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A TEORIA DO DISTRIBUTISMO

“A escolha é entre a propriedade, por um lado, e escravidão,


pública ou privada, por outro. Não há terceira alternativa. ”
Hilaire Belloc.

1. BELLOC E CHESTERTON
Joseph-Pierre Hilaire Belloc (1870-1953) nasceu na França, nos arredores de Paris, e
posteriormente foi naturalizado inglês. Belloc foi historiador, membro do Parlamento
Britânico e um dos mais fecundos e influentes escritores católicos de sua época. Talvez
ninguém mais do que ele (chamado de "Antigo Trovão" por sua mãe por causa de seu
temperamento feroz) sacudiu os católicos de seu tempo de sua inércia e os desafiou a aplicar
na prática os caminhos e princípios delineados pelo papa Leão XIII, em 1891, através de sua
marcante encíclica Rerum Novarum, "Sobre a condição dos operários”. Já Gilbert Keith
Chesterton (1874-1936) foi um escritor inglês versado na arte das letras. Além de jornalista,
romancista, poeta, palestrante, teólogo, crítico literário, ensaísta, polemista, apologista,
biógrafo, cartunista e filósofo, Chesterton também se aventurou pelo campo da economia.
A Rerum Novarum surgiu na plena consolidação da sociedade industrial, e esta
distanciava-se dos princípios morais cristãos e proletarizava a força de trabalho. Ao mesmo
tempo o comunismo se erguia e a concentração da riqueza se dava nas mãos de poucos. A
encíclica defendia o direito à propriedade privada (opondo-se ao comunismo) e dela advieram
várias encíclicas que comporiam aquilo que se denominaria Doutrina Social da Igreja.
Do impulso inicial desta primeira sistematização desta Doutrina, Belloc e Chesterton
desenvolveram uma filosofia econômica conhecida como Distributismo, visto como uma
“terceira via” em oposição ao capitalismo e ao socialismo. Chesterton, desiludido com as
falsas esperanças propostas pelo capitalismo e socialismo, escreveu a respeito do livro
“Estado Servil” (1912) de Belloc: “[...] quando o Sr. Belloc escreveu a respeito do Estado
Servil, ele estava apresentando uma teoria econômica tão original que quase ninguém ainda
percebeu do que se trata”1.

1
DA SILVA, Diego Guilherme. Chesterbelloc e o Distributismo. Disponível em: <https://goo.gl/sa3kdn>. Acesso
em: 09 Junho 2018.
2. CRÍTICA AO CAPITALISMO E AO SOCIALISMO
A Rerum Novarum apresenta alguns princípios sociais dentre os quais o mais
destacado é o direito universal à propriedade privada. A Teoria Distributiva surgiu
primeiramente no pensamento de Belloc, como crítica ao capitalismo.
O Estado Servil, contrário ao princípio da propriedade privada de todos os indivíduos,
não se refere a todas as formas de capitalismo possíveis. Belloc
não considera servil uma sociedade na qual os homens trabalham por entusiasmo,
credo religioso, medo da miséria ou por pretensão de lucro. Tampouco vê servidão
numa sociedade onde os homens possam se valer do seu direito de trabalhar, ou não,
como instrumento para negociar melhorias nas suas condições, tendo ao seu lado
garantias por meio de leis sociais. A característica básica de um Estado Servil é uma
legislação positiva aos homens possuidores dos meios de produção que obriga os
demais homens livres (porém não possuidores desses meios) a vender sua força de
trabalho em troca de meios mínimos para a subsistência.2

Tal problema do capitalismo é expresso por Chesterton ao dizer que


Nossa sociedade é tão anormal que o homem normal nunca sonha em ter a ocupação
normal de cuidar de sua própria propriedade. Quando ele escolhe um negócio, ele
escolhe um, entre milhares de negócios, que envolve cuidar da propriedade dos
outros.3

O Capitalismo é tal que, enquanto uma classe acumula sempre mais riqueza, a outra
fica estancada numa situação limite. Não há mobilidade social, não há igualdade, nem
dignidade. O que se pensa como solução primeira a estas colocações é a proposta socialista,
porém ela é veementemente rejeitada por ambos os autores.
De fato, o socialismo era interpretado como uma consequência natural do
capitalismo, e não uma alternativa genuína. Enquanto o capitalismo concentra a riqueza na
mão de poucos detentores dos meios de produção, o socialismo realiza uma concentração
ainda maior colocando tudo nas mãos do Estado. Além, é claro, do fato de que o socialismo,
negando a propriedade privada, fere a liberdade humana, que é o valor mais alto do
Distributismo.

2
DO NASCIMENTO, Rhuan Reis. Hilaire Belloc e o Distributismo: um estudo sobre a teoria econômica
formulada pelo historiador francês a partir de sua crítica ao capitalismo (século XX). Disponível em:
<https://goo.gl/rm5PdK>. Acesso em: 09 junho 2018.
3
FREIRE, Guilherme. Chesterton e o distributivismo. Revista Vila Nova, 7. ed. Junho de 2013. Disponível
em: <https://goo.gl/4ZCidf>. Acesso em: 11 de junho 2018
3. O DISTRIBUTISMO
Destas críticas surge uma terceira via, uma teoria que mais que traçar rigidamente
uma estrutura econômica, delineia princípios quase universalmente aplicáveis, que levam em
consideração o fato de que o homem é muito mais do que um ser econômico.

3.1. Motivação e contexto histórico


Chesterton e Belloc vivenciaram fortemente as transformações sociais, tecnológicas
e industriais que a Inglaterra e toda a Europa sofreram na virada do século XIX para o século
XX. As rápidas mudanças do estilo de vida, a poluição, a ganância, a pobreza e a
desestabilidade da família ocasionada pela pobreza, chamaram a atenção de Chesterton, tão
zeloso e amoroso pelo “lar”, lugar e refúgio seguro da família. Tais situações inquietaram
tremendamente esses dois corajosos homens que se aventuraram em desenvolver e propagar o
distributismo (ou distributivismo) como uma via segura para a restauração de uma verdadeira
vida social e econômica, em consonância com o ensinamento social da Igreja. Tanto ele
quanto Belloc tinham convicção do que significava a família e a economia e de que ambas
estavam relacionadas na construção de uma sociedade justa e livre.

3.2. Etimologia da palavra “economia”


Enganam-se aqueles que interpretam o distributismo como uma mera manifestação
da ética cristã ao invés de uma teoria social econômica. De fato, Belloc e Chesterton não eram
teoricamente economistas, mas eles foram pensadores autênticos aos quais os assuntos
sociais, econômicos e políticos, bem como a experiência dos sistemas econômicos não eram
estranhos. A palavra “economia” tem sua origem no latim “oeconomia”, que por sua vez é
derivada do grego “oikonomia”, que era composta pelo substantivo “oikos” (casa) e pelo
verbo “nomein” (gerenciar), ao passo que este último se origina do substantivo “nomos”
(lei). Logo, “economia” significa “administração doméstica”, “administração do lar”. De
acordo com Pe. Denis Fahey, autor do livro “The Mystical Body of Christ in the Modern
World”,

A Economia é a ciência que estuda primariamente as relações pessoais que


constituem a família, as relações de marido e mulher, pais e filhos, mestres e servos,
e então, secundariamente, as relações dessas pessoas com os bens externos (o direito
à propriedade e o uso e aquisição de riqueza). Etimologicamente, economia é o
governo da casa e da família. A Economia estuda as famílias e as relações
constituídas pelos seus membros e então em suas condições de existência 4.

4
FAHEY, Denis. The Mystical Body of Christ in the Modern World. 3. ed. Browne and Nolan, 1947. p. 6-7.
Belloc e Chesterton tinham pleno conhecimento de que a economia não é
simplesmente uma ciência exata e fria, reduzida a meros dados quantitativos, mas sim uma
ciência humana, ligada intrinsecamente as nossas relações humanas e familiares, que devem,
portanto, “ser pautadas no respeito à dignidade da pessoa humana e em vista ao bem comum”
5
, afinal, o bem comum da família e da sociedade estão na transcendência e na felicidade:
princípio e fim de qualquer indivíduo ou grupo social.

3.3. A teoria distributista

A teoria econômica do distributismo, inicialmente proposta por Hilaire Belloc,


representou no início do século XX, como que um terceiro caminho em relação ao capitalismo
e ao socialismo. Tal teoria defendia o direito à propriedade privada e uma autêntica concepção
de liberdade para a família e consequentemente para a sociedade.
Gilbert Keith Chesterton foi o autor que mais difundiu a teoria do distributismo. Ele
afirmava veementemente que o capitalismo era o maior mal social dos tempos modernos, pois
é a concentração dos meios de produção nas mãos de poucos homens. Consequentemente,
esta concentração aprisiona a grande massa da sociedade a uma vida de servidão assalariada,
que dificulta e até impossibilita o seu autêntico desenvolvimento, liberdade e felicidade6. Por
outro lado, no distributismo está presente a defesa da liberdade como algo fundamental e
indispensável para a realização da felicidade humana; e tal liberdade só pode acontecer em
uma nação quando a propriedade privada for usufruída pela maioria das famílias.
Os distributistas sustentavam a afirmação de que a única solução para o problema da
concentração da propriedade tanto pelas mãos de poucos homens ou empresas (capitalismo),
quanto pelo Estado (socialismo), era a descentralização da posse dos meios de produção.
O distributismo representa uma sociedade livre e alternativa em torno da propriedade privada
e familiar, estando acima do Estado e do indivíduo. Sem ser apenas um híbrido entre os
sistemas capitalista e socialista, o distributismo é considerado um novo caminho que propõe
um sistema alternativo, no qual os princípios fundamentais são a propriedade privada,
a família, a subsidiariedade e a solidariedade, valores fundamentais da doutrina social
católica.
Diferentemente dos capitalistas, os pensadores distributistas defendiam uma filosofia
livre, que proporcionasse a liberdade de desenvolvimento e de aperfeiçoamento pessoal, de

5
DA SILVA, Diego Guilherme. Chesterbelloc e o Distributismo. Disponível em: <https://goo.gl/sa3kdn>.
Acesso em: 09 Junho 2018.
6
DO NASCIMENTO, Rhuan Reis. O Distributismo de Chesterton e Belloc. São Paulo: Instituto Brasileiro de
Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Lulull), 2016.
participação na vida da sociedade e de contribuição pessoal à construção do bem social7. Essa
liberdade constitui um valor tão alto que não deve ser trocada nem mesmo por “melhorias
sociais”, pois mesmo o capitalismo proporciona tais “melhorias”, que na verdade são a
instauração de “uma nova espécie de escravidão, ainda que os escravos pareçam felizes” 8.
Se a autêntica liberdade pessoal e social era o objetivo do distributismo, a autonomia
econômica era o meio pelo qual se alcançaria esse objetivo, visto que, o homem só poderia se
tornar livre, de fato, à proporção que possuísse os meios para que pudesse sustentar de forma
digna a si e a sua família, o que exige a garantia do direito à propriedade privada e dos meios
de produção para isso. Desta forma, tanto o capitalismo quanto o socialismo são sistemas
contrários à liberdade e ao progresso comum justamente porque promovem a concentração da
propriedade, seja nas mãos de alguns poucos ricos (elite), seja nas mãos do Estado9.
Chesterton, sem sombra de dúvidas, foi um dos pensadores mais importantes da
teoria distributista: ele foi o maior propagador desse modelo econômico durante grande parte
de sua vida e também foi presidente da Liga Distributista, a Liga para a restauração da
liberdade por meio da distribuição da propriedade, fundada por eles.
Um dos maiores nomes do distributismo no Brasil, Gustavo Corção, dedicou um
livro ao tema intitulado “Três alqueires e uma vaca”. Tal título é bem sugestivo, o próprio
termo “distributismo” dá a idéia de distribuição, repartição, e esta é a repartição dos meios de
produção, não mais concentrados em poucos grandes polos (o que é um empecilho para o
globalismo e a macroeconomia), mas “distribuídos” nas pequenas produções, como
cooperativas e pequenos negócios. Isto não significa a morte do comércio, mas reduz as
relações comerciais a uma microescala, fazendo com que a produção de riqueza tenha, antes
de tudo, uma dimensão familiar, onde cada indivíduo é dono de seu negócio (ou muito
próximo disto) e não é obrigado a vender sua força de trabalho para a acumulação de uma
riqueza alheia a fim de ter meios de subsistência. Assim se salientam os aspectos da
independência econômica, da liberdade humana e da dignidade da família.

7
DO NASCIMENTO, 2018. op. cit.
8
BELLOC, Hilaire. El Estado Servil. 3. ed. Buenos Aires: La Espiga de Oro, 1945. p. 149.
9
DO NASCIMENTO, 2018. op. cit.
REFERÊNCIAS

BELLOC, Hilaire. El Estado Servil. 3. ed. Buenos Aires: La Espiga de Oro, 1945. p. 149.

BROMMEL, Bruce J. The Distributivism of Hilaire Belloc. Disponível em:


<https://goo.gl/e8oP2g>. Acesso em: 09 Junho 2018.

DA SILVA, Diego Guilherme. Chesterbelloc e o Distributismo. Disponível em:


<https://goo.gl/sa3kdn>. Acesso em: 09 Junho 2018.

DO NASCIMENTO, Rhuan Reis. O Distributismo de Chesterton e Belloc. São Paulo:


Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Lulull), 2016.

______. Hilaire Belloc e o Distributismo: um estudo sobre a teoria econômica formulada


pelo historiador francês a partir de sua crítica ao capitalismo (século XX). Disponível em:
<https://goo.gl/rm5PdK>. Acesso em: 09 Junho 2018.

FAHEY, Denis. The Mystical Body of Christ in the Modern World. 3. ed. Browne and
Nolan, 1947.

FREIRE, Guilherme. Chesterton e o distributivismo. Revista Vila Nova, 7. ed. Junho de


2013. Disponível em: <https://goo.gl/4ZCidf>. Acesso em: 11 de junho 2018

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