Resumo O autor faz uma análise crítica do recém-incorporado BI-RADS® ultra-sonográfico. A primeira recomendação
derivada dessa análise crítica é que sempre se identifique quando se está usando o sistema BI-RADS® para
mamografia, ultra-sonografia ou ressonância magnética, por exemplo, empregando o termo BI-RADS®-US.
São feitas considerações sobre as vantagens de se utilizar o BI-RADS® ultra-sonográfico, incluindo reprodu-
tibilidade, padronização, auditoria, ecogenicidade de base. São também identificados alguns pontos fracos
do sistema: a omissão de descritores de relevância estatística comprovada, como hipoecogenicidade acen-
tuada e número de lobulações, a adoção de descritores de valor ainda pouco comprovado, como o ligamento
de Cooper, e a falta de dados sobre o valor preditivo positivo de algumas lesões muito comuns, como nó-
dulos hipoecóicos. Finalmente, é colocada uma sugestão: dividir os descritores em faixas de significância
para se determinar o valor preditivo positivo das lesões, uma vez que alguns descritores são muito signifi-
cativos e outros não têm qualquer relevância estatística.
Unitermos: BI-RADS®; Mamografia; Câncer de mama.
lesão com ecogenicidade complexa é uma lesão, o halo ecogênico, a presença de maior componente glandular (Figura 1).
descrição que engloba lesões parcialmente achados associados. As mamas homogeneamente gordurosas
necróticas com altíssimo risco de maligni- O BI-RADS® ultra-sonográfico trouxe, teriam maior possibilidade de esconder
dade e também inclui cistos com pequenas ainda, uma classificação da ecotextura de uma lesão focal (Figura 2). É a primeira vez
projeções sólidas papilíferas na sua luz, de base da mama inédita, incluindo três cate- que se descreve mamas com ecotextura de
risco bem menor. Ainda assim, elas podem gorias: mamas homogeneamente gorduro- base heterogênea. Isso é de grande utilida-
ter descrição muito parecida e ser classi- sas, mamas homogeneamente fibroglandu- de, pois na prática encontramos mamas
ficadas na mesma categoria. A subdivisão lares e mamas heterogêneas. A razão des- com ecogenicidades mistas, criando um
da categoria 4 em subcategorias A, B e C sa classificação vem do fato de que deter- padrão heterogêneo, ou com várias áreas
já é um progresso. A partir de agora, de- minados tipos de ecotextura de base pode- sombreadas advindas de ligamentos de
veremos estar recebendo dados da litera- riam favorecer, enquanto outros poderiam Cooper (Figura 3). Esse tipo de mama pos-
tura mais específicos sobre o valor predi- diminuir a sensibilidade da ultra-sonogra- sivelmente pode gerar falsas lesões e es-
tivo positivo de cada uma dessas lesões in- fia mamária. A literatura refere que mamas conder lesões verdadeiras. A hipótese de
dividualmente, que vão nos permitir uma densas radiologicamente permitiriam con- que a ecotextura de base da mama possa
classificação de risco mais embasada por fiabilidade maior da ultra-sonografia ma- afetar a sensibilidade da ultra-sonografia
dados científicos. mária, e que em mamas com grau acentua- para detectar lesões focais, todavia, ainda
A sistematização na nomenclatura dos do de substituição gordurosa a confiabili- não foi testada em estudos específicos.
cistos sofreu um progresso com a divulga- dade da ultra-sonografia estaria diminuí-
ção do BI-RADS® ultra-sonográfico. A da(5). Essa afirmação vem do fato de que a PROBLEMAS E DESVANTAGENS DO
classificação dos achados ultra-sonográfi- maioria das lesões ultra-sonográficas é hi- BI-RADS® ULTRA-SONOGRÁFICO
cos se enriqueceu, definindo apropriada- poecogênica, e, portanto, essas lesões de-
mente as lesões de ecogenicidade comple- vem aparecer melhor em mamas de ecoge- Uma desvantagem que pode vir a acon-
xa, os cistos complicados, a orientação da nicidade maior, como são as mamas com tecer é a mera confusão de usar termos BI-
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RADS® tanto para achados radiológicos literatura tem classificado a importância mero de laudos inconclusivos, facilitar a
como para achados ultra-sonográficos. A dos descritores de acordo com a sua asso- auditoria dos serviços em geral e dos pro-
percepção tradicional da comunidade mé- ciação com malignidade e a sua freqüên- gramas de rastreamento e incrementar a
dica é que BI-RADS® é uma classificação cia. Por exemplo, a hiperecogenicidade(9) qualidade da assistência médica em diag-
para ser usada em estudos radiológicos. e a pseudocápsula(8) são descritores forte- nóstico mamário, diminuindo o caráter
Uma boa solução para essa chance poten- mente associados à benignidade, porém de subjetivo da interpretação dos achados
cial de confusão é utilizar a terminologia menor valia por causa da sua raridade. ultra-sonográficos. Muitas questões, no
BI-RADS®-ultra-som ou BI-RADS®-US Forma e contornos irregulares, por outro entanto, precisam ser respondidas para
(como consta no texto do BI-RADS®) para lado, são descritores que ao mesmo tem- uma adoção completa e bem sucedida do
distinguir do BI-RADS® radiológico. Essa po são achados freqüentes e com forte as- BI-RADS® no laudo ultra-sonográfico. Há
parece ser uma questão de menor impor- sociação com malignidade, portanto, de que se corrigir a lista de descritores das
tância, mas a atenção a esse detalhe pode utilidade bem maior(7). Poderia ser útil, no lesões, incluindo parâmetros de significân-
evitar grandes confusões. ponto em que a assistência ultra-sonográ- cia estatística já comprovada, como a hi-
O BI-RADS® ultra-sonográfico foi cla- fica se encontra, classificar os descritores poecogenicidade acentuada e o número de
ramente uma adaptação do BI-RADS® ra- de acordo com a sua importância para o lobulações. Há que se definir melhor al-
diológico, e dessa forma foram usadas ter- diagnóstico final. Isso poderia evitar algu- guns descritores, como o ligamento de
minologias mais apropriadas à descrição de ma dificuldade em correlacionar o diagnós- Cooper. São necessárias, também, pesqui-
achados radiológicos do que achados ul- tico radiológico final e a recomendação de sas sobre a influência da ecotextura mamá-
tra-sonográficos. Na introdução, por exem- conduta. A classificação dos descritores de ria de base na qualidade do diagnóstico.
plo, o BI-RADS® ultra-sonográfico define acordo com a sua relevância para a diferen- Pode ser interessante graduar os descrito-
nódulo como uma lesão vista em duas pro- ciação benigno-maligno pode inclusive res de acordo com a sua importância. Fi-
jeções. Não é uma descrição apropriada, contribuir para diminuir a conhecida varia- nalmente, são necessárias pesquisas para
pois a ultra-sonografia não usa projeções ção interobservadores na análise dos des- estudar o valor preditivo positivo de lesões
de imagem e sim transformação de ecos em critores ultra-sonográficos(10). ultra-sonográficas, para melhorar o desem-
imagem. Embora não seja questão compro- Um problema do BI-RADS® ultra-sono- penho geral do sistema.
metedora, a publicação oficial deve estar gráfico (e da própria ultra-sonografia mamá-
REFERÊNCIAS
atenta para usar a terminologia exata. ria) é a falta de dados na literatura sobre
A escolha dos descritores dos achados algumas lesões ultra-sonográficas, como os 1. American College of Radiology. Breast Imaging
Reporting and Data System (BI-RADS™). 4th ed.
ultra-sonográficos do BI-RADS®-US foi pequenos nódulos hipoecóicos, que po- Reston, VA: American College of Radiology, 2003.
cuidadosa e abrangente. Alguns aperfei- dem corresponder a nódulos sólidos ou a 2. American College of Radiology. Breast Imaging
çoamentos, no entanto, devem ser feitos. cistos complicados. Como esses achados Reporting and Data System Ultrasound (BI-
RADS™–Ultrasound). 1st ed. Reston, VA: Ameri-
Não foram incluídos como descritores al- são extremamente comuns, será atribuída can College of Radiology, 2003.
guns parâmetros de análise de grande im- a classificação três ou mesmo quatro a um 3. Chala LF, Barros N. ACR BI-RADS™ na ultra-
portância, como a hipoecogenicidade grande número de lesões. É extremamente sonografia. Radiol Bras 2004;37(2): III–IV.
acentuada, um parâmetro de malignidade desejável que surjam dados na literatura 4. Sickles EA. Periodic mammographic follow-up of
probably benign lesions: results in 3,184 consecu-
cuja significância estatística já se conhece que permitam classificar melhor essas le- tive cases. Radiology 1991;179:463–8.
desde o trabalho de Stavros et al.(6), e vem sões. Um cisto com nível líquido-líquido, 5. Crystal P, Strano SD, Shcharynski S, Koretz MJ.
sendo sistematicamente confirmada em ou- por exemplo, poderia ser classificado como Using sonography to screen women with mammo-
graphically dense breasts. AJR 2003;181:177–82.
tras pesquisas, como a de Skaane e Enge- BI-RADS® ultra-sonográfico dois, evitan-
6. Stavros AT, Thickman D, Rapp CL, Dennis MA,
dal(7) e a de Chala(8). Outro parâmetro de do o custo e o estresse de se realizar con- Parker SH, Sisney GA. Solid breast nodules: use of
importância estabelecida poderá ser incor- troles semestrais. É possível, também, que sonography to distinguish between benign and
malignant lesions. Radiology 1995;196:123–34.
porado: número de lobulações de uma le- o Doppler possa ser usado para distinguir
7. Skaane P, Engedal K. Analysis of sonographic fea-
são (maior ou menor que três). Chala de- entre nódulo sólido e cisto em casos de tures in the differentiation of fibroadenoma and
monstrou que lesões com três ou mais lo- nódulos hipoecóicos muito pequenos, mas invasive ductal carcinoma. AJR 1998;170:109–14.
bulações têm risco de câncer significativa- serão necessários estudos experimentais 8. Chala, LF. Ultra-sonografia na diferenciação entre
nódulos mamários benignos e malignos: determi-
mente aumentado. para determinar essa possibilidade, inclu- nação de nódulos provavelmente benignos e avalia-
O descritor espessamento e retificação sive definir qual a sensibilidade e os ajus- ção do impacto na redução do número de biópsias.
do ligamento de Cooper provavelmente tes do Doppler que atinjam esse objetivo. (Tese de Doutorado). São Paulo, SP: Faculdade de
Madicina da Universidade de São Paulo, 2003.
mereceria um estudo mais especificamente
9. Rahbar G, Sie AC, Hansen GC, et al. Benign ver-
desenhado para demonstrar a sua utilidade CONCLUSÃO sus malignant solid breast masses: US differentia-
e reprodutibilidade. tion. Radiology 1999;213:889–94.
O BI-RADS® ultra-sonográfico cita 40 A utilização do BI-RADS® ultra-sono- 10. Baker JA, Kornguth PJ, Soo MS, Walsh R, Mengoni
P. Sonography of solid breast lesions: observer vari-
descritores, mas não apresenta uma clas- gráfico deve melhorar a comunicação en- ability of lesion description and assessment. AJR
sificação de importância relativa deles. A tre o clínico e o radiologista, diminuir o nú- 1999;172:1621–5.