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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A PROMÍSCUA RELAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DE


INFORMAÇÃO E O NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NA
SAÚDE EMOCIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

GABRIEL LIMA DO NASCIMENTO MARQUES

ORIENTADOR: CONOR FOLEY


CO-ORIENTADORA: PAULA SANDRIN

RIO DE JANEIRO
2018.1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A PROMÍSCUA RELAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DE


INFORMAÇÃO E O NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NA
SAÚDE EMOCIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

GABRIEL LIMA DO NASCIMENTO MARQUES

ORIENTADOR: CONOR FOLEY


CO-ORIENTADORA: PAULA SANDRIN

RIO DE JANEIRO
2018.1

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Relações


Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO)
como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Relações
Internacionais.
Com amor, em especial, a meus pais Denison e Luciene,
E a todos a quem Deus me deu o privilégio de compartilhar
Da luz que Ele faz brilhar dentro de mim por sua Graça.
O capitalismo tomou conta do universo simbólico, domina os meios
de justificar, criar e construir “verdades” (falsas verdades) com
mentiras. O capitalismo em sua fase mais cínica e devastadora tem o
mais forte dos aliados: a mídia (CALVINO, 2009, p. 41).
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus.

Não seria possível chegar até aqui sem que Deus abrisse portas para mim
onde não existia sequer a sombra de possibilidade. Estudante de escola pública
desde o início do fundamental, morador de área de risco (o Complexo do Alemão),
de família humilde com poucos recursos financeiros, e no tocante ao curso de
relações internacionais, sem inglês (posso dizer que possuía apenas o extremamente
básico). Olho para trás e vejo que, se não fosse Deus, eu teria ficado reprovado na
prova eliminatória de inglês da faculdade. Mas eu fui escolhido, antes mesmo de
nascer, para vir ao mundo em uma família que me daria todo amor e apoio do qual
necessitava para chegar aonde Deus queria que eu chegasse.

Agradeço aos meus pais Denison e Luciene por todo o amor, a educação, os
presentes com esforço, a negação e a permissão, o abraço, o carinho e as palavras
de afeto. Este trabalho mostra, de certa forma, que pessoas que não tiveram a mesma
sorte que eu estão a mercê de procurar sentido na vida em repetições, em realidades
virtuais que não existem no mundo real, e que buscam preencher um vazio que só
o amor dos pais poderia ter preenchido, pais terrenos e o Pai celestial, dos quais tive
o prazer de tê-los todos.

Agradeço aos meus avós Athaíde, Lucia e Neuza, que me ajudaram a


complementar meus recursos para passagens, lanches e passeios em um momento
que eu precisei dedicar meu tempo integralmente aos estudos, em nome de um
futuro de grandes retornos.

Agradeço à minha futura esposa Bianca, por aturar todos os meus discursos
filosóficos sobre a modernidade líquida em que vivemos, e como podemos viver de
forma a trazer alívio e felicidade a quem nos acompanha.

Aos meus apóstolos Alexandre Macedo de Oliveira e Rita de Cássia, meus


pastores Enock Mariano e Ana Carla Mariano, os quais tem me ensinado há muitos
e muitos anos sobre como viver uma vida que agrade à Deus e à sociedade.

À PUC-Rio, em especial ao Instituto de Relações Internacionais. A todos


meus professores da graduação, principalmente Marta Fernández, professora e
diretora do IRI durante minha breve passagem, professoras Paula Sandrin e
Manuela Trindade, diretoras da graduação, com suas disposições em ouvir nossas
demandas e seus empenhos de fazer do IRI um lugar cada vez melhor. À professora
Paula Sandrin, novamente, e ao professor Ricardo Oliveira que participaram
comigo na elaboração deste trabalho, me orientando em conjunto com o professor
Conor Foley, a quem também dedico meu agradecimento. De igual modo, às
minhas colegas Ma. Marcelle Trote e Ma. Marina Sertã Miranda. Aos funcionários
Vinicius Kede e Fabíola Pereira, e a todos os funcionários e estagiários do IRI 2
com os quais pude conviver diretamente mais de um ano no Núcleo de Publicações
e Pesquisas, onde muita coisa legal foi feita; à Stephany Costa, colega de classe
desde o início da graduação e, também, colega de estágio, com a qual troquei
informações valiosas para elaboração de nossos trabalhos. Agradeço, também, à
Natália Teixeira, que comprou a minha ideia de largar Ciências Econômicas, entrar
em Relações Internacionais, e por muitas vezes salvar a minha pele com ajudas e
explicações que se não tivessem vindo na hora em que vieram, certamente eu teria
atrasado a minha graduação em pelo menos mais um semestre. Não poderia deixar
de mencionar meu amigo Caio Lopes, com quem pude compartilhar reclamações
sobre alguns aspectos do curso, que se tornaram algumas vezes pauta de demanda
junto à direção, e que foi minha dupla na especialização em Gestão de Negócios
Internacionais em outra instituição. Caio se mostrou um amigo no auge do meu
stress em acordar de madrugada para ir à faculdade em algumas aulas que poderiam
certamente ter sido melhores, e caminhamos juntos dando suporte um ao outro para
não desistirmos de fazer o nosso melhor.

Um agradecimento especial aos 385 voluntários anônimos do Facebook que


responderam meu questionário que usei para finalizar este trabalho. Acredito que
se este trabalho obteve sucesso e projeção, se deve entre outros fatores também à
sinceridade e participação de todos vocês.

São muitas pessoas queridas que não foram citadas. Seriam necessárias mais
umas quatro páginas, no mínimo, mas todos foram de fundamental importância para
minha chegada até aqui. Espero trazer à sociedade em que vivemos, no futuro
próximo, contribuições significativas em direção a um mundo onde haja cada dia
mais paz, igualdade, prosperidade e saúde emocional.
A PROMÍSCUA RELAÇÃO ENTRE AS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E O NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NA
SAÚDE EMOCIONAL DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

Gabriel Lima do Nascimento Marques1

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar os dados de suicídio e casos de
depressão e ansiedade entre os brasileiros a partir da virada paradigmática da
ONU, ocorrida em função dos Relatórios de Desenvolvimento Humano
(RDHs), e a relação do papel das mídias de informação segundo a lógica de
subjetividade neoliberal no mundo pós-globalização, onde o indivíduo é o
único responsável por seu sucesso ou fracasso na vida (tomando como
parâmetro a lógica consumista da era capitalista pós-moderna).

RESUME
The objective of this study is to analyze data on suicide and cases of
depression and anxiety among Brazilians as a result of the paradigm shift of
the United Nations, based on the Human Development Reports (RDHs),
and the relationship between the role of information media according to a
logic of neoliberal subjectivity in the post-globalization world, where the
individual is solely responsible for his or her success or failure in life
(taking as its parameter the consumerist logic of the postmodern capitalist
era).

PALAVRAS-CHAVE
Neoliberalismo, Globalização, Pós-Modernismo, Nações Unidas, Doenças
Psicoemocionais.

1
Aluno de graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
SUMÁRIO

Prefácio ................................................................................................................. 8

Introdução ............................................................................................................ 9

Parte 1: Nações Unidas, Indivíduos Desunidos ................................................. 10

1. Breve contextualização ................................................................................ 10


2. Organização Mundial da Saúde ..................................................................... 10
3. Dados Preliminares de Saúde Emocional no Brasil ........................................ 13
4. A Brecha da Segurança Humana .................................................................. 14

Parte 2: Meios Tecnológicos Mais Relevantes na Atualidade Brasileira ...... 17


1. 1950: Televisão .......................................................................................... 17
2. 1991: World Wide Web .............................................................................. 19
3. 2007: Smartphones e Convergência Tecnológica .......................................... 22

Parte 3: Racionalidade do Capitalismo Contemporâneo ............................... 26


1. Fenômeno da Globalização e o Surgimento do Neoliberalismo ...................... 26
2. Subjetividade do Indivíduo Pós-moderno ..................................................... 32

Parte 4: Análise sobre a Saúde Emocional dos Indivíduos no Brasil Pós-


Moderno ............................................................................................................. 40

Considerações Finais ........................................................................................ 53

Referências Bibliográficas ............................................................................... 56


PREFÁCIO

Lost in a world created by man Perdido num mundo criado pelo homem
I can't recall how it all began Não me lembro como tudo começou
Tell me, who am I? Diga-me, quem sou eu?

Fictional stars in lost galaxies Estrelas fictícias em galáxias perdidas


Synthetic dreams and false memories Sonhos sintéticos e falsas memórias
Is this all a lie? Isto tudo é uma mentira?

There is no escape Não há escapatória


(There is no way out of here) (Não há maneira de sair daqui)
I'm locked in this universe Estou trancado neste universo
(The real world will disappear) (O mundo real irá desaparecer)
Where fantasy dies Onde a fantasia morre
(You will see your dreams) (Você vai ver seus sonhos)
Material lies Mentiras materiais
(Materialize) (Materializar)
Computer eyes Olhos de computador
(Computerize) (Computadorizar)

Virtual reality, computer override Realidade virtual, override de computador


Actual fantasy, locked away inside Fantasia real, trancada por dentro

Am I no more than a program? Não sou mais do que um programa?


An artificial dream? Um sonho artificial?
A river of electrons flowing with the stream? Um rio de elétrons fluindo com o fluxo?

A parallel dimension, battle simulations Uma dimensão paralela, simulações de batalha


Mind over matter, brain stimulation Mente sobre matéria, estímulo cerebral

I don't know if I exist. I think therefore I am Eu não sei se existo. Penso, logo existo
Without emotions, I'm but a hologram Sem emoções, sou apenas um holograma

There is no escape Não há escapatória


(There is no way out of here) (Não há maneira de sair daqui)
I'm locked in this universe Estou trancado neste universo
(The real world will disappear) (O mundo real irá desaparecer)
Where fantasy dies Onde a fantasia morre
(You will see your dreams) (Você vai ver seus sonhos)
Material lies Mentiras materiais
(Materialize) (Materializar)
Computerize. Computadorizar.

(Computer Eyes – Ayreon, 1996)


INTRODUÇÃO

O número de pessoas com depressão no Brasil é o maior da América


Latina segundo a Organização Mundial da Saúde (CHADE, 2017). Os
índices de transtornos de ansiedade no Brasil são o triplo da média mundial.
Os índices de suicídio estão em constante crescimento desde 1996, onde São
Paulo, a principal capital financeira do país, figura em primeiro lugar nesse
ranking.

A pergunta que guiou este trabalho é ‘o que pode estar relacionado ao


crescente número de casos de depressão, ansiedade e suicídio no Brasil que
pode não estar necessariamente explícito?’. Busquei a resposta no cenário
internacional, analisando o conceito de direito à saúde no Direito
Internacional, observando a mudança paradigmática da ONU – onde o
indivíduo passava a ser o foco de suas ações –, bem como o surgimento do
neoliberalismo, da globalização e do papel da mídia em reafirmar esses novos
modelos de vida como sendo o novo padrão a ser perseguido no último século
e a aceitação da sociedade pós-moderna de maneira passiva. Este trabalho
termina analisando dados sobre doenças emocionais no Brasil em
decorrência dessa convergência entre mídia e neoliberalismo no último
momento da globalização em que vivemos.

O marco teórico utilizado foi o estudo sobre pós-modernidade a partir


de diversos autores de inspiração marxista, críticos ao modelo econômico
neoliberal e ao modelo de globalização vigente.
PARTE 1: NAÇÕES UNIDAS, INDIVÍDUOS DESUNIDOS

Breve contextualização

Nos reportando ao período imediato do pós-Segunda Guerra Mundial,


uma organização de caráter internacional foi criada para buscar evitar o
ressurgimento de uma nova guerra total: a Organização das Nações Unidas
(ONU), em 1945, que sucedeu a Liga das Nações. A ONU enquanto
instituição e o próprio nome Nações Unidas, entretanto, não surgiram do
nada. “Anos de planejamento e dezenas de horas de discussões antes do
surgimento da Organização” (NAÇÕES UNIDAS, 2018) foram engajados a
partir da Declaração das Nações Unidas (onde Franklin Roosevelt em 1942,
então presidente dos Estados Unidos, utilizou a expressão “Nações Unidas”)
que foi um compromisso assumido por representantes de 26 países de que
seus governos continuariam lutando contra as potências do Eixo Roma-
Berlim-Tóquio (NAÇÕES UNIDAS, 2018).

O marco para o surgimento da ONU enquanto instituição foi a


ratificação da Carta das Nações Unidas (ou Carta da ONU). Esta carta,
segundo a própria organização, é seu documento mais importante segundo o
artigo 103 da própria carta:

No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações


Unidas, em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes de
qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações
assumidas em virtude da presente Carta (art. 103, Carta da ONU).

Organização Mundial da Saúde

A Organização Mundial da Saúde (OMS) é autoridade diretora e


coordenadora em saúde internacional dentro do sistema das Nações Unidas
(ONU). Foi fundada em 1948, e dentre seus princípios, contidos em sua
constituição, considero importante para este trabalho destacar os seguintes:
“A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não
apenas a ausência de doença ou enfermidade”, “O gozo do mais alto padrão
11

atingível de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem


distinção de raça, religião, crença política, condição econômica ou social” e
“Os governos têm uma responsabilidade pela saúde de seus povos, que só
pode ser cumprida mediante a provisão de medidas sanitárias e sociais
adequadas” (WHO, 2018, tradução minha).

O serviço realizado pela OMS tem sido de grande relevância em


matéria de saúde humana em todo o mundo e ao longo dos anos, desde sua
fundação.

Durante emergências, o papel operacional da OMS inclui liderar e


coordenar a resposta de saúde em apoio aos países, realizando
avaliações de risco, identificando prioridades e definindo estratégias,
fornecendo orientação técnica crítica, suprimentos e recursos
financeiros, bem como monitorando a situação de saúde. A OMS
também ajuda os países a fortalecer suas capacidades nacionais básicas
de gestão de risco de emergência para prevenir, preparar, responder e
recuperar de emergências devido a qualquer perigo que represente uma
ameaça à segurança da saúde humana (WHO, 2018, tradução minha).

Um caso emblemático onde a OMS apareceu propondo soluções e


coordenando operações de combate a doenças foi contra o surto de Ebola na
África Ocidental, em 2014. Na ocasião, a OMS atuou em parceria com outros
órgãos das Nações Unidas, como a UNICEF, em diversas frentes de combate,
desde a elaboração de vacinas contra o vírus Ebola até a aplicação da vacina
nos cidadãos das regiões afetadas e, também, fornecendo kits de
aprendizagem para crianças (NAÇÕES UNIDAS, 2018).

Um dos relatórios do Alto Comissariado das Nações Unidas para


Direitos Humanos, o Factsheet 31, é voltado especificamente para a questão
da saúde como um direito humano internacional. A questão da saúde como
direito internacional é tratado na Pacto Internacional em Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, em seu artigo 12:

1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda


pessoa de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar,
com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito, incluirão as
medidas que se façam necessárias para assegurar:
a. A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil,
bem como o desenvolvimento são das crianças;
12

b. A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do


meio ambiente;
c. A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas,
endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra
essas doenças;
d. A criação de condições que assegurem a todos assistência
médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

O relatório também une diversas leis internacionais para a saúde que


tratam exclusivamente de mulheres, crianças e adolescentes, deficientes,
migrantes e portadores de HIV/AIDS. Sobre o papel do Estado na garantia
dos direitos à saúde de seus cidadãos, o Pacto diz o seguinte em seu artigo 2:

1. Cada Estado Membro no presente Pacto compromete-se a adotar


medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação
internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o
máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar,
progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício
dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular,
a adoção de medidas legislativas.
2. Os Estados Membros no presente Pacto comprometem-se a garantir que
os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por
motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
qualquer outra natureza, origem nacional ou social, situação
econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
3. Os países em desenvolvimento, levando devidamente em consideração
os direitos humanos e a situação econômica nacional, poderão
determinar em que medida garantirão os direitos econômicos
reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam seus nacionais.

Já adiantando o que veremos ao longo deste trabalho, vemos que a


ideia neoliberal de Estado mínimo e livre mercado por si só já constituiria
um problema para o Estado. Uma ação estatal a fim de assegurar a saúde de
cidadãos que não tivessem condições poderia ser considerado
intervencionismo e colocar em risco o projeto neoliberal. O Instituto Liberal
do Rio de Janeiro, presidido pelo economista Rodrigo Constantino (que
também tem sido colunista de importantes jornais e revistas como Veja,
Valor Econômico e O Globo), condena a atuação do SUS no Brasil
considerando que “a saúde pública desafia a lógica de mercado livre – mas
não muito” (INSTITUTO LIBERAL, 2018). A frase ‘mas não muito’ faz
referência a um pensamento de Milton Friedman sobre ‘falha de mercado’.
Significa que, em casos onde o indivíduo apesar de possuir muitas riquezas
não ser capaz de arcar com o tratamento caríssimo para livrá-lo de uma
doença rara, o Estado teria obrigação de garantir a vida daquele indivíduo
13

através do dinheiro arrecadado (impostos) a um nível bem pequeno, que não


comprometesse a lógica de mercado como um todo (INSTITUTO LIBERAL,
2018). Esse paradoxo neoliberal pode não ser o pensamento mais adequado
para um país como o Brasil, 10º colocado entre os países com maior
desigualdade social do mundo, de acordo com o relatório do PNUD de 2017
(CORRÊA, 2017).

Dados preliminares sobre saúde emocional no Brasil

Começando a tratar sobre o assunto da saúde emocional e suicídio


neste trabalho, onde iremos analisar o caso do Brasil, não poderia deixar de
mencionar o trabalho da Organização Pan-americana de Saúde (PAHO
WHO, 2018). Eles perceberam um número elevado de suicídio entre jovens
e adolescentes na região pan-americana de aproximadamente 12 mil casos a
cada ano, sendo o suicídio a terceira maior causa de mortes entre jovens de
15 a 24 anos, onde 3 a 4 mortes são de homens. A campanha, divulgada em
forma de cartazes e meios eletrônicos, traz a ressalva que ‘os homens
realizam mais suicídios, mas as mulheres fazem mais tentativas de suicídio’,
e traz ilustrado os principais sinais de alerta que uma pessoa pode estar
emitindo para um possível suicídio. Irei descrever tais sinais propostos no
cartaz da PAHO WHO (2018):

• Tentativa de suicídio anterior;


• histórico de suicídio ou de tentativa na família;
• Depressão/Ansiedade
• Eventos na vida estressantes;
• Perda de interesse em viver;
• Isolamento;
• Irritabilidade alta;
• Sentindo-se preso/estagnado ou como um fardo para os outros;
• Aumento de uso de substancias (drogas e/ou remédios);
• Condições de saúde crônicas.
14

O presente trabalho da PAHO WHO também traz as formas


consideradas como importante para que governos e indivíduos da sociedade
civil adotem a fim de prevenir tais casos de suicídio, a saber: Acompanhar e
apoiar jovens que tenham tentado suicídio; conscientizar jovens, pais,
professores e profissionais de saúde; identificar e tratar condições de saúde
mental e uso de substâncias psicoativas; fornecer treinamento em prevenção
de suicídios para profissionais de saúde e educação; restringir o acesso ao
meios mais comuns de suicídio; direcionar intervenções específicas para
grupos em risco, como indígenas e jovens LGBT; promover o
compartilhamento responsável de informações sobre suicídio na mídia e nas
redes sociais; melhorar o registro e a análise de suicídios (PAHO WHO,
2018).

Outra informação importante contida no site da PAHO WHO é o


reconhecimento da importância das mídias de massa e das novas tecnologias
no tocante ao tema.

A mídia de massa e as novas tecnologias têm um impacto significativo


na saúde de adolescentes e jovens. É essencial trabalhar com os meios
de comunicação de massa para promover uma imagem positiva de
adolescentes e jovens e incorporar novas tecnologias na promoção da
saúde (PAHO WHO, 2018, tradução minha).

No entanto, como veremos no último capítulo deste trabalho, veremos


como a mídia de massa e as mídias sociais tem atuado na disseminação do
ideal comercialista, ressignificando inclusive o conceito de ser enquanto
indivíduo, na nova era ‘globalitária’ segundo Milton Santos (2004).

A Brecha da Segurança Humana

Em 1990, o primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano


introduziu uma nova abordagem para o avanço do bem-estar humano.
O desenvolvimento humano - ou a abordagem do desenvolvimento
humano - é sobre a expansão da riqueza da vida humana, em vez de
simplesmente a riqueza da economia em que os seres humanos vivem.
É uma abordagem voltada para as pessoas e suas oportunidades e
escolhas (HDR, 2018, tradução livre).
15

O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) é uma publicação


anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de
caráter independente, produzido por especialistas acadêmicos, técnicos,
líderes da sociedade civil, políticos etc. Esse relatório teve como objetivo
promover uma mudança paradigmática na ONU, focada no bem-estar dos
seres humanos, e não mais no Estado-nação. O desenvolvimento humano,
segundo o relatório, não assume que o bem-estar humano está
proporcionalmente relacionado ao crescimento econômico do Estado – “O
crescimento da renda é visto como um meio para o desenvolvimento, e não
como um fim em si mesmo” (HDR, 2018, tradução livre).

O plano era fornecer aos indivíduos oportunidades de escolha sobre


seu próprio futuro. Oportunidade pode ser entendido enquanto liberdade para
viver vidas que as pessoas valorizam (HDR, 2018), e escolha enquanto
“promoção de oportunidades às pessoas, não insistindo em que elas façam
uso delas. Ninguém pode garantir a felicidade humana e as escolhas que as
pessoas fazem são uma preocupação sua” (HDR, 2018, tradução livre). Esse
modelo de pensamento se aproxima com o pensamento neoliberal de
desaparelhamento estatal, desburocratização do capital, livre concorrência e
livre escolha dos indivíduos em como usar seu dinheiro a fim de alcançar a
felicidade por si próprios, ‘sem intervenção do Estado’. Ora, sem intervenção
do Estado para garantir, por exemplo, saúde (como já mencionei
anteriormente), sendo essa garantia agora estabelecida pelas condições
econômicas do indivíduo e sua livre escolha em um ambiente de competição
voraz capitalista, o Estado se vê de mãos atadas. Governantes que pendem
para um modelo de governabilidade com ideologia política de centro, centro-
esquerda, esquerda ou extrema-esquerda, que visam uma economia mista,
com maior participação do Estado para garantir direitos trabalhistas, sociais
(e por que não dizer ‘humanos’) são todos acusados de serem comunistas
com o maior tom pejorativo possível.
16

Entretanto, como já vimos com a crítica de Milton Santos, o Estado


cada vez mais se fortalece ao contrário do que prega o discurso, para garantir
a livre mobilidade de capitais internacionais na economia, e na garantia da
manutenção da lógica de consumo. Para o neoliberalismo é importante sim a
presença do Estado na economia, desde que não esteja com intenções de
promover o bem-estar social. O período em que a mudança paradigmática da
ONU é proposta coincide com o período em que a teoria econômica
neoliberal era tida como mainstream, e, por consequência disso, pode ter sido
influenciada na elaboração do projeto que colocaria o indivíduo no centro das
atenções da ONU. A partir dessa percepção, é possível argumentar que, desde
antes da elaboração do conceito, antes da segurança humana ser criada, ela
já estava fadada a reproduzir a lógica neoliberal individualizante que
aprofunda as desigualdades sociais das quais o conceito viria a brigar para
diminuir. De forma metafórica, seria como que o RDH ‘criasse a doença’
para então a ONU ‘ministrar a cura’ (de forma paliativa) através da OMS e
resoluções que tratam do indivíduo na ponta do processo, e não no centro.
PARTE 2: MEIOS TECNOLÓGICOS MAIS RELEVANTES NA
ATUALIDADE BRASILEIRA

1950: Televisão

O surgimento da televisão, na verdade, data de 1926, mas foi em 1950


que ouve o que podemos chamar de boom da televisão. Nos anos 50, após o
fim da Segunda Guerra Mundial, os eletrodomésticos invadiram as casas
norte-americanas. Os Estados Unidos usufruíam de um período de grande
riqueza: vencedor de duas guerras mundiais, credor de todos os países
Aliados, e com as moedas de todos os países do sistema financeiro
internacional atreladas ao Dólar (cujo valor era fixado a 33 gramas de ouro),
no que ficou conhecido como Padrão Dólar-Ouro, convencionado nos
Acordos de Bretton Woods (1946). Como quase todos os países deviam aos
Estados Unidos, pagavam-lhe em ouro, o que mantinha suas reservas de ouro
relativamente estáveis e dava-lhe poderes próximos ao ilimitado para gastar
como bem quisesse. Foi nesse período que o American Way of Life começou
a ser apregoado, também, pela televisão a partir da década de 50. A televisão
chegou ao Brasil em 1950 (lembrando que ela já existia antes, porém foi
aperfeiçoada e explodiu suas vendas a partir da década de 50) trazida pelo
empresário Assis Chateaubriand, que no mesmo ano fundou a TV Tupi,
primeira emissora de televisão do Brasil. Ele trouxe dos Estados Unidos 200
aparelhos de televisão e os espalhou pela cidade de São Paulo, com o objetivo
de deslumbrar os passantes e incentivá-los a comprar um aparelho
(CAMARGO, 2009). O sucesso foi absoluto, e em 1956, o Brasil já contava
com 1,5 milhão de aparelhos. Estamos falando ainda da TV em preto e
branco. As coloridas só chegariam no país na década de 70.

Junto com o boom das televisões na década de 50 no mundo, surgiu o


controle remoto, que revolucionou a forma de assistir à televisão. Com o
controle remoto em mãos, o espectador poderia trocar de canal sem muita
dificuldade, o que forçava as emissoras a produzir material cada vez mais de
alta qualidade para atrair os espectadores em seu canal, e claro, os
18

anunciantes (CAMARGO, 2009). Já na década de 50, começamos a perceber


uma mudança de paradigma nas mídias de informação. O foco começava não
mais a ser o consumo direto do espectador pela emissora escolhida e suas
programações (por mais que isto fosse necessário para o real objetivo), mas
sim o foco no espectador enquanto possível consumidor dos produtos dos
anunciantes. Sendo assim, os anunciantes pagavam às emissoras para
veicularem suas propagandas, enquanto, por outro lado, aumentavam
consideravelmente suas vendas em função do número de propagandas
exibido na televisão. Diferentemente da rádio, que trabalhava com a
imaginação do indivíduo, a televisão tinha o diferencial arrebatador em
relação a sua predecessora: a imagem em movimento. Enquanto o cinema era
utilizado mais como uma forma de arte, e retratava imagens do cotidiano na
maioria dos filmes, a televisão produzia conteúdo de entretenimento e
informação com imagens ao vivo.

Nesse período de prosperidade – com altas taxas de emprego,


aumento do número de natalidade (fato que ficou conhecido como “baby
boom”, por conta do fim da guerra e do grande número de mortos no
conflito), avanços na medicina que aumentaram a expectativa de vida dos
americanos –, a sociedade americana não estava interessada em se engajar
em uma nova guerra. Em 1965, no entanto, com o mundo vivendo os rumores
da Guerra Fria, e com o governo dos Estados Unidos preocupados com o
avanço do comunismo pelo mundo, decidiu entrar em guerra contra o Vietnã,
que estava no momento dividido entre Vietnã do Norte (comunista, liderada
por Ho Chi Minh, apoiada pela URSS) e Vietnã do Sul (capitalista, liderada
por Ngo Dinh Diem, apoiada pelos Estados Unidos). Antes de ser forçada a
se ‘retirar estrategicamente’, termo que os norte-americanos defendem até os
dias de hoje para não utilizar o termo ‘salve-se quem puder’, os ataques norte-
americanos ‘fritaram’ de quebra o Laos e o Camboja, que nada tinham a ver
ao conflito, e que no final foram dominadas pelo regime comunista. E por
que estou fazendo uso desses termos neste momento? Porque tudo isso estava
sendo televisionado à cores para os norte-americanos, e essa era a impressão
19

que eles tinham ao terem contato com as imagens à medida em que os anos
passavam e a guerra só escalava.

A opinião pública norte-americana foi jogada contra o governo, com


a guerra sendo interpretada como uma guerra ‘injusta’ e ‘sem sentido’, com
um número de baixas norte-americanas no conflito sem necessidade. Pessoas
dilaceradas, crianças queimadas, corpos de civis e militares dos dois lados do
conflito, e a economia interna que começava a passar por um momento de
crise com a especulação em torno do padrão dólar-ouro aumentando (dilema
de Triffin2), a fuga de capitais, o consequente fim do padrão dólar-ouro, a
crise do Petróleo de 1973 etc. Tal cenário forçou, além da derrota em campo
de batalha, a saída dos Estados Unidos da Guerra do Vietnã. As fotos3
capturadas no período final da guerra são relembradas até os dias de hoje
como uma das mais desastradas campanhas de guerra norte-americanas. O
evento, no entanto, serviu de forma positiva para o mercado de
entretenimento, que emplacou diversos filmes e séries ao longo das décadas
seguintes como Apocalipse Now (1979), Nascido para Matar (Full Metal
Jacket, 1987), Platoon (1986), O Franco Atirador (The Deer Hunter, 1978),
Forrest Gump (1994) e a série americana Combate no Vietnã (Tour of Duty,
1987-1990), alguns considerados grandes clássicos atualmente.

1991: World Wide Web

“A Internet pegou todo mundo desprevenido. Ninguém imaginava o


boom que ia ser”, disse Aleksandar Mandić, um dos fundadores do iG
(PRESCOTT, 2015). A internet já havia sido criada bem antes de 1991 – no
fim da década de 60, e servia basicamente para conectar computadores dos

2
Dilema de Triffin - Quanto mais gerava liquidez com emissão de dólares, mais os Estados
Unidos plantavam a dúvida sobre a capacidade de manter a paridade na troca da moeda americana
por ouro a câmbio fixo; e quanto mais contivessem as emissões e aumentassem os juros para
enxugar a liquidez mundial, mais contribuiriam para a recessão mundial. O dilema, portanto, se dá
em uma relação de “liquidez x confiança”.
3
Link para uma reportagem com várias fotos do ocorrido mencionado:
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/album/1429775028_104827.html#foto_gal_8
20

centros de comando do exército a centros de pesquisas bélicas nos Estados


Unidos. Essa rede de computadores interligados permitia a troca de
informações em texto somente, e por ela eram trocados mensagens e
relatórios, de computador para computador (VEJA, 2011).

No entanto, uma invenção iria mudar para sempre os rumos da


internet, e a utilizamos até os dias de hoje: a invenção da World Wide Web
(ou simplesmente WWW), de Tim Berners-Lee, físico britânico. O que há de
interessante nessa invenção é a possibilidade de transmissão de imagem, som
e vídeo pela rede, quebrando com a forma como a internet era utilizada,
somente para envio e recebimento de textos. Foi nessa época, também, que
começaram a surgir provedores de acesso para vender a consumidores o meio
de se utilizar a internet.

Interessante informar que, no Brasil pelo menos, era costume à época


esperar para utilizar a internet em um determinado horário da madrugada, de
meia-noite às 5h da manhã por exemplo, onde o ‘pulso’ telefônico era
cobrado uma única vez, e o tempo em que se ficava conectado, em algumas
companhias telefônicas, não era cobrado. A internet foi revolucionária com
a invenção da “www” por conectar pessoas no mundo todo ao preço de uma
ligação local – experiência essa que poderia ser compartilhada em formato
de vídeo, com som e imagem em movimento através dos e-mails. Tal
revolução mudou, inclusive, o cotidiano das pessoas que já em 1997
somavam mais de 60 milhões de pessoas no mundo conectadas à rede
mundial de computadores, segundo a Direct Marketing Association (DMA)
e a Price Waterhouse, empresas norte-americanas de consultoria em
marketing. Na época, podemos citar dois grandes precursores de tudo o que
conhecemos hoje em termos de redes sociais: o Usenet (Unix User Network)
– uma espécie de fórum, com temas específicos catalogados, onde as pessoas
podiam interagir através de textos relativos ao tema escolhido e onde
aconteciam debates em torno de tais temas; e o Chat – o famoso “bate-papo”
que virou febre mundial através do servidor UOL, onde as pessoas poderiam
21

assumir um nome que quisesse, e conversar em tempo real via teclado com
qualquer grupo de pessoas, em uma sala virtual, onde qualquer mensagem
poderia ser enviada para todos no grupo.

Podemos considerar a internet como um grande conversor de todo o


conteúdo de mídia que era produzido antes dela em um único meio. A internet
está para o conteúdo de informações produzidas assim como o smartphone
está para os meios por onde as informações eram produzidas. Se por um lado
o smartphone (o qual vou detalhar mais à frente) converge em si mesmo toda
a tecnologia inventada desde antes de sua própria invenção, dispensando
assim a necessidade de um aparelho de rádio, uma câmera fotográfica, uma
câmera de filmagem, um computador, um telefone, uma agenda e jornais
impressos, walkmans e discmans; a internet converge em si mesmo a
transmissão de rádio, que pode ser ouvida via streaming, as músicas antes
contidas nos walkmans e discmans, as fotos capturadas pela câmera, a notícia
em texto antes veiculada pelo jornal impresso, os filmes de cinema que
podem ser vistos on-line, e muito mais.

O surgimento das redes sociais colocou os indivíduos em grandes


comunidades de pessoas (alias4) capazes de interagir em tempo real através
de um computador, sem a necessidade de sair de casa. Obviamente, isso
trouxe consequências no campo social e psicológico dos seres humanos pós-
modernos5, mas disso irei tratar mais à frente neste trabalho.

4
Alias é uma palavra de origem inglesa que, segundo o dicionário de Cambridge, assume o papel
de preposição quando “usado ao dar o nome pelo qual uma pessoa é geralmente conhecida, depois
de dar seu nome real”, e assume o papel de substantivo quando se trata de “um nome falso,
geralmente usado por criminosos” ou por pessoas que desejam esconder sua real identidade. O
termo utilizado, no caso do texto, assume o papel de substantivo.
5
Segundo Michel Maffesoli, filósofo francês, a pós-modernidade é um conceito da sociologia
histórica que designa a condição sociocultural e estética dominante após a queda do Muro de
Berlim (1989), o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no
final do século XX, com a dissolução da referência à razão como uma garantia de possibilidade de
compreensão do mundo através de esquemas totalizantes. (Fonte:
http://1libertaire.free.fr/Maffesoli03.html)
22

2007: Smartphones e Convergência Tecnológica

A revolução tecnológica informacional mais impactante na vida do


homem pós-moderno foi o surgimento do smartphone. Não os pioneiros, com
limitações e funcionalidades que ainda passavam por testes e por aceitação
do público em meados dos anos 90 e início dos anos 2000, mas sim os que
surgiram a partir de 2007. Tais aparelhos fizeram o que antes não se havia
conseguido fazer de forma tão completa, fantástica e viciante: a convergência
de todos os aparelhos antes inventados em um único aparelho, que cabe
dentro de um bolso. Os celulares smartphones tem a capacidade se conectar
à internet através das tecnologias wifi e internet móvel, e consequentemente
às páginas da World Wide Web através de navegadores que podem ser
instalados nele. Permite a leitura de textos em formato digital, de notícias de
jornal, revistas entre outros, antes possível só através do papel impresso –
também permite editá-los e publicá-los em mídias sociais, websites etc.;
permite assistir a filmes, séries, programas de TV em qualquer lugar e a
qualquer momento; permite sintonizar as rádios locais da mesma forma que
um aparelho de rádio comum (e qualquer rádio do mundo através de um
aplicativo, quando conectado à internet); permite gravar e reproduzir vídeos,
além de capturar fotografias, tudo com qualidade profissional, não
dependendo mais de câmeras profissionais e nem dos próprios profissionais
para conseguir uma foto de qualidade razoavelmente boa até para os mais
exigentes; além de armazenar e reproduzir músicas, entre muitas outras
funções que extrapolam o principal objetivo de um celular comum: fazer e
receber ligações.

A essa tendência vem somar-se uma outra: a de que o custo final de


muitos desses dispositivos tem diminuído, a ponto de permitir sua
disseminação entre grupos domésticos de menor renda, como ocorreu
com os televisores, já há algumas décadas, e, bem mais recentemente,
com os aparelhos telefônicos móveis – os celulares (TRAMONTANO,
2002, p. 03).

Já em 2002, quando o aparelho smartphone mais moderno ainda era o


Blackberry, com funções muito mais limitadas que os atuais modelos de
23

smartphone da Apple, Samsung entre outros, Marcelo Tramontano já


destacava um fato curioso: o preço cada vez menor dos aparelhos.
Entendemos, hoje, esse fato como fruto da especialização das empresas em
cadeias globais de valor, um conceito de Comércio Exterior que,
basicamente, pode ser entendido de forma prática como a produção das peças
separadamente em diferentes lugares do mundo – onde a produção de tais
itens seja mais barata – e a junção de todas as peças em fábricas espalhadas
por países onde a mão de obra seja mais barata – a fim de diminuir o custo
marginal por aparelho. Dessa forma, os aparelhos se popularizaram em todas
as camadas sociais de praticamente todos os países do mundo, em um curto
espaço de tempo.

O celular, além de convergir todas as principais mídias e seus meios


tecnológicos de produção, também reorganizaram a forma como as pessoas
passaram a se comunicar e a organizar seus afazeres diários. Antero e
Nascimento (2015) realizaram uma pesquisa na Universidade Federal da
Paraíba (Brasil), e ao entrevistar uma jovem da qual chamaram de “Usuário
1”, perceberam como o smartphone influenciava em seu cotidiano, no que
relataram:

[...] com a contribuição de bloquinhos de anotações e o gravador, a


jovem é capaz de complementar suas atividades no trabalho e na
universidade. Desse modo, ela diz conseguir cumprir o papel de
‘estagiária’ e ‘estudante’ (ANTERO & NASCIMENTO, 2015, p. 49).

Esse novo relacionamento íntimo e diário com uma tecnologia tão


globalizante (veremos, no próximo capítulo, o conceito de globalização
utilizado aqui) foi, e tem sido, tema para profundos debates filosóficos. Como
já dito, irei me aprofundar nesse debate a seguir, porém, é de grande
importância mencionar um dos filósofos da modernidade mais influentes do
mundo, Zygmun Bauman (1925 – 2017). A respeito do reconhecimento dos
usuários de tais tecnologias, ele diz:

Corpo esguio e adequação ao movimento, roupa leve e tênis, telefones


celulares (inventados para o uso dos nômades que têm de estar
constantemente em contato), pertences portáteis ou descartáveis – são
os principais objetos culturais da era da instantaneidade (BAUMAN,
2001, p.149).
24

Bauman entende o celular como um objeto principal na cultura da


nova era, da qual ele chamou de ‘era da instantaneidade’. Nenhum outro
nome seria mais adequado a essa nova forma de interação humana além de
‘instantânea’. Pessoas enviam e recebem mensagens, fotos, vídeos e/ou
áudios em uma fração de segundos, não importa em que lugar do planeta o
receptor esteja. Hoje já é possível realizar teleconferências em tempo real
com pessoas em diferentes países sem ou com quase nenhum delay6.

Novas profissões, inclusive, têm surgido com o advento do


smartphone integrado com elementos de captação audiovisual de alta
capacidade. A fim de exemplificar, podemos citar os Youtubers. O YouTube
é uma plataforma da web, um site pertencente à Google Inc., que armazena e
disponibiliza vídeos de diversas naturezas para todos os públicos
praticamente. A ideia do site é justamente disponibilizar vídeos feitos por
usuários, amadores ou profissionais da música e do entretenimento, por
exemplo. Os Youtubers são um exemplo de usuários amadores que se
aproveitaram da tecnologia, e com criatividade, criaram conteúdo de diversos
gêneros de forma cada vez mais profissional para divulgar no site. O site, por
outro lado, paga aos seus colaboradores (os Youtubers) em dinheiro de acordo
com o número de visualizações que seus vídeos e páginas pessoais recebem.
Dessa forma, temos vídeos de pessoas comuns, que se especializaram na arte
do entretenimento, com números de visualizações que passam de milhões em
poucos dias após o lançamento de um vídeo. As pessoas podem, inclusive,
se inscreverem nesses “canais” e receberem diretamente no e-mail (que
também está no celular) um alerta exatamente na hora em que um novo vídeo
é publicado. Ou seja, em qualquer lugar, uma pessoa inscrita pode receber o
alerta e visualizar o vídeo, sem precisar chegar em casa para ver pelo
computador. Com isso, alguns Youtubers além de ficarem multimilionários
também se constituem como influenciadores de opinião (de massa, a de seus

6
Termo em inglês que significa “atraso”. Pode ser entendido na comunicação como uma barreira à
fluência da interação, pois quanto mais delay, mais a mensagem demora chegar no receptor e vice-
versa.
25

seguidores, que muitas vezes também passam dos milhões – e geralmente


agregam um mesmo grupo social).

A partir disso, é comum vermos esses Youtubers em propagandas


espalhadas pela cidade, vendendo produtos de outras empresas, ou seus
próprios produtos, que vão desde livro de receitas7 a lojas de coxinhas8.
Como a forma de monetização9 desses vídeos é por número de visualizações,
o smartphone do qual estamos tratando nesta seção foi de fundamental
importância para os Youtubers conseguissem alcançar um número de pessoas
satisfatório entre a produção de um vídeo e outro. Não precisamos de mais
nada para demonstrar como o smartphone mudou completamente a forma de
produção de conteúdo, velocidade de consumo e alcance a partir da data de
seu lançamento.

7
https://vejasp.abril.com.br/cidades/receita-guloseimas-famosas-segredo-caio-novaes-canal-
youtube
8
https://vejario.abril.com.br/comida-bebida/luccas-e-felipe-neto-abrem-quiosque-de-coxinhas/
9
Termo técnico para a relação de pagamentos do YouTube para os produtores de conteúdo em
função do número de visualizações dos vídeos.
PARTE 3: RACIONALIDADE DO CAPITALISMO
CONTEMPORÂNEO

Fenômeno da Globalização e o Surgimento do Neoliberalismo

A evolução dos meios de comunicação, conforme mostrado no


capítulo anterior, fizeram o mundo entrar em uma nova era social, onde
pessoas do mundo todo conseguem saber tudo o que está acontecendo em
qualquer lugar do mundo em questão de segundos. O mundo se tornou mais
interligado – “a criação e difusão de ferrovias, telégrafos, sistemas de
telefonia, além do uso dos automóveis, aviões, entre outros” (PENA, 2018)
contribuíram para isto. Mais recentemente, interagir de forma quase em
tempo real com pessoas ao redor do mundo também é possível, independente
do lugar onde estiver por intermédio de um dispositivo como notebook ou
smartphone, desde que se tenha acesso à internet.

Voltando alguns passos atrás, antes de ocorrer a convergência


tecnológica demonstrada (para o smartphone), já estávamos vivendo um
avanço significativo em termos tecnológicos. A velocidade com que a
informação corria pelo globo, bem como a forma de se comunicar quase sem
limites de fronteira – imagens gravadas de manhã no Vietnã sendo
televisionadas à noite para todo território nacional norte-americano, por
exemplo –, além de mudanças políticas e econômicas no cenário
internacional – que fortaleciam um ideal de interdependência dos Estados –
fez surgir o termo ‘globalização’ para explicar o momento que se vivia a
partir de tais acontecimentos.

A globalização, em síntese, pode ser definida como uma integração de


várias economias e culturas a nível mundial. Ela se consolidou a partir de um
processo que é dividido em três fases segundo quem considero ser o
Friedman do bem10, Thomas Friedman (2007): a Globalização 1.0, a 2.0, e a

10
Em oposição a quem considero ser o Friedman do mal, Milton Friedman (1912 – 2006),
considerado o segundo economista mais influente do mundo, e defensor do neoliberalismo.
27

que vivemos hoje, 3.0. Segundo o autor, cada período da globalização serviu
para ‘diminuir’ em sentido figurado o tamanho do planeta.

A Globalização 1.0, segundo Friedman (2007, p. 9) ocorreu de 1492


até por volta de 1800, quando Cristóvão Colombo embarcou em sua caravela
inaugurando um período de comércio entre Europa e o ‘novo mundo’. O ator
principal da globalização 1.0 foi o Estado, que obtinha sucesso na expansão
comercial ultramarina a medida que empregava bem seus recursos como “a
quantidade de força física, a quantidade de cavalos-vapor, a quantidade de
vento ou, mais tarde, a quantidade de vapor” (FRIEDMAN, 2007, p.9,
tradução minha). Em decorrência, o mundo passou de grande a médio,
segundo o entendimento do autor. A 2.0 ocorreu a partir do fim da primeira
até 2000, tendo sido interrompida momentaneamente pela Grande Depressão
e as duas guerras mundiais. O ator principal da Globalização 2.0 foram as
empresas multinacionais “que se expandiram em busca de mercado e mão-
de-obra [...] alimentadas pela queda dos custos de transporte [e] pela queda
nos custos com comunicação” (FRIEDMAN, 2007, p.9, tradução minha).

A partir da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União


Soviética estiveram por trás de grandes acontecimentos históricos, lutando
entre si de forma indireta. A divisão da Alemanha em Ocidental (capitalista)
e Oriental (socialista) ao fim da Segunda Guerra Mundial; a Guerra do
Vietnã, que dividiu o território vietnamita em Vietnã do Sul (capitalista) e
Vietnã do Norte (socialista); e a Guerra da Coréia, que dividiu (e divide até
hoje) o território coreano em Coreia do Sul (capitalista) e Coreia do Norte
(socialista) (FRANCISCO, 2018).

A Guerra Fria, retomando o assunto do papel das mídias de massa, foi


também palco de conflitos psicológicos entre as duas potências. O clima de
guerra envolvendo atores como CIA e KGB (agências de inteligência e
espionagem americano e soviético, respectivamente), a corrida espacial e os
conflitos armados deram à Hollywood a matéria-prima para filmes onde se
criava estereótipos sobre o inimigo como uma figura irracional, maléfica por
28

natureza, etc., e sobre os aliados enquanto heróis, mais inteligentes, etc.


Surge, então, filmes11 como ‘Sob o Domínio do Mal’ (1962), ‘Moscou Contra
007’ (1963), ‘Dr. Fantástico’ (1964), ‘Cortina Rasgada’ (1966), entre muitos
outros que são produzidos, inclusive, até os dias de hoje como ‘Ponte dos
Espiões’ (2015), ‘Atômica’ (2017) e ‘Os Guardiões’ (2017).

Ainda em 1947, surgiu a Sociedade Mont Pèlerin, fundada por


Friedrich von Hayek, contendo 36 membros ilustres, dentre eles o próprio
Hayek, Milton Friedman, Jacques Rueff, Walter Lippman, Ludwig Erhard,
Frank Knight, Bertrand de Jouvenel, Karl Popper, Ludwig von Mises,
George Stigler, entre outros, para combater as ideias intervencionistas de
bem-estar social e o keynesianismo. Isso ocorreu num momento de
marginalização do pensamento liberal em decorrência do Crash da Bolsa de
Nova York (1929), a consequente Grande Depressão (1930) e o sucesso do
New Deal, um plano econômico inspirado no ideal keynesiano que utilizava
fortemente da intervenção estatal para que houvesse “queda do desemprego,
aumento da qualidade de vida dos trabalhadores, retomada dos altos níveis
de produção e um restabelecimento do mercado acionário” (IRUSTA, 2016,
p.6) no pós-1930.

Os grandes pensadores liberais da época, de certa forma marginalizados


como consequência da Era de Ouro e preocupados com a ideologia
socialista que permeava gradualmente os grandes governos e suas
medidas econômicas, sentiram necessidade de organizar uma
contrarrevolução intelectual em oposição a essa realidade vigente.
Portanto, muito do que unia os integrantes dessa Sociedade era uma
afiliação à ideologia liberal, unida a um sentimento de crise em relação
à civilização ocidental, que parecia estar sob o perigo alarmante de ser
tomada pela “doutrina de esquerda”. [...] É assim que, quase na metade
do século XX, nasce uma sociedade neoliberal de intelectuais de áreas
tanto acadêmicas quanto profissionais. Em tal cenário juntaram-se
professores universitários, jornalistas, executivos, empresários de
grandes negócios, editoras e, posteriormente, figuras políticas. Dessa
forma, as grandes instituições da sociedade moderna – academia, mídia,
política e negócios – se juntavam e se combinavam em busca da
conquista de espaço intelectual e eventualmente da hegemonia sobre a
agenda dos governos e dos planejadores econômicos (IRUSTA, 2016,
p.8,10-11).

11
Os filmes mencionados estão com seus títulos adaptados para o Brasil.
29

Vale mencionar a presença na dita sociedade do economista brasileiro


Eugênio Gudin. Ele foi ministro da fazenda durante o governo do presidente
Café Filho (1954 - 1955), foi representante do governo junto ao FMI e o
BIRD de 1951 a 1955, presidiu a Associação Econômica Internacional (IEA,
em inglês) de 1956 a 1959 e foi vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas
de 1960 a 1976 (CPDOC/FGV, 2018). É interessante mencionar que Gudin
foi ligado à União Democrática Nacional (UDN) que promovia abertamente
uma campanha em artigos na imprensa contra Getúlio Vargas, artigos que
podem ter contribuído para o suicídio de Vargas (CPDOC/FGV, 2018).
Getúlio Vargas ‘saiu da vida para entrar na história’, e seu opositor entrou na
vice-presidência da fundação que leva seu nome 6 anos depois do ocorrido,
e lá ficou por 16 anos. Ele é considerado no Brasil o ‘pai dos economistas’
por ter criado a primeira escola de economia do Brasil em 1938, a Faculdade
de Economia e Administração (FEA), atualmente incorporada pela UFRJ.

Outro fato interessante é o recebimento do Prêmio Nobel de Economia


por 7 integrantes da sociedade em um curto período de tempo de 18 anos:
Friedrich Hayek, 1974; Milton Friedman, 1976; George Stigler, 1982; James
Buchanan, 1986; Maurice Allais, 1988; Ronald Coase, 1991; e Gary Becker,
1992. O oitavo integrante a conseguir um Nobel de Economia, no entanto,
levou 10 anos a partir do último, que foi Vernon Smith em 2002. Esse rápido
reconhecimento foi fundamental para que think tanks12 para os assuntos
neoliberais começassem a surgir, como o americano The Heritage
Foundation, de 1973, que contribuiu para a política econômica de Ronald
Reagan com “prescrições políticas detalhadas sobre tudo, desde impostos e
regulação ao comércio e defesa nacional” (HERITAGE, 2018, tradução
minha). Outro think tank de grande notoriedade foi o britânico Centre of
Policy Studies, fundado em 1974 por Sir Keith Joseph e por Margaret
Thatcher, que viria a ser a primeira-ministra britânica em 1979 até 1990. O
neoliberalismo começava a ditar as políticas econômicas norte-americana,

12
Centros de estudos e reflexão sobre determinados assuntos.
30

britânica, e exportada para o Chile de Pinochet pelos chamados ‘Chicago


Boys’, os alunos de Milton Friedman, em resposta às crises vividas a partir
da década de 70 (que levou, inclusive, a modificação do sistema financeiro
internacional).

O movimento neoliberal defendia a tese de que a crise das décadas de


1970 e 1980 decorria do mau funcionamento do Estado, evidenciado na
falta de efetividade, no crescimento distorcido, nos altos custos
operacionais, no excesso de endividamento público e na incapacidade
de se adequar ao processo de globalização em curso, que teria reduzido
a autonomia e a capacidade dos Estados Nacionais para gerirem suas
próprias políticas econômicas e sociais. Portanto, seria necessário que
as sociedades aceitassem uma redefinição das responsabilidades do
Estado, selecionando estrategicamente as ações que o Estado iria
desenvolver e as que deixaria de executar. Esperava-se com isso reduzir
as atribuições impostas ao Estado e fazer com que os cidadãos se
envolvessem mais na solução dos problemas da comunidade
(RIZZOTO, 2009, grifo meu).

A fim de sintetizar a ideologia neoliberal em suas premissas, podemos


citar a privatização dos serviços públicos, a desburocratização do aparato
estatal (facilitando leis e, por consequência, o comércio de bens e serviços),
a livre circulação de capitais internacionais e o estímulo à entrada de
empresas multinacionais em solo nacional. A ideia é afastar o Estado da
economia (Estado mínimo, cuidando somente das questões sociais da nação)
e transformar empresas estatais em empresas privadas.

O “redesdobramento” econômico na fase atual do capitalismo,


auxiliado pela mutação das técnicas e das tecnologias segue em
paralelo, já se disse, com uma mudança de função dos Estados: a partir
desta síndrome forma-se uma imagem da sociedade que obriga a revisar
seriamente os enfoques apresentados como alternativa. Digamos,
sumariamente, que as funções de regulagem e, portanto, de reprodução,
são e serão cada vez mais retiradas dos administradores e confiadas a
autômatos. A grande questão vem a ser e será a de dispor das
informações que estes deverão ter na memória a fim de que boas
decisões sejam tomadas. O acesso às informações é e será da alçada dos
experts de todos os tipos. A classe dirigente é e será a dos decisores. Ela
já não é mais constituída pela classe política tradicional, mas por uma
camada formada por dirigentes de empresas, altos funcionários,
dirigentes de grandes órgãos profissionais, sindicais, políticos,
confessionais. A novidade é que, neste contexto, os antigos polos de
atração formados pelos Estados-nações, os partidos, os profissionais, as
instituições e as tradições históricas perdem seu atrativo. [...] Pois não
se trata verdadeiramente de uma finalidade de vida. Esta é deixada à
diligência de cada cidadão. Cada qual é entregue a si mesmo. E cada
qual sabe que este si é muito pouco (LYOTARD, 2009, p.27-28).
31

No contexto da crise da década de 1970 e 1980, onde países


subdesenvolvidos13 como Brasil, Argentina, Bolívia, entre outros, viam a
derrocada de seus regimes ditatoriais e precisavam de financiamentos para se
reerguerem, encontraram no Fundo Monetário Internacional (FMI) aquilo
que precisavam. No entanto, o FMI exigia algumas reformas em âmbito
nacional que, no final das contas, representava a implementação de uma
lógica neoliberal nas políticas socioeconômicas dos países que pegavam seus
empréstimos. Liberalização econômica, promoção da austeridade, redução
de barreiras ao livre comércio internacional, desregulação para redução dos
controles públicos sobre os fluxos de capital e abertura para empresas
estrangeiras atuarem dentro do país, gerando maior competitividade,
consequente especialização e redução nos custos de bens e serviços, etc. No
Brasil, em especial, essa lógica foi adotada desde os anos 1990 até o fim de
2002, em primeiro lugar pelo governo do presidente Fernando Collor de
Melo e em seguida pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Juntos, liberalizaram a economia, se abriram para as multinacionais
estrangeiras e privatizaram estatais.

A lógica neoliberal, desde seu surgimento, suscitou críticas de


diversos outros atores, desde sociólogos até, mais recentemente, pelo próprio
FMI14 (G1, 2016). Segundo o historiador português Ricardo Noronha15,

O neoliberalismo não é apenas uma política para operar uma grande


mudança política económica, cujas principais características são a
defesa da desregulamentação dos mercados financeiros, de políticas
monetaristas destinadas a estabilizar os gastos públicos e a inflação,
assim como a privatização de diversos setores da economia. Além disso
tudo, seria também “um ambicioso projeto de engenharia social,
destinada a reformular a vida social e o comportamento humano, a fim
de torná-lo compatível com a concorrência e o consumismo”
(PORTELLA, 2013).

13
Termo utilizado à época para se referir aos países em desenvolvimento.
14
Um artigo publicado pelo FMI trouxe a seguinte afirmação: “Em vez de gerar crescimento,
algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão
duradoura”.
15
Frase dita durante o painel “Reconfigurações contemporâneas da luta de classes”, no 2º
Congresso Karl Marx, em Lisboa, Portugal.
32

Retomando Thomas Friedman, após uma breve contextualização


histórica do estava acontecendo no período após a segunda pausa
momentânea da Globalização 2.0, chegamos ao ano 2000, que inaugura o que
ele considera ser uma nova era: a Globalização 3.0.

Enquanto a força dinâmica na Globalização 1.0 era a globalização de


países e a força dinâmica na Globalização 2.0 era a globalização de
empresas, a força dinâmica na Globalização 3.0 - a força que lhe
confere seu caráter único - é a nova força para os indivíduos
colaborarem e competirem globalmente. E o fenômeno que está
capacitando, capacitando e ordenando que indivíduos e pequenos
grupos se tornem globais tão facilmente e tão perfeitamente é o que
chamo de plataforma de mundo plano [...] E quando [a tripla
convergência] aconteceu, pessoas de todo o mundo começaram a
acordar e perceber que tinham mais poder do que nunca para se
tornarem globais como indivíduos, precisavam mais do que nunca
pensar em si mesmas como indivíduos competindo contra outros
indivíduos em todo o planeta [...]. Como resultado, cada pessoa agora
deve, e pode perguntar: onde eu, individualmente, me encaixo na
competição global e nas oportunidades do dia, e como posso, por mim
mesmo, colaborar com outras pessoas globalmente? (FRIEDMAN,
2007, p.10-11).

Subjetividade do Indivíduo Pós-moderno

Dando sequência à temática, buscaremos agora analisar a construção


de subjetividade do indivíduo na pós-modernidade. Milton Santos (2004),
geógrafo brasileiro, falecido em 2001 aos 75 anos de idade, antes de explicar
em sua obra Por Uma Outra Globalização as três facetas da globalização –
como ela se mostra a nós, como ela de fato é, e como ela deveria ser –, ele
faz uma comparação da era em que vivemos com a torre de Babel16
(SANTOS, 2004, p.9). Foi uma comparação perspicaz para o ano 2000, ano
do primeiro lançamento desta obra, onde os mecanismos online de tradução
simultânea de textos, frases e websites não se comparavam (nem de longe)

16
Torre de Babel é descrita na Bíblia, no livro de Gênesis, como uma tentativa do povo em criar
uma torre alta o bastante no território de Sinear (antiga Babilônia) para ser vista de todos os
cantos da terra, mantivesse o povo não disperso, e tocasse os céus. Segundo a Bíblia, nesse
contexto, os homens falavam uma mesma língua (um só idioma), e se assim permanecessem,
nada iria impedir seus planos. A partir daí, Deus separou a língua dos homens, de modo que eles
passaram a não se entender de forma homogênea, tendo surgido assim a diversidade de idiomas
na Terra.
33

ao que temos hoje, capazes inclusive de traduzir conversações em tempo real


com alto índice de acerto.

Milton Santos argumenta que a globalização, na prática, está distante


do discurso no qual ela mesma se apresenta. ‘O mundo tal como nos fazem
crer’, critica Milton Santos (2004, p.9), é apresentado como uma ‘aldeia
global’, onde a difusão de notícias em tempo real iria contribuir para uma
maior informação de todos, onde o mundo estaria disponível ‘ao alcance de
uma mão’. Vimos que o avanço tecnológico informacional contribuiu, de
fato, para aprofundar a crença nesse pensamento. Milton Santos (2004, p.9),
no entanto, considera isso um mito, onde o encurtamento das distâncias, do
‘tempo e espaço’, poderia ser sentido também por ‘aqueles que realmente
podem viajar’. Nesse trecho, percebe-se a crítica à ideia de aldeia global onde
todos teriam acesso ao mundo ao alcance de uma mão. A ideia de ‘todos’
deixa subentendido o restante da frase ‘que realmente podem’, no caso, ‘que
realmente podem pagar por isso’. Ainda nesse mesmo trecho, Santos
argumenta que há uma busca de uniformidade e homogeneização no mundo
globalizado que, na verdade, aprofunda cada vez mais as diferenças locais,
onde o “mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma
cidadania verdadeiramente universal” (SANTOS, 2004, p.9).

Santos critica a contradição da doutrina econômica neoliberal da


globalização, que cultua e estimula o consumo, onde se fala insistentemente
na morte do Estado, mas o que se vê é justamente o fortalecimento do Estado
para garantir os interesses do mercado e dos interesses internacionais “em
detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil”
(SANTOS, 2004, p.10). Com relação ao que a globalização realmente é e os
resultados de sua lógica neoliberal pelo mundo, Santos descreve:

O desemprego crescente torna-se crônico. A pobreza aumenta e as


classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a
baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes.
Novas enfermidades como a AIDS se instalam e velhas doenças,
supostamente extirpadas, fazem seu retorno triunfal. A mortalidade
infantil permanece, a despeito dos progressos médicos e da informação.
A educação de qualidade é cada vez mais inacessível. Alastram-se e
aprofundam-se males espirituais e morais, como os egoísmos, os
34

cinismos, a corrupção. A perversidade sistêmica que está na raiz dessa


evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão
desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente
caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou
indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização
(SANTOS, 2004, p.10).

Outro crítico foi Stuart Hall (2002), filósofo jamaicano pós-colonial,


falecido em 2014, aos 82 anos de idade. Hall também chama o que estamos
tratando como ‘era da pós-modernidade’ de ‘modernidade tardia’. Nessa
modernidade tardia, no primeiro capítulo de seu livro A Identidade Cultural
na Pós-modernidade (publicado pela primeira vez em 1992), o autor
argumenta que o indivíduo da modernidade tardia vem sendo acometido por
uma ‘crise de identidade’, onde no passado, os indivíduos tinham clara
referência de onde se localizavam no Estado nacional (HALL, 2006, p.10).
O autor constrói seu argumento na ideia de que há três concepções de sujeito:
o sujeito do Iluminismo – onde o indivíduo tinha sua identidade centrada,
unificada, desde seu nascimento até sua morte (HALL, 2006, p.10); o sujeito
sociológico – onde o indivíduo construía sua identidade a partir da ‘interação
entre o ‘eu’ e a sociedade’ (HALL, 2006, p.11); e o sujeito ‘pós-moderno’ –
que assume identidades diferentes em diferentes momentos, uma identidade
móvel de acordo com seus interesses (HALL, 2006, p.12-13). Hall recorre a
um trecho do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, para resgatar a ideia
dos autores sobre a globalização em concordância com Milton Santos, no fim
da década de 1970 (o livro A Identidade Cultural na Pós-modernidade foi
publicado pela primeira vez em 1979). Segundo Marx e Engels, o
‘modernismo tardio’ nas palavras de Hall,

[...] é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de


todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos [...] Todas
as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas
representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-
formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido
se desmancha no ar [...] (1973, p.70, apud HALL, 2006, p.14).

Essa percepção, a respeito da falta de solidez nas novas relações do


indivíduo pós-moderno, compreendida por Marx e Engels no Manifesto
Comunista, é resgatado na obra de Zygmunt Bauman (sociólogo polonês,
35

falecido em 2017 aos 91 anos de idade), intitulada Amor Líquido (2004).


Bauman percebe em sua obra que, na atual conjuntura das relações sociais,
vivemos em uma sociedade líquida, onde os indivíduos tendem a preferir
termos como ‘conectar-se’ ao invés de ‘relacionar-se’, e ‘redes’ ao invés de
‘parcerias’. Isso não é por acaso. Segundo o autor, vivemos em uma “líquida,
consumista e individualizada sociedade moderna” (BAUMAN, 2004, p. 41)
marcada pela “incerteza em relação ao futuro, a fragilidade da posição social
e a insegurança existencial” (BAUMAN, 2004, p. 61).

A palavra “rede” sugere momentos nos quais “se está em contato”


intercalados por períodos de movimentação a esmo. Nela as conexões
são estabelecidas e cortadas por escolha. A hipótese de um
relacionamento “indesejável, mas impossível de romper” é o que torna
“relacionar-se” a coisa mais traiçoeira que se possa imaginar. Mas uma
“conexão indesejável” é um paradoxo. As conexões podem ser
rompidas, e o são, muito antes que se comece a detestá-las. Elas são
“relações virtuais” [...] “Sempre se pode apertar a tecla de deletar”
(BAUMAN, 2004, p.8).

Essa nova forma de enxergar a relação interpessoal deriva de um


pensamento mercadológico, fruto da sociedade consumista em que vivemos,
e, na mesma proporção, pela forma como a tecnologia influenciou nossa
forma de organização. Bauman critica os programas de televisão Big Brother,
Survivor e The Weakest Link por ensinarem às pessoas que não devemos
confiar em ninguém, como pode ser visto neste trecho:

As pessoas tendem a tecer suas memórias do mundo utilizando o fio de


suas experiências. Os membros da atual geração podem achar artificial
a imagem luminosa e alegre de um mundo confiante e fiel - em
profundo desacordo com o que eles próprios aprendem diariamente e
com o que é insinuado pelas narrativas comuns da experiência humana
e recomendado pelas estratégias de vida que lhes são apresentadas no
dia-a-dia. Prefeririam reconhecer-se nos atos e confissões dos
personagens que aparecem na onda mais recente de programas
televisivos, altamente populares e avidamente assistidos, tipo Big
Brother, Survivor e The Weakest Link. Eles passam uma mensagem
bem diferente: um estranho não é alguém em quem se deva confiar. A
série Survivor tem um subtítulo que diz tudo: "Não confie em
ninguém". [...] Esses espetáculos televisivos que tomaram milhões de
espectadores de assalto e imediatamente capturaram sua imaginação
eram ensaios públicos sobre a descartabilidade dos seres humanos. [...]
A vida é um jogo duro para pessoas duras, dizia a mensagem. [...] Cada
jogador, a cada momento, está por conta própria, e para progredir (sem
falar em chegar ao topo!) deve primeiro colaborar na exclusão de muitas
outras pessoas ávidas por sobrevivência e sucesso que estão bloqueando
o caminho - mas apenas para superar, uma por uma, todas aquelas com
quem tivemos de cooperar, e abandoná-las, derrotadas e inúteis. Os
36

outros são, em primeiro lugar e acima de tudo, competidores, tramando


como qualquer competidor, cavando buracos, preparando emboscadas,
torcendo para que venhamos a tropeçar e cair (BAUMAN, 2004, p. 51).

Bauman, no mesmo capítulo onde revela a atual impossibilidade de


‘amar ao próximo como a ti mesmo’ – uma vez que para amar o próximo
temos que nos relacionar com o próximo –, mostra como em função dessa
desconfiança gerada por influência da mídia e da lógica de consumo
capitalista da ‘modernidade tardia’ optamos por nos isolar cada vez mais. Ele
também menciona o uso do celular como aparato indispensável, onde as
pessoas não saem mais sem ele dentro do bolso. Onde mensagens de texto
substituem a comunicação oral, transformando a forma de interação, onde “a
união só se mantém na medida em que sintonizamos, conversamos, enviamos
mensagens. Se você interromper a conversa, está fora. O silêncio equivale à
exclusão” (BAUMAN, 2004, p. 25).

Todo esse movimento revela que o indivíduo pós-moderno prioriza a


si mesmo em detrimento do outro, e ao novo em detrimento do velho de
acordo com a lógica consumista. Bauman faz uma alusão em seu livro, onde
as relações só são interessantes à medida em que são novas, da mesma forma
que um celular. Quando um novo aparelho é lançado, o anterior torna-se
descartável, o mesmo com novas possibilidades de relacionamento. Por essa
lógica, Bauman argumenta que o indivíduo pós-moderno prospecta na
possibilidade de novos relacionamentos futuros, em função da
disponibilidade de inúmeras oportunidades, uma espécie de aprimoramento
em relação a experiências anteriores. Concordando com Bauman, não posso
deixar de citar que o papel da propaganda de fim comercial pode ter
contribuído para isso. Com o advento das novas tecnologias, para além da
televisão, a todo momento o indivíduo pós-moderno é bombardeado com
propagandas de novas tecnologias sendo lançadas a uma velocidade maior
que sua capacidade de consumi-las (levando em consideração o indivíduo
que não se encontra entre as classes mais abastadas economicamente).
Fundamento meu pensamento no que Bauman explica em seu livro,
37

Consideradas defeituosas ou não "plenamente satisfatórias", as


mercadorias podem ser trocadas por outras, as quais se espera que
agradem mais, mesmo que não haja um serviço de atendimento ao
cliente e que a transação não inclua a garantia de devolução do dinheiro.
Mas, ainda que cumpram o que delas se espera, não se imagina que
permaneçam em uso por muito tempo. Afinal, automóveis,
computadores ou telefones celulares perfeitamente usáveis, em bom
estado e em condições de funcionamento satisfatórias são considerados,
sem remorso, como um monte de lixo no instante em que "novas e
aperfeiçoadas versões" aparecem nas lojas e se tornam o assunto do
momento (2004, p.14).

Ainda a respeito da publicidade, Milton Santos (2004) reconhece o


seu poder em nossos tempos:

Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual do


discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa
onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem
dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela
busca convencer. Este é o trabalho da publicidade. Se a informação tem,
hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente,
na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a
produção. Brigando pela sobrevivência e hegemonia, em função da
competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que
se tornou o nervo do comércio. Há uma relação carnal entre o mundo
da produção da notícia e o mundo da produção das coisas e das normas
(SANTOS, 2004, p.20).

No meio desta relação ‘promíscua’ entre a mídia e o ideal neoliberal,


violando a moralidade do indivíduo, me deparo com os estudos elaborados
por Pierre Dardot e Christian Laval (2013) sobre a nova racionalidade do
capitalismo contemporâneo, termo que utilizei no título deste capítulo.
Segundo os autores, “a principal característica da racionalidade neoliberal é
a generalização da competição como norma comportamental e da empresa
como modelo de subjetivação” (DARDOT; LAVAL, 2013, p. 9).

O neoliberalismo é a racionalidade do capitalismo contemporâneo - um


capitalismo livre de suas referências arcaicas e plenamente reconhecido
como uma construção histórica e norma geral da existência. O
neoliberalismo pode ser definido como o conjunto de discursos, práticas
e aparatos que determinam um novo modo de governo dos seres
humanos de acordo com o princípio universal da competição
(DARDOT; LAVAL, 2013, tradução livre).

Irei, no entanto, utilizar o trabalho de Marina Sertã Miranda (2016)


sobre a obra de Dardot e Laval e outros pensadores complementares ao tema
para fundamentar meu argumento. “A empresa é o espaço e instrumento da
realização da cultura de competição” (MIRANDA, 2016, p. 51). Pela lógica
38

consumista descrita até aqui, podemos considerar o indivíduo em Dardot e


Laval como uma espécie de “celular” mencionado anteriormente, onde é
necessária a atualização constante para “maximizar seu capital (humano) e
sua eficiência” (MIRANDA, 2016, p. 51), porém não para não ser descartado
como o celular, mas para alcançar a felicidade. Fazendo alusão ao texto de
Foucault “Vigiar e Punir”, onde ele resgata o Panóptico de Jeremy Bentham,
onde os indivíduos são observados a todo instante em uma espécie de Big
Brother (já mencionado neste trabalho e idealizado), os indivíduos moldam
seu comportamento não de acordo com suas necessidades ou experiências
vividas, mas segundo “as normas que são esperadas deles” (MIRANDA,
2016, p. 54) pelas empresas.

Segundo Dardot e Laval, citados no trabalho de Marina Sertã,

“[A] gestão neoliberal do indivíduo consiste em produzir um ego de


alta-performance, que sempre demanda mais do indivíduo, e que tem
sua autoestima crescendo paradoxalmente com sua insatisfação em
relação às performances anteriores. Problemas econômicos são vistos
como problemas organizacionais e estes, por sua vez, reduzidos a
problemas psicológicos, ligados à insuficiência de controle do
indivíduo e sua relação com outros. A fonte de eficiência reside no
indivíduo; ela não deriva mais de uma autoridade externa. [...] nós e
somente nós somos responsáveis pelo que nos ocorre” (DARDOT;
LAVAL, 2013, p. 303. In: MIRANDA, 2016, p. 54-55).

É interessante notar o surgimento no Brasil, a partir do fim da década


de 1990, dos profissionais coachs. O coach17 é um profissional que se utiliza
de conhecimentos da psicologia cognitiva, comportamental e positiva, das
ciências organizacionais e da neurociência, além de conceitos da filosofia, da
educação e de administração (negócios, processos e liderança) para fazer o
coachee (aluno/cliente) alcançar o nível máximo de seu potencial
empreendedor/profissional, sua realização profissional. Recentemente, o
coaching caiu nas graças de cidadãos do Brasil por se tratar de uma espécie
do velho método de ‘autoajuda’ sendo que orientado para o mercado.

17
Coach se refere ao profissional de Coaching, uma espécie de treinamento intensivo para que
indivíduos alcancem a maximização de seus potenciais, seja na área empreendedora, profissional
ou na vida particular.
39

Particularmente considero que o coaching18 é o auge do indivíduo neoliberal,


orientado à tentativa de satisfação no trabalho: o surgimento de uma profissão
exclusivamente dedicada em nos transformar justamente naquilo que a lógica
de mercado neoliberal nos requer.

Em resumo, a "individualização" consiste em transformar a


"identidade" humana de uma coisa "dada" em uma "tarefa" - e
encarregar os atores com a responsabilidade de desempenhar essa tarefa
e de arcar com as consequências (e também com os efeitos colaterais)
de seu desempenho; em outras palavras, consiste em estabelecer uma
autonomia "de jure" (porém não necessariamente uma autonomia “de
facto”) (BAUMAN, 2009, p. 183).

De acordo com o observado, há um consenso no que se refere ao


indivíduo neoliberal. Ele é única e exclusivamente culpabilizado de sua
própria desgraça, uma vez que não alcança o sucesso profissional ou pessoal,
pois não se esforçou o suficiente, não estudou o suficiente, ou porque é
preguiçoso. Essa lógica de pensamento coloca à margem da sociedade
brasileira grande parcela da população que está desempregada ou em
condições de pobreza, ou ainda dependente de programas sociais do governo
federal. Não é raro ouvir discursos de insiders19 referindo-se à essa parcela
enquanto vagabundos, preguiçosos, burros, entre outros adjetivos pejorativos
em decorrência de suas condições, condições que são parte integrante da
lógica neoliberal, pois ela, conforme já foi mostrado, é geradora de
desigualdade.

18
A profissão referida na nota anterior.
19
Àqueles que se encaixam dentro da logica neoliberal e, por sorte ou consequência (ou
indicação de alguém com poderes de decisão), estão empregados e fora da margem.
PARTE 4: ANÁLISE SOBRE A SAÚDE EMOCIONAL DOS
INDIVÍDUOS NO BRASIL PÓS-MODERNO

Até aqui, analisamos as mídias de comunicação de maior impacto na


atualidade brasileira bem como seus ‘vetores’, o surgimento do fenômeno da
globalização atrelada à lógica mercadológica neoliberal, a construção da
nova subjetividade do indivíduo ‘self-manager’, o surgimento do conceito de
segurança humana e seus esforços em combater, via OMS, o problema das
doenças psicoemocionais na América Latina. Agora, iremos analisar
especificamente o Brasil, a partir da década de 1990, onde experimentamos
tentativas de implementação do neoliberalismo como política econômica do
país emblematicamente nos governos de Fernando Collor de Mello (1990 –
1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003). Apesar de o Brasil ter
experimentado de 2004 a 2016 uma política econômica de governo focada
na diminuição de desigualdades (através de programas sociais, melhores
condições trabalhistas entre outros, nos governos Lula e Dilma), a taxa de
suicídios continua em constante crescimento, bem como os índices de
doenças emocionais como depressão, síndrome do pânico, síndrome do
pensamento acelerado e ansiedade.

Irei agora fundamentar meu argumento relacionando o papel da mídia


na perpetuação da construção de subjetividade capitalista nos indivíduos (que
levam os mesmos a reproduzirem o modelo de pensamento neoliberal, de
individualização de riscos e fracassos) com dados do Sistema Único de Saúde
(DATASUS), o relatório sobre mídia e subjetividade da Confederação
Federal de Psicologia (CFP) e em uma pesquisa20 realizada por mim. A
pesquisa contou com a participação de 385 voluntários, de forma anônima
através do Formulário do Google, aplicado aos grupos do Facebook dos quais

20
O link com os dados coletados na pesquisa pode ser encontrado na sessão Referências
Bibliográficas no final deste trabalho.
41

eu faço parte21 e compartilhado no meu perfil pessoal. O formulário ficou no


ar de 24 de abril a 25 de maio, e contabilizou só nos três primeiros dias o
engajamento de 374 pessoas, quase a totalidade dos 385 voluntários. Em
apenas um grupo22, encontram-se 32.536 pessoas, o que revela, também, o
poder de alcance que uma única publicação pode ter.

[...] comunicação e cultura são direitos humanos inalienáveis. [...]


Acontece que, nos últimos séculos, e, com certeza, no século XX, isso
se tornou tão vertiginoso, e essa possibilidade de contato com outro
não está mais só no estado interpessoal, mas é cada vez mais, de modo
preponderante, realizada através de mídias (GINDRE, 2009, p. 51).

Muito tem se falado neste trabalho sobre a mídia ter funcionado como
um vetor de promoção dos ideais da nova sociedade orientada ao consumo,
mas, vamos mais a fundo em como, na prática, os indivíduos no Brasil tem
se relacionado com a mídia em si a partir das análises do Conselho Federal
de Psicologia (CFP), de 2009.

Segundo Gustavo Gindre, em sua contribuição para o relatório da


CFP, uma novidade trazida pela nova forma do capitalismo atual é a mudança
no conceito de mercadoria. A mercadoria normalmente era pensada como
algo limitado, que tinha seu preço estabelecido, pois era “preciso estabelecer
um valor que compensasse o fato de que vou ficar sem isso” (GINDRE, 2009,
p.53). No entanto, Gindre entende que a informação não é uma mercadoria
como a anterior, que quando mais se vendia, menos se tinha. A informação,
ao contrário, se multiplica ao invés de subtrair. Se eu possuo uma informação
e repasso para alguém, ambos temos a mesma quantidade de informação ao
fim das contas.

Por isso, o capitalismo vem se defrontando com esse cenário tão


complexo para ele, para sua própria lógica de escassez, de valor de uso,
valor de troca, que é um bem intangível. E a internet, esse espaço de
convergência das mídias, é hoje, com certeza, o foco desse embate,

21
Os grupos onde o formulário foi compartilhado para ser respondido de forma anônima e
voluntária foram os seguintes: ‘Relações Internacionais’, ‘Relações Internacionais PUC-Rio’,
‘Relatos de assaltos e violências em Laranjeiras, Flamengo e proximidades’, ‘Bons Propósitos’, e
‘CIAM – Centro Internacional de Adoração e Missões do Rio de Janeiro’.
22
‘Relatos de assaltos e violências em Laranjeiras, Flamengo e proximidades’.
42

dessa luta pela transformação do conhecimento em mercadoria


(GINDRE, 2009, p.53).

Rosa Pedro (2009) considera que essas tecnologias, além de redefinir


os limites sobre a mercadoria, também redefinem os limites entre público e
privado, íntimo e social, que até então pareciam bastante nítidas (PEDRO,
2009, p.59). Além disso, essas tecnologias tem o poder de “engendrar novas
formas de sociabilidade, novas formas de ação social e [...] novas formas de
produção de si, novos processos de subjetivação” (PEDRO, 2009, p.59). Em
síntese, Pedro considera que não é possível desassociar a tecnologia da noção
de sociedade nos dias de hoje. “De modo provocativo, poder-se-ia dizer: não
há sociedade fora da tecnologia, não há sujeito fora da tecnologia” (PEDRO,
2009, p.59).

Rosa Pedro, assim como Zygmunt Bauman, também se remete ao Big


Brother, porém de uma forma diferente. Pedro (2009, p.60) revela que
‘tecnologias do espetáculo’ (tecnologias de visibilidade) emergentes dos
avanços tecnológicos como weblogs, fotologs e webcams expõem o espaço
privado e a intimidade em um espaço público. Dessa forma, os indivíduos
não precisam se submeter ao programa Big Brother relacionado a televisão,
uma mídia de massa, para promover o que o autor chama de
‘espetacularização da vida cotidiana’. O autor identifica que a
espetacularização do cotidiano proporcionado por essas tecnologias está
ancorada nas aparências, constituindo-se uma subjetividade inautêntica, em
oposição a subjetividade autêntica, real, não exibida na internet (PEDRO,
2009, p.59-60). Se constitui uma subjetividade inautêntica porque pode ser
mascarada, falsificada, pode se mentir a respeito da realidade.

Para confirmar tal pensamento, realizei uma pesquisa já mencionada


anteriormente, na parte introdutória a este capítulo, com perguntas de
respostas ‘sim’ ou ‘não’ na rede social Facebook, a fim de conseguir
respostas de pessoas inseridas nesse contexto. Apesar de ter contado com
idades que variaram de 15 a 83 anos, em um total de 385 pessoas, a grande
43

maioria das pessoas se encontram na faixa que varia de 18 a 24 anos. Pode


parecer pouco, mas ¼ das pessoas entrevistadas confirmam que suas imagens
na internet não correspondem exatamente à realidade em que vivem em suas
vidas fora da internet. O número pode variar para mais, uma vez que alguns
podem não se dar conta de que agem dessa maneira.

Fonte: https://drive.google.com/open?id=1YZvkuJu9FE6XfmaeMqiYeze3VxyfgHIo

Pedro, ao resgatar as ideias de Guy Debord, mostra que “o sujeito


encontra-se assediado pelo mundo espetacularizado, sendo levado a
experimentar uma existência e uma vida ‘falsas’” (PEDRO, 2009, p. 61).
Pedro também argumenta que enquanto a televisão, anteriormente,
‘sequestrava’ e mantinha o espectador refém da imagem, esquecido da vida
real, preso à realidade mostrada pela tela luminosa, com o surgimento das
novas tecnologias midiáticas “o espetáculo deixa de ser o que o sujeito
contempla no esquecimento de sua vida real para se tornar um dos modos
como ele reproduz sua existência” (PEDRO, 2009, p.61). Isso leva-nos a um
outro dado obtido na pesquisa. Dentre os entrevistados, aproximadamente
68% de todos eles consideram passar mais tempo à frente da televisão e/ou
internet do que com amigos, o que indica uma nova era nas relações sociais.
44

Fonte: https://drive.google.com/open?id=1YZvkuJu9FE6XfmaeMqiYeze3VxyfgHIo

Andréia Mendes dos Santos traz ao ponto a informação, obtida com


o IBGE, que 90% da população brasileira possui televisão em seus lares,
número que se comparado é maior do que o número de residências que
possuem geladeira (SANTOS, A. M. 2009, p.211). No pensamento de Santos
fica subentendido uma comparação da lógica de consumo atrelada à mídia
como uma questão de violência, e neste ponto concordo com ela.

Não podemos deixar de dizer que estamos na era de uma explosão de


cultura, em que, com toda a questão da globalização e todos os seus
fatores, acontece uma verdadeira enxurrada de novos produtos, muitas
vezes bastante similares, e vem o desejo de consumir o produto original
e também o similar, o que aumenta o leque de necessidades e, em
consequência, o leque de frustrações, porque, nos dias de hoje, é
impossível adquirir tudo o que a mídia apresenta. Nesse sentido,
começamos a perceber uma desestruturação em termos de vida pessoal,
de comunidade, quando se começa a necessitar mais do que, na verdade,
se precisa (SANTOS, A. M, 2009, p.212).

Tal afirmação também vai de encontro a um dado que obtive na minha


pesquisa: quantas pessoas se incomodam com o padrão de consumo exibido
do qual elas sabem que não irão alcançar. Se mantidas as mesmas proporções
em escala nacional entre os 116 milhões de pessoas conectadas à internet
(G1, 2018), estaríamos falando de mais de 25 milhões de pessoas, no mínimo.
45

Fonte: https://drive.google.com/open?id=1YZvkuJu9FE6XfmaeMqiYeze3VxyfgHIo

Os caros cortes nobres de carne e ingredientes exóticos utilizados em


programas de culinária, as viagens internacionais feitas por atores e atrizes
famosos, o carro milionário comprado pelo jogador de futebol, a roupa de
grife usada por uma cantora em uma apresentação musical, as mansões que
atores com menos de 15 anos já conseguiram comprar. Tudo isso é exibido
diariamente por canais abertos e fechados de televisão, banhado por um
discurso muito conhecido por quase todos os entrevistados, mencionado
desde o início deste trabalho.

Fonte: https://drive.google.com/open?id=1YZvkuJu9FE6XfmaeMqiYeze3VxyfgHIo

O que está por trás desse movimento em que desejamos comprar e esse
significado se perde e desejamos outra coisa a seguir? É um sentimento
de frustração muito grande que, dependendo da estrutura da pessoa, da
família, se reflete de uma ou de outra maneira. O que chamo a atenção
é para o fato de que o movimento da mídia tem grande poder de
exclusão, e esse fator de exclusão ocorre porque as formas que temos
para reagir a esse movimento de “eu não posso, eu não consigo
comprar”, a proximidade existente entre o rico e o pobre e as formas de
reação a essa situação acabam incitando, sim, à violência. [...] As
46

formas de violência [...] além das que são visíveis, também são
invisíveis, como, por exemplo, ao comprar um produto que não
necessito, ao fazer inúmeras prestações e entrar no cheque especial,
ficar sem dormir por causa das dívidas que tenho a pagar. [...] Minha
provocação para o debate se dá em relação a essa forma de
comportamento que é a consequência de uma mídia muito sedutora,
porque as propagandas são encantadoras, nos pegam com facilidade, e
em verificar como isso interfere em nossa produção, em nosso dia a dia,
nos índices de violência, com suas características, e não somente a
violência visível (SANTOS, A. M. 2009, p.213-214).

É nesse sentido que a mídia, ao amplificar o ethos do indivíduo


neoliberal, gestor de si mesmo, consumidor, condena a doenças
psicoemocionais boa parte da população brasileira. Jamil Chade (2017), para
o caderno de saúde do jornal O Estado de São Paulo, revela dados da OMS a
respeito dos índices de depressão e ansiedade no Brasil e no mundo. O Brasil
figura como possuidor da maior taxa de pessoas com depressão na América
Latina, 5,8% da população nacional, e uma média que supera os índices
mundiais. No mundo, 322 milhões de pessoas sofrem de depressão, 18% a
mais do que há dez anos (CHADE, 2017). Curiosamente, há dez anos desde
a convergência tecnológica para o smartphone, que como já vimos, se tornou
fundamental na vida do indivíduo pós-moderno, e como temos visto até o
momento, cria uma tensão entre a ficção e a realidade no que tange à
construção da subjetividade autêntica e inautêntica.

A depressão é a principal causa de mortes por suicídio, com cerca de


800 mil casos por ano no mundo. O Brasil também se coloca como o país
com maior número de pessoas com transtorno de ansiedade da América
Latina, sendo 9,3% da população com algum tipo de transtorno de ansiedade.
A taxa, porém, é três vezes superior à média mundial (CHADE, 2017).
47

Taxas de Mortalidade por Suicídio no Brasil, de 1996 a 2015


2.500 12.000
2.000 10.000
8.000
1.500
6.000
1.000
4.000
500 2.000
0 0
1996 2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015
São Paulo Minas Gerais Paraná
Santa Catarina Ceará Rio de Janeiro
Total Nacional
Fonte: DATASUS (Portal da Saúde, SUS, Ministério da Saúde/Brasil)

O período escolhido corresponde ao total de informações que o


sistema DATASUS pode oferecer, onde 1996 coincide justamente com a
onda neoliberal que o Brasil viveu durante o segundo ano do primeiro
governo de Fernando Henrique Cardoso na presidência. Podemos analisar
por este gráfico uma evolução constante no número de mortes classificadas
como ‘lesões autoprovocadas voluntariamente’ pelo sistema. Os estados
citados no gráfico são os 5 estados com maior índice de suicídio do país,
sendo São Paulo o líder absoluto com quase o dobro de casos em relação ao
segundo colocado, Minas Gerais. É interessante destacar que São Paulo é a
maior capital financeira, corporativa e mercantil do Brasil, a que produz o
maior PIB em relação aos demais estados; e foi eleita a 14º cidade mais
globalizada do mundo pelo Globalization and World Cities Study Group &
Network (GaWC). Quando olhamos para o número total de suicídios desde
1996 até 2015 (sem contar os que ocorreram de 2015 até a elaboração deste
trabalho), chegamos ao surpreendente número aproximado de 175.000
pessoas, o que corresponde a mais do que 2 estádios do Maracanã lotados
poderiam suportar.
48

Taxas de Mortalidade por Suicídio no Brasil, de 1996 a 2015


12.000 200.000
180.000
10.000 160.000
8.000 140.000
120.000
6.000 100.000
80.000
4.000 60.000
2.000 40.000
20.000
0 0
1996 2000 2005 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Mortes/Ano Total de Mortes/Período

Fonte: DATASUS (Portal da Saúde, SUS, Ministério da Saúde/Brasil)

Destaco, no entanto, a atuação do Centro de Valorização da Vida


(CVV), um órgão sem fins lucrativos que tem atuado na prevenção do
suicídio no Brasil desde 1962. Percebendo que o papel da mídia tinha uma
relevância enorme em termos de poder gerar um ‘efeito contágio’ na
sociedade, o CVV elaborou um folheto direcionado a jornalistas. O folheto
(CVV, 2017) lista algumas precauções que devem ser tomadas por
profissionais de comunicação na hora de divulgar uma notícia sobre suicídio,
sendo elas:

• Não dê destaque à notícia;


• Evite repetições e atualizações, especificamente em casos que
envolvam celebridades;
• Não use palavra suicídio no título;
• Não divulgue o método utilizado;
• Não divulgue o lugar;
• Não publique fotos;
• Não divulgue cartas ou bilhetes suicidas;
• Não apresente as causas; entre outros.
49

No entanto, alguns jornais de grande alcance não têm colaborado com o


folheto. Em março de 2018, o caderno Gente do portal de notícias iG
divulgou uma notícia sobre suicídios com o título “Kurt Cobain, Robin
Williams e os famosos que se suicidaram”, e subtítulo “Depressão, ansiedade
e vícios são alguns dos motivos por trás das mortes de famosos que se
suicidaram. Confira mais detalhes nessa lista do iG Gente” (GENTE, 2018).
Uma notícia divulgada no momento em que escrevo este trabalho, do portal
de notícias Terra, traz o seguinte título: “Anthony Bourdain se suicidou com
cinto de roupão” (TERRA, 2018).

Os cidadãos brasileiros são ‘metralhados’ pela mídia todos os dias


através de programas como Cidade Alerta (TV Record), Brasil Urgente (TV
Bandeirantes) entre outros, com notícias de mortes dos mais variados tipos,
com vídeos e fotos minimamente censuradas (embaçando ou colocando tarja
preta sobre o morto), mostrando partes isoladas do corpo, que promovem
uma verdadeira espetacularização da violência. Não é raro assistir a
perseguições policiais em primeira pessoa, com câmeras acopladas à motos
de policiais ou com cameramans na carona de uma viatura. Perseguições que
não raro também resultam em mortes. As constantes notícias de mortes
decorrentes de ações policiais em confronto com bandidos nas principais
capitais do Brasil, e a exposição das pessoas a essas notícias, levam a um
outro fenômeno que é a banalização da morte.
50

Como parte de minha pesquisa, outra pergunta revelou que 26% das
pessoas entrevistadas não se sentem mais muito comovidas com notícias de
mortes desse tipo no Brasil. No Brasil, a morte não só tem o sentido de fazer
parte da vida, mas também faz parte do cotidiano. Apesar de todos os
esforços em se prevenir. Esse tipo de informação vem em geral pela televisão,
mas não é raro, também, receber fotos, vídeos e/ou notícias sobre
assassinatos, suicídios e acidentes com mortos no Smartphone, em
aplicativos como o WhatsApp. Em uma sociedade altamente conectada
praticamente o tempo inteiro, é quase inevitável se deparar com essas notícias
por mais que alguns de nós tentemos não cruzar com elas. Outra pergunta
revelou que, dentre os entrevistados, 65,7% tem o hábito de se manter
conectado o tempo todo. A sociedade neoliberal nos obriga a estarmos
conectados o tempo todo para atender aos interesses do mercado, seja para
ficar atento ao e-mail de clientes, chefes ou colegas de trabalho; seja para se
manter informado/atualizado sobre tudo o que pode ser relevante para o
mercado de trabalho.

Apesar das afirmações acima, uma pergunta realizada em minha


pesquisa revelou que um fenômeno muito interessante está ocorrendo no
Brasil. Apesar de não estarmos envolvidos em nenhum contexto de guerra
internacional, quase a metade de todos os entrevistados tem medo de que uma
guerra de proporções nucleares ocorra a qualquer momento. O Brasil não
51

vive um clima de tensão bélica direta com nenhum país, mas sabem que uma
guerra nessas proporções colocaria as nossas vidas em risco, apesar de
estarmos em paz.

Esse fenômeno é fruto exclusivamente do teor em que as notícias são


escritas e repassadas para a sociedade, e é possível inferir que outros países
também sintam o mesmo clima de insegurança, tendo em vista a repercussão
que tensões entre os Estados Unidos e qualquer outro país do mundo viram
notícia no mundo todo. No Brasil, pelo menos, tais notícias são repetidas
quase que de hora em hora, e se sobrepõe muitas vezes às pautas internas, já
banalizadas. No entanto, uma última pergunta realizada na pesquisa revela
algo de extrema importância para este trabalho. As doenças de origem
psicológica são difíceis de ser identificados pelas vítimas, pois podem ser
confundidas meramente com seus sintomas em detrimento à causa maior. Por
exemplo, é comum pessoas confundirem a depressão com um estado de
tristeza, frustração e/ou sentimento de culpa (VEJA, 2016) ao invés de
considerarem que estão com depressão e precisam de ajuda específica nesse
sentido. De forma surpreendente, no entanto, é o número de pessoas
declaradamente doentes ou em estágio de desenvolvimento de algum tipo de
doença psicoemocional. Se somadas, as pessoas já doentes ou em processo
de desenvolvimento da doença ultrapassam a metade de todo os
entrevistados, isso sem considerar, no entanto, o número de pessoas que
52

podem estar enfrentando dificuldade em reconhecer que possuem o problema


de fato.

Seria leviano culpar de forma concreta a lógica neoliberal somada a


força das mídias, que conseguem acertar o indivíduo com propagandas em
praticamente qualquer ambiente da internet, desde sua própria caixa de e-
mails até sua rede social preferida. A Big Data23 tem favorecido a lógica de
consumo, fornecendo para empresas privadas nossas últimas pesquisas
relacionadas a produtos que em algum momento tivemos interesse em
comprar ou, simplesmente, tirar alguma dúvida sobre. A partir disso, a
propaganda daquele produto aparece em todos os ambientes virtuais que
visitamos, desde sites, blogs, redes sociais, caixa de entrada dos e-mails,
aplicativos etc. Tornamo-nos reféns do consumo, que a todo momento jogam
em nosso campo de visão o produto que eles acham que estamos interessados
em comprar. Isso em uma sociedade que sofre com a desigualdade social,
como já mostrado anteriormente, onde muito se trabalha para consumir o
básico para sobreviver (bens primários ou de primeira necessidade), torna-se
uma espécie de tortura para quem é mais propenso a desenvolver tais tipos
de doenças.

23
Grande conjunto de dados pessoais capturados e armazenados na rede de
computadores mundial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como narrado desde o início deste trabalho, dar ao indivíduo


condições de autogerenciamento e culpá-lo por seu possível fracasso, em um
país como o Brasil que sofre historicamente com a desigualdade, pode
colocar não só sua dignidade como também sua vida em risco. Seria injusto
também negar que os avanços da tecnologia da informação foram de extrema
importância, inclusive, para que houvesse militância e conscientização dos
males que a sociedade vive. No Brasil, por exemplo, as mídias foram
massivamente usadas para organizar manifestações em todos os lugares do
país de forma simultânea a partir das eleições presidenciais de 2014, apesar
de seus impactos positivos e/ou negativos. É importante mencionar a
facilidade de acesso à informação, seja ela qual for e onde estiver no mundo.
É possível através da internet e da tradução simultânea acessar informações
elaboradas por japoneses, italianos e canadenses em questão de minutos, o
que antes levava meses, por praticamente qualquer pessoa que desejar.

No entanto, é importante destacar os impactos que isso também trouxe


de ruim para os indivíduos, e este trabalho tem essa importante missão de ser
uma voz que reconhece já na origem da elaboração da Segurança Humana a
raiz dos males da pós-modernidade. Qualquer sugestão por este trabalho
poderia ser considerada superficial, já que foquei em reconhecer as possíveis
causas do crescimento dos suicídios no Brasil. Porém, considero de
fundamental importância a conscientização da população brasileira sobre os
males e os riscos do uso indiscriminado da internet e das mídias sociais, bem
como a exposição diária, e praticamente contínua, a propagandas e notícias
de jornais que quase sempre não são imparciais como deveriam ser. Buscar
reduzir ou limitar o acesso ininterrupto a tais aparatos tecnológicos deve ser
um objetivo a ser alcançado, a fim de reduzir o número de pessoas doentes e
suicídios.
54

A população brasileira deve tomar conhecimento sobre os perigos dos


discursos propagados via mídias de massa como jornais, televisão e de forma
mais recente as mídias sociais. O discurso empregado no Brasil via mídias
de massa por muitos economistas, políticos e atores da sociedade civil, contra
programas de políticas governamentais de bem-estar social e direitos
humanos tem colocado em risco algumas parcelas da população, como por
exemplo, moradores de comunidades carentes e ativistas pelos direitos
humanos. Não por coincidência, o Brasil é um dos países com maior número
de homicídios contra defensores dos direitos humanos (ANISTIA, 2018).

O discurso de combate à violência com mais violência, em nome da


proteção da propriedade privada e dos bens adquiridos ‘com muito suor’, ou
com muito trabalho, coloca em risco pessoas que convivem à margem da
lógica consumista. Tais pessoas, por não terem opção, se veem obrigadas, em
muitos casos, a morar em locais dominados pelo tráfico de drogas, onde
traficantes fortemente armados – portando armas fabricadas no exterior e
vendendo drogas produzidas no exterior – se constituem como poder paralelo
ao Estado. Tal região como um todo, com a massiva exposição de casos de
violência oriundas do embate entre policias e traficantes, além de roubos e
assaltos no entorno das periferias, é percebida como um mal a ser combatido,
e gera um sentimento de ódio ao bandido pela sociedade, que clama por uma
solução do Estado ‘mesmo que isto custe a vida de alguns inocentes’ – isto
quando os inocentes que morrem não são relacionados ao tráfico de drogas
simplesmente por morarem na região e não terem feito nada antes de
morrerem para denunciar ou solucionar o problema (como se isto fosse
possível). Neste ponto em que o Brasil vive, a propriedade privada e o bem
material ‘conquistado dignamente’ se sobrepõe a vida humana, mesmo que a
vida de um inocente, desde que sua vida tenha sido perdida em nome de um
bem comum maior.

A ONU faz sua parte em condenar tal tipo de pensamento segundo sua
Carta, e segundo qualquer outro material produzido em termos de análise de
55

desenvolvimento humano, como no caso da RDH ou qualquer outro relatório.


Porém, como já mencionado, qualquer esforço em condenar tal pensamento
(e/ou prática) pode parecer uma tentativa de ‘enxugar gelo’, sendo que a fonte
primária do calor que ‘derrete’ esse ‘gelo’ se encontra na própria ONU, uma
vez que decidiu focar no indivíduo, deixando o caminho livre para o
capitalismo neoliberal exigir um ‘Estado’ cada vez mais ‘mínimo’ para a
condução de suas operações.

Para finalizar, considero também que todas as tecnologias de


informação devem ser utilizadas, como de fato se dispõe a ser, como uma
ferramenta a mais de interação social, e não como o substituto para as
relações humanas. “Não apenas nossa geometria e nossa física, mas, toda
nossa concepção do que existe fora de nós baseia-se no sentido do tato”
(MONTAGU, 1988, p. 30). “Não pode haver saúde, nem funcionamento
pleno se os sistemas vivos não estiverem ou não mantiverem contatos
frequentes (GAIARSA, 1988, p. 13). Sistemas vivos, e não sistemas
operacionais de computador ou smartphones. A despeito de toda a
capacidade tecnológica inventada, ainda dependemos da interação humana
tátil, acima de tudo, para nossa própria sobrevivência enquanto indivíduos.
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PESQUISA DE CAMPO:

Os dados obtidos pela pesquisa de campo citada na Parte 4 deste trabalho


pode ser encontrada no seguinte link, em formato .xlsx, padrão do software
Microsoft Excel:
<https://drive.google.com/open?id=1YZvkuJu9FE6XfmaeMqiYeze3VxyfgHIo>.

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