos gerais, possibi-
da classe média-alta e alta)” (BRASIL, litando assim condições de ascender
2007, p. 25). em conhecimentos que, além de do-
Pereira (2012), afirma que no minar os princípios da organização
[...] debate atual da educação pro-
do trabalho, permitam dominar prin-
fissional, trazido no Plano Nacio- cípios da organização social, política
nal de Educação (PNE) 2011-2020, e econômica.
notamos que é sob o mote da uni-
versalização do Ensino Médio que Trabalho, Conhecimento e Cultura:
aparecem as primeiras referências
Compreender a relação indissoci-
à educação profissional, tais como:
ável entre trabalho, ciência, tecno-
fomentar a expansão das matrículas
logia e cultura significa entender o
do Ensino Médio integrado à educa-
trabalho como princípio educativo,
ção profissional, observando-se as
o que não significa aprender fazen-
peculiaridades das populações do
do, nem é sinônimo de formar para
campo, dos povos indígenas e das
o exercício do trabalho. Considerar
comunidades quilombolas; fomen-
o trabalho princípio educativo equi-
tar a expansão da oferta de matrícu-
vale a dizer que o ser humano é pro-
las gratuitas de educação profissio-
dutor de sua realidade e, por isso,
nal técnica de nível médio por parte
apropria-se dela e pode transfor-
das entidades privadas de educação
má-la. Equivale a dizer, ainda, que
profissional vinculadas ao sistema
somos sujeitos de nossa história e
sindical, de forma concomitante ao
de nossa realidade. Em síntese, o
Ensino Médio público; e fomentar
trabalho é a primeira mediação en-
programas de educação de jovens e

532
tre o homem e a realidade material Para Ciavatta (2005), a proposta
e social (PACHECO, 2012, p. 68).
de Epiem tem o propósito de “su-
perar a redução da preparação para
A construção do currículo a par- o trabalho ao seu aspecto operacio-
tir do eixo estruturante trabalho, co- nal, simplificado, escoimado dos co-
nhecimento e cultura objetiva cons- nhecimentos que estão na sua gê-
truir, tornar realidade o projeto de nese científico-tecnológica e na sua
base unitária e politécnica. Ou seja, apropriação histórico-social” (p. 85).
objetiva superar a dicotomia entre Segundo a autora, a proposta deve
formação técnica e formação cientí- articular políticas de desenvolvimen-
fica, preparação para o trabalho ou to econômico local, regional e nacio-
preparação para prosseguir nos es- nal, bem como políticas de emprego
tudos. e renda. Ou seja, é um projeto que,
para obter êxito, precisa estar imbri-
No documento das OCs (MATO
cado na sociedade e também ter o fi-
GROSSO, 2010), percebemos que o
nanciamento por parte das políticas
grande desafio ainda é a construção
públicas.
de uma proposta que integre todos
os saberes “articulando formação Para a Secretaria de Estado de
científica, tecnológica e cultural, com Educação de Mato Grosso (MATO
vistas a superar a ruptura historica- GROSSO, 2010, p. 80), tanto as es-
mente determinada entre uma es- colas urbanas como as escolas do
cola que ensine a pensar [...] e uma campo podem optar pela implanta-
escola que ensine a fazer” (p.16). ção da Epiem. O objetivo é superar a
dualidade e garantir a todos o direito
Segundo o documento OCs
de acesso e permanência na escola,
(MATO GROSSO, 2010, p. 22),
bem como organizar uma proposta
[...] a finalidade da escola que unifica
conhecimento, cultura e trabalho é
pedagógica que oportunize pleno
a formação de homens desenvolvi- domínio dos princípios da ciência, da
dos multilateralmente, que articu- técnica, da organização social, políti-
lem a sua capacidade produtiva às
capacidades de pensar, de relacio-
ca e econômica.
nar-se, de desenvolver sua afetivi- Nessa mesma perspectiva, temos
dade, de estudar, de governar e de
exercer controle sobre os governan- a Resolução nº 2, de 30 de janeiro
tes. de 2012, que entre outros aspectos,
define as Diretrizes Curriculares Na-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 533


cionais para o Ensino Médio e afirma Ainda segundo o documento, art.
(art. 4º) que é finalidade desta moda- 5º:
lidade de educação: § 1º O trabalho é conceituado na
I – a consolidação e o aprofunda- sua perspectiva ontológica de trans-
mento dos conhecimentos adqui- formação da natureza, como realiza-
ridos no Ensino Fundamental, pos- ção inerente ao ser humano e como
sibilitando o prosseguimento de mediação no processo de produção
estudos; da sua existência.

II – a preparação básica para o traba- § 2º A ciência é conceituada como


lho e a cidadania do educando para o conjunto de conhecimentos siste-
continuar aprendendo, de modo a matizados, produzidos socialmente
ser capaz de se adaptar a novas con- ao longo da história, na busca da
dições de ocupação ou aperfeiçoa- compreensão e transformação da
mento posteriores; natureza e da sociedade.

III – o aprimoramento do educando § 3º A tecnologia é conceituada


como pessoa humana, incluindo a como a transformação da ciência
formação ética e o desenvolvimen- em força produtiva ou mediação
to da autonomia intelectual e do do conhecimento científico e a pro-
pensamento crítico; dução, marcada, desde sua origem,
pelas relações sociais que a levaram
IV – a compreensão dos fundamen- a ser produzida.
tos científico-tecnológicos dos pro-
cessos produtivos, relacionando a § 4º A cultura é conceituada como
teoria com a prática (BRASIL, 2012). o processo de produção de expres-
sões materiais, símbolos, represen-
tações e significados que corres-
pondem a valores éticos, políticos
Segundo o documento, (Art. 5º), e estéticos que orientam as normas
a oferta do Ensino Médio, indepen- de conduta de uma sociedade (BRA-
dentemente de sua modalidade, SIL, 2012).
deve basear-se na “formação inte-
gral do estudante”, ou seja, determi- Pelo documento-base (2007), o
na que a proposta curricular integre objetivo do Ensino Médio integrado
conhecimentos gerais e técnico-pro- é a de formar para o trabalho, não
fissionais, bem como a associação da só na perspectiva econômica, pro-
“educação e as dimensões do traba- dução material, para o capital, mas
lho, da ciência, da tecnologia e da na perspectiva da formação integral.
cultura como base da proposta e do Preparando sim para operar, mas co-
desenvolvimento curricular”. nhecendo os princípios científicos e
tecnológicos que estão envolvidos
nessas operações, bem como o pro-

534
cesso histórico percorrido até chegar Trabalho como princípio educa-
à cientificidade, aos valores sociais tivo: para Frigotto e Ciavatta (2012,
-políticos-éticos e econômicos en- p. 749), conceber o trabalho como
volvidos, como também a quem in- princípio educativo é conceber “o ser
teressa a realidade atual do trabalho humano como produtor da socieda-
e quem são os beneficiários. de e da cultura de seu tempo”, evi-
Para as OCs (MATO GROSSO, tando com isso que alguns vivam da
2010, p. 21), “considerar o trabalho exploração do trabalho do outro ser
como princípio educativo [...] impli- humano. Nessa perspectiva, a educa-
ca buscar o enfrentamento da escola ção tem como objetivo o desenvol-
dual mediante a construção de uma vimento omnilateral e politécnico,
educação básica que articule conhe- ou seja, formação para a vida, con-
cimento, trabalho e cultura”. Ainda templando desenvolvimento “físico,
segundo o documento, a finalidade mental, intelectual, prático, laboral,
da escola que unifica conhecimento, estético e político”. Sendo inconce-
trabalho e cultura é a de formação bível a naturalização da concepção
politécnica e omnilateral, de base de trabalho onde uma “classe social
unitária, que articula capacidade dominante explora o trabalho das
produtiva às capacidades de pen- demais”.
sar, de produzir, de relacionar-se, de O trabalho como princípio educa-
tivo ganha nas escolas a feição de
estudar, de exercer controle sobre a princípio pedagógico, que se realiza
realidade política e, se for o caso, que em uma dupla direção. Sob as ne-
esteja em condições de governar. A cessidades do capital de formação
de mão de obra para as empresas,
perspectiva da escola, conclui o do- o trabalho educa para a disciplina,
cumento, objetiva a “inserção dos para a adaptação às suas formas de
jovens na atividade social, na criação exploração ou, simplesmente, para
o adestramento nas funções úteis
intelectual e prática e no desenvolvi- à produção. Sob a contingência das
mento de uma certa autonomia de necessidades dos trabalhadores, o
orientação e iniciativa” (p. 22), con- trabalho deve não somente prepa-
rar para o exercício das atividades
templando ao mesmo tempo forma- laborais, [...] mas também para a
ção científica, cultural e tecnológica, compreensão dos processos técni-
sustentada nas linguagens e nos co- cos, científicos e históricos-sociais
que lhe são subjacentes e que sus-
nhecimentos sócio-históricos. tentam a introdução das tecnolo-
gias e da organização do trabalho
(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 750).

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 535


Para Frigotto e Ciavatta (2012, ca e metodológica no processo de
aprendizagem, mas um princípio
p. 753), introduzir o trabalho como
ético-político. (FRIGOTTO, 2005, p.
princípio educativo em todas as ins- 60).
tituições/relações sociais (escola, fa-
mília, educação profissional) “supõe
Para Saviani (1989, p. 14), “todo
recuperar toda a dimensão da escola
trabalho humano envolve a conco-
unitária e politécnica, ou a formação
mitância do exercício dos membros,
integrada”, bem como introduzir nos
das mãos, e do exercício mental, in-
currículos toda a história de luta e or-
telectual”. A ideia de separação entre
ganização dos trabalhadores, para a
o pensar e o manusear, ser proprietá-
conquista e garantia dos direitos, a
rios e ser operário, formação técnica
“crítica histórico-social do trabalho
profissional e formação científico-in-
no sistema capitalista” e a luta dos
telectual é típica da sociedade capi-
trabalhadores para garantir o direito
talista burguesa.
à educação pública, de qualidade e
para todos, garantia essa oficializada Para contrapor a essa ambigui-
na LDBN/1996, na Constituição Fe- dade, continua o autor, é preciso
deral/1988 e no Estatuto da Criança superar o estranhamento, alienação
e do Adolescente/1990. do trabalhador, e que a melhoria nas
técnicas que acaba por aumentar a
Para Frigotto (2005, p. 60), o tra-
produção seja revertida, não só em
balho como princípio educativo,
ganhos materiais, mas também em
princípio ontológico, é concebido na
tempo livre, para que o trabalhador
perspectiva de
possa dedicar-se ao trabalho inte-
[...] que todos os seres humanos são
seres da natureza e, portanto, têm a lectual, ao lazer, à família, ao teatro,
necessidade de alimentar-se, prote- à política, à cultura etc. A separação
ger-se das intempéries e criar seus é um processo histórico, relativo, di-
meios de vida. É fundamental so-
cializar, desde a infância, o princípio nâmico, por isso possível de ser su-
de que a tarefa de prover a subsis- perado. Para isso, é necessário que
tência, e outras esferas da vida pelo se supere a apropriação privada dos
trabalho, é comum a todos os seres
humanos, evitando-se, desta forma, meios de produção, colocando todo
criar indivíduos ou grupos que ex- o processo produtivo a serviço do
ploram e vivem do trabalho de ou- coletivo.
tros. [...] O trabalho como princípio
educativo, então, não é, primeiro Segundo Saviani, em se tratan-
e sobretudo, uma técnica didáti-
do da organização do Ensino Médio,

536
nesta perspectiva de articulação en- que temos hoje, na qual uns se apro-
tre formação geral e formação téc- priam dos meios de produção, do co-
nica, ou formação politécnica, se faz nhecimento e do trabalho. Enquanto
necessário oportunizar que o aluno outros proprietários apenas da força
assimile os aspectos teóricos e os as- de trabalho se adaptam ao estranha-
pectos práticos dos princípios cientí- mento, à alienação e à exploração do
ficos da organização moderna. homem pelo próprio homem. Enten-
[...] se o educando que passa por der o trabalho como princípio edu-
essa formação adquire essa compre- cativo significa entender que o ho-
ensão não apenas teórica, mas tam-
bém prática do modo como a Ciên-
mem é um sujeito histórico, vive em
cia é produzida, e do modo como a sociedade, cria e recria os meios de
ciência se incorpora à produção dos exploração e adaptação da natureza
bens, ele adquire a compreensão de
como a sociedade está constituída,
às suas necessidades, bem como or-
qual a natureza do trabalho nesta ganiza e reorganiza as formas de pro-
sociedade e, portanto, qual o senti- dução, inclusive a de exploração do
do das diferentes especialidades em
que se divide o trabalho moderno.
homem pelo próprio homem.
E nesse sentido ele estará habilitado
a desenvolver qualquer uma destas
habilidades específicas, porque os
3. CONSIDERAÇÕES
fundamentos, os princípios básicos
ele assimilou (SAVIANI, 1989, p. 18). Ao término deste trabalho, sem
ter a pretensão de esgotar a discus-
são, algumas considerações podem
Entender o trabalho como prin- ser feitas. Primeiramente ter a cla-
cípio educativo, significa entender o reza de que, no Brasil, existem dois
trabalho em suas relações com a ci- projetos de educação: um destinado
ência, com a cultura e com a produ- aos que vivem do trabalho, com ter-
ção da subsistência, ou seja, significa minalidade prevista com a conclu-
que o ser humano pode se apropriar são do Ensino Médio e outro apenas
da natureza, transformar a natureza, para os que vivem da exploração do
criar técnicas para melhor se apro- trabalho de outros seres humanos,
priar e transformar essa natureza, com objetivo de formação científica
bem como recriar e aperfeiçoar es- e para prosseguir nos estudos.
sas técnicas. Assim como entender o
sentido histórico que foi dado ao tra- A escola, “nos últimos cento e
balho no decorrer dos tempos, che- cinquenta anos” (MÉSZÁROS, 2008,
gando à divisão social do trabalho p. 35), esteve a serviço do capital:

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 537


preparando mão de obra para os REFERÊNCIAS
diferentes postos de trabalho, disse-
minando valores de obediência, sub- BRANDÃO, C. R. O que é Educação.
missão à hierarquia e adaptação às São Paulo: Brasiliense, 2005.
novas condições de vida e trabalho,
BRASIL. Presidência da República. De-
ou seja, adestrar o trabalhador para
creto nº 5.154 de 23 de julho de 2004.
adaptar-se às ações repetitivas e de
Regulamenta o § 2º do art. 36 e os
exclusão. A educação, além de servir
art. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de
ao capital com formação de mão de
dezembro de 1996, que estabelece as
obra, também contribui para a per-
diretrizes e bases da educação nacio-
petuação dos valores que legitimam
nal, e dá outras providências. Diário
a divisão da sociedade em classes.
Oficial [da] República Federativa
A proposta de Epiem possibilita do Brasil. Brasília, DF, 26 jul. 2004.
formação integral: preparação para
o trabalho, para prosseguir nos es- ______. Ministério da Educação. Do-
tudos, para o domínio dos princípios cumento Base da Educação Profis-
da ciência, das técnicas, da organiza- sional Técnica de Nível Médio In-
ção social, política e econômica. Bem tegrada ao Ensino Médio. Brasília:
como capacidade para posicionar-se MEC/Setec, nov. 2007.
frente à realidade atual e apontar al-
CIAVATTA, M.; RAMOS, M. N. Ensino
ternativas para superar fragilidades. A
Médio Integrado. In: CALDART, R. S.;
lei trouxe, segundo Ciavatta (2005), a
PEREIRA, I. B. ALENTEJANO, P. FRI-
possibilidade da construção de outra
GOTTO, G. (Org.). Dicionário da Edu-
proposta de escola, mas não garante
cação do Campo. Rio de Janeiro, São
a formação e nem a adesão por parte
Paulo: Escola Politécnica de Saúde
da gestão, dos professores e dos alu-
Joaquim Venâncio, Expressão Popu-
nos com as possíveis transformações
lar, 2012.
na escola e, consequentemente, na
sociedade. Faz-se necessário perma- CIAVATTA, M. Formação Integrada: a
necer na luta pela manutenção dessa escola e o trabalho como lugares de
proposta e pela construção de polí- memória e identidade. In: FRIGOTTO,
ticas públicas de formação na pers- G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. N. (Org.).
pectiva da democratização da escola Ensino Médio Integrado: Concep-
e de seus protagonistas, bem como ções e Contradições. São Paulo: Cor-
de auto-organização dos alunos. tez, 2005.

538
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, FREITAS, L. C. A Escola Única do Tra-
M. N. (Org.). Ensino Médio Integra- balho: explorando os caminhos de
do: Concepções e Contradições. São sua construção. In: CALDART, R. S.
Paulo: Cortez, 2005. (Org.). Caminhos para a Transfor-
mação da Escola: reflexões desde
FRIGOTTO, G. Qualidade e Quanti- práticas da licenciatura em Educação
dade da Educação Básica no Brasil: do Campo. 1. ed. São Paulo: Expres-
concepções e Materialidade. Rio de são Popular, 2010.
Janeiro: Texto impresso. 2012.
GADOTTI, M. História das Ideias Pe-
______. O Ensino Médio Público Uni- dagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática,
versalizado e de Qualidade não In- 2002.
teressa Política e Economicamente
à Burguesia Brasileira. In: Educação GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere.
Básica de Nível Médio nas Áreas de 6. ed. Vol. 2. Trad. Carlos Nelson Cou-
Reforma Agrária. Organização e edi- tinho. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
ção: Instituto Técnico de Educação e sileira, 2011.
Pesquisa da Reforma Agrária. Iterra:
Boletim da Educação, São Paulo, KONDER, L. A Construção da Pro-
Edição Especial, n. 11, 2006. posta Pedagógica do SESC Rio. Rio
de Janeiro: Editora SENAC, 2000.
______. Concepção e Mudança no
Mundo do Trabalho e o Ensino Mé- MACHADO, L. Concepção de Escola,
dio. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; de Escola Unitária e de Politecnia.
RAMOS, M. N. (Org.). Ensino Médio In: Educação Básica de Nível Médio
Integrado: concepções e Contradi- nas Áreas de Reforma Agrária. Orga-
ções. São Paulo: Cortez, 2005. nização e edição: Instituto Técnico
de Educação e Pesquisa da Reforma
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Trabalho Agrária – Iterra: Boletim da Educa-
Como Princípio Educativo. In: CAL- ção, São Paulo, Edição Especial, n. 11,
DART, R. S.; PEREIRA, I. B.; ALENTEJA- 2006.
NO, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). Dicioná-
rio da Educação do Campo. Rio de MANACORDA, M. A. História da
Janeiro; São Paulo: Escola Politécnica Educação: da Antiguidade aos nos-
de Saúde Joaquim Venâncio, Expres- sos dias. Trad. Gaetano Lo Monaco.
são Popular, 2012. São Paulo: Cortez: Autores Associa-
dos, 1989.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 539


MATO GROSSO. Orientações Curri- RODRIGUES, R. O Ensino Médio no
culares: concepções para a Educa- Brasil: da invisibilidade à onipre-
ção Básica. Secretaria de Estado de sença. In: CALDART, R. S. (Org.). Ca-
Educação. Cuiabá: Defanti, 2010. minhos para a Transformação da
Escola: reflexões desde práticas da
MÉSZÁROS, I. A Educação para licenciatura em Educação do Campo.
além do capital. São Paulo: Boitem- São Paulo: Expressão Popular, 2010.
po, 2008.

NOSELLA, P. Ensino Médio: em Busca


do Princípio Pedagógico. In: COLÓ-
QUIO DE PESQUISA SOBRE INSTITUI-
ÇÕES ESCOLARES, 6, 2009, São Paulo,
Tópico temático... São Paulo: Uni-
nove, 2009. SIMPÓSIO SOBRE TRA-
BALHO E EDUCAÇÃO, 5, 2009, Belo
Horizonte, Tópico temático... Belo
Horizonte: FAE/NETE, 2009. In: SE-
MINÁRIO NACIONAL DE POLÍTICAS
PARA O ENSINO MÉDIO, 2009, Brasí-
lia, Tópico temático... Ministério da
Educação, Brasília, DF, 23 set. 2009.

PEREIRA, I. B. Educação Profissio-


nal. In: CALDART, R. S.; PEREIRA, I. B.
ALENTEJANO, P. FRIGOTTO, G. (Org.).
Dicionário da Educação do Campo.
Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Poli-
técnica de Saúde Joaquim Venâncio,
Expressão Popular, 2012.

PISTRAK, M. M. Fundamentos da Es-


cola do Trabalho. Trad. Daniel Arão
Reis. São Paulo: Editora Expressão
Popular Ltda, 2000.

540
UMA PROPOSTA DE INTEGRALIZAÇÃO DAS DISCIPLINAS DO NÚ-
CLEO BÁSICO COM AS DO NÚCLEO TECNOLÓGICO NO CURSO TÉC-
NICO DE NÍVEL MÉDIO EM INFORMÁTICA NA FORMA INTEGRADA

Jaidson Brandão da Costa1


1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas
E-mail: jaidson.costa@ifam.edu.br

1. INTRODUÇÃO de trabalho, ciência, tecnologia e


cultura, à medida que os eixos tec-
Os Institutos Federais de Educa- nológicos se constituem de agrupa-
ção, Ciência e Tecnologia do País in- mentos dos fundamentos científicos
tegram o currículo do Ensino Médio comuns, de intervenções na nature-
às áreas técnicas, oferecendo aos za, de processos produtivos e cultu-
discentes aulas e atividades em tem- rais, além de aplicações científicas às
po integral. Tal integração visa fazer atividades humanas.
com que o currículo forneça a for-
Todavia, este trabalho demonstra
mação básica, assim como também
uma proposta de integralização das
o conhecimento profissional. Contu-
disciplinas do Núcleo Básico com as
do o Instituto Federal de Educação,
do Núcleo Tecnológico no curso Téc-
Ciência e Tecnologia do Amazonas
nico de Nível Médio em Informática
(Ifam), localizado no município de
na forma Integrada.
Manacapuru confeccionou um Plano
de Curso Técnico de Nível Médio em
Informática na forma Integrada, que 1.1. Objetivo
por sua vez é o instrumento para rea- O objetivo do trabalho é demons-
lização desse trabalho. trar que a proposta pedagógica do
Trata-se de uma concepção cur- curso Técnico de Nível Médio em In-
ricular que favorece o desenvol- formática na forma Integrada que foi
vimento de práticas pedagógicas organizado nos núcleos: básico, po-
integradoras e articula o conceito litécnico e tecnológico, pode favore-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 541


cer a prática da interdisciplinaridade, 2. DESENVOLVIMENTO
e aponte para o reconhecimento da
necessidade de uma educação pro- O Ensino Médio integrado fortale-
fissional e tecnológica integradora cido pela educação profissional é um
de conhecimentos científicos e expe- requisito importante para a inserção
riências e saberes advindo do mun- no mercado de trabalho. No entan-
do do trabalho. to, em decorrência da realidade do
mercado globalizado e em constante
1.2. Metodologia transformação, onde o desemprego
cresce tornando-se um dos graves
Para a realização do presente tra- problemas sociais que atinge, princi-
balho, optou-se pela metodologia palmente, a juventude deste país, é
descritiva. De acordo com Gil (2008), preciso exigir políticas públicas efeti-
as pesquisas descritivas possuem vas no que tange a tal problemática.
como objetivo a descrição das carac- Contudo, Kuenzer (2003) con-
terísticas de uma população, de um sidera que a maioria dos egressos
fenômeno ou de uma experiência, no Ensino Médio não ingressará no
então, viu-se a necessidade de des- Ensino Superior, e assim o mercado
crever a experiência da integraliza- de trabalho pode deixar de ser uma
ção de disciplinas no Curso Técnico alternativa para ser a única possibili-
de Nível Médio em Informática na dade de trajetória a seguir. Tendo em
forma Integrada no Ifam – campus vista a abordagem do autor, faz-se
avançado Manacapuru. necessário projetar um currículo em
O trabalho obedeceu à sequência que haja uma integralização entre
de três etapas na busca da formação as disciplinas com o foco no profis-
deste projeto a saber. Na primeira sionalismo tanto quanto no ensino
etapa, elaborou-se pesquisa biblio- básico.
gráfica, na segunda etapa, fez-se a
elaboração do Plano de Curso com 2.1. Integração Curricular dos
as disciplinas integradoras e por fim,
Ensinos Médios
na terceira etapa, buscou-se a exe-
cução do plano com a realização do Para Ramos (2010), a integração
Curso Técnico de Nível Médio em In- curricular dos Ensinos Médios ob-
formática na forma Integrada. serva o trabalho usando tecnologia
ligada à ciência e à cultura, com in-

542
dicadores metodológicos, e visa à do curso. No seu trabalho, conclui
compreensão dos conceitos na sua que usar projetos de trabalho como
história, bem como seus significados metodologia torna o processo edu-
no que tange ao desenvolvimento e cacional mais dinâmico e promove
formação da força produtiva. Faz-se o diálogo entre disciplinas e cursos,
necessário salientar que o objetivo além de fornecer algo significante
não é a formação de técnicos, mas a tanto no que se ensina quanto no
formação de pessoas que compreen- que se aprende.
dam a realidade e que possam tam- Para o MEC (2012), o currículo in-
bém atuar como profissionais. tegrado e seus conceitos precisam
Entretanto, em se tratando de ser articulados a partir das relações
práticas pedagógicas que permitam com a totalidade. A produção des-
integração, Machado (2010) relata se currículo deve estar ligada às fi-
que se a realidade existente é uma nalidades e objetivos institucionais,
totalidade integrada, não se pode apesar de que se por ventura vier a
desmembrá-la, visto que o sistema existir uma visão de educação como
de conhecimentos produzidos pelo totalidade, não há como ensinar e
homem é fornecido por ela, e assim aprender tudo, por isso os conteúdos
nela deve atuar e transformá‐la. Essa necessitam ser escolhidos a partir de
visão de totalidade, por sua vez, tam- problemáticas concretas.
bém se demonstra na práxis do ensi- Nessa direção, a maneira de or-
nar e aprender, e isso por causa da di-
ganização do currículo pode ser uma
dática, pois se dividem e se separam, alternativa para fortalecer o conheci-
assim como também por questões mento e desenvolver o processo en-
didáticas há possibilidades de buscar sino‐aprendizagem. No trabalho de
a recomposição do todo. Henrique; Baracho; Silva (2011), eles
demonstram a integração entre con-
2.2. Organização do Ensino Inte- teúdos das disciplinas, e dizem que
grado as práticas foram realizadas de duas
maneiras, uma delas sobre o ajuste
A organização do ensino integra- na sequência dos conteúdos de uma
do foi objeto de estudo de Luz (2009) disciplina, a fim de direcionar os es-
sobre experiência desenvolvida na tudantes para o conteúdo de outra
disciplina de Física realizando a ar- disciplina, e a outra prática relacio-
ticulação com as outras disciplinas

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 543


nada com a busca do diálogo entre O presente trabalho iniciou-se
as disciplinas, o que exige maior grau com a criação do Plano de Curso Téc-
de articulação entre os professores. nico de Nível Médio em Informática
Logo consiste em denotar um objeto na forma Integrada, com o desafio de
comum de estudo e explorá‐lo a par- uma proposta de integralizar discipli-
tir das disciplinas. nas do Núcleo Básico com as do Nú-
cleo Tecnológico a partir do Núcleo
2.3. Descrição e explicação dos Politécnico. A figura 1 demonstra as
divisões, os núcleos e suas respecti-
resultados
vas disciplinas.

Figura 1 – Disciplinas do Curso Técnico de Nível Médio em


Informática na forma Integrada

Para compreensão de como fun- transversais e os componentes curri-


ciona a proposta de integração en- culares específicos propõe-se a abor-
tre as disciplinas dos núcleos com dagem a seguir:
os temas interdisciplinares, os temas

544
A disciplina de Tópicos especiais apliquem em uma linguagem de
Integradores I, que possui total de programação observada na discipli-
40 horas, sendo oferecida no 1° ano. na Programação II, acompanhados
Esta disciplina, na proposta, surge a dos respectivos professores.
partir da integração da disciplina de A disciplina de Tópicos especiais
Língua Estrangeira Moderna – Inglês Integradores III, com um total de 40
do 1° ano, que é do Núcleo Básico, horas, sendo oferecida no 3° ano.
com a disciplina Fundamentos de In- Esta disciplina surge a partir da inte-
formática do 1° ano, que é do Núcleo gração da disciplina de Física do 3°
Tecnológico, visando integrar os co- ano, que é do Núcleo Básico, com a
nhecimentos e significados dos ter- disciplina Programação III do 3° ano,
mos técnicos da informática, isto é, o que é do Núcleo Tecnológico, visan-
professor da área de informática par- do integrar os conhecimentos de Fí-
ticipa os termos técnicos e seus res- sica para resolução de problemas de
pectivos significados e simbolismos, representação do mundo real, apli-
e o professor da disciplina de Inglês, cando em uma linguagem de pro-
por sua vez, na disciplina de Tópicos gramação orientada a objetos, sen-
especiais Integradores I, aborda os do acompanhada dos respectivos
termos ligados à área técnica. professores da área.
A disciplina de Tópicos especiais Observou-se nos parágrafos ante-
Integradores II, com um total de 40 riores como foi elaborada a proposta
horas, sendo oferecida no 2° ano. A de integração de disciplinas do plano
proposta é que esta disciplina apa- de curso. Todavia a oportunidade de
reça a partir da integração da disci- executá-la ocorre neste ano de 2017
plina de Matemática do 2° ano, que com o início do curso Técnico de Ní-
é do Núcleo Básico, com a disciplina vel Médio em Informática na forma
Programação II do 2° ano, que é do Integrada no Ifam do município de
Núcleo Tecnológico, visando integrar Manacapuru, onde ainda está em
os conhecimentos matemáticos para andamento o 1° ano do curso, e com
resolução de problemas de lógica isso, já obtemos alguns resultados da
de programação, aplicando em uma primeira disciplina integradora, que,
linguagem de programação, ou seja, por sua vez, é a de Tópicos especiais
o professor de matemática aborda- Integradores I.
rá os conhecimentos adquiridos de
matemática fazendo que os alunos

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 545


Tal disciplina está sendo dire- fazer analogias com os termos por
cionada pela professora de Inglês, e meio de equipamentos, softwares e
tudo o que é ministrado na disciplina hardwares da área de tecnologia da
de Fundamentos de Informática, que informação.
tenha palavras técnicas, é realizado Tendo em vista que o curso ainda
por meio de hiperlinks de assuntos está no 1° ano, não foram abordadas
que foram tratados especificamente as disciplinas integradoras: Tópicos
com os alunos que, por sua vez, con- especiais Integradores II e III. Contu-
cretizaram o conhecimento em duas do a proposta é que o aluno consi-
vias, isto é, tanto na disciplina de in- ga realizar, por exemplo, os cálculos
formática quanto na integração com de física/matemática abordando o
inglês. Contudo a professora da disci- passo a passo até a resolução do pro-
plina integradora achou um aspecto blema em uma linguagem de pro-
negativo nessa abordagem, porque gramação como mostra a figura 2 e
sua disciplina tem apenas um tempo a figura 3 da resolução de função e
de aula. No entanto o aspecto posi- cálculo da força resultante.
tivo foi que os alunos conseguem

Figura 2 – Cálculo de Funções em linguagem C++

546
Figura 3 – Cálculo da Força Resultante produzido na linguagem C++

Com essa proposta de interliga- 3. CONCLUSÃO


ção dos conteúdos, os alunos se sen-
tem mais motivados no ambiente de A educação profissional com or-
sala de aula, tendo em vista que con- ganização curricular integrada ao
seguem ver, de forma prática, o co- Ensino Médio fornece subsídios para
nhecimento adquirido tanta na dis- a contribuição no que tange à su-
ciplina do núcleo básico quanto na peração de dicotomias passadas do
do tecnológico, tornando-se capazes sistema educacional brasileiro. Dessa
de fortalecer seus pensamentos nos forma, viu-se a possibilidade de ar-
mais diversos níveis de aprendiza- ticular teoria e prática valorizando o
gem. saber científico e o saber tácito. Faz-
se importante salientar que não há

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 547


como separar conhecimentos gerais perior, o mercado de trabalho pode
de específicos, haja vista que os co- deixar de ser uma alternativa para
nhecimentos se articulam e se com- ser a única possibilidade de vida
plementam à medida que surgem desse cidadão. Todavia se a forma-
novos conteúdos, novas tecnologias, ção dele não contribuir para essa in-
e a velocidade com que a informação serção no mercado, produzirá uma
e o conhecimento chegam é dife- nova problemática onde este poderá
renciada, não havendo como seguir procurar outras áreas para atuar, mas
planos de cursos sem que haja uma aquela em que ele se formou não foi
interligação de conteúdos e discipli- possível atuar.
nas.
A proposta de Integralização das REFERÊNCIAS
Disciplinas do Núcleo Básico com as
BRASIL. MEC. Educação Profissional
do Núcleo Tecnológico no curso Téc-
Técnica de Nível Médio Integrado
nico de Nível Médio em Informática
ao Ensino Médio. Documento-base.
na forma Integrada no Ifam ainda
Brasília, 2012.
está em execução, e as expectativas
para as próximas disciplinas inte- GIL, Antônio Carlos. Como elaborar
gradoras são maiores, visto que são projetos de pesquisa. 5. ed. São
disciplinas da área afim, isto é, ob- Paulo: Atlas, 2008.
servou-se que os alunos têm mais
prazer nessas disciplinas, há uma de-HENRIQUE, Ana L. S.; BARACHO, Ma-
dicação maior, existe um entusiasmo ria das G; SILVA, José M. N. da. Práticas
mais fluente do que em outras disci- pedagógicas de integração no PRO-
plinas do curso. EJA‐IFRN: o que pensam professores
e estudantes. In: REUNIÃO ANUAL
Não é trivial elaborar um plano
DA ANPED, 34, 2011, Rio de Janeiro,
com uma proposta desse tipo, mas o
Anais... Caxambu: ANPED, 2011.
desafio de melhorar, contribuir para
uma educação mais significativa KUENZER, Acácia. As propostas de
para o aluno é fundamental princi- decreto para regulamentação do
palmente se contemplarmos o que Ensino Médio e da Educação Pro-
Kuenzer (2003) relatou dizendo que fissional: uma análise crítica. Curiti-
a maioria dos egressos do Ensino ba, 2003.
Médio não ingressará no Ensino Su-

548
LUZ, Everardo de S. Ensino profissio-
nal integrado: projetos de trabalho
sob a ótica da transdisciplinaridade.
In. REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 32,
2009, Rio de Janeiro, Anais... Caxam-
bu: Anped, 2009.

MACHADO, Lucília R. S. Ensino médio


e técnico com currículos integrados:
propostas de ação didática para uma
relação não fantasiosa. In: MOLL, J.
(Org.). Educação profissional e tec-
nológica no Brasil contemporâ-
neo: desafios, tensões e possibilida-
des. Porto Alegre, RS: Artmed, 2010,
p. 80‐95.

RAMOS, Marise. Ensino Médio inte-


grado: ciência, trabalho e cultura na
relação entre educação profissional e
educação básica. In: MOLL, J. (Org.).
Educação profissional e tecnológi-
ca no Brasil contemporâneo: desa-
fios, tensões e possibilidades. Porto
Alegre: Artmed, 2010.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 549


ENSINO INTEGRADO NA PERSPECTIVA DA
EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO E PARA A VIDA
Márcia Helena Milanezi1, Akiko Santos 2
1
Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
2
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
E-mail: mmilanezi@ifes.edu.br

1. INTRODUÇÃO possibilidade de ascensão na repre-


sentação de status social (ilusória,
O Ensino Médio tem sido objeto na maioria das vezes), a oportunida-
de discussão e estudo de educado- de de prosseguimento de estudos e
res nos últimos anos, sobretudo pelo tantas outras hipóteses de caminhos
aspecto de sua identidade, conside- a serem percorridos pelos jovens.
rando o público diverso que com-
Com a aprovação do Decreto nº
põe esta etapa do ensino regular, a
5.154 (BRASIL, 2004), o Ensino Médio
ampliação da inserção educacional
teve a possibilidade de ser realizado
e os aspectos relacionados às desi-
de forma integrada com a educação
gualdades na estrutura social que in-
profissional. Assim essa etapa do en-
fluenciam diretamente no processo
sino conecta ações de aprendizagem
de formação acadêmica.
de ensino técnico articulado com
A atuação no processo educativo procedimentos de aprendizagem
remete à constante reflexão do tipo dos conhecimentos científicos per-
de educação que se pretende ofe- passando pela formação cidadã. Esta
recer. A educação básica constitui a seria a concepção de realização do
fundação dos pilares que sustentam Ensino Médio e educação profissio-
a vida acadêmica e profissional dos nal de forma articulada.
estudantes. O Ensino Médio faz parte
Nesse sentido, a preocupação
desta base. Essa etapa do ensino re-
com conceitos e práticas que orien-
presenta, muitas vezes, a chance de
tam o Ensino Médio integrado para
um posto no mercado de trabalho, a
a formação profissional e a formação

550
humana e o direcionamento deste ção dita integrada neste percurso de
processo na busca da superação da acordo com a percepção dos princi-
dualidade histórica entre formação pais sujeitos deste processo: os con-
para o trabalho e formação intelec- cluintes de um curso integrado.
tual são aspectos que exigem um Tendo como referência estudos
olhar cuidadoso, um pensar sobre de autores como Frigotto, Ciavatta
as práticas, além de estudos e apon- e Ramos (2013), estudiosos do tema
tamentos sobre as estruturas pelas educação e trabalho, Kuenzer (2009),
quais esse nível de ensino é viabiliza-que trata do Ensino Médio integrado
do atualmente. sempre na perspectiva do trabalho,
Nesse viés, existem questões que Saviani (2007), ensinando sobre a
remetem à discussão das contradi- educação como formadora da cons-
ções acerca do Ensino Médio integra- ciência social, Santos, Sanches e Bue-
do como instrumento para a realiza- no (2012), que atentam para a impor-
ção de uma formação emancipadora tância da articulação dos conteúdos,
do sujeito aprendiz. Afinal, como po- além de legislações relacionadas ao
dem ser traduzidos o conhecimento tema, este trabalho remete ao pen-
e o trabalho no mundo contemporâ- samento reflexivo sobre a formação
neo? integrada que se apresenta com du-
O objetivo principal do presente pla finalidade: a formação para o tra-
estudo consiste na investigação so- balho e a formação relacionada aos
bre os significados do Ensino Médio conhecimentos científicos perpas-
integrado com a educação profissio- sando pela formação humana e pela
nal para a vida do egresso, conside- cidadania.
rando as expectativas deste proces- De acordo com o artigo 36 da Lei
so em termos de formação para o de Diretrizes e Bases da Educação
trabalho e formação cidadã. Nacional (LDB) nº 9.394/1996, o Ensi-
A partir das respostas de questio- no Médio é a última etapa da educa-
nário realizado com egressos do cur- ção básica e sua formação integrada
so técnico em agropecuária integra- deve preparar o jovem para o mun-
do ao Ensino Médio, apresentam-se do do trabalho e para o exercício da
neste trabalho os caminhos percorri- cidadania. O artigo 22 afirma que a
dos pelos estudantes após a conclu- “educação básica tem por finalidades
são do curso e a influência da educa- desenvolver o educando, assegurar-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 551


lhe a formação comum indispensá- nhamento do desenvolvimento de
vel para o exercício da cidadania e cursos da modalidade integrada, in-
fornecer-lhe meios para progredir no cluindo o curso técnico em agrope-
trabalho e em estudos posteriores” cuária, foco do nosso trabalho, cujos
(Lei nº 9.394/1996). egressos participaram por meio de
O Ensino Médio integrado se faz preenchimento de questionário de
presente de forma significativa nos pesquisa.
Institutos Federais de Educação. É A matriz curricular é componente
a atuação em um desses Institutos constante do Projeto Pedagógico do
como pedagoga (Instituto Federal curso Técnico em Agropecuária inte-
de Educação, Ciência e Tecnologia grado ao Ensino Médio e é apresen-
do Espírito Santo – Ifes) que motiva a tada na tabela 1, na página ao lado.
realização deste trabalho.
A recente reforma do Ensino Mé-
dio não faz referência ao trabalho
desenvolvido pelos institutos e não
apontou para nenhuma proposta ou
decisão que determine novos rumos
para esse trabalho. Ignorado o pro-
cesso desenvolvido, os Institutos Fe-
derais prosseguem com o desenvol-
vimento de sua ação de acordo com
a dinâmica que vem sendo praticada
desde a sua criação em 2008.
Por prioridade do seu Programa
de Desenvolvimento Institucional –
PDI, o Ifes oferece os cursos de nível
médio integrados ao ensino técnico.
No campus Santa Teresa são ofereci-
dos os cursos integrados na área de
agropecuária, de meio ambiente e
de agroindústria.
O exercício da função da peda-
gogia no Ifes possibilita o acompa-

552
Tabela 1: Matriz do curso Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 553


554
A sobreposição dos componen- ra dispositivos da Lei nº 9.394/1996
tes curriculares é claramente perce- intencionando “redimensionar, ins-
bida na matriz curricular do curso titucionalizar e integrar as ações da
Técnico em Agropecuária integrado educação profissional técnica de ní-
ao Ensino Médio. Cada componente vel médio, da educação de jovens e
trata de conteúdos diretamente rela- adultos e da educação profissional e
cionados a determinados assuntos e tecnológica” (BRASIL, 2008).
não se percebe comunicação e inte- Ainda sobre a Lei nº 11.741/2008,
gração entre eles. Não se atribui ao é importante registrar que, entre ou-
curso a característica hologramática tros aspectos, ela determina a inclu-
na perspectiva de situar cada com- são da seção IV, própria para a Edu-
ponente curricular como parte de cação Profissional Técnica de Nível
um todo. Médio como parte integradora da
Educação Básica.
2. DESENVOLVIMENTO
De acordo com o documento
2.1. O Ensino Integrado na Pers- base da educação profissional técni-
ca de nível médio (2007), o currículo
pectiva da Preparação para o
integrado organiza o conhecimento
Trabalho e para a Vida e desenvolve o processo de ensino
-aprendizagem para apreensão dos
O Ifes oferece cursos de educa-
conceitos que se articulam com uma
ção profissional de nível médio, rea-
totalidade concreta que precisa ser
lizados de acordo com o Decreto nº
explicada e compreendida. Assim, o
5.154/2004, que regulamenta o § 2º
documento afirma que:
do artigo 36, além dos artigos 39 a 42
da Lei de Diretrizes e Bases da Edu- Se pela formação geral as pessoas
adquirem conhecimentos que per-
cação nacional – LDB (BRASIL, 1996). mitam compreender a realidade,
na formação profissional o conhe-
A integração deve buscar a supe- cimento científico adquire, para o
ração da dualidade estrutural exis- trabalhador, o sentido de força pro-
tente entre o Ensino Médio e o En- dutiva, traduzindo-se em técnicas
e procedimentos, a partir da com-
sino Técnico. Nessa direção, a Lei nº preensão dos conceitos científicos e
11.741/2008 reafirma a previsão do tecnológicos básicos que o possibi-
Decreto nº 5.154/2004, discorrendo litarão à atuação autônoma e cons-
ciente na dinâmica econômica da
sobre o processo de formação pro- sociedade. (BRASIL, 2007, p. 47)
fissional. Esse instrumento legal alte-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 555


O ensino integrado se apresenta dução que transforma a realidade e
como uma tentativa de aferir quali- é também ela que pode transformar
dade ao processo educacional por os sujeitos para atuarem de forma
meio dos estudos dos conhecimen- autônoma, como senhores do que
tos adquiridos pela humanidade ao produzem ou passivos de sua produ-
longo de sua história aliado à prepa- ção que se disponibilizam para estar
ração para o trabalho. Assim, essa in- a serviço do mercado de trabalho e
tegração deve permitir que o sujeito do sistema de exploração. Quando a
aprendiz conheça a história da qual formação não adquire sentido para
faz parte enquanto ser da natureza, o educando, a lógica dominante é a
bem como os processos culturais e de subordinação, caracterizada pelas
tecnológicos que se desenvolveram relações de poder e exploração pró-
ao longo da história e a interação do prias do sistema capitalista.
homem na natureza por meio do tra- O ser humano age sobre a natu-
balho, como aspecto primordial do reza, por meio do trabalho, para ga-
seu desenvolvimento. rantir sua sobrevivência. É por inter-
Nesse sentido, o currículo inte- médio do processo de trabalho que
grado deve ser traduzido na forma- ele se afirma como ser social. Sua
ção articulada, abordando além das identidade é construída a partir de
técnicas e procedimentos necessá- suas realizações como ser produtivo.
rios para a prática de determinada Como ensina Saviani (2007, p.
ocupação profissional, aspectos po- 154):
líticos, sociais, econômicos diante da
Se a existência humana não é garan-
suposição de que o aluno egresso tida pela natureza, não é uma dádiva
deverá acessar o mundo da produ- natural, mas tem de ser produzida
ção na era globalizada como cidadão pelos próprios homens, sendo, pois,
um produto do trabalho, isso signifi-
qualificado na perspectiva de uma ca que o homem não nasce homem.
formação com caráter emancipató- Ele forma-se homem. Ele não nasce
rio. sabendo produzir-se como homem.
Ele necessita aprender a ser ho-
O trabalho é parte integrante da mem, precisa aprender a produzir
sua própria existência. Portanto, a
formação do homem, desenvolvido produção do homem é, ao mesmo
por meio do conhecimento. Assim, tempo, a formação do homem, isto
localiza-se o trabalho como princípio é, um processo educativo. A origem
da educação coincide, então, com a
educativo. O sujeito age na realidade origem do homem mesmo.
por meio de sua produção. É a pro-

556
O autor coloca claramente a nômicos, de estrutura física, de equi-
questão da constituição da identi- pamentos e de recursos humanos,
dade humana por meio do trabalho. uma formação de qualidade para os
A partir da ação produtiva, o ser hu- jovens.
mano se constitui e promove a trans- No processo educativo, quando
formação do meio social. E todo esse as contradições entre teoria e práti-
movimento ocorre pela formação ca se fazem muito presentes, podem
com a qual as pessoas se submetem ser refletidas em formação deficitá-
ou são submetidas. ria dos estudantes. Dessa maneira,
A formação de nível médio inte- o discurso de educação libertadora,
grado deve prover o estudante de emancipadora, democrática, se apre-
conhecimentos históricos e científi- senta muito distanciado das práticas
cos dos meios de produção nos quais pedagógicas.
ele pretende disponibilizar sua força A democratização da escola deve
de trabalho. O caráter emancipatório ocorrer não apenas em termos de
do processo educacional faz toda a acesso. O ensino deve ser democráti-
diferença para a leitura e a prática da co em termos de preparação intelec-
vida. tual para o trabalho e para o exercí-
Boaventura (2009) afirma que cio de sua cidadania. Nessa direção,
a emancipação social tem sido or- Kuenzer (2002, p. 44), orienta que:
ganizada por meio de uma tensão Esse novo intelectual, a ser formado
entre aspectos contraditórios como também pela mediação do Ensino
Médio, potencialmente preparado
regulação e emancipação, ordem e para ser governante, será fruto da
progresso, entre a sociedade proble- nova síntese entre ciência, trabalho
mática e a expectativa de criação de e cultura, e, portanto, capaz de de-
sempenhar suas atividades como
uma vida melhor, em meio às opres- cidadão, homem da pólis, sujeito e
sões emergentes da vida cotidiana. objeto de direitos, e como trabalha-
dor, em um processo produtivo em
A legislação atual estimula a in- constante transformação.
tegração dos conteúdos humanísti-
cos com a educação profissional. O
desafio consiste na superação das Trabalhar um processo educativo
dificuldades para viabilização de de qualidade exige a possibilidade
um processo educativo que ofereça, de acesso a conhecimentos que este-
com condições reais em termos eco- jam minimamente integrados, capa-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 557


zes de desenvolver dimensões afe- A faixa etária dos participantes
tivas, cognitivas, de compreensão e da pesquisa variou de 18 a 25 anos
apreensão da realidade no seu todo, de idade. Registramos que todos os
que são essenciais para atender as participantes da pesquisa se subme-
necessidades dos educandos, sejam teram ao Exame Nacional de Ensino
elas situadas no âmbito individual Médio (Enem).
ou social, considerando a atuação do Dos 29 questionários respondi-
egresso como cidadão, seu poder de dos, oito participantes terminaram
participação ativa no meio em que o Ensino Médio e não tiveram pros-
convive de forma a contribuir para seguimento de estudos, sendo que
uma sociedade onde todos(as) te- sete atuam em profissões relacio-
nham voz e vez. nadas à área técnica na qual foram
Não basta apenas a intenção de formados. Assim, constata-se que
formar para a cidadania e para o tra- 24,1% dos participantes da pesqui-
balho. A escola deve realizar essa for- sa estão atuando na área técnica na
mação de fato, de maneira que o su- qual obtiveram formação.
jeito se constitua de conhecimentos O total de participantes que pros-
nas várias áreas que o tornem capaz seguiram com seus estudos foi de
de atuar de forma crítica e conscien-21 egressos. Os cursos de graduação
te como protagonista da sua história escolhidos por eles foram de Agro-
no meio social. nomia (33,3%), Engenharia Mecânica
(14,3%), Medicina Veterinária (14,3%)
2.2 O Significado da Formação e os cursos de Sistema de Informação,
Integrada na Análise dos Questio- Engenharia Civil, Ciências Biológicas,
nários Fisioterapia, Pedagogia, Direito, Ma-
temática e Administração (com 4,7%
Para realização deste trabalho, cada curso, somando 38,1%). Dentre
foram utilizados 29 questionários a opção dos cursos de graduação
respondidos por egressos do Curso dos participantes, os cursos de Agro-
Técnico Agropecuária integrado ao nomia, Ciências Biológicas, Medicina
Ensino Médio do Ifes – campus Santa Veterinária se relacionam com a área
Teresa, em um universo de 90 con- agropecuária. Assim, os cursos esco-
cludentes. lhidos para prosseguimento de estu-
dos se relacionam com o curso téc-

558
nico realizado em proporção regular das existiam com frequência, 55,2%
(37,9%). A questão da verticalização afirmaram que existiam com pouca
do processo de estudos, portanto, frequência e 6,9% participantes não
nem sempre esteve no processo da perceberam ações articuladas entre
escolha dos participantes. as disciplinas. Os dados demonstram
Entre as questões da pesquisa, que, apesar da integração ser reco-
uma se referiu ao motivo pelo qual nhecida por um número significa-
o aluno optou em realizar o curso tivo de participantes, a maioria dos
técnico integrado. Do total de par- egressos não reconheceu sua exis-
ticipantes, 24,1% responderam que tência constante nas diversas disci-
tiveram identificação com a área plinas durante o curso.
técnica, 27,6% responderam que foi A última questão direcionada aos
pela oportunidade de fazer o ensino participantes foi quanto ao grau de
médio integrado com o curso téc- contribuição que o curso teve na sua
nico em agropecuária, 41,3% pelo vida profissional e para o seu cres-
desejo de fazer o Ensino Médio pela cimento pessoal. Verificando as res-
qualidade de ensino do Ifes e 7% as- postas constatou-se que 96,6% alu-
sinalaram as duas primeiras opções. nos responderam que foi importante
Nesta questão, 58,6% dos alunos de- e significativo para a sua formação
monstraram que a realização do cur- pessoal e profissional, 3,4% afirmou
so ocorreu pelo interesse pelo curso que foi de importância razoável para
integrado e pela parte técnica, en- a sua formação pessoal e profissio-
quanto 41,4% consideraram predo- nal, nenhum participante apontou
minantemente o ensino médio para que foi pouco importante para a sua
a escolha do curso. Fatores relaciona- formação pessoal e profissional ou
dos à integração, portanto, domina- que o curso não teve importância
ram a escolha pelo curso. para a sua formação pessoal e pro-
A outra questão respondida pe- fissional. A maioria dos participantes,
los egressos foi sobre a percepção portanto, sinalizou que o curso foi
do aluno sobre a existência de ações importante e significativo para sua
integradas ou articuladas entre as vida pessoal e profissional.
diversas disciplinas do currículo. Do Pode-se constatar que o curso
total de alunos participantes, 37,9% criou condições para a maioria dos
responderam que as ações articula- egressos prosseguir com seus estu-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 559


dos. A parte técnica do curso pode ter A formação da escola atual prati-
influenciado de maneira significativa ca o dito ensino integrado, mas pare-
as opções para esse prosseguimento, ce ainda se constituir de traços me-
já que um grupo de alunos escolheu todológicos, relações e práticas que
o curso de graduação (Agronomia, nem sempre promovem a integração
Ciências Biológicas, Medicina Veteri- dos saberes com a realidade vivida
nária) relacionado ao curso técnico pelos educandos.
realizado (Técnico em Agropecuária). O desenvolvimento do ensino
Além disso, existem os alunos integrado requer ações pedagógi-
que não prosseguiram com os estu- cas diretamente relacionadas com a
dos e que têm atuado em atividades atuação do sujeito no mundo. Nesse
relacionadas com a área técnica na sentido, o significado da aprendiza-
qual se formaram e que podem ser gem não pode ser desprezado. Essa
relacionados com os que escolheram significação tem que estar presente
o curso de graduação que tem rela- em todas as atividades pedagógicas
ção com o Técnico em Agropecuária. do curso.
Esse fator demonstra a influência sig- Respondendo à questão que
nificativa do curso realizado na vida delimita este trabalho, pode-se afir-
dos egressos. mar que o que ficou evidente com
Apesar de boa parte de os partici- a análise da pesquisa é que, para os
pantes da pesquisa não perceberem egressos, o ensino integrado cumpre
ações integradoras entre as diversas parcialmente com a sua função de
disciplinas do curso, a grande maio- formação para prosseguimento de
ria deles afirma a importância e a sig-estudos e para a preparação para o
nificação do curso em suas vidas. trabalho, já que também existem evi-
dências da necessidade de avanço
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS em relação às práticas integradoras
de educação, trabalho e cidadania
A escola ocupa um lugar social propostas pelos estudos e por legis-
onde deve ser desenvolvido o pro- lações aqui explicitadas.
cesso de aprendizagem que aborde
Nem sempre, porém, o ensino se
as ciências, as tecnologias, as artes,
apresenta integrado como deveria
as políticas articulando os conheci-
ser. As integrações apontadas por al-
mentos com a vida do seu educando.
guns alunos são intuitivas da parte de

560
alguns docentes. As práticas integra- Ao processo educativo, cabe de-
doras são importantes ferramentas senvolver metodologias capazes de
para a contextualização histórica do atender às concepções da formação
educando com o objeto de estudo. integrada, dedicada para cada estu-
A indissociabilidade entre formação dante e para todos os estudantes,
humana e formação técnica deve fa- considerando que cada sujeito deve
zer parte desse processo, constando ser cidadão do mundo, capaz de
no Projeto Pedagógico do curso e da compreender processos e estruturas
instituição. que definem e dominam a vivência
Desenvolver o processo educati- e sobrevivências sociais, situando-os
vo para além das demandas de mer- como partícipes ativos e conscientes
cado, da demarcação das origens de sua história, independente de sua
sociais e econômicas dos estudan- origem social ou da instituição em
tes, numa perspectiva integradora, que desenvolvem a sua formação.
dialogada, articulada com a realida-
de consiste em grande desafio para REFERÊNCIAS
a sociedade atual e para a escola.
BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23
Santos, Bueno e Sanches (2014, p.
de julho de 2004. Regulamenta o
120) afirmam que as atividades inte-
§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da
rativas:
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
[...] mobilizam os alunos, desafiando
-os a construir seus próprios senti-
1996, que estabelece as diretrizes
dos para o conhecimento em ques- e bases da educação nacional, e dá
tão; buscar subsídios pertinentes; outras providências. Casa Civil, Bra-
confiar em si mesmos; pensar por si
mesmo; analisar, interpretar, refletir,
sília, Distrito Federal, 23 jul. 2004.
planejar, organizar, dialogar com os Disponível em <http://planalto.gov.
diversos pontos de vista, sistemati- br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/
zar e expressar seus conhecimentos.
Tais práticas preparam a juventude
decreto/d5 154.htm>. Acesso em: 15
não mais para a repetição do que set. 2016.
existe, mas para reinventar e reor-
ganizar conhecimento e valores, de- ______. Ministério da Educação. De-
senvolvendo uma ética planetária
creto nº 7.566, de 23 de setembro
e ambiental, reformando o pensa-
mento com novas evidências cientí- de 1909. Cria nas capitais dos Esta-
ficas e novas condições sociais. dos a Escola de Aprendizes Artífices
para o ensino profissional primário e
gratuito. Rio de Janeiro, 23 set. 1909.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 561


Disponível em: <http://portal.mec. mid=866>. Acesso em: 21 out. 2014.
gov. br/setec/arquivos/pdf3/decreto
_7566_1909.pdf>. Acesso em: 15 set. ______. Lei nº 11.741, de 16 de ju-
2016. lho de 2008. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Diá-
______. Ministério da Educação. Do- rio Oficial da União, Brasília, 16 jul.
cumento Base da Educação Profis- 2008. Disponível em: <http://www.
sional Técnica de Nível Médio In- planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
tegrada ao Ensino Médio. Brasília: 2010/2008/Lei/L11741.htm> Acesso
Secretaria de Educação Profissional e em: 20 maio 2017.
Tecnológica, 2007.
______. Ministério da Educação. Lei
_______. Secretaria de Educação Bá- nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
sica. Orientações curriculares para Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
o Ensino Médio, v. 1, Brasília, 2008. ção Nacional. Brasília, DF, 1996.

_______. Secretaria de Educação FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA,


Profissional e Tecnológica. Um novo Maria; RAMOS, Marise (Org.). Ensino
modelo em educação profissional Médio Integrado. São Paulo: Cortez,
e tecnológica: concepção e diretri- 2012.
zes. Brasília, 2010.
_________. Gaudêncio; CIAVATTA,
_______. Parecer CNE/CEB 07/2010. Maria; RAMOS, Marise. Vocational
Diretrizes Curriculares Nacionais Educatiónan de Development. In:
Gerais para a Educação Básica. Dis- UNESCO. International handbook
ponível em: <http://portal.mec.gov. of Education for Changing Word
br/index.php?option=com_conten- of Work. Germany, Univoc, 2009. P.
t&view=article&id=12992>. Acesso 1307-1319.
em: 26 set. 2016.
FRIGOTTO, G. Ensino Médio e Téc-
_______. Ministério da Educação. nico Profissional: disputa de con-
1 Este texto é uma versão ampliada e problematizada de: CURI, Luciano Marcos; GALVÃO,
Diretrizes LailaCurriculares Nacio-
Lidiane da Costa. cepções
Atividades e precariedade.
Integradoras: Le Monde
inovação no Ensino Médio. Gestão Organi-
nais para o zacional:
Ensino reflexões
Médio. sobre
Pare-inovação.
Brasil,Vol.
São 5. Catalão:
Paulo, UFG
ano –6,Regional
n. 68, Catalão,
p. 28, 2017. Os auto-
res deste texto foram responsáveis pelas Atividades Integradoras de 2014 a 2016.
cer CNE/CEB nº 5/2011. Dispo- 2013. Disponível em: <http://www.
nível em: <http://portal.mec.gov. diplomatique.org.br/artigo.php>.
br/index. php?option=com_con- Acesso em: 30 abr. 2016.
tent&view=article&id=16368&Ite-

562
IFES. Projeto Pedagógico do Curso SAVIANI, D. Trabalho e Educação:
Técnico em Agropecuária Integra- fundamentos ontológicos e histó-
do ao Ensino Médio. Santa Teresa, ricos. Revista Brasileira de Educa-
Espírito Santo, Set. 2009. ção, v. 12, n. 34, 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/
KUENZER, A. Z. (Org.). Ensino Mé- v12n34/a12v1234.pdf>. Acesso em:
dio: construindo uma proposta para 18 dez. 2016.
os que vivem do trabalho. 6.ed. São
Paulo: Cortez, 2009.

RAMOS, M. N. O currículo para o Ensi-


no Médio em suas diferentes modali-
dades: concepções, propostas e pro-
blemas. Educ. Soc., Campinas, v. 32,
n. 116, p. 771-788, jul./set. 2011. Dis-
ponível em: <http://www.cedes.uni-
camp.br>. Acesso em: 10 jul. 2017.

SANTOS, Akiko; SANCHEZ, Sandra


Barros; BUENO, Eliane de Souza Silva.
Ensino Médio Integrado: Justapo-
sição ou Articulação? Programa de
Pós-Graduação em Educação Agríco-
la da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro. Seropédica: Imprensa
Universitária da UFRRJ, 2012, 25p.

SANTOS, Akiko; SOMMERMAN, Amé-


rico. Ensino Disciplinar e Transdis-
ciplinar: uma coexistência necessá-
ria. Rio de Janeiro: Wak, 2014.

SANTOS, Boaventura de Souza. Re-


novar a teoria crítica e reinventar a
emancipação social. São Paulo: Boi-
tempo, 2007.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 563


PROEJA E CURRÍCULO INTEGRADO: UM CAMINHO
EM CONSTRUÇÃO
Jamile Delagnelo Fagundes da Silva¹, Josete Mara Stahelin Pereira²
¹ ² Instituto Federal Catarinense (IFC) – campus Camboriú
E-mail: jamile.silva@ifc.edu.br

1. PARA INÍCIO DE CONVERSA cer a trajetória escolar); qualificadora


(propiciar a atualização de conheci-
A Educação de Jovens e Adultos mentos por toda a vida).
(EJA) é uma categoria organizacional
Portanto, as finalidades e fun-
constante da estrutura da educação
ções específicas dessa modalidade
nacional, com finalidades e funções
de ensino destinada aos jovens e
específicas. Como finalidade, há o
adultos “indicam que em todas as
compromisso de propiciar um aten-
idades e em todas as épocas da vida,
dimento mais aberto aos jovens e
é possível se formar, se desenvolver
adultos tanto no que se refere ao
e constituir conhecimentos, habili-
acesso à escolaridade obrigatória
dades, competências e valores que
quanto a iniciativas de caráter pre-
transcendam os espaços formais da
ventivo para diminuir a distorção
escolaridade e conduzam à realiza-
idade/ano.
ção de si e ao reconhecimento do
As Diretrizes Curriculares Na- outro como sujeito” (Parecer CEB no
cionais para a EJAs (Parecer CEB nº 11/2000).
11/2000), consonante com a nova
Nessa perspectiva, entendemos
Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
que o aprendizado não ocorre so-
ção (LDB) aponta, então, três funções
mente no espaço escolar, pois a EJA
como responsabilidade da educa-
atende a um público que possui uma
ção de jovens e adultos: reparadora
vasta bagagem de conhecimento
(restaurar o direito de uma escola de
empírico, construído de forma difu-
qualidade); equalizadora (restabele-
sa e não sistemática e que deve ser

564
levado em consideração na constru- a ser seguido, uma vez que já está
ção de novos conhecimentos. previsto na lei que rege a educação
Assim, apresentamos neste arti- nacional.
go um breve relato de experiência Seguindo os preceitos da lei e
de uma construção de currículo inte- buscando atender de forma mais
grado que vem sendo desenvolvido abrangente os jovens e adultos tra-
no Instituto Federal Catarinense no balhadores vitimados pelos proces-
Programa Nacional de Integração da sos de exclusão social, surge o Pro-
Educação Profissional com a Educa- grama Nacional de Integração da
ção Básica na Modalidade de Educa- Educação Profissional à Educação
ção de Jovens e Adultos. Básica na Modalidade de Educação
O Programa tem como principal de Jovens e Adultos (Proeja). Institu-
objetivo a formação integral do estu- ído pelo Decreto nº 5.840, de 13 de
dante, e constitui-se em uma política julho de 2006, o Proeja é dirigido aos
de inclusão social na qual a formação jovens acima de 18 anos sem o Ensi-
profissional está integrada à esco- no Médio e sem formação profissio-
larização. Assim, ele é norteado por nal formal.
uma proposta pedagógica que está Esse Programa tem como obje-
fundamentada no currículo integra- tivo integrar a educação (formação)
do. Eis aqui o nosso desafio! profissional à educação básica com
o mesmo padrão de qualidade e de
2. UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA forma pública, gratuita, igualitária e
universal, aos jovens e adultos que
A LDB, em seu artigo 39, apre- foram excluídos do sistema educa-
goa que “a educação profissional, cional ou a ele não tiveram acesso
integrada às diferentes formas de nas faixas etárias denominadas re-
educação, ao trabalho, à ciência e à gulares. Essa formação específica e
tecnologia, conduz ao permanente continuada é uma necessidade per-
desenvolvimento de aptidões para a manente para os jovens e adultos
vida produtiva”. Observa-se aqui que trabalhadores, retomando assim os
a integração da educação profissio- princípios ético-políticos já presen-
nal com o processo produtivo, com tes no campo da EJA, como direito
a produção de conhecimentos e com à educação, à formação humana e à
o desenvolvimento científico-tecno- busca de universalização do Ensino
lógico é, antes de tudo, um princípio Médio com vistas à elevação da es-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 565


colaridade. O programa tem seu pro- Na forma presencial, as aulas do Ensi-
jeto educacional fundado na no Médio (formação geral) ocorrerão
Integração entre trabalho, ciência, em três dias da semana e um dia para
técnica e tecnologia, humanismo as aulas de qualificação.
e cultura geral com a finalidade de
contribuir para o enriquecimento
científico, cultural, político e profis- 3. A TEORIA QUE NOS PERMITE
sional como condições para o efe-
tivo exercício da cidadania. (DOCU- COLOCAR O PROJETO EM PRÁTICA
MENTO BASE, 2007, p. 1)
O programa tem como principal
objetivo uma formação integral do
O Proeja oferecido no Instituto estudante, constitui-se em uma polí-
Federal Catarinense (IFC), conforme tica de inclusão social na qual a for-
o artigo 3º e seus incisos do Decre- mação profissional está integrada à
to nº 5.840 de 13 de julho de 2006, escolarização. Assim, ele é norteado
oferta curso de Formação Inicial e por uma proposta pedagógica que
Continuada articulado com o Ensino está fundamentada no currículo in-
Médio, é composto de 1.520 horas, tegrado.
sendo destinadas 1200h para a for-
mação geral e 320h ou 220h para a A integração aqui pressupõe que
qualificação profissional. O turno a educação geral se torne parte in-
de funcionamento é no período no- separável da educação profissional,
turno e o curso é integralizado em com a qual se possibilita condições
quatro semestres, sendo que, na para inserção e continuidade no
conclusão, o estudante recebe um mundo do trabalho. Nesse contexto,
Certificado de Conclusão de Ensino o currículo orienta-se pelo diálogo
Médio articulado com a Qualificação constante com a realidade e a orga-
Profissional. nização curricular é uma construção
contínua, processual e coletiva que
O Programa atende várias turmas envolve todos os sujeitos participan-
de Ensino Médio e a carga horária tes desse Programa.
está distribuída de forma que os es-
tudantes sejam atendidos com 80% Na modalidade EJA, a concepção
na forma presencial e 20% na semi- pedagógica, mais do que qualquer
presencial. As aulas presenciais serão outra modalidade de ensino, deve
ministradas de segunda-feira à quin- ter como princípio pedagógico “a re-
ta-feira e, semipresenciais, na 6ª feira. lação entre a teoria e prática” e como

566
campo de conhecimento específi- Ao se propor uma concepção peda-
co implica investigar, entre outros gógica que relaciona teoria e prática,
aspectos, as reais necessidades de incorpora-se nesta concepção a arti-
aprendizagem dos sujeitos estudan- culação dos conhecimentos prévios
tes. produzidos no seu estar no mundo
Ainda nessa modalidade de en- àqueles disseminados pela cultura
sino, procura-se evitar a reprodução escolar e, naturalmente, a concepção
de organização estrutural, currículos, de uma formação integral.
métodos e materiais da educação No caso da EJA, a pedagogia
básica infantojuvenil. Segundo Kohl deve partir do reconhecimento des-
(1999): ses sujeitos educandos constituídos
refletir sobre como esses jovens e em suas relações histórico-sociais,
adultos pensam e aprendem envol- e, para tanto, deve-se construir uma
ve, portanto, transitar pelo menos
por três campos que contribuem
proposta pedagógica que possibilite
para a definição de seu lugar so- a existência de linhas de flexibilida-
cial: a condição de "não crianças", a de, que seja diferente da escola que
condição de excluídos da escola e a
condição de membros de determi-
propõe formatar indivíduos e cons-
nados grupos culturais. truir subjetividades mais ou menos
parecidas com as exigências de um
mercado.
A flexibilização de currículos,
meios e formas de atendimento, in- Dessa forma, o Documento-Base
tegrando as dimensões de educação do Proeja (2007) estabelece alguns
geral e profissional, reconhecendo princípios que consolidam os fun-
processos de aprendizagem infor- damentos da política educativa da
mais e formais, combinando meios EJA definidos por meio das teorias
de ensino presenciais e à distância, de educação em geral e de estudos
possibilita aos jovens e adultos a ob- específicos dessa modalidade de en-
tenção de novas aprendizagens e a sino.
certificação correspondente median- Um princípio que ganha desta-
te diferentes trajetórias formativas. que no Proeja é o do “trabalho como
A prática social e, principalmente, princípio educativo”. A vinculação da
a prática laboral dos jovens e adultos escola média com a perspectiva do
interferem na concepção de uma pe- trabalho não se pauta pela relação
dagogia voltada para esse público. com a ocupação profissional direta-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 567


mente, mas pelo entendimento de EJA abre possibilidade de supera-
que homens e mulheres produzem ção dos modelos curriculares tradi-
sua condição humana pelo trabalho cionais, disciplinares, rígidos”. Assim
— ação transformadora no mundo, propõe-se a desconstrução e recons-
de si, para si e para outrem. (Docu- trução de modelos curriculares pau-
mento-Base, 2007) tados nas trajetórias de “vida” e de
O trabalho, mais do que qualquer “trabalho” dos sujeitos educandos,
outro tema, permeia toda a proposta ou seja, nas suas identidades cultu-
pedagógica, pois o trabalho (senti- rais.
do ontológico) não é emprego, não Da mesma forma que o propos-
é ação econômica específica. Traba- to no Documento-Base (2007), en-
lho é produção, criação, realização tendemos que o currículo não está
humana. Compreender o trabalho concebido “a priori”. A construção
nessa perspectiva é compreender a de um currículo integrado principal-
história da humanidade, as suas lutas mente para a EJA deve ser contínua,
e conquistas mediadas pelo conheci- processual e coletiva que envolve to-
mento humano. O trabalho é visto, dos os sujeitos que participam desse
portanto, como a mediação entre ci- processo. Os ciclos de aprendizagem
ência e produção humana. possibilitam trabalhar as diferenças
Outro princípio é a preocupação com mais flexibilidade, buscando in-
em considerar as condições geracio- tegrar o cotidiano local e o saber es-
nais, de gênero, de relações étnico colar de forma significativa por meio
-raciais como fundantes da formação da abordagem dos temas por área
humana e dos modos como se pro- de conhecimento e projetos de pes-
duzem as identidades sociais. Nesse quisa.
sentido, outras categorias para além Nesse sentido, uma proposta de
da de “trabalhadores”, devem ser currículo integrado requer, antes de
consideradas pelo fato de serem elas tudo, repensar todo o processo pe-
constituintes das identidades e não dagógico. Quando se objetiva uma
se separarem, nem se dissociarem formação integral, não basta integrar
dos modos de ser e estar no mundo conteúdos, é preciso reorganizar os
de jovens e adultos. tempos e espaços de aprendizagem.
Conforme o Documento Base Eis o desafio e nosso caminho em
(2007), “a organização curricular na construção. A seguir relatamos bre-

568
vemente uma experiência que vem idealizada por Paulo Freire, na qual
acontecendo no IFC num esforço o professor deixa de ter um caráter
contínuo de materializar a proposta estático e passa a ter um caráter sig-
do currículo integrado. nificativo para o estudante.
No início de cada ano letivo, a
4. MATERIALIZANDO A TEORIA: professora mediadora propõe ati-
UMA PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO vidades de reconhecimento do EU
(individual) e as relações com o gru-
O desafio em implementar um po. Depois das primeiras impressões,
currículo integrado envolve muito sugere-se uma produção de texto: a
mais do que a integração de conte- história de vida de cada indivíduo.
údos. A desconstrução do modelo rí- Estas histórias de vida fazem dos es-
gido que envolve tempo e espaço da tudantes/pessoas reconhecidos indi-
situação de aprendizagem é neces- vidualmente. Nas primeiras semanas,
sária para repensar uma proposta de a professora mediadora atua sozinha
um currículo para jovens e adultos. E nestas atividades para se criarem os
é esse o caminho que vem sendo tri- vínculos do grupo. Além disso, ela
lhado por muitos sujeitos no Institu- também esclarece sobre a metodo-
to Federal Catarinense. Na tentativa logia de trabalho, o processo de ava-
de materializar a teoria do currículo liação e tudo aquilo que envolve o
integrado, professores, estudantes percurso formativo destes jovens e
e técnicos administrativos vêm de- adultos.
senvolvendo a experiência no Proeja
Uma vez identificadas as trajetó-
que será relatada a seguir.
rias de vida (escolar/profissional), a
Inicialmente, pensamos ser im- professora mediadora socializa as in-
portante ressaltar que o Proeja no formações com o grupo de professo-
IFC, em especial no campus Cam- res que atuam no PROEJA, para que
boriú, possui a figura do professor todos possam “conhecer” um pouco
mediador. No caso relatado, temos de cada jovem e adulto com os quais
a professora mediadora das turmas irão trabalhar. Essa troca de informa-
de EJA. Esta profissional, formada em ções acontece em reunião pedagó-
pedagogia, é concursada especifica- gica após as duas primeiras semanas
mente para essa atuação. O conceito de aula. Nesta primeira reunião são
de professor mediador está presen- definidos os eixos temáticos do ciclo
te na perspectiva da escola cidadã,

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 569


semestral, baseados nas informações alterados conforme a configuração
e sugestões dos estudantes e da pro- das turmas. Abaixo, há a ilustração
fessora mediadora. Os eixos temáti- inicial de como são construídos os
cos seguem as sugestões do Docu- planejamentos.
mento Base do PROEJA e podem ser Nesse cenário, vale ressaltar que

Ilustração 1: Mapa conceitual planejamento Proeja

Fonte: elaboração das autoras.

o trabalho da professora mediadora fessora mediadora, que objetivam


visa, além do desenvolvimento do garantir a verticalidade dos conte-
vínculo de afetividade, às relações údos, ou seja, o específico de cada
entre as diferentes áreas do conhe- área, com vistas à formação integral.
cimento e as interligações entre os O conteúdo específico de cada
conteúdos propostos nos eixos. Po- ciclo semestral é apresentado con-
rém, são os profissionais das áreas forme a temática do eixo dentro das
específicas, dialogando com a pro-

570
áreas de conhecimento, procurando- 5. O LIVRO DE VIDA E O PORTIFÓLIO:
se reconhecer a realidade cotidiana
ELEMENTOS DE APOIO À CONSTRU-
dos jovens e adultos até chegar a um
conhecimento mais geral. O maior ÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO
objetivo de trabalhar com eixos é O Livro de Vida da turma consiste
romper com a reprodução dos con- em um caderno no qual os sujeitos
teúdos de forma fragmentada, na envolvidos no processo, inclusive a
busca da totalidade e das relações professora mediadora, registram dia-
entre eles. Por isso, é necessário que riamente a dinâmica das aulas. A prá-
tanto as disciplinas quanto as ativi- tica de registros (anotações sobre as
dades integradoras sejam construí- produções dos/das estudantes, dos-
das do ponto de vista da seleção dos siê, relatórios descritivos, de desem-
conteúdos estruturantes a partir de penho individual, entre outros) rea-
inter-relações entre os eixos. lizada pela turma e pela professora
Na medida em que as atividades mediadora é fundamental para que
vão transcorrendo, dentro da pro- se obtenham elementos necessários
posta dos ciclos semestrais com seus e suficientes para o processo avaliati-
eixos temáticos, os professores das vo dos discentes e docentes.
disciplinas da educação básica e da Por ser um caderno partilhado
qualificação profissional dialogam pelo grupo, no qual cada indivíduo
com a professora mediadora sobre se expõe através de um relato, uma
conteúdos, propostas de trabalho/ narrativa ou uma reflexão sobre suas
pesquisa, seminários, viagem de expectativas, sua compreensão do
estudo. Esse diálogo ocorre pratica- momento vivido em sala de aula,
mente todos os dias. A professora sua “leitura” do aprendizado, ou do
mediadora contextualiza os profes- aprendizado do grupo, entendemos
sores de todas as disciplinas sobre o que esse material é um instrumen-
desenvolvimento dos trabalhos em to essencial para a compreensão da
sala de aula na noite anterior, para prática pedagógica interdisciplinar.
que eles possam planejar suas ativi- Por meio dele, podemos analisar se
dades baseados nessas informações. a prática está consolidada, ou não,
Essa contextualização é registrada com as intenções teóricas.
no Livro de Vida da turma.
Ainda complementar ao Livro de
Vida, após alguma proposta de tra-

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 571


balho sugerida para os estudantes, cito nas relações entre os envolvidos
seja ela avaliativa ou não, a professo- no processo educativo.
ra mediadora registra as dificuldades Na tentativa de materializar a
do grupo ou as individuais e as dis- proposta do currículo integrado, o
cute com os professores envolvidos. processo avaliativo também é re-
A partir daí, pode acontecer uma pensado, sendo que a síntese desse
tomada de decisão sobre o que fa- processo está basicamente represen-
zer para superar os possíveis obstá- tada pelos seguintes instrumentos:
culos, inclusive revendo seu próprio livro de vida (diariamente), assem-
método de ensino ou abordagem bleias (acontecem semestralmente),
dos conteúdos, e reestruturando-os, portifólio (diariamente).
quando necessário.
Como toda dinâmica escolar se
A prática dos registros, como reverte intencionalmente na garantia
instrumento de avaliação, além de de avanços de aprendizagens indivi-
fornecer dados projetivos, também duais e coletivas, optou-se pela ado-
possibilita uma análise retrospectiva ção do Portfólio como instrumento
das discussões e atividades realiza- de avaliação para os estudantes e de
das ao longo do tema, facilitando a reflexão para os docentes no sentido
introdução do tema posterior e não de reavaliar suas práticas pedagógi-
perdendo, dessa forma, a ligação cas. Esse, para nós, se refere a uma
com a ideia presente nos eixos e nas pasta na qual os estudantes arqui-
temáticas subsequentes. vam evidências do seu percurso de
É importante ressaltar que a pro- aprendizagem, com trabalhos pro-
fessora mediadora estabelece uma duzidos (acompanhados de avalia-
relação de confiança, amizade e ção, autoavaliação, reestruturação),
cumplicidade com o seu grupo. Ob- produção textual de análise desse
viamente, surgirão conflitos entre percurso a partir das intervenções
educandos/educadores, educandos/ docentes, relatos reflexivos de vivên-
educandos. Num processo que en- cias durante o curso, entre outros.
volve valores sociais, éticos, estéti- Cada grupo/estudante decide o
cos, haverá, naturalmente, muitas di- roteiro pertinente ao seu Portfólio.
vergências de ideias. Nesse sentido, o De acordo com Villas Boas (2005, p.
Livro de Vida também é um espelho 43), “cada portfólio é uma criação
do que pode estar implícito ou explí- única, porque o próprio estudante

572
escolhe as produções que incluirá e tudante sobre sua aprendizagem é
insere reflexões sobre o desenvolvi- parte importante do processo”. Apre-
mento de sua aprendizagem”. Nesse sentamos abaixo alguns recortes
sentido, não existe um Portfólio igual dessas reflexões:
ao outro, pois nele estão implícitas Eu percebi que melhorei muito, quan-
identidade e experiências do seu au- do vejo meu portfólio e os trabalhos
que venho fazendo. Ao longo desses
tor. dias, percebi melhora, mas ainda te-
Os enunciados produzidos nos nho muita dificuldade em Português
e Física. (Estudante 11).
Portfólios e no Livro de Vida são hete-
Olhando meu portfólio, vejo o quanto
rogêneos, pois caracterizam o lugar eu já aprendi e melhorei durante este
e a posição de cada sujeito, porém semestre. Eu aprendi a reestruturar, a
algumas regularidades podem ser colocar em ordem e a usar ele como
um livro de pesquisa. Porque nele eu
encontradas. Selecionamos alguns encontro todo o conteúdo que eu
recortes dos registros obtidos por aprendi até agora, e o que eu ainda
meio do Portfólio e do Livro de Vida, tenho para aprender. (Estudante 15).
das turmas envolvidas no Programa. Procuro olhar meu portfólio como se
Como são muitos registros, esco- fosse um arquivo, nele consigo reco-
nhecer meus erros, ver se compreendo
lhemos para este artigo recortes de o conteúdo ou não, e na maioria dos
textos que representam os sentidos meus textos, percebo que posso fazer
que se aproximam e aparecem com além. (Estudante 19).

maior frequência nos instrumentos No meu ponto de vista, o portfólio


é muito importante para o nosso
citados. É importante ressaltar que aprendizado. Através dele podemos
preservamos a maneira como cada nos autoavaliar, ver os trabalhos que
estudante se expressou, ou seja, di- já foram feitos e nem lembrávamos
mais. Através dele posso ver se estou
gitamos abaixo o texto conforme evoluindo nas matérias, nos traba-
escrito pelos estudantes no Portfólio lhos , na escrita. (Estudante 10).
ou no Livro de Vida.
As reflexões parecem sinalizar Todas as reflexões parecem sinali-
que os estudantes são participantes zar o quanto os estudantes se sentem
ativos do processo, porque apren- comprometidos com seus processos
dem a problematizar, a relacionar os de aprendizagem. Ao utilizarem ex-
conhecimentos adquiridos, a reali- pressões como "melhorei muito, nele
dade em que vivem. Villa Boas (2005, consigo reconhecer meus erros, posso
p.38) lembra que “a reflexão pelo es- ver se estou evoluindo e vejo o quanto

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 573


já aprendi", os estudantes declaram -aprendizagem são acompanhadas
sua identidade, não apenas como de critérios que se pautam principal-
tais, mas como sujeitos dispostos a mente na aprendizagem de determi-
aprenderem. Reconhecem e geren- nado conhecimento, e podem estar
ciam seus aprendizados. Também baseadas em critérios procedimen-
podemos dizer que esses dizeres si- tais e/ou relacionados a atitudes.
nalizam o quanto o Portfólio permite Dentro desse processo está inserida,
ao estudante acompanhar o desen- obviamente, a avaliação, com todos
volvimento de suas aprendizagens, os critérios que a envolvem, e tam-
de modo a identificar suas poten- bém a autoavaliação. Uma não se
cialidades, seus avanços e os aspec- sobrepõe à outra, são ações especí-
tos que precisam ser melhorados e, ficas de investigadores envolvidos
a nós docentes, propiciar também diferentemente no processo de ensi-
uma reflexão para reavaliar os pro- no-aprendizagem. Se por um lado o
cessos de aprendizagem com vistas olhar investigativo do professor esta-
à formação integral. belece relações mais profundas com
Outro ponto relevante que pode- seus objetivos pedagógicos, por ou-
mos destacar no trabalho com o Por- tro lado, o estudante tem seu olhar
tfólio é a maneira como o estudante relacionando-se com suas intenções
vai desenvolvendo sua autonomia, iniciais, dialogando num processo de
na medida em que vai reconhecen- conhecimento e autoconhecimento.
do seu potencial, identificando suas As trajetórias profissionais dos
limitações e refletindo sobre sua docentes envolvidos nessa proposta
condição de aprendiz. Nesse sentido, pedagógica não podem sobrema-
podemos verificar esse reconheci- neira ser desconsideradas, uma vez
mento quando o estudante 15 regis- que estão pautadas nas suas cren-
tra que "nele (no Portfólio) eu encon- ças sobre metodologias, avaliação,
tro todo o conteúdo que eu aprendi até conteúdos programáticos. O grande
agora", e o que eu ainda tenho para desafio de se trabalhar com essa pro-
aprender, ou seja, esse instrumento posta é estar aberto à troca de ex-
permite ao estudante fazer escolhas periências, permitir-se experimentar
e tomar decisões frente ao processo. novas práticas pedagógicas, cons-
Vale ressaltar que todas as pro- truir novos saberes, novos conheci-
postas de atividades que pretendem mentos. Quanto mais forte o elo en-
contribuir com o processo de ensino tre os estudantes, jovens e adultos,

574
educadores, professora mediadora e significativas que contribuem de for-
coordenação pedagógica, maior será ma decisiva para a articulação dos
a cumplicidade entre os envolvidos conteúdos entre si e com o meio em
no processo ensino-aprendizagem. que vivem. Dentre essas práticas, os
sujeitos ressaltam a importância do
6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E papel do professor como orientador,
facilitador deste processo.
CONTRIBUIÇÕES
Nesse contexto, utilizamos o Por-
A partir da experiência na cons- tfólio e o Livro de Vida como sinaliza-
trução de um currículo integrado, dores da materialização do currículo
materializados pela avaliação do Por- integrado. Os Portfólios nos auxilia-
tfólio e do Livro de Vida, podemos ram na medida em que refletiram o
tecer algumas contribuições para desenvolvimento individual de cada
professores da EJA. Entendemos que estudante, revelando os avanços e
as estratégias por nós utilizadas, ex- dificuldades. A utilização do Portfó-
postas na análise, e os aprendizados lio e do Livro de Vida como forma
registrados pelos estudantes nos de avaliação do processo ensino
Portfólios e no Livro de Vida são fun- -aprendizagem dos sujeitos envol-
damentais e relevantes para a com- vidos pode tornar-se mais rica se for
preensão e avaliação de nossas práti- desenvolvida de forma colaborativa
cas educativas. entre os professores. Esta reflexão/
Os registros realizados pelos es- avaliação colaborativa não começa e
tudantes se transformam em impor- nem termina com o registro de julga-
tantes indicadores para compreen- mentos, mas sim com investigação
dermos os processos de construção de como os estudantes aprendem,
do conhecimento, a maneira como o que aprendem e de que maneira
vão se apropriando dos aspectos aprendem. Esses instrumentos re-
formais do conhecimento científico presentarem ainda uma ferramenta
e, como de fato, se materializa a pro- para a autorreflexão dos professores.
posta do currículo integrado. É a partir dos e pelos registros que
o professor se percebe e é percebi-
Na experiência vivenciada, perce-
do, podendo assim refletir sobre sua
bemos que os estudantes que parti-
prática em sala de aula e contribuir
cipam do Proeja evidenciam em seus
para a materialização do currículo in-
registros no Livro de Vida práticas
tegrado.

Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 575


Referências
BRASIL. MEC. Parecer CNE/CEB
11/2000 – Diretrizes Curriculares
Nacionais para a educação de jo-
vens e adultos. Brasília, 2000.

______. Documento Base PROEJA.


Brasília, 2007.

LUCKESI, C. C. Avaliação da apren-


dizagem escolar. São Paulo: Cortez,
2005.

SOARES, M. Letramento: um tema


em três gêneros. 2. ed. Belo Horizon-
te: Autêntica, 2004.

VILLAS BOAS, M. B. Portifólio, ava-


liação e trabalho pedagógico. São
Paulo: Papirus, 2005.

576
Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 577
Reitoria – SGAN Quadra 610, módulos D, E, F e G
C.E.P.: 70830-450  Brasília – DF
www.ifb.edu.br
Fone: +55 (61) 2103-2108
editora@ifb.edu.br

Você também pode gostar