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1 de dezembro de 1988
Querido Gianmarco,
Não, de verdade, não estou de acordo. Não estou acordo com sua invitação de
buscar a verdade. O que é a verdade? Só poderia ser um regresso ambíguo: o que é a verdade
da arte? Aqui a verdade só se dá a partir do factício, a verdade do que é construído e que para
nós constitui um novo fragmento do ser. Essa verdade não é transcendente nem remete a algo
imutável e eterno, mas está feita, constituída com nossas pobres mãos. Se é essa a verdade a
que você alude, estamos de acordo: mas não é assim. Na verdade, você me incita
platonicamente ao uso da palavra para denunciar minha ingenuidade e ignorância, meu olvido
de um ser substancial. Mas isso não é mais que retórica. Amo arte desde que se faça abstrata;
desde que, na abstração, mostra uma nova qualidade do ser, a participação das singularidades
do trabalho em um único meio, precisamente abstrato.
Você objeta: outras vezes, e outra maneira, conhecemos a realidade. Aí está nossa
biografia para demonstrar. O real era grande e grosso ante nós, justo e injusto, verdadeiro e
falso, belo e feio. Entre essas alternativas lutamos – e não duvidávamos de seu valor –. Os anos
que conduziram a 68. Então, nossa estética foi a da resistência, a desmistificação e logo a
ofensiva. Peter Weiss descreve os recursos da estética da resistência. Em Berlim de 1937, em
pleno nazismo triunfante, um grupo de jovens artistas, participantes desse renascimento do
classismo que o nazismo auspiciava, visita o museu para estudar os magníficos restos do altar
de Pérgamo. Mas vivendo de novo aqueles valores, a liberdade, o heroísmo, a dignidade, a dor
daqueles mármores sublimes, reapropriando-se deles: descobriram o antifascismo. A plástica
antiga, recorrida filológica e politicamente, leva os artistas autodidatas a conclusões opostas as
do classismo nazi. Os mesmos corpos lhes empoem o desprezo das liturgias de Leni
Riefenstahl.