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ENSINO
ENSINO MÉDIO
MÉDIO INTEGRADO
INTEGRADO
NO
NO BRASIL:
BRASIL: FUNDAMENTOS,
FUNDAMENTOS,
PRÁTICAS
PRÁTICAS E
E DESAFIOS
DESAFIOS
Ensino Médio
Integrado no Brasil:
fundamentos, práticas
e desafios
Brasília
2017
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília
Organização
Adilson Cesar Araújo
Cláudio Nei Nascimento da Silva
SGAN 610, Módulos D, E, F e G
CEP: 70830-450 – Brasília-DF
Fone: +55 (61) 2103-2108
www.ifb.edu.br
E-mail: editora@ifb.edu.br
2017 Editora IFB
E59
Ensino médio integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios /
Adilson Cesar Araújo e Cláudio Nei Nascimento da Silva (orgs.) –
Brasília: Ed. IFB, 2017.
569 p.
Vários autores.
CDU 373.5:377(81)
© 2017 Editora IFB
A exatidão das informações, as opiniões e os conceitos emitidos nos artigos são de exclusiva
responsabilidade dos autores. Todos os direitos desta edição são reservados à Editora IFB. É
permitida a publicação parcial ou total deste periódico, desde que citada a fonte. É proibida a
venda desta publicação.
CONSELHO NACIONAL DAS INSTITUIÇÕES DA REDE FEDERAL DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA (CONIF)
Avaliadores Ad Hoc
Adriana dos Reis Ferreira Maria Francisca Morais De Lima
Adriana Pionttkovsky Barcellos Maria Lucilene Belmiro De Melo Acácio
Affonso Celso Thomaz Pereira Maria Raquel Caetano
Aldo Rezende Mariângela de Araujo Rybalowsky
Ana Cláudia Uchôa Araújo Mary Roberta Meira Marinho
Carlos Andre de Oliveira Câmara Monique Seufitellis Curcio
Clarice Monteiro Escott Nilva Schroeder
Daniel Louzada da Silva Paola Alvarez
Degmar Anjos Paula Reis de Miranda
Delmir da Costa Felipe Reinaldo Reis Jr
Elinilze Guedes Teodoro Renato Pazos Vazquez
Erika Barretto Fernandes Cruvinel Roberta Cantarela
Fernanda Marsaro dos Santos Robson Santos Camara Silva
Glaucia Franco Teixeira Rosa Amelia Pereira Da Silva
Glauco Vaz Feijó Rosana Antunes Palheta
Hélder Sousa Santos Rosane de Fátima Batista Teixeira
Italan Carneiro Rosangela Gonçalves de Oliveira
Juliana Ferreira Leite Silvia Maria dos Santos Stering
Juliana Piunti Simônia Peres da Silva
Leonardo de Paiva Barbosa Sinara Pollom Zardo
Mairon Marques Dos Santos Sonia Maria da Costa Mendes
Mara Lúcia Castilho Teodoro Zanardi
Marcio Almeida Co Valdirene Alves de Oliveira
Marcos Pavani de Carvalho Washington César
Maria Do Rosário Cordeiro Rocha
APRESENTAÇÃO
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227. POLÍTICA EDUCACIONAL E POLITECNIA:A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL –
José Clovis de Azevedo
257. PERSPECTIVAS DOS ALUNOS SOBRE O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: POR QUE O FA-
ZEM? – Débora Martins Artiaga, Daniela Alves de Alves
377. AVANÇOS E DESAFIOS NOS CURSOS PROEJA DO INSTITUTO FEDERAL GOIANO CAM-
PUS RIO VERDE – Luiza Ferreira Rezende de Medeiros
8
INTRODUÇÃO
ENSINO MÉDIO INTEGRADO:
UMA FORMAÇÃO HUMANA, PARA UMA SOCIEDADE MAIS HUMANA
Adilson Cesar Araújo1, Cláudio Nei Nascimento da Silva2
1
e 2 Instituto Federal de Brasília
10
do papel da educação e tende a ge- Infelizmente, o movimento que
rar seres igualmente precários, par- se desdobra, a partir da recente re-
ciais e limitados. forma educacional do Ensino Médio,
Mais uma vez, cabe recorrer à vi- afirma o caráter tecnicista e produ-
talidade do pensamento de Gramsci, tivista da educação, indo na contra-
o qual, no início do século XX, já aler- mão de um Ensino Médio politécni-
tava para a necessidade de constru- co, o qual trabalha com a perspectiva
ção de um processo educativo que da integração entre trabalho, ciência
não operasse apenas a partir da ra- e a cultura; para a superação da frag-
zão instrumental: mentação do conhecimento, bem
como para a construção de saberes
A escola profissional não deve se
transformar numa incubadora de significativos e contextualizados à
pequenos monstros aridamente realidade social, econômica e cultu-
instruídos para um ofício, sem ideias ral.
gerais, sem alma, mas apenas com o
olho infalível e mão firme. Também O Ensino Médio Integrado (EMI)
através da cultura profissional é
possível fazer brotar do menino um
pode ser um contraponto ao mode-
homem; desde de que essa cultura lo de Ensino Médio hegemônico no
seja educativa e não só informativa, Brasil. Este se caracteriza pela uni-
ou não só prática e manual (MO-
NASTA, 2010, p. 66-67).
ficação do tempo escolar, por um
currículo fechado e pouco flexível,
com um viés centrado no conteúdo
Resta questionar, portanto, que e nas disciplinas, o que inviabiliza a
futuro se pode esperar da educação construção de projetos que conside-
se uma concepção de integração de rem: “para alunos diferentes, práticas
saberes e de fazeres não se fortalecer pedagógicas diferentes. Para trajetos
como fundamento de uma política diferentes, projetos diferentes! A es-
pública de ensino. Assim, é neces- cola deve olhar com mais atenção as
sário superar o viés produtivista que contribuições da etnografia à prática
subordina a escola aos interesses ime- escolar.” (CARNEIRO, 2012, p. 256).
diatos da produção. Ao mesmo tem-
O rompimento com o padrão de
po, deve-se garantir uma formação
Ensino Médio hegemônico não de-
geral sólida para que todos os jovens
pende apenas de mudanças curri-
do Ensino Médio possam ter acesso a
culares e metodológicas, depende,
uma educação republicana que visa
também, de alterações estruturantes
formar em múltiplas dimensões.
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ensino como uma experiência nova e se trata de milagre! Trata-se, apenas,
de enxergar o que a evidência apon-
positiva, a qual possibilita uma sólida
ta (CARNEIRO, 2012, p. 160-161).
formação aos seus estudantes. Para
esse autor, o ensino da Rede Federal Cabe destacar que, ao longo da
é referência e deveria ser expandido última década, as condições objeti-
para os demais sistemas de ensino: vas de trabalho e de financiamento,
O nível de formação intelectual
para o Ensino Médio Integrado da
dos alunos no campo da educação Rede Federal funcionar, foram ofe-
básica lhes dá as condições neces- recidas. Isso permitiu transformá-lo
sárias para ingressarem no ensino
superior sem problema. Possuem,
em uma referência de educação
os alunos egressos destas institui- de qualidade para uma parcela da
ções, uma educação geral conjuga- população. Os últimos resultados,
da a uma formação técnica de alto
padrão. Isto apenas comprova que,
apresentados pela Rede Federal, nos
se o Estado brasileiro quisesse, de exames do PISA, mostraram a situ-
fato, as escolas públicas do Ensino ação privilegiada da Rede. No PISA
Médio teriam padrões de qualidade
semelhantes. Ou seja, em vez dos
de 2015, na área de Ciências, a Rede
especialistas ficarem criticando os li- Federal obteve desempenho de 517
mites elevados do custo/aluno/qua- pontos, o que foi superior aos obti-
lidade dos cursos de Ensino Médio e
técnico da rede federal, por que não
dos pelos países membros da OCDE
buscar ampliar o mapa da qualida- (493 pontos); e muito acima do que
de acadêmica da educação básica foi conseguido pela rede privada de
da escola brasileira independente-
mente de sua esfera administrativa?
ensino (487 pontos) e pela rede esta-
Por que não criar uma política de dual (394 pontos) .
1
14
bém na manutenção das condições Mesmo sendo uma referência
para garantir padrões de qualidade de Ensino Médio para o Brasil, o EMI
para a educação da Rede Federal da Rede tem de ser avaliado no seu
funcionar. Cabe ressaltar que a busca conjunto para que possa ser aperfei-
de um Ensino Médio Integrado, com çoado cada vez mais. Mas isso não é
qualidade referenciada socialmen- ação isolada da Instituição de ensino,
te, não se limita à aplicação de mais por isso, dependerá da construção
recursos financeiros e nem à moder- de um espaço educativo democráti-
nização tecnológica, apesar de im- co, interativo e que respeita a plurali-
prescindíveis. Assim, além de boas dade de vozes que compõem o am-
condições de trabalho e de estrutura, biente educativo; e do compromisso
é necessário afirmar o caráter eman- coletivo com as transformações,
cipatório do Projeto Político Pedagó- além de política de financiamento.
gico do Ensino Médio Integrado. Isso Tem de se avançar, muito ainda,
quer dizer que a questão não é só na construção das condições políti-
buscar a qualidade técnica, mas tam- cas e pedagógicas, para a busca de
bém a qualidade política, porque é outro referencial de escola. As experi-
esta que transforma a realidade: ências de implantação do EMI apon-
De pouco adiantará fazer todo um tam para a necessidade de serem
esforço monumental acerca da
garantia de financiamento para a tomados alguns cuidados para não
educação, como o que está sendo corrermos o risco de negar a origi-
travado para no Brasil acerca do nalidade inicial deste projeto, o qual
destino dos royalties do petróleo
das camadas do pré-sal, se as bases carregava, em si, uma perspectiva
políticas, ideológicas e epistemoló- transformadora de educação. Nesta
gicas da escola média continuarem discussão, devemos considerar que:
fundadas em concepções e práticas
produzidas no processo científico e a) é necessário compreender
tecnológico do mundo do trabalho
que a implementação do EMI é
estruturado nas primeiras etapas da
revolução industrial, contextos his- complexa e exige um repensar do
tóricos superados. [...] Trata-se, por- papel da gestão e da organização
tanto, da necessidade de uma orga-
curricular, dos tempos e dos espa-
nização do ensino em novas bases
epistemológicas, com a superação ços da escola, bem como da forma
da fragmentação disciplinar e seus de avaliação e da relação ensino e
programas abstratos e descontextu-
aprendizagem; ou seja, não é uma
alizados, desconectados do mundo
do trabalho (AZEVEDO; REIS, 2013, questão apenas de mudança curri-
p. 43). cular, mas de uma necessidade de
16
cro imediato. Portanto, a escola e a assumir outras funções. Assim, os
empresa não podem ter métodos gestores tendem a assumir o pa-
e técnicas idênticos, uma vez que pel de "gerentes”, preocupados
a finalidade da escola é diferente em garantir o controle, a ordem e
da finalidade que se busca atingir o cumprimento das normativas e
em uma empresa. Logo, a gestão das metas, muitas vezes, vindas de
democrática da educação na Rede fora; ou seja, um papel meramente
Federal, mesmo que prevista em burocrático. É necessária a com-
lei, não pode ser vista como uma preensão de que, além de exercer
mera formalidade de eleições tem- a liderança organizacional, os ges-
porárias para diretores e reitores. É tores da educação são lideranças
necessário revitalizar e construir pedagógicas e políticas. Pedagó-
novos espaços de participação gicas porque deveriam ter, como
da comunidade escolar nas to- uma de suas principais funções, ar-
madas de decisão. Construir uma ticular e coordenar o processo de
educação com sentido público construção do Projeto Politico Pe-
pautada na participação coletiva dagógico da Instituição. São lide-
nos rumos da educação, seja nos ranças políticas porque exercem
campi, nas reitorias e na definição um papel de líderes comunitários,
das políticas educacionais, parece os quais mediam os conflitos e
ser, ainda, um grande desafio a ser buscam construir, coletivamente,
perseguido na Educação Profissio- as mudanças necessárias para a
nal e Tecnológica; transformação da realidade esco-
f) é necessário, também, re- lar. Sendo assim, a tendência de
pensar o papel dos gestores da burocratização e o modelo geren-
educação na construção do EMI cialista têm de ser revistos urgen-
da Rede. Na condição de gestores temente, uma vez que a ação do
educacionais, esses devem assu- gestor se limitará aos aspectos téc-
mir um papel de liderança políti- nicos, ao cumprimento das ordens
ca, pedagógica e organizacional e das normativas burocráticas,
da Instituição. Há uma tendência, sem o vigor necessário para ser o
diante do aumento das demandas articulador da busca da transfor-
burocráticas, de os gestores serem mação da realidade da escola; e
engolidos pela tarefa administra- g) ampliar e incentivar a parti-
tiva, sobrando pouco tempo para cipação dos estudantes, reconhe-
18
médio: pressupostos teóricos e de-
safios da prática. SP: Fundação San-
tilana, 2013.
Marise N. Ramos
E-mail: ramosmn@gmail.com1
“La esperanza está latente en las contradicciones”
(BERTHOLD BRECH apud HARVEY, 2014, p. 258)
20
le que, num determinado momento, se movimenta em relação à educa-
conserva a supremacia de um dado ção brasileira. Para isso, trago uma
processo, que encarna e exerce a reflexão sobre a institucionalização
hegemonia que nele se verifica e da escola como o marco da separa-
que lhe desenha os traços” (MOURA, ção entre trabalho e educação, uni-
2012, p. 344). Nem sempre, o polo dade ontológica que é cindida na
dominante de uma contradição e o sociedade de classes, e sobre sua
seu polo determinante coincidem. reunificação na forma da dualidade
Com base nessa compreensão, educacional. Tendo como foco o En-
sobre a contradição, entendo que a sino Médio, situarei as reformas e as
conquista da educação pública, pela contrarreformas empreendidas so-
classe trabalhadora, resulta da não bre essa etapa de escolaridade a par-
coincidência entre polos determi- tir dos anos de 1930, quando o Brasil
nante e dominante da contradição. fez a transição do modelo produtivo
Ainda, que, na contradição capital e agrário-exportador para o modelo
trabalho, o primeiro seja o polo do- urbano industrial. Com isso, tentarei
minante no processo histórico, em demonstrar o quanto a relação en-
alguns momentos, o trabalho se fez tre trabalho e educação se manifesta
como polo determinante, o que le- nas mudanças educacionais que vi-
vou a classe trabalhadora a lutar pelo sam acompanhar as mudanças pro-
direito à educação. Esse direito, em dutivas em nossa sociedade.
alguma medida, também, convergiu Depois disso, passo a discutir a
com interesses do capital frente ao concepção de Ensino Médio Inte-
avanço das forças produtivas. Não grado em seus sentidos filosófico,
obstante, sempre esteve marcado ético-político, epistemológico e pe-
pela dualidade social a qual se ma- dagógico; defendendo-o como a
nifestou na delimitação do acesso concepção e uma práxis coerente
dessa classe aos níveis educacionais com as necessidades da classe tra-
superiores ou aos processos educati- balhadora; e compreendendo esta
vos com qualidade universal. classe como aquela que, efetiva-
Neste texto, tentarei lastrear o mente, produz a existência social
processo histórico pelos polos domi- da humanidade. Assim, ela é tanto
nantes e determinantes da contradi- produtora material quanto de co-
ção principal, capital e trabalho, que nhecimento e de cultura. Nesses
termos, não é razoável que o acesso
22
pela educação ou pela aprendiza- la de classe (a escola capitalista), de
gem realizada no seio de outra (EN- modo que as análises críticas2 iden-
GUITA, 1989, p. 106). Ainda assim, os tificaram sua função com a reprodu-
servos continuavam a se educar nos ção das ideias da classe dominante.
seus próprios afazeres. Esse fenôme- É a primeira Revolução Industrial
no, inclusive, nos é mostrado por Sa- que modifica a função da escola de
viani (2007) como expressão da uni- uma perspectiva de socialização
dade entre trabalho e educação, em para uma função econômico-pro-
um dado tempo histórico. Ele nos dutiva. A Revolução Industrial, ex-
explica que a institucionalização da pressão do uso da ciência como for-
educação é, ao mesmo tempo, o pri- ça produtiva, fez surgir o trabalho
meiro tipo de separação entre traba- abstrato por meio da divisão social
lho e educação, e se relaciona com o e técnica do trabalho, e por meio da
surgimento da sociedade de classes. redução do processo de produção a
Na ordem feudal da Idade Mé- um conjunto de tarefas simples. Sen-
dia, as escolas tiveram, fortemente, a do assim, a escola, para os trabalha-
marca da Igreja Católica. Nesse mo- dores, também, não era, a princípio,
mento, o Estado desempenhava um uma necessidade da produção, pois
papel importante, mas a educação os trabalhadores poderiam aprender
não era pública, já que era exclusiva as operações (de onde vem o nome
para uma classe. Foi o modo de pro- do operariado) diretamente no tra-
dução capitalista que colocou o Esta- balho. O problema, como bem iden-
do como protagonista da oferta da tificou Adam Smith, é que a divisão
educação escolar, “forjando a ideia extrema do trabalho, a redução do
de uma escola pública, universal, trabalhador à mercadoria e à força
gratuita, leiga e obrigatória” (SAVIA- de trabalho, a expropriação de suas
NI, 2007, p. 157). Mas, na verdade, a capacidades criativas, a extensa jor-
escola se manteve como uma esco- nada de trabalho e a intensa explora-
2 Falamos, aqui, das chamadas teorias crítico-reprodutivistas, elaboradas sob influências te-
óricas do estruturalismo althuseriano, como o reprodutivismo de Bourdieu e de Passeron, e
a teoria da escola dualista de Baudelot e de Establet, as quais identicavam a escola como um
aparelho ideológico do Estado burguês, cuja função essencial seria reproduzir as relações
econômicas, sociais e culturais de classe; assim, eram distinguidas as escolas destinadas à
classe dominante e à classe trabalhadora. Ideias da classe dominante. No nosso entendi-
mento, esse é um ponto de partida fecundo para discutirmos o currículo na perspectiva de
classe.
24
no Luís Inácio Lula da Silva, que revo- lhadora.
gou este Decreto por meio de outro, Antes de ser uma necessidade
o Decreto nº 5.154/2004. É, a partir econômica, porém, defendemos o
desse momento, quando se retoma direito de acesso ao conhecimento
a discussão da formação integrada científico e cultural sistematizado
inspirada pela concepção de educa- pela classe trabalhadora como um
ção politécnica debatida na década princípio ético-político, em razão do
de 1980. Finalmente, vivemos, hoje, sentido ontológico do trabalho. A
uma contrarreforma implementada humanidade se constituiu como tal
pela Lei nº 13.415/2017, a qual recu- porque o ser humano, diante de ne-
pera as piores medidas de reformas cessidades reais, se dispõe a dominar
anteriores. Compreender a concep- a natureza, a apreender seus deter-
ção do trabalho, em suas dimensões minantes na forma de conhecimento
e suas contradições, é um importan- e, então, transformá-los em benefício
te meio para se posicionar frente às da qualidade de vida humana. Isto é
concepções educacionais em dispu- um processo que se iniciou, primiti-
ta. vamente, pelo simples fato de que o
ser humano é um ser capaz de, com
3. O trabalho como princípio suas mãos e seu pensamento, apre-
educativo: fundamento con- ender a natureza para si. O que é isto,
traditório da formação dos senão o trabalho como mediação de
primeira ordem entre homem e na-
trabalhadores tureza? (MÉSZÁROS, 2016).
Constatamos que, na luta pelos Essa relação é, também, de pro-
direitos sociais, os quais se tornaram, dução de conhecimentos, primeira-
até mesmo, uma necessidade para o mente, na forma de conhecimento
capital, revelada sob a égide do cha- empírico, depois, quando orientado,
mado Estado de Bem Estar Social3, o sistematicamente, como conheci-
Estado, por meio da escola pública, mento científico. Disso deriva a cen-
possibilitou o acesso ao conheci- tralidade da classe trabalhadora e do
mento científico pela classe traba- trabalho na produção da existência
3 Entendemos o Estado de Bem Estar Social como a expressão política da teoria econômica
de Maynard Keynes, economista inglês que, após a primeira grande crise do capital, de-
fendeu a atuação do Estado tanto na esfera econômica quanto no provimento de políticas
sociais.
4 As inovações, introduzidas por Henry Ford na produção, mais destacadas são: a) a estei-
ra da produção, que possibilitou a aceleração da produção por manter o trabalhador num
posto de trabalho fixo, enquanto as peças chegavam diretamente a ele no ritmo coman-
dado pela velocidade da esteira; e b) a diminuição da jornada de trabalho conjugada com
o aumento de salário – o chamado dia de oito horas e cinco dólares – que, por um lado,
contribuiu para o aumento da extração da mais-valia relativa pelo capital e, por outro, gerou
condições de consumo pelos trabalhadores em benefício do ciclo virtuoso da mercadoria.
Sabe-se, além disto, que Ford foi pioneiro no que, posteriormente, se desenvolveu como a
Escola de Relações Humanas na administração, uma vez que o mesmo empreendeu medi-
das de proteção do trabalhador como, por exemplo, a visita em suas casas a fim de comba-
ter o alcoolismo dentre outras. Sobre esse assunto, que nos ajuda a entender o quanto o
fordismo não foi somente uma forma de produzir, mas também de regular socialmente o
trabalho, sugerimos a leitura de Harvey (1994).
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dagogia, representado pela relevân- trabalhadora como suposta condi-
cia conferida às técnicas de ensino e ção necessária ao desenvolvimento
econômico. Agregou-se, assim, à ide-
à eficiência do currículo escolar. A ló-
gica produtiva taylorista-fordista foi ologia do desenvolvimentismo, no
fundamento da função econômica binômio com a segurança nacional,
da escola, configurando-a em corres- o que justificou o governo civil-mili-
pondência à divisão social, técnica e tar. Porém, como nos diz Luiz Antô-
hierárquica do trabalho. nio Cunha (2014), essa era a finalida-
A ideologia que sustentou essa de manifestada na Lei nº 5.692/71,
correspondência foi a Teoria do Ca- mas a real função era a contenção
pital Humano. Trata-se de uma teoria do acesso dos filhos da classe traba-
que vem das ciências econômicas, a lhadora ao ensino superior. O caráter
Economia da Educação, mas que se compulsório da educação profissio-
mostrou como ideológica5, baseada nalizante, no segundo grau, não foi
na linearidade da relação entre nível assimilado pela burguesia, sendo re-
de escolaridade e classificação social vogado pela Lei nº 7.044/1982.
das pessoas; e entre o nível de esco- A rede de Instituições Federais
laridade da população de um país e de Educação Profissional e Tecnoló-
o seu desenvolvimento econômico. gica cumpriu com a finalidade ma-
O caráter ideológico da Teoria do Ca- nifestada e tencionou a contradição
pital Humano orientou as políticas em benefício do trabalho. Isso quer
de educação da classe trabalhadora dizer que os cursos técnicos de se-
no Brasil dos anos 1950 aos 1970. gundo grau, ofertados por essas Ins-
Pela contradição, ela sustentou a am- tituições, reuniram formação geral e
pliação do acesso à escola pela classe profissional, com instalações de qua-
5 Ideologia, aqui, não é compreendida, somente, como o falseamento das ideias ou como
falsa consciência, sentido forte atribuído ao termo por K. Marx, mas também entendida, no
seu sentido ampliado, como ideias que constituem o senso comum de um grupo social. A
ideologia tem, então, um lado que se mostra verdadeiro e outro falso. É, pela manifestação
de seu “lado verdadeiro”, que ela produz o convencimento. No caso da Teoria do Capital Hu-
mano, não dá dúvidas de que o aumento da escolaridade proporciona maiores oportunida-
de de acesso aos empregos mais qualificados, com possibilidades de melhor remuneração
e, assim, mais chances de mobilidade ou de ascensão na classificação social. O lado falso
da Teoria do Capital Humano é tratar esse fenômeno como regra geral e universal. Ao con-
trário do que se defende, tais possibilidades são determinadas pela estrutura econômica,
configurada pela propriedade privadas dos meios de produção por uma classe. O estudo de
referência sobre a Teoria do Capital Humano é de Frigotto (2004).
28
momento, os educadores brasileiros rar-se-ia, assim, a formação, estrita-
estavam mobilizados com a possi- mente, técnica para os trabalhadores
bilidade de se orientar a educação e a acadêmica para as elites. Ao invés
nacional na perspectiva da escola de uma formação restrita a um ramo
unitária. Apontava-se para a supera- profissional, esta teria o caráter om-
ção da dualidade da formação, para nilateral, isto é, voltada para o desen-
o trabalho manual e para o trabalho volvimento dos sujeitos em “todas
intelectual; expressão da dualida- as direções”. De fato, a compreensão
de de classes, o que caracterizou a dos fundamentos da produção, pe-
existência de percursos formativos los estudantes, implica compreen-
profissionalizantes para o mercado der, também, seu lugar na divisão
de trabalho, em oposição ao prope- social do trabalho; isto é, as determi-
dêutico, o qual levaria os estudantes nações históricas de suas condições
ao ensino superior. Compreendia-se econômicas, sociais e culturais, as
o Ensino Médio como Educação Bá- quais, sendo questionadas pela me-
sica, de modo a ser uma etapa des- diação de conhecimento, podem ser
te nível de ensino, e, como tal, com transformadas não apenas subjetiva-
a finalidade de consolidar os estu- mente, mas politicamente, mediante
dos iniciados nas etapas anteriores. o reconhecimento de sua identidade
O caráter, historicamente, pendular, de classe.
desse momento formativo, cujas fun- Isso materializa o princípio edu-
ções oscilaram conforme o modelo cativo do trabalho no sentido onto-
econômico e dual, que dissociava lógico, uma vez que, ao se compre-
formação para o trabalho manual e ender que os bens, produzidos pela
para o trabalho intelectual, seria su-
sociedade, em benefício da melhoria
perado pela escola unitária, tendo o de sua qualidade de vida, são produ-
trabalho como princípio educativo. tos do trabalho humano, o qual co-
A educação politécnica seria locou em movimento a produção de
8
30
da pela Teoria do Capital Humano e civilização”9; e, assim, patrimônio das
pela concepção pedagógica tecni- elites, seja quanto às possibilidades
cista, não convergia com a concep- de desenvolvimento de habilidades
ção da educação politécnica e a de para a arte, seja quanto ao acesso ao
formação omnilateral. considerado conhecimento erudito.
Nessa experiência, o conceito de Sendo assim, a escola profissional
trabalho era restrito a sua forma his- não seria lugar de cultura, a não ser
tórica no capitalismo: o trabalho as- como uma complementação, por ve-
salariado ou emprego. O mundo do zes, lúdica, ao currículo técnico .
10
9 Um estudo sobre o conceito de cultura pode ser encontrado em Ramos e Moratoria (2017).
10 É interessante notar que, nas Instituições da Rede Federal, as atividades culturais são fre-
quentes, mesmo que, muitas vezes, não tenham composto o currículo formal. No entanto,
a existência de condições de infraestrutura, de professores dessa área e da disponibilidade
de um tempo livre incentivado pelos docentes, a ser usado, criativamente, faz com que a
presença de tais atividades tenha resistido às reformas que visaram conter os s de
educação politécnica que essas Instituições guardam (SAVIANI, 1997).
32
Na legislação vigente, isso foi formação escolar média; e, também,
viabilizado pela possibilidade de não fosse a sociedade ter deman-
“articulação” entre a Educação Pro- dado a possibilidade de o Ensino
fissional e a Educação Básica, dando Médio proporcionar a formação pro-
origem às formas de oferta da Edu- fissional, tal como resultou na Lei nº
cação Profissional Integrada e con- 9.394/1996; caso não tivesse ocorri-
comitante. Ainda, no plano formal, do a conquista da revogação do De-
a primeira, corresponde à realização creto nº 2.208/1997 pelo Decreto nº
de ambas as formações em um mes- 5.154/2004.
mo currículo, a diferença fundamen- Essa nota nos remete às contradi-
tal entre os Decretos nº 5.145/2004 e ções consideradas no primeiro item
nº 2.208/1997, destinada a egressos deste texto, pois foi o êxito da for-
do Ensino Fundamental. A segunda, mação de qualidade realizada pelas
a oferta dessas formações, cursadas, Instituições Federais, sob a égide da
ao mesmo tempo, conforme disponi- Lei nº 5.692/1971, expressão máxima
bilidades dos sistemas e das institui- da dualidade educacional em nosso
ções de ensino, porém em currículos país, que nos fez conhecer as possibi-
diferentes, também destinada aos lidades de acesso, pela classe traba-
egressos do Ensino Fundamental. lhadora, ao conhecimento científico,
Finalmente, a forma subsequente, cada vez mais, elaborado ainda que
não, originalmente, proposta por ne- sob o prejuízo da formação geral.
nhum dos dois decretos, mas já pra-
ticada por instituições e sistemas de Como afirmou Kuenzer (1998), o
ensino e procurada pelos próprios Decreto nº 2.208/1997 tratou um pro-
estudantes, equivale à formação pro- blema social: a necessidade de os fi-
lhos da classe trabalhadora cursarem
fissional posterior à conclusão do En-
sino Médio (inclusive sob a organi- o Ensino Médio já com a perspectiva
zação e as denominações anteriores, profissionalizante; como um proble-
como secundário e segundo grau). ma pedagógico, separando as duas
formações. Por vezes, o argumento,
Essa última forma poderia ter se que os defensores da educação poli-
tornado a hegemônica, não fosse técnica, também, consideravam que
a contraditória experiência propor- a formação profissional deveria ser
cionada pela Lei nº 5.692/1991, a posterior ao Ensino Médio, foi usado
qual criou os cursos técnicos de ní- pelos reformadores do Ministério de
vel médio equivalentes à respectiva
34
conhecimentos e de aplicação téc- (disciplinaridade) e em relação a ou-
nica e tecnológica dentre outros. Por tros de campos distintos (interdisci-
isso, reiteramos que os conhecimen- plinaridade).
tos não são abstrações ahistóricas ou Compreendendo que a vida hu-
neutras, mas, sim, a conceituação do mana é constituída por múltiplos
real oriunda do movimento de inves- processos sociais de produção ma-
tigação de seus fenômenos, motiva- terial e simbólica, esses podem ser
do pelos problemas que a humani- a referência do currículo. No caso da
dade se coloca e se dispõe a resolver;Educação Profissional Integrada ao
consequentemente, eles são históri- Ensino Médio, os próprios processos
cos e sociais. produtivos, relativos às profissões,
A compartimentação das ciências para as quais os estudantes são for-
foi um meio pelo qual se conseguiu mados, podem ser essa referência.
penetrar, mais profundamente, nes- Por mais que esses sejam particulari-
sa realidade, constituindo-se, assim, dades produtivas, que implicam em
os campos de conhecimento, cada dimensões científicas e em técnicas
vez mais, específicos nas disciplinas específicas, eles guardam determina-
científicas, as quais se constituíram ções da totalidade social que são de
em referências para o ensino na con- ordem econômica, política, histórica,
formação das disciplinas escolares. cultural, ambiental dentre outras.
Portanto, assim como na investiga- Se tais processos forem tratados
ção, feita a análise do fenômeno, é por essas perspectivas, os conheci-
preciso ordenar e relacionar as me- mentos que permitem sua compre-
diações captadas num processo de ensão, nas suas múltiplas dimensões,
síntese, de tal modo que o fenômeno se tornam uma necessidade, de for-
já não se manifeste, somente, em sua ma que os conteúdos de ensino ad-
aparência empírica, mas, sim, como quirem sentido não somente cientí-
uma realidade concreta apreendida fico, mas também social e histórico.
pelo pensamento, o concreto pensa- Por esse caminho, encontraremos,
do (KOSIK, 1978). No ensino, é preci- também, a relação entre o que de-
so que os conteúdos sejam apreen- signamos como conhecimentos de
didos como um sistema de relações formação geral e específica. Essa
que expressam a totalidade social. classificação tem dois fundamentos,
Para isso, eles devem ser aprendidos a saber: a) podem ser considerados,
no seu campo científico de origem
36
tizado); tempos de experimentação 5. A atual contrarreforma do
(o enfrentamento, pelo estudante,
Ensino Médio e os limites ao
de questões práticas, mediante as
quais ele se sente desafiado a valer- Ensino Médio Integrado
se do conhecimento apreendido e, Em sentido, diametralmente,
então, a consolidá-los e/ou a iden- oposto à proposta do Ensino Médio
tificar insuficiência e limites dos co- Integrado, a atual contrarreforma do
nhecimentos apreendidos); tempos Ensino Médio, empreendida pela Lei
de orientação (o acompanhamento, nº 13.417/2017, dirige-se, mais uma
pelos professores, dos enfrentamen- vez, à classe trabalhadora no sentido
tos dos estudantes, visando organi- de restringir seu acesso a uma Edu-
zar aprendizados e/ou colocar novas cação Básica pública e de qualidade
questões); tempos de sistematização social. Analiso-a, primeiramente, sob
(síntese/revisão de questões, de con- a ótica da relação entre método e
teúdos e de relações); e tempos de conteúdo, considerando a categoria
consolidação (avaliações com finali- hegemonia. Hegemonia é coerção
dades formativas). revestida de consenso (GRAMSCI,
Espera-se, finalmente, que a pro- 2002). As ideias hegemônicas são
posta curricular demonstre identida- aquelas que dão direção cultural e
de e unidade teórico-metodológica, material a um grupo social. Ela se dis-
participação ativa dos sujeitos, cons- puta e se conquista numa sociedade
trução coletiva do conhecimento, que tem relações, formalmente, con-
organização integrada e abordagem sideradas democráticas, já que, no
histórico-dialética de conteúdos in- estado ditatorial, predomina a coer-
tegrando trabalho, ciência e cultura. ção. Em sociedades democráticas, a
Nesse percurso formativo, coerente hegemonia implica obter o consen-
com a concreticidade da vida social timento ativo das massas e construir
dos sujeitos, as contradições são ti- o consenso. A contrarreforma atual é
das como relevantes e trabalhadas a expressão da hegemonia do pen-
mediante uma análise crítica do co- samento burguês, conservador e re-
nhecimento e da sociedade. trógrado, o qual se revelou em seu
método e em seu conteúdo.
A reforma se inicia com uma Me-
dida Provisória nº 746/2016 utilizada
38
mação da Educação Profissional, em prometidas com a formação básica,
um dos itinerários, retoma aspectos pública e de qualidade social dos
da Lei nº 5692/1971 de substituição estudantes deste país, em especial,
da carga horária do currículo pela por aqueles comprometidos com o
formação específica11. Como disse- projeto de Ensino Médio Integrado.
mos, a condição de itinerário conferi- O fundamento ético-político, desta
do à Educação Profissional, associada posição, é que a contrarreforma atin-
ao seu cumprimento em instituições girá, principalmente, os quase 90%
não escolares, ao aproveitamento de dos estudantes do Ensino Médio que
competências e a não obrigatorieda- estão nas redes estaduais de ensino.
de de formação docente apropriada, As escolas particulares, princi-
separa a Educação Profissional da palmente, as de elite, resistirão à sua
Educação Básica, realizando o inten- implantação e buscarão meios pró-
to do Decreto nº 2.208/1997. Isto é prios para garantir a Educação Bási-
feito de forma ainda mais grave, poisca em sua totalidade, tal como ocor-
se, sob a égide desse Decreto, a carga
reu quando se implantou a Lei nº
horária, destinada à Educação Profis-5.692/71. Essa resistência redundou
sional, abrangeria de 800 a 1200 ho- na revogação da obrigatoriedade da
ras, na nova lei, esta pode se limitar a
profissionalização compulsória do,
600 horas12. então, 2º grau pela Lei nº 7.044/82;
É preciso dizer que entendo o na verdade, legalizando a inobser-
protesto a essa contrarreforma e a vância à lei por parte dessas escolas.
não observância da lei como a pri- As Instituições Federais, por sua vez,
meira posição a ser tomada pelos ao gozarem de autonomia adminis-
educadores e pelas Instituições com- trativa, financeira e pedagógica, tam-
11 Pela Lei nº 13.415/2017, essa carga horária corresponde a 25% da carga horária que deve-
ria ser de formação geral. No caso da Lei nº 5.692/1971, essa substituição poderia chegar a
50%. Porém, pelo menos na Rede Federal, os currículos tinham, em média, uma carga horá-
ria de 4000 horas. A substituição da carga horária de formação geral era, assim, compensada
por uma carga horária global maior.
12 A lei prevê o aumento da carga horária do Ensino Médio mediante a implantação do
horário integral. Esse aumento, porém, deve se destinar, exclusivamente, aos conteúdos de
Língua Portuguesa e de Matemática. Ademais, sabemos que o novo regime fiscal, instituí-
do pela Emenda Constitucional nº 95 de 2016, impedirá o cumprimento desse propósito. É
possível até que alguns sistemas de ensino o implemente em escolas consideradas de ex-
celência, para servir de exemplo ou de referência nas avaliações de larga escala. Reforça-se,
assim, o caráter ideológico e midiático dessa contrarreforma.
40
res da BNCC e dos itinerários, assim instrumento para o desempenho
como para garantir vagas a todos os acadêmico ou profissional. Antes, o
seus estudantes a fim de cursarem conhecimento resulta da apreensão
outro itinerário. Feita a integração da realidade pelos seres humanos,
dos componentes, pode-se estender num processo histórico em que bus-
a carga horária global do curso para camos compreender nossas necessi-
que o estudante curse, simultanea- dades e produzir meios para satisfa-
mente, mais de um itinerário. Assim, zê-las. Esse é o próprio processo do
o currículo do Ensino Médio Integra- trabalho o qual gera conhecimentos
do, ainda, que, compulsoriamente, e novos modos de vida. Explica-se,
tenha a formação básica comum li- assim, a unidade entre trabalho, ci-
mitada a 1800 horas, poderia chegar ência e cultura que fundamenta a
a 3.200 horas; sendo 600 horas consi- concepção do Ensino Médio Integra-
deradas como itinerário da Educação do.
Profissional pela Lei nº 13.415/2017 É fundamental saber que o cará-
(o que as igualariam às escolas das ter contraditório do trabalho e a sua
demais redes) e as demais 800 horas relação com o capital fazem com que
voltadas para atender às Dcnept vi- ele seja determinado pelo tempo de
gentes ou à oferta de outro itinerá- necessidade, mas em busca do tem-
rio. Acende-se, assim, uma vela para po de liberdade. Na contradição, a
cada norma, em nome da formação conquista política da educação é,
integrada. Resta saber se esse será o também, necessidade do capital,
pecado fatal ou sua remissão. dado o avanço das forças produti-
vas. No entanto, essas disputas têm
Considerações finais um fundamento filosófico, pois im-
plicam compreender o ser humano
A luta pelo Ensino Médio Integra-
como capaz de produzir sua existên-
do é a luta pelo direito a uma forma-
cia pelo desenvolvimento de todas
ção humana e plena, tendo o traba-
as suas habilidades. É preciso pensar
lho como princípio educativo em um
qual é o sentido da educação em
currículo centrado nas dimensões
termos da formação humana, pois
fundamentais da vida: o trabalho, a
sua relação, com o trabalho, não é só
ciência e a cultura. Por essa concep-
instrumental, mas, sim, de realização
ção de formação, o conhecimento
ontológica. Não desprendamos o
não é, somente, um insumo ou um
nosso trabalho de nossa concepção
42
FRIGOTTO, Gaudencio. A produtivi- RAMOS, Marise. A pedagogia das
dade da escola improdutiva. 7. ed. competências: autonomia ou adap-
São Paulo: Cortez, 2004. tação?. São Paulo: Cortez, 2001.
FRIGOTTO, Gaudencio; CIAVATTA, RAMOS, Marise; MORATORI, Raquel.
Maria; RAMOS, Marise. Ensino Mé- Uma reflexão sobre o conceito de
dio Integrado: concepção e contra- cultura e sua relação com o traba-
dições. São Paulo: Cortez, 2005. lho e a ciência no projeto educativo.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e In: GALVÃO, Gregório; VELASQUES,
a organização da cultura por Anto- Muza; BATISTELLA, Renata. Cultura,
nio Gramsci. Rio de Janeiro, Civiliza- politecnia e imagem. Rio de Janei-
ção Brasileira, 1968. ro: EPSJV, 2017. p. 65-90.
44
Concluída essa etapa, em maio O trabalho colaborativo contou
de 2015, a Comissão ampliou a parti- com o engajamento do corpo do-
cipação da comunidade no trabalho cente, que considerou produtivo e
organizacional a partir da inclusão necessário o trabalho conjunto, a fim
de membros representantes dos es- de melhor conhecer as demandas
tudantes e dos técnicos-adminis- das várias disciplinas hoje trabalha-
trativos. Analisados os resultados das no EMI.
dos diagnósticos, a nova Comissão Ainda durante o processo de
constituída ponderou a necessidade construção da matriz curricular, a Co-
de sua formação teórica para funda- missão passou a preocupar-se com
mentar as futuras propostas. Iniciou- os impactos da implantação da nova
se, assim, um período de estudos, proposta, que se desenhava ousada.
que compreendeu leitura e discus- Entrou em contato, portanto, com
são de documentos e legislação e a Pró-reitora de Ensino do IFSP, em
participação em eventos que contri- especial com sua Diretoria de Educa-
buíram para a discussão do EMI. ção Básica para apresentar a propos-
Essa etapa de estudos fortaleceu ta e solicitar apoio ao projeto.
a comissão na definição de concei- A proposta obteve imediato aco-
tos a serem compartilhados com a lhimento, pois vinha ao encontro das
comunidade escolar e, a partir de discussões e reflexões acerca do EMI
então, iniciar a construção colabora- que já ocupavam as atenções da ges-
tiva da proposta de reestruturação. tão do IFSP. Em 2015, o IFSP promo-
A primeira iniciativa foi apresentar veu diversas ações que envolviam o
aos segmentos docente e técnico EMI, como: reformulação colabora-
-administrativo os conceitos norte- tiva da Organização Didática para o
adores da proposta preliminar. Em EMI, envio de servidor para oficinas
seguida, executou-se uma dinâmica sobre integração curricular promo-
de grupos, na qual os membros ela- vidas pelo CONIF, organização do
boraram propostas de componentes Congresso de Educação Profissional
curriculares que pudessem compor e Tecnológica (CONEPT) com o EMI
o currículo, a partir do conceito de como tema, fomento à participação
integração e indissociabilidade entre de servidor no programa Professores
ciência, tecnologia, trabalho e cultu- para o Futuro.
ra (BRASIL, 2007).
Em outubro de 2016, a Diretoria
46
do jurídico, além de uma necessi- Nessa perspectiva, surge o de-
dade social incontestável” (Ramos, safio de suplantar a tradicional seg-
2010. p. 42). Portanto, além de pau- mentação curricular e procurar um
tada em documentos referenciais1, formato que deixe transparecer o
a proposta em questão sempre pri- vínculo entre essas categorias. Para
mou pelo direito à educação pública isso, vemos como alternativa que os
de qualidade, adequada a um proje- professores trabalhem colaborativa-
to de ensino médio que integra tra- mente, em componentes curricula-
balho, ciência e cultura no sentido dares que integrem diversas disciplinas
formação unitária, politécnica e om- e conteúdos do ensino médio e do
nilateral (MOLL, 2010). ensino profissional. Descrevemos
Em primeiro lugar, estamos con- abaixo alguns pilares que compõem
victos de que se quer formar um a proposta:
profissional capaz de se inserir no a) Integralização: o curso se-
mercado de trabalho. No entanto, ria integralizado em quatro anos.
essa formação vai muito além de um Diante da perspectiva de amplia-
atendimento a vagas disponíveis nas ção da carga horária do ensino mé-
empresas. Apesar de estarmos cien- dio, consideramos que a concen-
tes de que a inserção profissional é tração do curso em três anos viria
socialmente necessária à maioria dos obrigar o estudante a permanecer
nossos alunos, não é nosso objetivo mais que cinco horas em sala de
vincular a oferta de formação profis- aula, tomando espaços que pode-
sional às necessidades – volúveis, há riam ser usados para desenvolvi-
que se acrescentar – do mercado. A mento de projetos, para convivên-
finalidade de nossos cursos integra- cia, para as artes, ou seja, tomaria
dos deve ser a de proporcionar aos um espaço de uso da criatividade,
jovens uma formação global, que o da prática da cidadania e da apli-
prepare para o trabalho, para a cida- cação dos diversos conhecimen-
dania e para a continuação dos estu- tos. A decisão se pautou também
dos e, sobretudo, que coloque Tra- na percepção dos alunos egressos
balho, Ciência, Tecnologia e Cultura e dos anos finais do EMI atualmen-
como categorias indissociáveis. te desenvolvidos em Sertãozinho
1 Neste artigo, não aprofundaremos a análise dos documentos que orientaram o trabalho
da Comissão. Porém, a legislação e diretrizes curriculares estão implícitas na proposta e
constam nas referências deste artigo.
48
da equipe gestora, do setor socio- g) Mentoria: a fim de dar apoio
educativo e de todo o corpo do- ao estudante em seu percurso por
cente. um currículo flexível, é essencial a
f) Flexibilização curricular (“Tri- figura do mentor, um servidor res-
lhas formativas”): a definição da ponsável por orientar um grupo
habilitação em curso só é possível de estudantes ao longo do curso.
com um currículo flexível, que per- Este seria definido no início de
mita ao estudante diversas alter- cada turma e receberia um grupo
nativas formativas. Essas alternati- de alunos sobre o qual teria res-
vas, ou “trilhas formativas”, seriam ponsabilidade de acompanhar
representadas pelos componentes até o fim do curso. Essa mentoria
curriculares eletivos, que repre- tem os objetivos de orientar a or-
sentam escolhas do estudante na ganização dos estudos, orientar as
composição de sua carga horária. estratégias de acesso aos serviços
O currículo teria um conjunto de que a instituição oferta e, em últi-
componentes obrigatórios, que ma instância promover a autono-
desenvolveriam conhecimentos mia do aprendiz em suas buscas e
fundamentais para a formação ge- escolhas.
ral e profissional. A carga horária h) Comissão de acompanha-
necessária para a formação do es- mento: inspirada no Núcleo Do-
tudante no EMI seria complemen- cente Estruturante dos cursos
tada por disciplinas eletivas, que superiores, a Comissão de Acom-
teriam por principal objetivo a de- panhamento teria por finalidade
finição de sua habilitação. Porém, acompanhar a implantação do
não há obrigatoriedade de que novo curso EMI, avaliar seu desen-
o estudante curse componentes volvimento e propor alterações,
eletivos de uma única habilitação. se necessárias. A diferença entre
Por um lado, há componentes cur- o NDE e a Comissão de Acompa-
riculares eletivos que contariam nhamento é que, enquanto aquele
carga horária para mais de uma é composto apenas por docentes,
habilitação. Além disso, faz parte esta teria representantes de, pelo
desta proposta a possibilidade de menos, três segmentos: docentes,
o estudante personalizar e diversi- técnicos-administrativos (obriga-
ficar seu itinerário formativo. tório um pedagogo) e alunos.
50
Conteúdo programático: Estrutura e Composição Celular, Compo-
nentes celulares, Organização dos Micro-organismos, suas funções e Me-
tabolismo (Citologia); Sensores, Elementos finais de controle, Controlado-
res lógicos programáveis, Linguagens de programação para CLP, Sistemas
supervisórios (Instrumentação e Automação de Processos Industriais); O
trabalho, a economia e a sociedade; Modos de produção; Trabalho e desi-
gualdade social; Novas relações de trabalho (Sociologia).
52
MOLL, J. et. al. Educação profissio-
nal e tecnológica no Brasil Con-
temporâneo: desafios, tensões e
possibilidades. Porto Alegre: Artmed,
2010.
54
sultados das atividades desenvolvi- dês, Pasi Sahlberg, aponta que não
das na capacitação na Finlândia e de há uma única razão para o sucesso ou
atividades de pesquisa aplicada nos insucesso de um sistema educacio-
Instituto Federais de Alagoas (cam- nal; pelo contrário, trata-se de uma
pus Marechal Deodoro), do Norte de rede interligada de diversos fatores
Minas Gerais (campus Januária), de – educacionais, políticos e culturais,
Mato Grosso (campus Várzea Gran- que funcionam de forma diferente
de), da Paraíba (campus Cabedelo e em diferentes situações. E o autor vai
campus Cabedelo Centro) e de São além, relata que o sistema educacio-
Paulo (campus Sertãozinho) . nal finlandês importou muitas ideias,
Segundo, não se trata simples- inspirações e inovações pedagógicas
mente de utilizar o modelo finlandês de outros países, mas o compromis-
como uma réplica para o sistema so com o “Sonho Finlandês” (Finnish
educacional brasileiro. Até porque, Dream) – uma excelente escola pú-
aspectos culturais, sociais, políticos e blica para toda criança – levou o país
econômicos podem ser determinan- a construir o seu próprio sistema
tes para os modelos educacionais educacional, conhecido como Fin-
de cada país, ou como afirma Ramos nish Way (SAHLBERG, 2015).
(2008, p.12): “cada realidade social, Segundo Sahlberg (2015), o Fin-
cada povo, tem a sua história e a sua nish Way preserva o que há de me-
necessidade. Portanto, o que vem lhor na tradição finlandesa (como
como reforma em nome da tendên- confiança – inclusive na política e nos
cia mundial requer muito cuidado”. serviços públicos, incremento da au-
Nesse sentido, entendemos que o tonomia, tolerância à diversidade), e
modelo educacional finlandês serve combina essas boas práticas com as
como elemento motivador para aná- inovações pedagógicas oriundas de
lises de necessidades que se expan- outras experiências internacionais.
dem desde o nível nacional ao local Da mesma forma, o autor corrobora
e, para tanto, podem trazer aplica- com a afirmação de Ramos (2008),
ções práticas para a realidade brasi- quando também orienta que ainda
leira. que haja limites quanto à transferên-
Nesse ponto, é importante regis- cia do modelo finlandês para outros
trar que uma das maiores referências países, algumas lições básicas po-
sobre o sistema educacional finlan- dem ser aplicadas a outros sistemas
educacionais: como o fortalecimen-
56
um projeto formativo para o Ensino A Finlândia sofreu mudanças
Médio e Profissional no Brasil em di- importantes logo após a segunda
reção aos interesses do mercado, e Guerra Mundial, que impactaram na
não do interesse discente. Cenário sua estrutura política, social e eco-
este que se fortalece, atualmente, nômica. O país sofreu perdas consi-
pela “Reforma do Ensino Médio” (Lei deráveis durante sua participação
13.415/2017). na guerra e, por isso, o período pós-
Quanto à Finlândia, numa direção guerra foi marcado por instabilidade
contrária, verifica-se que o país bus- política e transformação econômica.
cou uma outra via para implementar Por outro lado, tal cenário fez emer-
sua reforma educacional, diferente girem novas ideias e políticas sociais,
de uma reforma ideologicamente dentre elas a defesa de uma educa-
baseada no mercado, segundo Sahl- ção igualitária. Ou seja, desde então,
berg (2015). O autor complementa a educação tornou-se o principal ve-
que, ao contrário, a melhor maneira ículo de transformação social e eco-
para se resolverem problemas crôni- nômica no país (SAHLBERG, 2015).
cos em muitos sistemas educacionais Na década de 70, pautada pelos va-
não consiste em se livrar dos conse- lores de equidade e justiça social, a
lhos escolares e recorrer a processos Finlândia implementou seu novo
como privatização. E ainda, o sistema Comprehensive School (equivalen-
educacional finlandês tem seu enfo- te ao nosso Ensino Fundamental), e
que na equidade e cooperação e não posteriormente o novo Upper Secon-
na competição. dary School (equivalente ao nosso
nível médio) em meados da década
Então a primeira característica de 80. Um outro elemento importan-
que nos chama atenção no sistema te no cenário finlandês é a mudança
educacional finlandês refere-se à identitária na metodologia de ensino
universalização da educação pública, que promoveu o deslocamento ide-
gratuita e de qualidade para os cida- ológico no ensino que centrava-se
dãos finlandeses. Visando contextua- no professor para partir do aluno, o
lizar essa conquista, apresentamos a renomado student-centred approach.
seguir um histórico breve da Finlân-
dia no pós-guerra, que apresenta o Verifica-se, portanto, que a Fin-
cenário em que o Finnish Dream foi lândia não construiu um novo sis-
concebido. tema de ensino “de uma hora pra
outra”. Sahlberg (2015) defende que
58
um lugar de destaque, pois “é aquele a formação profissional se opõe ao
possível e necessário em uma reali- direcionamento restrito aos interes-
dade conjunturalmente desfavorável ses do mercado. Quanto à terceira
(...), mas que potencialize mudanças dimensão, trata-se da organização
para, superando-se essa conjuntura, de um currículo interdisciplinar, que
constituir-se em uma educação que possibilite aos estudantes apreende-
contenha elementos de uma socie- rem o conhecimento na sua totali-
dade justa” (FRIGOTTO; CIAVATTA; dade e na sua relação com o mundo
RAMOS, 2005, p. 44). real, o que pode ser, por exemplo,
pela integração entre conteúdos e
2.2. Construindo “trilhas forma- disciplinas. Assim, como afirma Ra-
mos “o currículo integrado organi-
tivas”: uma possibilidade para o
za o conhecimento e desenvolve o
currículo integrado processo de ensino-aprendizagem
A noção de currículo integrado, de forma que os conceitos sejam
segundo Ramos (2008), pode reme- apreendidos como sistema de rela-
ter a três dimensões específicas, mas ções de uma totalidade concreta que
complementares entre si. A primei- se pretende explicar/compreender”
ra delas se refere à forma de oferta (RAMOS, 2005, p.116).
de Educação Profissional Técnica de Voltando agora à realidade da
Nível Médio, sendo os cursos Técni- Finlândia, um currículo integrado,
cos Integrados ao Ensino Médio por nessa perspectiva, une três conceitos
meio de matrícula e projeto peda- basilares na concepção finlandesa de
gógico únicos, o que não garante, educação: o saber (aqui fazendo re-
necessariamente, que a segunda e a ferência ao conhecimento teórico); o
terceira dimensão da integração se- fazer (o conhecimento prático e sua
jam de fato vislumbradas pela orga- aplicabilidade); e o ser (concentran-
nização pedagógica e curricular do do-se essencialmente na perspecti-
curso. Isso porque a segunda dimen- va que coloca o aluno no centro da
são se refere ao projeto de sociedade aprendizagem e promove a união
que buscamos construir por meio de entre teoria e prática).
um processo educativo que integre Apresentamos a seguir algumas
ciência, trabalho e cultura nos pla- características do Ensino de nível
nos de formação geral e profissional Médio no país que serve de inspira-
(RAMOS, 2005). Nessa perspectiva, ção para esta proposta.
60
especialização precoce em determi- odo escolar de 6 a 7 semanas, depen-
nadas áreas do conhecimento. Pelo dendo da escola). Então teremos His-
contrário, o sistema educacional fin- tória I, História II, História III e História
landês é regulamentado por diretri- IV. Esses módulos, obrigatórios para
zes e outras normativas construídas os estudantes, devem ser cursados
coletivamente e por ampla represen- durante os três anos de curso, nos
tação, que têm como foco a garantia períodos identificados em cada um
da equidade e qualidade do ensino. deles, ou seja, cada estudante orga-
Assim, tanto o Ensino Médio regular niza sua “trilha formativa” (BARBOSA
quanto o Profissional possuem dire- et al, 2016) personalizada, seja no En-
trizes pré-estabelecidas, que garan- sino Médio regular ou Profissional. E
tem a todos estudantes o acesso ao mais, caso determinado aluno tenha
conhecimento geral e profissional, se interesse em se especializar em His-
for o caso; ao mesmo tempo em que tória, pode cumprir módulos extras
respeita a autonomia das escolas e de especialização nessa área dentro
os professores na organização dos do percentual da carga horária des-
seus espaços pedagógicos. tinado a esse fim e em acordo com a
O currículo é organizado em mó- sua disponibilidade de horário livre.
dulos de curta duração (em torno de Em relação ao currículo da Voca-
6 ou 7 semanas, sendo 5 períodos por tional Upper Secondary School, o es-
ano), mas com carga horária semanal tudante deve cumprir unidades refe-
concentrada (de 6 aulas semanais rentes à formação profissional, outras
para cada módulo, por exemplo), o referentes à formação propedêutica,
que faz com que os estudantes te- unidades optativas complementa-
nham que gerenciar, a cada período res e eletivas (em outras instituições,
do ano letivo, em torno de cinco a por exemplo). Além disso, um des-
sete módulos, conferindo maior de- taque nessa modalidade de ensino
dicação e qualidade dos estudos de se refere à articulação com o setor
cada aluno e de sua relação com os produtivo, já que os estudantes po-
professores. dem cumprir parte do seu currículo
Vamos ilustrar com um exemplo: diretamente nas empresas e/ou ser-
a disciplina de História pode ser divi- viços e ainda têm que cumprir pelo
dida em 04 módulos (cada um com menos 06 meses de estágio, dentre
início e duração dentro daquele perí- outras atividades que fortalecem o
vínculo entre a formação acadêmica,
62
havendo conexões interdisciplinares formados em 05 Institutos Federais
de aplicação prática entre elas. (IFAL, IFNMG, IFMT, IFPB e IFSP), indi-
Imaginemos quantos estudantes cam as possibilidades que veremos
são reprovados em uma, duas, três, adiante.
talvez até mais disciplinas, mas aca- Organização do currículo em pe-
bam repetindo toda a série escolar ríodos de curta duração, ao invés de
porque a “grade” de disciplinas e ho- períodos anuais (por exemplo: 10 ou
rários é fechada e não permite que 20 semanas). Os conteúdos seriam
os estudantes adequem possíveis organizados em unidades curricula-
dependências. E até mesmo a inser- res e não em disciplinas, de acordo
ção de disciplinas de 'dependência' com temas ou eixos geradores, que
somente pode ser realizada em ano podem ser desenvolvidos por mais
posterior à reprovação do aluno, fato de um professor, se for o caso, pos-
que por si só pode gerar inúmeras di- sibilitando o ensino em equipe inter/
ficuldades como mudança de docen- multidisciplinar, estratégia que apre-
te - o que implica diferente estilo de senta múltiplas vantagens para to-
ensino, ausência do docente no ho- dos os atores do processo de ensino
rário da 'dependência'’ - o que pode e aprendizagem. Por exemplo: uma
alongar ainda mais o processo de re- unidade curricular poderia ser cha-
cuperação do conhecimento, exces- mada de “Tragédias Ambientais Bra-
so de disciplinas, ausência de horário sileiras”, em que conhecimentos de
disponível do discente em virtude diversas áreas se articulam na defi-
de participação em estágio, só para nição, pesquisa e análise das ativida-
enumerar algumas dificuldades. des, problemas ou projetos propos-
Essas reflexões são importantes tos. Ou uma unidade de “Geometria
para que algumas possibilidades, Espacial”, ou quem sabe, “Fundamen-
construídas a partir de elementos tos de Genética aplicados à Zootec-
do sistema educacional finlandês, nia”. Uma orientação importante se
possam ser apresentadas a partir de refere ao fato de que a construção
agora. Barbosa et al. (2016), em do- dos projetos pedagógicos é tarefa
cumento que propõe diretrizes para de cada instituição, preferencialmen-
um currículo inovador para o Ensino te de forma coletiva, envolvendo a
Médio Integrado, após um ciclo de comunidade escolar, comunidade
discussões com grupos de trabalho externa e partindo da análise do pro-
cesso de produção e suas múltiplas
64
os requisitos mínimos para aprova- nal para participar de atividades de
ção na(s) unidade(s) curricular(es), seu interesse pessoal e profissional,
tenham maior tempo para estudos elementos já mencionados anterior-
de recuperação (inclusive antes do mente e que são imprescindíveis
final do ano, já que a progressão não para a manutenção do bem-estar fí-
estaria mais atrelada a um conjunto sico e mental discente, quiçá docen-
de disciplinas), e mesmo que não te, do mesmo modo. Verifica-se que
aprovados nas atividades de recupe- num curso de quatro anos esse “tem-
ração, caberá aos estudantes cursar po livre” é ainda maior, e mesmo que
apenas a(s) unidade(s) curricular(es) o tempo mínimo de integralização
novamente, em algum momento do seja estipulado em três anos, caso o
seu percurso formativo, não sendo estudante tenha que cursar unida-
mais necessário que estudantes re- des curriculares pendentes após esse
pitam toda uma série escolar, o que período (ainda que não seja durante
poderá contribuir consideravelmen- todo um ano), não se trata de um
te para diminuir os índices de reten- ano adicional por reprovação, mas
ção e evasão. do cumprimento de um percurso em
Por fim, o planejamento da “Tri- que o próprio estudante foi protago-
lha Formativa” pode ser feito como nista na construção.
previsão geral no início do curso, A seguir, algumas informações
mas pode ser alterado sempre que importantes sobre a atuação do “pro-
houver necessidade e mudança dos fessor conselheiro” (career guidance
interesses dos alunos. Na verdade, é and counseling) e sua conexão com a
essencial que o planejamento seja aprendizagem centrada no aluno.
revisado no início de cada período,
pois sabemos que ao tomar conhe- 2.3. Professor Conselheiro: figura
cimento e experimentar outras disci-
central no modelo finlandês
plinas os alunos podem desenvolver
novos interesses e ajustar suas esco- Há uma pergunta que necessi-
lhas pessoais o que, eventualmente, tamos fazer inicialmente: é permiti-
poderá levar às escolhas profissio- do aos estudantes de Ensino Médio
nais. Além disso, essa organização regular e integrado - e eles são en-
por unidades permite que estudan- corajados a - tomar decisões sobre
tes tenham, na maioria dos períodos sua trajetória de aprendizagem? A
cursados, espaço no horário sema- grosso modo podemos inferir que
66
em termos de questões educacionais melhante por meio do Professor-Tu-
como também as profissionais, como tor que é alocado para uma turma
já foi mencionado, podendo ain- e, usualmente, auxilia essa turma ou
da indicar outros profissionais caso discente individualmente a resolver
perceba necessidades de aconselha- questões relativas às habilidades de
mento pessoal. Para tanto, Barbosa aprendizagem, expectativas profis-
et al (2016) pesquisaram em seus ci- sionais, dificuldades - acadêmicas ou
clos de discussão e concluíram que, não, ausências, assistência social e
para se tornar um, o professor ou ser- financeira, momentos em que o Pro-
vidor público que trabalha na escola fessor-Tutor irá transferir o seu auxílio
ou Instituição de ensino deve passar para os departamentos competentes
por um treinamento apropriado para (BARBOSA et al., 2016).
desenvolver habilidades de escuta A função, como já elencado ante-
e orientação em conformidade com riormente, seria promover a reflexão
as competências e necessidades dis- colaborativa e com base nas neces-
centes, apenas para elencar algumas sidades discentes sem apontar o
características essenciais. caminho, mas deixando sempre a li-
Além disso, o servidor deve estar berdade de ação discente na tomada
ciente do currículo com que traba- de decisão. O pontapé inicial seria o
lha e ser empático com a comunida- desenho da “Trilha formativa” do dis-
de escolar e a família. O treinamen- cente, auxiliando-o na escolha das
to deve ser organizado e oferecido unidades, dos horários, espaços de
pela instituição de ensino e aberto a estudo e de realização de tarefas de
qualquer servidor que desejar fazer casa, individuais e em grupo. Após a
parte. O perfil e os campos de atua- conclusão dessa fase, ficariam esta-
ção do Professor Conselheiro devem belecidos encontros para avaliação
fazer parte de uma construção cole- da “Trilha” selecionada, o que pode-
tiva com todos os atores que fazem ria incorrer em uma modificação ou
parte do ambiente de ensino-apren- manutenção das escolhas realizadas.
dizagem em cada localidade e con- Ao final do ano, mais um encontro te-
siderando as necessidades nacionais, ria a “Trilha” como elemento de pau-
locais e suas idiossincrasias. ta para uma avaliação das escolhas
Alguns dos campi apontaram e já potencial seleção das próximas
que já lançam mão de estratégia se- disciplinas ou elementos curriculares
para os anos seguintes.
68
culo integrado no Brasil. Verifica-se, p. 57-76.
ainda, que a figura do Professor Con-
selheiro é central nesse processo. BARBOSA et al. Rethinking the cur-
riculum: calling teachers to discuss
As orientações construídas coleti- and propose new perspectives for
vamente por profissionais dos cinco the curricular design. Tampere – FI:
Institutos Federais e apresentadas Tamk, 2016. [Relatório técnico]
neste trabalho (BARBOSA et al., 2016)
confirmam essas possibilidades, ain- FRIGOTTO, G.; CIAVATTA; M..; RAMOS,
da que não tenham sido aplicadas M. (Orgs). Ensino Médio Integrado:
na prática, até o momento. O que se concepções e contradições. São Pau-
pretende dizer com essa afirmação lo: Cortez, 2005.
é que a construção de tais diretrizes
indica uma possibilidade de mudan- MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTE-
ça, algo como um “ponto de partida” RIORES (ITAMARATY). O sistema de
para os enfrentamentos que virão. ensino finlandês: os pilares de uma
Isso porque não restam dúvidas sociedade baseada no conhecimen-
quanto à existência de profissionais to. In: _______. Mundo Afora: Edu-
dispostos a refletir, discutir, propor cação Básica e Ensino Médio. Dispo-
e implementar; e, nesse movimen- nível em: <http://www.dc.itamaraty.
to, experiências como a da Finlândia gov.br/publicacoes/colecao-mundo
podem nos indicar possibilidades de -afora/Mundo%20Afora%20n11%20
ações. v11%20WEB%20single.pdf/> Acesso
em: 30 set. 2016.
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ANTIKAINEN, A. A reestruturação do comparações internacionais: Brasil,
Modelo Nórdico de Educação. Revis- Inglaterra e Finlândia. Educação e
ta Lusófona de Educação, Lisboa, Sociedade, Campinas, v.38, nº 139,
v.11, p. 31-48, 2008. p. 405-429, abr.-jun., 2017.
ASBAHR, S.F.S; SANCHES, Y.C.S. Trans- MOURA, D.H. (Org.). Educação Pro-
formação social: uma possibilidade fissional: desafios teórico-metodo-
da educação escolar? In: PARO, V.H. lógicos e políticas públicas. Natal:
(Org.). A teoria do valor em Marx e IFRN, 2016.
a educação. São Paulo: Cortez, 2006, OLIVEIRA, R.. A (des)qualificação da
70
PROJETOS DE REFORMULAÇÃO DO ENSINO MÉDIO E
INTER-RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
(IM)POSSIBILIDADES DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
Monica Ribeiro da Silva
Universidade Federal do Paraná
E-mail: monicars@ufpr.br
72
momento, em que se vê exacerbada lidade a novas condições de ocupa-
ção ou aperfeiçoamento posterio-
a disputa em torno dos projetos para
res; [...]
o EM e para a EPTNM, explicitada na
IV – a compreensão dos fundamen-
iniciativa da Câmara dos Deputados tos científico-tecnológicos dos pro-
com vistas a alterar a LDB por meio cessos produtivos, relacionando a
do Projeto de Lei nº 6.840/2013. Por teoria com a prática, no ensino de
cada disciplina.
fim, nos referimos à reforma do Ensi-
no Médio iniciada com a Medida Pro-
visória nº 746/2016, aprovada como No art. 36, sobre a organização
Lei nº 13.415/2017, e que traz graves curricular, a LDB propõe:
implicações seja para o EM, seja para O currículo do Ensino Médio obser-
a EPTNM. Para esta, a reforma em vará o disposto na Seção I deste ca-
curso significa a inviabilização pla- pítulo e as seguintes diretrizes:
nejada da continuidade da oferta do I – destacará a educação tecno-
lógica básica, a compreensão do
Ensino Médio Integrado.
significado da ciência, das letras e
das artes; o processo histórico de
2 A LDB de 1996 e as DCN de 1998 transformação da sociedade e da
cultura; a língua portuguesa como
e 1999 instrumento de comunicação, aces-
so ao conhecimento e exercício da
O artigo 26 da Lei nº 9.394/1996 cidadania;
prescreve a composição do currículo II – adotará metodologias de ensino
por meio de uma base comum nacio- e de avaliação que estimulem a ini-
ciativa dos estudantes;
nal e de uma parte diversificada. A
I – domínio dos princípios científi-
complementação e o detalhamento cos e tecnológicos que presidem a
dessas prescrições encontram-se nas produção moderna;
Diretrizes Curriculares Nacionais for- § 2º – O Ensino Médio, atendida a
muladas pelo Conselho Nacional de formação geral do educando, po-
derá prepará-lo para o exercício de
Educação. Do que afirma a LDB para
profissões técnicas.
o EM e para a EPTNM, destacamos a
§ 4º – A preparação geral para o
configuração da Educação Profissio- trabalho e, facultativamente, a ha-
nal como modalidade de oferta, ain- bilitação profissional, poderão ser
da que o art. 35 afirme que: desenvolvidas nos próprios estabe-
lecimentos de Ensino Médio ou em
II – a preparação básica para o traba- cooperação com instituições espe-
lho e a cidadania do educando, para cializadas em Educação Profissional.
continuar aprendendo, de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibi-
74
diferentes tecnologias relativas às Essa racionalidade supõe que, num
áreas de atuação. (BRASIL, PCNEM, mundo em que a tecnologia revo-
1999). luciona todos os âmbitos de vida,
e, ao disseminar informação amplia
as possibilidades de escolha, mas
também a incerteza, a identidade
As relações entre transformações autônoma se constitui a partir da
tecnológicas e necessidade de mu- ética, da estética e da política, mas
danças na educação escolar caracte- precisa estar ancorada em conheci-
mentos e competências intelectu-
rizam uma percepção linear e deter- ais que deem acesso a significados
minista sobre esta última, como se a verdadeiros sobre o mundo físico e
formação humana se restringisse ex- social. Esses conhecimentos e com-
petências é que dão sustentação à
clusivamente a formar para o merca- análise, à prospecção e à solução de
do de trabalho, e “circunscreve uma problemas, à capacidade de tomar
visão parcial e limitada do papel da decisões, à adaptabilidade a situa-
ções novas, à arte de dar sentido a
escola, pois a restringe à formação um mundo em mutação. (BRASIL,
para o mercado e à observância à ló- CNE/CEB, PARECER 15/1998).
gica mercantil” (SILVA, 2008, p. 76).
No Parecer CNE/CEB nº 15/1998,
Por sua vez, o Parecer CNE/CEB nº
que estabelece as Diretrizes Curricu-
16/1999 das Diretrizes Curriculares
lares Nacionais para o Ensino Médio,
Nacionais para a Educação Profissio-
as finalidades desta etapa da Educa-
nal é assentado, também, na noção
ção Básica estão vinculadas à ade-
de competências para o mercado.
quação (e subordinação) da escola
Ambas as Diretrizes reiteram o cará-
às mudanças nas formas de organi-
ter pragmático que deveria adquirir
zação do trabalho produtivo com
a formação dos indivíduos, prag-
base na “globalização econômica e
matismo oriundo da subordinação
(na) revolução tecnológica”. O alcan-
da educação à forma alienada do
ce da anunciada finalidade levaria ao
trabalho em nossa sociedade. Para
encontro da noção de competências
fundamentar esse intento, o Parecer
que, aliada aos princípios da estética
16/1999 assim se refere à noção de
da sensibilidade, da política da igual-
competências:
dade e da ética da identidade (BRASIL,
Quando competências básicas pas-
CNE/CEB, Parecer 15/1998), produzi- sam a ser cada vez mais valorizadas
ria a racionalidade capaz de atender no âmbito do trabalho, e quando
às ditas demandas da produção pós a convivência e as práticas sociais
na vida cotidiana são invadidas em
-industrial.
76
consagrando uma formação para o Médio e, aliado a essas proposições,
trabalho em sentido diametralmente o reconhecimento dos sujeitos, so-
oposto ao que vinham reivindican- bretudo dos jovens, como basilar na
do as ditas mudanças tecnológicas e configuração das finalidades da últi-
organizacionais a que nos referimos ma etapa da Educação Básica1.
anteriormente e que, ainda que car- O Decreto 5.154/2004, que pos-
regado de imediatismo e reducionis- sibilita a oferta integrada da Educa-
mos, se faziam presentes também ção Profissional – o Ensino Médio In-
nas justificativas da reformulação tegrado –, passa a compor as bases
curricular. dos projetos de reformulação tam-
bém do EM: é o que identificamos
2. Novo Decreto, novas DCN, nos documentos2 que antecedem ao
novos rumos? Programa Ensino Médio Inovador e
que dá sustentação tanto a este Pro-
No período subsequente, estabe- grama quanto ao processo de “atua-
lecemos como marco inicial dos iti- lização” das DCN para o EM e para a
nerários de reformulação do EM e da EPTNM. A base para as novas DCNEM
EPTNM o evento realizado em Brasí- (Parecer CNE/CEB 05/2011 e Resolu-
lia em junho de 2003 – o Seminário ção CNE/CEB 2/2012) foi o texto do
Nacional de Ensino Médio. Organi- coletivo social elaborado com vistas
zado pela Secretaria de Ensino Mé- à atualização das DCNEP, o que, por
dio e Tecnológico (Semtec), já neste si só, sinaliza uma aproximação entre
momento, são enunciadas as ideias as propostas de reformulação, não
centrais que darão sustentação con- fossem os deslocamentos de sentido
ceitual, epistemológica e metodoló- ocasionados no percurso da incor-
gica às trajetórias que assumirão as poração das proposições ao Parecer
iniciativas de reformulação do EM e e Resolução da EPTNM (SILVA; BER-
da EPTNM: trabalho, ciência e cultura NARDIM, 2014).
como conceitos estruturantes, base
As bases teóricas que deram fun-
da formação humana e da organiza-
damentação para o Ensino Médio In-
ção pedagógico-curricular do Ensino
1 A síntese das discussões está publicada no livro Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho,
organizado por Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta. Brasília: MEC, Semtec, 2004.
2 “Reestruturação e Expansão do Ensino Médio no Brasil” (BRASIL, MEC/SEB, versão preli-
minar, abril de 2008); e “Ensino Médio Integrado: uma perspectiva abrangente na política
pública educacional” (BRASIL, MEC/SEB, versão preliminar, junho de 2008).
78
básica e formação técnica específica, Ensino Médio oferecido no país “não
conferindo hegemonia para a forma corresponde às expectativas dos jo-
concomitante e em parceria com o vens, especialmente no tocante à
setor privado, e impondo fragilidade sua inserção na vida profissional, e
e perda de centralidade do Ensino vem apresentando resultados que
Médio Integrado. não correspondem ao crescimento
social e econômico”. Foram mais de
3. Outros cenários da disputa 19 meses de trabalho, 22 Audiências
Públicas, quatro Seminários Estadu-
por um projeto hegemônico
ais e um Seminário Nacional. Des-
Em 15 de março de 2012, poucos se processo, resultou o Relatório da
dias após terem sido homologadas Comissão, que se transformou no PL
as novas DCN para o Ensino Médio, é 6.840/2013.
criada, na Câmara dos Deputados, a As principais propostas desse
“Comissão Especial destinada a pro- Projeto de Lei são: (i) o Ensino Médio
mover Estudos e Proposições para diurno em jornada de 7 horas (meta
a Reformulação do Ensino Médio de universalização ao tempo integral
– CEENSI”, por iniciativa do Deputa- em até 20 anos e, no final do décimo
do Reginaldo Lopes (PT-MG)4, que ano, com 50% das matrículas em 50%
assumiu a presidência da comissão. das escolas); (ii) limitação do acesso
Como relator, foi designado o De- ao ensino noturno para menores de
putado Wilson Filho (PTB-PB)5. Con- 18 anos, em até três anos; (iii) Ensi-
forme afirma o relatório da Ceensi, o no Médio noturno com duração de
80
dos estudantes reforça a fragmenta- dições de oferta da maior parte das
ção e a hierarquia do conhecimento escolas brasileiras de Ensino Médio.
escolar e leva à privação do acesso Em resposta ao PL nº 6.840/2013,
ao conhecimento, bem como às for- foi criado o Movimento Nacional em
mas de produção da ciência e suas Defesa do Ensino Médio6 que agrega
implicações éticas, políticas e estéti- entidades representativas da educa-
cas, acesso este considerado relevan- ção brasileira, dentre elas Anped, Ce-
te neste momento histórico em que des, Forumdir e Anfope.
as fusões de campos disciplinares
rompem velhas hierarquias e frag- O Projeto de Lei não teve mo-
mentações. vimentação até outubro de 2014,
quando foram retomadas as audi-
Quanto ao entrelaçamento entre ências públicas. Nesse momento,
EM e EPTNM, a inclusão do incentivo a atuação das entidades que com-
de que, no último ano, o/a estudan- põem o Movimento Nacional em
te fizesse a opção por uma formação Defesa do Ensino Médio foi crucial
profissional contraria o disposto no e contribuiu decisivamente para a
artigo 35 da LDB nº 9.394/1996, des- retirada de propostas que expressa-
considerando a modalidade de En- vam maior preocupação, dentre elas
sino Médio Integrado, mais próxima a opção formativa no terceiro ano, a
da concepção proposta nas DCNEM obrigatoriedade do tempo integral,
e já em prática nas redes estadual e a proposta dos temas transversais, a
federal. Implicaria, também, em uma proibição de acesso dos menores de
oferta precarizada, haja vista as con- 17 anos ao Ensino Médio noturno e
6 O Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio é composto por 10 entidades do cam-
po educacional: Anped (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação),
Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade), Forumdir (Fórum Nacional de Diretores
das Faculdades de Educação), Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissio-
nais da Educação), Sociedade Brasileira de Física, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo
Direito à Educação, Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da educação),
CONIF (Conselho Nacional Das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Cien-
tífica e Tecnológica) e CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), e foi
criado no início de 2014 com vistas a intervir no sentido da não aprovação do Projeto de Lei
nº 6.840/2013. Para esse fim, empreendeu um conjunto de ações junto ao Congresso Na-
cional e ao Ministério da Educação, além da criação de uma petição pública. Os signatários
do Movimento criaram um Manifesto no qual explicitam as divergências com relação ao
Projeto de Lei 6.840/2013. O Manifesto completo, bem como os manifestos de entidades,
está disponível e pode ser acessado em http://movimentoensinomedio.org/ e em www.ob-
servatoriodoensinomedio.ufpr.br.
82
dade escolar irá oferecer. Essa medi- verno, interessa ampliar o tempo de
da, além de significar uma perda de estudo tendo em vista preparar os/as
direito e um enorme prejuízo com estudantes para as provas e exames
relação aos processos formativos da realizados pelo próprio governo.
juventude, fere a autonomia das es- Mais um entre tantos reducionismos
colas na decisão sobre seu projeto trazidos pela reforma proposta e que
político pedagógico, o que até então vai em sentido oposto aos que os es-
estava assegurado na LDB. tudantes têm mostrado como sendo
A LDB foi alterada também em necessários: atividades de múltiplos
outros aspectos com relação ao cur- interesses e formas aliadas ao conhe-
rículo do Ensino Médio: a retirada da cimento escolar que hoje estruturam
obrigatoriedade das disciplinas de as disciplinas escolares.
Filosofia e Sociologia, que passam a Especial atenção merece a pro-
ser tratadas como “estudos práticas”, posta do itinerário formativo relati-
podendo ser ofertadas em qualquer vo à formação técnico-profissional.
outra disciplina ou forma. Ao estabelecer que, para ser docen-
Além dessas determinações, a Lei te nos cursos, não há necessidade
nº 13.415/2017 deu base legal para o de formação especializada, bastan-
Programa de Incentivo ao Ensino Mé- do que o sistema de ensino certifi-
dio de Tempo Integral. No entanto, que um suposto “notório saber”, a
trouxe mais uma evidência de preca- Lei 13.415/2017 desconsidera que,
rização. Ainda que ampliar o tempo para o aprimoramento da qualida-
de permanência na escola possa ser de do ensino, é necessário garantir
interessante, é preciso ter claro qual aos profissionais da educação uma
é a proposta pedagógica que irá sus- sólida formação teórico-prática, pre-
tentar a maior permanência dos/das ferencialmente em cursos superio-
adolescentes e jovens na escola. A res. Além disso, para viabilizar esse
jornada de tempo integral necessita itinerário formativo, foram alteradas
de reestruturação do ambiente físico as regras do financiamento da edu-
e material da escola e uma diversifi- cação pública, por meio do incentivo
cação das atividades oferecidas. Na e da viabilização de parcerias com o
Portaria nº 1.145/2016, publicada setor privado, retirando recursos da
pelo MEC no dia 11 de outubro, fica Educação Básica do país. Essa pos-
clara a intenção de que, para o go- sibilidade visa, claramente, atender
aos interesses do empresariado e
84
a educação da juventude brasileira. NACIONAL EM DEFESA DO ENSINO
MÉDIO, 2016).
Dentre as ações necessárias, o Movi-
mento assevera como essencial
a consolidação de uma organização As ações desse Movimento mos-
curricular que respeite as diferenças
e os interesses dos jovens mas que, tram o quão ainda é imprescindível
ao mesmo tempo, assegure a for- a ação dos movimentos sociais, dos
mação básica comum e de qualida- coletivos organizados em defesa do
de; que se de uma forma de avalia-
ção no Ensino Médio que possibilite direito à educação.
o acompanhamento permanente
Em pouco mais de 20 anos, des-
pelas escolas do desempenho dos
estudantes com vistas à contenção de a LDB de 1996, o Ensino Médio,
do abandono e do insucesso esco- de formação geral ou profissional,
lar; a ampliação dos recursos finan-
foi alvo de várias ações políticas com
ceiros com vistas à reestruturação
dos espaços físicos, das condições vistas à sua reformulação. Mas, da
materiais, da melhoria salarial e das análise realizada, é possível constatar
condições de trabalho dos educa-
algumas tendências que foram ga-
dores; construção de novas escolas
específicas para atendimento do nhando hegemonia: a preponderân-
Ensino Médio em tempo integral; cia de um discurso que visa reduzir a
indução à formação de redes de
formação da juventude a demandas
pesquisa sobre o Ensino Médio com
vistas a produzir conhecimento e do mercado; a reorganização curri-
realizar um amplo e qualificado cular com base em um viés econo-
diagnóstico nacional; articulação de
micista e eficienticista que acaba por
uma rede de formação inicial e con-
tinuada de professores a partir de subtrair dos/das jovens um conjun-
ações já existentes como PARFOR e to de conhecimentos necessários a
PIBID; fomento a ações de assistên-
uma formação mais qualificada e au-
cia estudantil com vistas a ampliar a
permanência do estudante na esco- tônoma; a desresponsabilização do
la; atendimento diferenciado para poder público por meio da amplia-
o Ensino Médio noturno de modo
ção da presença do setor privado na
a respeitar as características do pú-
blico que o frequenta; elaboração e oferta educacional; a destinação de
aquisição de materiais pedagógicos recursos públicos da Educação Bási-
apropriados, incluindo os forma-
ca para o setor privado.
tos digitais; criação de uma rede
de discussões para reconfiguração Em síntese, dos enunciados que
dos cursos de formação inicial de
professores, envolvendo as várias se tornam hegemônicos com a atual
entidades representativas do cam- reforma, é possível depreender que,
po educacional, estudantes, pro- nessas disputas, o que esteve e está
fessores e gestores. (MOVIMENTO
86
2014. Disponível em: <http://www. dio. Brasília: 1999.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso _____. Conselho Nacional de Educa-
em: 23 jun. 2017. ção. Parecer CNE/CEB nº 5, de 4 de
maio de 2011. Trata das Diretrizes
_____ . Lei nº 13.415, de 16 de feve- Curriculares Nacionais para o Ensino
reiro de 2017. Conversão da Medida Médio. Brasília: 2011.
Provisória nº 746, de 2016. Altera as
Leis nos 9.394, de 20 de dezembro _____. Conselho Nacional de Edu-
de 1996, que estabelece as diretri- cação. Parecer CNE/CEB nº 11, de 9
zes e bases da educação nacional, de maio de 2012. Trata das Diretrizes
e 11.494, de 20 de junho 2007, que Curriculares Nacionais para a Educa-
regulamenta o Fundo de Manuten- ção Profissional Técnica de Nível Mé-
ção e Desenvolvimento da Educação dio. Brasília: 2012.
Básica e de Valorização dos Profissio-
_____. Conselho Nacional de Educa-
nais da Educação, a Consolidação das
ção. Resolução CNE/CEB nº 3, de 26
Leis do Trabalho CLT, aprovada pelo
de junho de 1998. Institui as Diretri-
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio
zes Curriculares Nacionais para o En-
de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de
sino Médio. Brasília: 1998. Disponível
28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei
em: <http://portal.mec.gov.br/cne/
no 11.161, de 5 de agosto de 2005;
arquivos/pdf/rceb03_98.pdf>. Aces-
e institui a Política de Fomento à Im-
so em: 4 jul. 2017.
plementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral. _____. Conselho Nacional de Educa-
ção. Resolução CNE/CEB nº 4, de 8
_____. Conselho Nacional de Educa-
de dezembro de 1999. Institui as Di-
ção. Parecer CNE/CEB nº 15, de 1º
retrizes Curriculares Nacionais para a
de junho de 1998. Trata das Diretri-
Educação Profissional. Brasília, 1999.
zes Curriculares Nacionais para o En-
Disponível em: <http://portal.mec.
sino Médio. Brasília: 1998.
gov.br/dmdocuments/rceb004_99.
_____. Conselho Nacional de Educa- pdf>. Acesso em: 29 jun. 2017.
ção. Parecer CNE/CEB nº 16, de 5 de
_____. Conselho Nacional de Edu-
outubro de 1999. Trata das Diretrizes
cação. Resolução CNE/CEB nº 2, de
Curriculares Nacionais para a Educa-
30 de janeiro de 2012. Define Dire-
ção Profissional Técnica de Nível Mé-
trizes Curriculares Nacionais para
88
INEP. Censo escolar da Educação
Básica 2016. Disponível em <http://
portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 5
ago. 2017.
90
do (EMI) relacionado com a discus- forma pela qual o homem se relacio-
são sobre a potencialidade desses na com a natureza, pois diante dela,
cursos como uma possibilidade de faz juízo de valor e age no sentido
educação pública de qualidade para de transformá-la em seu favor. (Paro,
os jovens brasileiros. O texto é cons- 2016. p. 27).
truído considerando os avanços e O conhecimento entendido no
desafios para a democratização do sentido e caráter aproximativo da
Ensino Médio Integrado. plenitude da realidade, só se torna
Nesse trabalho recorremos a uma verdadeiramente adequado quando
pesquisa quantitativa de dados re- chega a descobrir suas leis imanen-
ferentes às matriculas e à oferta dos tes e atingindo a mais elevada forma
cursos de EMI, em âmbito nacional à qual se possa pretender (Lukács
e no Instituto Federal de Educação, 2011, p. 28-33). O conhecimento se
Ciência e Tecnologia de São Paulo apresenta como uma ação humana
(IFSP), além de pesquisa bibliográfi- social que só pode ser compreen-
ca. dida enquanto processo, pois está
relacionado ao que o homem como
2. BREVE DISCUSSÃO DO ENSI- ser social busca conhecer para trans-
formar parte da natureza. Nesse sen-
NO MÉDIO INTEGRADO NO BRASIL
tido, o conhecimento nunca é algo
Educação e trabalho são ques- desinteressado, sempre interessa
tões inseparáveis. A educação é um aos indivíduos em sociedade. A bus-
processo que se confunde com a ca pelo conhecimento se caracteriza
própria história do homem e tem como algo evidentemente progres-
como elementos fundamentais o co- sista, pois pelo processo de trabalho
nhecimento e o trabalho. Diante dis- os homens e mulheres em sociedade
to, é interessante compreendermos buscam constantemente aprimorar
melhor cada uma destas categorias. suas relações sociais. Essa busca nos
permite a superação da ignorância,
O trabalho, atividade exclusiva-
do senso comum e nos dá condições
mente humana, em seu sentido mais
objetivas para a construção de socie-
amplo, consiste na capacidade de re-
dades cada vez mais desenvolvidas
alizar uma atividade adequada a um
em seu sentido integral.
fim, isto requer capacidade de plane-
jamento. Além disto, o trabalho é a Por outro lado, a organização do
92
de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP)1 apontam para Conforme dados do INEP, orga-
significativo avanço da oferta do EMI. nizados na Tabela 1, em 2015, o EMI
Tabela 2 – Evolução das Matrículas do EMI por região geográfica e por ano
Região
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Geográfica
Brasil 132.519 175.831 215.718 257.736 298.545 338.390 366.959 391.766
Norte 8.369 11.043 14.843 18.366 19.786 21.973 23.468 24.229
Nordeste 56.719 73.028 90.250 109.795 127.346 145.198 150.691 163.846
Sudeste 35.315 50.275 56.150 63.160 75.205 90.831 107.173 117.984
Sul 28.701 33.668 41.865 49.058 56.175 60.329 64.932 64.534
Centro- 3.415 7.817 12.665 17.357 20.033 20.059 20.695 21.173
Oeste
Fonte: MEC/Inep/Deed
1 Os arquivos referentes aos dados utilizados nesse texto, disponíveis no site do INEP, não
apresentam os mesmos dados para cada ano de analise o que explica a atualização de perí-
odos diferentes em algumas análises.
94
vância, nos dados do Censo de 2013, possibilidade de formação educacio-
é o crescimento de 9,4% no núme- nal de qualidade para os jovens da
ro de concluintes do ensino funda- classe trabalhadora.
mental entre 2007 e 2013, dado que Não obstante a proeminência das
também contrasta com os indicado- políticas voltadas para ampliação
res de matrícula do Ensino Médio, o do EMI no Brasil, é possível identifi-
que pode indicar, segundo o resumo car alguns obstáculos para sua con-
técnico do Censo Escolar 2013, que solidação. Esses obstáculos estão
o Ensino Médio não está captando relacionados, por um lado, com as
de forma eficaz os concluintes do dificuldades encontradas para a im-
fundamental. Segundo a referida plementação do currículo integrado;
publicação, esse quadro aponta para e, por outro, pela permanente dispu-
potencialidade do EMI em atender às tas e tensões entre distintos projetos
expectativas dos jovens no Brasil. de educação, e consequentemente
Estratégias como a ampliação da de sociedade, o que mais uma vez,
educação profissional integrada
ao Ensino Médio (grifos nossos) demonstra a distância entre o objeti-
– com a apropriada flexibilização vo das políticas e seus resultados.
e diversificação curricular, conside-
rando as aptidões e expectativas de
formação profissional e educacional 3. O ENSINO MÉDIO INTEGRADO
dos estudantes e em sincronia com
os arranjos produtivos locais – po-
NO IFSP
dem tornar o Ensino Médio mais
atrativo, permitindo que o aluno No que tange à questão da oferta
do EMI, verificamos que o cenário de
vislumbre nessa etapa não apenas o
caminho para a educação superior,
disputa e contradição também pode
mas também uma possibilidade
ser observado no âmbito do IFSP,
concreta de qualificação para o tra-
balho. (INEP 2013, p.20-21) uma vez que, apesar do disposto na
Lei de criação dos Institutos Fede-
rais (Nº 11892, de 29 de dezembro
Entendemos que a proposta de
de 2008), até 2012, dos 25 campi em
implementação do EMI, a partir de
funcionamento no IFSP apenas 06
uma concepção que busca a supe-
unidades ofertavam essa forma de
ração do dualismo educacional, ins-
ensino. Tal quadro não é exclusivi-
creve-se na perspectiva de constru-
dade do IFSP, como demonstra Moll
ção de um sistema de ensino mais
(2010), no que tange ao aumento da
democrático, que emerge como uma
oferta do EMI. A partir de 2005, ob-
96
IFSP, por meio de “projetos pedagó- ção social do IFSP, por outro lado,
para os mais críticos, isso foi enten-
gicos unificados”, em regime de in-
dido como um abandono do Institu-
tercomplementaridade. Segundo o to do seu projeto de oferecimento
referido Parecer, a unificação das ma- de cursos integrados próprios e um
descumprimento da lei de forma-
trículas e da certificação justificaria
ção dos institutos. (IFSP, 2013)
do ponto de vista legal o caráter inte-
grado da oferta desses cursos. Outra
justificativa dada no parecer seria a Cabe aqui também destacar que
caracterização dos cursos no “regime não há consenso no IFSP em torno
de experiência pedagógica”, como da exigência da oferta de 50% das
prever o art. 81 da Lei de Diretrizes vagas ofertadas para educação pro-
e Bases da Educação Nacional (LDB). fissional técnica de nível médio: há
Apesar da aprovação do Parecer pela grupos que defendem que este per-
Câmara de Educação Básica, para centual deve ser aplicado ao total
além das questões legais, parece- geral vagas da instituição, o que sig-
nos válido concluir que no caso do nifica na prática, que nem todos os
IFSP tal acordo não passou de uma campi precisariam cumprir a deter-
tentativa de eximir-se da obrigação minação se na somatória de todas as
legal de ofertar os cursos integrados vagas de todos os campi o resultado
próprios. for alcançado.
Nossa avaliação encontra resso- Neste contexto, o PDI acima men-
nância no disposto no Plano de De- cionado, estabelece como um dos
senvolvimento Institucional (PDI) do objetivos da pró-reitora de Ensino2
IFSP, referente ao período de 2014 a “Priorizar, em relação ao Ensino Mé-
2018, que aponta para uma mudan- dio Técnico, a oferta de cursos Inte-
ça de posicionamento em relação a grados Próprios em todos os campi”.
essa questão: Para tanto foram estabelecidas como
Em 2012, o IFSP, em colaboração metas: a) Orientar levantamento es-
com a Secretaria de Educação do tatístico da situação e projeções das
Estado de São Paulo, iniciou um pro-
grama de oferecimento de cursos necessidades dos campi - execução
técnicos para alunos matriculados 2014; b) Orientar planejamento de
na rede estadual. Se isso foi enten- implantação, verificando os requisi-
dido como um atendimento da fun-
98
Tabela 4 - Evolução da oferta de cursos por nível de ensino no IFSP
Ano Número total de Número de campi Percentual de
campi (incluindo com oferta de EMI campi com oferta
avançados) de EMI
2012 25 5 20%
2013 25 5 20%
2014 25 7 28%
2015 28 12 43%
2016 30 23 77%
2017 35 32 91%
Fonte: IFSP - Editais dos processos seletivos
que ofertava cursos de EMI, no IFSP, pliação da oferta dos cursos EMI que
aumentou de 5 para 7, apenas 2 uni- os objetivos preconizados no PDI
dades a mais, o que representava 2014-2018 foram utilizados como re-
apenas 20% do total de campi. Em ferência para a proposição de novos
2015 12 campi passaram a ofertá-los, cursos. A atualização do PDI, conclu-
representando 43%. Em 2016, dos 30 ída no primeiro semestre deste ano,
campi 23 ofertavam EMI, o que re- indica que os campi que não ofere-
presenta 87% do total de unidades, cem cursos EMI o farão a partir de
Já em 2017, dos 35 campi do IFSP 32 2018.
ofertam os cursos Integrados, o que A tabela 7 demostra que no pe-
representa 91% do total. Podemos ríodo de 2011 a 2016, houve um au-
afirmar a partir da verificação da am-
Tabela 6 – Matrículas por cursos no IFSP 2015-2017
mento de 1.450 vagas, sendo que o O exame dos números acima cor-
período de maior crescimento foi en- robora com a nossa análise de que a
tre os anos de 2014 a 2016, conforme oferta dos cursos EMI se insere em
previsto no PDI. Os dados aqui colo- um contexto de disputas e contradi-
cados, juntamente com os apresen- ções acerca do modelo de educação
tados na tabela 6, mostram que, em e de sociedade. Porém, observa-se
tendência, quando novos campi pas- que a ampliação de vagas nesses
sam a ofertar os cursos há também cursos está vinculada a uma forte
aumento pela procura. Isso pode ser demanda social, ainda não atendi-
observado pelo aumento de inscri- da plenamente pela instituição. Essa
tos do ano de 2015 para o de 2016, demanda social aponta uma poten-
que cresceu em 5.956, número visi- cialidade tanto para o aumento de
velmente mais expressivo que nos vagas como para a própria expansão
anos anteriores. Esse aumento coin- da instituição.
cide com o período em houve maior Contudo, ainda que se leve em
número de campi que passaram a conta o incremento da oferta dos
ofertar cursos EMI. Os dados mais cursos integrados no IFSP, é apro-
significativos da tabela 7 demons- priado inferir que a conjuntura polí-
tram que, mesmo com o considerá- tica foi um importante vetor para a
vel aumento no número de vagas, mudança da política institucional. As
ainda há demanda reprimida, pois o mudanças no cenário político, que
número de vagas ofertadas é muito ocorreram em 2016, trouxeram gran-
menor do que o número de jovens des incertezas para a rede federal de
inscritos. ensino, isto porque, ainda não são
100
claras quais serão as políticas do go- Aqui se faz necessária uma ex-
verno Temer com relação à rede3. É posição, mesmo que concisa, sobre
possível que a aposta estratégica do a realidade ora vivenciada que é a
IFSP na oferta dos cursos de Ensino aprovação da reforma do Ensino
Médio Integrado deva-se também ao Médio proposta pela equipe do Mi-
reconhecimento social desses cur- nistério da Educação do governo de
sos, e acrescente-se o destaque dos Michel Temer. É sabido que as refor-
mesmos nas avaliações externas4. mas nos sistemas de ensino são fru-
Acreditamos que a aposta na conso- tos de conflitos ideológicos em torno
lidação da rede passa pelo fortaleci- das disputas por diferentes projetos
mento do reconhecimento social da de sociedade. São justamente es-
mesma. ses conflitos que estão no centro
das discussões da atual reforma do
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS Ensino Médio no Brasil. Tal reforma
representa um retrocesso para edu-
INCERTEZAS PROVOCADAS PELA
cação brasileira, posto que retoma o
LEI Nº 13.415, DE 16 DE FEVEREIRO modelo da Lei 5.692/71 do período
DE 2017 da ditadura militar, ao apostar em
“flexibilização”, por meio de “itinerá-
102
pode ser encontrada no próprio tex- na educação profissional.
to da reforma, como segue: Ademais, a Medida Provisória
§ 10. A critério dos sistemas de en- 746/2016 transformada na Lei nº
sino, a oferta da formação técnica e
profissional considerará: 13.415/2017 não apresenta altera-
I - a inclusão de experiência prática
ções na “Seção IV-A” que trata da Edu-
de trabalho no setor produtivo ou cação Profissional Técnica de Nível
em ambientes de simulação, esta- Médio, incluída pela Lei 11.741/2008.
belecendo parcerias (grifos nos-
sos) e fazendo uso, quando aplicá-
Não constam também novas propo-
vel, de instrumentos estabelecidos sições na “Seção V” que trata da Edu-
pela legislação sobre aprendizagem cação de Jovens e Adultos e para o
profissional; e
“Capítulo III” que trata da Educação
II - a possibilidade de concessão de profissional. O silenciamento da ma-
certificados intermediários de qua-
lificação para o trabalho, quando a téria no que tange à Educação Profis-
formação for estruturada e organi- sional traz ainda mais incertezas para
zada em etapas com terminalidade. o futuro da oferta do EMI, bem como
104
justa e fraterna. CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino
Médio e Educação Profissional no
REFERÊNCIAS Brasil: Dualidade e fragmentação.
Retratos da Escola, v. 5, p. 27-41, 2011
BRASIL, Decreto nº 5.154, de 23 de
julho de 2004- Regulamenta o §2º do FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS,
art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, M. (Org.). Ensino Médio Integrado:
de 20 de dezembro de 1996 que esta- concepções e contradições. 3ª edi-
belece as diretrizes e bases da educa- ção. São Paulo: Cortez, 2012.
ção nacional e dá outras providências.
INEP Instituto Nacional de Estudos e
______. Lei n. 11.892 de 29 de de- Pesquisas Educacionais. 2016. Brasí-
zembro de 2008. Institui a Rede Fe- lia. Disponível em:http://www.inep.
deral de Educação Profissional, Cien- gov.br
tífica e Tecnológica, cria os Institutos
LUKÁCS, G. Materialismo e dialéti-
Federais de Educação, Ciência e Tec-
ca: crise teórica das ciências da natu-
nologia, e dá outras providências.
reza. Brasília: Editora Kiron, 2011.
______. Lei n. 13.415 de 16 de feve-
MOLL, J. et. al. Educação profissio-
reiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394,
nal e tecnológica no Brasil Con-
de 20 de dezembro de 1996, que es-
temporâneo: desafios, tensões e
tabelece as diretrizes e bases da edu-
possibilidades. Porto Alegre: Artmed,
cação nacional, e 11.494, de 20 de ju-
2010.
nho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento MOURA, D. H.; RAMOS, M. N.; GAR-
da Educação Básica e de Valorização CIA, S. Documento Base da Educa-
dos Profissionais da Educação, a Con- ção Profissional Técnica de Nível
solidação das Leis do Trabalho - CLT, Médio Integrada ao Ensino Médio.
aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, 2007
de 1o de maio de 1943, e o Decre-
to-Lei no 236, de 28 de fevereiro de PARO, V. H.. Administração escolar:
1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de introdução a crítica. 17. ed. São Pau-
agosto de 2005; e institui a Política de lo: Cortez, 2016.
Fomento à Implementação de Esco-
las de Ensino Médio em Tempo Inte- ______. Diretor Escolar: educador
gral. ou gerente? São Paulo: Cortez, 2015.
106
em essência, será inócuo porque não fissional Técnica de Nível Médio no
haverá integração no seu desenvol- Instituto Federal Farroupilha.
vimento. Assim, passamos, agora, a apre-
O objetivo, aqui, proposto é de sentar, brevemente, como se deu
apresentar parte da organização cur- esse trabalho de constituição das Di-
ricular dos Cursos Técnicos Integra- retrizes Institucionais e a parte da or-
dos do Instituto Federal Farroupilha ganização curricular dos Cursos Téc-
que visa facilitar o processo de ensi- nicos Integrados do Instituto Federal
no e de aprendizagem com formas Farroupilha, a qual visa facilitar o pro-
de integração possíveis para se bus- cesso de ensino e de aprendizagem
car a formação integral dos educan- com formas de integração possíveis
dos dessa Instituição. para se buscar a formação integral
dos educandos dessa Instituição.
2. Gestão Democrática do Ensi- Isso quer dizer que o objetivo
no no Planejamento da Orga- principal foi sempre possibilitar, por
nização Didático Pedagógica meio da gestão democrática do en-
sino, espaços de identificação para a
do IF Farroupilha construção de uma identidade ins-
Com o objetivo de dar início à titucional dos cursos técnicos do IF
proposta efetiva, para contínua dis- Farroupilha, visando garantir espa-
cussão dialética e consolidação da ços e possibilidades de integração
integração curricular e da formação ao longo do itinerário formativo e,
integral, no âmbito da Educação Pro- a partir disso, aprofundar, institucio-
fissional de Nível Médio, o Instituto nalmente, a discussão e a efetivação
Federal Farroupilha, depois de, apro- de um possível currículo integrado,
ximadamente, três anos de estudos e com vistas à formação integral/om-
de discussões sobre o ensino integra- niliateral dos educandos.
do e mais de um ano de elaboração
coletiva, aprovou, no Conselho Supe- 2.1 Por que fizemos?
rior (Consup), e consolidou, no Proje-
Os Institutos Federais (IFs), embo-
to Pedagógico Institucional (2014 a
ra resultem de uma história de mais
2018), as Diretrizes Institucionais da
de 100 anos da Educação Profissional
Organização Administrativo-didáti-
no Brasil, foram criados em dezembro
co-pedagógica para a Educação Pro-
de 2008. Desse modo, são institui-
108
dizagem. Ambiente esse, como indi- de e o resultado, daí produzido, vai
camos, muito diversificado, fazendo no mesmo movimento dialético, am-
com que o educador atue, ao mesmo pliando o horizonte e qualificando o
tempo, nos mais diversos níveis e nas discurso. Em síntese, o que se preten-
diferentes formas e modalidades de de, com a constituição dessas diretri-
ensino. zes, do ponto de vista da gestão do
Diante desse cenário, brevemen- ensino, é que prevaleça a autoridade
te exposto, é imprescindível que a do argumento ao invés do argumen-
Instituição elabore, de forma cole- to da autoridade. O gestor de ensino
tiva, normas internas claras, a fim é mero mediador do espaço de cons-
de garantir a todos o mesmo ponto tituição do discurso e da organização
de partida e possibilitar, assim, pela das atividades junto com seus pares.
consolidação da cultura organiza- Gestão democrática se constitui pela
cional, o fortalecimento da identida- participação e pela responsabilidade
de institucional e, nela, o espaço de em relação ao que é gerido.
identificação entre seus membros. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases
Essa necessidade possibilita o espa- da Educação Nacional), bem como as
ço para a própria formação continu- demais normas nacionais vigentes, já
ada em serviço, visto que, ao discuti- trazem uma série de diretrizes e de
rem as diretrizes e as normativas, que regras específicas, mas também pos-
orientam as atividades institucionais, sibilitam a autonomia institucional
os profissionais da educação discu- ao definir, em seu Projeto Pedagó-
tem suas próprias práticas, comparti- gico Institucional (PPI) e nas normas
lhando experiências, aprofundando internas, como irá proceder e orien-
estudos para o discernimento das tar aquilo que é flexível pela norma
questões, propondo formas diversifi- maior vigente, como, por exemplo,
cadas de ação dentre outras. a duração da hora-aula, a forma de
Dessa maneira, mais importante recuperação paralela, a avaliação, a
que o produto, resultante desse tra- prática profissional, a organização do
balho, das diretrizes e das normativas currículo etc.
institucionais, é o próprio processo Como dissemos, os IFs são mui-
de elaboração coletiva. O processo to jovens ainda e não há como falar
se constitui como espaço de identifi- de pessoas que tenham larga expe-
cação para a construção da identida- riência nessa forma de organização
110
de forma institucional, as demandas mesmo de concluir o primeiro itine-
específicas. rário formativo, de formar a primeira
Muitas soluções foram, altamen- turma em um determinado PPC, este
te, suficientes e já passam a integrar a já sofreu várias alterações.
cultura da Instituição, porém, outras, Verificamos que, aproximada-
por sua vez, careciam de revisão ou, mente, 95% dos pedidos de altera-
ainda, de elaboração a fim de sanar ções, em PPCs, se deram no mesmo
alguns problemas que começavam a período de troca de coordenação de
surgir e a prejudicar a consolidação curso, ou de mudança no corpo do-
cente do curso. Essa informação nos
da identidade institucional. Essa difi-
culdade se dava, principalmente, em levou a concluir que, ainda, não havia
planejar a Gestão de Ensino de forma identidade com o curso e no curso,
a garantir a identidade da Instituiçãovisto que todas as alterações (100%)
numa realidade multicampi, sem ferir foram relativas à carga horária de dis-
as especificidades locais e regionais ciplinas, às ementas, à carga horária
inerentes à realidade da cada unida- do curso, aos estágios e às atividades
de administrativa, campus e reitoria. complementares. Havia outras alte-
Dificuldade esta que ficava expressa rações ligadas, exclusivamente, ao
nos Projetos Pedagógicos de Curso entendimento daquilo que este(s)
(PPCs), formulados e reformulados ou aquele(s) profissional(is) enten-
nesse período, bem como no confli- diam como necessário de se minis-
to de normas internas, visto que fal- trar no curso, e não a partir do perfil
tava o lugar comum maior a partir do profissional do egresso pretendido
qual dialogavam. naquele curso ou, no máximo, aqui-
Nesses quase quatro anos de IF lo que cada um entendia como ser o
Farroupilha, a Instituição contava profissional formado. Essa compre-
com 146 (cento e quarenta e seis) ensão predominante, nesse período,
ofertas de cursos e com 168 (cento e obviamente, não se dá por capricho
sessenta e oito) PPCs vigentes. Nes- dos profissionais que pleitearam
se período, ocorreram mais de 160 tais alterações, mas, como dissemos
(cento e sessenta) reformulações nos acima, pela, ainda, não consolida-
PPCs; ou seja, em média, duas altera- da identidade institucional e ampla
ções em cada PPC num prazo inferior compreensão dos objetivos e das
a 18 meses. Isso revela que, antes finalidades da Instituição. Contudo,
esse contexto possibilitou o início da
112
cos apenas com carga horária menor de oferta, do perfil profissional pre-
ou, às vezes, carga horária maior exi- tendido, para cada formação espe-
gida no curso técnico do que a exi- cífica, e da construção e da consoli-
gida no superior; como no caso do dação da identidade institucional a
estágio acima. qual se expressa nos cursos e na for-
Em síntese, observamos, na orga- ma de educação ofertada.
nização dos PPCs de cursos técnicos, Outro fator relevante, e que tra-
em regra, minibacharelados ao invés duzia a ausência de conhecimentos
de formações específicas de acordo específicos da educação e da legisla-
com seu nível de ensino específico e ção de ensino vigente, era o fato de
a formação desejada. Essa conclusão haver muitos casos de não atendi-
se comprova quando observamos, mento à legislação mínima vigente,
em muitos casos, que o perfil profis- como, por exemplo: carga horária
sional do egresso, previsto nos PPCs mínima obrigatória, conteúdos obri-
de alguns cursos técnicos, era mui- gatórios etc. Esse fato demonstra-
to diferente daqueles descritos em va a necessidade não apenas de se
PPCs dos mesmos cursos ofertados, corrigir essas fragilidades, incluindo
em outros campus e em desacordo o cumprimento da legislação nos
com o Catálogo Nacional de Cursos PPCs, mas também de discutir e de
Técnicos. Novamente, pode-se dizer assessorar os profissionais que não
que isso não foi resultado do descui- tiveram essa formação, conforme os
do ou do capricho dos profissionais motivos pelos quais tais exigências
que elaboraram essas propostas, legais eram pensadas para a educa-
mas do fato de que, na ausência de ção no Brasil.
um entendimento maior sobre esse Além disso, a elevada carga ho-
nível e essa forma de oferta de Edu- rária, nos cursos técnicos, sobrecar-
cação Profissional, aqueles profissio- regava os docentes com atividades
nais elaboraram os PPCs baseados de horas-aula em sala de aula, difi-
em sua própria formação, sendo a cultando ou, até mesmo, impedin-
maioria de bacharelados e de tecnó- do a organização de espaços para:
logos. Mais uma vez, há necessidade Formação Pedagógica Continuada,
da participação coletiva na constru- planejamento coletivo ou individual
ção do entendimento, do objetivo e dos docentes, acompanhamento das
da finalidade de cada curso, em seu atividades, realização de recupera-
respectivo nível, forma e modalidade
114
outra. Trata-se, portanto, de garantir processos de ensino e de aprendiza-
uma gestão sistêmica e em rede no gem, seja na gestão do ensino ou no
âmbito interno da Instituição a qual, ensino efetivamente.
por sua natureza pluricurricular e A dimensão do contexto, que
multicampi, possibilita a diversidade, levou à elaboração das diretrizes,
mas com identidade institucional. é demasiada extensa para se dizer
Assim, entendemos, no Instituto nesse espaço, mas já nos foi possí-
Federal Farroupilha, que a elabora- vel indicar a base fundamental que
ção coletiva das Diretrizes Institu- expõe os principais motivos pelos
cionais possibilitaria: adequação à quais foram elaboradas as Diretrizes
Resolução CNE nº 06/2012; Gestão Institucionais da Organização Ad-
de Ensino democrática e comparti- ministrativo-didático-pedagógica
lhada; planejamento coletivo; oti- para a Educação Profissional Técnica
mização na organização do tempo de Nível Médio no Instituto Federal
escola; diversidade e integração cur- Farroupilha. Elas foram aprovadas
ricular; espaço e ponto de partida pelo Conselho Superior, pela Resolu-
para a formação continuada em ser- ção Consup nº 102/2013 e reiterada,
viço; qualidade no processo de ensi- com algumas adequações, no Plano
no e de aprendizagem; consolidação de Desenvolvimento Institucional, o
do perfil profissional do egresso dos qual foi aprovado pelo Consup em
cursos técnicos do IF Farroupilha; or- setembro de 2014.
ganização e revisão do Projeto Peda- Desse modo, as seguintes consi-
gógico Institucional (PPI), orientação derações gerais fundamentaram a
comum para a organização e a cons- elaboração da proposta:
trução dos Projetos Pedagógicos de
Art. 6º e Art. 205 da CF, segundo os
Curso (PPCs), inclusão de práticas quais a educação é um direito social
profissionais ao longo do itinerário e de que deverá ser promovida e
formativo; flexibilidade curricular incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desen-
orientada institucionalmente; enfim, volvimento da pessoa, seu preparo
premissas norteadoras para a cons- para o exercício da cidadania e sua
trução e a consolidação da identida- qualificação para o trabalho;
116
de uma ou mais áreas do co- • Estatuto da Juventude que,
nhecimento; dentre outras definições rela-
• estímulo à atividade docente cionadas à educação, define
em dedicação integral, com que “Art. 9o . O jovem tem di-
tempo efetivo para atividades reito à educação profissional e
de planejamento pedagógico, tecnológica, articulada com os
individuais e coletivas; diferentes níveis e modalida-
des de educação, ao trabalho, à
• dimensões do trabalho, da ci- ciência e à tecnologia, observa-
ência, da tecnologia e da cul- da a legislação vigente.”.
tura como eixos integradores
entre os conhecimentos de
distintas naturezas; o trabalho Com base nessas considerações
como princípio educativo; a basilares, o IF Farroupilha passou a
pesquisa como princípio pe- reger os cursos técnicos com base
dagógico; os direitos humanos nas Diretrizes Institucionais da Or-
como princípio norteador e; a ganização Administrativo-didático
sustentabilidade socioambien- -pedagógica para a Educação Pro-
tal como meta universal; fissional Técnica de Nível Médio no
• princípios, fundamentos e pro- Instituto Federal Farroupilha e outras
cedimentos, discutidos, demo- providências.
craticamente, com a comuni-
dade acadêmica, pelo Comitê
Assessor de Ensino e pelo GT 2.2 Como fizemos?
dos Cursos Técnicos, conforme
suas atribuições regulamenta- Desde outubro de 2012, conside-
das pela Portaria nº 0834, de 06 rando o breve contexto acima apre-
de maio, de 2013, para orientar sentado, a preocupação maior da
a organização curricular na ela- Gestão de Ensino não se concentrou
boração, no planejamento, na na organização didático-pedagógica
implementação e na avaliação em si e na organização de diretrizes
das propostas curriculares dos e de normas internas eficientes para
campus do IF Farroupilha os organização e orientação das ativi-
quais oferecem cursos técni- dades de ensino e de aprendizagem
cos; e no IF Farroupilha, mas em garantir
118
e, com a reformulação de todos os assim como ter critérios institucio-
PPCs de todos os cursos técnicos do nais claros para orientar a criação
IF Farroupilha, deram início à revisão de cursos e a garantia de viabilida-
de normas menores e à reorganiza- de de início e de desenvolvimen-
ção do ensino e da gestão de ensino to desses cursos com qualidade,
no âmbito institucional. considerando as dimensões da
Em síntese, os procedimentos avaliação externa de cursos: infra-
adotados foram os seguintes: estrutura, didático-pedagógica e
corpo docente e técnico; as quais
a) criação do Comitê Assessor são suficientes e qualificadas;
de Ensino (CAEN): formado pela
Pró-reitora de Ensino e Diretores d) criação do GT dos cursos
de Ensino dos Campus para plane- técnicos do IF Farroupilha, com re-
jamento, implementação, desen- presentação de todas as unidades,
volvimento, avaliação e revisão da a fim de planejar e de organizar as
proposta pedagógica da Institui- metodologias de elaboração das
ção, bem como para implementar diretrizes e de garantir a ampla
políticas de ensino que viabilizem participação da comunidade aca-
a operacionalização de atividades dêmica, possibilitando que todos
curriculares dos diversos níveis e os profissionais da educação e os
das diversas modalidades da Edu- educandos pudessem participar
cação Profissional; e contribuir no processo de dis-
cussão e de estabelecimentos dos
b) elaboração de um Plano de consensos institucionais;
Ações definindo as urgências, as
prioridades, as metas para o en- e) estudo da legislação de
sino no IF Farroupilha, iniciando ensino vigente, principalmente,
pela revisão e pela reformulação daquela voltada para a Educa-
da proposta de organização-didá- ção Profissional e a de subsídios
tico pedagógica da Instituição; teóricos sobre o tema. Os mem-
bros do GT dos cursos técnicos
c) elaboração de Regulamen- selecionaram uma série das prin-
to para criação, suspensão tem- cipais legislações e textos a fim de
porária e extinção de cursos do subsidiar as discussões, visto que,
IF Farroupilha, a fim de garantir como expomos acima, muitos dos
o atendimento aos objetivos e às profissionais da educação envol-
finalidades da Lei nº 11.892/2008,
120
• Núcleo Básico jeto Pedagógico Institucional, pas-
• Núcleo Tecnológico sando pelo Projeto Pedagógico de
Curso, pelos Planos de Ensino, pelos
• Núcleo Politécnico planejamentos coletivos das ativi-
Para constituir os núcleos, bem dades de ensino e de aprendizagem
como o restante da organização cur- (articulando ensino, pesquisa e ex-
ricular e o processo de ensino e de tensão), pela Formação Continuada
aprendizagem, para efetivação do de Docentes, pelas metodologias e
currículo, devem ser levadas em con- pela avaliação do ensino e da apren-
sideração as dimensões integradoras dizagem até as práticas reais de in-
do Ensino Médio com foco na forma- tegração entre a ciência, a cultura, a
ção integral dos educandos, consi- tecnologia e o trabalho.
derando o trabalho como princípio Ao longo dos estudos realiza-
educativo e a pesquisa como princí- dos, e no limite do que a discussão
pio pedagógico. coletiva possibilita, na sua diversi-
Na construção do Projeto Peda- dade e na sua dificuldade de enten-
gógico de Curso, pergunta-se: dimentos comuns, prevalece a tese
de que, sobre o currículo integrado,
• que profissional se deseja for-
não há “receita pronta” e as possibi-
mar?;
lidades são construídas no processo
• qual será o seu perfil?; dialético.
• onde atuará (em que lugar, em Com base nisso, passamos a re-
que momento do processo latar, logo abaixo, de forma resumi-
criativo)?; da, e o mais objetivo possível, parte
• que conhecimentos tecnológi- da proposta de integração curricu-
cos e científicos são necessá- lar elaborada pelo Instituto Federal
rios a esse profissional?; Farroupilha, o qual é nosso ponto
de partida comum para o aprofun-
• que valores éticos, estéticos e
damento e o aperfeiçoamento da
políticos orientam a conduta
perspectiva estabelecida, conforme
da sociedade da qual esse pro-
já apontado acima.
fissional faz parte?;
1 - Elaboração do Catálogo dos
Perfis Profissionais dos Egressos dos
Essas perguntas devem ser res- Cursos Técnicos do IF Farroupilha.
pondidas desde a concepção do Pro- Elaborado com base no Catálogo Na-
122
docentes elegem como principais objetivos comuns entre as diferentes
para as avaliações, os trabalhos etc. áreas, dando início à definição das
Há conteúdos aos quais o estudante áreas de maior integração no currí-
precisa ter acesso apenas para co- culo e possibilitando o planejamento
nhecimento conceitual e básico, a e a realização de um currículo mais
fim de poder dialogar com as demais integrado; uma vez que não existe
áreas do conhecimento, tanto técni- conhecimento desintegrado, mas
cos quanto da formação básica; en- formas e metodologias de ensino
quanto há conteúdos que o estudan- desintegradas e organizações curri-
te precisa aprofundar, com objetivo culares que dificultam a integração.
de exercer, com maior qualidade, as Além disso, não se pode falar em
atividades específicas esperadas da- currículo integrado ou em formação
quela formação profissional. integral se os docentes, principais
Ao desenvolver o planejamento, atores desse processo, desconhecem
a partir do perfil do egresso, e duran- o curso em si e os objetivos especí-
te a elaboração do Projeto Pedagógi- ficos de cada colega. Em suma, não
co do Curso, facilita-se a organização se trata de “eliminar as disciplinas”. É
das demais atividades do itinerário possível montar um currículo, total-
formativo, desde a elaboração do mente, organizado por grandes áreas
Plano de Ensino do professor até o ou temas geradores ou por qualquer
desenvolvimento de projetos inte- outro formato, mas um professor de
grados, de visitas técnicas, de pes- matemática nunca trabalhará os co-
quisas e de inúmeras outras ativida- nhecimentos de bovinos como um
des as quais podem ser pensadas ao professor com formação específica
longo do curso, entre os educadores para tal e vice-versa. E não haverá
e educandos, sem perder o foco do quem discorde que conhecimentos
perfil do egresso pretendido. específicos de matemática e de bovi-
Durante a definição da ênfase tec- nos são indispensáveis num curso de
nológica, o(s) professor(es) de cada Técnico em Agropecuária, por exem-
área devem dialogar com os demais, plo. Assim, pode-se até eliminar as
interagindo de forma tal que todos disciplinas do currículo, mas chegará
possam ter noção do que cada pro- um momento em que cada profissio-
fissional trabalha na sua especificida- nal dominará o ensino na sua área
de; identificando, assim, conteúdos e específica. Obviamente, se ambos
os professores tiverem pleno co-
124
todos ou pelo maior número possí- conhecimentos necessários para o
vel de docentes que atuam no curso, maior ou o menor domínio técnico
a fim de possibilitar uma construção pelo profissional, segundo sua possi-
interdisciplinar que define, com base bilidade de atuação, de capacitação
no perfil do egresso, qual a ênfase e de competência esperadas.
tecnológica a ser dada no curso. Os
conteúdos destacados, como ênfa- 3.2. Identificação de pré-requi-
se, serão bases para o planejamento
sitos para o desenvolvimento do
dos Planos de Ensino, os projetos de
pesquisa e extensão, as visitas técni- conhecimento da área técnica
cas, as avaliações etc. Já as áreas de específica
integração possibilitam identificar
Organização dos componentes
os principais componentes curri-
curriculares da área técnica de acor-
culares com maior possibilidade e/
do com a identificação dos pré-re-
ou facilidade de integração com o
quisitos pedagógicos e a sequência
componente curricular específico
nos conhecimentos específicos, a fim
da ementa, o que favorece, assim, a
de iniciar uma sistematização e uma
visualização e a direção para o pla-
coerência interna na construção da
nejamento e o desenvolvimento de
matriz curricular.
atividades integradoras do ensino e
da aprendizagem.
3.3. Construção das ementas da
Esse processo de construção das
ementas será melhor explicado a se- formação técnica: identificação
guir. dos conhecimentos/conteúdos
específicos e ênfase tecnológica
3.1. Delimitação de componentes
a) Componente curricular:
curriculares e ementas da área téc-
nome do componente/disciplina
nica: movimento pluridisciplinar de forma delimitada e objetiva;
126
atividades interdisciplinares e das geradores são essenciais para evitar a
práticas profissionais integradas, linerealidade amorfa dos conteúdos
bem como o desenho da matriz e garantir a integração e a constru-
curricular por grau de intensidade ção dialéticas das práticas pedagó-
tecnológica. Além disso, auxiliará gicas com vistas à formação integral.
na elaboração das ementas dos No exemplo, anteriormente citado,
componentes curriculares da for- sobre o componente de Máquinas,
mação básica, nas suas respectivas Equipamentos, Ferramentas e Segu-
cargas horárias e na distribuição rança no Trabalho, após a construção
dentro das unidades de ensino e dialética entre docentes da área téc-
de aprendizagem; e nica e da formação básica, na qual
e) conceitos geradores/integra- uns expõem seus conhecimentos
dores: dentre aqueles conceitos in- específicos da área de formação para
tegradores/geradores do eixo-tec- os demais e revelam as áreas de in-
nológico, do curso técnico e das tegração com este componente, será
áreas do Ensino Médio, discrimi- fácil perceber como que, por exem-
nados a partir do perfil do egres- plo, ao tratar das Normas Técnicas de
so, identifica-se, agora, em cada segurança no trabalho, o educando
componente curricular, quais con- não pode ter por objetivo apenas de-
ceitos estão mais presentes nele e corar e dominar as referidas normas
quais podem ser mais explorados para planejamento, execução, manu-
pelas caraterísticas da área de co- tenção e controle de qualidade das
nhecimento deste componente obras, como lhe exige o perfil técni-
curricular. Tais conceitos serão fa- co, porque este mesmo perfil exige
voráveis para identificação de si- uma formação humanística e cultura
tuações problemas da realidade geral integrada à formação técnica,
do educando e, a partir dos quais, tecnológica e científica; de forma
o docente poderá nortear suas que o profissional atue com base em
práticas pedagógicas, de forma in- princípios éticos e de maneira sus-
tegrada com as áreas de atuação, tentável. Assim, perceber-se-á, por
anteriormente, identificadas (as exemplo, que ética, relação interpes-
quais, por sua vez, também, apre- soal, responsabilidade, cidadania,
sentarão estes e/ou mais conceitos saúde, comunicação e diálogo são
geradores). conceitos geradores/integradores
presentes no perfil desejado e que
Obs.: os conceitos integradores/ são trabalhados não só no conteúdo
128
Como preencher essa lacuna? sões da ciência, da tecnologia, da
Pode ser, parcialmente, preenchida cultura e do trabalho.
com metodologias de ensino e de Antes de definirmos o conceito e
aprendizagem, como também com a metodologia de Prática Profissio-
a formação continuada de docentes, nal Integrada, é necessário ter claro
o que é possível sugerir e exempli- o significado de Prática Profissional
ficar na organização curricular, mas compreendido nessa organização.
cuja concretização depende única e
exclusivamente dos sujeitos envol- A Prática Profissional é uma es-
vidos no processo de ensino e de tratégia educacional favorável para a
aprendizagem. contextualização, a flexibilização e a
integração curricular, abrangendo as
Torna-se, assim, necessário pen- diversas configurações da formação
sar em metodologias de ensino e de profissional vinculadas ao perfil do
aprendizagem que conduzam, nos egresso.
Cursos Técnicos Integrados ao En-
sino Médio, o movimento contínuo De acordo com a Resolução CNE
e integrado entre as especialidades nº 6/2012 (grifo nosso):
necessárias para a formação preten- Art. 21. A prática profissional, pre-
vista na organização curricular do
dida, preenchendo, ao máximo pos- curso, deve estar continuamente
sível, a lacuna gerada pela fragmen- relacionada aos seus fundamentos
tação dos saberes e tentando, desse científicos e tecnológicos, orientada
pela pesquisa como princípio peda-
modo, superar, ao menos em partes, gógico que possibilita ao educando
o ensino conteudista e disciplinar. enfrentar o desafio do desenvolvi-
mento da aprendizagem perma-
Como metodologias e ações de nente, integra as cargas horárias
ensino e de aprendizagem possíveis, mínimas de cada habilitação profis-
para realizar o movimento interdisci- sional de técnico e correspondentes
etapas de qualificação e de especia-
plinar e integrador pretendido, pro- lização profissional técnica de nível
põem-se, por exemplo, a previsão médio.
de atividades complementares, os § 1º A prática na Educação Profis-
Projetos Integradores, a constituição sional compreende diferentes situ-
ações de vivência, aprendizagem e
de núcleos de estudos e de inclusão, trabalho, como experimentos e ati-
a pesquisa, a extensão, as visitas téc- vidades específicas em ambientes
nicas; enfim, Práticas Profissionais In- especiais, tais como laboratórios,
oficinas, empresas pedagógicas,
tegradas que consideram as dimen- ateliês e outros, bem como inves-
130
de de ensino, oportunizando o • promover a interdisciplinarie-
espaço de discussão e o espa- dade.
ço aberto para entrelaçamento
com outras disciplinas, de ma-
neira que as demais disciplinas A PPI deve ser realizada por meio
do curso, também, participem de metodologias de ensino que
desse processo; contextualizam a aplicabilidade dos
conhecimentos aprendidos no de-
• operacionalização de uma in- correr do processo formativo, pro-
tegração vertical do currículo, blematizando a realidade, fazendo
proporcionando unidade em com que os estudantes, por meio de
todo o curso, compreenden- estudos, pesquisas e práticas desen-
do uma sequência lógica e volvam projetos e ações, baseados
um aprofundamento, cada vez na criticidade e na criatividade.
maior, dos conhecimentos em
contato com a prática real de A Prática Profissional Integrada
trabalho; tem, como principal base, o perfil
do egresso e o itinerário formativo,
• viabilização da efetiva aplica- possibilitando contínuo e articulado
ção da prática profissional es- aproveitamento de estudos e de ex-
pecífica de cada curso; periências profissionais e o contato
• espaço destinado aos enfo- com a prática real de trabalho.
ques para as habilitações de- A Prática Profissional Integrada,
sejadas pelo curso, conforme a na organização curricular em núcle-
localização geográfica em que os, é parte essencial do Núcleo Poli-
se encontra e as particularida- técnico, o qual é espaço onde se ga-
des regionais; rantem, concretamente, conteúdos,
• ser um componente curricular formas e métodos responsáveis por
de convite permanente à refle- promover, durante todo o itinerário
xão-ação; formativo, a politecnia, a formação
• incentivar a pesquisa como integral e omnilateral e a interdispli-
princípio educativo; nariedade.
132
Figura 2
134
organizacionais, econômicos, políti- regra, se reivindica muitos conteú-
cos, culturais, ambientais, estéticos dos considerados como necessários
e éticos, os quais alicerçam as tecno- de serem ensinados.
logias e a contextualização do eixo Na discussão, para identificação
tecnológico no sistema de produção das áreas de integração, percebe-se
social. A organização curricular é o que muitos conhecimentos e conteú-
espaço em que se garantem, concre- dos são trabalhados mais de uma vez
tamente, conteúdos, formas e mé- em disciplinas diferentes, os quais,
todos responsáveis por promover, agora, poderiam ser compartilhados
durante todo o itinerário formativo, entre esses componentes, diminuin-
a politecnia, a formação integral e do, também, a necessidade de mais
omnilateral e a interdisciplinaridade. carga horária, para que o educando
Sendo assim, o Núcleo Politécnico, tivesse o mesmo conteúdo, muitas
na organização curricular, tem o ob- vezes, sem perceber a relação entre
jetivo de ser o elo entre o Núcleo Tec- um componente curricular e outro.
nológico e o Núcleo Básico, criando
espaços contínuos durante o itinerá- Obviamente, o sucesso desse ob-
rio formativo para garantir meios de jetivo não depende da organização
realização da politecnia. do currículo, mas, sim, de seu de-
senvolvimento contínuo, de forma
planejada coletivamente, com mo-
5. Distribuição da carga
mentos específicos para a integração
horária curricular tanto entre os docentes,
no planejamento e na orientação das
A reorganização das matrizes
diversas possibilidades de metodo-
e dos ementários, principalmente,
logias e de práticas, as quais se origi-
identificando a ênfase tecnológica e
nam desse processo, quanto para os
as áreas de integração em cada cur-
estudantes, na realização dessas e no
so, possibilita perceber quais são os
desenvolvimento da autonomia para
conhecimentos essenciais para se
além da sala de aula.
atender determinado perfil de egres-
so, diminuindo, dessa maneira, con- Trata-se de um objetivo impos-
sideravelmente, o tradicional currí- sível de ser alcançado com eleva-
culo conteudista e, por conseguinte, das cargas horárias em sala de aula,
a excessiva carga horária reclamada o que gera ausência de tempo para
para cada disciplina, visto que, em que os docentes possam fazer forma-
136
Isso expressa que não se dimi- b) delimitação de componen-
nuiu a duração dos cursos. Elimi- tes curriculares e de ementas da
nou-se, sim, boa parte do currículo área técnica, movimento pluridis-
conteudista e engessado, possibili- ciplinar;
tando espaços para recuperação pa- c) identificação de pré-requi-
ralela, reuniões pedagógicas entre sitos para o desenvolvimento do
os docentes para planejamento e conhecimento da área técnica es-
construção das atividades de ensi- pecífica;
no; enquanto os alunos podem de-
senvolver atividades orientadas nos d) construção das ementas da
laboratórios e nos grupos de estudo; formação técnica: identificação
atividades culturais; receber apoio dos conhecimentos/conteúdos es-
dos profissionais técnicos em peda- pecíficos, ênfase tecnológica;
gogia, psicologia, assistência social, e) identificação das áreas de
enfermagem e dos demais colegas. integração técnica e dos conceitos
Desse modo, ainda, esses estu- geradores/integradores, primeiro
dantes podem realizar visitas técni- movimento interdisciplinar;
cas e trabalhos de campo; desenvol- f) delimitação das unidades
ver seus projetos de pesquisa e de de ensino e aprendizagem da for-
extensão; e ter um leque enorme de mação técnica: conhecimentos
possibilidades que se expande, des- técnicos agrupados por grau de
de que haja disposição e interesse intensidade tecnológica da menor
dos envolvidos no processo de ensi- para a maior intensidade técnica e
no e de aprendizagem. tecnológica;
Em síntese, o planejamento, a g) primeira aproximação da
implementação, o acompanhamen- formação técnica com a formação
to e a revisão da proposta de organi- básica por meio da identificação
zação curricular, dos cursos técnicos das possíveis áreas/ conhecimen-
do IF Farroupilha, com vistas ao currí- tos/conteúdos de integração da
culo integrado e à formação integral, formação básica, com cada com-
implicariam nos seguintes passos: ponente curricular (área/conheci-
a) perfil profissional do egresso mentos/ conteúdos) da formação
detalhado com as atribuições ine- técnica e vice-versa. Identificação
rentes à profissão; dos conceitos geradores/integra-
dores por área do Ensino Médio,
138
do profissionalizante etc. do seguinte ponto: prevaleceu a au-
toridade do argumento ao invés do
argumento da autoridade que, para
muitos, é o caminho mais fácil.
6. Conclusão
O mesmo trabalho foi realizado,
O que faremos? paralelamente, para a organização
dos cursos superiores que, respeita-
O que apresentamos, aqui, foi das as especificidades desse nível de
uma brevíssima síntese do trabalho formação, se deu pelos mesmos mo-
realizado para elaboração das Dire- tivos e com os mesmos objetivos: a
trizes Institucionais e da organização gestão democrática do ensino, a par-
curricular. A opção metodológica to- ticipação coletiva na concepção pe-
mada, certamente, não foi das mais dagógica da Instituição e a qualida-
fáceis de realizar, uma vez que, pro- de do ensino público ofertado pelo
por a construção coletiva, com a par- IF Farroupilha. As Diretrizes foram
ticipação direta de centenas de pes- ratificadas pela comunidade interna
soas, de lugares, de formações e de e externa, visto que, mesmo recen-
concepções, muito distintas, é, sem temente aprovadas, foram fruto de
dúvida, um desafio ousado e quase submissão à ampla consulta pública
suicida. Todavia, sem dúvida, é grati- durante a discussão e a elaboração
ficante porque, apesar das inúmeras do Plano de Desenvolvimento Ins-
dificuldades, na mediação dos con- titucional 2014 a 2018/19, e foram
flitos, o que se teve, como produto anexadas a este documento, direta-
final, não é fruto de pretensão, já que mente, relacionadas à essência do
não se tinha a pretensão que fosse o Projeto Pedagógico Institucional, o
“melhor dos mundos possíveis” (na que reforçou a legitimidade e o re-
compreensão Cândida, de Voltaire), conhecimento do trabalho por toda
mas é o melhor possível, dentro do comunidade interna e a ampla parti-
que os interessados puderam fazer cipação da comunidade externa no
em busca de um mundo melhor no projeto pedagógica institucional.
que tange à organização didático
-pedagógica dos Cursos Técnicos do Agora, serão necessárias ações
IF Farroupilha. Há quem discorde e, permanentes de acompanhamen-
talvez, com razão, desse ou daquele to, de avaliação e de revisão das Di-
ponto, mas não há que se discordar retrizes Institucionais e das normas
140
CURRÍCULO INTEGRADO NO IF GOIANO:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Simônia Peres da Silva1, Cláudio Virote2
1
e 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano
E-mail: simonia.peres@ifgoiano.edu.br
142
coletiva como princípio formador no democrática, respeito, transparên-
ensino médio, antes de considerá-lo cia e probidade pública, de maneira
como prática estritamente produtiva a preservar a sua dignidade e a de-
pela qual se busca garantir a forma- senvolver ações junto à sociedade
ção exclusivamente para o mercado com base nos mesmos valores; d) a
de trabalho. educação profissional e tecnológica
Além dessa base teórica, as ativi- pressupõe, portanto, uma qualifica-
dades desenvolvidas no Projeto Pi- ção intelectual, ampla o suficiente
loto foram norteadas também pelas para permitir o domínio de métodos
orientações do Plano de Desenvolvi- analíticos e de múltiplos códigos e
mento Institucional (PDI) do IF Goia- linguagens para consolidar, por sua
no, que define os alguns princípios vez, uma base sólida para a constru-
pedagógicos direcionadores das prá- ção contínua e eficiente de conheci-
ticas educativas: a) compromisso de mentos específicos.
romper com a dualidade entre teoria
e prática, dimensões indissociáveis 3. PROCEDIMENTOS
para a educação integral, pois ne- METODOLÓGICOS
nhuma atividade humana se realiza
sem elaboração mental, sem uma te- Mesmo definidos algumas dire-
oria em que se referencie, apesar de trizes gerais comuns, os coordena-
ser a prática o objetivo final de toda dores do Projeto Piloto, vinculados
aprendizagem; b) não admite a sepa- a Pró-Reitoria de Ensino, incentiva-
ração entre as funções intelectuais e ram que cada campus construísse
técnicas, respaldando uma concep- sua proposta pedagógica integrada.
ção de formação profissional que Acreditou-se que o sucesso do Proje-
unifique ciência, tecnologia e traba- to só seria possível por meio da au-
lho, bem como atividades intelectu- tonomia e protagonismo dos sujei-
ais e instrumentais; c) a educação, em tos envolvidos. Em outras palavras,
todos os seus níveis e modalidades, projetos desenvolvidos distantes das
deve ser encarada como referencial reais necessidades dos sujeitos que
permanente de formação geral que efetivamente implementam, sem le-
encerra como objetivo fundamental var em conta as características orga-
o desenvolvimento do ser humano nizacionais de cada campus que irão
orientado pelos valores da justiça so- aplicá-los, não só podem desperdi-
cial, equidade, solidariedade, gestão çar um instrumento essencial para a
144
ções - CBO) algumas diretrizes. Desse vo e formação para currículo integra-
modo, a carga horária máxima dos do deverão acontecer com periodici-
cursos técnicos integrados ao ensino dade semanal e será organizado pelo
médio ficou estabelecida a partir do Comitê Local.
mínimo estabelecido na Resolução Em relação a matriz curricular
CNE/CEB n. 6, de 20 de setembro de dos cursos criados ou reformulados
2012, em seu artigo 27, que estabe- na perspectiva do currículo integra-
lece que: do, ficou definido que deveriam ter
Os cursos de Educação Profissio- como foco o perfil profissional de
nal Técnica de Nível Médio, na forma conclusão e deverá ser organizada a
articulada com o Ensino Médio, inte- partir de três núcleos de formação:
grada ou concomitante em institui- a) Núcleo Básico é constituí-
ções de ensino distintas com projeto do pelas disciplinas e conteúdos
pedagógico unificado, têm as cargas vinculados à educação básica, es-
horárias totais de, no mínimo, 3.000, truturados pelos conhecimentos
3.100 ou 3.200 horas, conforme o e habilidades nas áreas de lingua-
número de horas para as respecti- gens e códigos, ciências humanas,
vas habilitações profissionais indica- matemática e ciências da natureza.
das no Catálogo Nacional de Cursos
Técnicos, seja de 800, 1.000 ou 1.200 b) Núcleo Articulador é o espa-
horas. ço curricular organizado pelos fun-
damentos científicos, sociais, orga-
Foi estabelecido um excedente nizacionais, econômicos, políticos,
para a carga horária de até o limi- culturais, ambientais, estéticos e
te de 10% (dez por cento) da carga éticos que alicerçam as tecnologia
horária estabelecida para a parte e a contextualização do eixo tec-
técnica, ou seja, 80, 100 ou 120 ho- nológico no sistema de produção
ras, para cursos de 800, 1000 ou 1200 social. Tem o objetivo de fazer a
horas, respectivamente. Solicitou-se integração entre o Núcleo Técnico
aos campi Pilotos um cronograma e Núcleo Básico, criando espaços
previsto no calendário escolar para contínuos para garantir meios de
encontros de planejamento coletivo realização da politecnia, a forma-
e formação específica para o currícu- ção integral, a omnilateralidade e
lo integrado. Ficou acordado, que os a interdisplinariedade.
encontros para planejamento coleti-
146
teúdos, similaridades entre as disci- dade. Caso a avaliação diagnostique
plinas e as afinidades apresentadas que o aluno não apreendeu deter-
não apenas nos conteúdos, mas tam- minado conceito ou conhecimento,
bém entre os próprios professores. este precisa ser retomado pelo pro-
No momento o Projeto Piloto está fessor.
iniciando a quarta etapa, que se refe-
re a Organização Didática. O objetivo 4. RESULTADOS
dessa fase é planejar de forma coleti-
O planejamento e implementa-
va e individual as aulas, os projetos e
ção do Projeto contou com a adesão
as atividades pedagógicas, tendo em
de professores e técnicos adminis-
vista o tema gerador, os eixos temáti-
trativos. Por meio de várias reuniões,
cos e as relações presentes ou possí-
os coordenadores de curso conse-
veis na rede temática. Estão previstas
guiram sensibilizar os professores,
reuniões semanais para o trabalho
utilizando como argumento as van-
coletivo, momentos de troca de ex-
tagens de trabalhar de forma inte-
periências e formação, prevista no
grada, a necessidade de aproveitar a
PPC do curso. As aulas e práticas pe-
autonomia docente para planejar e
dagógicas estão sendo planejadas,
dinamizar a aula e, como fundamen-
desenvolvidas e avaliadas conside-
to da proposta, a observância da rea-
rando três momentos (estudo da re-
lidade concreta do sujeito educando
alidade; aprofundamento teórico ou
como fonte temática.
organização do conhecimento; apli-
cação do conhecimento). Foram criados grupos de traba-
lhos vinculados a um Comitê Local,
A quinta etapa, Avaliação do Pro-
sendo um para estudar a legislação,
cesso/Replanejamento, está sendo
outro para trabalhar a questão “o que
realizada durante todo o processo de
é currículo integrado” e outro analisar
planejamento e desenvolvimento do
a matriz curricular do curso. A partir
Projeto Piloto. O objetivo é fazer uma
de então, discentes, professores, téc-
avaliação diagnóstica, processual,
nicos e gestores puderam compar-
formativa e somativa, visando iden-
tilhar momentos ricos e produtivos,
tificar os limites e avanços do Projeto
nos quais foram reelaboradas cole-
Piloto, e principalmente se os alunos
tivamente as estratégias de integra-
estão aprendendo os saberes histo-
ção que envolviam tanto as questões
ricamente produzidos pela humani-
curriculares, quanto os processos de
148
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mimeo, 2008.
RODRIGUES, M. E. C. O trabalho
pedagógico a partir da metodolo-
gia de Projetos e de Tema Gerador.
2010.
E-mail: liz.pereira@ifpa.edu.br
150
os saberes das disciplinas da base de células, utilizando-se materiais
comum, em que as matérias nem de construção para produzi-las e no
sempre apresentam uma correlação curso Integrado de Informática, or-
direta com os saberes necessários ao ganizando a produção de Objetos
desenvolvimento daquele conheci- Virtuais de Aprendizagem para Bio-
mento técnico exigido na formação logia, dos quais iremos tratar neste
que aquele profissional irá exercer trabalho.
no mundo do trabalho.
Assim, em face dessas lacunas 2. DESENVOLVIMENTO
apresentadas entre os conteúdos das
disciplinas de base comum e as disci-
2.1. Educação Integrada, Integral
plinas técnicas observadas no ensino e Integradora
técnico integrado, surgiu a possibili-
Embora a Lei de Diretrizes e Ba-
dade de explorarmos esse território
ses da Educação Nacional – LDB, Lei
disponível, onde se transformou a
9.394/96, cujo texto, em seu art. 34, §
disciplina técnica em ferramenta, e a
2º, aponta para o aumento progres-
disciplina da base comum em objeto
sivo da jornada escolar na direção do
de trabalho.
regime de tempo integral; em seus
Através da junção dos conheci- artigos de 39 a 42, trata da educa-
mentos técnicos da disciplina técni- ção tecnológica, em que busca as
ca Materiais de Construção, da Turma aptidões para a vida produtiva em
TE4, do curso Técnico Integrado em articulação com o ensino regular ou
Edificações; das disciplinas Progra- independente de escolaridade; de
mação Web e Programação de Apli- tal modo, tendo-se em síntese, um
cações para Comunicações Móveis, contraditório educacional, em que
da Turma TI14, do curso Técnico Inte- há divergência de interesses no pro-
grado em Informática; e do conheci- cesso de formação do sujeito.
mento básico da disciplina Biologia,
Quando observamos a pedago-
em ambos os cursos, do Instituto Fe-
gia de John Dewey, que sustentava a
deral de Educação, Ciência e Tecno-
teoria de que a educação das crian-
logia do Pará, IFPA, campus Itaituba,
ças devia basear-se na abordagem
foram realizadas duas experiências,
de solução dos problemas – o que
em que, no curso Integrado de Edi-
chamou de “aprender fazendo”, em
ficações foram produzidas maquetes
que a teoria é levada à ação prática,
152
nológica, preenche algumas lacunas texto educacional, que envolvem a
deixada na Lei de Diretrizes de Ba- indissociabilidade do ensino, pesqui-
ses de 1996, dando um novo rumo a sa e extensão, bem como a interdis-
este processo de formação do sujeito ciplinaridade, especialmente envol-
completo, e não apenas tecnológico. vendo as disciplinas da base comum
com as disciplinas técnicas, dando
2.2. Políticas pedagógicas de inte- ênfase ao processo da educação in-
tegral, em que o sujeito compreende
gração no IFPA, Campus Itaituba
a importância de todos os saberes
O campus Itaituba tem como dentro de sua formação profissional.
grande objetivo oferecer educação Outro processo de grande im-
de qualidade para aqueles que não portância nesse contexto é a opor-
possuem ou não tiveram condições tunidade da interdisciplinaridade e
de usufruir desse tipo de ensino, integração de saberes, fazendo pon-
oferecendo uma formação orgâni- tes entre as mais variadas disciplinas,
ca que não separe humanização de bem como com a contextualização
profissionalização, mas que forme junto à vivência da comunidade aca-
cidadãos. Procura-se a formação do dêmica e da sociedade em geral, em
sujeito crítico, reflexivo, participati- que as potencialidades podem ser
vo, autônomo, que saiba trabalhar trabalhadas e os problemas estuda-
de maneira coletiva, buscando o seu dos na busca de solução dos mes-
desenvolvimento cognitivo, afetivo mos, através de uma prática cidadã.
e social, independente da modalida-
de de ensino que frequente. Dessa
2.3. Metodologia
forma, essa formação integral tem
como objetivo promover a transfor- Este trabalho é um projeto de
mação da sociedade por meio da sinergia curricular, interdisciplinar,
educação (IFPA/ITAITUBA, 2016). com integração de saberes, através
A partir de patamares de educa- da indissociabilidade do ensino, pes-
ção propostos no Projeto Político-Pe- quisa e extensão, em que as discipli-
dagógico do IFPA, campus Itaituba, nas foram desenvolvidas pelos seus
para que se tenha a obtenção de su- conteúdos na formação de habilida-
cesso na execução de tal proposta, des e competências que buscavam o
faz-se necessário o uso de ferramen- desenvolvimento do potencial téc-
tas educacionais disponíveis no con- nico da área do curso onde o aluno
154
O conteúdo escolhido para a re- sentadas para os docentes das duas
alização do projeto foi Estrutura de disciplinas, em que a turma precisa-
Células Animais e Vegetais, que pas- va apresentar, dentro da Biologia, o
sou a ser apresentado e discutido componente celular e sua função;
em sala através de aulas expositivas, e dentro da disciplina Materiais de
discursivas e debates, que gerou Construção, qual o material foi utili-
uma pesquisa de imagens em vários zado, sua origem e como este é usa-
níveis de observação e graus de au- do na Construção Civil.
mento, com uso de imagens de mi-
croscopia óptica. Assim sendo, foram 2.3.2. Objetos Virtuais de Apren-
realizadas reuniões interdisciplinares
dizagem – OVA’s com conteúdo de
para que os dois docentes compre-
endessem um o conteúdo do outro Biologia feito no Curso Integrado
e as suas aplicações. As equipes de de Informática
alunos foram formadas, cujo desafio
Atribuições do Projeto:
era criar uma maquete de uma célula
animal e uma célula vegetal, utilizan- • Natureza: Ensino, pesquisa e
do-se materiais de construção para extensão;
simular todos componentes celula- • Local de Execução: Turma TI14
res, desde a membrana até todas as do 2° Ano do Curso Técnico
mínimas organelas. Integrado em Informática do
O Prof. Neto de Materiais de Cons- IFPA, Campus Itaituba;
trução ficou responsável pela apre- • Disciplinas: Biologia 2, Progra-
sentação dos mais variados materiais mação Web e Programação de
de construção e em conjunto com a Aplicações para Comunicações
Profa. Liz da Biologia iam avaliando Móveis, atendendo a 26 alunos;
as escolhas dos alunos até que os
materiais de construção escolhidos • Objetivos pedagógicos: Apren-
representassem, da forma mais fide- dizado do Conteúdo de Gené-
digna possível, os componentes ce- tica da disciplina de Biologia
lulares. 2; Prática do conhecimento
adquirido nas disciplinas Pro-
Foi realizado um seminário para gramação Web e Programação
apresentação de todas as maque- de Aplicações para Comuni-
tes produzidas e estas foram apre- cações Móveis; e Integração
156
Os programas escolhidos para a públicas na busca da conquista de
execução dos OVA’s foram o Scrat- novos doadores de sangue, através
ch, que é uma linguagem gráfica de de um programa de orientação pre-
programação, que possibilita a cria- coce, com ferramentas atrativas e de
ção de histórias interativas, anima- uso simplificado.
ções, simulações, jogos e músicas, e
o Construct 2, que tem como foco a 2.4. Resultados e discussões
criação de jogos 2D, e vem com mui-
tos recursos, os quais o torna fácil, 2.4.1. Maquetes produzidas e
incluindo um sistema físico que per- apresentadas
mite que os itens no jogo sejam go-
vernados pela lei da gravidade, como Foram criadas quatro maquetes,
também bits gráficos e de sons como todas com a finalidade de demons-
os sprites, fundos e efeitos de som. trar a capacidade de espacialização,
através da representação em pers-
Após a criação, os OVA’s, foram
pectiva dos desenhos e das imagens
entregues com os seus respectivos
obtidos sobre as células animais e
relatórios, e apresentados aos do-
vegetais em livros e softwares es-
centes das disciplinas envolvidas; se-
pecializados. Além disso, os alunos
guindo-se os testes de efetividade e
passaram a manusear os materiais
posterior adequação de códigos fon-
de construção, observando as suas
te necessários para o registro oficial
características estruturais, de confi-
como um produto de inovação do
guração, propriedades físicas, quími-
IFPA, campus Itaituba. Seguiram-se
cas, e assim buscando compreender
apresentações à comunidade inter-
melhor a sua aplicação dentro do
na e, posteriormente, à comunidade
universo das Edificações para o qual
externa.
acabaram de adentrar, uma vez que
Finalizados todos os processos eram turmas do 1º Ano do curso.
técnicos, os OVA’s, após registros,
Nas figuras 1 e 2, observamos as
estão sendo incluídos no Projeto de
células produzidas pelos alunos da
Extensão “Doadores do Futuro” a ser
Turma TE4, do curso Integrado de
desenvolvido junto aos hemocen-
Edificações do ano de 2011, em que
tros brasileiros, com a finalidade de
foram usados isopor de impermeabi-
desenvolver uma campanha junto a
lização de laje para compor a parede
adolescentes e a jovens de escolas
celular, lâmpadas que representam
158
2.4.2. OVA’s produzidos e apresen- no qual ambos utilizam ferramentas
tados diversificadas para criação de games.
Os tipos sanguíneos foram os princi-
Foram criados 4 OVA’s: Collect pais focos deste OVA, em que o pú-
Blood®, Blood Floating®, Following blico em geral interagiu e aprendeu
Blood® e Blood Race®, todas com a fi- ao mesmo tempo. Os jogos foram
nalidade de demonstrar a importân- programados em 2D, sendo o pri-
cia que tem na definição dos tipos meiro jogo chamado Collect Blood®,
sanguíneos e nos processos de com- criado no programa Scratch (sic)
patibilidade entre estes. Aqui será (TI14, 2015).
apresentado o Collet Blood®, como Collect Blood® (Figura 3) é um OVA
modelo de OVA’s, fruto da integração plataforma 2D, criado a partir do pro-
de saberes entre as disciplinas de grama Scratch, em que o principal
Biologia 2, Programação Web e Pro- objetivo é coletar as gotas de sangue
gramação de Aplicações para Comu- de acordo com o tipo sanguíneo in-
nicações Móveis. A apresentação dos formado na tela inferior do jogo. O
resultados está fundamentada nos jogo contém 03 fases, divididas nos
relatos apresentados pelos alunos. quatro tipos sanguíneos A, B, AB e O,
Os OVA’s Collect Blood® foi desen- conforme estudados em sala de aula
volvido usando as ferramentas de (Figura 4). O jogo é bastante intera-
programação Scratch e Construct 2, tivo, colorido e divertido, ensinando
160
uma ação conjunta, interinstitucio- às explicações dos temas que serão
nal, envolvendo o IFPA, campus Itai- utilizados como objeto de trabalho
tuba, Hemocentros Brasileiros e as aplicado dentro da Informática.
Secretarias Municipais de Educação. Dentro da política de educação
O projeto pretende realizar 4 etapas, básica e técnica do IFPA, campus
a saber: a primeira local, acontecen- Itaituba, os cursos técnicos de nível
do em Itaituba, junto com as Secreta- médio na forma integrada têm sua
rias Municipais de Saúde e Educação; fundamentação teórico-metodoló-
a segunda, Estadual, envolvendo gica nos princípios da interdiscipli-
IFPA, campus Itaituba e a Fundação naridade, da contextualização e nos
HEMOPA; a terceira, Regional, esten- demais pressupostos da formação
dendo-se até o HEMONORTE, no Rio técnica integrada à educação básica,
Grande do Norte; e a quarta e última, usualmente denominada de currícu-
Nacional, em Brasília, junto ao Minis- lo integrado (IFPA/ITAITUBA, 2016),
tério da Saúde, com a proposta de de tal modo que não se pode levar
formatar uma campanha nacional o conhecimento para um curso Téc-
para sensibilização dos adolescentes nico Integrado como se fosse um
e jovens para serem futuros doado- grande armário cheio de gavetas
res de sangue, quando atingirem a isoladas, em que cada uma delas es-
maior idade. teja segmentado um conhecimento
diferente e isolado. Faz-se necessária
2.4.3. A ponte entre base comum a comunicação entre essas “gavetas”
e disciplinas técnicas para que se possa encontrar a real
importância de cada um dos conte-
Quando analisamos os produtos údos aprendidos e apreendidos pelo
aqui apresentados pelos alunos do aluno durante a sua formação profis-
curso Técnico Integrado em Informá- sional.
tica, observamos o conhecimento
A escolha da metodologia ba-
básico de Biologia sendo utilizado
seada na indissociabilidade entre
de forma profunda, em que foram
ensino, pesquisa e extensão tem-se
necessárias muitas horas de aprofun-
mostrado muito eficiente no pro-
damento e compreensão do tema a
cesso de ensino e aprendizagem na
ser desenvolvido nos Objetos Virtu-
educação profissional, científica e
ais de Aprendizagem. É notória a sa-
tecnológica, pois busca contextuali-
tisfação com que os alunos assistem
162
mente com a entrada das Pós-Gra- Desde 2003, Frigotto e Ciavatta
duações Stricto sensu, o processo de já discutiam esse processo, quando
qualificação profissional docente foi diziam que “a formação dos jovens
ampliado, favorecendo sobremanei- para a apropriação criativa da ciência
ra a entrada de pesquisadores para e da tecnologia debate-se entre uma
atuarem junto ao ensino técnico in- reforma imposta ao ensino médio e
tegrado, fortalecendo a proposta de técnico com forte acento nos cursos
indissociabilidade de ensino, pesqui- breves, modularizados para a crença
sa e extensão. Porém na contramão na “empregabilidade”. E ainda com-
do processo, essa Lei permite que plementam que num processo como
os professores da formação técnica esse, os sujeitos, frutos da educação
possam ser profissionais de notório profissional “começam e acabam
saber em sua área de atuação ou na sociedade, mas a escola pública,
com experiência profissional atesta- universal, laica, gratuita, democrá-
dos por titulação específica ou práti- tica e, portanto, unitária (síntese do
ca de ensino, o que particularmente, diverso) é um direito e uma media-
subverte a ordem científica, que em ção imprescindível nas suas lutas e
muito tem fortalecido o ensino técni- na produção de sua humanização e
co nestes últimos anos e incentivado emancipação (FRIGOTTO e CIAVAT-
especialmente os processos de ino- TA, 2003).
vação. E assim, perguntamo-nos que
Ainda de acordo com a nova Lei tipo de caminho a educação do En-
do Ensino Médio, “o currículo será sino Médio tem percorrido em nos-
dividido entre conteúdo comum e so país? Hora com ganhos, hora com
assuntos específicos de acordo com perdas. Mas até aqui não estão sen-
o itinerário formativo escolhido pelo do ainda contabilizadas as perdas
estudante (linguagens, matemática, irreparáveis que este processo trará
ciências da natureza, ciências huma- aos nossos alunos.
nas e formação técnica)”, decretando Dentro desse debate, se conside-
a morte do processo de andamento rarmos que o sujeito terá um currícu-
de educação integral, que vem sen- lo mínimo, a efetivação de um proje-
do efetivado, gradativamente ao lon- to como este que aqui apresentamos
go da história da Rede de Educação ficaria inviabilizado, por muitos fa-
Tecnológica. tores óbvios, mas que certamente, a
164
República Federativa do Brasil, Poder Blood, Blood Floating, Following
Legislativo, Brasília, DF, 17 fev. 2017. Blood e Blood Race, apresentados
Seção 1. p. 1. pelos alunos da Turma TI14, do Curso
Técnico Integrado em Informática do
CAVALIERE, Ana Maria. Anísio Tei- IFPA, Campus Itaituba. Itaituba. 2015.
xeira e a educação integral. Paidéia. 11p.
maio-ago. 2010, Vol. 20, No. 46, 249-
259. Disponível em <http://www. MORIN, Edgar. O método 4. As
scielo.br/pdf/paideia/v20n46/11. ideias. Tradução de Juremir Ma-
pdf>. Acesso em: 10/06/2017. chado da Silva. Porto Alegre: Sulina,
2001. Título original: La Méthode,
FRIGOTTO, Galdêncio; CIAVATTA, Ma- (t..4), Les idées, leur habitat, leur vie,
ria. Educação básica no Brasil na leurs moeurs, leur organisation.
década de 1990: subordinação ativa
e consentida à lógica do mercado. In: SCHMIDT, Ireneu Aloisio. John
Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 82, Dewey e a Educação Para uma So-
p. 93-130, abril 2003 Disponível em ciedade Democrática. CONTEXTO &
<http://www.cedes.unicamp.br>. EDUCAÇÃO. Editora Unijuí. Ano 24 nº
Acesso em: 10/06/2017. 82 Jul./Dez. 2009. p.135-154.
166
Cambuci, na tentativa de demons- Unidos da América, somente, por
trar como, na prática do cotidiano, os volta de 1920. Um grupo de estudio-
discursos e as teorias se concretizam. sos, ligados à administração escolar,
passou a entender o currículo, ofi-
2. APROXIMAÇÕES TEÓRICAS EN- cialmente, como forma de racionali-
zação, sistematização e controle da
TRE CURRICULO E ENSINO MÉDIO
prática educativa. Diante desse novo
INTEGRADO objeto, diferentes concepções de
O currículo não pode ser analisa- currículo começaram a se delinear e
do fora do seu contexto. Ele é a ex- várias teorias foram definidas, enfa-
pressão de seu tempo, mesmo que tizando certos conceitos de acordo
de forma não elaborada, e das ideo- com seu campo de interesse.
logias que configuram o pensamen- Essas visões são categorizadas,
to educacional, político, econômico segundo Silva, T. T. (2009), como: Te-
e social de sua época. O que dife- orias Tradicionais, que priorizam os
rencia e configura um determinado métodos de ensino-aprendizagem e
pensamento curricular é a ênfase, de avaliação, a metodologia didáti-
organizada e orientada, dada a cada ca, a organização e o planejamento,
um desses enfoques em detrimento além da eficiência para o alcance de
de outros. Mas ele não é apenas fei- objetivos; Teorias Críticas, que dão
to de consensos e supremacias. Ele ênfase à ideologia, aos artefatos de
é adaptável, é campo de conflito, de reprodução cultural e social, às rela-
contestação, de relações de poder e ções sociais de produção e de classe
de propagação de ideologias. Sen- e a um currículo que leve à conscien-
do assim, uma análise aprofundada tização, emancipação, libertação e
nesse campo de estudo nunca fará resistência; e Teorias Pós-Críticas, que
emergir, somente, a relação da so- enfocam a identidade, a alteridade,
ciedade com o conhecimento, mas o as diferenças e a subjetividade, assim
modo como ela se organiza ou não como os processos de significação e
para manter e/ou modificar suas es- construção do discurso no currículo
truturas (DÁLIA, 2011). e a ligação existente entre o saber e o
Segundo autores como Silva, T. T. poder e a múltipla representação so-
(2009), Moreira e Silva (2002) e Ma- cial e cultural nos documentos curri-
cedo (2009), o currículo como cam- culares.
po de estudos surgiu nos Estados Sabe-se que a rotina pedagógica,
168
dele se percebem e se representam pode ser estabelecido entre as várias
as relações dessa realidade (RAMOS, áreas de conhecimento com o intui-
2005). Sob essa perspectiva, o tra- to de desenvolver no educando um
balho, como “mediação ontológica olhar múltiplo sobre a sociedade.
e histórica na produção do conheci- Isso evidencia o compromisso polí-
mento” (RAMOS, 2005, p.114) passa a tico da escola em formar cidadãos
ser visto como princípio educativo e inteiros a partir e no meio do qual
integrador do conhecimento e a pro- participa.
fissionalização junto com a formação Diante disso, leva-se em conta
geral constituiriam, portanto, uma para a compreensão de currículo,
unidade e promoveriam uma escola neste trabalho, o pensamento dos
unitária e de educação politécnica seguintes autores, que se articulam
(FRIGOTTO, 2005). às concepções críticas e pós-críticas:
O Currículo Integrado de fato não Sacristán (2000), para o qual o currí-
diz respeito somente à articulação culo é uma práxis, um projeto educa-
entre formação geral e profissional. tivo, no qual se estabelece um diálo-
Isso significa que sua práxis deve se go entre agentes sociais, elementos
sustentar no desenvolvimento do técnicos, alunos e professores; Silva,
pensamento complexo, na experi- T. T. (2009), que o defende como do-
mentação, no trabalho como prática cumento de identidade; Moreira e
educativa e no contexto no qual o Silva (2002), que afirmam ser o cur-
discente está inserido, para assim ter rículo um instrumento de conserva-
como resultado uma aprendizagem ção, transformação e renovação dos
significativa, em uma tentativa cons- conhecimentos e de socialização
tante de interação entre as diversas ideológica; e Macedo (2009), com-
áreas de conhecimento. Consonan- preendendo o currículo como um ar-
te a Santomé (1998), a escolha de tefato socioeducacional que veicula
um currículo desse tipo demonstra, uma formação ética, política, estéti-
mesmo com dificuldades internas, ca e cultural, no cotidiano, enquanto
a identidade e a posição política de concepção e prática.
um determinado grupo educativo. Com base nesses pressupostos,
Não se desqualifica, nessa ocasião, entende-se que currículo é toda
o campo de ensino e pesquisa das prática que se tornou habitus1 edu-
diversas disciplinas e especialistas, cativo em uma determinada institui-
mas, sim, acredita-se no diálogo que
1 Segundo uma adaptação do conceito de Bourdieu que entende habitus como uma ação
que não é meramente mecânica nem individual, mas que se torna a única prática viável (“a
coisa certa a ser feita”) dentro de um determinado contexto social. Nesse caso, influencia-
do pela ideologia educacional e os valores sociais vigentes nas instituições e comunidades.
(BOURDIEU, 2004, p 21-23) e (GONÇALVES, N. G. e GONÇALVES, S. A. 2010, p. 51).
170
superação do caráter compartimen- cada campus, o IF-Fluminense, que
tado e dicotômico existente que se- abrange 14 municípios da área nor-
para homem/cidadão; teoria/prática; te do estado do Rio de Janeiro, man-
ciência/tecnologia; saber/fazer; (g) tém algumas políticas institucionais.
o desenvolvimento de um trabalho A atual Pró-Reitoria de Pesquisa, Ex-
educativo em que haja articulação tensão e Inovação (ProPEI) vem dan-
entre ensino, pesquisa e extensão;” do continuidade à oferta de ações
(IFF, 2011, p.113). Além disso, tem de pesquisa e de extensão em cada
como diretrizes de suas práticas aca- uma de suas unidades. Por meio de
dêmicas a inter e a transdisciplinari- editais de apoio e da concessão de
dade como oportunizadoras da “in- algumas bolsas aos estudantes, aos
tegração e articulação do currículo, pesquisadores e aos extensionistas,
provocando intercâmbios reais (...), tem-se procurado incentivar pro-
em que o sujeito perceba a neces- jetos nas mais diversas temáticas e
sidade de estabelecer relações (...) com os mais distintos objetivos. Os
na compreensão de um dado fenô- programas como o Núcleo de Estu-
meno ou na resolução de um deter- dos Afro-brasileiros e Indígenas (NE-
minado problema” (IFF, 2011, p.14). ABI), o Núcleo de Gênero e Diversida-
Observa-se aqui que a concepção de (NuGem) e o Centro de Memória
institucional de ensino dialoga com são garantidos em todos os campi,
as teorias críticas e defende a cons- desde que haja interesse dos sujei-
trução de uma visão integradora do tos sociais locais. Ademais, são in-
currículo, inclusive prevendo articu- centivados outros projetos de cunho
lação para além das ações de ensino, extensionista e investigativo, mais
ou seja, pelo menos no plano teórico, específicos, de acordo com as de-
percebe-se um compromisso com a mandas dos próprios profissionais2.
superação da compartimentação do Percebe-se, pois, com tais ativi-
conhecimento e do currículo como dades, que a integração promovida
instrumento do capital. pelo IF-Fluminense perpassa pela
Assim e a partir da necessidade execução dos projetos. Nos próprios
de garantir os princípios de integra- editais que avaliam, autorizam o
ção e articulação no contexto de funcionamento e concedem bolsas
2 Para maiores informações ver editais: 39/2017; 51/2017; 59/2017; 60/2017; 61/2017. Eles
estão disponíveis na página: http://www.sisep.iff.edu.br/cadastro/orientacoes/. Data de
acesso: 04/08/2017.
172
bém alguns profissionais caros a uma que resultam, hoje, no envolvimento
escola, como bibliotecários, pedago- direto de cerca de 40% dos discentes
go, psicólogo, dentre outros. da escola nessas propostas, sejam
Mesmo com vários problemas como voluntários ou como bolsis-
estruturais graves, que dificultam tas. Isso pode ser percebido na tabe-
muito as práticas educativas, e se va- la abaixo, que lista a quantidade de
lendo das possibilidades produtivas projetos coordenados pelos profes-
e sociais de uma escola agrícola situ- sores desde o momento em que a
ada na zona rural, os professores do unidade se tornou avançada:
Campus têm demonstrado um cres- Além do crescimento, deve-se
cente interesse pelo desenvolvimen- destacar também a diversidade for-
to de ações de pesquisa e extensão mativa das equipes dos projetos. Em
Tabela 1 – Número de projetos de pes-
quisa e extensão do Campus Cambuci
alguns deles estão presentes docen- justifica não somente pelo fato de
tes e técnicos com formações bem eles serem coordenados pelos auto-
diferentes, o que aponta para a cons- res deste texto, mas, principalmente,
trução de um conhecimento que por: partirem da concepção de Ensi-
rompe com os limites disciplinares. no Integrado apresentado anterior-
Diante disso, a análise aqui apresen- mente, isto é, serem projetos que,
tada se concentrará sobre três deles: apesar de estarem ligados a aspectos
um de pesquisa, um de extensão, e culturais, também estão fortemente
outro classificado pela instituição, vinculados à temática rural, tão cara
como de integração pesquisa e ex- aos Cursos Integrados de Agroecolo-
tensão. A escolha desses projetos se gia e de Agropecuária desenvolvidos
174
munidades vizinhas, o que facilitará já utilizadas nas aulas para as discus-
o desenvolvimento de ações de ensi- sões sobre assuntos cotidianos; tra-
no, de pesquisa e de outras ações de balhar, a partir dos dados obtidos, as
extensão. Tendo em vista os cursos relações entre os grandes processos
integrados oferecidos na unidade históricos estudados e a vida local;
escolar, o melhor entendimento da demonstrar como os sujeitos histó-
história e dos valores das comunida- ricos orientam as suas ações, o que
des rurais facilitará a construção de favorece a perspectiva de que todos
atividades que atendam as deman- nós somos agentes históricos e não
das locais. No que se refere especifi- somente os “grandes personagens”
camente ao Curso de Agroecologia, presentes nos livros didáticos. Ade-
o debate sobre o impacto da Revo- mais, os bolsistas e voluntários te-
lução Verde na produção local dina- rão a oportunidade de participar de
mizará o trabalho de resgate de prá- um projeto científico, tendo acesso
ticas tradicionais de produção. Além a uma série de atividades (leituras
disso, o projeto estará em constante complementares, orientação, apre-
diálogo com o recém-criado curso sentações orais em eventos científi-
de Pós-Graduação Lato Sensu: Lite- cos) que potencializarão o seu cresci-
ratura, Memória Cultural e Sociedade. mento como estudante, preparando,
Como a especialização tem a propos- inclusive, para uma possível vertica-
ta de analisar práticas culturais locais, lização.
o material levantado enriquecerá as Por fim, espera-se que as ações
discussões de algumas disciplinas. colaborem para o maior estreita-
Em segundo lugar, as ações do mento do Campus com as comuni-
projeto auxiliarão nas atividades dades vizinhas. Entende-se que, so-
pensadas pela disciplina de história. mente por meio desse enlace e do
Tendo como pressuposto as estra- conhecimento das demandas locais,
tégias de ensino de Circe de Bitten- será possível a instituição participar
court, defensora do estudo histórico da construção de um projeto coleti-
da realidade por meio de situações vo de desenvolvimento sustentável
problemas (BITTENCOURT, 2004), ele baseado, de fato, nas demandas das
possibilitará: exemplificar o debate populações do campo, respeitando
sobre fontes e metodologias do co- os seus interesses e a sua identidade.
nhecimento histórico; aprofundar as O projeto de extensão é pensa-
técnicas de pesquisa da história oral,
176
são reforçou a necessidade de esta- implicação desses insumos na saúde
belecer uma rotina sistematizada de da população local (MOREIRA, 2002).
estudos sobre a realidade dos alunos A introdução dos insumos químicos
do campus. Nasceu, assim, a ideia da esteve ligada a um processo mais
criação do Núcleo de pesquisas e estu- amplo de mudanças produtivas co-
dos sobre as ruralidades fluminenses, nhecida como Revolução Verde. Em
que foi aprovado e cadastrado pelo Nova Friburgo, algumas pesquisas
IFF junto ao CNPq em 20164. mostram que, no início dos anos
O projeto Memórias de vidas no 80, a grande maioria dos agriculto-
campo: as transformações nas “artes res já utilizava esses agroquímicos
de fazer e conviver” dos trabalhadores sem qualquer prescrição (MORETT
de bairros rurais da serra Fluminense e MAYER, 2003). Tal mudança na or-
(Nova Friburgo e Sumidouro) (1950- ganização produtiva deve ter afeta-
2000) é fruto do anseio de se enten- do amplamente a vida cotidiana da
der melhor o processo histórico mais população rural e é, justamente, essa
recente de formação e de desenvol- uma das questões principais da pes-
vimento de regiões rurais do estado quisa. Diante disso, optou-se por um
do Rio de Janeiro e se ancora na linha recorte temporal que se concentras-
de pesquisa: Linguagem, Identidade e se sobre os últimos 50 anos do século
Memória do Rural Fluminense do já XX, o que permitirá estabelecer uma
referido núcleo. O seu recorte geo- análise entre o modo de vida nessas
gráfico pode ser justificado de várias áreas, antes e depois da introdução
formas, levando-se em consideração, do pacote tecnológico e, em parce-
principalmente, as ligações histórias ria com o projeto de extensão Cen-
dessas áreas com aquelas mais pró- tro de Memória do IFF Cambuci, um
ximas ao campus Cambuci e as ati- comparativo com o território rural de
vidades econômicas predominantes Cambuci.
nessas regiões. Essas duas regiões Assim, espera-se entender me-
têm o seu arranjo produtivo voltado lhor as características de comuni-
para o setor agropecuário e são mar- dades rurais de regiões agrícolas
cadas pelo grande uso de agrotóxi- importantes para a economia do es-
cos, o que já gerou estudos sobre a tado. Uma vez de posse dos dados,
178
dados sociais, que só foram surgin- buci objetiva, pois, atuar exatamente
do de acordo com a necessidade na criação de tais ferramentas, pro-
peculiar de cada uma dessas ações. curando dar subsídios para uma atu-
O mesmo ocorreu com a constitui- ação institucional mais comprometi-
ção dos núcleos de pesquisa e com da com as questões locais.
a oferta dos cursos FIC, Tecnólogo e No campo pedagógico, o projeto
de Especialização, já com previsão partiu do princípio de que o currí-
de início. As ferramentas de consulta, culo de uma instituição educativa é
desses dois últimos, foram pensadas toda a sua práxis, em qualquer âmbi-
a partir da implantação dos projetos to (SACRISTÁN, 2000), transformada
pedagógicos já consolidados por ou- em seu documento de identidade
tros campi e não suscitadas por de- (SILVA, 2009), no qual se forjam ide-
mandas especificamente locais. No ologias, territórios políticos e con-
caso do curso FIC, não houve consul- cepções de saber e poder (MACEDO,
ta e foi uma ação planejada a partir 2009; MOREIRA e SILVA, 2002). Por
de um projeto de pesquisa apoiado isso, é de suma importância que ele
pelo CNPq5. reflita a realidade em que se insere.
Diante desse cenário e com os Contudo, para que ele seja veículo
quadros pedagógico e de gestão de representações e transformações,
já formados, o IFF campus Cambu- é preciso, antes de conceber uma
ci percebeu a necessidade de criar proposta pedagógica, e aí se incluem
instrumentos que possibilitassem as práticas científicas e extensionis-
compreender melhor as demandas tas, seja ela em qual modalidade for,
formativas, produtivas e sociais da conhecer o contexto no qual e para
comunidade que atende e de estrei- o qual se destina. Sendo assim, bus-
tar os laços com os agentes locais cou-se com tal proposta estabelecer
para aprimorar, gerir com mais efici- interlocução entre a escola e as co-
ência, planejar e integrar suas ações munidades atendidas por elas, diag-
de ensino, pesquisa e extensão. O nosticando suas necessidades e seus
projeto de Integração Pesquisa e Ex- anseios formativos. Isso permitirá
tensão Aportes para o planejamento construir os currículos do IFF-Cam-
das ações pedagógicas de pesquisa buci de modo mais coerente e condi-
e de extensão do IFF-campus Cam- zente, além de proporcionar aos seus
180
há de se levar em conta a possibilida- culo como documento e como prá-
de e a necessidade de se estender a tica educativa unitária, ratificando o
integração para além dos projetos e compromisso da instituição pública
torná-la uma prática do cotidiano es- com a excelência e com a formação
colar. Esse seria o principal desafio a crítica.
ser enfrentado pelas escolas da rede
federal, principalmente, pelo campus REFERÊNCIAS
Cambuci.
ARRUDA, M. C. C. e JÚNIOR, J. A. C. C.
A superação da formação dual
Conselhos Municipais de Educa-
de trabalhadores e trabalhadoras
ção: desafios daformação e da ges-
para o mercado encontra bases na
tão democrática. Seropédica: UFRRJ,
concepção da educação a partir da
2015.
construção do Currículo Integrado.
Somente a partir disso, pode-se ir BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de
além da mera formalização existente História: fundamentos e métodos.
no ensino integral como modalidade São Paulo: Cortez, 2004.
e não como práxis. Nesse sentido, a
inter ou a transdisciplinaridade se fa- BOBBIT, J. The curriculum. Boston:
zem imprescindíveis para a articula- Houghton Miffin, 1918.
ção entre os diversos saberes e para
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Pau-
romper com a abordagem empirista
lo: Brasilense, 2004.
e mecanicista da tradicional profis-
sionalização. DÁLIA, J. M. T. Formação integral na
Diante das experiências e dos de- educação do campo: o ensino de
safios apresentados, espera-se que, língua portuguesa no currículo inte-
no IFF campus Cambuci, o acúmulo grado da pedagogia da alternância.
criado com os projetos seja capaz de 24/08/2011. 107f. Dissertação. Pro-
fazer com que a equipe pedagógica grama de Pós-Graduação em Edu-
perceba que a integração curricular, cação Agrícola/UFRRJ. Seropédica,
de fato, é possível. Torna-se mister a 2011.
garantia estrutural para a continui-
dade desses projetos e que a articu- DEMO, P. Metodologia da investi-
lação vivenciada nessas ações seja gação em educação. Curitiba: Ibpex,
reelaborada na construção do currí- 2005.
182
MAYER. J. M. e ARAÚJO, J. R. (Org.)
Teia Serrana: formação histórica de
Nova Friburgo. Rio de Janeiro: Edito-
ra ao livro Técnico, 2003, p.265-84.
184
1999), “a educação para o trabalho dos futuros (MOURA, 2007).
não tem sido tradicionalmente co- A nova possibilidade de articu-
locada na pauta da sociedade brasi- lação entre educação básica e edu-
leira como universal” (p. 5), mas que, cação profissional técnica surge na
apesar disto, e devido a inúmeras forma integrada de Educação Profis-
discussões e avanços historicamente sional Técnica de Nível Médio. Essa
construídos, forma é resultante de debates mobi-
não se concebe, atualmente, a edu- lizados nos setores da educação pro-
cação profissional como simples
instrumento de política assisten- fissional, principalmente no âmbito
cialista ou linear ajustamento às dos sindicatos, e pesquisadores da
demandas do mercado de trabalho, Educação e Trabalho, com agentes
mas sim, como importante estraté-
gia para que os cidadãos tenham e atos políticos, que culminou na
efetivo acesso às conquistas cientí- revogação do Decreto nº 2.208/97,
ficas e tecnológicas da sociedade. que determinava a separação entre
Impõe-se a superação do enfoque
tradicional da formação profissional Ensino Médio e educação profissio-
baseado apenas na preparação para nal, e na publicação do Decreto nº
execução de um determinado con- 5.154/04, que permitiu novamente a
junto de tarefas. A educação profis-
sional requer, além do domínio ope- oferta da educação básica de forma
racional de um determinado fazer, articulada à educação profissional.
a compreensão global do processo
produtivo, com a apreensão do sa- O Ensino Médio Integrado à Edu-
ber tecnológico, a valorização da cação Profissional atualmente é ofer-
cultura do trabalho e a mobilização
tado nas instituições da Rede, pois
dos valores necessários à tomada de
decisões (BRASIL, 1999, p. 8). conforme o art. 6º da Lei nº 11.892
uma das finalidades dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tec-
Esse documento denota a bus-
nologia (IFs) é: “ministrar educação
ca pelo rompimento da dualidade
profissional técnica de nível médio,
estrutural que se difundiu no Brasil
prioritariamente na forma de cursos
desde o império: a educação pro-
integrados, para os concluintes do
fissionalizante, de caráter mais ins-
ensino fundamental e para o públi-
trumental direcionada às camadas
co da educação de jovens e adultos”
populares como forma de apoio as-
(BRASIL, 2008, grifo nosso), devendo
sistencialista, e educação básica, de
garantir 50% de suas vagas para este
caráter mais propedêutico, dirigida
fim.
aos que se preparavam para os estu-
186
ção curricular. Para ela, os currículos autora relata que em sua prática do-
dos cursos integrados são bastante cente não buscava trabalhar os con-
fragmentados. Ao invés de se pen- teúdos científicos de forma articula-
sar em uma adaptação curricular da com os conhecimentos técnicos e
para essa forma de ensino, eles são lecionava como se estivesse em um
compostos de todas as disciplinas do ensino médio convencional. Visando
ensino médio regular e as demais da promover uma formação e tendo o
formação profissional e, deste modo: trabalho como princípio educativo,
[...] os alunos cursam um grande ela elaborou e aplicou uma propos-
número de disciplinas ao mesmo ta buscando promover a integração
tempo, com pouca carga horária
destinada a cada uma delas e sem
entre quatro disciplinas do curso
nenhum nexo ou ligação entre os técnico integrado em eletrotécnica.
conteúdos das matérias básicas Em sua investigação, a pesquisado-
com o ensino técnico. Os conteúdos
são ministrados individualmente
ra buscou informações sobre a visão
com pouca ou nenhuma conectivi- dos estudantes em relação ao ensino
dade entre si, o que contribui para médio integrado e percebeu que há
dificultar o entendimento e a assi-
milação por parte dos alunos (MU-
um desconhecimento por parte de-
NIZ, 2015. p. 84). les do que é um ensino integrado,
sendo predominante a ideia de que
neste tipo de curso simplesmente se
O problema apresentado por Mu- tem a formação básica adicionada
niz (2015) é tão grave que em pouco a disciplinas de cunho profissional.
tempo de existência do campus já Dentre as dificuldades encontradas
foram encerrados diversos cursos in- pela professora durante a execução
tegrados e abertos outros novos. Ela da proposta, ela destacou o des-
destaca a necessidade de se repensar conhecimento de conhecimentos
os currículos de modo que trabalho e específicos para se promover uma
estudo não sejam excludentes. efetiva integração, demandando
Outro estudo, realizado por Melo bastante pesquisa e estudo ao longo
(2015), também destaca a dificulda- do planejamento. Para a autora, essa
de dos docentes de efetivarem uma dificuldade pode ser atribuída a la-
formação integrada que se contrapo- cunas em sua formação docente que
nha a dualidade estrutural entre for- não contribuiu para prepará-la para
mação básica de nível médio e edu- atuar no ensino integrado.
cação profissional. Em seu trabalho, a
188
Mas eles próprios começam a se di- sua plenitude. Constitui-se assim um
ferenciar dos animais tão logo come- processo de alienação e, por meio
çam a produzir seus meios de vida dele, os homens tornam-se menos
(p.27). [...] mas os homens, ao de- homens (PIRES, 1997).
senvolverem sua própria produção As críticas de Marx se estendem/
material e seu intercâmbio material, aplicam à educação. A educação for-
transformam também, com esta sua mal pode contribuir para o processo
realidade, seu pensar e os produtos de humanização ou de alienação dos
de seu pensar (MARX e ENGELS apud jovens. Para o filósofo, a educação
ANDRADE, 2006, p. 52-53, grifo nos- profissional pautada no adestramen-
so). to dos operários por meio do ensino
A atividade humana é entendida de técnicas e manipulação de ferra-
como transformadora da realidade e, mentas tem como objetivos a manu-
ao transformá-la, o homem transfor- tenção da divisão do trabalho e a in-
ma a si mesmo em um movimento trodução de mais máquinas no meio
simultâneo. Deste modo, o homem de produção, contribuindo para o
não se situa fora da realidade, mas processo de alienação. O mesmo
pertence a ela (ANDRADE, 2006). ocorre em um sistema educativo que
É na categoria trabalho que está a foque apenas na formação intelectu-
materialidade histórica do homem, al e abstrata.
sendo ela o centro das relações so- Diversos autores brasileiros
ciais. O trabalho, ao constituir-se tais como Frigotto (2012), Ciavatta
como atividade vital, possibilita que (2012), Kuenzer (1998) discutem a
o homem se torne homem, em um relação entre trabalho e educação e,
processo chamado de humanização para Pires (1997) essa reflexão é mui-
(PIRES, 1997). to importante, pois:
Entretanto, na sociedade capita- A humanidade, produzida histórica
lista, o trabalho é explorado, sendo e coletivamente pelo conjunto dos
homens, diz respeito ao conjunto
vendido sempre por um preço me- de instrumentos (objetos, ideias, co-
nor do que ele vale. Nessa lógica de nhecimento, tecnologia etc) com os
organização, o capitalista expropria quais os homens se relacionam com
a natureza e com os outros homens
o trabalho do trabalhador dividindo para promover a sobrevivência. A
e setorizando os meios de produ- forma histórica de produzir a huma-
ção, retirando dele a atividade em nidade chama-se trabalho, portanto
a centralidade do trabalho nas rela-
190
Na concepção ontológica, o tra- ver seus meios de subsistência, suas
balho não deve ser reduzido ao em- necessidades fisiológicas e culturais,
prego. É uma atividade essencial não sendo correto que alguns grupos
para responder a produção de ele- explorem e vivam do trabalho dos
mentos necessários não só a vida outros (FRIGOTTO, 2012). Esse mito
biológica, mas a vida cultural, social, salvacionista da Ciência e da Tecno-
afetiva e todas outras necessida- logia é amplamente compartilhado
des que se modificam ao longo da pelos docentes que, ao discutirem
história. Segundo Frigotto (2012), o desenvolvimento científico e tec-
os trabalhadores sempre buscaram nológico como estudantes, o fazem
desenvolver meios/modos que pos- argumentando que os problemas
sibilitassem diminuir esse tempo de enfrentados pela sociedade serão
trabalho para dispor de mais tempo resolvidos com cada vez mais tecno-
livre, um tempo de escolha verdadei- logia. O que observamos é a grande
ramente criativo. Nessa perspectiva, desigualdade social, o aumento do
o trabalho humano se dá tanto na es- desemprego e milhares de pessoas
fera da necessidade quanto da liber- que passam fome diariamente, mes-
dade, que são inseparáveis. E é neste mo que se produza alimento sufi-
contexto que a ciência e a tecnologia ciente para atender a demanda.
se inserem, pois, elas podem ser uti- Na política educacional brasileira
lizadas na melhoria das condições de pode-se notar a falta de identidade
vida, permitindo um aumento desse do ensino médio. Mesmo sendo ela
tempo de efetiva escolha. a etapa final da educação básica e,
Todavia, as mudanças científicas consequentemente muito importan-
e técnicas não têm contribuído para te para a formação de cidadãos ativos
que grande parte das pessoas tenha na sociedade, nas instituições priva-
essa melhor qualidade de vida e pos- das ainda se busca apenas a prepara-
sa desfrutar de mais tempo disponí- ção dos jovens para exames e ingres-
vel. Muitos estão desempregados ou so no ensino superior. As instituições
trabalhando em condições precárias. públicas, tentando proporcionar
Desta forma, é preciso pensar em essa mesma oportunidade para seus
uma formação que tenha o trabalho estudantes, devido a diversos fatores
como princípio educativo, pois to- sociais, estruturais, econômicos, que
dos os seres humanos, como parte não se restringem as paredes da es-
integrante da natureza, devem pro- cola, não conseguem atingir os mes-
192
• O mito da superioridade do inércia e lógica de evolução,
modelo das decisões tecno- desprovida do controle dos se-
cráticas: na perspectiva tecno- res humanos” (VERASZTO et al.,
crática, os experts (especialistas 2008, p. 70), além disso, acredi-
e cientistas) são os responsá- ta que o progresso tecnológico
veis por decidirem sobre ques- é o principal promotor de mu-
tões controversas, deixando danças sociais.
pouca margem para participa- Ao pensarmos em exemplos de
ção social nessas decisões. Um concepções que manifestam uma
dos pilares que sustenta essa visão reducionista da relação entre
perspectiva é o cientificismo, ciência e tecnologia, podemos citar
que afirma ser a ciência supe- afirmações como: a tecnologia é a
rior a outros conhecimentos, aplicação da ciência básica, ou que a
sendo capaz de resolver quais- tecnologia é um produto da ciência.
quer tipos de problemas, de or- Esse tipo de afirmação desconsidera
dem social, política, econômi- que a tecnologia é muito anterior a
ca, ética, etc. Acredita-se que ciência, estando profundamente re-
os especialistas são capazes lacionada à história humana. É no
de trazer soluções úteis e de momento em que o homem pensa
modo ideologicamente neutro. e constrói uma ferramenta, até en-
• A perspectiva salvacionista tão inexistente, que ele se constitui
da Ciência e Tecnologia: nessa como homem. E isso ocorre muito
concepção, o desenvolvimento antes do advento da ciência. Como
científico-tecnológico conduz afirmam Veraszto e colaboradores
(ou irá conduzir) ao bem-estar (2008):
social. Isso porque, nessa visão, A tecnologia existia muito antes dos
a ciência e a tecnologia são conhecimentos científicos, muito
antes que homens, embasados em
criadas para resolverem os pro- teorias, pudessem começar o pro-
blemas da sociedade. cesso de transformação e controle
da natureza. Além de ser mais an-
• O Determinismo tecnológi- tiga que a ciência, a tecnologia não
co: esse mito “considera a tec- auxiliada pela ciência, foi capaz de
nologia como sendo autôno- inúmeras vezes, criar estruturas e
instrumentos complexos (p. 65).
ma, autoevolutiva, seguindo,
de forma natural, sua própria A crença dos professores em afir-
194
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Já o ensino médio integrado bus-
ca promover uma formação em sua
As atuais mudanças no ensino totalidade, inter-relacionando as di-
médio podem ser tidas como um re- mensões trabalho, ciência e cultu-
trocesso ao pensarmos na formação ra. A educação em uma perspectiva
integrada à educação profissional. politécnica busca atingir esse fim
Os estudantes que optarem pelo iti- contribuindo para que os estudan-
nerário formativo da formação técni- tes não só aprendam variadas técni-
ca e profissional, possivelmente, te- cas utilizadas no sistema produtivo
rão as mesmas aulas das disciplinas atual, mas as articule com os funda-
científicas dos estudantes que não fi- mentos científicos, sociais e culturais,
zerem essa opção. Deste modo, pen- envolvidas no desenvolvimento tec-
sar em um currículo integrado que nológico. Na prática, deve-se propi-
discuta o trabalho e possibilite uma ciar condições para que os alunos se
melhor compreensão dos funda- apropriem das habilidades e compe-
mentos científicos, sociais e culturais tências necessárias para a formação
do atual sistema produtivo, a partir de um profissional que a sociedade
da formação técnica em questão, se precisa. Portanto, é necessário ques-
torna inviável. tionar: o que a sociedade espera de
O Ensino Médio Integrado à Edu- um técnico em agropecuária? Quais
cação Profissional surge na tentativa são os conhecimentos necessários
de romper com a dualidade entre a para que se constitua um profissio-
educação profissionalizante, focada nal mais crítico, preocupado com as
essencialmente no ensino de técnicas relações sociais e culturais envolvi-
para a rápida inserção no mercado de das em sua prática? Devem ser tra-
trabalho e voltada para as classes po- çados objetivos que se atentem a
pulares, e a propedêutica, com enfo- essas questões, pensando em como
que na discussão de conhecimentos as diferentes áreas do conhecimento
necessários para o prosseguimento podem contribuir para esse fim.
dos estudos futuros. Ou seja, ambas Apesar dos documentos oficiais
as formas de educação desarticula- que tratam da educação profissional
das são alienantes e não contribuem defenderem a perspectiva integrada
para a formação de cidadãos que de ensino, a realização e a consoli-
compreendam o significado do tra- dação desse tipo de curso ainda têm
balho na constituição humana. sido um desafio. Em inúmeras insti-
196
_____. Decreto nº 5.154, de 23 de Cap. 2. p. 57-82.
julho de 2004. Regulamenta o § 2º
do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
9.394, de 20 de dezembro de 1996, MOS, M. A gênese do Decreto n.
que estabelece as diretrizes e ba- 5.154/2004: um debate no contexto
ses da educação nacional. Brasília, controverso da democracia restrita.
DF: 23 de julho de 2004. Disponível In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
em: <https://www.planalto.gov.br/ MOS, M. (Org.). Ensino Médio Inte-
ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/De- grado: Concepções e contradições.
creto/D5154.htm>. Acesso em: 20 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. Cap. 1.
jul.2017. p. 21-56.
198
IDEOLOGIA EMPRESARIAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS
DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL CEARENSES
Ana Carolina Veras do Nascimento1, Dante Henrique Moura2,
Edilza Alves Damascena3
1
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
2
e 3 Instituto Federal do Rio Grande do Norte
E-mail: karolzinha033@yahoo.com.br
1 Destacamos que tal realidade vem ocorrendo desde a posse do primeiro governo de Lula
da Silva, quando o executivo do governo federal, ao assumir o poder, possibilitou o retorno
à discussão, principalmente no que diz respeito à necessidade de integração do Ensino Mé-
dio à Educação Profissional. Esse fato acabou resultando numa significativa mobilização dos
setores progressistas vinculados ao campo da Educação Profissional. Assim, vários debates
ocorreram, as discussões sobre a educação politécnica e/ou tecnológica, de tradição mar-
xiana voltaram a ocupar lugar central (MOURA, 2007).
2 Inclui curso técnico concomitante e subsequente, integrado ao Ensino Médio regular, nor-
mal/magistério, integrado à EJA de níveis fundamental e médio, Projovem Urbano e FIC
fundamental, médio e concomitante (MEC/INEP, 2017)
200
tes de financiamento foram os recur- Tese (Modelo de gestão – Tecnologia
sos advindos do Tesouro Estadual e Empresarial Socioeducacional), ins-
do Programa Brasil Profissionalizado, pirada, pela Tecnologia Empresarial
via Decreto nº 6.302/2007 que “visa Odebrecht (TEO3), tecnologia edu-
fortalecer as redes estaduais de edu- cacional apresentada inicialmente
cação profissional e tecnológica. ” à Secretaria de Educação do Estado
(BRASIL, MEC, 2013, s.n.). No que se de Pernambuco “como alternativa
refere ao Programa Brasil Profissio- para inovar o sistema de gestão dos
nalizado, o governo federal repassa Centros de Ensino Experimental que
recursos para os estados investirem viriam a ser implantados a partir
nas escolas técnicas. Para ganhar os daquele ano em Pernambuco”(ICE,
recursos desse programa, os esta- 2008, p.5). A Tese, posteriormente,
dos deveriam assinar o compromis- foi apresentada à Secretaria de Edu-
so Todos pela Educação (Decreto nº cação do Estado do Ceará e inserida
6.094/2007). como o modelo de gestão a ser utili-
Desde agosto do ano de 2008, o zado nas Escolas Estaduais de Educa-
número de escolas vem se amplian- ção Profissional.
do, não apenas na capital, mas por Diante do exposto, neste artigo
todo o território do estado. Inicial-
nos propomos a analisar o docu-
mente, contava com 25 EEEPs que mento Tese e seu antecessor TEO,
ofertavam o EMI em 20 municípios. doravante Tese/TEO, responsável
Até o final de 2014 já haviam 106 EE-
pela concepção de formação huma-
EPs distribuídas em 82 municípios. na presente nas escolas profissiona-
No ano de 2016, observamos um to- lizantes do estado do Ceará a fim de
tal de 115 escolas distribuídas por 90
compreendermos a concepção de
municípios (CEARÁ/SEDUC, 2015b). educação defendida por esse mate-
Apesar de as EEEPs serem apre- rial.
sentadas como um projeto de for- A necessidade de compreender,
mação integral, observamos que o de forma mais radical, as políticas
documento norteador da pedagogia educacionais, especificamente às
presente no interior da escola é a voltadas à articulação entre a EPTNM
202
Entretanto, Frigotto (2010, p. 59) Sabemos que o sistema capitalis-
ressalta que o trabalho, além de as- ta passou por diversas configurações
sumir sua forma ontológica, também ao longo da história5, sendo que,
adquiriu diversas formas históricas, atualmente, exibe uma organização
respondendo “às necessidades da pautada nos seguintes pilares: rees-
vida cultural, social, estética, simbó- truturação produtiva, políticas neoli-
lica, lúdica e afetiva” vivenciadas em berais, pensamento pós-moderno e
cada época4. Sob a ordem capitalista, globalização econômica. Esses pila-
o trabalho que, ontologicamente, re- res foram a resposta encontrada pelo
presenta a realização humana – sua capital a fim de superar a própria cri-
emancipação e possibilidade de au- se instaurada no início da década de
tossuperação – passa a ser um fardo, 1970, embora engendrada desde a
se transforma em mais um meio de década anterior.
reprodução e acumulação da riqueza No final dos anos 1960, as gran-
para os capitalistas. Nesse contexto, des potências capitalistas6 viram-se
Marx (2010, p. 83) afirma que o “tra- frente a um quadro de crise, que,
balho não é, por isso, a satisfação segundo Antunes (2009), teve como
de uma carência, mas somente um “expressão mais fenomênica” a crise
meio para satisfazer necessidades do padrão de produção taylorista/
fora dele”. Finaliza seu raciocínio afir- fordista. Segundo esse autor, os tra-
mando que o “o homem (o trabalha- ços característicos que desencade-
dor) só se sente como [ser] livre e ati- aram a crise podem ser resumidos
vo em suas funções animais, comer, da seguinte forma: 1) queda da taxa
beber e procriar, quando muito ain- de lucro, dada, principalmente pelo
da habitação, adorno etc., e em suas aumento do preço da força de tra-
funções humanas só [se sente] como balho; 2) esgotamento do padrão de
animal. O animal se torna humano, e produção taylorista/fordista, dada
o humano, animal” (p. 83). pela incapacidade de responder à re-
4 Fazendo um paralelo com a análise de Lessa e Tonet (2011) sobre as diversas formas assu-
midas pelo trabalho, destacamos que, nas primeiras relações sociais, representadas pelo co-
munismo primitivo, período caracterizado pela ausência de classes sociais, todos trabalha-
vam e usufruíam das benesses produzidas, portanto, o trabalho satisfazia as necessidades
básicas vitais e espirituais do ser humano. Com o desenvolvimento das forças produtivas,
diversas formas de sociedades foram produzidas historicamente, estas, apesar de possuí-
rem características próprias, carregavam como uma de suas características unificadoras a
transformação do trabalho de atividade vital para atividade de aprisionamento do próprio
homem.
204
virtude das modificações do próprio acarretou o processo de desespecia-
processo produtivo dadas pelo avan- lização do trabalhador em troca da
ço científico-tecnológico, pela cons- multifuncionalidade. Em decorrên-
tituição das formas de acumulação cia dessas mudanças, exigiu-se um
flexível, presenciamos fortes con- trabalhador adaptado aos “novos
sequências para os trabalhadores, tempos”, flexíveis, polivalentes, capa-
sua estruturação enquanto classe e zes de trabalhar em equipe, cumprir
sua organização. Segundo Antunes metas, prezar pela “qualidade total”
(2009), observamos uma diminuição das mercadorias (que quanto mais
da classe operária industrial, mas, pa- é alegada, maior é a constatação de
ralelamente, um crescimento signifi- indurabilidade dos produtos), par-
cativo do número de trabalhadores ticipativos e criativos, capazes de se
temporários, terceirizados, precariza- adaptar, de forma rápida, às novas
dos, vinculados à economia informal, modificações impostas pelo sistema
ou seja, passamos a vivenciar maior capitalista (ANTUNES, 2011)
intensificação e superexploração do Diante dessas transformações,
trabalho junto a uma elevada taxa de Ramos (2011) afirma que novos con-
desemprego. ceitos foram convocados para definir
Paralelamente a essa tendência as relações capital-trabalho que es-
apresentada, Antunes (2011) acres- tavam sendo construídas. Entre eles,
centa outra: o chamado processo a noção de qualificação8 foi sendo
de desqualificação dos trabalhado- questionada9 como incapaz de estru-
res de inúmeros setores. Esse autor turar as novas “relações de produção
caracteriza que o modelo de acu- e dos códigos de acesso e permanên-
mulação flexível, que modificou cia no mercado de trabalho” (p. 38).
profundamente o chão de fábrica, Nesse emaranhado, “recupera-se o
10 Reconhecemos que a educação tem uma relação de reciprocidade dialética com o traba-
lho, apesar disso, não podemos desconsiderar que ela está inserida e se relaciona na trama
social com os demais outros complexos existentes (econômico, político, religioso etc.), ou
seja, ela não é determinada de forma aleatória ou agindo de forma redentora sem conexão
com as relações sociais, na realidade, “a totalidade social é a responsável pela produção das
necessidades e das possibilidades relacionadas ao complexo da educação” (LIMA; JIMENEZ,
2011, p. 90). Assim, de acordo com a organização de cada sociedade, é exigido determinado
tipo de formação do indivíduo.
206
Nesse novo contexto, o indivíduo Relatório de Jacques Delors (DELORS,
passa a exercer sua capacidade de 2011) como os princípios pedagó-
escolha, sendo responsável por sua gicos atuais, estão bem articulados
formação, devendo adquirir os meios com essa pedagogia. É a partir des-
que o permita ser mais competitivo se contexto histórico que se engen-
no mercado de trabalho. A escola dra a Tese/TEO como uma proposta
agora é o órgão certificador do sta- educacional, a qual discutiremos no
tus de empregabilidade e não mais a próximo item.
garantia do futuro emprego, “a edu-
cação passa a ser entendida como 3. A TESE/TEO: BREVES CONSIDE-
um investimento em capital huma-
RAÇÕES
no individual que habilita as pessoas
para a competição pelos empregos Após apresentarmos breve con-
disponíveis” (SAVIANI, 2011, p. 430). textualização histórica das trans-
Nesse sentido, Saviani (2011) formações ocorridas na sociedade,
afirma que a luta por um bom sta- como também de algumas mudan-
tus de empregabilidade força o tra- ças teóricas que as sustentaram, prin-
balhador a realizar diversos cursos, cipalmente no campo educacional,
permanecer mais tempo na escola, chegamos ao objeto central de nos-
a fim de escapar da condição de ex- sa análise, a compreensão da nova
cluído. Além da busca pelo emprego proposta de educação profissional
formal, existe uma forte propaganda cearense, ou seja, da Tese/TEO.
do indivíduo empreendedor, do mi- Para conseguirmos chegar à raiz
croempresário, do empreendedor do que fundamenta esse documen-
individual. to, remetemo-nos, inicialmente, a
A partir da discussão, finalizamos suas origens para, dessa forma, com-
a seção apontando que o modelo de preendermos que a Tese é um braço
competências casou perfeitamente da Tecnologia Empresaria Odebrecht
com as novas demandas do sistema (TEO) plantada no seio da educação
capitalista, em que a valorização do e carregada por uma racionalidade
saber se coloca secundária diante da própria de compreensão da realida-
dimensão experimental e comporta- de. Foi difundida por Norberto Ode-
mental, não à toa que os quatro pila- brecht no interior de sua empresa
res da educação, estabelecidos pelo como também por meio de diversas
obras. Hoje é também concretizada
208
A partir do apresentado, reco- qualidade dos relacionamentos que
a pessoa estabelece com os outros.
nhecemos que essa ideologia foi
O “aprender a fazer” desdobra-se na
reestruturada para adentrar ao am- “competência produtiva” e diz res-
biente escolar por meio da Tese/ peito ao desenvolvimento de habili-
dades e destrezas para o mundo do
TEO, com o objetivo, segundo seus
trabalho. Finalmente o “aprender a
formuladores, de solucionar o pro- conhecer” desdobra-se na “compe-
blema da educação formal. Portanto, tência cognitiva” e articula-se com
o modo com que o indivíduo lida
como o próprio documento afirma,
com o conhecimento (SILVA, 2013,
corresponde a uma nova proposta p.116-117).
de educação para a juventude bra-
sileira. Foi elaborada pelo Instituto
Dessa forma, o documento que
de Co-Responsabilidade pela Educa-
rege as EEEPs coloca em ação a ideia
ção – ICE (ICE, 2008) e apresentada
de uma nova proposta educacional
pelo consultor Jairo Machado, tem
que tem como foco central a apren-
59 páginas que relatam como deve
dizagem de competências e valores.
ocorrer a estruturação das escolas
Segundo Silva (2013) e França (2016),
de Ensino Médio em tempo integral
cada um a seu termo, para alcançar
a partir da experiência do Ginásio de
esse objetivo a escola pauta-se numa
Pernambuco.
Educação para Valores e Educação
Após a análise detalhada do do- para o Trabalho. A primeira é pauta-
cumento, percebemos que sua con- da na necessidade de aprimorar o
cepção de educação está assentada indivíduo enquanto pessoa humana,
nos Quatro Pilares da Educação, esta- que seja predisposta à ação e a hon-
belecida no Relatório produzido por rar seus compromissos e responsa-
Jacques Delors para a Unesco – Edu- bilidades; já a segunda, busca uma
cação: um tesouro a descobrir (DE- educação pela ação, possibilitando
LORS, 2011). Segundo Silva (2013), a ao jovem a compreensão da neces-
Tese/TEO desdobra esses quatro pi- sidade de uma formação contínua,
lares em quatro competências, como tornando o indivíduo capaz de as-
podemos observar na citação abaixo: sumir tarefas pontuais e atividades
O “aprender a ser” é desdobrado na mais complexas no ambiente de tra-
“competência pessoal”, é a qualida-
de da relação que a pessoa estabe-
balho. Salientamos, entretanto, que
lece consigo mesma. O “aprender a esses modelos estão pautados nas
conviver” desdobra-se na “compe- transformações constantes do mun-
tência relacional” e leva em conta a
do do trabalho, propondo então um
210
A Tese/TEO assume que, apenas caminhos traçados para o proces-
por meio de um novo modelo de ad- so educativo devem ser tratados de
ministração escolar eficiente e eficaz, forma bastante prática, por meio de
essa concepção teria condições de metas e de relatórios objetivos de
ser efetivada. Dessa forma, propõe avaliação, para que, posteriormente,
a aplicação do modelo de gestão sejam realizados os ajustes necessá-
empresarial baseado no Ciclo PDCA rios. A presença do líder (o gestor)
(Plan – planejar, Do – executar, Check que tem o controle sobre todo o pro-
– verificar/avaliar, Act – agir) na admi- cesso, dos parceiros internos (pro-
nistração das escolas, introduzindo, fessores, que devem vestir a camisa
portanto, teorias e práticas da admi- da escola/empresa), da comunidade
nistração privada do setor empre- (estudantes e suas famílias, são os
sarial no setor educacional público. clientes), do investidor social (poder
Assim, a escola assume outro papel, público e iniciativa privada, que apli-
passando a ser compreendida como cam capital) e dos parceiros externos
uma empresa, cujo principal negócio (comunidade, pais etc.) são funda-
é a educação de qualidade conforme mentais para alcançarem as metas
os preceitos da Tese/TEO. Segundo estabelecidas.
essa racionalidade, a escola deve ge- Dessa forma, o papel do gestor é
rar resultados tanto para a comunida- fundamental na organização da es-
de como para os investidores sociais cola-empresa, pois ele será o perso-
(iniciativa privada), de maneira que nagem essencial na transmissão da
o objetivo central é agregar valor às ideologia presente na Tese/TEO, edu-
fontes de vida (cliente/comunidade cando tanto os professores quanto
e investidor), que são riquezas mo- também os estudantes por meio da
rais e materiais, objetivando a garan- chamada pedagogia da presença. O
tia da satisfação de todos. Segundo gestor, portanto, deve ser um sujeito
Santos, Farias e Freitas (2013, p. 271), bastante presente na vida escolar, de-
“este tipo de parceria público priva- monstrando o compromisso, a dedi-
da é encarada com bons olhos pela cação e o exemplo aos professores e
comissão do relatório de Delors, haja estudantes, para que seja respeitado
vista a defesa dos setores empresa- e seguido. Segundo Dantas (2007),
riais para mercadorizar o ensino”. esse mecanismo é algo bastante uti-
De acordo com a Tese/TEO, nes- lizado nas empresas Odebrecht, sen-
sa concepção de escola-empresa, os do denominado por ele como “culto
11 Segundo Dantas (2007), vários mitos foram cultuados pela empresa, a figura do mestre
de obra tendo como principal representatividade o mestre Bonifácio, em que sua vida na
empresa foi sempre noticiada nos meios de comunicação da empresa. Outra figura foi de
Emílio Odebrecht, pai de Norberto, que foi construída em torno do símbolo da produtivida-
de, da capacidade técnica, de trabalho e da educação. Não poderíamos deixar de comentar
também a figura de Norberto Odebrecht, o idealizador da TEO.
212
preendemos que a tese/TEO é uma educação e participação democrá-
perspectiva de formação humana tica. Salvador: Fundação Odebrecht,
unilateral voltada, principalmente, 2000.
para atender aos anseios do capital.
Inserida, portanto, no projeto socie- DANTAS, Ricardo Marques de Almei-
tário da burguesia. Do lado oposto a da. Odebrecht: a caminho da longe-
esse avanço conservador, encontra- vidade saudável? 2007. Dissertação
mos a defesa de uma formação que (Mestrado)–Universidade Federal do
tem como norte a omnilateralidade, Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro,
base da proposta de Ensino Médio 2007.
Integrado à Educação Profissional
DELORS, Jacques. Educação: um te-
Técnica de Nível Médio (EMI), cujos
souro a descobrir. Relatório para a
fundamentos estão na concepção
UNESCO da comissão Internacional
de politecnia e de escola unitária, na
sobre educação para o século XXI.
perspectiva da formação humana in-
São Paulo: Cortez, 1998.
tegral.
Finalizamos, portanto, afirmando FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e
que, diante desse forte avanço con- mudanças no mundo do trabalho e o
servador e levando em consideração ensino médio. In FRIGOTTO, Gaudên-
a realidade socioeconômica e edu- cio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Mari-
cacional brasileira, precisamos conti- se (Org.). Ensino Médio Integrado:
nuar lutando para colocar na ordem concepções e contradições. 2. ed.
do dia a defesa de Ensino Médio que São Paulo: Cortez, 2010.
garanta uma base unitária, tendo por
HARVEY, David. O neoliberalismo:
eixo estruturante o trabalho, a ciên-
história e implicações. São Paulo: Edi-
cia, a tecnologia e a cultura.
ções Loyola, 2014.
214
SAVIANI, Dermeval. História das
idéias pedagógicas. História das
ideias pedagógicas no Brasil. Cam-
pinas/SP: Autores Associados, 2011.
E-mail: eneida.monteiro@ifgoiano.edu.br
216
transformação. Diante de tal percep- pesquisadores e professores, na pers-
ção, requer-se uma prática pedagó- pectiva de formação crítico-reflexiva,
gica pautada na valorização das ex- que, por pressuposto, reverterá na
periências pessoais dos estudantes, melhoria do ensino” (FRANCO, 2016,
sejam elas acadêmicas ou de vida. p.513).
Tal proposta, desloca a atenção das Portanto, essa proposta faz parte
atividades de ensino para os resulta- de um plano de ação que visa, além
dos das aprendizagens dos sujeitos e da integração das disciplinas, o forta-
compreende o docente como um fa- lecimento do trabalho coletivo entre
cilitador e o estudante como sujeito os docentes, e também estratégias
ativo do processo de ensino-apren- de um ensino investigativo com ên-
dizagem (BRASIL, 2013). fase na resolução de problemas a
Nessa perspectiva, o presente partir de um tema gerador. Cons-
trabalho tem por objetivo avaliar a tituindo-se uma nova proposta de
experiência de uma proposta de in- conceber o conhecimento e a forma-
tegração curricular no ensino médio ção humana na concepção freireana:
integrado a partir de depoimentos “só existe saber na invenção, na rein-
de professores e estudantes parti- venção, na busca inquieta, impacien-
cipantes em todo processo, à luz da te, permanente, que os homens fa-
pesquisa-ação-participativa. Optou- zem no mundo, com o mundo e com
se por essa metodologia de pesquisa os outros” (FREIRE, 1993, p.58). Esses
por permitir a articulação da produ- são fundamentos básicos para o de-
ção de conhecimentos com a prática senvolvimento do Projeto Integrador
educativa, sendo possível ao mesmo que constitui a temática em questão.
tempo investigar a realidade e reali- Nesse contexto, considera-se o
zar o processo educativo necessário Projeto Integrador como uma estra-
ao enfrentamento dessa mesma re- tégia pedagógica de caráter inter-
alidade. Assim, toda pesquisa-ação disciplinar. O tema do projeto cor-
tem caráter formativo, na qual, obje- responde a um eixo do currículo que
tiva-se também a formação pedagó- articula as disciplinas e suas ementas
gica dos sujeitos da prática. Também para integração, mobilização e apli-
por valorizar o diálogo entre as pes- cação de conhecimentos que contri-
soas, e tornar o trabalho “participa- buam com a formação de uma visão
tivo, colaborativo, pedagógico, entre mais abrangente no decorrer do per-
218
de concretização da interdisciplinari- “O ensino médio, concebido como
educação básica e articulado ao
dade, Moura (2007), sugere:
mundo do trabalho, da cultura e
[...] a implementação de projetos da ciência, constitui-se em direito
integradores que visam, sobretudo, social e subjetivo e, portanto, vincu-
articular e inter-relacionar os sabe- lado a todas as esferas e dimensões
res desenvolvidos pelas disciplinas da vida. Trata-se de uma base para
em cada período letivo, contribuir o entendimento crítico de como
para a autonomia intelectual dos funciona e se constitui a sociedade
alunos, por meio da pesquisa, assim humana em suas relações sociais e
como formar atitudes de cidadania, como funciona o mundo da nature-
de solidariedade e de responsabili- za, da qual fazemos parte. Dominar
dade social. no mais elevado nível esses dois âm-
[...] potencializando o uso das tecno- bitos é condição prévia para cons-
logias com responsabilidade social, truir sujeitos emancipados, criativos
sendo, portanto, contextualizado a e leitores críticos da realidade onde
cada realidade específica (MOURA, vivem e com condições de agir so-
2007, p. 24). bre ela. Este domínio também é
condição prévia para compreender
e poder atuar com as novas bases
técnico-científicas do processo pro-
Desse modo, as práticas educati- dutivo”(FRIGOTTO, 2005, p.76).
vas de integração curricular no ensi-
no médio integrado busca também
transferir a centralidade do ensino, O pressuposto de integração to-
predominantemente focada no mer- mado no trabalho aqui apresentado
cado de trabalho, de forma imediatis- foi feito a partir de temas e pesquisas
ta, para uma formação humana com decididos pelos estudantes. Em no-
foco no sujeito e no conhecimento, vembro de 2016, realizou-se uma dis-
numa concepção de “Escola Unitá- cussão com os estudantes, na época
ria”, proposta por Gramsci, que visa ainda matriculados na primeira série
formar os trabalhadores de maneira do curso Técnico em Meio Ambiente
integral, instrumentalizando-os para Integrado ao Ensino Médio, a fim de
o exercício da profissão e o domí- se elencar problemas regionais re-
nio das técnicas, dando-lhes acesso levantes. A maioria apontou para a
ao conhecimento geral produzido problemática do lixo, a partir do qual
pela humanidade e preparando-os definiu-se o tema “O Lixo nas Cida-
para serem os novos dirigentes da des”, que funcionou como um eixo
sociedade. Nesse contexto, Frigotto articulador, por meio do qual foram
(2005) ressalta: desenvolvidas unidades temáticas,
dentre elas: impactos ambientais,
220
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
Analisar a relação
do ser humano
com a natureza, as
Conhecer o processo de Criação de maque-
relações sociais de
Proposta compostagem e doenças tes a partir de ma-
trabalho e susten-
associadas ao lixo. teriais recicláveis.
tabilidade com
base no filme “Lixo
Extraordinário”.
222
2.3 Reflexão sobre a prática ensino-aprendizagem na perspecti-
va politécnica se efetive” (OLIVEIRA;
A avaliação do projeto por parte MACHADO, 2012, p. 24).
dos estudantes foi realizada pelas
Os estudantes também elogia-
turmas e relatada pelos seus repre-
ram a relação com os demais cole-
sentantes através de duas formas
gas, uma vez que boa parte das ati-
distintas: durante o conselho de
vidades de pesquisa e prática foram
classe do segundo bimestre e através
executadas em grupos. Como o tema
de depoimentos tanto de estudantes
trabalhado foi “O Lixo nas Cidades”,
quanto de professores participantes.
os estudantes ponderaram a impor-
Em relação ao relato no conselho tância de aplicar conhecimentos no
de classe, ambas as turmas e alguns contexto local (cidade) e também
professores, considerando os mes- pessoal (no lar), envolvendo separa-
mos aspectos, relataram que houve ção de lixo, reciclagem, composta-
falta de clareza no repasse de infor- gem, dentre outros.
mações por parte de alguns profes-
Os estudantes tambeḿ destaca-
sores e também pouco tempo para
ram a importância de se perceber as
execução das atividades propostas.
relações que os seres humanos têm
Contudo, ficaram surpreendidos
com o lixo, sendo ela na forma de
com os resultados, destacando de
aprendizado, na forma econômica
forma positiva a participação, a co-
(retirando o sustento familiar através
operação e o comprometimento
do lixo) e nas relações de trabalho,
dos grupos de trabalho, sendo es-
enfatizando a vida dos catadores.
tes, fatores determinantes para que
Após a finalização do projeto, ficou
os objetivos fossem cumpridos e as
claro no discurso dos estudantes o
metas alcançadas. Da mesma for-
quanto a prática foi importante para
ma, os estudantes perceberam que
agregar conhecimento para o mun-
os conteúdos abordados nas disci-
do do trabalho.
plinas não precisam ser distantes
do mundo real e prático no qual se Quanto aos professores, muitos
inserem; podem explicar o dia-a- elogiaram o tema abordado, dada
dia, o que agrega muito mais valor sua importância no contexto social
ao conhecimento. Por este enfoque, e político regional, além de ser um
“contextualizar o conhecimento é tema articulador que leva a diversas
importante para que o processo de discussões, muitas de âmbito inter-
224
Portanto, dada a possibilidade de do desenvolvimento de produtos
articulação da educação básica com tecnológicos na área de formação
a educação profissional na perspec- profissional e inúmeras outras ativi-
tiva da educação integrada, como dades que contribuem para o reco-
um projeto de sociedade, faz-se ne- nhecimento institucional e social.
cessário pensar formas de integração
curricular e, com isso, novas formas REFERÊNCIAS
de organização do trabalho pedagó-
gico, de planejar e de ensinar para BRASIL. Diretrizes Curriculares Na-
que, de fato, a escola seja vista como cionais da educação Básica. Mi-
um agente transformador da socie- nistério da Educação. Secretaria de
dade. Educação Básica. Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização,
Essa nova proposta de projetos
Diversidade e Inclusão. Secretaria de
integradores de disciplinas traz tam-
Educação Profissional e Tecnológi-
bém a possibilidade de integrar a
ca. Conselho Nacional da Educação.
vida do estudante ao projeto político
Câmara Nacional de Educação Bá-
pedagógico da instituição. Suas ex-
sica. Brasília, 2013. Disponível em:
periências de vida do cotidiano, sa-
<http://portal.mec.gov.br/index.
beres que antes eram desprezados,
php?option=com_docman&view=-
passam a ser valorizados por terem
download&alias=15547-diretri-
relação com as aprendizagens em
zes-curiculares-nacionais-2013-pd-
construção, criando vínculo de per-
f-1&Itemid=30192> Acesso em: 07
tencimento por parte dos estudan-
ago.2016..
tes em relação ao curso, por encon-
trar relação entre a teoria e a pŕatica CASTELLS, Manuel. A era da infor-
no mundo real e possibilidades de mação: economia, sociedade e cul-
inferência na sua própria realidade. tura. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
É nesse movimento do currículo
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pes-
integrado que o Projeto Integrador
quisa-Ação Pedagógica: práticas
sinaliza para a formação humana do
de empoderamento e de participa-
estudante a partir do trabalho cole-
ção. ETD - Educação Temática Di-
tivo, da pesquisa sistematizada, do
gital, Campinas, SP, v. 18, n. 2, abr./
envolvimento do corpo docente,
jun. 2016. ISSN 1676-2592. Disponí-
da adoção de escrita normatizada,
vel em: <https://periodicos.sbu.uni-
226
POLÍTICA EDUCACIONAL E POLITECNIA:
A EXPERIÊNCIA DO RIO GRANDE DO SUL
José Clovis de Azevedo 1
1
Centro Universitário Metodista IPA. Programa de mestrado
em Reabilitação e Inclusão.
E-mail: clovisazevedo45@gmail.com
228
se nos seguintes princípios nortea- (2008, p. 85-86), qualidade implica
dores: planejamento coletivo, arti- também “aumentar o tempo dedi-
culação interdisciplinar do trabalho cado ao aprendizado, melhorar a
pedagógico entre as grandes áreas assiduidade e aumentar o número
do conhecimento (Ciências da Natu- de horas-aula do nível atual de 3-4
reza; Ciências Humanas; Linguagens; horas para 5-6 horas por dia.” A car-
Matemática), trabalho como princí- ga horária do EM aumentou de 2.400
pio educativo, pesquisa como prin- para 3.000 horas. O EM foi organiza-
cípio pedagógico, avaliação eman- do em três modalidades: o Ensino
cipatória e politecnia como conceito Médio Politécnico, não profissionali-
estruturante do pensar e fazer, rela- zante; a Educação Profissional Inte-
cionando os estudos escolares com o grada, profissionalizante; e o Normal
mundo do trabalho (SEDUC, 2011). A (Magistério).
reforma enfatizou, ainda, a qualidade A nova estrutura curricular im-
com permanência e aprendizagem, a plantada define-se como interdis-
redução da repetência e do abando- ciplinar e tem a pesquisa como
no. Como um dos pressupostos para princípio pedagógico e o Seminário
a qualidade, houve o aumento do Integrado (SI) como novo espaço.
tempo escolar, pois, segundo Costa
230
do Barbosa (2009), há concepções ção é uma relação de identidade. Os
e práticas que não dialogam com o homens aprendiam a produzir sua
universo social e cultural vivido pela existência no próprio ato de produ-
juventude e, muito menos, com os zi-la.” A separação entre educação e
avanços científicos e tecnológicos trabalho consolida-se na Revolução
do nosso tempo (KUENZER, 2007). Os Industrial, a partir do século XVIII,
fundamentos epistemológicos pre- adquirindo a forma contemporânea.
dominantes como pressupostos das A partir daí, a escola separa-se em
práticas pedagógicas, ainda, são, em duas vias: a preparação específica
grande parte, condicionados pelos dos trabalhadores para funções téc-
princípios positivistas e mecanicis- nicas, a preparação intelectual das
tas, reforçados pela cópia da organi- classes privilegiadas para formar diri-
zação escolar do modelo taylorista- gentes e para produzir a ciência que
fordista de organização do trabalho vai alimentar o aprofundamento do
(AZEVEDO, 2007). Tais pressupostos trabalho abstrato. Kuenzer (2007)
legitimam um currículo engessa- destaca que a divisão entre trabalho
do, fragmentado, com programas manual e intelectual foi aprofunda-
de conteúdos sem conexões com o da e solidificada com a organização
mundo real. científica do trabalho, conforme as
concepções taylorista/fordista que
3. EDUCAÇÃO E TRABALHO: OS hegemonizaram o trabalho fabril no
século passado. A divisão do traba-
DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO
lho aprofundou a separação entre
A política educacional da Sedu- educação e trabalho. Operou a cisão
c-RS (2011) propôs o ensino politéc- entre a atividade intelectual e as ati-
nico como possibilidade para uma vidades humanas laborais (GRAMS-
formação que busque o domínio CI, 1978). A concepção burguesa de
intelectual dos fundamentos cien- educação separou os homens em
tíficos que sustentam os processos dois grandes campos conforme ca-
técnicos e produtivos. O conceito racteriza Saviani (2007, p. 159): “[...]
de educação politécnica implica co- aquele das profissões manuais para
nhecer os nexos e as rupturas entre as quais se requeria uma formação
educação e trabalho. Para Saviani prática limitada à execução de tare-
(2007, p. 155), “[...] no ponto de parti- fas mais ou menos delimitadas, dis-
da, a relação entre trabalho e educa- pensando-se o domínio dos respec-
232
poder e de exclusão, mas como insu- objetivo apenas melhorar os índices
mo para superação dos problemas de aprovação. A avaliação, entretan-
de ensino e de aprendizagem, ten- to, aparecia como controle, seleção,
do por foco a busca do sucesso do disciplinamento e classificação dos
aprendiz (SEDUC-RS, 2012). Essa con- considerados melhores, mas essas
cepção foi caracterizada na sua pro- posições receberam contrapontos
posição como uma avaliação eman- importantes durante o processo, per-
cipatória. Avaliar para perceber quais dendo força com a qualificação das
as reações pedagógicas necessárias discussões, possibilitadas pela inten-
para a garantia da democratização sa política de formação desenvolvi-
do acesso ao conhecimento. da pela Seduc-RS nos quatro anos
Essas propostas provocaram da gestão. Apesar das dificuldades,
uma discussão de mudança de pa- houve avanços na identificação da
radigma que gerou conflitos com a avaliação emancipatória na perspec-
cultura escolar tradicional, baseada tiva caracterizada por Saul (1998, p.
nas referências mecanicistas, tecni- 68): “O compromisso principal desta
cistas e no padrão taylorista-fordista avaliação é fazer com que as pessoas
de organização da escola. As reações direta ou indiretamente envolvidas
revelaram as representações e as de- em uma ação educacional escrevam
fesas dos signos e símbolos que sus- ‘a sua própria história’ e gerem suas
tentam o senso comum da cultura próprias alternativas de ação”.
escolar tradicional, expressos, princi- Outra reação importante foi dos
palmente, nas práticas de avaliação dirigentes sindicais dos professores.
seletiva e classificatória e no trabalho O sindicato não acompanhou a dis-
disciplinar e fragmentado. cussão junto com as escolas, pois
A insatisfação de segmentos dos negou-se a fazê-la, traduzindo sua
professores foi mais acentuada em posição na alegação de que a refor-
relação à avaliação emancipatória. ma visava “formar mão de obra ba-
As falas revelavam a força das con- rata para os empresários.” A posição
cepções utilitaristas da formação do grupo dirigente foi balizada pela
humana. A reação não apresentava disputa partidária com o governo,
um contraponto teórico à proposta condicionando o exame de qualquer
de mudança. A alegação era de que proposta ao pagamento imediato do
a política do governo tinha como Piso Salarial Nacional. A direção sin-
dical, composta de militantes de par-
234
5. ALGUNS PONTOS DE IMPACTO de nas ações pedagógicas. Segundo
Alves (2014, p. 105), “[...] um dos pres-
SOBRE A CURVA HISTÓRICA DES-
supostos da proposta, a autonomia
CENDENTE dos estudantes, foi algo possível de
Na sua fase inicial, a Reforma vi- observação, que se efetivou.” O Se-
veu momentos de conflitos e ten- minário Integrado tornou-se um es-
sões. Todos os estudos realizados a paço importante de diálogo com o
partir de 2012, porém, revelam avan- interesse de aprendizagem dos estu-
ços. Em 2014, já haviam 38 trabalhos dantes. Embora não supere todos os
acadêmicos publicados (RIBEIRO, marcos do pensamento acrítico, do
2016). Uma das marcas da experiên- senso comum e da associação linear
cia foi o trabalho intenso de forma- da educação com o mercado, desen-
ção continuada em serviço oportu- cadeou-se um processo de reflexão
nizada aos professores, em estreita e autonomia entre os educandos.
colaboração com as universidades O trabalho de iniciação à pesquisa
(SEDUC-RS, 2014). Este passo signi- como inerente ao ensino é indicador
ficativo de cooperação entre REE-RS de um novo paradigma, ainda que
e as universidades foi facilitado pela incipiente. As pesquisas referencia-
política do governo federal, concre- das acima ainda destacam a ressigni-
tizada no Pacto pela Melhoria do EM ficação dos conteúdos, tornando-os
(BRASIL, 2013). mais próximos e estabelecendo seus
vínculos com a realidade vivida pelos
O quadro contraditório de dificul- estudantes, sujeitos reais das apren-
dades e avanços é detectado pelas dizagens. Este foi um aprendizado de
pesquisas de Alves (2014) e Ribeiro parte dos professores, sobretudo os
(2016). Ambos destacam a resistên- mais envolvidos com o SI. Ainda que
cia de parte dos educadores, das não tivessem o aprendizado da pes-
adversidades estruturais das escolas, quisa em sua formação inicial, mui-
das alegações de falta de discussão e tos professores aceitaram o desafio e
da alegada imposição do projeto por apropriaram-se das metodologias de
parte do governo. Todavia esses es- pesquisa nas formações continuadas
tudos também destacam os pontos (ALVES, 2014). O protagonismo dos
em que o processo produziu novos educandos corresponde, também, a
comportamentos e práticas que am- um protagonismo dos educadores
pliaram o protagonismo da juventu- que, gradativamente, ultrapassam a
236
A pesquisa destaca que, entre o interdisciplinares com projetos de
segundo semestre de 2013 e 2014, pesquisa chegam a 82% das esco-
houve um aumento na adesão à pro- las; 57% das escolas fazem saídas de
posta. Isto se deu pelo avanço no campo para realizar pesquisas.
processo de formação em serviço, Apesar de a política educacional
nos debates mais intensos e apro- da Seduc-RS questionar as avaliações
fundados, melhorando a compre- externas centrada em resultados,
ensão e a percepção da proposta. prestando-se para os rankings e com-
Segundo Ribeiro (2016), quase a to- parações artificiais feitas pela mídia,
talidade das mais de mil escolas de a REE-RS melhorou seus resultados
EM participaram do EM Inovador e nestas avaliações (SEDUC, 2014). No
aderiram ao Pacto pela Melhoria do Índice de Desenvolvimento Educa-
EM, programas do MEC de apoio ao cional Brasileiro (Ideb), a REE-RS ocu-
EM. O estudo aponta também dados pava o 11º lugar em 2011. Em 2013,
quantitativos significativos: 81% das passou para a 2ª colocação entre as
escolas utilizam a pesquisa na cons- redes públicas do Brasil. Nesta mes-
trução do conhecimento; as práticas
238
- Universidade do Vale do Rio dos Si- Diretrizes Curriculares Nacionais para
nos, Programa de Pós-Graduação em o Ensino Médio. Brasília, DF, 2012.
Educação, São Leopoldo, 2014.
______. MEC. Resolução CNE/CEB
AZEVEDO, Jose Clovis de; REIS, Jonas nº 6, de 20 de setembro de 2012.
Tarcísio (Org.). Reestruturação do Define Diretrizes Curriculares para a
Ensino Médio: pressupostos teóri- Educação Profissional e Técnica de
cos e desafios da prática. São Paulo: Nível médio. Brasília, DF, 2012.
Santillana, 2014
______. MEC. Pacto Nacional pelo
______. Reconversão cultural da Ensino Médio: Formação de Profes-
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SEB, 2013.
BARBOSA, Ericka Fernandes. Políti-
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a Juventude Brasileira. Dissertação Públicas de Educação e o Ensino Mé-
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dade de Brasília (UnB), Brasília, 2009. cação, Porto Alegre, v. 21, n. 2, p. 83-
121, jan./jun. 2008.
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Decreto nº 2.208, Brasília DF, 14 de FRIGOTTO, Gaudêncio. Sujeitos e co-
abril de 1997. nhecimento: os sentidos do ensino
médio. In:
______. Presidência da República.
Decreto nº 5.154, Brasília DF, 23 de FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. (Org.).
julho de 2004. Ensino Médio: ciência, cultura e tra-
balho. Brasília: MEC/Semtec, 2004. p.
______. Presidência da República. 53-70.
Lei nº 11.494. Brasília DF, 20 de ju-
nho de 2007. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA,
Maria; RAMOS, Marise. Apresenta-
______. Congresso Nacional. Lei ção. In: ______. (Org.). Ensino Médio
nº11.741, Brasília DF, 16 de julho de Integrado: concepções e contradi-
2008. ções. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
p. 07-20.
______. MEC. Resolução CNE/CEB
nº 2, de 30 de janeiro de 2012. Define
240
abandono, repetência e aprovação
no Ensino Fundamental e Ensino Mé-
dio da Rede Estadual de Ensino do
Rio Grande do Sul. Seduc-RS: Porto
Alegre, 2012.
242
Partimos do pressuposto de que se traduz em uma oferta de ensino
existem experiências de ensino mé- médio público massificada e desqua-
dio integrado que podem ser obser- lificada,e, do outro lado, os projetos
vadas como referência para a oferta vinculados aos movimentos sociais
de ensino médio público no Brasil. que apontam para um ensino médio
Neste sentido, organizamos a in- qualificado como direito do cidadão
vestigação, evidenciando as dificul- e de responsabilidade do Estado.
dades experimentadas pelo ensino Vale reforçar que estas disputas
médio integrado no IFRS, bem como têm algumas questões de fundo.
destacando traços que lhe impulsio- Uma destas é a perspectiva de refor-
nam neste instituto. ço, ou de enfretamento à dualidade
que historicamente caracteriza a
2. O ensino médio integrado educação básica, em especial a de
no IFRS como componente de nível médio. Tal dualidade materia-
uma complexa totalidade liza-se em um modelo de educação
voltado para o imediatismo do tra-
Acreditamos que na atualidade, balho (para os filhos da classe tra-
o EM, fundamentalmente na escola balhadora), e outro voltado para a
pública, está em evidência e em dis- continuidade dos estudos com viés
putas. Disputas estas que estão en- acadêmico (para os filhos das classes
raizadas historicamente e que se es- abastadas). O projeto dual de educa-
tabelecem a partir das contradições ção possui sua base na divisão social
das políticas públicas de educação do trabalho e recebe condicionantes
no Brasil. Vale ressaltar que durante históricos de classe sociais, culturais
a realização da pesquisa ainda não e entre outros (KUENZER 2007). Ain-
se tinha a aprovação da contra re- da, a dualidade está vinculada a um
forma do ensino médio, algo que, projeto de sociedade com objetivos
obviamente, proporciona novos ele- específicos de formação de um ser
mentos no cenário das disputas em humano que se adeque ao modelo
torno desta etapa da educação bási- burguês de sociedade e ao projeto
ca (MOTTA, CARDOSO e FRIGOTTO, hegemônico desta classe social (FRI-
2017). GOTTO, 2010). Assim, as propostas
As disputas em trono do ensino de ensino médio vinculadas ao ca-
médio apresentam, de um lado, os pital buscam a manutenção da du-
projetos vinculados ao capital que alidade, enquanto os projetos dos
244
te calcado na formação humana in- que, consequentemente, se estabe-
tegral e no trabalho como princípio lecem como contrapondo a dualida-
educativo, criaram caminhos para a de. Defendemos que a positividade
concretização de um ensino médio de tais experiências criam possibili-
que enfrente a dualidade. Ainda, dades para o ensino médio público
cabe mencionar as novas Diretrizes deste país.
Curriculares do Ensino Médio (BRA- Finalmente, verificamos o en-
SIL, 2012) que referendaram os prin- sino médio integrado no IFRS como
cípios da integralidade da formação componente desta complexa totali-
humana para a etapa final da educa- dade em que o EM encontra-se em
ção básica. evidência e disputas. No entanto,
Assim, para impedir o fortaleci- para que o ensino médio integrado
mento de propostas como as conti- se consolide como uma alternativa
das nestes documentos, alardeia-se à dualidade e possa se apresentar
a crise no ensino médio para poder como uma perspectiva para o ensi-
intervir com o objetivo de aproxi- no médio das diferentes redes pú-
mar a escola pública às organizações blicas, ele precisa se fortalecer nas
privadas, e encaminhar proposições instituições em que se concretiza,
que direcionem o ensino médio para reconhecendo as suas dificuldades
uma formação dual (não integral), e consolidando os traços que lhe im-
seja ela acadêmica, ou técnica. pulsionam.
Pensamos que para enfrentar as
dificuldades - como evasão, repe- 3. Obstáculos e potencialida-
tência, currículos desconectados da des do ensino médio integrado
realidade da juventude, entre outras no IFRS
– que não exclusivas das redes pú-
blicas, é preciso fortalecer o ensino É evidente que nos IFs, incluindo
médio público com investimento de o IFRS, o ensino médio integrado tem
todas as ordens. Além disso, devem- de transpor alguns obstáculos para o
se reconhecer experiências que ca- seu efetivo fortalecimento. Um des-
minham para formação humana in- ses é a diversidade de oferta de edu-
tegral e no trabalho como princípio cação profissional que são possíveis
educativo (acreditamos que o ensino aos Institutos, de acordo com a sua
médio integrado seja uma dessas) e lei de criação (Brasil, 2008).
246
tensos debates em torno de concep- Além das questões em torno do
ções de educação profissional. As- dilema da oferta de vagas, existem
sim, possivelmente, a alternativa que outros obstáculos que o ensino mé-
se encontrou em tal cenário foi o de dio integrado tem que transpor para
colocar os 50% de oferta para EMI. que os seus fundamentos da forma-
utilizando o termo prioritariamente, ção humana integral e o trabalho
tirando assim a obrigatoriedade da como princípio educativo se estabe-
oeferta. Tal fragilidade é mais um dos leçam no IFRS.
limites que o ensino médio integra- Um deles é a carente formação
do encontra no IFRS. inicial e continuada dos servidores
Para finalizar, sobre a oferta de (técnico-administrativos em educa-
vagas do IFRS, acreditamos que é ção e docentes para a prática do in-
preciso reforçar a ideia de que a tegrado). Certamente as dificuldades
Rede Federal de Educação Profissio- relativas à carência de formação dos
nal e Tecnológica tem uma tradição docentes não é uma exclusividade
de oferta reconhecidamente qualifi- do IFRS, algo que não diminui a in-
cada de ensino médio, o que não é tensidade deste obstáculo. Desta-
pouco se forem levadas em conta as camos que na pesquisa pudemos
dificuldades encontradas na oferta perceber que existe certo desconhe-
do ensino público de nível básico no cimento, inclusive entre os gestores,
Brasil. Consideramos que os Institu- sobre as legislações referentes à edu-
tos Federais não podem encaminhar cação básica. Salientamos que gran-
sua oferta de cursos de forma des- de parte do quadro de docentes do
comprometida com a realidade do IFRS, em sua maioria mestres e dou-
ensino médio no Brasil. Mais do que tores, têm a sua primeira experiência
isso, tem que se perceber que a etapa na educação básica ao ingressar no
final da educação básica, como tem instituto. Isso pode ter relação com
sido dito, encontra-se em contexto em um desconhecimento quanto
peculiar, sendo alvo de disputas de às questões conceituais que funda-
projetos educacionais e societários. mentam o ensino médio integrado,
Como os IFs originam-se de uma verificado ao longo da pesquisa.
política pública de educação, esses Logo, o nosso estudo verificou a
aspectos devem ser ponderados no necessidade de institucionalizarem-
momento de se encarar os dilemas se espaços de formação continuada
em torno da oferta de vagas. entre os profissionais da educação
248
mana integral e o do trabalho como Por outro lado, ao mesmo tem-
princípio educativo no IFRS. Con- po em que consideramos este GT
cordamos com Dante Moura (2013) como um germen importante para o
quando argumenta que é preciso dar EMI, acreditamos que se deve avan-
destaque não apenas ao que dificul- çar. Esta ação da PROEN encontrará
ta a materialização do ensino médio limitações, caso não sejam acompa-
integrado, mas também a “busca, nhadas por outras ações, inclusive
por meio da contradição, identificar de outras Pró-reitoras. Neste sentido,
os germens que podem estar contri- é necessário que a gestão do IFRS,
buindo para a materialização dessa como um todo, tome atitudes rela-
concepção de formação humana” cionadas à infraestrutura, gestão de
(MOURA, 2013, p.112). Logo, estes pessoas, política de ingresso de do-
germens são parte do processo con- centes, financiamento e entre outras
traditório que se estabelece ao lon- questões que considerem as peculia-
go da práxis de construção do ensino ridades do ensino médio integrado.
médio integrado. Percebemos, ao longo da pes-
Percebemos alguns desses ger- quisa, traços que indicam o fortale-
mens do ensino médio integrado nas cimento do ensino médio integrado
ações da gestão do IFRS. Algumas na prática dos docentes, sejam estas
atitudes da Pró-Reitoria de Ensino individuais ou coletivas. Em vários
(PROEN), como a referida criação de momentos da pesquisa, identifica-
um Grupo de Trabalho com repre- mos fazeres docentes (mesmo que
sentantes de diferentes campi para em muitos casos pontuais) indican-
repensar e agir sobre o ensino médio do uma relativa abertura dos profes-
integrado neste instituto, podem ser sores para ações pedagógicas dife-
consideradas como potencializado- renciadas que fortalecem a formação
ras desta forma de EM no IFRS. Veri- humana integral e o trabalho como
ficamos que este espaço de ação e princípio educativo.
reflexão sobre o ensino médio inte- Neste sentido, destacamos o
grado trouxe alguns resultados con- exemplo de uma professora de edu-
cretos, como a previsão de práticas cação física de um determinado cam-
integradoras nos projetos pedagó- pus do IFRS que, em parceria com
gicos de curso de alguns campi que outros colegas, desenvolvia, entre
antes não previam. 2011 e 2015, conhecimentos sobre
250
co dos estudantes do ensino médio instituição. Assim, percebemos entre
integrado na maior parte dos campi os pesquisadores e os extensionistas
foi claramente perceptível ao longo potenciais germens de uma forma-
da pesquisa. ção integral e do trabalho como prin-
Entendemos que, ao participar da cípio educativo. Logo, precisam ser
vida política da sua instituição, o es- aprimoradas para que constituam
tudante do IFRS sente-se parte deste vínculos orgânicos com as propostas
espaço. Assim, estabelece reflexões pedagógicas dos cursos de ensino
críticas sobre a sua realidade esco- médio integrado.
lar e tenta intervir sobre ela. Neste Verificamos que as atividades
sentido, ao se perceber como sujeito de pesquisa e extensão, incluindo
atuante da sua realidade e verifican- as culturais, se concretizavam como
do que esta pode ser modificada a ações paralelamente à proposta pe-
partir da sua intervenção, está se po- dagógicas dos cursos do IFRS, quan-
tencializando alguns dos pilares do do da ocorrência deste estudo. Estes
trabalho como princípio educativo, projetos timidamente se relacionam
apontado no já citado Documento com as atividades de sala de aula.
Base (BRASIL, 2007). Na sua maior parte são propostas
As atividades de pesquisa e de por docentes agregando um grupo
extensão também são vivenciadas de estudantes (voluntários ou com
com intensidade pelos estudantes bolsistas) e assim possibilitando a
do ensino médio integrado no IFRS. este grupo tal experiência. Neste ce-
Salientamos que os jovens, que par- nário, uma parcela de estudante fica
ticipam de tais atividades, constroem de fora da pesquisa e da extensão.
itinerários formativos diferenciados Logo, dentro de um mesmo curso e
ao terem contatos com experiências de uma mesma forma de ensino mé-
acadêmicas e vivências pessoais sig- dio, oportuniza-se uma formação de-
nificativas que contribuem decisiva- sigual para os jovens.
mente em sua formação. Reforçamos o nosso reconheci-
Salientamos que o intenso envol- mento do protagonismo dos estu-
vimento dos estudantes do EMI nas dantes de ensino médio integrado
atividades de pesquisa e extensão na pesquisa e na extensão do IFRS,
faz com que o ensino médio integra- no entanto, observamos que se pre-
do impulsione estas atividades na cisa aprimorar tal protagonismo, de
252
Algumas práticas - como entre- dessas que devem ser pensadas
ga de resultados, reuniões com pais considerando as peculiaridades do
para tratar de assuntos das turmas, ensino médio integrado de modo a
comunicados ou chamamentos dos fortalecê-lo. Esta referida complexi-
responsáveis pelos estudantes - são dade de forma alguma deve desen-
corriqueiras na educação básica e corajar a ocorrência do ensino médio
ocorrem com frequência nos cursos integrado. Ao contrário, os potencias
de ensino médio integrado do IFRS. e os obstáculos do EMI no IFRS têm
Aproximar a instituição da sua co- que ser percebidos como um apren-
munidade é fundamental para que dizado necessário e que podem ser
se conheça a realidade local e, desta referências para as demais redes pú-
forma, se construa algo que é central blicas.
na política dos IFs, o compromisso De todos os avanços na prática
com os territórios onde se está inseri- do integrado percebidos ao longo
do (BRASIL, 2008). Reafirmamos que da pesquisa, o que dá esperança
no IFRS, se comparada com as outras para quem acredita nesta forma de
ofertas de curso, a aproximação en- ensino médio é o fato de que, mes-
tre a escola e a comunidade encontra mo com todas as suas contradições,
maior força no ensino médio integra- o integrado do IFRS não tem como
do. prioridade a formação de mão obra
para as necessidades urgentes do
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS mercado. Assim, ao longo da pesqui-
sa percebemos ações com potencial
Os elementos encontrados na
para a integração entre as dimensões
experiência do IFRS, estudados por
da vida (o trabalho, a ciência, a tec-
esta pesquisa, apontam a comple-
nologia e a cultura). Logo, existem no
xidade que envolve uma política de
ensino médio integrado pesquisado
educação como a do ensino médio
alguns enfrentamentos a dualidade.
integrado. O conjunto de ações que
são necessárias para a sua consoli- Neste sentido, verificamos que a
dação, como vem se argumentando, experiência do ensino médio inte-
tem que envolver diversas políticas, grado no IFRS contribui como uma
internas e externas ao IFRS. Gestão possibilidade para outro ensino mé-
de pessoas, formação docente e as- dio público no Brasil. Tal experiên-
sistência estudantil são algumas cia evidencia que é possível a cons-
254
diretrizes e bases da educação nacio- ção dos Profissionais da Educação,
nal, e dá outras providências. Diário a Consolidação das Leis do Trabalho
- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no
Oficial da União, Brasília, 2004. Dispo-
nível em: <http://www.planalto.gov. 5.452, de 1o de maio de 1943, e o De-
br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/ creto-Lei no 236, de 28 de fevereiro
decreto/D5154.htm>. Acesso em: 3 de 1967; revoga a Lei no11.161, de 5
setembro de 2013. de agosto de 2005; e institui a Políti-
ca de Fomento à Implementação de
________. Ministério da Educação. Escolas de Ensino Médio em Tempo
Educação Profissional Técnica de Ní- Integral.
vel Média Integrada ao Ensino Mé-
dio. Documento Base. Brasília: Minis- FRIGOTO.G. A relação da educação
tério da Educação, 2007. Disponível profissional e Tecnológica com a uni-
em: http://portal.mec.gov.br/setec/ versalização da educação básica in:
arquivos/pdf/documento¬_base. (org.) Jaqueline Moll e colaborado-
pdf. Acesso em: 15 mai.2013. res: Educação Profissional e Tecno-
lógica no Brasil Contemporâneo,
________. Lei 11.892 de 29 de de- desafios tensões e possibilidade.
zembro de 2008 que institui os Ins- Porto Alegre: Artmed. 2010.
titutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia. KUENZER, A. EM EP na produção Fle-
xível: a dualidade invertida. In: (rev.)
________. Conselho Nacional de Retratos da Escola/Escola de For-
Educação. Resolução n.2, de 30 de mação da Confederação dos Tra-
janeiro de 2012. Define as Diretrizes balhadores em Educação ( Esforce)
Curriculares Nacionais para o Ensino – v. 5, n 8, jan/jun. 2011 – Brasília:
Médio. Brasília: CNE,2012. CNTE, 2007.
________. Lei 13.415, de 16 de feve- MOURA, D. O ensino médio integra-
reiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, do: perspectivas e limites na visão
de 20 de dezembro de 1996, que es- dos sujeitos envolvidos. In: Ensino
tabelece as diretrizes e bases da edu- Médio Integrado TRAVESSIAS/Mo-
cação nacional, e 11.494, de 20 de ju- nica Ribeiro da
nho 2007, que regulamenta o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento Silva (organizadora). – Campinas, SP:
da Educação Básica e de Valoriza- mercado de letras, 2013.
256
PERSPECTIVAS DOS ALUNOS SOBRE O ENSINO
MÉDIO INTEGRADO: POR QUE O FAZEM?
Débora Martins Artiaga1, Daniela Alves de Alves2
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais –
Campus Avançado Ponte Nova
2
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
E-mail: debora.martins@ifmg.edu.br
258
outros em suas terras, os quais pro- os demais componentes ambientais,
duziam para si e para o dono das como ainda nos atos civilizatórios e
propriedades. Já aos trabalhadores, nos de conquista. Podemos, pois,
aqueles que não detinham os meios afirmar que o fenômeno da educa-
de produção, restava apenas a pró- ção profissional acompanha as práti-
pria força de trabalho, a qual eles cas humanas desde os períodos mais
ainda precisavam vender para sobre- remotos da história.
viverem. O advento do modo de pro- Na visão de Saviani (1991), a na-
dução capitalista dispõe de mão de tureza da educação passa pelo pro-
obra liberada das obrigações servis cesso de transformação da própria
e desprovida de meios de produção. natureza pelo homem, em sua rela-
A força do trabalho passa então a ser ção com o trabalho, para sua subsis-
vendida ao empregador, que paga tência. Pelo trabalho, ele transforma
por ela e almeja, através dessa agre- a natureza e a si mesmo. Fica claro
gação de trabalho, a matéria-prima e então que o trabalho é intrínseco à
o acúmulo de capital. condição humana, sendo uma ativi-
Manfredi (2002) aponta que, des- dade central no que tange à socia-
de a pré-história, os homens transfe- bilidade e emancipação do homem.
riam seus saberes profissionais para Entretanto, o trabalho, na sociedade
as gerações mais novas por meio de capitalista perde essa dupla dimen-
uma educação baseada na observa- são, “direcionando as relações de
ção, na prática e na repetição, pelas produção para o aprisionamento da
quais repassavam conhecimentos e classe trabalhadora nos grilhões do
técnicas de fabricação de utensílios, trabalho abstrato, assalariado e alie-
aprimoramento de ferramentas, ins- nado” (SILVEIRA, 2010, p. 91).
trumentos de caça, defesa e demais Para Manfredi (2002, p. 34), as
artefatos que lhes servissem e faci- noções de trabalho “[...] vão se cons-
litassem o cotidiano. Com sua cog- truindo e reconstruindo ao longo da
nição e tecnologia acumuladas, as história das sociedades humanas,
populações pré-históricas e as civili- variando de acordo com os modos
zações que se seguiram produziram de organização da população e de
soluções para enfrentarem os desa- distribuição de riqueza e poder”. Du-
fios impostos pelo ambiente no qual rante a época do sistema de produ-
estavam inseridos, bem como nas ção artesanal havia uma relação es-
suas relações e interferências com treita entre sujeito e objeto, homem
260
século para outros países da Euro- O trabalhador perde sua antiga
pa, promoveu profundas alterações instrução em troca da ignorância ofe-
nas relações de produção e capital e, recida pela fábrica, através da substi-
consequen-temente, nas estruturas tuição dos instrumentos e dos pro-
e modelo de educação que deveria cessos produtivos pela repetição das
suprir o mercado produtivo, domina- máquinas. O capital exigia um traba-
do pela burguesia emergente. Esta lhador qualificado para as mudanças
primeira fase da revolução foi marca- tecnológicas. Surgia, então, um pro-
da pelo grande impulso do capitalis- blema: ou se oferecia dentro das fá-
mo industrial, a invenção de diversas bricas os métodos da aprendizagem
máquinas movidas a vapor e a busca artesanal, baseados na observação e
de matérias-primas e mercados con- imitação, ou então se transferiria às
sumidores na África e Ásia, através do escolas a missão de repassar os co-
neocolonialismo. Os trabalhadores nhecimentos profissionais, aliando a
das fábricas recebiam salários baixos, teoria à prática (SILVEIRA, 2010).
enfrentavam péssimas condições de Passou a ser exigida dos trabalha-
trabalho e não tinham direitos traba- dores da era da Revolução Industrial
lhistas. Houve o uso de mão de obra a capacidade de atender a essas no-
infantil e feminina com salários abai- vas demandas emergentes, ou seja,
xo dos homens (CANEDO, 2012). de se adequar à nova era de produ-
Segundo Frigotto (1999), a mo- ção fabril e servir à maior produção
dernidade alterou o vínculo entre de bens para o consumo. Entretan-
trabalho produtivo e educação com to, para muitos donos dos meios de
o advento do capitalismo, em que produção da época, a escolarização
a produção se rende ao mercado, o operária se tornou um problema,
qual assume para si a organização da pois muitos desses “patrões” enten-
produção e suas relações de capital diam que “[...] era supérfluo e até pe-
e trabalho. Ainda para esse autor, o rigoso ensinar a ler, escrever e, espe-
capitalismo determina as regras so- cialmente, fazer contas aos operários
bre valores, ideias, teorias, símbolos [...]” (MANACORDA, 2001, p. 287), já
e instituições, entre as quais se des- que, na visão deles, possivelmente,
taca a escola como espaço de produ- se os operários fossem instruídos,
ção e reprodução de conhecimentos, poderiam promover uma revolução,
atitudes, ideologias e teorias que jus- ou seja, poderiam exigir aquilo que
tificam o novo modo de produção. lhes era devido: salário justo, salubri-
262
ção dos direitos traba-lhistas; for- produtivo. O resultado foi à ênfase na
talecimento do sistema capitalista; bandeira política do neoliberalismo,
desenvolvimento da globalização, a concentração de renda, o enxuga-
princi-palmente após o fim da Guer- mento do estado e o reforço às leis
ra Fria, que trouxe um novo cenário de mercado. Pacheco (2011) afirma
nas relações econômi-cas e formas que o neoliberalismo foi definido por
de produção (CANEDO, 2012). um conteúdo ideológico fundado no
Na década de 1970, tivemos a individualismo e na competitividade
crise do capitalismo, que veio atra- que marcam a sociedade contempo-
vés das duas crises do petróleo e rânea.
também das crises fiscais dos países Com essas mudanças na política
centrais, com consequente aumento econômica, e consequentemente
da inflação. Portanto, na década de no mundo do trabalho, passou a ser
1970, o Estado do Bem-Estar Social, necessária uma nova relação entre o
expressão da ordem internacional homem e o trabalho, mediada pelo
capitalista e do fordismo, começou conhecimento científico, tecnoló-
a dar sinal de esgotamento, tornan- gico e sócio-histórico. Começou a
do-se cada vez mais difícil conciliar haver a demanda da formação de
serviços públicos e garantir os direi- um novo tipo de trabalhador, o qual
tos sociais e trabalhistas. Os sindica- especificaremos na próxima seção,
tos perderam o poder de barganha em que os conhecimentos sistema-
dos trabalhadores, pois não era mais tizados, as experiências e compor-
possível conciliar os direitos sociais e tamentos viessem substituir a rigi-
trabalhistas com a lucratividade do dez (KUENZER, 2004). Para que isto
capital. Essa crise nos conduziu para ocorresse, Kuenzer considera ser im-
um novo modelo de desenvolvimen- prescindível que se fundamentasse a
to econômico calcado no processo educação profissional em uma sólida
da terceira Revolução Industrial, a base de educação geral, para além
também chamada Revolução Tec- das dimensões meramente acadêmi-
nológica, que passou a requerer dos cas que caracterizam o ensino funda-
trabalhadores uma formação flexível. mental e médio no Brasil.
O liberalismo foi revisado e atua- O ensino Médio brasileiro, ao lon-
lizado através de referências compa- go de sua história, oscilou entre uma
tíveis com as alterações no processo finalidade voltada ora para a forma-
264
Com o toyotismo uma nova for- bilidades, que foram exportados do
ma de organização industrial e de re- mercado de trabalho também para
lação entre capital e trabalho emerge o ambiente escolar. Para Grabowski
das cinzas do taylorismo/fordismo: o (2007), no modelo toyotista, a linha
processo de acumulação flexível, no de montagem foi substituída pelas
qual se elimina a tradicional hierar- células de produção que contavam
quia gerencial, substituindo-a por com equipes de trabalho, onde a
equipes multiqualificadas que ope- qualidade e o trabalho são contro-
ram em conjunto, diretamente no lados pelo próprio grupo que realiza
ponto de produção. O modelo fle- um autocontrole e um autogerencia-
xível aborda a importância de uma mento da produção. Nesse novo mo-
equipe cooperativa, projetada para delo, as palavras de ordem passam
aproveitar a capacidade mental total a ser qualidade e competitividade e
e a experiência prática dos envolvi- assim um novo modelo de trabalha-
dos no processo de fabricação. dor passa a ser exigido.
Garcia (2009,) alega que o discur- De acordo com o autor supra-
so da acumulação flexível em relação citado esse profissional deveria ter
à educação se baseia no argumento algumas caracte-rísticas e capacida-
de que é preciso uma formação fle- des, tais como: comunicar-se corre-
xível, no sentido de acompanhar as tamente, com domínio dos códigos
mudanças tecnológicas, o avanço e e linguagens, incorporando, além do
a dinamicidade da produção científi- domínio da língua nacional, também
ca, substituindo, portanto, o modelo de uma língua estrangeira; autono-
de formação rígida, com formação mia intelectual, ser capaz de resolver
especializada, focada em ocupações problemas práticos gerados pelas
parciais e de curta duração para uma novas tecnologias e ciências; auto-
educação geral, ampliada, que acon- nomia moral, dentre tantas outras.
teça junto à Educação Básica. Este profissional deveria ainda ter a
Segundo Kuenzer (2007), o novo capacidade de enfrentar novas situ-
modelo de trabalhador exigido de- ações eticamente e, principalmen-te,
veria assegurar o domínio dos co- capacidade de comprometer-se com
nhecimentos que fundamentam as o trabalho, entendido em sua forma
práticas sociais e a capacidade de mais com-plexa e honrosa de cons-
trabalhar com eles, através do desen- trução do próprio trabalhador, do
volvimento de competências e ha- homem e da sociedade.
266
nual/industrial se deve à concepção cidadã de uma carreira, para o exer-
dada ao trabalho e, assim sendo, a cício de profissões e ofícios que te-
separação entre teoria e prática não nham nas mudanças operacionais e
é o resultado das formas de organi- no dinamismo a única constante.
zação e gestão do trabalho, mas tem Segundo Carvalho (2003) e Pa-
a origem na separação entre a pro- checo (2012), a educação profissio-
priedade dos meios de produção e nal deve ter o propósito de fomentar
a força de trabalho, isto é, na própria
a transformação do conhecimento
natureza do capitalismo. Dessa for- em atividades geradoras de bens
ma, não é o taylorismo ou fordismo e de serviços, considerando como
os que criaram a divisão técnica do pressuposto os avanços científicos
trabalho e não será o toyotismo que e tecnológicos, que são o que mo-
irá superá-la. vimentam todo o desenvolvimento
A educação é colocada então socioeconômico. Ao mesmo tempo,
como um espaço possível para supe- deve-se proporcionar um ensino que
rar a dualidade entre teoria e práti- permita continuidade, atualização e
ca, articulando ambas e fazendo do capacidade de aprender a aprender.
conhecimento e das competências
aliados para a solução de problemas. 2.3. Do Decreto Nº 2.208/97 ao
De acordo com Kuenzer (2007, p.
Decreto Nº 5.154/04
13), o trabalho passa a ser entendido
como “enfrentamento de eventos” e, O ensino médio brasileiro, ao lon-
exigem-se mais conhecimentos te- go de sua história, oscilou entre uma
óricos e mais habilidades cognitivas finalidade voltada ora para a forma-
complexas, portanto, capacidade de ção acadêmica, destinada a preparar
trabalhar intelectualmente, em opo- para o ingresso no ensino superior e,
sição à competência compreendida por outras vezes, voltada para uma
como conhecimento tácito. formação de caráter técnico, com vis-
Consideramos que mais que for- tas a preparar para o trabalho. A par-
mar para o emprego e mercado de tir da vigência da Lei 9.394/96, o en-
trabalho, a educação, seguindo os sino médio passa a ser a etapa final
passos do desenvolvimento de toda da educação básica e, dessa forma,
a sociedade, deve preparar o indiví- sua oferta se torna obrigatoriedade
duo para a construção autônoma e do estado brasileiro. Essa alteração
foi positiva, visto que possibilitou o
268
nário do Ensino Médio foi realizar um que apontavam as contradições em
diagnóstico da real situação e da ne- relação ao projeto de sociedade que
cessidade de ampliação do acesso ao começava a se delinear.
ensino médio. Esses foram os primei- O resultado foi a revogação do
ros passos na discussão da necessi- decreto nº 2208/97 e a aprovação do
dade de se criarem novas diretrizes decreto nº 5154/2004, com o resgate
curriculares e também da decisão do da possibilidade de indissociabilida-
governo brasileiro de universalizar a de do ensino médio e da educação
educação básica. Essas metas eram profissional, na forma do ensino mé-
consensuais entre os participantes. dio integrado. O novo decreto man-
Já o Seminário da Educação Profis- teve ainda as possibilidades de ofer-
sional contou com disputas por pro- ta de cursos técnicos subsequentes
jetos diferentes de sociedade e, con- e concomitantes ao ensino médio.
sequentemente, de educação. Uma Assim o decreto nº 5154/2004 foi
parte dos participantes defendia a incorporado à LDB através da Lei nº
permanência do decreto nº 2208/97, 11.741/2008. Esta lei pretendeu ain-
compunham esse grupo o Sistema S, da reintroduzir a articulação entre
assim como as instituições privadas e conhecimento, cultura e trabalho
também uma parte significativa dos e tecnologia, com o propósito de
Centros Federais de Educação Tecno- formação do ser humano na sua in-
lógica (Cefet). Garcia (2013) ressalta tegralidade física, cultural, política
que a rede federal foi, inicialmente, e científico-tecnológica. Buscou-se
o principal lócus de resistência da com isso a superação da dualidade
“reforma do Ensino Médio”, realiza- entre cultura geral e cultura técnica.
da pelo governo de Fernando Hen- Assim, foi resgatada a perspectiva da
rique Cardoso (1994-2002), mas que politecnia debatida nos anos 1980,
acabou por mudar parcialmente sua no processo de discussão da consti-
posição pelos benefícios conquista- tuinte e da atual LDB.
dos no mesmo período. Na parcela Chegou-se ao entendimento de
dos que apoiavam a revogação do que um tipo de ensino médio que
decreto nº 2208/97 estavam parte da garantisse a integralidade da edu-
rede federal e uma parcela das redes cação básica e também objetivos
estaduais que enfrentavam um gran- adicionais de formação profissional
de refluxo de oferta desta modalida- seria uma solução viável, mesmo que
de, e professores das universidades
270
montante de jovens em idade esco- formou ao final do ano de 2013. Do
lar para esta etapa de ensino no país. total de 20 alunos, 12 aceitaram par-
Essas turmas de EMI têm tido suas ticipar da pesquisa. Os entrevistados
vagas ocupadas pelos filhos das clas- tinham faixa etária variando entre 17
ses média e alta, os quais, identifican- e 18 anos. Dos 12, 11 estão cursando
do a qualidade da estrutura física e o ensino superior, sendo 9 em univer-
do corpo docente (muitos possuem sidades federais e 2 em faculdades
mestrado e doutorado), bem me- particulares. Os cursos escolhidos
lhor remunerado que os professores são os mais diversos, variando entre
da rede municipal e estadual, op- Agronomia, Arquitetura, Bioquímica,
tam por essa modalidade de ensino Direito, Economia, Engenharia Civil,
como uma etapa preparatória para o Engenharia Florestal, Engenharia
ingresso nas concorridas vagas ofe- Mecânica, Engenharia Química e Me-
recidas das universidades federais. dicina Veterinária.
Às classes baixas e mais pobres Dos 12 egressos que participaram
restou uma escola pública estrutu- da pesquisa, apenas um está atuan-
ralmente precária e sem qualidade do como Técnico em Agroecologia e
para fomentar projetos de vida indi-não está cursando o ensino superior.
viduais; enquanto que as classes mé-Esse estudante, aqui denominado de
“Egresso M”, ingressou no CTIA já vi-
dias e altas da sociedade pleiteiam as
poucas vagas ofertadas nas institui-sando a atuação técnica profissional
ções de ensino médio integrado fe- oferecida pelo curso, diferentemente
deral, teoricamente planejadas para dos demais egressos entrevistados.
Relatou ainda que se interessou pelo
atenderem aos filhos da classe traba-
lhadora. curso durante a divulgação feita por
servidores do campus Muriaé na es-
3. AS PERCEPÇÕES DOS EGRESSOS cola em que estudava, pois sempre
SOBRE O ENSINO MÉDIO INTEGRA- gostou dessa área e seus pais tinham
um sítio onde cultivavam hortaliças e
DO outras coisas. Então achou que fosse
Foram entrevistados os alunos uma boa oportunidade, uma vez que
egressos do Curso Técnico Integra- queria trabalhar no sítio com eles.
do em Agroecologia (CTIA) do IF SU- Esses relatos mostram que o objeti-
DESTE MG – Campus Muriaé, que se vo do egresso M sempre foi exercer a
profissão técnica.
272
Na verdade eu nunca cursei o téc- Eu acredito que as condições não
nico com a esperança de seguir car- foram as ideais, mas os professores
reira, eu entre no IF mais pela base sempre tentaram superar as barrei-
excelente de ensino médio (Egressa ras da falta de infraestrutura (Egres-
D). sa L).
274
lugares e trocar conhecimentos so M, que está atuando como técnico
foi muito proveitosa entre outros
em agroecologia, pretende continu-
(Egresso F).
ar trabalhando com seu pai, prestar
assessoria a outros produtores rurais
As vantagens são a formação dife- e almeja ainda, daqui um tempo, fa-
renciada em relação às pessoas que
se formam apenas no ensino médio,
zer o curso superior em Agroecolo-
assim como a experiência adquirida gia ou Agronomia.
em diversas áreas, a oportunidade
de fazer estágios em outros Insti- Quando questionamos aos
tutos Federais, órgãos públicos ou egressos se o CTIA lhes oportunizou
ONGs (Egressa L). crescimento intelectual, eles foram
unânimes em responder que sim.
Percebe-se que as vantagens Todos os que estão cursando o en-
elencadas dizem respeito especifi- sino superior atrelam essa realidade
camente ao curso técnico, visto que ao fato de terem feito o CTIA. Em re-
não seriam possíveis em um Ensino lação ao aumento de renda após o
Médio puramente propedêutico. Já término do curso, apenas o Egresso
em relação às desvantagens do cur- M respondeu positivamente a essa
so, os egressos enfatizam três pon- questão, uma vez que é o único que
tos: excesso de aulas teóricas e pou- está inserido no mercado de traba-
cas práticas, a falta de laboratórios lho. Todos egressos se mostraram sa-
equipados e também a escassez de tisfeitos com a conclusão do CTIA e
oportunidades de trabalho para os atribuem à escolha por este curso os
formados como técnicos em agroe- caminhos que estão trilhando agora,
cologia. Percebemos aqui que tam- seja na atuação profissional ou na se-
bém as desvantagens do CTIA estão quência de cursos superiores.
relacionadas à parte técnica do cur-
so. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação aos anseios dos egres- Pelo exposto, podemos dizer que,
sos para os próximos dez anos, os o ensino profissionalizante tem as-
que estão cursando o ensino supe- sumido um papel instrumental tec-
rior pretendem se formar, muitos nicista ao longo da história da edu-
pretendem continuar se especiali- cação básica brasileira, aspecto que
zando e, após isso, atuarem na área o decreto de 2004 busca superar na
de formação da graduação. O egres- busca de uma formação ampla dos
276
Nesse sentido, o EMI em IFs tem Técnico Integrado do Ensino Médio
se tornado muito atraente para os regular é formar mão de obra em
alunos que almejam o ingresso no atividades específicas, este não está
ensino superior, pois estes visam sendo cumprido. No entanto, o EMI
além de um ensino médio de quali- também objetiva a possibilidade da
dade ofertado por estas instituições, continuidade dos estudos. Alguns
o benefício de poderem concorrer a autores enfatizam que o estudante
50% das vagas que são destinadas em sua atividade profissional de ní-
aos concluintes do ensino médio em vel superior, mesmo que não sendo
instituições públicas, como prevê o a mesma do EMI, pode beneficiar-se
Artigo 2o do Decreto nº 7.824, de 11 dos conhecimentos tecnológicos ob-
de outubro de 2012, que prevê que tidos ao longo de sua formação bási-
as instituições federais de ensino ca.
superior reservarão no mínimo cin- Podemos concluir que o CTIA
quenta por cento de suas vagas em oferece um ensino médio excelente,
cada processo de seleção, por curso, uma vez que proporciona aos alunos
para estudantes que tenham cursa- o ingresso aos mais diversos cursos
do integralmente o ensino médio em superiores. Por outro lado, a parte
escolas públicas, inclusive em cursos técnica/profissionalizante do curso
de educação profissional técnica. está sendo pouco atraente e assim
Outro fator que contribui com a não motiva os alunos a seguirem
não opção dos concluintes do CTIA essa profissão, assim como a falta de
pela profissão técnica é a pouca ofer- ofertas de trabalho na área naquela
ta de empregos na área na região região.
de Muriaé, visto que a agroecologia
é desenvolvida em sua maior parte Referências
pela agriculta familiar na região, si-
tuação agravada pelo fato de que o ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do
CTIA do campus Muriaé ainda não é trabalho – Ensaio sobre a afirmação
reconhecido pelo Conselho Regional e a negação do trabalho. São Paulo:
de Engenharia e Agronomia de Mi- Ed. Boitempo, 2002.
nas Gerais (CREA-MG).
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Se o sentido de diferenciar estas de 17 abr. 1997. Regulamenta o §
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278
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280
mal envolve a utilização de conhe- neidade intelectual e tecnológica,
cimentos especializados, bem como autonomia e responsabilidade,
conceitos adquiridos em disciplinas orientados por princípios éticos,
específicas. A integração dessas estéticos e políticos, bem como
peças é que irá criar um novo co- compromissos com a construção
nhecimento ou compreensão mais de uma sociedade democrática,
profunda (SEIPEL, 2005). Generica- por meio do desenvolvimento sus-
mente, pode-se definir a experiência tentável;
interdisciplinar como o confronto de IV – domínio intelectual das
diferentes saberes organizados ou tecnologias pertinentes ao eixo
disciplinares que desenham estraté- tecnológico do curso, de modo a
gias de pesquisa, diferentes daque- permitir progressivo desenvolvi-
las que faria cada saber por seu lado mento profissional e capacidade
e fora dessa interação (FLORIANI, de construir novos conhecimentos
2004). e desenvolver novas competên-
Diante disto, a Resolução CNE/ cias profissionais com autonomia
CEB no06/2012 define os currículos intelectual;
dos cursos da Educação Profissional V – instrumentais de cada ha-
Técnica de Nível Médio e aquilo que bilitação, por meio de vivencia de
esses currículos devem proporcionar diferentes situações práticas de es-
aos estudantes: tudo e de trabalho;
I – diálogo com diversos cam- VI – fundamentos de empre-
pos de trabalho, da ciência, da endedorismo, cooperativismo,
tecnologia e da cultura como re- tecnologia da informação, legisla-
ferencias fundamentais de sua for- ção trabalhista, ética profissional,
mação; gestão ambiental, segurança do
II – elementos para compreen- trabalho, gestão da inovação e ini-
der e discutir as relações sociais de ciação científica, gestão de pesso-
produção e de trabalho bem como as e gestão de qualidade social e
as especificidades históricas nas ambiental de trabalho.
sociedade contemporâneas; Para atender à estruturação dos
III – recursos para exercer sua cursos prevista na Resolução CNE/
profissão com competência, ido- CEB no06/2012, a organização cur-
282
subsidiar a construção do Plano Na- ca e de politecnia aparecem em pas-
cional de Educação 2011 – 2020”, sagens dessa publicação associados
produzido pela Comissão Bicameral a noções como: formação integral;
do Conselho Nacional de Educação e superação da dualidade escolar; ca-
aprovado por esse órgão em agosto racterísticas humanistas e científico
de 2009, estabelece como uma das - tecnológicas da educação básica;
quatro principais prioridades para o escola unitária; domínio de diferen-
ensino médio: tes modalidades de conhecimentos
Romper com o dualismo estrutural e práticas requeridas pelas ativida-
entre o ensino médio e a educação des produtivas; compreensão teórica
profissional, compreendendo o en-
sino médio na concepção de esco-
e prática dos fundamentos científi-
la unitária e de escola politécnica, cos das múltiplas técnicas utilizadas
para garantir a implantação do pro- no processo produtivo; requisito da
jeto “Ensino Médio Inovador”, bem
como a efetivação do ensino médio
cidadania; combinação entre traba-
integrado como uma das alternati- lho, ciência e cultura; fundamentos
vas de profissionalização dos jovens científico-tecnológicos e histórico-
alunos do ensino médio (BRASIL,
2009).
sociais; superação da dicotomia en-
tre educação básica e técnica; for-
mação humana em sua totalidade;
Visando contribuir para a im- integração entre ciência, cultura,
plantação e o acompanhamento da humanismo e tecnologia; desenvol-
nova proposta de construção de um vimento de todas as potencialidades
ensino médio integrado à educa- humanas; domínio dos fundamen-
ção profissional, a representação da tos científicos das diferentes técnicas
United Nations Educational, Scientific que caracterizam o trabalho pro-
and Cultural Organization (UNESCO) dutivo moderno; fundamentos das
no Brasil editou, em novembro de diferentes modalidades de trabalho;
2009, a publicação “Ensino Médio e integração entre formação geral e
Educação Profissional: desafios da formação técnica no ensino médio.
integração”. O trabalho foi organiza-
Considerando esse contexto, este
do por Regattieri e Castro, com base
trabalho científico propôs descre-
em textos e debates que serviram à
ver a experiência de integração de
constituição de um workshop sobre
componentes curriculares do Curso
o tema (REGATTIERI; CASTRO, 2009).
Técnico de Nível Médio em Recur-
Os conceitos de educação politécni-
sos Pesqueiros na Forma Integrada,
284
um saber menos fragmentado que plar a integração dos conteú-
reconhece a realidade como uma to- dos envolvidos nas disciplinas;
talidade a ser percebida e analisada • Avaliação do conteúdo minis-
a partir de diferentes modelos e con- trado nas atividades integra-
cepções. doras, desenvolvida por meio
Mesmo reconhecendo a dificul- de relatórios técnicos que os
dade envolvida, professores e alunos alunos produziram em grupos
das práticas de ensino em questão de trabalho.
dispuseram-se a construir juntos um
trabalho nesta direção. As experiên- 2. DESENVOLVIMENTO
cias integradoras com práticas de en-
sino foram organizadas basicamente 2.1 Revisão Literária
a partir dos seguintes momentos:
A integração de disciplinas (ou
• Atividades preliminares com componentes curriculares) surge
o objetivo de construir aulas fortemente com a noção de núcleo
práticas e visitas técnicas a politécnico comum por ocasião dos
partir da junção, sobreposição processos de discussão ocorridos
e complementação de conte- em 2007 e 2008 e promovidos pelo
údos existentes nos planos de MEC sobre a necessidade de promo-
ensino das disciplinas que fize-ver mudanças na lógica de organiza-
ram parte das experiências de ção da oferta dos cursos técnicos no
integração, o que num primei- Brasil. A partir desses debates, que
ro momento passava por com- envolveram diversos especialistas
partilhar objetivos comuns e de campos tecnológicos diferentes,
conhecer e respeitar as diferen-chegou-se à formatação do Catálogo
tes visões presentes no grupo; Nacional de Cursos Técnicos, pau-
• Elaboração e realização das ex- tado em eixos tecnológicos. Antes
periências, que foram executa- os cursos estavam organizados por
das em momentos diferentes, áreas profissionais, o que seguia “a
atendendo à disponibilidade lógica de organização dos setores
dos professores responsáveis; produtivos” (MACHADO, 2009, p.07):
O eixo incorpora a lógica do conhe-
• Aulas em laboratório e visitas
cimento e da inovação tecnológica,
técnicas: essas atividades fo- constituindo-se como um vetor que
ram realizadas para contem- alcança – a partir dele – um conjun-
286
compreenderem a realidade para ra foi realizada com as disciplinas de
além de sua aparência fenomênica. biologia (Núcleo Básico) e biologia e
Sob essa perspectiva, os conteúdos ecologia aquática (Núcleo Tecnoló-
de ensino não têm fins em si mesmos gico), com o objetivo de contemplar
nem se limitam a insumos para o de- o conteúdo programático das duas
senvolvimento de competências. Os disciplinas relacionado a fisiologia
conteúdos de ensino são conceitos e anatomia animal e ao sistema de
e teorias que constituem sínteses da classificação dos seres vivos. A aula
apropriação histórica da realidade de laboratório teve duração de 2 ho-
material e social pelo homem. ras e atendeu satisfatoriamente ao
Portanto, a integração exige que previsto no plano de ensino das duas
a relação entre conhecimentos ge- disciplinas. Os alunos puderem vi-
rais e específicos seja construída con- venciar boas práticas de laboratório,
tinuamente ao longo da formação, bem como adquirir competências
sob os eixos do trabalho, da ciência e previstas durante a formação técnica
da cultura (RAMOS, 2005). (Figura 1). Todos os alunos consegui-
ram entregar o relatório técnico re-
ferente a esta atividade integradora
2.2 Descrição e Explicação dos
rico em informações, e alcançaram
Resultados notas necessárias para um ótimo
rendimento.
A primeira experiência integrado-
288
A terceira experiência integra- periências integradoras relacionadas
dora foi realizada com as disciplinas às disciplinas envolvidas. Durante
de biologia, química e artes (Núcleo a visita técnica, os alunos puderem
Básico) e a disciplina de biologia e vivenciar a rotina de uma curadoria
ecologia aquática (Núcleo Tecnológi- biológica, bem como conhecer es-
co). É importante destacar que esta pécies de peixes e de mamíferos até
experiência integradora contou com então desconhecidos pelos alunos,
a colaboração do Instituto Nacional puderem entender com mais clareza
de Pesquisa da Amazônia (INPA) que o uso do sistema de classificação dos
em parceria com a equipe do Bosque seres vivos e sua aplicação (Figura 3).
da Ciência e da Casa da Ciência de- No período vespertino, no Bosque da
senvolveu as atividades que haviam Ciência e Casa da Ciência (INPA), os
sido previamente repassadas para alunos participaram de uma dinâmi-
atender ao conteúdo das referidas ca onde envolveu temas de química,
disciplinas. Foi realizada uma visita biologia e artes, por meio da qual os
técnica ao INPA sob a coordenação alunos puderam ver a aplicação de
dos professores das disciplinas en- conceitos das disciplinas envolvidas
volvidas, onde os estudantes visita- (Figura 3). Todos os alunos consegui-
ram a coleção de vertebrados (es- ram entregar o relatório técnico re-
pecificamente a coleção de peixes e ferente a esta atividade integradora
mamíferos) no período matutino e, rico em informações, e alcançaram
no período vespertino, participaram notas necessárias para um ótimo
de uma atividade chamada Essên- rendimento.
cias da Amazônia que envolveu ex-
Fonte: (Bevilaqua: 2017, arquivo pessoal).
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292
significativas no Ensino Médio. Al- que circundam o campo do currículo
gumas considerações possíveis de é importante, pois se estará tratando
serem feitas no início do desenvol- dos docentes que, por formação, não
vimento do projeto de pesquisa em estão habilitados para atuarem com
andamento – do qual este texto se as peculiaridades do campo do en-
origina – caíram por terra neste per- sino – destaque-se, da Educação Bá-
curso, como a indicação de que os sica – e, por consequência e origem
docentes não licenciados tivessem da questão, são responsáveis, como
algum tipo de formação pedagógica não poderia ser diferente, pelas dis-
para que pudessem atuar na Educa- ciplinas que acabam sendo as que
ção Básica. Entende-se que proposta lideram e recebem destaque nesta
como essa se torna ainda mais dis- organização curricular de curso.
tante de realização, visto que se pre- A fim de que se possa dar encami-
vê, após a aprovação da lei 13.415 de nhamento a análises mais específicas
16 de fevereiro de 2017, ainda que que constituirão parte do arcabouço
com alguns critérios, a atuação de empírico deste trabalho, serão apre-
outros profissionais de áreas diver- sentados entendimentos que ilumi-
sas, entendidos como possuidores narão outras discussões anunciadas
de notório saber, em disciplinas do mais adiante.
currículo da Educação Básica.
Ainda neste campo introdutório, 2. SOBRE O ASPECTO INTEGRADO
cabe explicitar a inclinação curricular
DOS CURSOS ANALISADOS
que tem esta proposta de estudo e
o entendimento de aspectos da for- O Ensino Médio Integrado surge
mação de professores e de sua atu- como uma possibilidade de reali-
ação. Com Young (2011), é possível zação mais inteira de um processo
considerar a perspectiva do conhe- educacional, neste nível e âmbito,
cimento poderoso e trazê-la mais visto que busca cumprir o papel do
para dentro deste circuito; talvez desenvolvimento da capacidade de
seja coerente pensar que as “discipli- reflexão ampla, de cultura geral, de
nas poderosas” em um curso técnico visão ampliada de mundo e, nem an-
(integrado ao Ensino Médio) sejam tes ou depois, mas ao mesmo tempo,
justamente essas, as técnicas, que desenvolver habilidades específicas
conferem ao curso sua especificida- para o trabalho – que, dessa forma,
de. Assim, enveredar por caminhos não é cego ou alienado, é um traba-
294
Vale trazer com ênfase à cena apresentado em seguida:
algum apontamento sobre a ques- a) O aspecto integrado, que é
tão da politecnia. Como em Saviani justamente o que o diferencia de
(2003), a leitura desse termo ocorre outras modalidades de oferta de
no sentido de unir o trabalho técnico curso técnico associado ao nível
com o intelectual, não como uma va- básico da educação brasileira. Con-
riedade de técnicas. O entendimento forme apontado anteriormente, os
que nos interessa sobre o aspecto cursos técnicos concomitantes ou
politécnico se aproxima bastante da- subsequentes têm objetivos muito
quele de uma educação integral, que semelhantes ao curso técnico inte-
habilita o sujeito socialmente, para o grado ao Ensino Médio, no que diz
desenvolvimento de sua autonomia, respeito à liberação de profissio-
pelas vias da reflexão, do conheci- nais para o mercado de trabalho.
mento de uma cultura ampla e ge- No entanto, seus modi operandi os
ral, mas também de sua capacitação diferenciam bastante, visto que o
para o trabalho com técnicas especí- cotidiano escolar em que se inse-
ficas, refletidas e não alienadas. re esse curso técnico quando inte-
De modo que questões impor- grado a um curso de Ensino Médio
tantes façam sentido a partir do que revela diversas questões, disputas,
já foi exposto e nas análises que se- realizações (anti)pedagógicas e
guirão, faz-se necessário oferecer al- coloca em foco, para os que este-
gum destaque a um aspecto que já jam atentos a questões educacio-
está posto, mas parece não ser ób- nais, uma série de fatores que me-
vio, ou não fazer, sempre, diferença recem ser analisados;
no que diz respeito aos aspectos lin- b) Ainda na questão referente
guísticos e semânticos envolvidos. à integração entre dois cursos, um
Trata-se aqui de uma gama de técnico e um de nível médio re-
cursos técnicos integrados ao Ensino gular, há que se apontar a relação
Médio. A partir dessa nomenclatu- sintática que se revela semântica
ra em destaque, pode-se evidenciar e desperta diversos sentidos de
pelo menos dois itens que precisam valor que está presente em “curso
ficar bastante explicitados, conforme técnico em ...*1 integrado ao Ensi-
1 Há uma grande variedade de cursos técnicos possíveis de serem ofertados no Brasil, todos
listados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, que está disponível por meio do link:
https://goo.gl/kC4eQm
296
Ainda na cena 1, abrindo espa- grupo para conversas em outra rede
ço neste mesmo cenário, pensando social, que congrega docentes que
como as abreviações e agilidades atuam em outro curso técnico inte-
do mundo virtual podem revelar grado ao Ensino Médio da mesma
entendimentos específicos, segue instituição.
apresentado como foi intitulado um
298
po do ensino se fazia desnecessá- mais específicos e “vocação” – con-
ria, pois ele mesmo, experiente no ceitos destacados que merecem um
ensino de sua disciplina do campo texto inteiro de reflexão a respeito.
técnico estaria presente na avalia- Ganha destaque nesta cena o
ção; c) nos concursos de disciplinas texto de uma jovem que representa
ligadas mais diretamente ao campo uma estudante na propaganda – “Eu
do ensino, como a área das línguas quero um curso técnico, pra já poder
(usada pelo docente como exemplo) trabalhar”.
nunca se havia visto um docente da
área técnica na composição da ban-
2.2 CENAS SOB ANÁLISE
ca examinadora.
Assim, desceu o pano que encer- A fim de que se possa observar
rou o diálogo. a cenas apresentadas e propor uma
análise, faz-se necessário estabele-
Cena 4: Afastando-se um pou-
cer alguns pontos de partida a par-
co da instituição-cenário na qual se
tir dos quais se fará tal observação.
focou até aqui, a cena 4 apresenta a
O texto fluirá como material único,
propaganda televisionada (disponí-
mas os campos de observação serão
vel em https://www.youtube.com/
a FORMAÇÃO DE PROFESSORES, o
watch?v=7_Fdhibi0yQ, acessada em
CURRÍCULO, o entendimento que se
30 de abril de 2017) em 2016 e 2017,
possa ter sobre ensino, em uma pers-
do governo federal brasileiro, acer-
pectiva DIDÁTICO-PEDAGÓGICA e a
ca do “Novo Ensino Médio”, como se
realização do ENSINO TÉCNICO em
tem chamado esse segmento escolar
si, estando ele integrado à Educação
após a aprovação da lei que oficiali-
Básica.
za sua reforma, alterando em vários
sentidos a Lei de Diretrizes e Bases da Com o primeiro fio de análise, é
Educação, de número 9394 de 1996. possível costurar boa parte de um
patchwork que se fará maior. Este fio
No vídeo, jovens levantam-se de
traz a cena 1, na perspectiva de como
uma plateia (?), sobre cada um se co-
que, ainda que inconscientemente
loca um foco de luz, e o estudante
ou por desconhecimento da cau-
representado diz por que aprova o
sa, se registra verbalmente o curso
novo Ensino Médio. As justificativas
técnico integrado ao Ensino Médio;
variam, mas ficam no campo do “in-
a cena 2 se une a essa perspectiva-
teresse” por itinerários curriculares
costura por demonstrar as dificulda-
300
modo de se fazer o curso, curricular e da empiria que se captura no coti-
pedagogicamente falando, visto que diano, pode-se dizer que há um fator
o “Ensino Médio” carrega, linguistica- intrínseco nesta seara que faz com
mente observando, um curso técni- que os sujeitos se apresentem pri-
co a ele atrelado. meiramente com o que lhe chama,
Cabe o destaque ao termo “inte- antes, a atenção. Cabe o registro de
grado”, que permanece no mesmo que a responsável pela criação desse
ponto da frase original que dá nome grupo de comunicação foi uma pro-
ao curso e não versão equivocada fessora, também coordenadora do
(?) que constitui a propaganda. Isso curso, que é da área propedêutica.
pode ser visto na linha 3 da tabela 1. Este modo de observar e enten-
A linha 4 traz, para essa pers- der o funcionamento, a realização de
pectiva de análise, o entendimento um curso, que independentemente
de cursos de Educação Básica mais de crenças e entendimentos, se faz,
complexo de ser justificado. Apontar por natureza, em atos pedagógicos,
a realização de um curso integrado “à conduz o alinhavo deste estudo para
informática”, que não constitui por si a cena 2: o take em que o aspecto
só um espaço ou segmento na dinâ- “integrado”, central nesta discussão e
mica da educação brasileira, impede também na cena 1, não foi concreti-
enxergar uma justificativa plausível zado por inteiro.
para tal. Tendo em mente a descrição da
Trazendo ao mesmo cenário a cena 2 e a diferença dos lugares de
figura 2, que apresenta o título de fala e de experiência já apontada an-
um grupo de conversas de uma rede teriormente, torna-se bastante possí-
social, pode-se destacar novamente, vel afirmar que a falta de familiarida-
de uma perspectiva semântica, dis- de com os trâmites escolares e com
cursiva e de representação de valor, a dinamicidade essencial que se faz
o fato de o Ensino Médio, apesar de entre conhecimento e disciplinas –
sua especificidade de englobar um que surgem para organizar o conhe-
curso técnico, ser a “cama” na qual cimento – fez com que os docentes
se esticam e movimentam todos os das disciplinas técnicas não vislum-
aspectos incluídos. Ainda que seja brassem caminhos para sua partici-
esse um dado constituído por bas- pação no projeto da “Feira Olímpica”.
tante informalidade, como é típico
302
atestados por titulação específica ou item d, urge perceber a necessidade
de preparo didático-pedagógico es-
prática de ensino”. Estará a prática de
ensino, considerando, por exemplo, pecífico e consistente dos docentes
a experiência vivida no contexto da que são responsáveis pelas discipli-
cena 2, em condições de equivalên- nas técnicas em um curso técnico
cia aos caminhos de formação pro- integrado ao Ensino Médio, visto que
postos em um curso de licenciatura essas disciplinas constituem o perfil
de professores? Seria possível con- desses cursos, sendo, assim, frequen-
figurar, aqui, um exemplo de que a temente as que lideram os currículos
prática de ensino não embasada em e, como causa e consequência, estão
pressupostos outros, teóricos, não se nas mãos dos docentes que não são
sustenta? oriundos dos cursos que preveem
Cabe o registro de alguns enten- formação para o ensino. Forma-se
dimentos, neste ponto, visto que o um ciclo. O item a poderia continuar
espaço e objetivo deste trabalho são o texto, e assim por diante.
mais estreitos do que o que pressu- A cena 4 se emenda neste fio de
põe um alongamento (necessário) análise das cenas anteriores porque
dessas questões: a) está posto que traz, é possível afirmar, uma propa-
não há curso de licenciaturas para a ganda com texto falacioso, pelo me-
formação de professores de todas as nos em parte; e traz também uma
áreas técnicas; b) não seria o item a questão muito atrelada ao ensino,
uma proposta oriunda dessa refle- aos profissionais que atuam nos cur-
xão; c) como na Medicina, por exem- sos técnicos e ao objetivo original
plo, sabe-se que os profissionais da desse tipo de curso.
área específica são os que têm o co- A estudante que aparece no ví-
nhecimento que precisa ser ensina- deo, como destacou a cena 4, anun-
do, e isso não está sendo questiona- cia que deseja optar pelo curso téc-
do aqui; d) há que se considerar que nico porque prefere logo começar
a Educação Básica tem demandas di- a trabalhar. Apesar de esta também
dático-pedagógicas específicas, que, ser uma discussão que necessita ser
aí diferentes de um curso superior detalhada em outro estudo, cabe o
como o de Medicina, fazem necessá- registro da grande falácia já denun-
rio considerar as condições e neces- ciada por Paulo Freire na década de
sidades específicas de aprendizagem 1960 ao evidenciar os riscos do tecni-
dos estudantes; e) estando posto o
304
dicotômica ou de antagonismo entre forma veemente na realização plena
o perfil técnico e o propedêutico ao da integração, em seu sentido mais
se colocar cursos técnicos integrados amplo.
ao Ensino Médio em questão. O ob-
jetivo é, com verdade, problematizar REFERÊNCIAS
os modos como têm sido postas e
assumidas determinadas questões AGÊNCIA SENADO. Sancionada lei
e práticas que, se entendidas como da reforma no ension médio. Se-
naturais, podem inviabilizar os senti- nado Notícias. Brasília, atualiza-
dos originais que são base de qual- do em 17/02/2017. Disponível em :
quer processo/curso/ação educativa: <www12.senado.leg.br/noticias/ma-
que os estudantes aprendam e que terias/2017/02/16/sancionada-lei-da
tenham condições de realizar coi- -reforma-no-ensino-medio> Acesso
sas outras com o que for aprendido, em 30 de abril de 2017.
produzir, para além de reproduzir. A
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de de-
própria disputa ideológica, pedagó-
zembro de 1996. Estabelece as dire-
gica e de entendimento de mundo,
trizes e bases da educação nacional.
típica do lugar escola, ainda tem se
Brasília, 1996
dado, de fato, com vistas a uma es-
pécie de demarcação de territórios _______. Lei nº 13.415, de 16 de
– o que é técnico, o que é propedêu- fevereiro de 2017. Altera as Leis nº
tico, o que se deseja que o estudante 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
egresso desses cursos seja capaz de que estabelece as diretrizes e bases
fazer e como, bem no sentido que já da educação nacional, e 11.494, de
destacamos sobre o conhecimento 20 de junho 2007, que regulamenta
poderoso. São movimentos natu- o Fundo de Manutenção e Desen-
rais de um processo recente, que se volvimento da Educação Básica e
está dando a conhecer e prosseguirá de Valorização dos Profissionais da
em constante mudança. O formato Educação, a Consolidação das Leis
integrado suaviza e busca atenuar do Trabalho - CLT, aprovada pelo De-
a demarcação entre os dois campos creto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
e, consequentemente, eliminar tam- 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28
bém as relações de poder e opressão de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº
entre um e outro tipo de formação. É 11.161, de 5 de agosto de 2005; e ins-
nessa perspectiva que insistimos de titui a Política de Fomento à Imple-
306
CURRÍCULO INTEGRADO: UMA PROPOSTA EM
CONSTRUÇÃO
Rose Márcia da Silva 1
1
Instituto Federal de Mato Grosso/ Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
E-mail: rose.marcia@oi.com.br
308
O Parecer CNE/CEB nº 5/2011, [...] desenvolvidas em, pelo menos,
dois espaços e tempos: um volta-
que deu origem às Diretrizes Curri-
do para as denominadas atividades
culares Nacionais para o Ensino Mé- integradoras e outro destinado ao
dio, apresenta como outras possíveis aprofundamento conceitual no in-
terior das disciplinas. É a partir daí
propostas de organização curricular:
que se apresenta uma possibilidade
complexos; temas; projetos; apren- de organização curricular do ensino
dizagem baseada em resolução de médio que potencialize uma am-
pliação de conhecimentos em sua
problemas; centros de interesses e
totalidade e não por suas partes
investigação do meio, entre outros. isoladas. Para fins formativos, isso
Para uma escola que se pretende significa identificar componentes
e conteúdos curriculares que per-
emancipadora e transformadora da
mitam fazer relações cada vez mais
realidade dual e desigual na qual vi- amplas e profundas entre os fenô-
vemos, é destacado como relevante menos que se quer “apreender” e a
realidade na qual eles se inserem.
que a organização curricular se pau-
(BRASIL, 2013, p. 40)
te em concepções e metodologias
críticas, como o complexo1 de Pistrak
ou os temas geradores2 de Freire. Nesse sentido, a prática curricular
tem permanecido, grande parte do
No entanto, algumas barreiras
tempo, organizada por disciplinas,
têm sido encontradas para pôr em
alternando-se com atividades inte-
prática tais metodologias no Ensi-
gradoras, por meio de práticas inter-
no Médio, devido à necessidade de
disciplinares ou projetos de pesquisa
aprofundamento dos conceitos ine-
e extensão, conforme o Projeto Pe-
rentes a cada disciplina e área do
dagógico de Curso (PPC) prevê:
conhecimento e seus métodos de
A utilização de metodologias dia-
exposição próprios. O que tem dire- lógicas, interdisciplinares, inter-re-
cionado o trabalho docente para a lacionadas às condições históricas,
escolha de metodologias mistas. sociais e culturais dos alunos será o
310
trução do PPC, conforme afirma um Houve alguma conversa com al-
dos gestores: guns alunos e alguns pais, porém
[...] basicamente os projetos são não foi feita uma audiência pública,
construídos [...] partir de comissões eles não participaram, a comunidade
com a presença de professores das
diferentes áreas, mas, sobretudo
não participou, da elaboração desse
da área específica da formação que PPC (Gestora 1).
aquele curso vai enfatizar, com a
presença de pedagogos, técnicos, A maioria dos estudantes, des-
dos conselhos educacionais, enfim conhece, se confunde ou não se in-
da equipe pedagógica da institui- teressa por conhecer o PPC. Quando
ção. E o trabalho é coordenado pela
equipe pedagógica, porque exis- questionados, deram-se conta da
te uma preocupação em relação importância do documento, mas en-
a essa proposta de integração das tre os alunos entrevistados apenas
formações, da educação básica com
a educação profissional, mesmo sa- 01 disse conhecer todo o projeto.
bendo que essa não é uma questão Os outros, a princípio, disseram não
simples (Gestor 3). conhecer e, após explicação do que
seria o PPC, afirmaram que havia sido
A participação da comunidade apresentado no início do curso o que
escolar aconteceu via representação iriam estudar, como iriam concluir o
na comissão e em algumas ativida- curso e da necessidade de estágio;
des de elaboração de ementas e con- que foram apresentadas as ementas
versas com pais e alunos, segundo a das disciplinas e houve outros que
afirmação dos sujeitos: não sabiam como seria até o final do
[...] participei especificamente das
curso, somente durante cada ano.
disciplinas ligadas à área que eu mi- A construção da proposta pe-
nistro [...] na construção das emen-
tas. Aqui no IF [Instituto Federal] a dagógica do curso teve início com
gente tem um conjunto docente a discussão e definição coletiva do
formado por uma quantidade de en- perfil do curso, objetivos, justificati-
genheiros [...] a gente sempre estava
conversando entre si. Mas eu tam- va, bem como o perfil dos egressos
bém, buscava outras instituições de e o perfil de cada área, o que deveria
IFs no Brasil, outros IFs e fazia uma orientar o currículo integrado. Para
comparação de várias ementas, pra
ver o que era mais atual, fazer um isso, segundo um dos gestores, bus-
compilado dessas ementas e trazer caram
pra cá (Professor 2).
[...] levantar informações, conhecer
essas realidades através de pesqui-
sas, estatísticas, de diálogos com os
312
nológico de Recursos Naturais com institucional, uma vez que o currí-
ênfase na Agropecuária”, oferecer culo sempre foi organizado por dis-
ensino de qualidade, articulando for- ciplinas. A escolha das disciplinas
mação para o trabalho e para prosse- para compor a matriz curricular, bem
guimento nos estudos para “discen- como a distribuição das cargas ho-
tes oriundos do ensino fundamental rárias dos componentes curriculares
das escolas locais e dos municípios foram definidas a partir de discus-
circunvizinhos” e, sobretudo, “opor- sões entre os professores das discipli-
tunizar a criação e ampliação de no- nas específicas e os professores das
vas tecnologias que diversifiquem o áreas do Ensino Médio, a saber: lin-
cenário agropecuário regional, com guagens, códigos e suas tecnologias,
vistas a novas oportunidades de ciências humanas e suas tecnologias,
geração de emprego e renda, bem ciências da natureza e suas tecno-
como contribuir para a conservação logias e matemática e suas tecno-
dos recursos naturais ainda existen- logias, e a composição das ementas
tes”(IFMT CAMPUS SORRISO, 2015, p. das disciplinas foi feita isoladamente
16). por cada docente.
A organização curricular no for- Assim o processo pode ser de-
mato disciplinar decorre da cultura monstrado da seguinte forma:
Gráfico 1: Distribuição da
Carga Horária por Área
314
área de ciências da natureza e mate- va entre as áreas, a fim de evitar que
mática e o Núcleo Profissionalizante disciplinas consideradas mais impor-
em detrimento da área de ciências tantes como bases científicas dos
humanas, o que pode dificultar a cursos técnicos fiquem com a maior
possiblidade de um trabalho inter- parte da carga horária nos currículos.
disciplinar com outras áreas e com o Com relação às disciplinas especí-
Núcleo Técnico. E esse aspecto é co- ficas da área profissional, destaca-se
mum na definição das matrizes dos que o projeto de curso apresenta a
cursos técnicos, que buscam priori- opção da instituição em “atuar priori-
zar áreas mais relacionadas ao eixo tariamente nas áreas relacionadas ao
articulador da tecnologia. No entan- agronegócio, à agricultura de preci-
to para Ciavatta e Ramos (2012) o são, à produção de grãos, à produção
currículo elaborado sobre as bases e industrialização de alimentos, à pe-
do trabalho, da ciência, da cultura e cuária, à sustentabilidade ambiental,
da tecnologia, não pode hierarquizar à formação de professores, entre ou-
os conhecimentos nem os respec- tras áreas” (IFMT CAMPUS SORRISO,
tivos campos das ciências, devendo 2015, p. 12).
problematizá-los em suas historici-
dades, relações e contradições. A tendência dos cursos na área
agropecuária está na adoção de com-
O tempo concedido a cada área ponentes curriculares como agroe-
é um fator importante na definição cologia e cooperação, porém, como
das prioridades visualizadas na cons- alertam Vendramini e Machado, “es-
trução do currículo. Sendo assim, sas matrizes, embora reconhecidas
um grande desafio que se apresen- como importantes no processo de
ta para os Institutos Federais (IFs) é resistência, não são as que predomi-
romper com a cultura institucional nam nas relações produtivas” (2011,
de base técnica e científica das Es- p. 97). Tais componentes curriculares
colas Técnicas e Centros Federais não fazem parte da matriz curricular
de Educação Tecnológica (CEFETs) e do curso, a seleção das ementas das
conceber uma formação omnilateral, outras disciplinas se apresenta de
sob os eixos do trabalho, conheci- forma aberta, apresentando a cultu-
mento e cultura sob a base tecno- ra, criação de animais e tecnologias
lógica. Cabe ressaltar que alguns IFs de modo a contemplar a diversidade
já buscam orientar a construção do de pequenas e grandes proprieda-
currículo a partir da divisão equitati-
316
nas contemplam uma variedade de tão o projeto integrador seria uma
alternativa (Gestor 3).
metodologias, conforme as caracte-
rísticas de cada disciplina, tais como
aula expositiva, aula dialogada, apre- Em análise dos Planos de Ensino
sentação de seminários, debates, uso do 2º ano, percebe-se que das 18 dis-
de tecnologias, trabalhos individuais, ciplinas ofertadas, 14 fazem referên-
em duplas e grupos, problematiza- cia ao uso de atividades práticas em
ção, utilização e discussão de vídeos, laboratórios, visitas ou viagens técni-
revistas e filmes, aula prática, leituras cas e núcleo de produção (fazenda
e fichamentos, desenvolvimento de experimental) como recursos para o
projetos, demonstração, experimen- processo ensino-aprendizagem. De
tação e realidade do campo. acordo com o Gestor 3, é percebida
No entanto, percebe-se nas falas uma dificuldade dos professores efe-
dos professores e equipe de ensino tivarem o que está no projeto de cur-
a necessidade de uma definição me- so com relação à integração teoria e
todológica de organização do currí- prática, devido a um distanciamento
culo, ainda em discussão, como afir- entre elas, pois
mam: [...] no projeto pedagógico do cur-
so, há uma preocupação de que
[...] eu acho muito interessante, que essa prática, que é necessária para
a gente pode pensar no futuro e a formação do profissional [...] seja
trabalhar com temas, eu acho bem um lugar, uma espécie de origem
legal, tipo você propõe um tema ge- ou situação em que, a partir da
rador e as disciplinas vão trabalhan- qual os professores possam buscar
do todas naquele, existem colégios as teorias para poder elucidar, para
que trabalham dessa forma e dá poder resolver os problemas [...] não
muito certo. se vai a campo pra poder executar
[...] acredito que a introdução aí de aquilo simplesmente [...] a propos-
projetos integradores né..., ou por ta do curso era que aquela área da
problemas, facilitaria muito a mu- fazenda experimental, no caso es-
dança de concepção. [...] se a gente pecífico do Campus de Sorriso, sem
trabalhasse, por exemplo, com pro- estruturação, sem qualquer condi-
jeto integrador, seria uma coisa que ção de produção ela fosse analisada,
daria esse salto no sentido de pro- conhecida da maneira como ela é, e
porcionar ao grupo a compreensão aí sim a partir desse conhecimento,
de como é possível fazer a integra- da situação real em que a área se
ção e de como os conteúdos na re- encontra buscar na teoria, ou nos
alidade estão imbricados..., eles não estudos, nas disciplinas elementos
estão separados, estão separados e subsídios pra poder intervir na-
na nossa matriz curricular, mas na quela realidade modificando aquela
realidade eles estão imbricados, en- realidade para aquilo que se deseja,
318
interdisciplinares com a disciplina mesmo ainda não tendo definido a
nos 2º anos do Ensino Médio com
concepção metodológica a ser tra-
topografia. Então, a gente trabalha
meio que paralelamente, a mate- balhada pelo campus, os docentes
mática e topografia, até alguns pro- buscam alternativas ou metodolo-
jetos de extensão foram feitos nesse
gias críticas diversas, que inovem ou
sentido, matemática e topografia e
na agricultura I, trabalham os solos despertem o interesse dos estudan-
na agricultura I e na matemática es- tes e minimizem a fragmentação dis-
tava se trabalhando área e volume
ciplinar. A indefinição de uma meto-
então a gente conseguiu fazer bem
essa relação, até mesmo o professor dologia não pode ser vista como um
de física entrou com densidade, pra problema grave que compromete a
trabalhar isso. A topografia usa mui-
concepção de formação integrada,
to a trigonometria, então, a gente
trabalhou paralelamente também. haja vista que o campus está em pro-
A minha parte, matemática a gen- cesso, e a indefinição é própria do
te ia a campo coletava informações
processo. É o que Frigotto sinalizou
com trena, voltava pra sala e vinha a
parte matemática novamente nesse numa entrevista concedida em 2014:
sentido (Gestor 4). [...] a maior dificuldade de integrar
é primeiro querer integrar, uma ati-
tude política, segundo é o professor
Essa prática foi observada tanto que comece a fazer essa discussão
em sala de aula, como nos momen- que vocês estão fazendo “afinal de
contas, o que é integrar? mas como
tos de diálogo na sala dos professo- nós vamos fazer?”, precisa ter um
res e com os estudantes. Em deter- início e é uma atitude de querer, e
minadas aulas os professores fizeram aí o cara vai encontrar os caminhos
[...] você pode integrar por discipli-
articulação com outras disciplinas e na, não é impossível... você pode in-
os alunos relataram que percebiam tegrar por projetos, em todo aquele
essa inter-relação entre o conteúdo semestre a escola vai trabalhar um
grande projeto onde entra todos os
que eles estavam estudando naque- campos de conhecimento ou você
la disciplina com outros conteúdos pode trabalhar por temas, Paulo
ou com uma visita técnica ou uma Freire, temas geradores... isso não
tem uma regra, porque a gente par-
aula prática. Mas também que per- te do princípio que vocês como pro-
cebiam mais fortemente essa rela- fessores, foram se formando e têm
ção das áreas quando desenvolviam os elementos pra dizer "bom, aqui
nós vamos tentar isso, vamos tentar
alguma atividade prática, ou projeto aquilo”. Não existe uma fórmula, o
de ensino, de pesquisa ou extensão. que existe é uma concepção, de não
negar um conhecimento básico em
Dado o exposto, percebe-se que todas as áreas do que é humano.
(FRIGOTTO, 2014)
320
modo, se torna necessária a forma- pitalista neoliberal que ameaçam as
ção continuada dos educadores para conquistas da classe trabalhadora
aprofundamento dos conceitos de e de educadores socialistas. Isso é
integração e das concepções curri- claramente demonstrado pelo atu-
culares e metodológicas para efeti- al governo, que edita um pacote de
vação dessa proposta. “contrarreformas” de Medidas Pro-
As políticas curriculares imple- visórias, Projetos de Lei e Emendas
mentadas nos últimos dez anos têm à Constituição que ferem e retroce-
avançado no sentido de definir nas dem nas conquistas alcançadas até
Diretrizes Curriculares Nacionais para aqui, tais como a Lei nº 13.415/20173,
a Educação Básica (Resolução CNE/ a nova Base Nacional Comum Curri-
CEB nº 4/2010), nas Diretrizes Curri- cular (BNCC)4; a Emenda Constitucio-
culares Nacionais para o Ensino Mé- nal nº 95/20165 e o Projeto de Lei do
dio (Resolução CNE/CEB nº 2/2012) e Senado nº 193/20166. Esse pacote de
nas Diretrizes Curriculares Nacionais medidas antissociais precariza o tra-
para a Educação Profissional Técnica balho docente, despolitiza o ensino,
de Nível Médio (Resolução CNE/CEB empobrece o currículo e impede a
nº 6/2012) como eixos articuladores efetivação de uma educação integral
e integradores do currículo: trabalho, de qualidade.
ciência, cultura e tecnologia, tendo A luta pela superação da concep-
trabalho como princípio educativo ção utilitarista do ensino médio e
e a pesquisa como princípio peda- da educação profissional está posta
gógico. Mas encontram como desa- como resistência ao capital. O mo-
fio, na atualidade política brasileira, mento atual brasileiro tem exigido
projetos e programas de cunho ca- enfrentamento e posicionamento
322
Reis Filho. 1. ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2000.
324
priorizando, no caso da Educação série de dicotomias, de contradições
Profissional de nível médio, a forma e de possibilidades, o que evidencia
de cursos integrados (BRASIL, 2008, o trabalho escolar e a prática docente
p. 4). O conceito de ensino integral, a partir de novas perspectivas. Nessa
contudo, não se origina e nem se direção, a inserção político-social da
restringe a essa modalidade de or- escola, aqui, analisada, bem como
ganização de cursos, ainda que mui- o posicionamento do curso Técnico
tas pessoas só o identifiquem nessa em Enfermagem, nesse contexto,
acepção. constituem-se como espaço privi-
Discussões e propostas de edu- legiado para dar contornos claros e
cadores vão mais longe. Ao defen- nítidos, materializando, assim, as elu-
derem a proposta de Ensino Médio cubrações propostas.
Integrado, resgatam fundamentos
filosóficos, epistemológicos e peda- 2. DESENVOLVIMENTO
gógicos da concepção de educação
politécnica e omnilateral e a de es-
2.1. Do ensino integrado ao currí-
cola unitária, baseados no programa culo integrado
de educação de Marx e Engels e de
Interdisciplinaridade, educação
Gramsci (RAMOS, 2011, p. 772).
global, centros de interesse, metodo-
Tais fundamentos convergem logia de projetos, globalização são
para uma concepção de currículo in- vocábulos que traduzem coisas bem
tegrado, cuja formulação incorpora semelhantes. Para Santomé (1998),
contribuições já existentes sobre o não obstante a vasta diversificação
mesmo tema, mas pressupõe a pos- de termos, pode-se pensar que, no
sibilidade de se pensar em um currí- fundo, trata-se apenas do mesmo e
culo convergente com os propósitos do eterno problema, ainda não re-
da formação integrada – formação solvido de maneira definitiva, isto é:
do sujeito em múltiplas dimensões, a necessidade de superar a fragmen-
portanto, omnilateral – e da supera- tação dos conhecimentos e a impe-
ção da dualidade estrutural da socie- rativa tarefa de estabelecer diálogo
dade e da educação brasileiras (RA- entre o currículo e a realidade coti-
MOS, 2011, p. 772). Nesse sentido, diana.
por sua complexidade e sua plurali-
Nesse sentido, fundamenta-se
dade, os estudos apontam para uma
o conceito de currículo integrado
326
construir todo o aparato ideológico bilização do governo com a adoção
[...]”. (MOURA, 2012, p. 54).
do real, o qual visava o ajuste estra-
tégico e à retomada do crescimento
Em face disso, o que se viu, em econômico. É nesse cenário em que
relação às novas regulamentações, se processam importantes mudan-
foi a fragmentação do ensino técni- ças no campo educacional. O ensino,
co, enfeixado junto com outras polí- consoante a perspectiva neoliberal
ticas, sob a denominação de Educa- de mercantilização, transforma-se
ção Profissional e Tecnológica. Essa em produto de venda. E, nessa pers-
tendência, consubstanciada em uma pectiva, aqueles que conseguem pa-
reforma educacional, implementada gar por um produto, assim o fazem,
no Brasil, a partir dos anos de 1990, deixando a rede pública como alter-
ocorre sob um novo modelo de Es- nativa para os que não conseguem
tado, de padrão norte-americano ou fazê-lo (SILVEIRA, 2004).
liberal-corporativo (RAMOS, 2012). Com isso, e tendo em vista a de-
Nele, ao mesmo tempo em que a sorganização do ensino técnico de
vida econômica é deixada ao livre nível médio, gerada pelo Decreto nº
jogo do mercado, o conflito de inte-
resses é também resolvido numa es-
2.208/97, as políticas de formação,
pécie de mercado político, no qual para o trabalho, passam a ser orien-
os grupos com recursos obtêm re- tadas para os programas de capaci-
sultados, enquanto os que não dis-
põem de tais recursos são excluídos,
tação em massa (RAMOS, 2012).
sem condições de obter influência “As escolas técnicas deixaram de
real. Estamos diante da proposta oferecer ensino médio profissionali-
mais conhecida como “neoliberal”, zante para oferecer cursos técnicos
que vem predominando em nosso concomitantes ou sequenciais a
país pelo menos desde o governo esses. A formação destinada aos tra-
Collor (COUTINHO, 2006 apud RA- balhadores passou a ser comparti-
MOS, 2012, p. 34). lhada pelos ministérios da Educação
e do Trabalho.” (RAMOS, 2012, p. 36).
328
II – concomitante, oferecida somen- cionalização, os Institutos Federais ,
te a quem já tenha concluído o ensi-
conforme Moura (2012), não foram,
no fundamental ou esteja cursando
o ensino médio, na qual a comple- totalmente, bem sucedidos no que
mentaridade entre a educação pro- concerne a manter o foco nas ques-
fissional técnica de nível médio e o
tões político-pedagógicas. Para o
ensino médio pressupõe a existên-
cia de matrículas distintas para cada autor, a estrutura administrativa das
curso [...] novas instituições, como, por exem-
III – subsequente, oferecida somen- plo, no que diz respeito à ocupação
te a quem já tenha concluído o ensi- dos novos cargos criados e à cons-
no médio (BRASIL, 2004, p. 2).
trução de prédios, sublinhadas pelo
imediatismo desse processo, figu-
A possibilidade de um ensino in- raram como eixo de deslocamento,
tegrado era real, sendo necessário roubando muito da centralidade que
avançar em sua direção, de modo a deveria repousar nas questões de en-
contribuir para uma efetiva (re)cons- sino-aprendizagem (MOURA, 2012).
trução da identidade e do sentido Por esse caminho, corre-se o risco
dessa etapa da educação básica bra- de negligenciar a construção de
projetos político-pedagógicos bem
sileira. Nessa perspectiva, contribui,
fundamentados, elaborados cole-
para esse processo de construção, a tivamente e coerentes com a reali-
implementação de um novo modelo dade socioeconômica local e regio-
nal de cada nova unidade. Por esse
institucional, consubstanciado nos
caminho, se está negligenciando a
Institutos Federais de Educação, Ci- necessária formação dos professo-
ência e Tecnologia (IFETs), e regula- res que estão sendo aprovados nos
concursos públicos para ingressar
mentado pelo Decreto nº 6.095/2007
na rede federal, principalmente nas
e pela Lei nº 11.892/2008. novas unidades. Essa é uma situação
crucial, pois muitos desses novos
Conforme Pereira (2010), a cria- e jovens professores são mestres e
ção dos Institutos Federais não con- doutores recém-formados, mas se-
sistiu apenas em uma ampliação da quer conhecem o campo da educa-
ção, uma vez que são bacharéis.
estrutura física da rede, mas também
Quanto aos licenciados nas discipli-
representou a afirmação de uma
nas da educação básica, muitos não
nova “[...] concepção de Educação conhecem a educação profissional,
Profissional que [colocasse] em seu pois os cursos de licenciatura, em
geral, não incluem em seus currícu-
cerne a humanização e democrati-
los estudos sobre esse campo e me-
zação do progresso” (PEREIRA, 2010, nos ainda sobre a sua relação com
p. 239). Não obstante, em sua opera- o ensino médio, de maneira que os
330
ção especial, enfim, de forma ampla, tes, questões políticas associadas aos
nas práticas educativas. Afinal, currí- aspectos ideológicos.
culo integrado não encerra o discur- Em relação ao contexto político,
so na modalidade de ensino médio, destaca-se o Decreto nº 5.154/2004,
vinculada à Educação Profissional, que buscava resgatar a base unitá-
mas antes vislumbra um universo ria do ensino médio, com vistas a
complexo de experiência educativa, “[...] restabelecer as condições jurí-
bastante abrangente e com grande dicas, políticas e institucionais que
potencial de transformação. se queria assegurar na disputa da
A exemplo disso, no caso da for- LDB na década de 1980.” (CIAVAT-
mação técnica em enfermagem do TA; FRIGOTTO; RAMOS, 2012, p. 37).
Instituto Federal da Bahia (IFBA), Disputa que, à época, resultou no
campus Eunápolis, observada nesta Decreto nº 2.208/1997 e na Portaria
análise, a forma de organização, em nº 646/1997, os quais proibiam a for-
nenhum momento, se deu por meio mação integrada e regulamentavam
da modalidade de ensino integrado. formas fragmentadas e aligeiras de
A opção pedagógica foi por estrutu- Educação Profissional, em função
rá-la nos moldes de ensino subse- das alegadas necessidades do mer-
quente, o que não inviabilizou o per- cado (CIAVATTA; FRIGOTTO; RAMOS,
curso no que concerne ao currículo 2012).
integrado, aqui, admitido como fun-
damento filosófico e epistemológico.
Do ponto de vista ideológico,
elementos compatíveis com o pen-
2.2 Espaço escolar: fios e desafios
samento de currículo integrado pa-
enredados recem, a princípio, não ter emanado
de uma escolha didático-pedagógi-
No contexto do curso Técnico em
ca, mas figurado como consequên-
Enfermagem do IFBA, na época CE-
cia frente ao desejo de se adequar
FET-BA (Centro Federal de Educação
à formação, no curso em análise, a
Profissional e Tecnológica da Bahia),
perspectiva marxista da saúde, em
ao lado do protagonismo docente,
consonância com a proposta de mu-
destacaram-se, como fatores motiva-
dança de paradigma sanitário, isto
cionais, para a busca de uma reforma
é, a transição do modelo flexneria-
curricular, figurando como elemen-
no, centrado na atenção médica e
tos estruturantes das ações docen-
332
modo intenso, a construção curricu- ções bastantes presentes na fala de
lar, aproximando-a das concepções Tarsila:
de escola unitária e de politecnia. So- Eu penso na formação integral,
bre essa centralidade da formação, né[...] essa formação omnilateral,
que tanto se fala, que a gente tanto
a partir do trabalho, perpassando a almeja, mas que a gente não con-
relevância do conceito para existên- segue. Então não é formar apenas
cia humana, Ramos (2012), citando para o trabalho, para o mercado de
trabalho, mas eu acho que[...] tendo
Lukács (1978) e Mészáros (1981), co- o trabalho como princípio educati-
menta: vo, né. A formação humana, mesmo,
A produção da existência humana, né, do sujeito que vai modificar o
portanto, se faz mediada, em pri- mundo, né, que consegue fazer essa
meira ordem, pelo trabalho. Primei- reflexão e intervir nesse mundo que
ramente, como característica ine- tá, atual, né. (sic) (TARSILA).
rente ao ser humano de agir sobre
o real, apropriando-se de seus po-
tenciais e transformando-o. Por isto Muito embora, a materialização
o trabalho é uma categoria ontoló- dos pressupostos ideológicos, na
gica: é inerente à espécie humana e
primeira mediação na produção de perspectiva de conceitos pedagógi-
bens, conhecimentos e cultura (RA- cos, expressos nos depoimentos e no
MOS, 2012, p. 108). texto do PPC (Projeto Pedagógico do
Curso), não se estabelece de forma
Nessa perspectiva, acredita-se tão nítida. Observa-se, por exemplo,
que a preocupação, com a esfera que, nas falas, os termos integrado,
do trabalho, no bojo da discussão integral, integração e integrado não
curricular, evidencia, como pressu- aparecem com tanta frequência. Tal
posto, na organização do currículo, fato, conforme explicitado anterior-
a formação humana, a qual concebe mente, ao que parece, demonstra
o sujeito como ser histórico-social que a construção não se pautou na
concreto, capaz de transformar a re- perspectiva de aplicação de matrizes
alidade em que vive; tendo, assim, o teórico-metodológicas estabeleci-
trabalho como princípio educativo, das, mas antes emergiu da esponta-
no sentido em que o trabalho permi- neidade do anseio de uma proposta
te, concretamente, a compreensão educacional mais condizente com o
do significado econômico, social, his- cenário da saúde, em âmbito nacio-
tórico, político e cultural das ciências nal.
e das artes (RAMOS, 2012). Concep-
334
casa com o que a gente sempre al- pulação, né, que envolvesse desde
mejou de formação, né, assim...da... a qualidade dos serviços de saúde,
de profissionais, para atuar na...na mas também, até as condições de
área de saúde, desde 1800...1988... vida e de trabalho, né, território...
pra cá... (sic) (PAGU). (sic) (PAGU).
336
Conforme Pagu, trata-se de fer- 3. CONCLUSÃO
ramenta essencial para a construção
do currículo integrado: Em relação ao currículo integra-
[...] as pessoas estão ali, elas discu- do, observa-se que, consoante o seu
tem, elas...é...estão juntas fisicamen- caráter ideológico e epistemológico,
te. E num processo desse não tem os encaminhamentos práticos, para
como ser virtual, né. Na construção
de um currículo integrado, as pes- o seu estabelecimento, não estão
soas precisam estar integradas, elas bem definidos. Ao contrário do que
precisam sentar juntas, elas preci- ocorre com o ensino integrado, no
sam...então...assim...(sic) (PAGU).
qual o conceito é utilizado apenas
no que está relacionado a um arranjo
Nesse contexto, exige-se a mo- organizacional.
bilização de novos e de diversos sa-
Nessa perspectiva, não existem
beres docentes numa perspectiva
fórmulas prontas e as estratégias,
de ruptura com o processo de tra-
para efetivação da politecnia e da
balho, calcado na fragmentação dos
omlateralidade, no bojo do currícu-
saberes e na desarticulação entre os
lo integrado, vão sendo definidas de
profissionais; engendrando, assim,
modo intuitivo, de acordo com as
desafios e novas abordagens. Esse
necessidades e o perfil da realidade
percurso envolve muitos desafios
escolar. Não obstante, a união do en-
e muitas disputas, o que resulta em
sino com o trabalho produtivo, a afir-
um caminho bastante heterogêneo.
mação do trabalho, como princípio
Contudo, a longevidade do trabalho,
educativo, e a busca de superação
que já conta com mais de dez anos, e
da fragmentação, com vistas a uma
os bons resultados, em relação à for-
melhor compreensão da realidade,
mação, tornam, de certo modo, vigo-
e objetivando superá-la, ao que pa-
rosa a constatação de uma busca real
rece, são marcas indispensáveis per-
na direção de um ensino integral,
meando as estratégias.
ainda que com base organizacional
diversa; o que se constitui como um
REFERÊNCIAS
convite para reflexões e experiên-
cias sobre uma formação condizente CIAVATTA, Maria; SILVEIRA, Zuleide
com os princípios da omnilateralida- Simas da. Celso Sucow da Fonseca.
de, e, também, indo além das orga- Recife: Fundação Joaquim Nabuco;
nizações meramente burocráticas e Editora Massangana, 2010.
limitantes.
338
Ensino Médio Integrado: correlação de
força de uma escola em disputa
Reinaldo de Lima Reis Júnior¹
¹ Instituto Federal de Goiás (IFG)
E-mail: reinaldo.reis@ifg.edu.br
3 No campo que situo como de teoria crítica da Educação Profissional e Tecnológica (EPT),
embora também tenha a presença de um modelo de Pedagogia Tradicional que, de acordo
com Saviani (2008b), se caracteriza pela centralidade na figura do professor dotado de co-
nhecimento que o transmite mediante exposição de conteúdos aos alunos. O conhecimen-
to seria o meio para os sujeitos romperem com sua condição de ignorância. Temos como
foco a politecnia por ser típica do campo da EPT.
340
anos por estar reclusa em ser repro- se impõe e condiciona o segundo.
dutora das relações sociais em que Ou seja, na narrativa e na disposição
está inserida, o que tem resultado dos não críticos, estes aparecem vin-
em uma formação desumanizadora. culados com uma razão instrumental
O sentido dessa desumanização es- que traz à sua formação em EPT a ca-
taria no fato de os indivíduos acei- pacidade de gerar emprego e de ser
tarem legitimamente a posição que o instrumento de engrenagem do
lhes foi atribuída no conjunto da desenvolvimento.
hierarquia social, estando neste ho- Mais do que qualificar populações
rizonte suas expectativas e condu- de todo o mundo em larga escala, a
TVET [educação e formação técnica
tas, pois “enquanto a internalização e profissional] recebeu um prêmio
conseguir fazer o seu bom trabalho, alto por seu potencial de instrumen-
assegurado os parâmetros reprodu- talizar a juventude com habilidades
imediatas para o trabalho, bem
tivos gerais do sistema do capital, como por seu potencial para lidar
a brutalidade e a violência podem com o desafio global duplo da em-
ser relegadas a um segundo plano.” pregabilidade e do desemprego en-
tre os jovens. (MAROPE et al., 2015,
(MÉSZÁROS, 2007, p. 206, grifo do p. 20, grifos meus).
autor).
Uma proposta curricular e de
Suas propostas de curso estão
ação educacional voltada para diri-
vinculadas com atividades de for-
mir os impactos de uma realidade de-
mação mais flexíveis, com menor
sigual, assim, dota a EPT de um pro-
duração de tempo por considerar
cesso educacional imediatista, nesse
que estão mais afeitas às rápidas
sentido de seu entendimento não
transformações da contemporanei-
crítico. Nessa proposta curricular, a
dade e, sobretudo, voltadas à espe-
escola retroalimenta as condições da
cialização descontextualizada. Não
desigualdade social, sem muitas pos-
por menos, dos modelos propostos
sibilidades de atuação para além das
por Schwartzman (2016), os cursos
necessidades econômicas imediatas
de Formação Inicial e Continuada
dos sujeitos. Entre o valor emprego e
(FIC)4 e os subsequentes5 ganham
o valor educação, o primeiro sempre
4 Os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) realizados pelo bolsa-formação Pronatec
caracterizam-se por uma formação curta de 160 horas a 400 horas.
5 Os cursos subsequentes são aqueles com carga/horária superior aos FICs, variando de
acordo com o curso e o eixo tecnológico entre 800, 1.000 ou 1.200 horas, tem vinculação
somente com a área técnica e são etapas formativas que exigem o Ensino Médio completo.
342
burguesa, mas também em relação habilitar as pessoas para o exercício
ao próprio movimento proletário, autônomo e crítico de profissões,
buscando arrancar do seio desse sem nunca se esgotar a elas. (RA-
movimento (colocar à margem dele) MOS, 2008, p. 5).
todos aqueles que ingressam no sis-
tema de ensino. (SAVIANI, 2008a, p.
22-23, grifos meus). O ponto de convergência dessas
formulações está no perigo da pro-
Por tudo isso, os não críticos tei- fissionalização precoce. As teorias,
mam em alardear uma necessidade sejam as consideradas críticas ou
urgente de reformulação de sua es- não críticas, no ardil da dualidade es-
trutura e proposta curricular e peda- tabelecem uma base curricular que
gógica. Nesse sentido, percorrer de pode referendar a desigualdade da
maneira crítica as questões de uma estrutura social brasileira, cristalizan-
tendência à profissionalização pre- do-a como diferença, reforçando um
coce dos jovens brasileiros é, sim, processo de inclusão dos incluídos
das mais fulcrais para entendimento (KUENZER, 2000).
de qual lugar possível de uma rede Assim, seja numa fórmula utilita-
de EPT6. Ao direcionar o Ensino Mé- rista imediata, aquela que pressupõe
dio Vinculado estritamente com o uma formação de EPT vinculada dire-
mercado de trabalho, tem-se, em seu ta e exclusivamente com o mercado
arco de ação, a preparação de jovens de trabalho em uma concepção de
entre 15 e 17 anos à profissionali- competência de sentido mnemôni-
zação, crítica da qual Nosella (2011; co, repetitivo de viés taylorista, seja a
2015) subscreve e que Ramos (2008) mais acadêmica, formulada em con-
demarca: ceitos e conteúdos desvinculados
Portanto, formar profissionalmen- com a realidade socioeconômica,
te não é preparar exclusivamente ambas estabelecem um arcabouço
para o exercício do trabalho, mas é
proporcionar a compreensão das di- que desmotiva e não estimula o es-
nâmicas sócio-produtivas das socie- pírito interventor, criativo e crítico de
dades modernas, com as suas con- sujeitos, que são essenciais às pró-
quistas e os seus revezes, e também
prias demandas econômicas predo-
6 Não é surpresa a atual proposta de reforma do Ensino Médio por meio da Lei nº13.415/2017
realizada pelo governo Michel Temer. Ela, claramente, sinaliza para um processo de profis-
sionalização precoce à rede de EPT envolvida no Ensino Médio, e também para uma des-
qualificação e desprofissionalização da atividade docente, retirando a possibilidade de uma
formação básica comum ao conjunto social que perpassa por essa etapa do ensino.
7 Sistema S são pessoas jurídicas privadas, cuja criação está prevista em lei, com representa-
tividade de categorias econômicas, tendo por exemplos: Confederação Nacional da Indús-
tria (CNI), Confederação Nacional do Comércio (CNC), Confederação Nacional do Transporte
(CNT), entre outras. Tem por objetivo uma atividade social não lucrativa, mormente atuam
voltadas ao aprendizado profissional.
8 Ao considerar que as propostas do campo da politecnia estão vinculadas com o mode-
lo crítico, estou considerando mais uma variável das teorias críticas de EPT. Lanço mão do
sentido de politecnia utilizado por Machado (1991): “E a necessidade de desenvolvimento
de uma cidadania livre, consciente a ativa, é a necessidade de que cada um desenvolva,
não só suas qualidades intelectuais, mas também as capacidades de aplicação e que tenha
também acesso a um saber gestionário. É a necessidade de desenvolver a capacidade de in-
tervir na reorganização da sociedade, com a criação de novas formas de organização, novas
habilidades de trabalho coletivo. Que a juventude possa realmente colocar a perspectiva de
intervir na reorganização da sociedade, na busca de soluções dos problemas da sociedade
em que vivemos.” (p. 58).
344
3. OS NÃO CRÍTICOS SÃO REDUCIO- mação uma incapacidade de for-
marem os educandos em resposta
NISTAS NA ASSERTIVA DEFESA DO
a uma demanda dinâmica e flexível
SEU MODELO DE EDUCAÇÃO PRO- presente no mercado de trabalho.
FISSIONAL E TECNOLÓGICA Ao propor um currículo restrito à
EPT, por perceber que a juventude
Suas análises sobre educação
é heterogênea, Schwartzman (2016)
profissional, sobretudo matizada por
recai nos educadores do aprender a
Schwartzman e Castro (2013), Cas-
aprender9, que reforçaram, sem que
siolato e Garcia (2014), são sensatas
fosse o seu objetivo, as desigualda-
e corretas ao perceberem que a rede
des da educação, por não levarem
de EPT nos IFs no Ensino Médio Inte-
em consideração as condições da es-
grado tem realizado uma formação
trutura social, como aponta Saviani
muito “acadêmica”, de acordo com
(2008b).
suas palavras. A formação acadêmica
estaria caracterizada por uma forma- São restritivos ao atribuírem a este
ção básica geral em todas as áreas do modelo formativo como equívoco à
conhecimento, mais centrada no en- EPT dos IFs. Essa talvez seja a maior
tendimento de ciência e sua noção qualidade e mérito pedagógico que
epistêmica/histórica, no estudo das a implantação da rede dos IFs trouxe
teorias científicas e filosóficas. no período recente à educação, com
foco no Ensino Médio Integrado. As
Suas críticas perpassam pela du-
críticas ao Ensino Médio Integrado
ração muito longa dos cursos, quan-
“muito acadêmico” não seriam, na
tidade de disciplinas e carga horária
verdade, o seu mérito? Pois estaría-
muito extensa. Atribuem a esta for-
mos retomando um sentido “para si”
9 Para Saviani (2008b), as teorias não críticas estariam situadas na Pedagogia tradicional,
Pedagogia nova e Pedagogia tecnicista. Com relação a esta última, diz: “A partir do pres-
suposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade, essa pedagogia advoga a reordenação do processo educativo de maneira a
torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pre-
tende-se a objetivação do trabalho pedagógico.” (p. 10, grifos meus). Mais à frente, demostra
o ardil em que incorreu: “A educação será concebida, pois, como um subsistema, cujo fun-
cionamento eficaz é essencial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte. Sua base de
sustentação teórica desloca-se para a psicologia behaviorista, a engenharia comportamen-
tal, a ergonomia, informática, cibernética, que tem em comum a inspiração filosófica neo-
positivista e o método funcionalista. Do ponto de vista pedagógico, conclui-se que, se para
a pedagogia tradicional a questão central é aprender, e para a pedagogia nova, aprender a
aprender, para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer.” (p. 12, grifos meus).
346
a uma competente formação pro- pesquisa e a extensão, aparece com
fissional, sem uma sólida formação características muito próprias da
geral na perspectiva da contempo- sua etapa e modelo de formação.
raneidade. Portanto, a formação in- Sua relação prático/teórica não deve
tegral deve ser capaz de trabalhar desvincular-se do trabalho, distinta-
com a formação básica comum à sua mente do que ocorreu na formação
complexidade dos conhecimentos técnica/profissional do taylorismo,
elaborados, com a formação de com- creditando à capacidade reflexiva do
petências à atuação no mundo do trabalhador uma distinta formação
trabalho. técnico/profissional.
Isso é distinto de uma formação O saber – em suas múltiplas esfe-
genérica e de uma formação profis-ras possíveis – e o mundo do traba-
lho estabelecem uma aproximação
sional restrita (KUENZER, 2000), pois
que possibilita aos sujeitos, no pro-
está, sim, na formação e capacitação
vinculada à complexidade de acessocesso de educação escolar, certo do-
ao acúmulo da produção cultural, mínio do mundo das coisas, forjan-
sócio-histórica da humanidade, comdo condições de atuarem no e para
os conhecimentos mais sofisticadosalém do mercado de trabalho. Não
por menos, em sua maioria, esses
da ciência e da tecnologia. O aces-
so à tecnológica supera a formaçãojovens, em vez da inserção imediata
na vida laboral, estão continuando o
técnica restrita da estrutura fordista/
taylorista, está como um campo de seu processo formativo em nível uni-
saber que aproxima as áreas do co-versitário12, mas, mesmo os que vão
nhecimento científico com o setor para a ação profissional, devem ter
produtivo e material. condições de agir com maior enten-
Seu sentido pedagógico, traça- dimento sobre o contexto no qual
do na vinculação do ensino com a estão inseridos, em consequência da
348
geral dos sujeitos, um tipo de escola Ter no horizonte de pesquisa o
elementar-média que enseja o mun- espaço escolar é buscar entender
do do trabalho em suas práticas (te- que a escola tem suas propriedades
óricas e empíricas). “[...] formando-osespecíficas das quais se tributa o
neste período como pessoas capazes currículo. Nesse sentido, o currículo,
de pensar, de estudar, de dirigir ou seja no seu espectro crítico ou nor-
de controlar quem dirige.” (GRAMSCI mativo13, passou a forjar-se como
apud NOSELLA, 2015, p. 132). uma teoria do conhecimento, possi-
bilitando ampliar as oportunidades
4. FUNDAMENTOS DA ESCOLA DOS de aprendizagem (YOUNG, 2014).
INSTITUTOS FEDERAIS E SENTIDOS Pensar e entender a educação como
uma área do saber que se dedica a
DO CURRÍCULO uma atividade prática e especializa-
Estou convencido de que não há da ressalta as formas de estabelecer
questão educacional mais crucial a ação docente.
hoje em dia do que o currículo. Para
colocar o problema mais diretamen- Cabe ao professor ser capaz de
te, precisamos responder à pergun- estimular o engajamento14 dos alu-
ta: “o que todos os alunos deveriam
saber ao deixar a escola”? (YOUNG, nos àqueles conhecimentos primor-
2014, p. 192). diais ao conjunto social. Contudo o
que Young (2011) está propondo não
é o desprezo das experiências e traje-
13 Para Young (2014), a teoria do currículo é uma teoria e só se constituiu como tal graças
a uma tradição construída pelos pesquisadores da área, que passaram a traçar uma teoria
do conhecimento. Por essa tradição, forjaram-se o campo crítico e normativo. Este último
procura entender que o currículo estabelece normas que influenciam, em certa medida,
as pessoas que, em seu processo formativo, interagem com elas. A teoria crítica, entre suas
possibilidades, analisa os campos de poder, das maneiras pelas quais o currículo explícito ou
implicitamente se apresentou na história da educação. Contudo o acordo com Young (2014)
está em entender que o debate sobre o currículo seja um dos nichos mais importantes, que
fortalece e dá sustentação à prática docente.
14 Existe o risco de o currículo centrado em disciplinas remeter a um modelo tradicional
de educação, que introjeta, de forma hierárquica e excludente, o conhecimento, sobretudo
no campo da EPT, como aventado por Saviani (2008b): “Consequentemente, não cabe dizer
que a escola qualifica diferentemente o trabalho intelectual e o trabalho manual. Cabe, isto
sim, dizer que ela qualifica o trabalho intelectual e desqualifica o trabalho manual.” (p. 23,
grifos meus). O modelo defendido por Young (2011) do currículo centrado em disciplinas é
distinto do modelo tradicional pelo sentido dado ao saber e às relações dos aprendizes com
o saber. Defendendo o currículo que estabelece a relação com o saber por “engajamento” e
não por “acatamento”.
15 Formação integral é a formação voltada para a vida. Não se encerra em um prazo, esta-
belece a complexa relação do sujeito com o meio social (ambiental, cultural e, neste caso,
tecnológica), na sua capacidade de conhecer o mundo das coisas, apropriando-se dos sabe-
res elaborados pela humanidade. Qualquer missão, nesse sentido, nasce sabendo o árduo
caminho, entretanto, isso não deveria ser usado como critério de sua negação, mas do en-
tendimento das possibilidades e dos limites de sua realização.
16 Currículo proposto/formal é utilizado aqui se fazendo referência às proposições da teoria
do currículo que, com cautela, observam a distinção entre a elaboração de um currículo pro-
posto/formal, no âmbito normativo, como no caso os PCNs, e um currículo em ação, aquele
pelo qual, no espaço escolar, o professor e a própria instituição fazem com objetivo a lograr
o processo de aprendizagem.
350
possibilidade de uma prática escolar Também no conjunto das publi-
no Ensino Médio Integrado que con- cações feitas pela Associação Na-
tribua com a formação média sócio/ cional de Pós-Graduação e Pesquisa
técnica/cultural dos sujeitos, em suas em Educação (Anped), há presença
múltiplas experiências de atuação. substantiva de profissionais pesqui-
Este processo, como temos de- sadores da rede dos IFs como campo
monstrado, ainda incipiente na rede de estudo, analisando sua formação.
e pontual, não impede de ser obser- Dos trabalhos e pôsteres apresenta-
vado à luz de procedimentos inova- dos de 2007 a 2015 nos Grupos de
dores no campo do Ensino Médio Trabalho (GT)18, que têm, de manei-
Integrado e da (re)significação do ra direta ou indireta, como objeto de
sentido formativo dessa rede. Um estudo a integração curricular em
levantamento aleatório de 233 te- seus vários matizes (humana, escolar,
ses e dissertações com o tema cur- curricular, pedagógica, entre outros)
rículo integrado, do período entre do total de 18 trabalhos nessa área,
2010 a 2016, no portal da Comissão 10 estão diretamente vinculados à
de Aperfeiçoamento de Pessoal do rede dos IFs.
Nível Superior (Capes), apresentou Ao reconhecer a realidade social
104 pesquisas na área do currícu- e a complexidade das possibilidades
lo integrado – demonstrando uma de formação no campo da EPT, os
incidência de 44,63% –, vinculados estudos convergem ao apresentar
diretamente com a rede dos IFs17, a formação educacional que a rede
com temas que, a partir do currículo dos IFs tem por objetivo. Dos traba-
integrado, versam sobre o Programa lhos apresentados, há análises sobre
Nacional de Integração da Educação a possibilidade de elaboração do co-
Profissional com a Educação Básica nhecimento que aproxima em uni-
na Modalidade de Educação de Jo- dade o manual e o intelectual. O tra-
vens e Adultos (Proeja), formação de balho de integração que, no primeiro
professores e, sobretudo, experiên- momento é por objeto de análise,
cias no Ensino Médio Integrado. aproximando áreas fronteiras do co-
nhecimento, é desdobrado por afini-
17 Como não foi possível estabelecer um recorte mais próximo, as pesquisas que versavam
sobre o currículo integrado no Proeja, também, foram consideradas.
18 Foram pesquisados os: GT4 Didática; GT9 Trabalho e Educação; GT12 Currículo; GT 14
Sociologia da Educação; GT 18 Educação de Pessoas Jovens e Adultos.
352
como princípio educativo. Nesse internacionais e no conjunto da lite-
sentido, o Ensino Médio Integrado ratura especializada no tema. A pri-
da rede dos IFs deve e pode ser pen- meira se assume como pertencente
sado e realizado não na direção de às políticas de ponta no campo edu-
uma profissionalização precoce do cacional à formação e às concepções
educando, base do novo precariado, de fronteira da ciência. A segunda
mas no sentido mais abrangente da observa que há mudanças estrutu-
formação no trabalho coletivo e de rantes no capital e na forma e ma-
sua possibilidade de intervenção so- neira da distribuição das ocupações
cial. pelas cadeias produtivas globais,
Portanto, não elaborando uma que exigem maior complexidade a
estrutura curricular que dê formação este modelo educacional, não mais
restrita, de pouca formação geral e exclusivamente no sentido da espe-
básica. A proposta de Ensino Médio cialização de tarefas, competências e
Integrado da rede não precisa incor- habilidades, como na base produtiva
rer nessa formação limitada como anterior.
uma noção de saberes desvinculados O Brasil vive uma transição desde
do contexto mais amplo, dos saberes os anos 1980 entre essas duas estru-
tecnológicos e das suas possibilida- turas produtivas (ALVES, 2015). Lon-
des de uso e sentido no seio social. ge da consolidação predominante
Como dispõe Nosella (2009), “[...] dessa cadeia produtiva, a rede dos
a consideração de que o ensino mé- IFs deve entender e atuar para além
dio deve priorizar a preparação (ime- da lógica da profissionalização pre-
diata ou remota) para o mercado é coce.
admitir a legitimidade da profissio- A lógica ainda presente entre as
nalização precoce.” (p. 1). Não é porvelhas e novas formas de organiza-
menos que nos níveis e modalidades ção, distribuição e perfil da ocupa-
da educação básica e mesmo na su- ção, em torno da acumulação flexível
perior, é em torno do Ensino Médio de capital, tem alterado, constante-
que se encontra o espaço de maior mente, as demandas do mercado de
diversidade de proposições pedagó- trabalho, linha na qual já atua o Sis-
gicas e de propostas curriculares. tema S e a rede Federal, simplesmen-
Duas novas características à EPT te, reproduzir esse sistema incorreria
são fatos já perceptíveis por órgãos em estabelecer uma subutilização do
seu potencial de intervenção e ten-
354
de Goiás, Campus Goiânia: tensões da escola do trabalho e a formação
entre empreendedorismo e forma- integral do trabalhador. Grupo de
ção integral. Monografia do Progra- Trabalho 9: Trabalho e Educação. In:
ma de Pós-Graduação Especialização 27ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Ca-
em Políticas e Gestão da Educação xambu, 2004.
Profissional e Tecnológica do IFG,
2016. KUENZER, Acácia Zeneida. O ensino
médio agora e para a vida: Entre o
CASSIOLATO, Maria Martha M. C.; pretendido, o dito e o feito. Revista
GARCIA, Ronaldo Coutinho. Prona- Educação & Sociedade, ano XXI, n.
tec: múltiplos arranjos e ações para 70, abr. 2000.
ampliar o acesso à educação profis-
sional. Texto para Discussão. Rio de LOPES, Alice Casimiro. Políticas de
Janeiro: Ipea, 2014. integração curricular. Rio de Janei-
ro: Ed. UERJ, 2008.
CHARLOT, Bernard. A relação com
o saber. Elementos para uma teo- MACHADO, Lucília Regina de Sou-
ria. Tradução de Bruno Magne. Porto za. Politecnia no ensino de segundo
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. grau. In.: CUNHA, Célio; GARCIA, Wal-
ter (Coord.). Politecnia no ensino
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtivi- médio. Brasil. Ministério da Educa-
dade da escola improdutiva. Um ção. São Paulo: Cortez; Brasília: Se-
(re)exame das relações entre edu- neb, 1991.
cação e estrutura econômico-social
capitalista. 9. ed. São Paulo: Cortez, MACIEL, Cosme Leonardo Almeida.
2010. Educação integral, trabalho e pro-
cesso formativo no Instituto Poli-
GOMES, Carlos Antônio. A qualifica- técnico de Cabo Frio/RJ. Grupo de
ção resignada. A má formação da Trabalho 9: Trabalho e Educação. In:
força de trabalho como um proble- 36ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Goi-
ma estrutural do desenvolvimento ânia, 2013.
brasileiro. Tese (Doutorado)–Progra-
ma de Pós-graduação em Educação, MAROPE, P. T. M.; CHAKROUN, B.;
Universidade Estadual de Campinas HOLMES, K. P. Liberar o potencial.
(Unicamp), Campinas, 2011. Transformar a educação e a forma-
ção técnica e profissional. Brasília:
GONÇALVES, Adilene. A pedagogia Unesco, 2015.
356
entre a responsabilidade e a respon-
sabilização. Grupo de Trabalho 14:
Sociologia da Educação, 37ª Reunião
Anual da Anped. Florianópolis, 2015.
358
necessário buscar o seu papel estra- Essa nova perspectiva, por sua
tégico no marco de um projeto de
vez, não reduz as comunidades à
desenvolvimento socioeconômico
do estado brasileiro, o que implica condição de espectadores ou de co-
essas inter-relações com, no mí- adjuvantes no processo de implanta-
nimo, as políticas setoriais acima
ção e de desenvolvimento dos Proje-
mencionadas (BRASIL, 2007b, p. 29).
tos Políticos e Pedagógicos das novas
instituições. Ao contrário disso, elas
Essa nova relação possui, como passariam a ser uma das bases para
parâmetros éticos e pedagógicos, a a reflexão e a orientação com vistas à
construção de um domínio crítico e elaboração dos cursos e dos respec-
consciente sobre a relevância do co- tivos projetos de extensão, os quais
nhecimento científico e tecnológico poderão ser desenvolvidos com a
desenvolvido pelas instituições pú- finalidade de promover soluções de
blicas de ensino, para que esse recur- problemas sociais diversos, por meio
so seja um instrumental político de da aplicação do conceito de Tecnolo-
transferência e de formação de no- gia Social.
vos saberes, os quais auxiliem e esti-
Nesse sentido, ainda segundo o
mulem melhores condições de vida
texto, Concepções e Diretrizes para
às comunidades atendidas, por meio
os Institutos Federais, deve-se desta-
do desenvolvimento econômico,
car que:
cultural e social; dessa forma, cons-
[...] não basta a garantia de que é
tituindo interfaces entre a educação pública por estar vinculada ao orça-
e as outras áreas de intervenção do mento e aos recursos de origem pú-
Estado. blica. Ainda que o financiamento da
manutenção, a partir de fonte orça-
Em síntese, o papel que está previs- mentária pública, represente condi-
to para os Institutos Federais é o de ção indispensável para tal, a política
garantir a perenidade das ações que pública assenta-se em outros itens
visem a incorporar, antes de tudo, também obrigatórios, como estar
setores sociais que historicamente comprometida com o todo social,
foram alijados dos processos de de- enquanto algo que funda a igualda-
senvolvimento e modernização do de na diversidade (social, econômi-
Brasil, o que legitima e justifica a im- ca, geográfica, cultural, etc.) e ainda
portância de sua natureza pública e estar articulada a outras políticas
afirma uma educação profissional e (de trabalho e renda, de desenvol-
tecnológica como instrumento re- vimento setorial, ambiental, social
almente vigoroso na construção e e mesmo educacional) de modo a
resgate da cidadania e da transfor- provocar impactos nesse universo
mação social (PEREIRA, 2007, p. 3). (BRASIL, 2008b, p. 10).
360
percebe-se que esta vivenciou diver- técnicos e de profissionais destina-
sos contextos e foi instrumentalizada dos a dar o devido suporte ao proje-
de formas distintas, de acordo com as to desenvolvimentista em curso.
conveniências e as estratégias políti- Esse contexto já demonstra que
cas que iam, desde uma concepção o processo formativo vai assumin-
inicial, assistencialista e de discipli-
do, cada vez mais, importância para
na forçada da pobreza, por meio do a formação de força de trabalho es-
trabalho, até a conjugação do ensino pecializada nas novas e nas sofisti-
profissionalizante com demandas de cadas exigências do setor produtivo,
expansão do capital em graus varia- as quais vão além do conhecimento
dos, por meio de formação técnica técnico. Em algumas áreas específi-
de uma força de trabalho mais qua- cas, a unidade do saber propedêuti-
lificada, até mesmo a parceria pú- co e a do saber técnico são exigên-
blico-privada, para a construção e o cias cada vez mais constantes para
financiamento de escolas profissio- a capacitação de trabalhadores, que
nalizantes; como foi o caso da insta-deverão ser aptos a interpretarem
lação do Senai na década de 1940. e a superarem determinados desa-
Nesse percurso, os incentivos fios. As atribuições cognitivas, mais
orçamentários, também, variavam complexas, exigidas pelo desenvol-
sempre em consonância com as aspi- vimento tecnológico, em algumas
rações desenvolvimentistas, as quais áreas, vão ampliando a necessidade
vivenciaram etapas distintas, entre de uma formação mais completa e,
elas, podemos destacar as dos anos ao mesmo tempo, mais flexível em
1940, 1950 e 1970. sua funcionalidade.
Sob o lema "crescer o Brasil 50 Se antes, principalmente até o fi-
anos em 5", o Governo JK, em seu Pla- nal dos anos 1930, a educação pro-
no de Metas, previa o investimento fissional assumia um sentido assis-
em áreas de infraestrutura (energia tencialista, moralista e subordinado
e transporte principalmente), desti- à formação básica de mão de obra
nando, para essas áreas, 73% do total pouco especializada, o desenvolvi-
dos investimentos e cerca de 3,4% mento da industrialização, no Brasil,
para a educação; o que demonstra, e a maior presença do país, no mer-
nesse contexto, uma preocupação cado capitalista mundial, não mais
especial em aumentar a formação de apenas como fornecedor de pro-
362
ideário de administração neoliberal. As significativas transformações
Tal modelo de administração do Esta- que o mundo do trabalho sofreu,
do promove o sucateamento e a pos- com a abertura do mercado econô-
terior privatização ou terceirização mico e a implementação de novas
de diversos serviços públicos e de tecnologias produtivas e os arranjos
setores estratégicos da economia. A organizacionais, favoreceram os dis-
Educação Profissional e Tecnológica, cursos ideológicos que transferiam,
também, é alvo desse processo, com para os trabalhadores, a responsabi-
evidentes ações que procuravam lidade pela falta de empregabilida-
reduzir os investimentos públicos e de, devido à defasagem educacional,
o custeio nas escolas já existentes, à falta de competências1 básicas e de
causando, assim, o sucateamento e qualificação para o trabalho.
a promoção do ensino privado como Sob esse discurso, o governo
forma de atender à demanda sempre neoliberal preparava terreno para a
crescente. Segundo Bresser Pereira implantação de um conjunto de me-
(apud PERONI, 1997), “No Plano de didas que se configuraram em refor-
Reforma do Estado no Brasil (1995), mas profundas na educação, muitas
as políticas sociais foram considera- delas financiadas por organismos fi-
das serviços não exclusivos do Esta- nanceiros internacionais.
do e, assim sendo, de propriedade
pública não-estatal ou privada”. Em 20 de novembro 1996, foi
sancionada a nova Lei de Diretrizes
Peroni (2010, p. 3) ressalta que: e Bases da Educação Brasileira (LDB),
As estratégias de reforma do Estado Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996). Essa nova
no Brasil são: a privatização, a publi-
cização e a terceirização. Terceiriza- LDB dispunha de um capítulo dedi-
ção, conforme Bresser Pereira, é o cado à Educação Profissional, sepa-
processo em que se transferem para rado da Educação Básica, deixando
o setor privado os serviços auxiliares
ou de apoio. A publicização consiste transparecer um caráter ambíguo
na transferência para o setor públi- sobre a articulação entre o Ensino
co não-estatal dos serviços sociais e Médio e o Ensino Profissional.
científicos que hoje o Estado presta.
364
[...] uma educação unitária e univer- uma nova identidade à EPT, baseada
sal destinada à superação da dua-
na:
lidade entre cultura geral e cultura
técnica e voltada para “o domínio [...] formação de cidadãos capazes
dos conhecimentos científicos das de compreender a realidade social,
diferentes técnicas que caracteri- econômica, política, cultural e do
zam o processo de trabalho pro- mundo do trabalho para nela inse-
dutivo moderno” (Saviani, 2003, rir-se e atuar de forma ética e com-
p.140, citado por Frigotto, Ciavatta petente, técnica e politicamente,
e Ramos, 2005, p. 42) sem, no en- visando contribuir para a transfor-
tanto, voltar-se para uma formação mação da sociedade em função dos
profissional stricto sensu, ou seja, interesses sociais e coletivos. (BRA-
sem formar profissionais em cursos SIL, 2007a, p. 25).
técnicos específicos. (BRASIL, 2007a,
p. 23).
Essa perspectiva estaria em con-
sonância com o novo projeto estipu-
Além da tentativa de reconciliar o
lado à EPT sob uma nova perspectiva
ensino propedêutico e o ensino téc-
desenvolvimentista instaurada no
nico, tal decreto procurava dar uma
governo Lula, evidenciada principal-
nova identidade à EPT, que superas-
mente no plano da Educação Profis-
se a dualidade estrutural entre “[...]
sional e Tecnológica, a partir do texto
cultura geral e cultura técnica ou for-
produzido pelo encontro de diversas
mação instrumental (para os filhos
entidades ligadas à EPT, que compu-
da classe operária) versus formação
nham o Fórum Nacional de Educa-
acadêmica (para os filhos da classe
ção Profissional e Tecnológica3. O re-
média-alta e alta)”2 (BRASIL, 2007, p.
sultado do encontro foi a publicação
25), e, ao mesmo tempo, garantisse
do texto “Pacto pela Valorização da
2 Essa dualidade é fruto da separação entre a educação proporcionada aos filhos das classes
médio-alta e alta e aquela permitida aos filhos dos trabalhadores. Sobre o assunto, consul-
tar: Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005); Cefet-RN (2005); e Moura; Baracho; Pereira; Silva (2005).
3 O Fórum Nacional de Educação Profissional e Tecnológica foi criado por meio da Portaria
nº 3621, de 4 de Dezembro de 2003. Era composto, inicialmente, pelas seguintes entidades:
Conselho Nacional de Dirigentes dos Cefets (Concefet), Frente Parlamentar em Defesa da
Educação Profissional (FPDEP), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Servi-
ço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem em
Transporte (Senat), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Sindicato Nacional dos
Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), União Nacional dos Estudantes (UNE),
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Federação dos Servidores das Univer-
sidades Brasileiras (Fasubra), Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica
e Profissional (Sinasefe), entre outros (BRASIL, 2003b).
366
A Lei nº 11.892/2008 (BRASIL, Em relação à EPT, compreende-
2008a), que criou os Institutos Fede- se uma nova perspectiva, no que diz
rais, destaca as finalidades e as carac- respeito ao percurso tradicional de
terísticas dos institutos como o prin- investimentos do Estado, nesse se-
cipal instrumento de intervenção do tor, e a tradicional função de formar
Estado, para que a Educação Profis- mão de obra especializada para su-
sional e Tecnológica possa exercer, prir as necessidades específicas do
entre outras finalidades: setor produtivo.
II – desenvolver a educação profis- A estruturação multicampi e a
sional e tecnológica como processo
educativo e investigativo de gera- definição mais específica da área
ção e adaptação de soluções técni- de atuação dos Institutos Federais,
cas e tecnológicas às demandas so- auxiliado por dados estatísticos de
ciais e peculiaridades regionais;
instituições, como o Instituto Brasi-
IV – orientar sua oferta formativa
em benefício da consolidação e
leiro de Geografia e Estatística (IBGE),
fortalecimento dos arranjos produ- o Instituto de Pesquisa Econômica
tivos, sociais e culturais locais, iden- Aplicada (Ipea), Instituto Nacional
tificados com base no mapeamento
das potencialidades de desenvolvi-
de Estudos e Pesquisas Educacionais
mento socioeconômico e cultural Anísio Teixeira (Inep), Ministério do
no âmbito de atuação do Instituto Desenvolvimento Social (MDS), den-
Federal;
tre outras, as quais contribuem para
IX – promover a produção, o de- a demarcação das mesorregiões4 e
senvolvimento e a transferência de
tecnologias sociais, notadamente as das cidades polo para a implantação,
voltadas à preservação do meio am- demarcaram a expectativa que o go-
biente. (BRASIL, 2008a, art. 6º). verno depositou nesse novo modelo
E na seção que trata dos objeti- de organização da Rede. Tudo isso,
vos dos Institutos Federais: no sentido da intervenção coorde-
V – estimular e apoiar processos nada, o que visa identificar os possí-
educativos que levem à geração veis problemas e as dificuldades que
de trabalho e renda e à emancipa-
possam impedir o desenvolvimento
ção do cidadão na perspectiva do
desenvolvimento socioeconômico sustentável com inclusão social, por
local e regional (BRASIL, 2008a, art. meio da conjugação do ensino inte-
7º).
grado com os cursos técnicos, da uti-
4 Mesorregião é uma subdivisão dos estados brasileiros, criada pelo IBGE, e tem sido utili-
zada para fins estatísticos. Congrega diversos municípios de uma área geográfica com simi-
laridades econômicas e sociais.
368
produtivas do mercado, a nova pro- e de qualidade, esse novo modelo
posta traz, pela primeira vez, na his- estaria fundamentado na apropria-
tória da Rede Federal de Educação ção do conhecimento e dos saberes,
Profissional e Tecnológica, a questão os quais são desenvolvidos nessas
da transferência de Tecnologia So- instituições em franco processo de
cial. Conceito este, até então, pouco extensão junto às comunidades lo-
discutido e, ainda, muito pouco com- cais. Assim sendo, de modo a auxiliar
preendido no âmbito do conjunto em ações, na tentativa de solucionar
dos servidores das instituições de problemas e de superar contradições
ensino5. que, ainda, mantêm o subdesenvol-
Percebe-se a intenção de se cons- vimento e a precarização da vida de
tituir uma plataforma de ensino que milhares de seres humanos em todo
corresponda ao sentido filosófico da o país.
educação politécnica, superando a Segundo o texto do Ministério da
dicotomia causada pela dualidade Educação, à época das comemora-
entre um modelo de ensino tecnicis- ções do centenário da Rede Federal
ta e outro academicista, na: de Educação Profissional:
[...] perspectiva de integração das A Rede Federal de Educação Pro-
políticas para o ensino médio e fissional e Tecnológica está funda-
para a educação profissional, tendo mentada numa história de constru-
como objetivo o aumento da esco- ção de 100 anos, cujas atividades
larização e a melhoria da qualidade iniciais eram instrumento de uma
da formação do jovem e adulto tra- política voltado para as “classes des-
balhador. (BRASIL, 2009a). providas” e hoje se configura como
uma importante estrutura para que
todas as pessoas tenham efetivo
Ao mesmo tempo, em que a EPT acesso às conquistas científicas e
tecnológicas. Esse é o elemento
possibilitaria, por meio dos IFETs, a diferencial que está na gênese da
consecução ética que o papel de uma constituição de uma identidade so-
instituição pública de ensino deveria cial particular para os agentes e ins-
tituições envolvidos neste contexto,
ter com a sua população, o qual vai cujo fenômeno é decorrente da his-
além da oferta de cursos gratuitos tória, do papel e das relações que a
5 Segundo a definição mais frequente no Brasil, onde o conceito surgiu, entende-se a Tec-
nologia Social (TS) compreendendo “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, de-
senvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de trans-
formação social” (DAGNINO. R. Tecnologia Social: ferramenta para construir outra sociedade.
Campinas, SP: IG/Unicamp, 2009. Fonte: <www.rts.org.br.>).
370
b) o pouco ou nenhum conhe- de se debater sobre o modo como
cimento e debate ou nenhuma re- deve ser o sentido dessa política
flexão interna, situação presente associada à prática docente e à
na maioria das instituições, no que avaliação dos resultados dos pro-
diz respeito ao entendimento e à jetos de pesquisa e de extensão,
aplicação do conceito de Tecno- no que tange às demandas regio-
logia Social e seus referenciais na nais e à população local.
prática do ensino associado à pes- Esses aspectos acima, em sua
quisa e à extensão; maioria, são possíveis de serem me-
c) a pouca ou nenhuma pre- diados por ações propositivas das
sença, nos conselhos de campus, instâncias de direção nos campi ou
de representantes dos chamados nas reitorias, conforme opinião de
arranjos produtivos, sociais, cul- grande parte dos entrevistados.
turais locais, os quais seriam os Por sua vez, com o agravamento
principais parceiros regionais e da crise política e econômica, desde
motivadores do diálogo entor- o início de 2016, as ações, promovi-
no dos projetos de pesquisa e de das pelo governo federal, tanto no
extensão, como também seriam campo administrativo, principalmen-
motivadores para a avaliação críti- te com o Projeto de Emenda Consti-
ca dos projetos de expansão e/ou tucional nº 55 (PEC-55), que redefini
de reavaliação dos cursos técnicos critérios e condições de investimento
ofertados em suas diversas moda- e de custeio nas áreas sociais, conge-
lidades; considerando os desafios lando por até 20 anos esses recursos,
e as perspectivas como fruto das quanto em relação à reformulação
experiências desenvolvidas; e das Bases Curriculares Nacionais, por
d) o acúmulo de tarefas diver- meio da chamada: “Reforma do Ensi-
sas, em alguns casos, sobre o se- no Médio”, Projeto de Lei nº 34/2016,
tor responsável pela extensão nos comprometem, substancialmente,
campi, impede o mesmo de pro- todo o conjunto de expectativas de-
videnciar um devido acompanha- positadas ao longo de mais de uma
mento e registro dos resultados década de trabalhos para a reestru-
dos trabalhos desenvolvidos. Há turação da Rede Federal de EPT e o
necessidade não apenas de se dis- comprometimento de seus objetivos
cutir a importância da política de iniciais.
extensão no campus, mas também
372
unidades possam desenvolver, fase mais recente. Vejamos, a seguir,
concomitante, o ensino politécni- esses três aspectos detalhados.
co, podendo se resumir, apenas, 1) Promoveu o resgate de uma
ao ensino concomitante ou sub- educação unitária, superando a
sequente como complemento em visão tecnicista de formação para
parceria com outras redes. Isso, atender, apenas, às demandas do
inevitavelmente, irá reproduzir a mercado, o que possibilita ao jo-
nefasta lógica das dualidades de vem uma formação integrada que
ensino, ou seja, um ensino para combina o acesso a todas as áreas
aqueles que irão seguir seus es- do conhecimento humano e o co-
tudos universitários e outro para nhecimento técnico, superando a
aqueles que estarão retidos à lógi- dicotomia estrutural presente na
ca das competências e dos saberes estrutura da educação brasileira.
do ensino somente para o merca- Um modelo de educação que re-
do de trabalho. conhece a necessidade da forma-
ção de um sujeito crítico, apto ao
5. PERSPECTIVAS E DESAFIOS mundo do trabalho, mas também
apto a refletir o sentido do seu tra-
Diante desse cenário obscuro, os
balho, o qual deve estar em con-
desafios, pela defesa dos IFETs, são
dições de dar sequência aos seus
numerosos e muitos serão afetados
estudos.
pelo desdobramento do conjunto
de medidas que avança contra uma 2) Instituiu um modelo de es-
perspectiva de Educação Profissio- cola que tem como proposta a
nal e Tecnológica, a qual, ainda, não descentralização da oferta dos
atingiu a plenitude dos seus objeti- cursos técnicos e tecnológicos,
vos e de suas finalidades, estipula- possibilitando o acesso a essas
dos em sua formulação, por razões modalidades de ensino em regi-
e situações diversas. Dessa maneira, ões distantes dos grandes centros
tal perspectiva educacional deve ser urbanos, o que acarretava um mis-
ao menos valorizada e reconhecida to de dependência e de desigual-
como um modelo inovador em três dades significativas no interior do
aspectos, ao se considerar a trajetó- país. Ao mesmo tempo, tal dinâ-
ria da história da Educação Profissio- mica traz à ordem do dia a impor-
nal no Brasil, principalmente em sua tância de se refletir criticamente, à
374
científico, de modo a transformar ______. Lei nº 11.892, de 29 de de-
e a emancipar essas comunidades zembro de 2008. Institui a Rede Fe-
de situações de miséria, de depen- deral de Educação Profissional, Cien-
dência e de exploração. tífica e Tecnológica, cria os Institutos
d) Resistir às investidas privatis- Federais de Educação, Ciência e Tec-
tas, ao recrudescimento da desva- nologia, e dá outras providências.
lorização das disciplinas do núcleo Diário Oficial da União, Brasília, 30
comum, às concepções tecnicistas, dez. 2008a.
utilitaristas e mercadológicas; as ______. MEC. Secretaria de Educação
quais poderão ganhar apelo dos Profissional e Tecnológica. Concep-
setores mais pragmáticos e conci- ção e Diretrizes. Instituto Federal
liadores, como mecanismos de re- de Educação Ciência e Tecnologia.
estruturação, considerando como 2008b. Disponível em: <http://por-
adaptação a precarização em cur- tal.ifrn.edu.br/institucional/normas
so. -e-leis/concepcao-e-diretrizes-dos
-institutos.pdf/view>.
REFERÊNCIAS
______. MEC. Secretaria de Educação
BRASIL. Ministério da Educação. Se- Profissional e Tecnológica. Concep-
cretaria de Educação Profissional e ções e Diretrizes da Educação Pro-
Tecnológica. Educação Profissional fissional e Tecnológica (Política da
Técnica de Nível Médio Integrada EPT 2003-2010). 2009a. Disponível
ao Ensino Médio. Documento Base. em: <http://www.inmetro.gov.br/
Brasília, dez. 2007a. Disponível em: painelsetorial/palestras/Luiz_Augus-
<http://portal.mec.gov.br/setec/ar- to_Caldas_Pereira_Concepcoes_Di-
quivos/pdf/documento_base.pdf>. retrizes.PDF>. Acesso em: 5 jan. 2015.
Acesso em: 30 jun. 2015.
______. Ministério da Educação. His-
______. MEC. Secretaria de Educação tórico da educação profissional.
Profissional e Tecnológica. Plano de 2009b. Disponível em: <http://portal.
Desenvolvimento da Educação: Ra- mec.gov.br/setec/arquivos/centena-
zões, Princípios e Programas. 2007b. rio/historico_educacao_profissional.
Disponível em: <http://portal.mec. pdf>. Acesso em: 5 dez. 2014.
gov.br/arquivos/livro/>. Acesso em:
30 jun. 2015.
376
AVANÇOS E DESAFIOS NOS CURSOS PROEJA DO
INSTITUTO FEDERAL GOIANO CAMPUS RIO VERDE
Luiza Ferreira Rezende de Medeiros1
1
Instituto Federal Goiano (IF Goiano), campus Rio Verde
E-mail: luizafrmedeiros@gmail.com
1 O Instituto Federal Goiano, campus Rio Verde, nessa época, integrava o Centro de Educa-
ção Federal Tecnológico.
378
ladores dessa caminhada; aspectos promovessem a formação integral
propulsores para sua socialização, vi- do aluno, contemplando, de maneira
sando o compartilhamento de sabe- indissociável, a formação para o tra-
res e o estabelecimento de um profí- balho e a formação cidadã, oportu-
cuo diálogo. Tais atividades tiveram, nizando situações que priorizassem
como fio condutor, o trabalho como “sujeitos emancipativos, criativos e
princípio educativo e foram gestadas leitores críticos da realidade onde
segundo uma concepção de valori- vivem e com condição de agir sobre
zação dos diferentes saberes no pro- ela” (FRIGOTO, 2005, p. 74). Contem-
cesso educativo, e orientadas para pla-se, assim, a proposta de uma
o protagonismo de todo o coletivo formação mais ampla e crítica, que
envolvido, o qual é integrado por do- articule o lugar de importância do
centes, discentes e gestores. trabalho no processo de constituição
dos seres humanos como realização,
2. Experiências no Proeja: como atividade criativa e criadora
(CAMPOS, 2010).
caminhos em construção
A seguir, descrevemos as experi-
A luta pela Educação de Jovens e ências relativas às seguintes ativida-
Adultos insere-se nas lutas sociais e des: a) integração dos alunos: leitura
na busca pela universalização da es- de mundo, leitura de vida; b) exposi-
cola pública, democrática e de qua- ção temática do mundo do trabalho;
lidade. Objetivando contribuir com c) curtas Proeja; e d) será que é só um
esses propósitos, apresentamos, a tapinha? Maria da Penha vai ao Pro-
seguir, experiências que considera- eja.
mos exitosas no reconhecimento da
potencialidade e da positividade as
2.1. Integração dos alunos: leitura
quais ensejam a participação e o em-
poderamento desse público. de mundo, leitura de vida
Nessa perspectiva, buscamos As expectativas, em relação ao
desenvolver atividades estruturadas estudo, apresentam algumas espe-
de maneira a contribuir para a supe- cificidades quando consideramos os
ração da forma, ainda, hegemônica alunos que integram o Proeja, cujas
de abordar o conhecimento, ou seja, trajetórias escolares foram interrom-
fragmentada. Assim, articulou-se o pidas, o que implica forte expectati-
desenvolvimento de práticas que va no momento do retorno à escola,
380
editais eram xerocados e suas leitu- a disciplina de Psicologia da Apren-
ras eram desenvolvidas nas aulas de dizagem, seis curtas-metragens que
Língua Portuguesa e de Literatura, e versavam sobre estórias e histórias
os aspectos críticos eram problema- que envolviam tanto os alunos do
tizados nas aulas de Sociologia. As Proeja quanto à implantação do cur-
atividades consistiam nas seguintes so Proeja.
etapas: a) leitura dos editais de as- Os vídeos, produzidos pelos
sistência ao educando Proeja; e b) alunos, giraram em torno de 8 a
preenchimento dos formulários, por 20 minutos. Os educandos Proejas
parte dos estudantes, para participa- contaram suas histórias, suas difi-
rem dos editais abertos. As turmas culdades e sobre a caminhada até
eram divididas em grupos. Eram li- chegarem ao Proeja, possibilitan-
das e interpretadas todas as páginas do, desse modo, a expressão de sua
que compunham o edital. Ao final da trajetória de vida e a visibilidade de
leitura, era realizado o preenchimen- pessoas que, historicamente, foram
to dos formulários e o devido enca- ofuscadas pela mídia. Além desses
minhamento para a participação. aspectos, a exposição e o falar, dian-
te de uma câmara, permite, segundo
2.2. Curta o Proeja Mourão (2015), o reconhecimento de
sua posição de cidadão. Os roteiros,
O protagonismo dos educandos
utilizados pelos alunos de licencia-
Proeja passa, entre outros aspectos,
tura, contemplavam aspectos que
pela dimensão do fortalecimento da
envolviam as seguintes temáticas: a)
identidade, da melhora da autoes-
o curso do Proeja, e b) mudanças de
tima e de uma maior compreensão
vida a partir do ingresso no Proeja.
de si. Nesse sentido, foi pensado um
Em todos os curtas, foram aplicados
trabalho que se articula, simultanea-
um termo de consentimento livre e
mente, aos aspectos pedagógicos e
esclarecido sobre a atividade e, tam-
aos aspectos de valorização da sub-
bém, uma autorização de utilização
jetividade dos alunos que integram
de imagem, de nome e de som dos
o Proeja; nascendo, assim, o “curta o
participantes. Para a realização das
Proeja”.
filmagens, foram utilizadas câmeras
Trata-se de um trabalho articula- fotográficas comuns, manipuladas
do com os alunos da licenciatura de pelos alunos do curso. O cenário,
Biologia, os quais produziram, para para os depoimentos dos alunos do
382
munidade acadêmica do IF Goiano, cal. A participação de profissionais, li-
campus Rio Verde, quanto à socie- gados às indústrias e às empresas de
dade em geral. Foi realizada, no dia serviços, especializadas em seguran-
04 de maio, de 2016, a 1ª Exposição ça do trabalho, foi muito importante,
Temática sobre o Mundo do Trabalho uma vez que possibilitou o estreita-
nos períodos vespertino e noturno. mento de laços entre o IF Goiano e
O evento contou com a exposição essas empresas; aspecto este que
de 15 stands montados com temas pode contribuir tanto com o incre-
que versavam sobre: acidentes de mento de discussões que abordem
trabalho, uso e variedade de equipa- os temas expostos quanto com mos-
mentos de proteção individual e co- tras dessa natureza nos contextos
letivos, Normas Regulamentadoras organizacionais. A sociedade moder-
(NRs), Lei de Cotas, Lei de Inclusão na é a sociedade do trabalho. Nesse
de Pessoas com Deficiência (PCD), sentido, dar visibilidade aos aspectos
e doenças relacionadas ao trabalho. concernentes ao mundo do trabalho,
Participaram estudantes dos cursos é possibilitar a reflexão sobre a rele-
técnicos de administração e os alu- vância do acesso ao trabalho seguro
nos do Proeja. Os materiais expostos como recurso de construção do reco-
foram, em sua maioria, desenvolvi- nhecimento do outro e de si, e de es-
dos pelos alunos do Proeja; também, truturação das identidades pessoal e
foi realizado um jogo interativo de- grupais, necessárias no processo de
nominado “Acerte a Sigla”, no qual os formação de cidadãos autônomos.
alunos-visitantes deveriam acertar Possibilitar essa aproximação dos
os termos que compõem algumas aspectos do mundo do trabalho com
das siglas utilizadas no campo da o público Proeja, é contribuir com a
saúde do trabalhador. construção de conhecimento, bus-
O evento possibilitou o envolvi- cando novos sentidos para a prática.
mento e o engajamento dos alunos
nas atividades propostas. O quantita- 2.4. Será que é só um tapinha?
tivo de pessoas que visitaram a expo-
Maria da Penha vai ao Proeja
sição e participaram das atividades
surpreenderam as expectativas ini- Nessa atividade, buscamos abor-
ciais, sendo expressivo o quantitativo dar uma temática singular e impor-
de estudantes de outras Instituições tante, que é a violência doméstica,
de Ensino Superior e comunidade lo- por meio de uma condução teórico-
384
construção da violência contra a mu- nentes de Rede Protetiva, em Rio
lher, contribuindo para que o adulto, Verde (exemplos: CRAS (Centro de
em processo de aprendizagem, pos- Referência de Assistência Social), de-
sa reconhecer e combater os diversos legacias especializadas, casas que re-
níveis de violência doméstica. Assim, cebem mulheres vítimas de violência
ao discutir a temática da violência e o etc.), e apresentação dos dados para
conteúdo da Lei Maria da Penha, na os alunos do Proeja.
escola, objetiva-se trabalhar a forma- Esse projeto, ainda, não foi con-
ção de uma nova consciência junto cluído e as atividades, já desenvolvi-
ao público EJA, contribuindo para das, referem-se àquelas relacionadas
torná-los potentes agentes transfor- ao Teatro-intervenção.
madores da realidade.
Assinalamos a excepcional opor- 3. Considerações finais
tunidade da presente proposta em
associar a prática da aprendizagem É inconteste que o Programa Na-
formal aos novos conceitos e às in- cional de Integração da Educação
formações capazes de reverter este- Profissional com o Ensino Médio, na
reotipias sociais sobre o fenômeno Modalidade Educação de Jovens e
da violência contra a mulher. Nesse Adultos (Proeja), fazem parte do ce-
projeto, trabalharemos de forma nário dos diversos campi que com-
interdisciplinar, envolvendo tanto põem a rede federal, enfrentando
as disciplinas básicas quanto as dis- aspectos epistemológicos, pedagó-
ciplinas técnicas. Tendo em vista a gicos e de infraestrutura, ao propor-
previsão de dois bolsistas do Proeja, cionar o atendimento à Educação de
foram pensadas as seguintes ativida- Adultos no nível médio, aliada à Edu-
des para a condução dessa proposta: cação profissional. Os alunos do Pro-
a) Teatro-intervenção: pequenas pe- eja constituem um público, extrema-
ças construídas pelos alunos sobre mente, peculiar e têm a diversidade
diversos aspectos do cotidiano que como marca. São sujeitos sociocul-
abordem a temática da violência turais ricos em experiências e expec-
contra a mulher; b) Cine Prevenção: tativas, trabalhadores urbanos, cam-
exibição do filme Louco Amor, se- poneses, mulheres, homens, jovens,
guido de debate; c) Rede Protetiva: adultos, idosos, pessoas com defici-
levantamento de informações pelas ências, indígenas, afrodescendentes,
bolsistas, sobre instituições compo- empregados, desempregados, filhos,
386
MENDES, C.; SILVA, L.; SOUZA, M. F.
Gênero e Violência contra a mulher.
In: VIZA, Ben-Hur; SARTORI, M.
MOURÃO, L. C. C. B. A Produção de
Vídeos na Pesquisa-Intervenção: a
Oficina de Vídeo como potência de
pesquisa. In: XVII ENCONTRO NACIO-
NAL DA ABRAPSO. Universidade Fe-
deral do Ceará, 2015.
388
Além disso, como o Ceier-AB não nentes curriculares recebem um tra-
fazia uso de uma metodologia peda- tamento integrado.
gógica sistematizada, embasada te- Integração Curricular é o “diálogo
oricamente e didaticamente funcio- entre as disciplinas na perspectiva
de desenvolver e promover os di-
nal, que servisse de ferramenta para ferentes saberes, de forma contex-
o corpo docente realizar a necessária tualizada e/ou globalizada e, con-
sequentemente, entre os diferentes
integração, na forma como propõe profissionais, contudo incluindo o
o Parecer CNE/CEB nº 39/2004, cada cotidiano do estudante e sua for-
mação profissional” (GRECHI, 2010,
docente desenvolvia os conteúdos p. 10).
do currículo segundo suas próprias
concepções, metodologias e experi-
ências profissionais.
2. OBJETIVO
Outro fator importante, a ser co-
mentado, é que os professores con- Esta pesquisa tem por objetivo
tratados e efetivos da SEDU (Secre- geral analisar a eficiência do Método
taria de Estado da Educação), para Ver-julgar-agir-celebrar na integra-
atuar na Educação Profissional na ção curricular como instrumento da
Educação do Campo, em momento práxis pedagógica para a Educação
algum, receberam alguma orienta- do Campo, a fim de formar um sujei-
ção/formação para atuar nessas mo- to crítico e reflexivo para sociedade
dalidades de ensino. e para o mundo do trabalho; confor-
me determina o Parecer do Conse-
Ainda de acordo com o Decreto
lho Nacional de Educação e Câmara
nº 5.154/2004, não é adequado orga-
da Educação Básica (CNE/CEB) nº
nizar esse curso integrado em duas
39/2004 e o Decreto nº 5.154/2004.
partes distintas. Conforme Ramos
Por objetivos específicos, pontua-
(2005, p. 122), “a integração exige
se: descrever as etapas do Método
que a relação entre conhecimentos
Ver-julgar-agir-celebrar como instru-
gerais e específicos seja construída
mento da práxis pedagógica, o qual
continuamente ao longo da forma-
é capaz de promover, no estudante,
ção, sob os eixos do trabalho, da ci-
um senso crítico e reflexivo na Edu-
ência e da cultura”, ou seja, o Ensino
cação Profissional, cumprindo o que
Médio Integrado à Educação Profis-
prevê a legislação supracitada; ava-
sional é um curso único e coeso, de
liar a aplicabilidade do Método Ver-
tal forma que todos os seus compo-
julgar-agir-celebrar em diálogo com
390
A entrevista foi realizada no pe- sobre o Método Ver-julgar-agir-cele-
ríodo compreendido entre os dias brar da Ação Católica:
05 e 06 de setembro, de 2012, com a) o Método Ver-julgar-agir-
duração média de 30 minutos por celebrar encontra-se associado à
participante do grupo de professo- León Joseph Cardjin, sacerdote
res, como também com os estudan- belga, filho de operário, que, em
tes do 3º ano do EMI. Em uma sala 1924, funda a Ação Católica. Essa
reservada, ocorreu a apresentação última terá por objetivo oferecer
das partes (entrevistador e profes- ao operariado um conjunto de en-
sor), em seguida, foram explicados sinamentos sociais da igreja. Nesse
os objetivos da entrevista e, à medi- processo, o Método Ver-julgar-agir
da que o entrevistado discorria sobre foi adaptado à mentalidade con-
a pergunta, e conforme sua evolução creta do operariado;
livre, eram inseridos novos questio-
namentos seguindo o roteiro pré-es- b) surge, nos anos 1950, de ori-
tabelecido. O registro das respostas gem Belgo-francesa, na Europa,
foi realizado por meio do gravador que, também, recebeu a influência
do celular. Para isso, todos os entre- do método do materialismo histó-
vistados assinaram um termo de au- rico, o qual, na época, se constituía
torização. na práxis social por excelência;
392
apud GUERRE; ZINTY, 1965, p. 101) ajuda a discernir os desafios da nossa
observa que: “Trata-se, portanto de ação educativa (que podem ser con-
ver as pessoas com os seus proble- siderados tanto como oportunida-
mas de vida, e não de descobrir por des quanto ameaças ou apelos), rela-
via intelectual grandes problemas, cionar as urgências e as prioridades
porque depois se deve passar à solu- e determinar o que queremos fazer.
ção do caso”. O estudante e o educador, no
Torna-se indispensável a partici- encontro, entre o que temos (marco
pação direta do estudante na leitura da realidade) e o que queremos ter
da realidade e o seu modo de viven- (marco ideal), revelam os elemen-
ciar a sua relação com o meio que o tos integradores de toda a atividade
circunda. Essas experiências serão educativa. O objetivo geral deve ser
direcionadas pelo educador no am- elaborado em sintonia com a peda-
biente escolar como forma de obser- gogia emancipatória/libertadora dos
var a realidade histórico-cultural do povos do campo.
estudante, trazendo elementos para Corresponde, no método, à pri-
a construção dos conteúdos progra- meira etapa do julgar e consiste em
máticos. uma análise de teor mais filosófico a
Isso corresponde, no método, à respeito do tema gerador, que apoia-
etapa do ver e apresenta dados, in- rá o educador na condução dos de-
formações, notícias, aspectos políti- bates sobre os temas.
cos, sociais, econômicos, religiosos e Corresponde, no método, à se-
outros que subsidiam o educador na gunda etapa do julgar e consiste em
discussão do tema gerador. um roteiro de perguntas que suge-
O tempo de julgar é o momento rem um debate que auxiliam o edu-
de refletir sobre a sociedade a qual cando a estabelecer uma relação de
queremos (construção de um mar- diálogo e de questionamento em
co de valores). Julga-se a realidade relação ao tema gerador.
com os olhos do campesinato, tendo O tempo de agir é o momento de
como base uma pedagogia emanci- selecionar e de programar as ativida-
patória/libertadora. des, que são compromissos tanto do
Compara-se a realidade vista, no educador quanto do estudante. Essa
momento anterior, com as ideias e os programação deve ser caracterizada
valores do camponês. Tudo isso nos pela unidade e criatividade, pela vi-
394
O mundo contemporâneo apre- do ser humano com a terra. A terra
senta duas visões/direções de desen- é a mãe (Gaia) de onde gera toda a
volvimento, as quais se contrapõem: vida. Ela é lugar de produção mate-
o capitalismo agrário, para o qual o rial e imaterial da existência. Torna-
campo é, ainda, um lugar do atraso se, imprescindível, a compreensão
que precisa ser modernizado, enten- da historicidade do cultivo da terra e
dendo o campo como um espaço de da sociedade, o trato amoroso com a
negócios; e, a agricultura campone- terra – natureza – para garantir mais
sa, para a qual o campo é lugar de vida, a educação comprometida com
produção de vida/alimentos, de cul- sentimento de pertença à terra, e a
turas e não, meramente, de produ- contemplação do tempo de cultivo
ção econômica, concebendo o cam- da terra como forma de organização
po como ambiente de trabalho que da realidade camponesa. Portanto,
gera vida com dignidade. a Agroecologia, proposta pelo Ceier
A produção agroecológica busca -AB, não nega o conhecimento cien-
responder às exigências da agricul- tífico em detrimento do popular, mas
tura camponesa. O Ceier-AB entende o ressignifica para uma práxis huma-
a Agroecologia como um conceito a nizadora.
ser compreendido, aceito e, então, Diante da realidade de abando-
praticado. Boff (2003, p. 1) observa no sofrida pelo meio rural, torna-se
que: urgente a definição de políticas pú-
A agroecologia parte de um novo blicas para reverter as desigualda-
estado de consciência e de respon- des históricas infligidas ao povo do
sabilidade com o futuro da terra
e da humanidade. Ela procura um
campo. Desigualdades estas relacio-
desenvolvimento que se faz com a nadas à exclusão econômica, social
natureza e nunca contra ela. Visa à e, principalmente, educacional. E é,
autocontenção e à justa medida em
todas as ações que envolvem recur-
justamente, a educação do campo,
sos escassos ou não renováveis. Ela base de desenvolvimento econô-
não é contra a produção eficiente, mico e humano de toda sociedade,
mas é a favor de uma produção res-
ponsável, solidária e atenta às rea-
que sofreu maior abandono. A refe-
ções da natureza. rida escola, na maioria das vezes, é a
única forma de os sujeitos do campo
adquirir conhecimentos que pos-
A prática pedagógica agroeco- sam auxiliá-los na resolução de pro-
lógica do Ceier-AB nasce da mistura blemas da produção agrícola e no
396
O Ceier-AB pretende ser um agen- o(a) outro(a), visto que está em um
te mediador dos diversos espaços intenso espaço de interdependência
formativos, ultrapassando a escolari- com toda a realidade que o rodeia,
zação formal e estática, promovendo seja ela humana ou natural.
a inserção do estudante em sua co-
munidade, nas relações sociais, cul- 5. Referencial teórico
turais, familiar e comunitária; como
também o inserindo na relação com Este artigo foi escrito pautando-
a terra e os recursos naturais, sempre se nos estudos de Silva (2009), a qual
de modo dinâmico e crítico, no que aborda sobre o Método Pedagógico
diz respeito à realidade estabelecida. Ver-julgar-agir, proveniente da Ação
Católica, para pequenos grupos de
Parte-se do princípio que a escola
base. O método proposto está asso-
só se torna um agente de mudança
ciado à León Joseph Cardjin, sacer-
se tiver a habilidade de desenvolver
dote belga, filho de operário, que,
a capacidade de observar, de pen-
em 1924, funda a Ação Católica. Essa
sar e de agir, tanto individualmente
última terá por objetivo oferecer ao
quanto coletivamente. Conside-
operariado um conjunto de ensina-
ram-se estas as potencialidades que
mentos sociais da igreja. Nesse pro-
qualificam um sujeito educado para
cesso, o Método Ver-julgar-agir foi
exercer as suas funções de cidadão
adaptado à mentalidade concreta do
sabedor de seus direitos e seus de-
operariado.
veres.
Abreu (1996) traz a temática do
O Ceier-AB, como escola do cam-
CIER (Centro Integrado de Educação
po, precisa ser um agente de mu-
Rural) que, posteriormente, tornar-
dança da realidade de opressão, his-
se-ia Ceier (Centro Estadual Integra-
toricamente, imposta aos povos do
do de Educação Rural), o qual abor-
campo. Somente, dessa forma, os su-
da a escola “rural” na nomenclatura,
jeitos do campo poderão ter a opor-
mas que desenvolve uma Educação
tunidade de viverem daquilo que o
do Campo e para o campo. Educação
meio rural oferece de melhor.
esta voltada para o desenvolvimento
O estudante que se forma no do senso crítico dos jovens.
Ceier-AB cultiva uma relação de
Caldart (2004) defende a ideia de
amor com a terra e o próximo. De-
uma educação voltada e pensada
senvolve sua sensibilidade para com
para o campesinato, para crianças e
398
a desenvolver a educação do cam- tizadora do Método Ver-julgar-agir-
po, aliada aos 14% que destacaram celebrar, em diálogo com o tema
a personalidade como resistência às gerador, na prática pedagógica da
mudanças impostas pela SEDU. Ain- Agroecologia, promover a integra-
da, 29% considerou a relação inter- ção curricular proposta pelo Decre-
pessoal que, de acordo com Abreu to nº 5.154/04, já que se entende o
(1996, p. 33), “a escola propicia a rela- Ensino Médio Integrado à Educação
ção entre professor e aluno de modo Profissional como um curso único e
que as vinculações sejam recíprocas, coeso, de forma tal que todos os seus
e que, portanto, essa dialética esti- componentes curriculares recebam
mule a uma maior integração". um tratamento integrado.
Na visão dos estudantes do 3º De acordo com Freire (2011, p.
ano, do curso Técnico em Agrope- 134), “a investigação do tema gera-
cuária Integrado ao Ensino Médio, dor se realizada por meio de uma
quando eles começaram a desen- metodologia conscientizadora, além
volver o curso, sem o método obje- de nos possibilitar sua apreensão, in-
to deste estudo, 90% consideravam sere ou começa a inserir os homens
o curso integrado como se fossem numa forma crítica de pensarem seu
dois cursos distintos, pois não conse- mundo".
guiam fazer a “ponte” entre os conte- Ao se propor desenvolver o mé-
údos técnicos e os propedêuticos. todo, buscou-se não somente aten-
Com a introdução do método, na der às exigências da legislação em
metodologia pedagógica do Ceier vigor, mas, principalmente, atender
-AB, os estudantes relataram que foi aos anseios da instituição, às in-
possível perceber o sentido prático quietações do corpo docente, que,
daquilo que estava sendo ensinado mesmo de forma implícita, resiste às
em sala; sendo assim, o conhecimen- drásticas mudanças impostas pela
to deixou de ser transmitido pelo Sedu, quando esta trata os Ceiers
professor e passou a ser construído como escolas de ensino regular, não
pela turma. reconhecendo as suas especificida-
des e suas diferenças, retirando o di-
7. Conclusões reito da comunidade à educação de
qualidade e ignorando-a.
O Ceier-AB, por iniciativa própria,
procura, na metodologia conscien-
400
formação, a integração curricular e 1-2, 2003.
outros supracitados que não foram
contemplados nesta pesquisa por CALDART, R. S. Elementos para a
falta de tempo; e, para não se perder construção do projeto político e pe-
o foco inicial da pesquisa em ques- dagógico da educação do campo. In:
tão, o que não significa que não pos- MOLINA, M. C.; AZEVEDO DE JESUS,
sa ser retomada em pesquisas poste- S. M. S. (Org.). Educação para a cons-
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agropecuária de Minas Gerais, EPA- GRECHI, E. M. A importância do
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402
A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DO IFPR CAMPUS JACA-
REZINHO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E PRINCÍPIOS
404
O novo paradigma nasce, então, inconformidade e engajamento, os
em meio aos conflitos, às incertezas quais convertem intencionalida-
e às angústias, característicos dos de em ações concretas. Silva (2013,
tempos hodiernos. Moraes (1997, p. p.114) apresenta a pós-modernidade
144), ao invés de negar a dinamicida- nos seguintes termos:
de da vida e de propor a estabilidade Inspirado por sua vertente estética,
e a segurança, reconhece que a mu- o pós-modernismo tem um estilo
que em tudo se contrapõe à lineari-
dança deve partir da reformulação dade e à aridez do pensamento mo-
intrínseca das próprias concepções derno. [...] O pós-modernismo não
conservadoras arraigadas aos sujei- apenas tolera, mas privilegia a mis-
tura, o hibridismo e a mestiçagem
tos: – de culturas, de estilos, de modos
Na realidade, com todas as trans- de vida. O pós-modernismo prefere
formações que estão ocorrendo no o local e o contingente ao universal
mundo, mais do que nunca é preci- e abstrato. O pós-modernismo in-
so aprender a viver com a incerteza. clina-se para a incerteza e a dúvida,
Para tanto, necessitamos desenvol- desconfiando profundamente da
ver em nossos ambientes de apren- certeza e das afirmações categóri-
dizagem a autonomia de nossas cas. No lugar das grandes narrativas
crianças e também de nossos pro- e do “objetivismo” do pensamen-
fessores, levando-os a aprender a to moderno, o pós-modernismo
aprender. Isso significa ter condição prefere o “subjetivismo” das inter-
de refletir, analisar e toma consciên- pretações parciais e localizadas. O
cia do que sabemos, dispormo-nos pós-modernismo rejeita distinções
a mudar os conceitos e os conhe- categóricas e absolutas como a que
cimentos que possuímos, seja para o modernismo faz entre “alta” e “bai-
processar novas informações, seja xa” cultura.
para substituir conceitos cultivados
no passado e adquirir novos conhe-
cimentos. Alinhado ao pós-modernismo,
com seu espírito contestador, refle-
Para dar conta dos desafios edu- xivo e provocativo, Carneiro (2012,
cacionais, nesse contexto, o pensa- p. 211) propõe que nos debrucemos,
mento pós-modernista se apresenta pedagogicamente, sobre a última
como uma contribuição significativa etapa da Educação Básica a partir
para repensar o currículo; primeira- dos seguintes questionamentos:
mente, por sua natureza indisciplinar Como tornar criativo o aluno que
frequenta uma escola inteiramente
e indolente, características essenciais pautada por processos de ensino
para iniciar qualquer processo de re- que favorecem a mera repetição?
novação social, mas também pela Como estimular a iniciativa dos
406
almejando “intelectuais propositivos po, devem ser trabalhadas à luz des-
te processo de agregação da cultura
e inseridos em ações políticas funda-
humana que se exterioriza (é sem-
mentadas em bases coletivas e soli- pre uma manifestação dinâmica).
dárias” (OLIVEIRA, 2012, p. 97).
O Ensino Médio Integrado deve A admissão do conhecimento,
propiciar condições por meio da con- como provisório, local e, histori-
junção do olhar especialista técnico camente, situado, demanda uma
e da formação da matriz ampla, para postura dialógica da comunidade
que seus estudantes observem a re- escolar e não mais uma relação de
alidade e se posicionem ativamente submissão, a qual se inicia a partir
(MORAES; KÜLLER, 2016, p. 92). Os da equipe de servidores em relação
problemas, as dificuldades e as res- às instâncias regulamentadoras (as
trições passam, então, de razão para quais, geralmente, impõem sua vi-
não fazer nada e descompromisso são burocrática sobre as escolas) e
à motivação para desenvolvimento dos servidores em relação aos estu-
tecnológico, contestação e luta por dantes. O resultado dessa abertura,
direitos. para a democratização da escola, é o
A outra contribuição é de Behrens descontrole sobre os resultados que,
(2013, p. 55), cuja visão é de que ao mesmo tempo em que gera a in-
A ação pedagógica que leve à pro- certeza, aumenta a probabilidade de
dução do conhecimento e que arranjos e de novas soluções para
busque formar um sujeito crítico e questões conhecidas e imprevistas.
inovador precisa enfocar o conhe-
cimento como provisório e relativo, Segundo Moraes (1997, p. 100):
preocupando-se com a localização Sob esse novo enfoque, o currículo
histórica de sua produção. é algo que está sempre em processo
de negociação e renegociação entre
alunos, professores, realidades e ins-
Essa mudança de perspectiva, tâncias administrativas. Ele emerge
também, é abordada por Carneiro da ação do sujeito com os outros,
com o meio ambiente. É datado, si-
(2012, p. 209) quando este coloca tuado no tempo e no espaço. [...] É
que: algo que está sempre em processo
mediante um diálogo transforma-
O currículo trabalha um conheci-
dor, enriquecido por processos re-
mento sempre provisório que exi-
flexivos recursivos. É um currículo
ge, do aluno, estar em “reciclagem”
que tem como suposição básica a
permanente. Neste sentido, as letras
capacidade de auto-organização
e as artes, menos do que manifesta-
inerente aos seres vivos e que tra-
ções culturais congeladas no tem-
408
de aula, laboratórios, biblioteca e ensino e de suas respectivas descri-
áreas de lazer), humanas (servidores, ções (ementa, conteúdo programáti-
instâncias colegiadas e relações inte- co, forma de avaliação, metodologia
rinstitucionais) e simbólicas (o status e nível de complexidade1). Logo, na
de ser estudante de uma escola fe- primeira semana de aula, os recém
deral e estar localizado no interior do -ingressos passam por um período
estado). de integração para compreender a
Assim, a escola não tenta vender instituição e são orientados a refletir
a falsa ideia de que “ensinará tudo” sobre o que seria o processo de to-
como muitos pais esperam em rela- mada de decisão sobre seu itinerário
ção à preparação para o vestibular, formativo. Isso é feito, minimamen-
mas apresenta aquilo que tem para te, em três etapas, as quais não são
os discentes fazerem e, também, sequenciais nem obrigatórias, mas
aquilo que desejam. Isso nos leva norteadoras. A primeira é o auto-
a outro princípio, o da autonomia. questionamento, no qual o sujeito
Sobre esse ponto, Carneiro (2012, p. busca, analisa e avalia, em si mesmo,
276) considera que: seus desejos, suas limitações e seus
potenciais no sentido de traçar um
O apoderamento refere-se ao di-
reito de o aluno ser ator de sua objetivo para sua vida. A segunda
aprendizagem. Há um certo tipo de é a confrontação, a qual implicará
escola que busca pilotar a aprendi- em diálogo com um servidor (majo-
zagem, substituindo a vontade do
aluno pela vontade do professor. ritariamente docente) e um familiar
Este deve ser, na verdade, um esti- para discutir suas escolhas e tentar
muladora da autonomia daquele. A enxergar, a curto, a médio e em lon-
escola é única no sentido de ser um
espaço de reflexão crítica e de exer- go prazo, as implicações de estar ou
cício e construção da autonomia. não matriculado nas unidades curri-
culares escolhidas. A terceira é a con-
solidação que consiste no resultado
No currículo novo do campus Ja-
do processo intra e interdialógico,
carezinho, os estudantes escolhem
inserindo o/a discente em um espa-
o que irão estudar ao longo dos se-
ço com o qual deverá se comprome-
mestres letivos do curso, a partir da
ter pelo tempo previsto. Portanto, as
apresentação de todos os planos de
1 Embora não haja pré-requisitos, é uma forma de os estudantes terem ciência das expec-
tativas dos docentes sobre conteúdos básicos necessários para compreender os conceitos
trabalhados naquela unidade curricular.
410
pedagógico, ainda mais, em tem- do, Carneiro (2001, p. 112) considera
pos, cuja identidade pós-moderna é que “A equipe escolar precisa consi-
“descentrada, múltipla e fragmenta- derar a urgência de trabalhar com o
da” (SILVA, 2013, p.114). Além disso, conceito de pluritemporalidade, ou
o ponto é fazer com que os/as pro- seja, permutar o tempo acadêmi-
fessores(as) se sintam parte da cons- co – que é um único tempo – pelos
trução e, para isso, todos os pontos tempos dos alunos – que são tem-
de vista, as concepções e os posicio- pos culturais”. Da mesma forma que
namentos são importantes para que os estudantes escolhem com quem e
o currículo, que se propõe a ser um o quê estudarão, o quando, também,
sistema aberto, permaneça dinâmi- está compreendido nesse processo,
co e, periodicamente, em discussão. o qual se manifesta de duas formas.
Conforme Doll Jr. (1993, p. 66) coloca, A primeira é o próprio movimento
e, comparando com a própria gêne- dos(as) discentes de escolher, por
se do projeto, “open systems actually exemplo, quando começarão a estu-
need problems and perturbations in dar conteúdos específicos de Mate-
order to function”. Sobre esse aspec- mática, se no primeiro, no segundo
to, a contribuição de Morin (2014, ou no terceiro semestre (embora se-
p. 219), ao construir-se um currículo jam, também, abordados em outras
aberto, como uma organização viva, áreas de Ciências da Natureza). Con-
avança no sentido de que: forme Carneiro (2001, p. 89) afirma,
[...] as organizações vivas não só to- “É preciso abrir a escola ao jovem e
leram uma certa desordem, como deixar que ele seja cidadão, partici-
produzem os contraprocessos de
regeneração e, com isso, extraem
pando do processo educativo e te-
um benefício de rejuvenescimento nha a autonomia para plasmar a sua
dos processos internos de degrada- identidade”. A segunda é a própria
ção e degenerescência. Vemos que
a organização viva tolera a desor-
carga horária da unidade curricular
dem, produz a desordem, comba- que, apesar de ter estabelecido um
te essa desordem e se regenera no padrão predominante de 30 horas
próprio processo que tolera, produz
e combate a desordem.
semestrais, por motivos logísticos
(como a troca de salas de aula), ela
pode ser ofertada em outros arran-
O quarto princípio é concernente jos, seja com carga horária menor ou
à ideia de mudança do tempo escola maior, para adequar-se, por exem-
para o tempo indivíduo. Nesse senti- plo, à estação do ano, ao período de
412
a parte está no todo, mas também ao longo do percurso. O segundo, de
que o todo está na parte.
garantir a liberdade criativa do corpo
docente e técnico para fazer com que
Em termos estruturais, a unida- a instituição acompanhe as transfor-
de curricular não se limita a realizar mações sociais e as pautas emergen-
uma atividade de ensino, mas per- tes; sendo estas descritas por Doll Jr.
mite dar vazão à integração com ex- (1993, p. 66) como “new structures
tensão e iniciação científica, pois sua emerging spontaneously, self-gene-
configuração holográfica comporta ratively, unpredictably from old ones”.
as muitas faces presentes nas áreas Além da emergência, a flexibilidade
do conhecimento e nos encaminha- permite que os produtos gerassem
mentos metodológicos. Essa capaci- novas ideias em um movimento cí-
dade de arranjos diversos possibilita clico ininterrupto. Morin (2015, p. 74)
o que Carneiro (2001, p.13, grifo do contribui para a discussão ao refletir
autor) enxerga como positivo para sobre a concepção de recursividade:
essa etapa de ensino: A ideia recursiva é, pois, uma ideia
em ruptura com a ideia linear de
O “primeiro passo” para a escola
causa/ efeito, de produto/ produtor,
introduzir as mudanças urgentes
de estrutura/ superestrutura, já que
aqui propostas está no seu des-
tudo o que é produzido volta-se so-
muramento virtual. Abrir-se para
bre o que se produz num ciclo ele
a vida. Extroverter-se para acolher
mesmo autoconstitutivo, auto-or-
e valorizar as diferenças. Tornar-se
ganizador e autoprodutor.
um laboratório de comunicações e
não de comunicados. Multiplicar-se
em espaços sociais, dessacralizando
os conteúdos curriculares. Acolher Doll Jr. (1993, p. 87) vai ao encon-
tro de Morin (2015) ao considerar que
linguagens diferentes e associá-las
através de critérios educativos so-
“a transformative curriculum, then, is
cialmente relevantes. Estimular a in-
tegração de ações com mecanismos one that allows for, encourages, and
explícitos de aprimoramento como develops this natural capacity for com-
atitude ativa e permanente.
plex organization; and through the
process of transformation the curricu-
Por fim, o sexto princípio é concer- lum continually regenerates itself and
nente à promoção da flexibilidade, o those involved with it”. Essa relação,
qual atende dois objetivos. O primei- também, é abordada por Behrens
ro, de tornar a jornada dos estudan- (2013, p. 71) ao enxergar que:
tes fluída e passível de modificações
414
ar como “prestadores de serviços”, e pela complexidade. Além de serem
ou seja, cumprir o mínimo e não se preparados para a incerteza e a con-
inteirar das necessidades da institui- tingência, os estudantes são impeli-
ção. Essa corresponsabilidade, sobre dos a (re)conhecerem-se, a explorar
a instituição, também, se estende seus potenciais e a agirem. Por sua
ao corpo discente e técnico, desta- vez, os servidores, também, têm, nes-
cando-se, desse último, a equipe pe- se projeto, a chance de explorar suas
dagógica multiprofissional a qual é qualidades e seus talentos “além-di-
de fundamental importância para o ploma”, renegados, historicamente,
atendimento dos estudantes e a me- pela visão tradicional. Quanto menos
diação das relações. A seguir, passa- regras e imposições, mais margem
mos às considerações finais. há para a criatividade e a imaginação
fluírem, o que é, educacionalmente,
muito mais rico. Nas palavras de Doll
Jr. (1993, p. 163):
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] I believe, that teachers and stu-
dents need be free, encouraged, de-
O presente artigo propôs trazer
manded to develop their own curricu-
um breve histórico, os fundamentos lum in conjoint interaction with one
teórico-conceituais e os princípios another. General guidelines wherever
they come from – textbooks, curricu-
que conduziram o IFPR, campus Ja-
lum guides, state education depart-
carezinho, a reformular sua proposta ments, professional organizations, or
curricular. Apesar de ser uma insti- past tradition – need to be just that:
general, brad, indeterminate.
tuição altamente regulamentada, e
com menos liberdade do que as ins-
tituições privadas e as universidades Em virtude de todas as suas ca-
públicas, todas as suas propostas de racterísticas e sua trajetória de cons-
ruptura, de contestação e de mudan- trução, a aplicação desse modelo, em
ça paradigmática são, legalmente, outro contexto, deve ser, cautelosa-
amparadas e, por isso, seguras juridi-mente, pensada. Já a sua discussão
camente. necessita ser ampla, pois a contribui-
No aspecto pedagógico, a indo- ção de atores, que não estão viven-
lência, proposta pelo novo currículo, ciando o cotidiano, pode apontar
sustenta-se na concepção pós-mo- aspectos não percebidos. Outro pon-
derna de conhecimento e de socie- to importante, a ser destacado, é a
dade, o qual é conduzido pelo caos opção pela vertente pós-moderna, a
416
BRASIL. Conselho Nacional de Edu- ções. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
cação/Câmara de Educação Superior. p. 57-82.
Dispõe sobre a carga horária míni-
ma e procedimentos relativos à in- INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ.
tegralização e duração dos cursos Campus Jacarezinho. Projeto Peda-
de graduação, bacharelados, na gógico do Curso de Eletrotécnica
modalidade presencial. Resolução do Campus Jacarezinho. Jacarezi-
nº 2, de 18 de junho de 2007. Dispo- nho, PR: IFPR Campus Jacarezinho,
nível em: <http://portal.mec.gov.br/ 2017.
cne/arquivos/pdf/2007/rces002_07.
MORAES, F. de; KÜLLER, J. A. Currícu-
pdf>. Acesso em: 20 jul. 2017.
los integrados no ensino médio e
CARNEIRO, M. A. Os projetos juvenis na educação profissional: desafios,
na escola de ensino médio. Brasília, experiências e propostas. São Paulo:
DF: Interedisciplinar, 2001. Editora Senac, 2016.
418
ENSINO MÉDIO INTEGRADO: FUNDAMENTOS E IN-
TENCIONALIDADE FORMATIVA
João Kaio Cavalcante de Morais1, Ana Lúcia Sarmento Henrique2
1 e 2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologiado
do Rio Grande do Norte – IFRN
E-mail: kaio-ca-valcante@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO teórico-metodológico.
De acordo com a Lei de Diretri-
O presente artigo surge como um
zes e Bases da Educação Nacional nº
recorte de uma pesquisa maior em
9.394/1996 (LDBEN nº 9.394/1996),
nível de mestrado vinculada ao Pro-
art. 36-A, o Ensino Médio Integra-
grama de Pós-Graduação em Edu-
do (EMI) é uma das possibilidades
cação Profissional (PPGEP) do Insti-
de oferta do Ensino Médio (EM) no
tuto Federal de Educação, Ciência e
Brasil. Ainda segundo o dispositivo,
Tecnologia do Rio Grande do Norte
o EMI deve ser oferecido somente a
(IFRN).
quem já tenha concluído o Ensino
O artigo tem como objetivo des- Fundamental (EF), sendo o curso pla-
crever os fundamentos teóricos e a nejado de modo a conduzir o aluno
intencionalidade formativa que per- à habilitação profissional técnica de
meia a proposta do Ensino Médio nível médio, na mesma instituição de
Integrado à Educação Profissional ensino, contando com matrícula úni-
(EMI) no Brasil. Para isso, recorre- ca para cada aluno.
mos aos estudos de autores como
O último senso escolar (MEC,
Ciavatta (2012), Moura, Lima Filho e
2016) mostra que o país conta com
Silva (2012) e Ramos (2015), o que
1,9 milhão de matriculados na Edu-
configura nossa pesquisa enquanto
cação Profissional (EP1), desse total,
bibliográfica, tendo o materialismo
aproximadamente 500 mil estão cur-
histórico-dialético como referencial
1 Inclui curso técnico concomitante e subsequente, integrado ao Ensino Médio Regular, nor-
mal/magistério, integrado à Educação de Jovens e Adultos (EJA) de níveis fundamental e
médio, Projovem Urbano e Formação Inicial e Continuada (FIC) fundamental, médio e con-
comitante.
420
uma abordagem sobre a função da de àquelas de EM propedêutico, em
Educação na sociedade capitalista, sua maioria privadas, que têm como
comenta que essa divisão da socie- objetivo formar os filhos da classe
dade fortalece o modo de produção dominante ou dos donos dos meios
capitalista que se baseia na valori- de produção. Em contrapartida, o
zação diferenciada do trabalho inte- segundo grupo de escolas, em sua
lectual e do trabalho manual, do tra-maioria pública, recebe os filhos da
balho complexo e do trabalho dito classe trabalhadora com o intuito de
como simples. ofertar-lhes uma formação também
Kuenzer e Grabowski (2006), por de caráter propedêutica, mas sem o
sua vez, alertam que cada socieda- alto nível de conteúdo do primeiro
de, em cada modo de produção e grupo de escolas apresentadas.
regimes de acumulação, dispõe de Percebemos, no Brasil, que os es-
formas próprias de educação que tudantes filhos da classe dominante
correspondem às demandas de cada estudam nas melhores escolas parti-
grupo e das funções que lhes cabem culares do país, nas quais é ofertada
desempenhar na divisão social e na uma educação de caráter conteudis-
técnica do trabalho. ta, baseada na escola humanista. A
Dito de outra forma, essa separa- essas escolas cabe a função de pre-
ção afeta diretamente a escola, que, parar os filhos da classe dominante
por sua vez, também apresenta um para assumir as melhores vagas das
caráter dual, tendo em vista que a universidades públicas, ou até mes-
mesma se encontra imersa no con- mo, em um movimento mais recen-
texto social do modo de produção te, prepará-los para o Exame Nacio-
capitalista e, apesar de apresentar nal do Ensino Médio (Enem).
forças antagônicas internamente, Por outro lado, a maioria dos jo-
são submissas – mesmo resistindo – vens da classe trabalhadora, ao in-
aos interesses da lógica capitalista. gressarem no EM, deparam-se com
Moura (2013), referindo-se espe- uma realidade diferente da apre-
cificamente ao EM, comenta que, no sentada acima, posto que as escolas
Brasil, existem dois grandes grupos onde eles estão incluídos não pre-
de escolas2. O primeiro correspon- param o sujeito nem para dar pros-
2 Dentro de cada um dos grupos, existem outras subdivisões. Para melhor aprofundamento,
indicamos a leitura do texto de Moura (2013).
422
A ciência é a reunião dos conhe- uma centralidade geral e não espe-
cimentos produzidos pela humani- cífica na sociabilidade humana. A
dade em processos mediados pelo tecnologia passou a ter um lugar de
trabalho, pela ação humana, que centralidade em quase todas as práti-
se tornam legitimados socialmente cas sociais, em particular, no proces-
como conhecimentos válidos por- so educativo e de pesquisa. Assim,
que explicam a realidade e possibili- o trabalho como categoria central
tam a intervenção sobre ela. Portan- de produção de saber, bem como a
to, trabalho e ciência formam uma ciência e a tecnologia são indissociá-
unidade, uma vez que o ser humano veis (LIMA FILHO, 2005).
foi produzindo conhecimentos à me- Em consonância com as abor-
dida que interagiu com a realidade, dagens teóricas propostas por Lima
com a natureza e se apropriou dela Filho (2005) e Moura (2007), Demo
para suprir suas próprias necessida- (2006) evidencia, em estudo para-
des (RAMOS, 2015). lelo, que a pesquisa tem um caráter
Outro elemento, que constitui político, ou, como ele prefere cha-
a formação humana integral e que mar, uma atitude política, sem redu-
está relacionada com os dois consti- cionismo e embaralhamento, num
tuintes discutidos anteriormente, é a todo só dialético. Segundo o autor,
tecnologia. Compreendemos, nesta a pesquisa é o processo que deve
produção de dissertação, tecnolo- aparecer em todo trajeto educativo,
gia como a mediação entre ciência como princípio educativo que é, na
(apreensão e desvelamento do real) base de qualquer proposta emanci-
e produção (intervenção no real). De patória.
acordo com Moura (2007), é necessá- Visto isso, o outro constituinte da
rio compreender a tecnologia como formação humana de caráter integral
construção social complexa integra- é a cultura. Esta vem acompanhada
da às relações sociais de produção. de outros dois pressupostos: valores
Portanto, mais que força mate- e normas que orientam os grupos
rial da produção, a tecnologia, cada sociais. Ramos (2015, p. 4) diz que
vez mais indissociável das práticas os “grupos sociais compartilham va-
cotidianas, em seus vários campos/ lores éticos, morais, simbólicos que
diversidades/tempos e espaços, as- organizam a sua ação e a produção
sume uma dimensão sociocultural, estética, artística, etc.”.
424
Essa finalidade se impõe na edu- subordinada às exigências do capital
cação brasileira, especialmente no (TADDEI; DIAS; SILVA, 2015).
EM, pelo caráter dual da educação A proposta apresentada por esta
no país e a correspondente desvalo- pesquisa se contrapõe a esse sentido
rização da cultura do trabalho pelas de formação e de escola. Defende-
elites e pelos segmentos médios da mos uma formação humana integral,
sociedade, tornando a escola refra- na qual, ciência, tecnologia e cultura
tária a essa cultura e suas práticas. sejam os fundamentos de uma for-
Assim, a não ser por uma efetiva re- mação integral. Entendemos que o
forma moral e intelectual da socie- EM articulado à EP, enquanto última
dade, preceitos ideológicos não são etapa da EB, se constitui, a partir da
suficientes para promover o ingresso realidade brasileira, como espaço
da cultura do trabalho nas escolas, mais propício para que essa propos-
nem como contexto e, menos ainda, ta aconteça, justamente por sua pro-
como princípio (CIAVATTA; RAMOS, ximidade com as questões inerentes
2011). ao mundo do trabalho que deveriam
Além da formação humana inte- compor a formação dos jovens e
gral, o trabalho e a pesquisa são con- adultos.
siderados como princípios educati- Sendo assim, o objetivo ético e
vos na proposta de EMI na qual nos político da proposta do EMI e, con-
filiamos. sequentemente do nosso objeto de
É preciso ressaltar que não é dissertação, deveria incentivar que
qualquer forma de trabalho que os trabalhadores voltassem a ter o
pode ser considerada como princí- domínio sobre o conteúdo do pró-
pio educativo. Precisamos esclarecer, prio trabalho e, dessa forma, tives-
antes de expor as bases do trabalho sem melhores condições para en-
como princípio educativo, que, com frentar a contradição entre capital e
efeito, o trabalho que explora, que trabalho, na perspectiva da supera-
aliena, que degrada, que bestializa, ção do modo de produção capitalis-
por óbvio, não pode servir de princí- ta, pela via do aprofundamento de
pio para a construção de um projeto suas contradições internas (MOURA,
de educação emancipatória e trans- LIMA FILHO; SILVA, 2012).
formadora, muito pelo contrário, O trabalho como princípio edu-
porque, dessa forma, a escola ficaria cativo vincula-se, então, à própria
426
Santomé (1998). O autor evidencia tureza – discutido ao longo desta
que este, enquanto projeto, pode ser produção. O segundo remete à rea-
compreendido como um guia para lidade concreta. Disso decorre outra
os encarregados de seu desenvol- perspectiva, de ordem epistemológi-
vimento, um instrumento útil para ca, que consiste em compreender o
orientar a prática pedagógica, uma conhecimento como uma produção
ajuda para o professor. Por esta fun- do pensamento pela qual se apreen-
ção, o currículo não pode limitar-se de e se representam as relações que
a enunciar uma série de intenções, constituem e estruturam a realidade
princípios e orientações gerais que, objetiva (RAMOS, 2012).
por excessivamente distantes da re- Dessa forma, entendemos que a
alidade das salas de aula, sejam de proposta de currículo aqui tratada
escassa ou nula ajuda para os profes- abarca muito mais que apenas um
sores. conjunto de diretrizes para o con-
A proposta, em que esta investi- texto das práticas escolares. Defen-
gação se firma, incorpora elemen- demos uma proposta ético-político-
tos das análises de Santomé (1998), formativa, imbuída da concepção de
entretanto vai além, ao definir, de luta de classes, na qual trabalho, ci-
forma mais clara, as finalidades da ência, tecnologia e cultura são indis-
formação: possibilitar às pessoas sociáveis da formação crítica, eman-
compreenderem a realidade para cipatória e transformadora.
além de sua aparência fenomênica, Com relação a isso, Moreira e Silva
buscando transformá-la. Os conte- (2005, p. 7) comentam que o currícu-
údos de ensino não têm fins em si lo é um “artefato social” que expressa
mesmos, eles são conceitos e teorias as múltiplas determinações do con-
que constituem sínteses da apropria- texto em que está sendo trabalhado.
ção histórica da realidade material e Isso significa dizer que o currículo
social pelo homem (RAMOS, 2015). não é neutro, ele tem intenções – po-
Ramos (2015) aponta três pressu- dem ser implícitas ou explícitas – que
postos que deveriam fundamentar vão demonstrar o tipo de sociedade
a organização curricular numa pers- que se tem ou se pretende (com)for-
pectiva integrada: o primeiro deles mar, o tipo de educação que se pre-
é a concepção de homem como ser tende para o sujeito inserido nessa
histórico-social que age sobre a na- sociedade.
428
conhecimento e, por isso, são insubs- como econômica, produtiva, social,
tituíveis. Na visão dele, o que existepolítica, cultural e técnica. Os concei-
entre esses componentes do currí- tos, enquanto força impulsionadora
culo é invisível e as conexões entre para esse estudo, revertem-se em
elas – as disciplinas – também são conteúdos de ensino sistematiza-
invisíveis. No entanto isso não sig- dos nas diferentes áreas de conhe-
nifica que seja necessário conhecer cimentos e suas disciplinas. Por esse
somente uma parte da realidade, é caminho, percebemos que conhe-
preciso, sim, ter uma visão que possa cimentos gerais e conhecimentos
situar o conjunto. profissionais – o caso da formação
O que se pretende evidenciar até no EMI – somente se distinguem me-
aqui é a necessidade de refletirmos todologicamente e em suas finalida-
sobre o papel das múltiplas relações des situadas historicamente; todavia,
na constituição dos conceitos e das epistemologicamente, esses conhe-
teorias na organização dos compo- cimentos formam uma rede de signi-
nentes curriculares, bem como no ficados e relações (RAMOS, 2012).
processo de ensino e aprendizagem. É importante ressaltar que a inte-
No tocante a isso, evidenciamos que gração de componentes curriculares
os componentes – Língua Portugue- considerados de formação geral e de
sa, Matemática, Química, Geografia, formação específica – leia-se: volta-
Biologia, entre outras – apresentam dos para a futura profissão –, ao lon-
papel fundamental para que possa- go do curso, exige uma relação entre
mos compreender os aspectos em- esses conhecimentos que seja cons-
píricos da realidade. Entretanto eles truída continuamente ao longo da
não podem ser vistos de forma dis- formação, e não de forma dissociada
sociada ao estudar um objeto – por e desarticulada.
exemplo, o aquecimento global –, A interdisciplinaridade, como
precisam ser efetivados a partir das fundamento pedagógico, é a recons-
múltiplas relações de seus consti- tituição da totalidade pela relação
tuintes, considerando-se os demais entre os conceitos originados a par-
elementos das outras disciplinas. tir de distintos recortes da realidade;
Sob esse prisma, um processo de isto é, dos diversos campos da ciên-
produção, como parte de uma reali- cia representados em componentes
dade mais completa, pode ser estu- curriculares. Esse processo de inte-
dado em múltiplas dimensões, tais gração entre várias disciplinas e cam-
430
No decorrer do texto vimos que o Para alcançarmos tal intento, é
modo de produção capitalista gerou necessária uma profunda reorgani-
uma dualidade estrutural na escola, zação do nosso sistema de ensino,
sobretudo na última etapa da EB, ou o que perpassa, primeiramente, por
seja, no EM. No Brasil, essa perspecti- investimentos em educação assegu-
va é bastante preponderante, tendo rados a partir de políticas públicas de
em vista que um número restrito da Estado.
população tem acesso a uma educa- Sendo assim, ressaltamos que
ção de caráter propedêutico e que a garantia da oferta do EMI não ga-
prepara para o ensino superior, en- rante a efetividade dos fundamentos
quanto um grande número de pes- norteadores da proposta que locali-
soas abandona a escola pela neces- zamos na literatura especializada.
sidade de trabalhar.
A efetivação da proposta do EMI
Nesse sentido, o EMI surge como tem a formação humana integral, o
alternativa viável para os jovens da trabalho e pesquisa como princípios
classe trabalhadora, uma vez que, educativo. Já o currículo integrado
em suas bases epistemológicas, tem perpassa algumas dimensões. Pode-
o intuito de resgatar a formação hu- mos citar três delas, mas não resumi-
mana integral, o trabalho e a pes- remos apenas a elas.
quisa como princípios educativos e
o currículo integrado. Além de uma Uma primeira dimensão é a pro-
formação que proporcione ao estu- dução acadêmica a respeito do tema.
dante o domínio do conteúdo his- O EMI carece de maiores discussões
toricamente construído pela huma- teóricas e, principalmente, trabalhos
nidade, o EMI deve possibilitar uma acadêmicos empíricos que ressaltem
formação técnica, com um caráter o que venho sendo desenvolvido no
crítico e emancipatório. EMI. Uma segunda dimensão diz res-
peito à adesão e unidade das escolas
Estamos nos referindo, portanto, que ofertam ao EMI a formação hu-
a uma proposta de ensino que tem, mana integral, o trabalho e pesquisa
em suas bases, um caráter crítico e como princípios educativos e o cur-
transformador, que visa incluir sujei- rículo integrado. Uma última dimen-
tos problematizadores no contexto são perpassa a formação inicial e
das contradições internas do modo continuada de professores para atuar
de produção capitalista. em consonância com essa proposta.
432
tóricas da educação brasileira. In: 35ª RAMOS, M. O currículo para o ensino
REUNIÃO ANUAL DA ANPED – ASSO- médio em suas diferentes modalida-
CIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADU- des: concepções, propostas e proble-
AÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO. mas. Educação e Sociedade, Campi-
35. 2012, Porto de Galinhas. Anais... nas, v. 32, n. 116, p.771-788, jul. 2011.
Porto de Galinhas: Anped, 2012. p. 1
- 41. ______. Possibilidades e desafios na
organização do currículo integrado.
______. Mudanças na sociedade bra- In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RA-
sileira dos anos 2000 limitadas pela MOS, M. (Org.). Ensino Médio Inte-
hegemonia do neoliberalismo: impli- grado: Concepção e Contradições. 3.
cações para o trabalho e para a edu- ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 107-
cação. In: MOURA, Dante Henrique 129.
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Acesso em: 29 out. 2015.
1 Nos cursos técnicos concomitantes, o aluno possui duas matrículas distintas: uma no curso
técnico e outra no Ensino Médio, sendo que, ao final do curso, ele receberá duas certifica-
ções, uma referente a cada matrícula. O aluno poderá cursar o ensino técnico e o ensino
médio em uma mesma instituição ou em instituições distintas.
2 Nos cursos técnicos subsequentes, o aluno, ao matricular-se, deverá apresentar o históri-
co de conclusão do Ensino Médio. Em algumas instituições, esse tipo de curso é nomeado
como “curso pós-médio”.
434
tar e a ação de pesar, dirigir, plane- (2010), com essa mesma perspectiva,
jar. Trata-se de superar a redução da
destacam que o caminho até a edu-
preparação para o trabalho ao seu
aspecto operacional, simplificado, cação integral foi trilhado na busca
escoimado dos conhecimentos que de superação de “dicotomias e dua-
estão na sua gênese científico-tec-
lidades” historicamente instituídas
nológica e na sua apropriação his-
tórico social. Como formação hu- no Brasil, devido à separação entre
mana, o que se busca é garantir ao teoria e prática, entre o ensino para
adolescente, ao jovem e ao adulto
classes sociais, entre o intelectual e o
trabalhador o direito a uma forma-
ção completa para a leitura do mun- profissional.
do e para a atuação como cidadão
pertencente a um País, integrado A superação dessa formação visa
dignamente à sua sociedade políti- a uma formação técnica, intelectual,
ca (BRASIL, 2007, p. 41). cultural e política, no intuito de for-
mar não apenas trabalhadores, mas
A proposta da integração surge sujeitos capazes de atuar no mundo
no processo histórico de luta da clas- do trabalho de forma crítica, ativa e
se trabalhadora contra a formação comprometida com a transformação
para o mercado até então determi- da sociedade. Frigotto (2005, p. 74)
nada pela sociedade capitalista: destaca que, para que essa proposta
A formação integrada entre ensi-
realmente aconteça, é fundamen-
no geral e educação profissional tal desenvolver os fundamentos das
ou técnica (educação politécnica, diferentes ciências, facultando aos
ou talvez tecnológica) exige que
se busquem os alicerces do pensa-
estudantes a “capacidade analítica
mento e da produção da vida além tanto dos processos técnicos que en-
das práticas de educação profis- gendram o sistema produtivo quan-
sional e das teorias da educação
propedêutica que treinam para o
to das relações sociais”.
vestibular. Ambas as práticas, ope- Todavia Ramos (2005) ressalta
racionais e mecanicistas e não de
formação humana no seu sentido que é preciso ultrapassar algumas
pleno (CIAVATTA, 2005, p. 94). práticas da educação globalizada
como o currículo por competências
e a fragmentação dos conteúdos:
Também para Ciavatta (2005), a
Sob essa perspectiva [da integra-
ideia de “formação integrada” sugere
ção], os conteúdos de ensino não
a superação do ser humano dividido têm fins em si mesmos nem se li-
historicamente pela divisão social do mitam a insumos para o desenvol-
vimento de competências. Os con-
trabalho. Castro, Machado e Vitorette
teúdos de ensino são conceitos e
436
rados eixos articuladores, são peças zir-se e reproduzir-se por sua ação
fundamentais para a organização de consciente. Não podemos descon-
propostas curriculares do currículo siderar que é, por meio do trabalho,
integrado: compreender homens e que os seres humanos, desde sua in-
mulheres como seres históricos so- fância, socializam suas experiências
ciais, o trabalho como princípio edu- quer para suprir suas necessidades fi-
cativo, a pesquisa como princípio siológicas e/ou biológicas, quer para
educativo para a construção da au- suprir suas necessidades sociais.
tonomia intelectual do educando, a Se se pretende, porém, assumir
realidade concreta como totalidade, a pesquisa como princípio da inte-
síntese das múltiplas relações e a in- gração, a disposição investigativa
terdisciplinaridade, a contextualiza- deve ser “intrínseca ao ensino desde
ção e a flexibilidade. a educação básica e estar orientada
Entretanto, para compreender ao estudo e à busca de soluções para
homens e mulheres como seres his- questões práticas do dia a dia do
tórico-sociais, torna-se imprescindí- meio em que vive o estudante” (BA-
vel considerar os educandos como RACHO; SILVA; PEREIRA, 2007, p. 4).
“seres capazes de transformar a reali- Por isso, é preciso ter sempre em
dade, seres que buscam autonomia, perspectiva a necessidade de tomar a
auto-realização e emancipação atra- realidade concreta como totalidade,
vés de sua participação responsável o que significa concebê-la como “um
e crítica nas esferas sócio-econômi- todo dialético e estruturado, produ-
co-políticas” (BARACHO et al., 2006, zido por um conjunto de fatos que
p. 26). se inter-relacionam e que podem ser
É com essa concepção dos sujei- compreendidos, mas não predeter-
tos que se pode tomar o trabalho – minados ou previstos”. Esse eixo, pro-
um dever e um direito (FRIGOTTO, posto por Baracho et al. (2006) está,
2005) – como princípio educativo, portanto, diretamente relacionado
pois, se todos devem colaborar na com os dois eixos anteriormente
produção de bens culturais, mate- apresentados, o trabalho e a pesqui-
riais e simbólicos, imprescindíveis à sa como princípios educativos, pois
vida, o ser humano tem o direito de possibilitaria ao estudante desenvol-
se constituir como um ser da nature- ver a capacidade de compreensão
za, capaz de transformar-se, produ- do conhecimento globalizado.
438
uma que considere o trabalho como 2. CONTEXTO DA EXPERIÊNCIA
contexto de formação, daí resultan-
do o ensino médio integrado aos
cursos técnicos de nível médio; ou- Neste relato de experiência, bus-
tra que considere ciência e tecno- camos apresentar e discutir uma si-
logia como contexto de formação, tuação de sala de aula ocorrida no
resultando em iniciação científica
e tecnológica; e uma terceira que ano de 2015, durante a aula de Ma-
considere a cultura como contexto temática, de uma turma de Técnico
de formação, resultando na amplia- em Agente Comunitário de Saúde in-
ção da formação cultural (RAMOS,
2008 apud MOURA, 2010, p. 11). tegrado ao Ensino Médio, na moda-
lidade Proeja do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do
Ainda nesse sentido, Moura Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste
(2010, p. 5) ressalta que não podemos MG). Não discutiremos os princípios,
perder as “construções conceituais as concepções e a história do Proeja3,
e as práticas pedagógicas” que são visto que nosso foco aqui é a propo-
forjadas no Ensino Médio Integrado, sição do currículo integrado.
pois poderão ser estratégicas no de-
A turma era composta por 17 es-
senvolvimento de um Ensino Médio
tudantes, sendo apenas 2 do sexo
Integrado não profissionalizante,
masculino e a coleta de material
favorecendo a integração entre a
empírico contou com registro das in-
educação profissional e a educação
terações que aconteciam na sala de
básica, em seu sentido politécnico e
aula e nos demais espaços de forma-
tecnológico.
ção em diário de campo, gravação
em áudio e vídeo.
3 Para os interessados, sugiro a leitura da tese “O PROEJA vai fazer falta”: uma análise de
diferentes projetos educativos a partir dos discursos de estudantes nas aulas de Matemá-
tica, disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/
BUBD-A7VPWU/paulamirandatesecorrigidafinalcomfichacatalografica.pdf?sequence=1>.
Acesso em: jan. 2016
440
Jaqueline: A Lêda falando de Biologia: azinho, azão...
Professor Romaro: Ah...sim! A genética, né? Muito bem
pensado. Vocês verão que lá trabalha o quê? Já chegaram na
parte de porcentagem?
Alunos: Ah sim...
Professor Romaro: Vinte e cinco por cento...
Angélica: Biologia é Matemática. Química hoje teve Mate-
mática.
O professor chama a atenção da turma para a tabela escrita
no quadro e retoma a resolução do exercício.
442
(2005), Kuenzer (2005), entre outros, articulados" (LOPES; MACEDO, 2011,
ainda que desenvolvidos sob pers- p. 134). A partir dessa compreensão,
pectivas diversas. O vasto interesse as alunas reafirmam a proposição do
pela integração permeia, também, professor acerca do envolvimento da
os discursos tecnicistas com a preo- Matemática com outras áreas do co-
cupação de que o estudante tenha nhecimento (Ah... sim! A genética, né?
acesso a “uma visão cada vez mais Muito bem pensado. Vocês verão que
unificada” do conhecimento, permi- lá trabalha o quê? Já chegaram na
tindo-lhe aplicá-lo em muitas situa- parte de porcentagem?), mencionan-
ções de sua vida cotidiana “de forma do outras possibilidades de articula-
que haja uma unidade cada vez mais ção vivenciadas em sua experiência
integrada em seus pontos de vistas, escolar (Biologia é Matemática. Quí-
aptidões e atitudes” (TYLER, 1978, p. mica hoje teve Matemática).
78-79). A integração potencial, mas
Lopes e Macedo (2011), ao ana- nem sempre oportunizada na sala
lisarem o estudo de Ivani Fazenda de aula, é reconhecida pelos alunos
sobre interdisciplinaridade (1995), e relaciona-se à proposta pedagó-
asseveram que “integrar via interdis- gica que se coloca em prática e aos
ciplinaridade significa alcançar um modos como se organiza a forma-
nível de profundidade, ao mesmo ção ofertada nos diferentes níveis e
tempo ampla e sintética, capaz de fa- instâncias de decisão nesse curso de
zer emergir potencialidades ocultas Proeja (distribuição dos tempos, defi-
nos alunos” (LOPES; MACEDO, 2011, nição de currículo, regime de ofertas,
p. 134). preparação dos professores, apoio
No episódio que analisamos, pedagógico institucional, elabora-
mesmo a frágil proposta de integra- ção e apropriação dos documentos
ção, enunciada pelo professor, e os que regem o curso).
momentos efêmeros em que ela é Mesmo tomando por base uma
vivenciada pelos estudantes no cur- perspectiva tecnicista, vale o alerta
rículo do curso alimentam, nos alu- sobre as dificuldades de se conseguir
nos do Proeja, uma compreensão a integração se a organização curri-
de que “uma dada disciplina escolar cular é composta de muitas partes
incorpora objetivos de formas de co- – no caso desse curso, são 31 discipli-
nhecimento diversas, genuinamente nas para dois anos de curso.
444
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS nero (SILVA, 2010, p. 27). As interven-
ções desses estudantes reiteram que
Esta análise nos confronta com o “currículo está centralmente en-
a capacidade de alunos e alunas em volvido naquilo que somos, naquilo
fazer uma leitura crítica de uma re- que nos tornamos, naquilo que nos
alidade que eles percebem e viven- tornaremos”.
ciam em suas múltiplas dimensões,
Nesse sentido, como educadores,
não raro concebidas por eles e elas
precisamos estar atentos e abertos
de modo integrado, em sua forma de
ao modo como nossas alunas e nos-
ver o mundo e nele agir, em especial,
sos alunos reelaboram discursos e se
no que se refere ao mundo do traba-
posicionam em relação aos diversos,
lho, que emerge dentro e fora da sala
e por vezes conflitantes, projetos
de aula.
educativos que interagem na sala de
Nesse contexto, a valorização da aula, para assim podermos compre-
escolarização é reforçada pelos alu- ender como o currículo integrado,
nos e, com ela, a valorização da ma- vivenciado nessa nova oportunida-
temática escolar. Os discursos dos de de escolarização, contribui para
especialistas são legitimados pelos sua formação humana e profissional,
estudantes que, entretanto, lidam de para a constituição de sua identida-
maneira tática com as dissonâncias e de de sujeitos.
os distanciamentos existentes entre
Desse modo, cabe a nós, profes-
os documentos que regem o curso
sores, técnicos em educação e ges-
(documento-base, projeto pedagó-
tores da para Educação Profissional
gico do curso, programas analíticos
e Tecnológica (EPT), fazer de seu
das disciplinas) e as atividades reali-
currículo um campo aberto, em que
zadas nos espaços de formação (sala
sentidos possam ser disseminados
de aula, laboratórios, ambientes de
de forma polissêmica, em que se
visitas técnicas e estágios).
possam reconhecer as identidades
Assim, alunas e alunos nos ensi- produzidas (SILVA, 2010) e em que
nam que não podemos ver o currícu- se possa constituir, assumir e discutir
lo, em especial o currículo de Mate- uma concepção de cidadãos emanci-
mática, como um simples espaço de pados (BRASIL, 2007), críticos e livres
transmissão de conhecimento, mas (FREIRE, 1967, 1974, 2014), capazes
sim como produtor e organizador de de compreender o mundo do traba-
identidades culturais, raciais e de gê- lho e de se compreender nele.
446
35. n. 1, p. 151-166. jan./abr. 2010. HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA,
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tica da liberdade. São Paulo: Paz e zabeth. Teorias de currículo. São
Terra, 1967. Paulo: Editora Cortez, 2011.
448
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO A PARTIR DA LEI Nº
13.415/2017: NOVA LEI – VELHOS INTERESSES – UM RECORTE
HISTÓRICO A PARTIR DO DECRETO Nº 2.208/97 AOS DIAS ATUAIS'
E-mail: cledilmacosta@hotmail.com
450
preocupados com a natureza a espe- lítica social, portanto, as mudanças
cificidade e complexidade desta área promovidas pelo Ministério da Edu-
de ensino, têm avançado considera- cação (MEC) na Educação Básica e
velmente na pesquisa e produção de profissional estão integradas a um
conhecimentos para fundamentá-la. projeto mais amplo de reforma do
Buscaremos, também, o aporte de estado, procurando responder a um
outras referências teóricas das ciên- novo momento do desenvolvimento
cias humanas e sociais para entender capitalista, determinado por influên-
a relação política e econômica no cia de teorias econômicas que articu-
âmbito da educação profissional. lam educação e desenvolvimento.
Como proporcionar ao aluno tra-
2. A PROPOSTA DE FORMAÇÃO balhador uma formação politécnica
PROFISSIONAL NO BRASIL DIAN- em uma sociedade perpassada pela
TE DA NOVA PEDAGOGIA DO divisão social e técnica do trabalho?
Responderemos a esta questão utili-
TRABALHO A PARTIR DA LEI Nº zando-nos de uma citação de Kuen-
9.394/1996 zer (1992, p. 149):
Mesmo considerando que o traba-
A década de 1990 foi marcada lho como princípio educativo cor-
por grandes reformas da educação responde à necessidade do capital
profissional, preconizada na Lei nº de formar seus intelectuais segun-
do as exigências da modernidade,
9.394/1996, que, nos dizeres de Pe- a escola politécnica é por essência
reira (2003, p. 35), a escola demandada pela classe tra-
contraria os propósitos educacio- balhadora, satisfazendo em parte as
nais voltados aos interesses da suas necessidades de transforma-
sociedade em seu conjunto, prin- ção da sociedade. E é exatamente
cipalmente os interesses das cama- esta contradição que pode tornar
das populares. E acrescenta, ‘ago- esse projeto viável; ou pelo menos,
ra a educação profissional parece estimular a que se invista nele, se-
acompanhar a desregulamentação não enquanto projeto imediato,
da economia, ou seja, está também pelo menos enquanto utopia, a di-
a serviço da competitividade dos rigir o esforço de criação das condi-
mercados’. ções necessárias à sua viabilização.
452
vinha buscando a superação de um dutivas e caracteriza uma tendência
modelo meramente técnico, me- mundial, aceita por empresários, tra-
diante a construção de um paradig- balhadores e governo.
ma de educação tecnológica capaz O Decreto nº 2.208/1997 veio na
de adaptar-se a realidades diferen- contramão dessa proposta, anulan-
ciadas e que fosse mais compatível do a pretendida formação integra-
com as novas demandas do mundo da e regulamentando estratégias de
do trabalho. Em oposição à supera- formação aligeirada em função das
ção de modelo meramente técni- necessidades do setor produtivo,
co, observamos um retorno ao que segundo Frigotto (2005), em aten-
ocorria anteriormente na educação dimento ao Ministério do Trabalho e
brasileira – a questão da dualidade Emprego (MTE), por meio de sua po-
estrutural –, quando preconizava lítica profissional. Acrescenta o autor
que a Educação Profissional deveria que o enfoque na produtividade e no
ser ofertada em paralelo ou após a mercado foram tomados como nor-
conclusão do ensino médio e deter- teadores dos investimentos realiza-
minava que a continuidade dos estu- dos em formação profissional, e não
dos dependia do certificado de con- mais o direcionamento para uma for-
clusão do Ensino Médio. mação omnilateral de dimensões hu-
O conhecimento, nesse contex- manas e técnicas que se pretendia.
to, reassumia uma dicotomia entre A exigência da necessidade de
o saber acadêmico e o saber para uma formação científica e tecnoló-
o trabalho, prevalecendo a heran- gica de alto nível que forme traba-
ça teórica, em detrimento do saber lhadores polivalentes e com elevado
produzido coletivamente no interior grau de abstração, requisitos indis-
do processo produtivo, “da crescente pensáveis à reestruturação produti-
incorporação da ciência ao mundo va, foi premissa básica da proposta
do trabalho e das relações sociais, da de Educação Profissional posta na
indissociável articulação entre ciên- LDBEN nº 9.394/1996.
cia, cultura e trabalho, entre pensar
e fazer, entre refletir e agir” (KUEN- Para Almeida (2000, p. 14), o en-
ZER,1999, p. 121-138). Ainda segun- foque da educação orientada para
do a autora, esta exigência de forma- o “desenvolvimento”, presente du-
ção é demandada pela nova etapa rante a década de 70 no Brasil e que
de desenvolvimento das forças pro- norteou a LDBEN nº 5.692/1971, foi
454
da organização da escola como uma rio neoconservador ou neoliberal e
da afirmação e ampliação da desi-
relação de poder e de investimento
gualdade de classes e do dualismo
público que só se justifica para os na educação (FRIGOTTO; CIAVATTA;
mais competentes; são esses que po- RAMOS, 2005, p. 53).
dem investir individualmente e ter
acesso à educação numa perspectiva O que se pretendia com o proje-
de verticalidade, que deixa de ser da to de educação em 1988 foi, de cer-
ação do Estado, passando a ser res- ta forma, como diz Frigotto (2005, p.
ponsabilidade individual e deixando 37), retomado no novo Decreto de
de ser direito de cidadania. nº 5.154/2004, possibilitando, inclu-
Esses elementos de reflexão so- sive, a ampliação de seus objetivos,
bre o Decreto nº 2.208/1997 servi- apesar das contradições e disputas.
ram para ilustrar de maneira históri- O autor se coloca dizendo que, “em
ca a trajetória da educação brasileira termos ainda formais, o referido
e situar a dimensão espaço-temporal decreto tenta reestabelecer as con-
na reconstrução histórica da reforma dições jurídicas, políticas e institu-
do ensino técnico-profissional. cionais que se queria assegurar na
A revogação do Decreto nº disputada LDBEN na década de 80.”
2.208/97 e a promulgação do De- Afirma, ainda, que sua efetivação vai
creto nº 5154/2004 se deu em meio depender do sentido em que se de-
a posições contrárias. Para os envol- senvolva a disputa política e teórica,
vidos com a sua elaboração, “a gêne- ou seja, “o desempate entre as forças
se das controvérsias está na luta dos progressistas e conservadoras pode-
anos 80, pela redemocratização do rá conduzi-lo para a superação do
país e pela ‘remoção do entulho au- dualismo na educação brasileira ou
toritário’” (FRIGOTTO, 2005, p. 22). consolidá-la definitivamente”.
456
de fazer uma reforma numa etapa da atende às expectativas da maioria
educação brasileira reconhecida por dos jovens brasileiros. O que ocorre,
sérios problemas estruturais e histó-ao contrário do que prega o governo,
ricos, desconsiderando a importân- é a consolidação de um ensino dire-
cia da participação da sociedade no cionado para setores diferentes da
debate que a questão exige. sociedade e a possibilidade de esva-
Compreendemos que a política ziamento do ensino técnico de nível
reducionista da formação básica, em médio. Essas duas realidades assim
relação ao tempo curricular e a não se apresentam: uma voltada prefe-
obrigatoriedade de oferta de áreas rencialmente para a garantia da for-
do conhecimento em todos os anos mação básica necessária ao ingresso
do Ensino Médio, terá desdobramen- no Ensino Superior, e outra, fragmen-
tos imediatos para a Educação Básica tada e esvaziada de conteúdos fun-
e para a Educação Profissional. damentais para a solidificação de
uma consciência mais crítica da rea-
A reforma do Ensino Médio, que lidade existente e sem atrativos para
se dá acompanhada de grandes a classe pretendida.
embates políticos e ideológicos, faz
parte de um redirecionamento das Quanto à Educação Profissional
políticas de formação, implemen- de nível técnico, parece que a velha
tada pela “nova velha” proposta de cena se repete: terminalidade dos
formação traçada no bojo dessa lei. estudos para os setores populares,
Ao retirar do seu interior o ensino refletindo um controle do conheci-
acadêmico necessário a uma forma- mento para pequenos estratos da
ção humana, essa proposta não só sociedade.
mantém a dualidade histórica no sis- Nesse sentido, os estudantes das
tema educacional, como, ao mesmo camadas populares matriculados
tempo, torna cada vez mais distante nas escolas públicas de Educação
para os setores populares a concre- Profissional, ao estarem realizando
tização de um modelo de educação um curso profissionalizante de nível
que objetive formar o homem na sua médio, encontrarão dificuldades em
dimensão omnilateral. prosseguir seus estudos no Ensino
O governo, em seu discurso em Superior, por perceberem que exis-
defesa da reforma, disse ter pos- te, além de um conjunto de fatores
to fim a um ensino médio que não de ordem econômica e social que os
458
sico e específico – contemplando os 5. CONCLUSÃO
conteúdos científicos, tecnológicos,
culturais e sócio-históricos; a capa- O presente texto buscou refletir
cidade de articular e integrar as di- acerca das implicações causadas pela
mensões do currículo, para atender Reforma da Educação Profissional,
aos princípios da educação continu- especificamente tratando dos des-
ada e à verticalização da carreira de dobramentos da Lei nº 13.415/2017
formação profissional e superior; e a para o EMI.
capacidade de mobilizar os conhe- Compreendemos que, diante da
cimentos para o exercício da ética e atual conjuntura política e econômi-
da cidadania, articulando os saberes ca, uma proposta de educação, numa
curriculares aos do mundo do traba- perspectiva de formação integrada,
lho e aos das relações sociais – serão está longe de ser efetivada. Isso, em
impossíveis de serem concretizados.. grande parte, deve-se ao fato de
Saviani (1987), na sua obra Sobre a que as atuais políticas para a Educa-
concepção dialética de politecnia: po r ção Profissional estão pautadas num
uma outra política educacional, refor- paradigma tecnicista de educação,
çando a ideia de que a dualidade en- em que o ensino está fundamental-
tre Educação Profissional e educação mente, a serviço das necessidades
geral deve ser compreendida a par- econômicas e às exigências do setor
tir das relações capitalistas de pro- produtivo.
dução, explica que a fragmentação As instituições de educação pro-
existente no processo educacional fissional têm passado por uma fase
é a própria expressão de apropria- em que as mudanças no mundo da
ção desigual da produção material produção – marcada pelo forte in-
existente. Da mesma forma que se cremento tecnológico e científico –
observa uma divisão entre proprie- exigem que se avaliem seus modelos
tários e não proprietários dos meios pedagógicos, para que estes deem
de produção, estabelece-se também, conta de formar o trabalhador para
no processo de ensino, uma dualida- atuar em todos os setores da eco-
de entre o ensino para aqueles que nomia, com capacidades intelectu-
devem comandar (ensino científico ais que lhe permitam adaptar-se ao
intelectual) e o ensino profissionali- novo sistema produtivo.
zante para os que devem ser coman-
dados.
460
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Cortez, 1989. São Paulo: Xamã, 1999.
462
NOS ESTREITOS LIMITES A QUE NOS COAGEM O MERCADO DE TRABALHO E
O CURRÍCULO ESCOLAR, AINDA, PODEMOS NOS MEXER: PRÁXIS DOCENTE
NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO NA MODALIDADE DE EJA
464
possibilidades de reflexão sobre a a vida lá fora; os conteúdos são ne-
importante reação e resistência nes- cessários para as seleções que o alu-
te contexto histórico marcado pela no enfrentará no mercado; a compe-
imposição da reforma do Ensino Mé- tição é necessária, pois o mercado é
dio, em especial em relação às esco- competitivo, eles vieram desprepara-
dos do ensino fundamental, por isso
las públicas, dentre elas os Institutos
Federais (IFs), buscar-se-á dar visi- não aprendem entre muitos outros
bilidade às experiências do Proeja, constructos sociais que vão se natu-
ofertado pelo Ifes – campus Vitória, ralizando e ganhando o viés de ver-
através do Curso Técnico em Guia de dade absoluta. Além disso, ouvimos
Turismo Integrado ao Ensino Médio colegas professores justificarem suas
na Modalidade de Educação de Jo- condutas de conformidade a essas
vens e Adultos. percepções com frases do tipo: as
Sem pretender concluir as con- coisas são assim mesmo, fazer o quê?
siderações, estarão voltadas para o Na reconhecida obra intitulada
despertar e o fortalecimento da co- Memórias do Cárcere, Graciliano Ra-
munidade escolar frente ao desafio mos nos oferece, logo nas primeiras
de desconstruir o sentido perverso páginas, um excelente argumento
da reforma do Ensino Médio impos- para refletir sobre essa questão. De
ta pelo atual governo e, desta forma, fato, pensando com base nas pala-
ressignificar o movimento de resis- vras do renomado escritor, não há
tência e de luta pelo ensino público contexto mais ou menos favorável
e de qualidade. para a ação política, há apenas o con-
texto, e ele será sempre atravessado
2. DESCONSTRUINDO O ESTÁGIO pelas tensões em disputa. Nesse sen-
DE LETARGIA NO CONTEXTO DA RE- tido, o agir político não se refere a
uma questão de oportunidade, mas
SISTÊNCIA POLÍTICA E DOS PRINCÍ- de convicção. Assim, partimos da
PIOS DA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA convicção de que a ação docente é
uma ação política que, por diversas
Cada dia que passamos nos in-
razões, se faz encharcada de justifi-
teriores da escola de nível médio,
cativas como as levantadas por Gra-
deparamo-nos com frases ou ideias
ciliano, apontando para uma parali-
que assumem a forma de axiomas:
sia, um enclausuramento da ação em
eles precisam estar preparados para
moldes preestabelecidos. E, assim,
466
pelos e nos princípios da justiça e da compreensão. Em outras palavras, é
igualdade. No discurso neoliberal, preciso exercer o olhar crítico sobre
a cidadania se faz no mercado por as condições objetivas das escolas
meio do consumo de bens. Daí a fre- dos Institutos, no sentido de escapar
quente associação entre cidadão e da armadilha que as associam à pre-
consumidor. A força dessa visão tem tendida e propalada qualidade da
sua evidência na descrença de que educação.
possam ser articuladas propostas al- Assim, propomos uma analogia
ternativas. com um trecho da epígrafe, retirada
Os Institutos Federais de Educa- da obra de Graciliano Ramos: entre
ção, Ciência e Tecnologia constituem os estreitos limites a que nos coagem
uma realidade formada por escolas o mercado de trabalho e o currículo
bem ou relativamente bem estrutu- escolar, ainda podemos nos mexer.
radas, com quadro docente de boa Com ela, procuramos exprimir o ca-
formação, com relativa autonomia ráter dialético que constitui o con-
pedagógica e financeira, com pro- texto da práxis docente no EMI ofe-
cessos eleitorais regulares e com boa recido pelos Institutos Federais, em
dose de protagonismo dos profissio- especial nos cursos Proeja. A escola
nais da educação e do ensino. Con- comprometida com a emancipação
texto bem diverso do que encontra- humana e a formação integral dos
mos na maioria das escolas públicas sujeitos educandos não resultará de
estaduais de nível médio. A partir prédios bem equipados, salas cli-
dessa realidade, tem sido comum a matizadas, bibliotecas com amplo
suposição de que as condições ofe- acervo, profissionais bem formados,
recidas pelas escolas (condições ob- dentre outras possibilidades. É notó-
jetivas, portanto) dos IFs, equivalem rio que esses fatores são importan-
a uma educação “de qualidade”. No tes no processo de afirmação dessa
entanto é preciso interrogar sobre o perspectiva de educação, porém, em
que se faz nas escolas dos IFs, pois, si mesmos, não conduzirão a esse
devido à sua ligação com a lógica do projeto, que resultará, de fato, da
capital, elas tendem a reforçar a du- luta política, na qual se contrapõem
alidade que marca a escola do Ensi- projetos de formação e de sujeitos.
no Médio, em vez de contribuir para Em outras palavras, as condições
superá-la por meio da oferta de cur- objetivas podem levar a determina-
sos integrados em sua totalidade de do tipo de educação e de qualidade,
468
FRIGOTTO; CIAVATTA; 2004, 2011), há do, a atual reforma do Ensino Mé-
a compreensão de que esta modali- dio reafirma ainda mais esta lógica
dade é atravessada por uma contra- perversa de disputa política. Sendo
dição histórica, explicada pela dua- assim, não podemos perder de vis-
lidade estrutural. No movimento de ta a importância e necessidade de
reflexão desta contradição, esboça- fortalecer nossa organização para
se o perfil dual, no qual entram em assim, junto com outros segmentos
disputa a formação para a cidadania sociais, contribuir para “constituir um
e a formação para o mercado de tra- projeto de ensino médio que supere
balho. Conforme Oliveira (2009. p. a dualidade entre formação específi-
54), ca e formação geral e que desloque
[...] A tentativa de universalizar a ar- o foco de seus objetivos do mercado
ticulação entre a formação geral e de trabalho para a pessoa humana”
a formação técnica não conseguiu
superar a dualidade histórica que
(RAMOS, 2004, p. 40).
persegue o Ensino Médio, pois as No âmbito da práxis docente,
escolas não se estruturaram a partir
de um novo princípio educativo, no esse desafio lançado por Ramos
qual o pensar e o fazer fossem con- (2004) perpassa a problematização
siderados expressões de um único de um dos pontos fundamentais
saber constituinte da identidade
humana. subjacentes ao meio escolar: os con-
teúdos de ensino. Predomina, nas es-
colas de Ensino Médio em geral e nas
Percebe-se, então, que a ques- escolas dos IFs em particular, uma
tão central colocada e que mobiliza compreensão de conteúdos como
muitos estudiosos do Ensino Médio saberes estabelecidos e que devem
interroga sobre o projeto subjacen- ser transmitidos. Em geral, essa per-
te à modalidade. As contradições de cepção os vê como conhecimentos
classe que compõem a sociedade exclusivos das matérias ou das disci-
brasileira ecoam também nas esco- plinas que se expressam em nomes,
las dos IFs e, quando trazemos à luz conceitos, princípios, enunciados e
o seu cotidiano, percebemos uma teoremas (ZABALA, 1998). É como se
naturalização das relações sociais eles fossem coisa em si, totalmente
hegemônicas na atual sociedade ca- satisfatórias e que trouxessem em si
pitalista e que valorizam a lógica da o necessário para a formação dos es-
competitividade, da submissão, da tudantes em sua totalidade social.
não ação política. Assim considera-
Entendemos que esta ideia em
470
[...] Apreender o sentido dos con- A importância de se alargar a
teúdos de ensino implica em reco-
compreensão dos conteúdos de en-
nhecê-los como conhecimentos
construídos historicamente e que sino significa entender a educação
se constituem, para o trabalhador, como uma prática ao mesmo tempo
em pressupostos a partir dos quais
técnica e política, devendo ser a mes-
se podem construir novos conheci-
mentos no processo de investiga- ma “atravessada por uma intenciona-
ção e compreensão do real (RAMOS, lidade teórica, fecundada pela signi-
2005, p. 108).
ficação simbólica”, sem, no entanto,
perder de vista a sua importante me-
Os conteúdos, portanto, devem diação com “a integração dos sujei-
ser aportes para uma formação hu- tos educandos nesse tríplice univer-
mana integral, que nos possibilite al- so das mediações existenciais: no
cançar as diversas dimensões do ser universo do trabalho, da produção
humano: cognitiva, política, cultural, material, das relações econômicas”.
afetiva, psicomotora, de relações Cabe reafirmar a citada integração
interpessoais etc. O conhecimento “no universo das mediações insti-
pressupõe um solo de relações so- tucionais da vida social, lugar das
ciais, que, por sua vez, são atraves- relações políticas, esfera do poder;
sadas pelo poder (SEVERINO, 1998). no universo da cultura simbólica, da
Ao assumir um caráter instrumental, experiência da identidade subjetiva,
os conteúdos de ensino – que nada esfera das relações intencionais” (SE-
mais são do que formas assumidas VERINO, 1998, p. 36).
pelo conhecimento socialmente pro- Em outras palavras, os conteúdos
duzido para atender às demandas são, sim, formas assumidas pelo co-
escolares – parecem se descolar do nhecimento cientificamente produ-
seu contexto e assumir uma auto- zido, mas são também – e ao mesmo
nomia que, no contexto da socieda- tempo – produções culturais, resulta-
de capitalista neoliberal, atende aos do de convenções e seleções e estão
interesses dos grupos socialmente cheios de carga valorativa. Não são,
privilegiados e detentores dos espa- portanto, neutros.
ços de poder, acabando por reforçar Há um aspecto ético nessa dis-
a dualidade presente, principalmen- cussão, muito bem colocado por
te, na recente reforma educacional Gramsci (1968, p. 119) ao discutir o
do Ensino Médio, imposta pelo atual papel da cultura geral na formação
governo. dos indivíduos:
472
Sabemos que o processo de matização que manifesta um olhar
aprendizagem não é limitado apenas pedagógico. Resultam, portanto, de
à relação professor-aluno. Mas essas trabalho. Se hoje eles servem a uma
situações hipotéticas nos ajudam a lógica de competição e desigualdade
desconstruir a suposta neutralidade que se retroalimenta e se perpetua a
dos conteúdos de ensino e inserir partir da escola, é preciso mexer as
na ordem do dia a reflexão sobre os peças, provocar fissuras, inverter a
tipos de pessoas que iremos formar lógica, fazendo-a movimentar em fa-
em nossas escolas. De alguma forma, vor de uma formação voltada para a
temos responsabilidades que se con- pessoa e para a vida em uma socie-
cretizam em manifestações de ale- dade justa e igualitária.
grias, tristezas ou frustrações. Portanto, na tentativa de diálogo
Acreditamos que os conteúdos entre conteúdos e realidade vivida
devem ser pensados e trabalhados e vivenciada pelos estudantes e a
no âmbito da relação tripartite entre relação desse diálogo com a pers-
Trabalho, Ciência e Cultura (RAMOS, pectiva de formação onmilateral, ca-
2004; FRIGOTTO; CIAVATTA; 2004). paz, portanto, de afirmar o trabalho
Nessa relação, que não é linear, cada enquanto princípio educativo, apre-
ponto interfere no outro diretamen- sentamos, na sequência, a exposição
te. O trabalho, como mediação de de experiências pontuais, desenvol-
primeira ordem do ser humano com vidas no âmbito do Proeja do Ifes –
o meio natural, permite a ele objeti- campus Vitória. Elas são mostradas
var esse mundo, atribuindo-lhe sen- na condição de alento, de possibili-
tido e significado. Trabalho e cultura, dades no campo da resistência ne-
assim, são indissociáveis e, a partir cessária frente aos desafios impostos
deles, torna-se possível a explicação pela reforma de Ensino Médio em
sistematizada do mundo, na forma curso nas escolas do país.
de ciência. Esta, por sua vez, possibili-
ta novas formas de trabalho e de cul- 4. Experiências Pontuais De
tura. Como manifestação da ciência, Integração: Ensino, Pesquisa
os conteúdos de ensino são também E Extensão No Curso Técnico
cultura, pois exprimem o legado da
sociedade, aquilo que ela considera
Integrado De Guia De Turismo
relevante preservar e difundir. Nes- Na Modalidade De Educação De
se sentido, evidenciam uma siste- Jovens E Adultos
474
ta para o comprometimento dos dos e debatidos pelo conjunto dos
educadores que, na condição de in- estudantes durante o citado evento.
telectuais orgânicos, buscam, pela A partir de então, os estudantes re-
elaboração e implementação de pro- presentados em comissões junto aos
jetos específicos, possibilitar o diálo- docentes, passaram a movimentar-
go entre escola e comunidade sob a se para a realização da II Semana do
intermediação e participação direta Turismo com o tema: Limites e desa-
dos estudantes. Outrossim, os proje- fios da formação e atuação profissio-
tos de pesquisa em nível de iniciação nal dos guias de turismo no Espírito
científica voltados à identificação Santo, oportunidade em que tam-
e caracterização dos espaços e gru- bém acontecerá a I Feira de Turismo
pos afrodescendentes, assim como do Ifes – campus Vitória, organizada
a identificação e caracterização das pelos estudantes em conjunto com
comunidades populares da cidade docentes.
de Vitória, são possibilidades para o No âmbito da modalidade de
exercício do diálogo interdisciplinar EJA, outra experiência diz respeito
entre conteúdo das mais diversas ao projeto de extensão denominado
disciplinas do núcleo comum e do Mobiliza Proeja, que se propõe a pro-
núcleo técnico do Curso Técnico em mover a equidade das condições de
Guia de Turismo. acesso dos jovens e adultos ao EMI
O projeto embrionário de orga- do Ifes. Ações de incursão nas comu-
nização e realização da I Semana de nidades com parcerias estabelecidas
Turismo do Ifes – campus Vitória, re- entre movimentos sociais, sindicatos,
alizada no ano de 2016, permite re- organizações não governamentais
conhecer o protagonismo dos estu- (ONGs) e prefeituras do entorno da
dantes do Curso Técnico em Guia de capital buscam divulgar e criar efeti-
Turismo em todos os processos que vas condições de acesso à escola.
culminaram com as discussões sobre O projeto de EMI na modalidade
o tema: Turismo e hospitalidade na de EJA, realizado no Ifes – campus
diversidade. Discussões polêmicas Vitória, persegue a proposta de for-
sobre xenofobia, homofobia, misogi- mação onmilateral dos estudantes.
nia, preconceitos de classe, racismo, Trata-se, portanto, de um projeto po-
assim como sobre os princípios da lítico comprometido com iniciativas
democracia, da ética e da hospitali- de promoção humana e emancipa-
dade foram, devidamente, estuda-
476
definição de estratégias de enfrenta- FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA,
mento aos desafios que se tornaram Maria (Org.). Ensino Médio: ciên-
ainda maiores e complexos. Em par- cia, cultura e trabalho. Brasília: MEC;
ticular, a modalidade de EJA, torna- Semtec, 2004.
se ainda mais preocupante quando
levado em consideração os desafios GADOTTI, Moacir. Pedagogia da
inerentes aos processos de acesso, práxis. São Paulo: Cortez: Instituto
permanência e êxito cada vez mais Paulo Freire, 2001.
comprometidos.
GENTILI, Pablo. Adeus à escola públi-
As possibilidades de avanço afir- ca: a desordem neoliberal, a violên-
mam-se a partir de movimentos de cia do mercado e o destino da edu-
resistência articulados no âmbito da cação das maiorias. In: ______. (Org.).
tomada de consciência, organiza- Pedagogia da exclusão: crítica ao
ção e mobilização da comunidade neoliberalismo em educação. 4. ed.
escolar no sentido de lutar pela ma- Petrópolis: Vozes, 1995. p. 228-252.
nutenção do Estado de Direito, da li-
berdade de pensar e expressar e pela GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais
garantia do direito à educação públi- e a organização da cultura. Rio de
ca e de qualidade. Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1968.
REFERÊNCIAS MOURA, Dante Henrique; LIMA FI-
ARAÚJO, Gilda Cardoso de; OLIVEIRA, LHO, Domingos Leite; SILVA, Mônica
Romualdo Portela de. Qualidade do Ribeiro. Politecnia e formação inte-
ensino: uma nova dimensão da luta grada: confrontos conceituais, pro-
pelo direito a educação. Revista Bra- jetos políticos e contradições histó-
sileira de Educação, Rio de Janeiro, ricas da educação brasileira. Revista
n. 28, p. 5-24, jan./fev./mar./abr. 2005. Brasileira de Educação, Rio de Ja-
neiro, v. 20, n. 63, p. 1057-1081, out./
CIAVATTA, Maria. Mediações históri- dez. 2015.
cas de trabalho e educação: gênese
e disputas na formação dos traba- OLIVEIRA, Ramon de. Possibilidades
lhadores. Rio de Janeiro: Lamparina; do Ensino Médio Integrado diante
CNPq; Faperj, 2009. do financiamento público da educa-
ção. Educação e Pesquisa, São Pau-
lo, v. 35, n. 1, p. 51-66, jan./abr. 2009.
478
REFLEXÕES SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO CURSO TÉCNICO
EM EVENTOS INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO NO IFB1
E-mail: glauco.feijo@ifb.edu.br
1 Esse texto é uma versão atualizada do texto originalmente publicado pelos mesmos auto-
res e autoras em: FEIJÓ, Glauco Vaz; SILVA, Thiago de Faria e. Ensino e Pesquisa em História
e Humanidades nos Institutos Federais: Desafios e Perspectivas. Brasília: Editora do IFB,
2017.
480
dinâmicas produtivas do trabalho no te uma formação humanista, capaz
modo de produção vigente, sabendo de inseri-lo na atividade social de for-
diferenciá-las do trabalho como con- ma efetiva. Nas palavras de Gramsci
dição ontológica, que se manifesta (1979, p. 121), “levá-lo a um certo
em diferentes linguagens e que está grau de maturidade e capacidade, à
na base de tudo o que é humano. criação intelectual e prática e a uma
A formação integral do profissio- certa autonomia na orientação e na
nal ultrapassa a preparação para o iniciativa”. Gramsci não olvidava as
exercício do trabalho ou para a exe- condições materiais objetivas de
cução de tarefas rotineiras. Enten- seu tempo, que obrigava os jovens
deu-se que não é papel do Estado “a uma certa colaboração produtiva
fornecer mão de obra para o capital, imediata” que tornava o projeto de
mas, sim, formar pessoas integrais e escola unitária como um objetivo a
críticas, que poderão também atuar ser alcançado com a emancipação
como técnicas. Para isso, levou-se do ser humano, sendo, ao mesmo
em conta o sentido histórico que o tempo, objeto e sujeito dessa eman-
trabalho assumiu no modo de pro- cipação.
dução capitalista. Teve-se como ho- No caminho da construção da
rizonte a formação de profissionais escola unitária, algumas conquistas
que concorressem para a superação deveriam ser realizadas. Gramsci já
dos sentidos que, normalmente, as- enumera algumas delas:
sume o trabalho e para o alcance de a escola unitária requer que o Esta-
formas mais solidárias de produção do possa assumir as despesas que
hoje estão a cargo da família, no
material e imaterial e de apropriação que toca à manutenção dos escola-
dessa produção. O objetivo maior res […] o corpo docente, particular-
da formação proposta foi, em última mente, deveria ser aumentado, pois
a eficiência da escola é muito maior
instância, contribuir para a emanci- e intensa quando a relação aluno
pação da classe dos que vivem do professor é menor […] Também a
trabalho (ANTUNES, 2005) no Brasil questão dos prédios não é simples,
pois este tipo de escola deveria ser
e, como consequência, de todos os uma escola-colégio, com dormitó-
brasileiros e brasileiras. rios, refeitórios, bibliotecas especia-
lizadas, salas aptas ao trabalho de
Nesse cenário, o IFB deveria, tam- seminário etc. […] reorganizadas
bém, ter se pretendido uma escola não somente no que diz respeito
unitária, que oferecesse ao estudan- ao conteúdo e ao método de en-
sino, como também no que toca à
482
Enxergamos como base da pro- vo, na cultura e nas artes. O traba-
posta do Ensino Médio a construção lho como princípio educativo não
de um currículo integrado na con- deve ser entendido como formação
cepção proposta por Basil Bernstein na prática ou simples treinamento
(1996), sendo importantes, sobretu- para o exercício de uma profissão,
do, suas ideias de classificação e en- mas sim como derivado da ideia de
quadramento. Nos termos de Berns- trabalho como princípio ontológico
tein, os currículos dos EMIs deveriam do ser humano, assumindo que toda
observar uma classificação curricular atividade humana age no sentido de
fraca, que elidisse as fronteiras entre transformar o mundo e que cada um
as disciplinas, e um enquadramento de nós deve assumir conscientemen-
também fraco, que tende ao enfra- te seu papel de “trabalhador”, de edi-
quecimento das hierarquias nos pro- ficador do mundo em que vivemos.
cessos comunicativos. Tomaz Tadeu Considerar o trabalho como princí-
da Silva (2000, p. 75), ao interpretar pio educativo equivale a dizer que o
ser humano é produtor de sua reali-
as categorias elaboradas por Berns- dade e, por isso, se apropria dela e
tein, propõe que o autor diferencia pode transformá-la. Equivale dizer,
o currículo integrado do currículo ainda, que nós somos sujeitos de
nossa história e de nossa realidade.
tipo coleção, sendo este pautado em Em síntese, o trabalho é a primeira
uma classificação forte, que não per- mediação entre o homem e a reali-
mite a permeabilidade entre as áreas dade material e social (BRASIL/MEC/
SETEC, 2007, p. 45).
do conhecimento.
O currículo integrado é entendi-
do como aquele que Perseguia-se, pois, repetimos, a
Escola Unitária nos moldes do que foi
organiza o conhecimento e desen-
volve o processo de ensino-apren- definido por Antonio Gramsci (1979),
dizagem de forma que os conceitos atentando-se ao que nos permitia o
sejam apreendidos como sistemas
momento histórico de emancipação
de relações de uma totalidade con-
creta que se pretende explicar, com- em que acreditávamos estar vivendo,
preender e transformar (RAMOS, sem se perder de vista a intenção de
2010, p. 79).
ruptura com a dicotomia histórica do
Ensino Médio entre educação prope-
O EMI visaria, então, à formação dêutica para as elites e classes médias
integral do ser humano pautada no altas e a educação profissionalizante
trabalho como princípio educati- para as classes subalternas. Busca-
484
organização por áreas, com docen- toria de Ensino (PREN), que apoiou a
tes atuando em conjunto em sala ideia, mas fez questão de preparar o
de aula, e os projetos bimestrais, PPC com todo o cuidado necessário
amarrados por avaliações obriga- para sua aprovação no Conselho Su-
toriamente integradas entre todos perior (Consup). Técnicas e diretores
os componentes curriculares (IFB, da PREN discutiram conosco cada
2015). Sobre a organização por áreas, ponto do PPC, esclarecendo todas
cabe frisar que ela não deve ser con- as dúvidas e fazendo sugestões de
fundida com qualquer porposta de reformulação para dirimir dúvidas,
generalização da autação de docen- sem que, em nenhum momento, fos-
tes. Embora ela tenha por horizonte sem propostas alterações na estru-
o debate transdisciplinar, entende- tura ou na concepção do curso que
mos que a trandisciplinaridade não estávamos propondo. Conversamos
se alcança pela superficialidade, mas também com conselheiros e conse-
sim pela sólida formação interdisci- lheiras, antes do envio do PPC para
plinar, por meio da qual as frontei- o Conselho, para saber de seus posi-
ras disciplianres possam ser diluídas cionamentos e tentar, pelo diálogo,
para as próximas gerações sem ali- contornar anteriormente posições
geiramento do conhecimento apre- contrárias.
endido e produzido. Sendo assim, Chegamos então ao Consup
nessa proposta, docentes formados confiantes na aprovação do PPC,
em cada disciplian planejam e atuam mas sabíamos que isso não ocorre-
em conjunto, buscando, por meio ria sem debates e muito menos por
de uma base sólida, a diluição das consenso, como costuma acontecer
fronteiras disciplinares e a formação
na aprovação de PPCs no IFB. Mes-
integral dos educandos. Esse proces-mo cientes disso, os debates foram
so vem se demonstrando ao mesmo mais intensos do que esperávamos.
tempo bastante enriquecedor para a Um dos conselheiros, também do-
formação de docentes que buscam cente no IFB, em sua manifestação
superar suas limitaçõe disciplinares,
contrária, afirmou que “tenho, sim,
sem abrir mão da expertise de suas muita suspeita em relação a isso, e me
disciplinas. causa, sim, muita preocupação, a gen-
As suspeitas sobre as possíveis te fazer experimento com os filhos dos
resistências ao PPC se confirmaram outros”2. Não se trata aqui de debater
assim que o plano chegou à Pró-Rei- as razões desta fala, fundamentada
2 A 33ª Reunião do Conselho Superior do IFB, na qual foi aprovado o PPC do Curso Técnico
em Eventos Integrado ao Ensino Médio está disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=kwf2Trpver8>. Acesso em: 13 maio 2017. A fala do conselheiro aqui citada se en-
contra a partir de 1:29:00.
3 Na mesma fala, o conselheiro avalia que “a gente tem é o cara querendo vir, dar sua auli-
nha, cascar fora e não volto mais essa semana. Essa é a nossa dinâmica” (ver referência na
nota anterior).
486
volvidos, que nos levou a tomarmos tenderam e gostaram de Mário de
medidas de organização que foram Andrade, estão mais presentes em
bastante produtivas. Uma das reu- sala de aula e, por iniciativa própria,
niões provocadas por essa situação resolveram um dos pontos que mais
foi realizada com os responsáveis angústia lhes provocava: criaram um
pelas estudantes, uma vez que mui- mecanismo de atribuição de percen-
tos haviam demonstrado a intenção tual de participação de cada mem-
de retirar suas filhas da escola. Reto- bro da turma para ser aplicado no
mamos detalhadamente com os res- cálculo da nota. O amadurecimento
ponsáveis a organização curricular da turma tem sido um dos temas
do curso e, sobretudo, reafirmamos mais constantes das reuniões pe-
que, de fato, o curso não preparava dagógicas e de colegiado, contudo,
para o Enem. Contudo fizemos isso ainda é cedo para termos certeza se
demonstrando que a organização podemos comemorar isso como re-
do curso se aproximava muito mais sultado do curso.
das exigências do Enem do que eles Além da atapatação da obra Ma-
imaginavam e, embora o Enem não cunaíma para os palcos, foram ence-
fosse uma de nossas preocupações, nadas as peças O auto da Compadeci-
de forma alguma estávamos tirando da, de Ariano Suassuna, e O pagador
o direito de os estudantes passarem de promessas, de Dias Gomes, cada
neste exame. uma delas pensada e executada por
Ninguém abandonou o curso na- uma das duas turmas de primeiro
quele momento e, ao final do ano le- ano do curso para compor a mostra
tivo, tivemos uma aluna retida e duas Teatrando.
alunas transferidas. O resto da turma Ainda nos é difícil avaliar o pro-
retornou e continuam todas bastan- cesso de construção de conhecimen-
te reivindicativas; acreditamos que to e de autonomia que pretendemos
empoderadas. No primeiro bimes- fomentar entre os e as discentes do
tre de 2017, escreveram um projeto curso, principalmente por não ter-
de 50 páginas que foi executado no mos nos preprarado para isso, mas
segundo bimestre: a montagem de também pelo pouco tempo do curso
uma peça teatral a partir da leitura da e de alguns de seus resultados mais
obra de Macunaíma, em uma mostra visíveis e expressivos. A avaliação
de teatro organizada pelas três tur- sistematizada dos processos desen-
mas do curso. Leram (algumas), en-
488
gado o resultado preliminar da se- Desse sertão
leção de propostas de artes cênicas De coração bom?
da Chamada Pública IFB nº 03/2017, É simples!
que selecionou propostas para o Co- Cor e tom
necta IF, um dos maiores eventos da Não são datas de inscrição
Rede Federal de Educação Profissio- Para o respeito necessário.
nal. Entre as propostas preliminar- É a imensidade
mente aprovadas está a peça O Auto Da diversidade,
da Compadecida, cujo projeto foi es- Culpa do universo
crito de forma autônoma por uma De cada um.
das duas turmas de primeiro ano do (Ana Gabriela Lorenz – poesia iné-
Curso Técnico em Eventos Integrado dita)
ao Ensino Médio e encenada pela
primeira vez no Teatrando, processo
Como não temos ainda avalia-
de avaliação integrada do curso con-
ções sistematizadas, esse texto, que
duzido durante o primeiro e segun-
insere alguns parágrafos a outro tex-
do bimestres de 2017. Abaixo repro-
to recentemente publicado (SILVA;
duzimos o poema escrito pela aluna
LEITE; FEIJÓ; FERREIRA, 2017), serve
Anna Gabriela Lorenz, da turma R do
mais como registro de uma proposta
1° ano do curso, para a adaptação de
de inovação e integração curricular
O Auto da Compadecida produzida e
do que propriamente como modelo
encenada pela turma como trabalho
de um projeto sólido, mas é aí que
final do segundo bimestre letivo de
reside sua importância, na abertura,
2017 e escolhida pela Chamada Pú-
em seu caráter incipiente e aberto
blica IFB Nº 03/2017, que selecionou
a trocas, diálogos e reflexões com
propostas para o Conecta IF 2017:
pessoas outras que estão buscando
Vai da forma de se apaixonar
caminhos para a construção de um
A forma de se portar,
Ensino Médio Integrado significativo.
Ao jeito de colorir o sorriso
Então, se registramos algumas pers-
Branquíssimo ou amarelo. pectivas, cabe também o registro de
Despimos o preconceito alguns desafios.
A barreira da colheita, que também
é cultura, Ao longo do processo de solidi-
Mas o que dança tem a ver com a ficação do curso, temos enfrentado
secura resistências e dificuldades tanto por
490
to às disciplinas que fundamentam for isso, estamos felizes de estar ten-
o PPC e do qual não é possível fugir tando. Mas, como dissemos, estamos
na execução do curso, pois as aulas aqui tratando mais de esperanças do
conjuntas, a organização por áreas que de fatos, mais de interpretações
e as avaliações únicas para todos os do que de análises, mais do que que-
componentes nos obrigam a pen- remos ser, do que do que de fato so-
sar sobre a disciplinaridade. Ocorre mos.
que a estrutura disciplinar da mo-
dernidade é tão pesada que apenas 4. PERSPECTIVAS FRENTE À RE-
o fato de pensar que ela não é um
FORMA DO ENSINO MÉDIO E AO
dado da natureza e que pode estar
com seus dias contados é suficiente DESMONTE DOS IFs
para causar angústias e inseguranças A reforma do Ensino Médio, san-
em muitas de nós. O outro ponto é, cionada pela Presidência da Repú-
na realidade, a outra face do regime blica no dia 16 de fevereiro de 2017,
disciplinar, ele é consequência dire- como Lei nº 13.415 (BRASIL, 2017),
ta do questionamento que se faz às e que decorre da Medida Provisória
disciplinas: a ausência de controle nº 746, de 2016, apresenta uma re-
disciplinar dos corpos, dos espaços formulação da Educação Básica em
e a aposta no exercício da liberdade seus diversos níveis, tendo um im-
como a melhor forma de aprender a pacto direto na existência e viabilida-
ser livre. Quando colocamos em che- de do Ensino Médio Integrado. Uma
que as disciplinas escolares, se não prerrogativa da existência do Ensino
somos muito contraditórios, contes- Médio Integrado sempre foi a ideia
tamos todo o regime disciplinar que de que a integração não equivale a
fundamenta a escola moderna e que tempo integral na escola. O que se
sustenta a sociedade moderna. Para propõe na estrutura dos IFs – algo
além da ausência dos nomes das não consolidado, mas em processo –
disciplinas em lugar de destaque no é a possibilidade da autonomia inte-
PPC, assusta-nos a todos a liberdade lectual dos estudantes e do ambien-
e a ameaça de, talvez, estarmos perto te escolar como um todo. Para tanto,
de um momento de transformação no currículo integrado, não basta a
na forma como organizamos as rela- existência de disciplinas básicas e
ções sociais desde a consolidação da técnicas ocorrendo ao mesmo tem-
modernidade. Talvez seja isso e, se po. Não se trata, portanto, apenas de
492
Richard Sennett (2013, p. 51) ar- ções em que estamos inseridos con-
gumenta que um mecanismo natural sideram apenas, ou prioritariamente,
para a construção da solidariedade é critérios objetivos e tecnicistas para
a cooperação. Em um ambiente em a construção de seus valores, tende-
que nos reconhecemos como parte mos a enfraquecer as relações sociais
de um grupo em que prevalecem entre os indivíduos participantes. No
os vínculos sociais, tendemos a agir entanto, se a cooperação é mesmo
tendo em vista aquilo que é melhor algo natural, será possível impedir
para o grupo. Essa perspectiva ques- por completo o desejo de associação
tiona a forma de ver a realidade so- e colaboração que as pessoas pos-
cial como um espaço de lutas cons- suem? A experiência no Ensino Mé-
tantes em que prevalece apenas o dio Integrado do IFB nos mostra que
mais forte. A visão de que o egoísmo esse tipo de cerceamento não é tão
humano preexiste à existência social simples assim.
– algo que aparece na teoria política A experiência da escola é uma
de Hobbes, por exemplo – é o que experiência cotidiana por excelên-
nos faz considerar que a realidade cia. Vivemos em uma sociedade em
de determinados ambientes sociais que os valores da educação formal
são imutáveis. Contudo, se conside- se sobrepõem, pelo menos em parte,
rarmos a complexidade das relações aos valores culturais estabelecidos
humanas, poderemos perceber que, nos diversos espaços comunitários.
em muitos casos, as construções so- Tudo isso acaba por nos levar a en-
ciais impedem as nossas ações, ou tender a escola como um ambiente
pelo menos limitam as nossas von- separado da experiência comuni-
tades. tária e cotidiana. Tanto é assim que
Para Sennett, a cooperação, ape- costumamos ouvir expressões como
sar de ser algo que queremos fazer, “a escola prepara para a vida”. Se a
envolve uma complexidade bem escola prepara para a vida é porque
maior do que aquilo que nos é, inicial- a escola em si mesma não faz parte
mente, permitido realizar: “nossa ca- da vida e, assim, se parece com algo
pacidade de cooperar é muito maior que devemos deixar para trás o mais
e mais complexa do que querem rápido possível. O Ensino Médio Inte-
crer as instituições” (SENNETT, 2013, grado propõe uma reflexão em um
p. 43). O desafio, portanto, é romper campo diferente, convidando todos
essas barreiras. Quando as institui- os envolvidos (professores, funcio-
494
tratamento de dimensões histórico- intransponíveis, pois a ousadia deve
sociais e epistemológicas, afinal, a ser entendida como saudável e im-
escola sempre foi território de dis- prescindível aos processos humanos
puta política. As concepções de pro- e educativos. Assim, o que se ofere-
fessor versus aluno; as relações entreceu aqui foi um ponto de partida,
os sujeitos da escola, já construídas antes de tudo, uma avaliação inicial
e em construção; a passagem de um do processo de concepção de um
modelo de currículo tradicional para curso de Ensino Médio Integrado no
um currículo com ênfase na autono- campus Brasília do IFB. Entendemos
mia dos sujeitos, nas práticas reais, que é imprescindível persistir na (re)
possíveis e interdisciplinares; além construção de uma escola que ob-
da própria gestão (do espaço) es- jetive um ensino de qualidade, que
colar, foram pontos que mereceram proponha mudanças e que busque
nossa reflexão. reconstruir os procedimentos envol-
Os desafios apontados revelam vidos na produção dos conhecimen-
nada menos que a tensão perma- tos, oferecendo aos egressos opor-
nente entre conservação e mudança, tunidades de inserção no mundo do
em qualquer instância da sociedade. trabalho e no desafio de participação
Quando o velho é abalado pelo novo, em uma sociedade como a atual, que
que, por essência, é irrequieto, sem- requer aprendizagem autônoma e
pre há conflito, tensão (GRAMSCI, contínua ao longo da vida.
1987). Dessa forma, qualquer expe-
riência que proponha algo diferente REFERÊNCIAS
sofre alguma resistência. No caso do
ANTUNES, R. O Caracol e sua Con-
curso de eventos, ao elencar alguns
cha: ensaios sobre a nova morfologia
pontos deste desafio, torna-se mais
do trabalho. São Paulo: Boitempo,
fácil compreender o movimento por
2005.
que tem passado essa resistência,
não só estritamente por parte do ARENDT, H. Entre o passado e o fu-
corpo docente, mas de toda a comu- turo. São Paulo: Perspectiva, 1968.
nidade escolar.
BERNSTEIN, B. A estruturação do dis-
Ao expormos as dificuldades para
curso pedagógico. Classe, códigos e
o desenvolvimento deste projeto
controle. Petrópolis: Vozes, 1996.
interdisciplinar, no entanto, enten-
demos que estas não são barreiras BRASIL. Lei 13. 415 de 16 de feverei-
496
SENNETT, R. Juntos. Rio de Janeiro:
Record, 2013.
Janeiro (IFRJ)
E-mail: alessandra.paulon@ifrj.edu.br
498
e ambientais, no passado e nos dias ensinado”. Esse último é condicio-
de hoje. Para tanto, os conceitos que nado por inúmeros fatores, como
pautaram a concepção e a execução os saberes docentes, os saberes dos
do projeto foram: transposição didá- estudantes, as práticas sociocultu-
tica, interdisciplinaridade e contex- rais entre outros. Constitui-se, des-
tualização. se modo, num conjunto de saberes
próprios da escola que, longe de ser
2. Desenvolvimento um lócus de reprodução dos conteú-
dos produzidos na academia, vigora
A partir de uma análise prévia como um espaço de construção de
dos conhecimentos dos estudantes, novos conhecimentos. Tal percepção
sobre os conflitos característicos do foi fundamental para fornecer aos
contexto da Guerra Fria (1945-1990), alunos o protagonismo na produ-
o projeto pautou-se na proposta de ção dos saberes e dos valores des-
construção autônoma e dialogada pertados, a partir de uma proposta
dos conteúdos, a partir do conceito pedagógica que articulou as com-
inicial de transposição didática refe- petências, os conteúdos, os recursos,
renciado, entre outros autores, por os meios e os sujeitos da aprendiza-
Yves Chevallard. Segundo esse autor, gem, a qual se almejava como signi-
a transposição didática se dá quando ficativa e produtora de novos conhe-
“um conteúdo de saber que te- cimentos.
nha sido definido como ‘saber a
Outro conceito fundamental,
ensinar’, sofre, [...] um conjunto de
para a execução dessa proposta de
transformações adaptativas que irão
ensino-aprendizagem, foi a interdis-
torná-lo apto a ocupar um lugar en-
ciplinaridade. Sabemos que, para a
tre os objetos de ensino. O ‘traba-
escola, seus saberes e seus agentes,
lho’ que faz de um objeto de saber a
a proposta interdisciplinar, ainda, é
ensinar, um objeto de ensino [...].”
uma ação muito difícil. Especialmen-
(CHEVALLARD, 1991, p. 39).
te, em uma escola técnica, influen-
Assim, a concepção inicial, que ciada por uma cultura dualista do
pautou essa proposta de ensino conhecimento. Ainda, estamos, rela-
-aprendizagem, foi o reconhecimen- tivamente, distantes de uma cultura
to das diferenças entre o “saber aca- interdisciplinar a qual compreen-
dêmico” e a sua apreensão na sala de da que o diálogo, entre a formação
aula, isso constitui o chamado “saber geral de nível médio e a formação
500
os alunos, a percepção de que era leitura e interpretação de textos, e
possível produzir uma proposta de o trabalho com fontes históricas es-
ensino-aprendizagem que: primeiro, critas e audiovisuais, os alunos fo-
os colocasse como protagonistas na ram instigados a apresentarem os
produção de seus conhecimentos; conhecimentos prévios, históricos
segundo, que fosse viável a articu- e químicos que conheciam sobre
lação interdisciplinar dos conteúdos o tema: “Química e História no con-
presentes nos currículos de História texto dos conflitos da Guerra Fria”.
Geral e de Síntese Orgânica; e, por Assim, mediante a troca de saberes e
fim, que o caminho, para a articula- de percepções, professores e alunos
ção desses conteúdos, fosse constru- foram compartilhando suas vivên-
ído de forma contextualizada. cias e construindo, coletivamente,
Chegamos ao terceiro conceito os temas do projeto “Os Conflitos
norteador deste trabalho: a contex- Regionais do Período da Guerra Fria
tualização. Entendemos a contextua- (1945-1990)”.
lização como a categoria que permi- O segundo passo foi a escolha da
te unificar todos os demais conceitos,metodologia a ser adotada. A partir
visto que todos os fenômenos físicos de instruções prévias aos alunos, me-
e sociais, presentes na educação e na diante uma ficha de orientações, os
escolarização dos indivíduos, nasce estudantes foram estimulados a for-
das heranças históricas, culturais e marem grupos e a organizarem apre-
científicas das sociedades. Significa sentações audiovisuais que ultrapas-
dizer que o próprio conhecimento sassem a mera exposição visual dos
insere-se numa dada realidade social dados levantados. Os grupos foram
a qual deve ser historicizada e con- estimulados a apresentarem produ-
textualizada. tos finais audiovisuais que atendes-
Fundamentados os conceitos sem a um desafio: a partir do confli-
norteadores do projeto, coube aos to escolhido pelo grupo, apresentar
professores o ponto de partida para suas características históricas, de
a sua execução. O primeiro passo foi forma palatável, ao professor de Quí-
a realização de aulas compartilhadas, mica; e, do mesmo modo, expor os
sejam na sala de aula ou no labora- conhecimentos químicos à professo-
tório de Síntese Orgânica. Nesse mo- ra de História, de maneira articulada
mento, mediante aulas expositivas, e contextualizada. Para tanto, foram
realizados os seminários nas aulas
502
norteadores da nova visão da Edu- ou seja, “que contemple o aprofun-
cação Profissional e Tecnológica, damento dos conhecimentos cientí-
construída a partir da criação dos ficos produzidos e acumulados his-
Institutos Federais e presente no Do- toricamente pela sociedade, como
cumento base Educação Profissional também objetivos adicionais de for-
Técnica de Nível Médio Integrada mação profissional” (MOURA; GAR-
ao Ensino Médio (2017): “construção CIA; RAMOS, 2017, p. 25); mediante
de um projeto que supere a duali- a adoção da ciência, da tecnologia,
dade entre formação específica e da cultura e do trabalho como eixos
formação geral e que desloque o estruturantes de uma educação po-
foco dos seus objetivos do mercado litécnica. Em suma, um modelo de
de trabalho para a pessoa humana, educação que
tendo como dimensões indissoci- deve ser orientado [...] à formação
áveis o trabalho, a ciência, a cultura de cidadãos capazes de compreen-
der a realidade social, econômica,
e a tecnologia.” (2017, p. 06). Assim, política, cultural e do mundo do tra-
integrando, de forma orgânica, num balho para nela inserir-se e atuar de
mesmo currículo, a formação básica forma ética e competente, técnica
e politicamente, visando contribuir
e a formação profissionalizante. para a transformação da sociedade
De forma mais ampla, tratou-se em função dos interesses sociais e
coletivos (MOURA; GARCIA; RAMOS,
de um desafio e de uma inovação 2017, p. 25).
em nossa escola, exatamente, no
momento em que, no âmbito do IFRJ
e da Rede EPTT, de um modo geral, Por isso, precisamos entender a
discutimos os caminhos para a in- natureza de nossa prática docente na
tegração do Ensino Técnico com o Educação Profissional e Tecnológica,
Ensino Médio, diante de um cenário a partir da construção de currículos e
nacional de nítido sucateamento da de fazeres pedagógicos que incorpo-
Rede EPTT e da Educação Nacional rem, em definitivo, o trabalho como
como um todo. princípio educativo e não como um
sinônimo de formar para um exercí-
Assim, como educadores da Rede cio profissional. Necessitamos com-
EPTT, acreditamos, ao desenvolver preender, epistemologicamente, o
tal projeto, avançar no caminho de trabalho como um instrumento me-
uma Educação Profissional e Tecno- diador da relação do homem com
lógica que queremos: asseguradora sua realidade, na qual ele se apropria
da integralidade da Educação Básica,
504
ticipação no projeto. Com a palavra, não se limitou ao espaço da sala de
nossos alunos: aula, do laboratório de Síntese Orgâ-
"O projeto tem muito futuro! Com nica ou, muito menos, ao campus Rio
bastante preparo e organização po- de Janeiro/IFRJ. Incentivados pelos
de-se aprimorar o projeto apresen-
tando melhor os conflitos e suas res-
professores, os alunos produziram
pectivas armas químicas." (L.F.). banners e panfletos explicativos que
"Gostei muito. Vale muito a pena, pois foram apresentados no evento “Será
nos incentiva a estudar/pesquisar so- que rola Química?”, no dia 29 de ju-
bre coisas que nós não sabíamos, mas lho, de 2017, no Espaço Ciência Viva,
que acabamos gostando." (H.M.).
no Rio de Janeiro. Contando com o
"É um projeto muito bom pois nos
apresenta uma nova visão da quí-
apoio da Fundação de Amparo à Pes-
mica, que não está apenas no labo- quisa do Estado do Rio de Janeiro
ratório e que, infelizmente, as vezes (FAPERJ), do Conselho Nacional de
não é utilizada para o beneficio das
pessoas. Além disso, faz com que o
Desenvolvimento Científico e Tecno-
interesse pela história aumente. Sinto lógico (CNPq), e das universidades
que sei muito mais sobre os conflitos federais parceiras, o Espaço Ciência
por ter feito o trabalho do que sabe-
ria se tivesse uma aula normal sobre
Viva promove inúmeros eventos de
eles." (G.A.). popularização científica e tem como
missão tornar o conhecimento cien-
Por fim, outro ganho fundamen-
tífico mais acessível à sociedade, tor-
tal, da produção do projeto, residiu
nando a Ciência mais próxima do co-
nas respostas às duas últimas ques-
tidiano dos indivíduos.
tões que compunham o questioná-
rio: quando perguntados se haviam Além disso, o projeto fará parte
conseguido, por meio do projeto, re- de outros projetos científicos discen-
lacionar os conhecimentos de Histó- tes a serem apresentados na XXXVII
ria e os conhecimentos de Química, Semana de Química do campus Rio
100% dos estudantes responderam de Janeiro do IFRJ, intitulada “Sus-
sim; e, quando questionados sobre tentabilidade e diversidade através
a viabilidade de relacionar os conhe- da Ciência”, entre os dias 16 e 21 de
cimentos apreendidos, por meio do outubro de 2017. É mais um sinal de
projeto, ao seu cotidiano, 80% res- que projetos interdisciplinares, dessa
ponderam positivamente. natureza, podem e devem ser pro-
duzidos no ambiente escolar, pois
O projeto "A Química e a História
extrapolam os limites da sala de aula
em suas relações no século XX: os
tradicional e nos desafiam a produzir
conflitos da Guerra Fria (1945-1990)”
506
MOURA, Dante Henrique; GARCIA,
Sandra Regina de Oliveira; RAMOS,
Marise Nogueira. Educação Profis-
sional Técnica de Nível Médio In-
tegrada ao Ensino Médio. Brasília:
Setec/MEC, 2017. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/setec/ar-
quivos/pdf/documento_base.pdf>.
Acesso em: 6 jul. 2017.
1 Este texto é uma versão ampliada e problematizada de: CURI, Luciano Marcos; GALVÃO,
Laila Lidiane da Costa. Atividades Integradoras: inovação no Ensino Médio. Gestão Organi-
zacional: reflexões sobre inovação. Vol. 5. Catalão: UFG – Regional Catalão, 2017. Os auto-
res deste texto foram responsáveis pelas Atividades Integradoras de 2014 a 2016.
508
O tema da inovação na Educação 1.1. O que é inovação?
entrou formalmente na agenda de
discussão e de ação governamen- A inovação é uma necessidade
tal no Brasil no início do século XXI. social e humana. A inovação sempre
Desde então, tem havido alguns es- esteve presente na história humana
tudos baseados na implementação e foi fator decisivo para sobrevivên-
de propostas curriculares inovadoras cia de nossa espécie (Cf. CARDOSO,
nas escolas de nível médio do País. A 2002; CURI, 2013). Contudo é preciso
despeito do grande mérito dos tra- reconhecer que nunca se falou tanto
balhos nesse campo no Brasil, ainda em inovação quanto no início des-
há uma escassez de contribuições te milênio. Por que se fala tanto em
conceituais e de estudos empíricos inovação? O que é inovação? Qual a
de estratégias voltadas para o apri- sua importância? Inovação significa
moramento do currículo, objetivan- produzir algo novo ou até mesmo
do torná-lo mais dinâmico e adequa- renovar algo que já existia. Sobretu-
do às expectativas dos estudantes e do, inovar é introduzir uma novidade
às demandas da sociedade contem- que produza uma mudança qualita-
porânea. tiva na vida social. As inovações de-
rivam de invenções, porém a maior
Nesse sentido, este artigo tem
parte das invenções acabam não se
seu foco na análise de uma experi-
transformando em inovações. A ino-
ência pedagógico-interdisciplinar
vação é hoje compreendida como a
bem-sucedida desenvolvida desde
invenção que foi assimilada pela so-
o início da implementação do Inte-
ciedade.
grado no IFTM – Campus Patrocínio
em 2014. Experiência que procurou Deve-se ao economista austríaco
privilegiar as demandas da formação Joseph Alois Schumpeter a distinção
para cidadania, conjugada e aliada entre invenção e inovação. Muitas
ao atendimento das demandas da patentes de inventos que são reque-
faixa etária dos estudantes do nível ridas não impactam na vida social
médio, e que procurou também ino- nem no mercado, não resultam em
var com um baixo custo financeiro, mudanças. Depois das publicações
quesito indispensável para ser exe- de Schumpeter, passou-se a refletir
quível em qualquer escola pública e acerca da inovação, suas caracterís-
mesmo privada. ticas, suas formas e seus impactos.
Antes de seus estudos, inovava-se
510
A Educação hoje enfrenta sérios A democratização efetiva da Edu-
problemas tais como: evasão, defa- cação e das práticas educativas no
sagem escolar, falta de adequação Brasil são itens que carecem de ino-
dos conteúdos aos níveis escolares vações para serem verdadeiramente
e à faixa etária do estudante, falta realidades no País. É preciso inovar
de interdisciplinaridade, práticas na postura, no relacionamento com
antiquadas de avaliação, problemas os estudantes. Numa época em que a
infraestruturais, entre outros. A ino-democracia se consolida no País nos
vação na Educação não pode ser aspectos macro e microssocial, é im-
apenas a busca de soluções onerosas pertinente e improdutivo por parte
para os problemas atualmente en- das escolas manter práticas autoritá-
frentados. A inovação educacional, rias de outrora. É preciso ouvir os es-
principalmente na Educação públi- tudantes. Aquilo que alguns autores
ca, deveria conjugar dois elementos: chamam de Parceria Construtiva. Se-
recursos disponíveis e problemas en- gundo Padilha (2012), os estudantes
frentados. se ressentem de passar grande parte
Inovar nas escolas públicas é di- de sua vida submetidos a propostas
ferente de inovar nas empresas. Di- e atividades sem sentido e aperce-
ferente, mas não impossível. Trata- bem-se da crise da escola.
se de organizações diferentes com Não se trata aqui de celebrar as
sistemáticas, objetivos e formatos inovações como soluções mágicas
diferentes. Logo o caminho da inova- ou mesmo espalhar deslumbre e en-
ção não poderá ser o mesmo. Inovar cantamento. O efeito da inovação na
para resolver problemas existentes vida social já é sabido e comprova-
e abrir novas perspectivas. É claro do por meio de inúmeros exemplos,
que a inovação não se resume a re- resta agora compreender que a Edu-
solver problemas. Mesmo as escolas cação e seus profissionais precisam
públicas podem trilhar o caminho da se colocar ativa e decididamente
inovação como busca de outras pers- partícipes desse processo. Por fim,
pectivas e de outras possibilidades. um último equívoco que é preciso
É preciso entender e esclarecer que combater é que a inovação é apenas
não são apenas as inovações tecno- aquela que revoluciona a escola ou
lógicas que são bem-vindas e nem o processo educacional por inteiro.
mesmo as mais necessárias. É perfeitamente possível e segura-
mente necessário inovar no miúdo e
512
da chamada Educação Básica. Esta Idade Média, também não é. Veja
última engloba, desde a Educação bem, Ensino Médio é uma etapa que
Infantil, internacionalmente conheci- fica localizada entre o nível funda-
da como educação pré-primária, até mental e o nível superior assim como
a última série antes do ingresso no Idade Média situa-se entre a Antigui-
nível universitário. Em suma, a Edu- dade e o Renascimento. Isso tam-
cação Básica no Brasil corresponde a bém não significa dizer que a atual
toda escolarização não universitária. reforma implementada por meio da
Quando os estudantes estão na fai- Lei Federal nº 13.415, de 06/02/2017
xa etária considerada adequada, os seja a solução para os problemas
concluintes do nível médio possuem enfrentados. Além do atropelo com
entre 17 e 18 anos. Mas nem sempre que a proposta foi aprovada, alguns
foi assim. Segundo CURI (2012), a du- analistas apontaram que deficiências
ração de três anos do atual nível mé- do Ensino Fundamental podem ser
dio, por exemplo, remonta à década fatores responsáveis por certas fa-
de 1940. Seu caráter de terminalida- lhas do nível médio, além de inúme-
de da Educação Básica e arremate da ros outros problemas operacionais
formação para a cidadania apareceu que essa reforma ainda não equacio-
com a atual LDB. O nome atual data nou. A flexibilização proposta pela
de 1996. Ele também já se chamou 2º reforma, se não for implementada
grau e Colegial. de maneira adequada e responsável,
Assim não resta dúvida quanto à pode terminar reduzindo a formação
importância estratégica que o nível básica e empobrecendo ainda mais o
médio ocupa na vida estudantil. Se- currículo do nível médio.
gundo CARNEIRO (2012), considera- A educação de nível médio deve-
se indiscutível que sua história evi- ria ser condizente com a faixa etária
dencia que este nível de ensino foi o dos estudantes, ou seja, a adolescên-
menos inovador e, por isso mesmo, cia e o início da juventude. Esse é um
hoje um dos mais defasados dentre momento da vida em que inúmeras
os níveis da educação brasileira. A escolhas devem ser feitas, e a estru-
própria terminologia utilizada para tura atual do nível médio brasileiro
nomear evidencia o desprestígio para não favorece tais escolhas.
com este nível de ensino. O nome En- Já o Integrado emerge no Brasil
sino Médio, por exemplo, a rigor não a partir de 2004, particularmente a
é uma nomenclatura. Assim como
514
Esses não são os únicos proble- iniciativas congêneres a jovens de
mas enfrentados pelo nível médio até 21 anos também oferecem for-
no Brasil. O vestibular e o Exame Na- mas de se esquivar do curso de nível
cional do Ensino Médio – ENEM difi- médio. Muitos críticos alegam que a
cultam as inovações e a construção duração do nível médio deveria ser
de um nível médio mais adequado revista para se aproximar mais do
à faixa etária dos estudantes e às que é feito na Europa e nos Estados
atuais demandas sociais e de merca- Unidos. Noutros países desenvolvi-
do. Isso desde a época imperial (cf. dos, a duração média deste nível de
HAIDAR, 2008). Aqui não se está re- ensino é de quatro anos. No Brasil, na
alizando nenhuma crítica específica atual conjuntura, as escolas que têm
aos vestibulares/Enem, mas apenas ofertado o nível médio com duração
formalizando uma constatação. Isso superior a três anos têm enfrentado
ocorre porque obter uma vaga num uma grande evasão propiciada pelas
curso superior acaba sendo uma ne- certificações supletivas hoje existen-
cessidade mais urgente que impede tes (Cf. CURI, 2012). Aqui não se está
estudantes e profissionais da Edu- apregoando contra a necessidade de
cação de se aperceberem de outras modalidades supletivas e EJA, ape-
demandas e necessidades dos es- nas sua aplicação a jovens menores
tudantes do nível médio. A pressão de 21 anos (Cf. PINTO, 2007).
exercida pelos vestibulares/Enem Todos esses fatores, entre outros,
tende a coibir a prática de inovações explicam porque ocorrem pouquís-
nesse nível de ensino. Não deveria simas experiências de inovação no
ser assim, mas é o que ocorre. nível médio. Diferentemente do que
Certos elementos também evi- se observa no Ensino Fundamental e
denciam nossa concepção de que Superior.
o nível médio é transitório e mera-
mente preparatório para o Superior. 2. ATIVIDADES INTEGRADORAS:
Estudantes aprovados em vestibu-
CAMINHOS INTERDISCIPLINARES
lares e que são dispensados judi-
cialmente de concluir o nível médio A construção de um nível médio
evidenciam o desprestígio e a des- de qualidade é um dos desafios bra-
valorização desse nível de ensino. A sileiros neste início de século XXI. Ao
certificação de nível médio disponi- longo da história brasileira, alguns
bilizada pelos supletivos e por outras modelos foram discutidos e experi-
516
que pudessem enriquecer, comple- Técnico em Administração Integrado
mentar e melhor articular o conjunto ao Ensino Médio, Técnico em Eletrô-
das disciplinas ou unidades curricu- nica Integrado ao Ensino Médio e
lares dos Cursos Técnicos Integrados Técnico em Manutenção e Suporte
ao Ensino Médio que foram construí- em Informática Integrado ao Ensino
dos naquela ocasião: Administração, Médio. Iniciaram-se 90 alunos, e esta
Eletrônica e Manutenção e Suporte modalidade de nível médio foi uma
em Informática. novidade na cidade de Patrocínio
A equipe que debateu e elaborou (MG).
a proposta dos cursos tinha consci- O IFTM – Campus Patrocínio ini-
ência de que um curso organizado ciou suas atividades em 2009 e foi
apenas com disciplinas não atendia à formalmente elevado à categoria de
demanda dos adolescentes e jovens campus em 2013. O Integrado é uma
do Integrado, demandas típicas da modalidade de nível médio que con-
juga, num só curso e numa mesma
faixa etária. Por tradição, a organiza-
ção de cursos em disciplinas é muito matrícula, as disciplinas tradicionais
rígida com conteúdos e procedimen- do Ensino Médio articulado com as
tos geralmente já consolidados. Os disciplinas tradicionais da Formação
cursos foram construídos pensando Técnica. Esses cursos integrados ge-
que deveria haver um espaço onde ralmente possuem uma carga horá-
experiências e práticas inovadoras e ria elevada e um acúmulo de avalia-
interdisciplinares pudessem ocorrer ções e atividades aos alunos. Apesar
sem alterar a formação exigida e pre- de toda essa fartura de carga horária,
conizada pela legislação, atenden- isso não significa dizer que a forma-
do o que relata Borher, Ávila, Castro,ção é mais completa ou necessaria-
Chamas e Paulino (2007) quando mente melhor. Em suma, a quantida-
dizem que: “a nova perspectiva – in- de não é, necessariamente, sinônimo
terdisciplinar – vem influenciando os de qualidade. A experiência dos en-
currículos dos programas de ensino”. volvidos na construção dos cursos
Esse espaço foi denominado de Ati- indicava claramente que, apesar de
vidades Integradoras coadunando- toda a taxa de ocupação, os adoles-
se com o preconizado pelo Parecer centes e jovens terminavam habitu-
CNE/MEC nº 11 de 2009. almente os cursos técnicos carentes
Os cursos foram construídos em de formação em muitos elementos
2013 e iniciados em 2014. Foram eles: necessários à vida e às demandas da
518
criação. Desde o princípio, elas pos- 3. CONCLUSÃO
suem a duração de cem minutos.
A análise da prática das Ativida-
Em 2015, elas foram retomadas
des Integradoras após a conclusão
inicialmente com regularidade men-
das primeiras turmas foi muito sa-
sal e, posteriormente, quinzenal e
lutar e evidenciou algumas de suas
continuaram com o mesmo formato.
virtudes, dificuldades e limitações.
Neste ano foram realizados inicial-
O espaço proporciona a interação
mente debates, e uma grande cha-
entre professores de diferentes dis-
mada ao público interno foi realizada
ciplinas a fim de que possam encon-
objetivando fomentar o maior envol-
trar pontos de convergência em seus
vimento dos professores, bem como
conteúdos, relacionando-os com o
incentivar novas práticas interdisci-
mundo fora da escola. O depoimento
plinares. Também em 2015 foi criado
dos primeiros egressos do Integrado
um logotipo e um slogan para as Ati-
materializa adequadamente o que as
vidades Integradoras.
Atividades Integradoras proporciona-
Em 2016 e 2017, as Atividades In- ram:
tegradoras prosseguiram seu curso Durante três anos participei das ati-
procurando sempre priorizar ativi- vidades integradoras que ocorriam
dades conjuntas dos três cursos. Isso no IFTM _ Campus Patrocínio. No
decorrer desse período, acompa-
não significa que houve momentos nhei a evolução das atividades e o
em que os cursos realizaram ativi- aumento do interesse por parte dos
dades separadamente por temas es- outros alunos e também de pro-
fessores. Em um primeiro instante
pecíficos que trataram de questões tinha em mente que a atividade
temáticas referentes ao trabalho e à integradora era apenas uma forma
formação técnica. Muitas Atividades descontraída de abranger certos as-
suntos com a presença de todos alu-
Integradoras surpreenderam os or- nos e convidados externos. Porém,
ganizadores pela riqueza. Alguns de- com o passar dos dias, percebi que o
bates movimentaram a escola, o que intuito ia muito além disso, descobri
que o objetivo era formar melho-
dificilmente ocorreria no espaço e no res profissionais e seres humanos.
escopo de única disciplina. Entre as Posso afirmar isso pois em diversos
atividades preferidas dos estudan- momentos pude refletir sobre prin-
cípios culturais, religiosos, políticos,
tes, certamente os debates ganha- econômicos e também assuntos
ram destaque. polêmicos e atuais como descri-
minalização do aborto e drogas,
preconceito, homofobia, corrupção
520
no meu dia a dia. Dessa forma, ele dor na grade curricular do Ensino
se aproximava da realidade nos fa- Médio-Técnico (antes restrito ape-
zendo refletir sobre vários assuntos, nas para cursos superiores) foi uma
por conseguinte integrando conhe- promissora aposta em virtude de
cimentos. Lembro-me de participar tantos benéficos oferecidos para
de projetos com convidados que tra- os alunos. Ouso convidar todos a
tavam de assuntos diversificados. O refletir sobre a perpetuação e con-
fato de ter um interlocutor diferente tinuação vitalícia desse importante
a cada semana com um assunto ex- projeto. (Évelyn Thuane Silva de Oli-
clusivo nos proporcionava um leque veira – concluinte 2016).
de conhecimentos globais que nos
ensinavam e motivavam. O projeto,
nesses anos, contou com diversos As atividades integradoras per-
profissionais como empreendedo-
res, juízes e profissionais da saúde. mitiram a aprendizagem da prática
Eventualmente, a presença destes interdisciplinar que, posteriormente,
reforçou a escolha da minha carrei- levou-se para as disciplinas curricu-
ra, que pretendo seguir. Acredito
que não somente eu mas também lares. Outra virtude é que o espaço
muitos alunos que participaram fo- das Atividades Integradoras, por ser
ram norteados ou mesmo inspira- um espaço aberto, pode ser utilizado
dos para escolherem uma profissão.
Me felicita saber que o projeto aten- pelos próprios estudantes dos dife-
deu também as causas ambientais. rentes cursos para interagirem com
Neste momento, eu como ex-aluna os próprios colegas. Um aspecto que
deixava de ser apenas uma aprendiz
para me converter em agente trans- ficou evidente é que as Atividades
formadora da realidade. O projeto Integradoras contribuem para uma
integrador reforçou muitas vezes a melhor socialização dos alunos de
matéria dada em sala de aula, elu-
cidando com filmes que retratam todos os cursos, diminuindo even-
a realidade histórica. Estes mostra- tuais rivalidades ou competições ne-
ram-se promissores, uma vez que, gativas que costumeiramente se ob-
para mim, o conteúdo tornava-se
mais atrativo e fácil de compreen- serva em escolas profissionalizantes.
der. Decerto, o projeto foi um aliado Outra virtude é que elas demonstra-
para desfazer pensamentos e con- ram ser um instrumento valioso para
cepções preconceituosas ao abor-
dar assuntos como diversidade das incrementar a preparação para a vida
religiões, preconceito racial e opção e para a cidadania. Temas como gra-
sexual. O interessante é que, além videz na adolescência, aborto, redu-
da disseminação do conhecimento,
sempre no final das palestras, nós ção da maioridade penal, sexualida-
alunos podíamos fazer indagações de, escolha profissional, inserção no
para o palestrante ou compartilhar mercado, podem ser bem explora-
nosso ponto de vista. Concluo que
a incorporação do projeto integra- dos em atividades desse tipo. As Ati-
522
(Ensino Médio) quanto da Formação REFERÊNCIAS
Profissional (Ensino Técnico).
ALVES, C. Estudos secundários no
Assim, decididamente, as Ativi-
Brasil nos séculos XIX e XX. In: PES-
dades Integradoras mostraram-se
SANHA, E. C.; JUNIOR, D. G. Tempo
uma inovação no sentido schumpe-
de cidade, lugar de escola: história,
teriano. Elas se constituíram como
ensino e cultura escolar em “esco-
uma forma de inovação dos serviços
las exemplares”. Uberlândia: Edufu,
oferecidos pela instituição, visto que
2012. p. 87 a 116.
corroboram com a oferta de um en-
sino de nível médio mais atualizado BARAÑANO, A. M. Gestão da Inova-
frente às demandas dos estudantes e ção Tecnológica – Estudo de Cinco
da sociedade. A partir desta análise, PMEs Portuguesas. R. Bras. de Inov.,
pode-se concluir que se trata de uma v. 4, n. 1, 2005.
inovação devido ao seu impacto no
sentido de transformar processos e BORHER, M. B. A.; ÁVILA, J.; CASTRO,
pessoas. De acordo com os concei- A. C.; CHAMAS, C. I.; PAULINO, S. En-
tos de Fonseca e Figueiredo (2014), sino e Pesquisa em Propriedade Inte-
a inovação é entendida como um lectual no Brasil. R. Bras. de Inov., v.
processo e não como evento isolado. 6, n. 2, 2005.
Verificou-se que as Atividades Inte-
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da
gradoras contribuem para a melho-
Educação Nacional (LDB) nº 9.394,
ria e construção de um Integrado de
de 20 de dezembro de 1996.
qualidade. Elas propiciam momen-
tos ricos e valiosos que as disciplinas CARDOSO, T. F. L. Sociedade e desen-
tradicionais não permitem. O forma- volvimento tecnológico: uma abor-
to aberto sem conteúdo predeter- dagem histórica. In: GRINSPUN, M.
minado deu a elas uma flexibilidade P. S. Z. Educação Tecnológica. São
necessária para atender às deman- Paulo: Cortez, 2002.
das dos cursos e dos estudantes. En-
fim, elas se mostraram valiosas para a CARNEIRO, M. A. O nó do Ensino
formação de cidadãos e profissionais Médio. Petrópolis: Vozes, 2012.
com autonomia intelectual.
CORDIOLLI, M. Apud: TEIXEIRA, B.
Inovação ou Acomodação: de qual
lado sua escola está? Ver. Educ.
524
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO:
CONCEPÇÃO E CATEGORIAS FUNDANTES
Ivonei Andrioni 1
1
Universidade Federal de Mato Grosso, doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Educação
E-mail: ivoneiandrioni@yahoo.com.br
526
a educação geral se torne parte in- educativo. Ou seja, o objetivo é ofe-
separável da educação profissional recer ao jovem formação humana
em todos os campos onde se dá a e de cultura geral, para inserir “os
preparação para o trabalho: seja jovens na atividade social, depois
nos processos produtivos, seja nos de tê-los elevado a um certo grau
processos educativos como a for- de maturidade e capacidade para a
mação inicial, como o ensino técni- criação intelectual e prática e a uma
co, tecnológico ou superior” (p. 84). certa autonomia na orientação e na
Assim, no Ensino Médio Integrado, iniciativa” (GRAMSCI, 2011, p. 36).
os alunos terão acesso aos conheci- Rodrigues (2010, p. 184) afirma
mentos equivalentes à base nacional que o Ensino Médio no Brasil esteve
comum referente ao nível de ensino reservado a uma elite proprietária,
e os conhecimentos específicos do como passaporte para o Ensino Su-
curso técnico escolhido. O objetivo perior. Segundo Rodrigues, o que há
é unir teoria e prática, preparação é “uma formação propedêutica, vol-
para prosseguir nos estudos e pre- tada para os integrantes da elite, que
paração para o trabalho. No curso conseguia continuar os estudos em
subsequente isso não acontece, pois direção ao Ensino Superior”.
o objetivo é formação prática, treina-
mento, aprender a fazer. Para Nosella (2009), até a década
de 1930, no Brasil, a modalidade de
Para Frigotto, Ciavatta e Ramos Ensino Médio existia apenas como
(2005), a modalidade de Epiem, no formação geral, formação científica,
Brasil, é recente. Somente a partir de para uma minoria que se dava o luxo
2003, abre-se a possibilidade de uma de prosseguir em estudos superio-
nova concepção que problematiza res. Segundo o autor, o filho do tra-
e busca superar o currículo dualista, balhador só teve acesso a essa mo-
historicamente presente na educa- dalidade devido à necessidade de
ção brasileira. formação de mão de obra para aten-
Com a concepção de formação der as demandas da industrialização
integrada ou de Epiem, pretende-se crescente. Antes disso, aos filhos da
construir/organizar educação esco- classe operária, do campo ou da clas-
lar na perspectiva da escola unitária se urbana, por diferentes razões, não
e politécnica. Perspectivas que con- lhes era garantido o direito à escola
cebem o trabalho como princípio de Ensino Médio.
528
A concepção de educação foi pelas condições gerais de funciona-
mento do processo de acumulação
deturpada pelo capital, pelo grupo
de riqueza (FREITAS, 2010, p. 156).
que vive da exploração do trabalho
da classe operária. Pois, o que po- Para Frigotto (2006), a função do
deria ser espaço de emancipação, Ensino Médio é “preparar cidadãos
formação para a cidadania, espaço autônomos para atuarem no campo
para conhecer os princípios da pro- social, político, cultural e econômico”.
dução e da organização social, tor- Porém, o que se percebe são milha-
nou-se espaço e instrumento que a res de jovens que, vitimados pela so-
sociedade capitalista usa para “for- ciedade de classes, são condenados
necer os conhecimentos e o pessoal a frequentar “cursos profissionalizan-
necessário à maquinaria produtiva tes desprovidos de uma base científi-
em expansão do sistema capitalista, ca, técnica e de cultura humana mais
mas também gerar e transmitir um geral”, que não os prepara “nem para
quadro de valores que legitimam os as exigências profissionais e nem
interesses dominantes” (MÉSZÁROS, para o exercício autônomo da cida-
2008, p. 15). dania” (p. 91).
530
Gramsci (2011) afirma que cada e gratuita. O objetivo é a superação
classe social cria os seus intelectuais da separação entre formação técnica
orgânicos. Com isso surge a escola para o trabalho e formação científica/
dualista tradicional que divide o en- geral para prosseguir nos estudos.
sino em clássico – destinado à classe Para Frigotto, Ciavatta e Ramos
dominante e aos intelectuais, e o en- (2005, p. 42), os mentores do referido
sino profissional – destinado à classe decreto apropriam-se da ambiguida-
instrumental, os operários. de e dos princípios de educação es-
Gramsci propõe uma escola úni- tabelecidos no Art. 1º da Lei de Dire-
ca, de formação humana, de base trizes e Bases da Educação Nacional
unitária, em que nº 9394/96 e defendem a possibili-
[...] a última fase (Ensino Médio) dade de “incorporar no Ensino Médio
deve ser concebida e organizada processos de trabalho reais, possibi-
como a fase decisiva, na qual se ten-
de a criar os valores fundamentais
litando-se assimilações não apenas
do “humanismo”, a autodisciplina teóricas, mas também práticas, dos
intelectual e autonomia moral ne- princípios científicos que estão na
cessária a uma posterior especiali-
zação, seja ela de caráter científico
base da produção moderna”. Ou seja,
(estudos universitários), seja de ca- o que se pretende é construir uma
ráter imediatamente prático-produ- educação unitária e universal desti-
tivo (indústria, burocracia, comércio
etc.) (GRAMSCI, 2011, p. 39).
nada a superar a dualidade entre cul-
tura geral e cultura técnica, ainda no
Ensino Médio, visto que
No Brasil, um dos marcos signifi- O Ensino Médio integrado é aque-
cativos na superação da dualidade le possível e necessário em uma
é o Decreto nº 5.154/2004. Decreto realidade conjunturalmente des-
favorável – em que os filhos dos
esse que nasce no auge da luta en- trabalhadores precisam obter uma
tre conservadores e progressistas. profissão ainda no nível médio, não
De um lado, os conservadores lutan- podendo adiar este projeto para o
nível superior de ensino – mas que
do por uma educação/escola seg- protagonize mudanças para, supe-
mentada: profissionalizante, para a rando-se essa conjuntura, consti-
classe trabalhadora e científica, para tuir-se em uma educação que con-
tenha elementos de uma sociedade
a elite/burguesia. De outro lado, os justa (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS,
progressistas: lutando por uma edu- 2005, p. 44).
cação democrática, de base unitária,
laica, politécnica, humanista, pública
532
tre o homem e a realidade material Para Ciavatta (2005), a proposta
e social (PACHECO, 2012, p. 68).
de Epiem tem o propósito de “su-
perar a redução da preparação para
A construção do currículo a par- o trabalho ao seu aspecto operacio-
tir do eixo estruturante trabalho, co- nal, simplificado, escoimado dos co-
nhecimento e cultura objetiva cons- nhecimentos que estão na sua gê-
truir, tornar realidade o projeto de nese científico-tecnológica e na sua
base unitária e politécnica. Ou seja, apropriação histórico-social” (p. 85).
objetiva superar a dicotomia entre Segundo a autora, a proposta deve
formação técnica e formação cientí- articular políticas de desenvolvimen-
fica, preparação para o trabalho ou to econômico local, regional e nacio-
preparação para prosseguir nos es- nal, bem como políticas de emprego
tudos. e renda. Ou seja, é um projeto que,
para obter êxito, precisa estar imbri-
No documento das OCs (MATO
cado na sociedade e também ter o fi-
GROSSO, 2010), percebemos que o
nanciamento por parte das políticas
grande desafio ainda é a construção
públicas.
de uma proposta que integre todos
os saberes “articulando formação Para a Secretaria de Estado de
científica, tecnológica e cultural, com Educação de Mato Grosso (MATO
vistas a superar a ruptura historica- GROSSO, 2010, p. 80), tanto as es-
mente determinada entre uma es- colas urbanas como as escolas do
cola que ensine a pensar [...] e uma campo podem optar pela implanta-
escola que ensine a fazer” (p.16). ção da Epiem. O objetivo é superar a
dualidade e garantir a todos o direito
Segundo o documento OCs
de acesso e permanência na escola,
(MATO GROSSO, 2010, p. 22),
bem como organizar uma proposta
[...] a finalidade da escola que unifica
conhecimento, cultura e trabalho é
pedagógica que oportunize pleno
a formação de homens desenvolvi- domínio dos princípios da ciência, da
dos multilateralmente, que articu- técnica, da organização social, políti-
lem a sua capacidade produtiva às
capacidades de pensar, de relacio-
ca e econômica.
nar-se, de desenvolver sua afetivi- Nessa mesma perspectiva, temos
dade, de estudar, de governar e de
exercer controle sobre os governan- a Resolução nº 2, de 30 de janeiro
tes. de 2012, que entre outros aspectos,
define as Diretrizes Curriculares Na-
534
cesso histórico percorrido até chegar Trabalho como princípio educa-
à cientificidade, aos valores sociais tivo: para Frigotto e Ciavatta (2012,
-políticos-éticos e econômicos en- p. 749), conceber o trabalho como
volvidos, como também a quem in- princípio educativo é conceber “o ser
teressa a realidade atual do trabalho humano como produtor da socieda-
e quem são os beneficiários. de e da cultura de seu tempo”, evi-
Para as OCs (MATO GROSSO, tando com isso que alguns vivam da
2010, p. 21), “considerar o trabalho exploração do trabalho do outro ser
como princípio educativo [...] impli- humano. Nessa perspectiva, a educa-
ca buscar o enfrentamento da escola ção tem como objetivo o desenvol-
dual mediante a construção de uma vimento omnilateral e politécnico,
educação básica que articule conhe- ou seja, formação para a vida, con-
cimento, trabalho e cultura”. Ainda templando desenvolvimento “físico,
segundo o documento, a finalidade mental, intelectual, prático, laboral,
da escola que unifica conhecimento, estético e político”. Sendo inconce-
trabalho e cultura é a de formação bível a naturalização da concepção
politécnica e omnilateral, de base de trabalho onde uma “classe social
unitária, que articula capacidade dominante explora o trabalho das
produtiva às capacidades de pen- demais”.
sar, de produzir, de relacionar-se, de O trabalho como princípio educa-
tivo ganha nas escolas a feição de
estudar, de exercer controle sobre a princípio pedagógico, que se realiza
realidade política e, se for o caso, que em uma dupla direção. Sob as ne-
esteja em condições de governar. A cessidades do capital de formação
de mão de obra para as empresas,
perspectiva da escola, conclui o do- o trabalho educa para a disciplina,
cumento, objetiva a “inserção dos para a adaptação às suas formas de
jovens na atividade social, na criação exploração ou, simplesmente, para
o adestramento nas funções úteis
intelectual e prática e no desenvolvi- à produção. Sob a contingência das
mento de uma certa autonomia de necessidades dos trabalhadores, o
orientação e iniciativa” (p. 22), con- trabalho deve não somente prepa-
rar para o exercício das atividades
templando ao mesmo tempo forma- laborais, [...] mas também para a
ção científica, cultural e tecnológica, compreensão dos processos técni-
sustentada nas linguagens e nos co- cos, científicos e históricos-sociais
que lhe são subjacentes e que sus-
nhecimentos sócio-históricos. tentam a introdução das tecnolo-
gias e da organização do trabalho
(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2012, p. 750).
536
nesta perspectiva de articulação en- que temos hoje, na qual uns se apro-
tre formação geral e formação téc- priam dos meios de produção, do co-
nica, ou formação politécnica, se faz nhecimento e do trabalho. Enquanto
necessário oportunizar que o aluno outros proprietários apenas da força
assimile os aspectos teóricos e os as- de trabalho se adaptam ao estranha-
pectos práticos dos princípios cientí- mento, à alienação e à exploração do
ficos da organização moderna. homem pelo próprio homem. Enten-
[...] se o educando que passa por der o trabalho como princípio edu-
essa formação adquire essa compre- cativo significa entender que o ho-
ensão não apenas teórica, mas tam-
bém prática do modo como a Ciên-
mem é um sujeito histórico, vive em
cia é produzida, e do modo como a sociedade, cria e recria os meios de
ciência se incorpora à produção dos exploração e adaptação da natureza
bens, ele adquire a compreensão de
como a sociedade está constituída,
às suas necessidades, bem como or-
qual a natureza do trabalho nesta ganiza e reorganiza as formas de pro-
sociedade e, portanto, qual o senti- dução, inclusive a de exploração do
do das diferentes especialidades em
que se divide o trabalho moderno.
homem pelo próprio homem.
E nesse sentido ele estará habilitado
a desenvolver qualquer uma destas
habilidades específicas, porque os
3. CONSIDERAÇÕES
fundamentos, os princípios básicos
ele assimilou (SAVIANI, 1989, p. 18). Ao término deste trabalho, sem
ter a pretensão de esgotar a discus-
são, algumas considerações podem
Entender o trabalho como prin- ser feitas. Primeiramente ter a cla-
cípio educativo, significa entender o reza de que, no Brasil, existem dois
trabalho em suas relações com a ci- projetos de educação: um destinado
ência, com a cultura e com a produ- aos que vivem do trabalho, com ter-
ção da subsistência, ou seja, significa minalidade prevista com a conclu-
que o ser humano pode se apropriar são do Ensino Médio e outro apenas
da natureza, transformar a natureza, para os que vivem da exploração do
criar técnicas para melhor se apro- trabalho de outros seres humanos,
priar e transformar essa natureza, com objetivo de formação científica
bem como recriar e aperfeiçoar es- e para prosseguir nos estudos.
sas técnicas. Assim como entender o
sentido histórico que foi dado ao tra- A escola, “nos últimos cento e
balho no decorrer dos tempos, che- cinquenta anos” (MÉSZÁROS, 2008,
gando à divisão social do trabalho p. 35), esteve a serviço do capital:
538
FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, FREITAS, L. C. A Escola Única do Tra-
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Como Princípio Educativo. In: CAL- ção, São Paulo, Edição Especial, n. 11,
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são Popular, 2012. São Paulo: Cortez: Autores Associa-
dos, 1989.
540
UMA PROPOSTA DE INTEGRALIZAÇÃO DAS DISCIPLINAS DO NÚ-
CLEO BÁSICO COM AS DO NÚCLEO TECNOLÓGICO NO CURSO TÉC-
NICO DE NÍVEL MÉDIO EM INFORMÁTICA NA FORMA INTEGRADA
542
dicadores metodológicos, e visa à do curso. No seu trabalho, conclui
compreensão dos conceitos na sua que usar projetos de trabalho como
história, bem como seus significados metodologia torna o processo edu-
no que tange ao desenvolvimento e cacional mais dinâmico e promove
formação da força produtiva. Faz-se o diálogo entre disciplinas e cursos,
necessário salientar que o objetivo além de fornecer algo significante
não é a formação de técnicos, mas a tanto no que se ensina quanto no
formação de pessoas que compreen- que se aprende.
dam a realidade e que possam tam- Para o MEC (2012), o currículo in-
bém atuar como profissionais. tegrado e seus conceitos precisam
Entretanto, em se tratando de ser articulados a partir das relações
práticas pedagógicas que permitam com a totalidade. A produção des-
integração, Machado (2010) relata se currículo deve estar ligada às fi-
que se a realidade existente é uma nalidades e objetivos institucionais,
totalidade integrada, não se pode apesar de que se por ventura vier a
desmembrá-la, visto que o sistema existir uma visão de educação como
de conhecimentos produzidos pelo totalidade, não há como ensinar e
homem é fornecido por ela, e assim aprender tudo, por isso os conteúdos
nela deve atuar e transformá‐la. Essa necessitam ser escolhidos a partir de
visão de totalidade, por sua vez, tam- problemáticas concretas.
bém se demonstra na práxis do ensi- Nessa direção, a maneira de or-
nar e aprender, e isso por causa da di-
ganização do currículo pode ser uma
dática, pois se dividem e se separam, alternativa para fortalecer o conheci-
assim como também por questões mento e desenvolver o processo en-
didáticas há possibilidades de buscar sino‐aprendizagem. No trabalho de
a recomposição do todo. Henrique; Baracho; Silva (2011), eles
demonstram a integração entre con-
2.2. Organização do Ensino Inte- teúdos das disciplinas, e dizem que
grado as práticas foram realizadas de duas
maneiras, uma delas sobre o ajuste
A organização do ensino integra- na sequência dos conteúdos de uma
do foi objeto de estudo de Luz (2009) disciplina, a fim de direcionar os es-
sobre experiência desenvolvida na tudantes para o conteúdo de outra
disciplina de Física realizando a ar- disciplina, e a outra prática relacio-
ticulação com as outras disciplinas
544
A disciplina de Tópicos especiais apliquem em uma linguagem de
Integradores I, que possui total de programação observada na discipli-
40 horas, sendo oferecida no 1° ano. na Programação II, acompanhados
Esta disciplina, na proposta, surge a dos respectivos professores.
partir da integração da disciplina de A disciplina de Tópicos especiais
Língua Estrangeira Moderna – Inglês Integradores III, com um total de 40
do 1° ano, que é do Núcleo Básico, horas, sendo oferecida no 3° ano.
com a disciplina Fundamentos de In- Esta disciplina surge a partir da inte-
formática do 1° ano, que é do Núcleo gração da disciplina de Física do 3°
Tecnológico, visando integrar os co- ano, que é do Núcleo Básico, com a
nhecimentos e significados dos ter- disciplina Programação III do 3° ano,
mos técnicos da informática, isto é, o que é do Núcleo Tecnológico, visan-
professor da área de informática par- do integrar os conhecimentos de Fí-
ticipa os termos técnicos e seus res- sica para resolução de problemas de
pectivos significados e simbolismos, representação do mundo real, apli-
e o professor da disciplina de Inglês, cando em uma linguagem de pro-
por sua vez, na disciplina de Tópicos gramação orientada a objetos, sen-
especiais Integradores I, aborda os do acompanhada dos respectivos
termos ligados à área técnica. professores da área.
A disciplina de Tópicos especiais Observou-se nos parágrafos ante-
Integradores II, com um total de 40 riores como foi elaborada a proposta
horas, sendo oferecida no 2° ano. A de integração de disciplinas do plano
proposta é que esta disciplina apa- de curso. Todavia a oportunidade de
reça a partir da integração da disci- executá-la ocorre neste ano de 2017
plina de Matemática do 2° ano, que com o início do curso Técnico de Ní-
é do Núcleo Básico, com a disciplina vel Médio em Informática na forma
Programação II do 2° ano, que é do Integrada no Ifam do município de
Núcleo Tecnológico, visando integrar Manacapuru, onde ainda está em
os conhecimentos matemáticos para andamento o 1° ano do curso, e com
resolução de problemas de lógica isso, já obtemos alguns resultados da
de programação, aplicando em uma primeira disciplina integradora, que,
linguagem de programação, ou seja, por sua vez, é a de Tópicos especiais
o professor de matemática aborda- Integradores I.
rá os conhecimentos adquiridos de
matemática fazendo que os alunos
546
Figura 3 – Cálculo da Força Resultante produzido na linguagem C++
548
LUZ, Everardo de S. Ensino profissio-
nal integrado: projetos de trabalho
sob a ótica da transdisciplinaridade.
In. REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 32,
2009, Rio de Janeiro, Anais... Caxam-
bu: Anped, 2009.
550
humana e o direcionamento deste ção dita integrada neste percurso de
processo na busca da superação da acordo com a percepção dos princi-
dualidade histórica entre formação pais sujeitos deste processo: os con-
para o trabalho e formação intelec- cluintes de um curso integrado.
tual são aspectos que exigem um Tendo como referência estudos
olhar cuidadoso, um pensar sobre de autores como Frigotto, Ciavatta
as práticas, além de estudos e apon- e Ramos (2013), estudiosos do tema
tamentos sobre as estruturas pelas educação e trabalho, Kuenzer (2009),
quais esse nível de ensino é viabiliza-que trata do Ensino Médio integrado
do atualmente. sempre na perspectiva do trabalho,
Nesse viés, existem questões que Saviani (2007), ensinando sobre a
remetem à discussão das contradi- educação como formadora da cons-
ções acerca do Ensino Médio integra- ciência social, Santos, Sanches e Bue-
do como instrumento para a realiza- no (2012), que atentam para a impor-
ção de uma formação emancipadora tância da articulação dos conteúdos,
do sujeito aprendiz. Afinal, como po- além de legislações relacionadas ao
dem ser traduzidos o conhecimento tema, este trabalho remete ao pen-
e o trabalho no mundo contemporâ- samento reflexivo sobre a formação
neo? integrada que se apresenta com du-
O objetivo principal do presente pla finalidade: a formação para o tra-
estudo consiste na investigação so- balho e a formação relacionada aos
bre os significados do Ensino Médio conhecimentos científicos perpas-
integrado com a educação profissio- sando pela formação humana e pela
nal para a vida do egresso, conside- cidadania.
rando as expectativas deste proces- De acordo com o artigo 36 da Lei
so em termos de formação para o de Diretrizes e Bases da Educação
trabalho e formação cidadã. Nacional (LDB) nº 9.394/1996, o Ensi-
A partir das respostas de questio- no Médio é a última etapa da educa-
nário realizado com egressos do cur- ção básica e sua formação integrada
so técnico em agropecuária integra- deve preparar o jovem para o mun-
do ao Ensino Médio, apresentam-se do do trabalho e para o exercício da
neste trabalho os caminhos percorri- cidadania. O artigo 22 afirma que a
dos pelos estudantes após a conclu- “educação básica tem por finalidades
são do curso e a influência da educa- desenvolver o educando, assegurar-
552
Tabela 1: Matriz do curso Técnico em
Agropecuária Integrado ao Ensino Médio
556
O autor coloca claramente a nômicos, de estrutura física, de equi-
questão da constituição da identi- pamentos e de recursos humanos,
dade humana por meio do trabalho. uma formação de qualidade para os
A partir da ação produtiva, o ser hu- jovens.
mano se constitui e promove a trans- No processo educativo, quando
formação do meio social. E todo esse as contradições entre teoria e práti-
movimento ocorre pela formação ca se fazem muito presentes, podem
com a qual as pessoas se submetem ser refletidas em formação deficitá-
ou são submetidas. ria dos estudantes. Dessa maneira,
A formação de nível médio inte- o discurso de educação libertadora,
grado deve prover o estudante de emancipadora, democrática, se apre-
conhecimentos históricos e científi- senta muito distanciado das práticas
cos dos meios de produção nos quais pedagógicas.
ele pretende disponibilizar sua força A democratização da escola deve
de trabalho. O caráter emancipatório ocorrer não apenas em termos de
do processo educacional faz toda a acesso. O ensino deve ser democráti-
diferença para a leitura e a prática da co em termos de preparação intelec-
vida. tual para o trabalho e para o exercí-
Boaventura (2009) afirma que cio de sua cidadania. Nessa direção,
a emancipação social tem sido or- Kuenzer (2002, p. 44), orienta que:
ganizada por meio de uma tensão Esse novo intelectual, a ser formado
entre aspectos contraditórios como também pela mediação do Ensino
Médio, potencialmente preparado
regulação e emancipação, ordem e para ser governante, será fruto da
progresso, entre a sociedade proble- nova síntese entre ciência, trabalho
mática e a expectativa de criação de e cultura, e, portanto, capaz de de-
sempenhar suas atividades como
uma vida melhor, em meio às opres- cidadão, homem da pólis, sujeito e
sões emergentes da vida cotidiana. objeto de direitos, e como trabalha-
dor, em um processo produtivo em
A legislação atual estimula a in- constante transformação.
tegração dos conteúdos humanísti-
cos com a educação profissional. O
desafio consiste na superação das Trabalhar um processo educativo
dificuldades para viabilização de de qualidade exige a possibilidade
um processo educativo que ofereça, de acesso a conhecimentos que este-
com condições reais em termos eco- jam minimamente integrados, capa-
558
nico realizado em proporção regular das existiam com frequência, 55,2%
(37,9%). A questão da verticalização afirmaram que existiam com pouca
do processo de estudos, portanto, frequência e 6,9% participantes não
nem sempre esteve no processo da perceberam ações articuladas entre
escolha dos participantes. as disciplinas. Os dados demonstram
Entre as questões da pesquisa, que, apesar da integração ser reco-
uma se referiu ao motivo pelo qual nhecida por um número significa-
o aluno optou em realizar o curso tivo de participantes, a maioria dos
técnico integrado. Do total de par- egressos não reconheceu sua exis-
ticipantes, 24,1% responderam que tência constante nas diversas disci-
tiveram identificação com a área plinas durante o curso.
técnica, 27,6% responderam que foi A última questão direcionada aos
pela oportunidade de fazer o ensino participantes foi quanto ao grau de
médio integrado com o curso téc- contribuição que o curso teve na sua
nico em agropecuária, 41,3% pelo vida profissional e para o seu cres-
desejo de fazer o Ensino Médio pela cimento pessoal. Verificando as res-
qualidade de ensino do Ifes e 7% as- postas constatou-se que 96,6% alu-
sinalaram as duas primeiras opções. nos responderam que foi importante
Nesta questão, 58,6% dos alunos de- e significativo para a sua formação
monstraram que a realização do cur- pessoal e profissional, 3,4% afirmou
so ocorreu pelo interesse pelo curso que foi de importância razoável para
integrado e pela parte técnica, en- a sua formação pessoal e profissio-
quanto 41,4% consideraram predo- nal, nenhum participante apontou
minantemente o ensino médio para que foi pouco importante para a sua
a escolha do curso. Fatores relaciona- formação pessoal e profissional ou
dos à integração, portanto, domina- que o curso não teve importância
ram a escolha pelo curso. para a sua formação pessoal e pro-
A outra questão respondida pe- fissional. A maioria dos participantes,
los egressos foi sobre a percepção portanto, sinalizou que o curso foi
do aluno sobre a existência de ações importante e significativo para sua
integradas ou articuladas entre as vida pessoal e profissional.
diversas disciplinas do currículo. Do Pode-se constatar que o curso
total de alunos participantes, 37,9% criou condições para a maioria dos
responderam que as ações articula- egressos prosseguir com seus estu-
560
alguns docentes. As práticas integra- Ao processo educativo, cabe de-
doras são importantes ferramentas senvolver metodologias capazes de
para a contextualização histórica do atender às concepções da formação
educando com o objeto de estudo. integrada, dedicada para cada estu-
A indissociabilidade entre formação dante e para todos os estudantes,
humana e formação técnica deve fa- considerando que cada sujeito deve
zer parte desse processo, constando ser cidadão do mundo, capaz de
no Projeto Pedagógico do curso e da compreender processos e estruturas
instituição. que definem e dominam a vivência
Desenvolver o processo educati- e sobrevivências sociais, situando-os
vo para além das demandas de mer- como partícipes ativos e conscientes
cado, da demarcação das origens de sua história, independente de sua
sociais e econômicas dos estudan- origem social ou da instituição em
tes, numa perspectiva integradora, que desenvolvem a sua formação.
dialogada, articulada com a realida-
de consiste em grande desafio para REFERÊNCIAS
a sociedade atual e para a escola.
BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23
Santos, Bueno e Sanches (2014, p.
de julho de 2004. Regulamenta o
120) afirmam que as atividades inte-
§ 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da
rativas:
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
[...] mobilizam os alunos, desafiando
-os a construir seus próprios senti-
1996, que estabelece as diretrizes
dos para o conhecimento em ques- e bases da educação nacional, e dá
tão; buscar subsídios pertinentes; outras providências. Casa Civil, Bra-
confiar em si mesmos; pensar por si
mesmo; analisar, interpretar, refletir,
sília, Distrito Federal, 23 jul. 2004.
planejar, organizar, dialogar com os Disponível em <http://planalto.gov.
diversos pontos de vista, sistemati- br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/
zar e expressar seus conhecimentos.
Tais práticas preparam a juventude
decreto/d5 154.htm>. Acesso em: 15
não mais para a repetição do que set. 2016.
existe, mas para reinventar e reor-
ganizar conhecimento e valores, de- ______. Ministério da Educação. De-
senvolvendo uma ética planetária
creto nº 7.566, de 23 de setembro
e ambiental, reformando o pensa-
mento com novas evidências cientí- de 1909. Cria nas capitais dos Esta-
ficas e novas condições sociais. dos a Escola de Aprendizes Artífices
para o ensino profissional primário e
gratuito. Rio de Janeiro, 23 set. 1909.
562
IFES. Projeto Pedagógico do Curso SAVIANI, D. Trabalho e Educação:
Técnico em Agropecuária Integra- fundamentos ontológicos e histó-
do ao Ensino Médio. Santa Teresa, ricos. Revista Brasileira de Educa-
Espírito Santo, Set. 2009. ção, v. 12, n. 34, 2007. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/
KUENZER, A. Z. (Org.). Ensino Mé- v12n34/a12v1234.pdf>. Acesso em:
dio: construindo uma proposta para 18 dez. 2016.
os que vivem do trabalho. 6.ed. São
Paulo: Cortez, 2009.
564
levado em consideração na constru- a ser seguido, uma vez que já está
ção de novos conhecimentos. previsto na lei que rege a educação
Assim, apresentamos neste arti- nacional.
go um breve relato de experiência Seguindo os preceitos da lei e
de uma construção de currículo inte- buscando atender de forma mais
grado que vem sendo desenvolvido abrangente os jovens e adultos tra-
no Instituto Federal Catarinense no balhadores vitimados pelos proces-
Programa Nacional de Integração da sos de exclusão social, surge o Pro-
Educação Profissional com a Educa- grama Nacional de Integração da
ção Básica na Modalidade de Educa- Educação Profissional à Educação
ção de Jovens e Adultos. Básica na Modalidade de Educação
O Programa tem como principal de Jovens e Adultos (Proeja). Institu-
objetivo a formação integral do estu- ído pelo Decreto nº 5.840, de 13 de
dante, e constitui-se em uma política julho de 2006, o Proeja é dirigido aos
de inclusão social na qual a formação jovens acima de 18 anos sem o Ensi-
profissional está integrada à esco- no Médio e sem formação profissio-
larização. Assim, ele é norteado por nal formal.
uma proposta pedagógica que está Esse Programa tem como obje-
fundamentada no currículo integra- tivo integrar a educação (formação)
do. Eis aqui o nosso desafio! profissional à educação básica com
o mesmo padrão de qualidade e de
2. UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA forma pública, gratuita, igualitária e
universal, aos jovens e adultos que
A LDB, em seu artigo 39, apre- foram excluídos do sistema educa-
goa que “a educação profissional, cional ou a ele não tiveram acesso
integrada às diferentes formas de nas faixas etárias denominadas re-
educação, ao trabalho, à ciência e à gulares. Essa formação específica e
tecnologia, conduz ao permanente continuada é uma necessidade per-
desenvolvimento de aptidões para a manente para os jovens e adultos
vida produtiva”. Observa-se aqui que trabalhadores, retomando assim os
a integração da educação profissio- princípios ético-políticos já presen-
nal com o processo produtivo, com tes no campo da EJA, como direito
a produção de conhecimentos e com à educação, à formação humana e à
o desenvolvimento científico-tecno- busca de universalização do Ensino
lógico é, antes de tudo, um princípio Médio com vistas à elevação da es-
566
campo de conhecimento específi- Ao se propor uma concepção peda-
co implica investigar, entre outros gógica que relaciona teoria e prática,
aspectos, as reais necessidades de incorpora-se nesta concepção a arti-
aprendizagem dos sujeitos estudan- culação dos conhecimentos prévios
tes. produzidos no seu estar no mundo
Ainda nessa modalidade de en- àqueles disseminados pela cultura
sino, procura-se evitar a reprodução escolar e, naturalmente, a concepção
de organização estrutural, currículos, de uma formação integral.
métodos e materiais da educação No caso da EJA, a pedagogia
básica infantojuvenil. Segundo Kohl deve partir do reconhecimento des-
(1999): ses sujeitos educandos constituídos
refletir sobre como esses jovens e em suas relações histórico-sociais,
adultos pensam e aprendem envol- e, para tanto, deve-se construir uma
ve, portanto, transitar pelo menos
por três campos que contribuem
proposta pedagógica que possibilite
para a definição de seu lugar so- a existência de linhas de flexibilida-
cial: a condição de "não crianças", a de, que seja diferente da escola que
condição de excluídos da escola e a
condição de membros de determi-
propõe formatar indivíduos e cons-
nados grupos culturais. truir subjetividades mais ou menos
parecidas com as exigências de um
mercado.
A flexibilização de currículos,
meios e formas de atendimento, in- Dessa forma, o Documento-Base
tegrando as dimensões de educação do Proeja (2007) estabelece alguns
geral e profissional, reconhecendo princípios que consolidam os fun-
processos de aprendizagem infor- damentos da política educativa da
mais e formais, combinando meios EJA definidos por meio das teorias
de ensino presenciais e à distância, de educação em geral e de estudos
possibilita aos jovens e adultos a ob- específicos dessa modalidade de en-
tenção de novas aprendizagens e a sino.
certificação correspondente median- Um princípio que ganha desta-
te diferentes trajetórias formativas. que no Proeja é o do “trabalho como
A prática social e, principalmente, princípio educativo”. A vinculação da
a prática laboral dos jovens e adultos escola média com a perspectiva do
interferem na concepção de uma pe- trabalho não se pauta pela relação
dagogia voltada para esse público. com a ocupação profissional direta-
568
vemente uma experiência que vem idealizada por Paulo Freire, na qual
acontecendo no IFC num esforço o professor deixa de ter um caráter
contínuo de materializar a proposta estático e passa a ter um caráter sig-
do currículo integrado. nificativo para o estudante.
No início de cada ano letivo, a
4. MATERIALIZANDO A TEORIA: professora mediadora propõe ati-
UMA PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO vidades de reconhecimento do EU
(individual) e as relações com o gru-
O desafio em implementar um po. Depois das primeiras impressões,
currículo integrado envolve muito sugere-se uma produção de texto: a
mais do que a integração de conte- história de vida de cada indivíduo.
údos. A desconstrução do modelo rí- Estas histórias de vida fazem dos es-
gido que envolve tempo e espaço da tudantes/pessoas reconhecidos indi-
situação de aprendizagem é neces- vidualmente. Nas primeiras semanas,
sária para repensar uma proposta de a professora mediadora atua sozinha
um currículo para jovens e adultos. E nestas atividades para se criarem os
é esse o caminho que vem sendo tri- vínculos do grupo. Além disso, ela
lhado por muitos sujeitos no Institu- também esclarece sobre a metodo-
to Federal Catarinense. Na tentativa logia de trabalho, o processo de ava-
de materializar a teoria do currículo liação e tudo aquilo que envolve o
integrado, professores, estudantes percurso formativo destes jovens e
e técnicos administrativos vêm de- adultos.
senvolvendo a experiência no Proeja
Uma vez identificadas as trajetó-
que será relatada a seguir.
rias de vida (escolar/profissional), a
Inicialmente, pensamos ser im- professora mediadora socializa as in-
portante ressaltar que o Proeja no formações com o grupo de professo-
IFC, em especial no campus Cam- res que atuam no PROEJA, para que
boriú, possui a figura do professor todos possam “conhecer” um pouco
mediador. No caso relatado, temos de cada jovem e adulto com os quais
a professora mediadora das turmas irão trabalhar. Essa troca de informa-
de EJA. Esta profissional, formada em ções acontece em reunião pedagó-
pedagogia, é concursada especifica- gica após as duas primeiras semanas
mente para essa atuação. O conceito de aula. Nesta primeira reunião são
de professor mediador está presen- definidos os eixos temáticos do ciclo
te na perspectiva da escola cidadã,
570
áreas de conhecimento, procurando- 5. O LIVRO DE VIDA E O PORTIFÓLIO:
se reconhecer a realidade cotidiana
ELEMENTOS DE APOIO À CONSTRU-
dos jovens e adultos até chegar a um
conhecimento mais geral. O maior ÇÃO DO CURRÍCULO INTEGRADO
objetivo de trabalhar com eixos é O Livro de Vida da turma consiste
romper com a reprodução dos con- em um caderno no qual os sujeitos
teúdos de forma fragmentada, na envolvidos no processo, inclusive a
busca da totalidade e das relações professora mediadora, registram dia-
entre eles. Por isso, é necessário que riamente a dinâmica das aulas. A prá-
tanto as disciplinas quanto as ativi- tica de registros (anotações sobre as
dades integradoras sejam construí- produções dos/das estudantes, dos-
das do ponto de vista da seleção dos siê, relatórios descritivos, de desem-
conteúdos estruturantes a partir de penho individual, entre outros) rea-
inter-relações entre os eixos. lizada pela turma e pela professora
Na medida em que as atividades mediadora é fundamental para que
vão transcorrendo, dentro da pro- se obtenham elementos necessários
posta dos ciclos semestrais com seus e suficientes para o processo avaliati-
eixos temáticos, os professores das vo dos discentes e docentes.
disciplinas da educação básica e da Por ser um caderno partilhado
qualificação profissional dialogam pelo grupo, no qual cada indivíduo
com a professora mediadora sobre se expõe através de um relato, uma
conteúdos, propostas de trabalho/ narrativa ou uma reflexão sobre suas
pesquisa, seminários, viagem de expectativas, sua compreensão do
estudo. Esse diálogo ocorre pratica- momento vivido em sala de aula,
mente todos os dias. A professora sua “leitura” do aprendizado, ou do
mediadora contextualiza os profes- aprendizado do grupo, entendemos
sores de todas as disciplinas sobre o que esse material é um instrumen-
desenvolvimento dos trabalhos em to essencial para a compreensão da
sala de aula na noite anterior, para prática pedagógica interdisciplinar.
que eles possam planejar suas ativi- Por meio dele, podemos analisar se
dades baseados nessas informações. a prática está consolidada, ou não,
Essa contextualização é registrada com as intenções teóricas.
no Livro de Vida da turma.
Ainda complementar ao Livro de
Vida, após alguma proposta de tra-
572
escolhe as produções que incluirá e tudante sobre sua aprendizagem é
insere reflexões sobre o desenvolvi- parte importante do processo”. Apre-
mento de sua aprendizagem”. Nesse sentamos abaixo alguns recortes
sentido, não existe um Portfólio igual dessas reflexões:
ao outro, pois nele estão implícitas Eu percebi que melhorei muito, quan-
identidade e experiências do seu au- do vejo meu portfólio e os trabalhos
que venho fazendo. Ao longo desses
tor. dias, percebi melhora, mas ainda te-
Os enunciados produzidos nos nho muita dificuldade em Português
e Física. (Estudante 11).
Portfólios e no Livro de Vida são hete-
Olhando meu portfólio, vejo o quanto
rogêneos, pois caracterizam o lugar eu já aprendi e melhorei durante este
e a posição de cada sujeito, porém semestre. Eu aprendi a reestruturar, a
algumas regularidades podem ser colocar em ordem e a usar ele como
um livro de pesquisa. Porque nele eu
encontradas. Selecionamos alguns encontro todo o conteúdo que eu
recortes dos registros obtidos por aprendi até agora, e o que eu ainda
meio do Portfólio e do Livro de Vida, tenho para aprender. (Estudante 15).
das turmas envolvidas no Programa. Procuro olhar meu portfólio como se
Como são muitos registros, esco- fosse um arquivo, nele consigo reco-
nhecer meus erros, ver se compreendo
lhemos para este artigo recortes de o conteúdo ou não, e na maioria dos
textos que representam os sentidos meus textos, percebo que posso fazer
que se aproximam e aparecem com além. (Estudante 19).
574
educadores, professora mediadora e significativas que contribuem de for-
coordenação pedagógica, maior será ma decisiva para a articulação dos
a cumplicidade entre os envolvidos conteúdos entre si e com o meio em
no processo ensino-aprendizagem. que vivem. Dentre essas práticas, os
sujeitos ressaltam a importância do
6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E papel do professor como orientador,
facilitador deste processo.
CONTRIBUIÇÕES
Nesse contexto, utilizamos o Por-
A partir da experiência na cons- tfólio e o Livro de Vida como sinaliza-
trução de um currículo integrado, dores da materialização do currículo
materializados pela avaliação do Por- integrado. Os Portfólios nos auxilia-
tfólio e do Livro de Vida, podemos ram na medida em que refletiram o
tecer algumas contribuições para desenvolvimento individual de cada
professores da EJA. Entendemos que estudante, revelando os avanços e
as estratégias por nós utilizadas, ex- dificuldades. A utilização do Portfó-
postas na análise, e os aprendizados lio e do Livro de Vida como forma
registrados pelos estudantes nos de avaliação do processo ensino
Portfólios e no Livro de Vida são fun- -aprendizagem dos sujeitos envol-
damentais e relevantes para a com- vidos pode tornar-se mais rica se for
preensão e avaliação de nossas práti- desenvolvida de forma colaborativa
cas educativas. entre os professores. Esta reflexão/
Os registros realizados pelos es- avaliação colaborativa não começa e
tudantes se transformam em impor- nem termina com o registro de julga-
tantes indicadores para compreen- mentos, mas sim com investigação
dermos os processos de construção de como os estudantes aprendem,
do conhecimento, a maneira como o que aprendem e de que maneira
vão se apropriando dos aspectos aprendem. Esses instrumentos re-
formais do conhecimento científico presentarem ainda uma ferramenta
e, como de fato, se materializa a pro- para a autorreflexão dos professores.
posta do currículo integrado. É a partir dos e pelos registros que
o professor se percebe e é percebi-
Na experiência vivenciada, perce-
do, podendo assim refletir sobre sua
bemos que os estudantes que parti-
prática em sala de aula e contribuir
cipam do Proeja evidenciam em seus
para a materialização do currículo in-
registros no Livro de Vida práticas
tegrado.
576
Ensino Médio Integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios 577
Reitoria – SGAN Quadra 610, módulos D, E, F e G
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