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constituig2o de nossa cultura material, Dispondo-se de tais elementos, no sO farlamos justic a0 negro como fetor determinante da nose forrnagdo étnica e cultural, como esclareceriamos fatos importantes do nossa histéria. Soria igualmente instrumentel importante na erradi- cacso de cortos habitos rangosos de excoionizadores, de sistematica: mente atribuir tudo 0 que se considarg bom ou aprecidvel a metropole. sobretudo em se tratando de bens culturais cuja orgem se des- conhega ou se conheca mal. Assim, objetos hoje zelosamente quarda- dos @ bem etiquetados em alguns museus, exibindo origem européia, mostratiam sua verdadeira procedéncia: des excelentes artistas o arte: ‘sos das senzalas, que sempre quisemos escamotear. A falta do informa. io histérice exata, afrmagées gratuitas porduram, dae marginalizam 9 ne- {gro at6 naquilo a que tem direito incontaste, tal seja, 0 produto de sua arte Nina Rodrigues, no que pesem os precenceitos que informam sua obra @ que nfo mais resistem a critica atual, continua sendo, quanto informac&o € ao métoco. a fonte mais segura para os trabalhos pos- teriores sobre o negro no Brasil.Jé no comeco deste século, fornecia esie autor dado concreto extremamente relevante para @ avaliacéo de participagdo decisiva do negro, no somente nas artes pléstices come has artes indusiriais brasileiras. Se esse elemento n&o so dostacava mais, era consegiléneia ds prépria politica econémica do cotcnizador, que s6 emprogava ou permitia deservolver-se a mao-de-obra que con- vinha 20 sistema. Dal surgirem “lutes ernpenhadas entre a producao escrava e a produpao livre da coldnia, entre os seus interesses € 0s da metropole, de onde por muttas vezes se originaram iniervencoes do govern bem maleticas € nochas aos progressos da nossa cultura” Dal surgirem iqualmente decretos reais como 0 de 20 de outubio de 1621, que ilustra bern essa attudé: “Nenhurn negro, mulato ou indio pode trabalhar como ourives”. Fica implicito que osso estado do coisas {6 oxistia havia algum tempo, pelo menos. Apesar de tais restri¢ges, negtos © pardos teimaram em mostrar sua capacidade criadora Pereira da Costa lamentando © atraso (grifo nossa) das artes em Per- nambuco. atribuilhe @ causa precisamente ao elemento negro que delas se havia apoderado, dando-nos @ sua revelia informacao relevan- te para a reconstitvig8o hisiGrica da quesido. Citande Koster, esse autor diz que em 1810 os negros crioulos eram gerelmente os obreiros de todas as artes: “eles néo conseguiram chegar ainda as ele- vades classes dos burguases, agricultores © negooiantos. Alguns tam conseguido ajuntar grande soma de dinheiro © comprado escravos, aos auais ensinam os seus oficios, assim como a outros, com o fim de tirar maior proveito. Esses escravos trabalham para os seus senhores e pro- porcionam-Ihes grandes rendimentos*®, porque a mao-de-obra & geral- mente cara e os trabalnos que dependem de uma carta habilidade € gosto sao pagos mais liberalmente que os outros. O mestre pintor de igreja ¢ de imagens mais afamado em Peinambuco € um preto de muito bogs maneiras, com ares de homem de importéncia e muito orguihoso dos seus cotes"™ . Algin disso, segundo 0 mesmo autor, as artes industriais tais como as de cerpinteiro, marcenciro, ourives, ferreiro, sapateiro, alfaia te, etc, eram gerelmente exercidas por pretos © pardos, Acrosconta Nina Rodrigues, com raz8io, quo esse situago om Porambuco "se pode estender 2 todo 0 Brasil, onde os fatos se repetiam exatamente nos resmos moldes” Assim, 0 elemento nagro tam acompanhado camo parte ativa 0 evolver das artes no Brasil @ fecundado os momentos mais ricos de sua histéria: suas figuras marcantas nos séculos XVII @ XVI © pravam cabalmente, € nesse periado que a arquitatura @ a escultura desenvol- vem-se acentuadamente ¢ é entac que pardos e nearos mostram 0 methor de sua capacidade criadora, Anténio Francisco Lisboa |1738- -1814), © Aleijadinho, mulato famoso por sua obra arquite:Gnica escultérica nas igrejas das cidades mineiras © de quem, aliés, falare- mos mais detidamiente no decorrer deste trabalno; Valentim da Fonse ca {1750-1813}, que trabalhou no Rio de Janeiro na segunda motade de século XVI, cu Francisco das Chagas, — Chagas, 0 Cabra —, escul tor notével do século XVII. para citar apenas trés nomes dos mais conhecidos Esse répidg suméric hist6rico indica a atividade do negro desde o século XVII a0 XIX mes, desse momento para 4, sua presenga nas aries plésticas rarefaz-se, mantendo-se, contudo, para alguns artistas, no século XIX, como Miguel Arcanjo Benicio da Assunedo Dutra (1810-781, do tu Por cutro lado, © que afimara Koster em 1810 de que “os nagros crioulos eram geraimante cs obreiros de tocas as artas”, continua valido igualmente para 0 final do s8culo. E no $6 nas artes, mas abreiras de vérias coutras protissdes. como se pode ver do recenseamento da populacéo, na ue conceme as ocupagdes dos escravos para o ano de 1872" Todavia, 08 artistas negros s8o menos notados nas artes plasticas eruditas no decorrer daquele século & isto por varias razdes, destacart do-se dentre estas 09 fatores econémicos. De fato, a mesma situapdo compatitiva da m8o-do-obra eecrova 6 Ive, apontade por Nina Rodi ‘ques, ressurge depois de Abolig&o com a vinda dos amigrantes aura. Peus. Estes, j6 bem mass qualificados do que os negros ne perspectiva econdmica de entao, par sarem o produto de meio europau industriali- zado, apresentarr-se como elemento compatitivo superior a0 que 0 negro devera enfrentar ao longo de todo o periado colonial. Ao mesmo tempo, 0 velo expediente do colonizador em sO empregar méo-de- obra adequeda ¢ seu sistema econdmico continua, epeser de inde- pendéncia © da Abolicée, porque 0 proprio sistema econdmico néo sofro quase nenhuma alteragdo. Se 0 elemento negro permanece mois aparente nas artes industriais do Norte © Nordeste, 6 evideniomente Porque se trata de zonas menos industrializadas e no englobadas sis- tematicamente no sistema imigtatéria, onde portanto a mao-de-obra europaia penetrou menos: no Sul do pais raramente vé-se 0 negro nes- 52 tipo de atividade, Este marginalizacdo sistemética do negro dentio do sistema econdmico @ social brasileiros, recorrente tal cficulo vicio- 50%, ndo deixa de ter suas vantagens também, pois tem tuncionado como forga moviz e regeneradora de sua criatividade e fermento para sue identidede. 0 desafio constant que o negro tem tide, para se afirmar como elemento integrante © criador da cultura e civilizag8o bro- sileiras, . Qual a cidade do contro-sul do pais que apresonte uma ‘ladeira da Conceicdo da Praia’, entre outras, onde as oficinas de ferreiros negros @ mesticos sucedam-se do comeca 20 fim, onde as formas ancestrais sio recriadas ao ritmo das pancadas do malho na bigona que S80. a0 mesmo tempo. 0 gesto inconsciente, talver. de um grupo atirmando a sua autenticidade. criandio nas formas urn espaco que thes 93 vyuntonsouse uss tem sido sempre negaccado, mas sempre reconquistado com a paciéncia © portindcia do artesio, caracteristicas do ethos negro? Por outro lado, a demanda da produco artistica negra era canali- zada, via de regra, para as igrejas e, com frequéncia, nara as igrelas das irmandades € contrarias ce pretés e pardos. Ora, 0 século XIX assiste @ introducéo do neociassico acompanhando © declinio do Barroco, fétores esses causadores da rebaixa do negro nes artes plésti- cas. Em seu final, a Aboligao retira muito do sentido que as irmanda- des e contrarias tinham pare os negros, que sobre,seram agremiagées, religicsas, funcionavam igualmente como clubes © centros once aqueles podiam, em certa medida, conservar suas diferencas culturais, @ manter sua identidade étnica Acrescente-se a isso que nacuele periodo 0 artista 4 comeca a definir-se de modo diferente. j4 ndo se traia do artesao™ capaz ndo somente de dourar um painel de talha sacra, como de esculpir ume imagem, pintar um teto de igreja ou cin- zelar um tocheiro de preta, ecumulando freqientemente as habilidades de arquiteto ¢ mest’e-de-obras. Iniciam-se ja as especializagées ¢, com clas, 0 artista redeline-se © passa a ser, sobretudo nos grandes centres, como bem viu Clarival Valladares, “aquale capaz de educago dispendiosa, necessariaments no estrangeirs @ de acordo com o gosto, dominante da sociedade consumidora’®* Pré-requisites asses que abviamente exclulam nao <6 0 elemento negro. como todo aquele que se encontrasse em idénticas condicdes sécio-econdmicas. A presenca negra, contudo, ira emergir nas artes plasticas novamente, de modo mais aperente © marcante, a partir dos anos 40, mas dentro de con- digdes socieis diferentes, como veremos depois. Vale insistir, no entan- to, que nunca houve solugéo de continuidade na produgéo antistica nagra do anonimato das forjas das oficinas de marcensiros, carapinas’ @ de coramistas do Norte, Nordeste © Ceniro do Brasil. De onde as for mas ancestrais, embora freqlentemente distorcidas, nia escondem contuda a matriz geradora e diversificarn-se no que se chamau depois de afro-brasileira 13.5 Arte afro-brasileira : definicao Arte airo-brasileira 6 uma expresso convencionade artistica que, ou desempenha fungao no culto dos orixés, ou trata de tema ligado ao culto, Esta maneira de definir campo, ligando-o a religides vivas que apelam para uma ascendéncia atricana, traz aparentes anomalias. liga- das precisamente 4 vitalidade e, portanto, a apropriacao de simbolos Novos por esses religides. Dentro desse critério s40, com justica, inclut- dos no campo afro-brasileiro iconografias do ‘cabocio’ ou da umbanda que nada tém de africano, nem no estilo nem ng técnica. S40, porém, autenticamente aftcbrasileiros por tratarem de temas ordenades, segundo um esqueme de pensamento de origem africena, No caso de umbanda 36 08 temas so africanos, enquanto no do cabaclo, nem

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