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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ

IFCE CAMPUS FORTALEZA


LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

DANILO MIRANDA RAMOS

A VIDA DE VYGOTSKY E A SUA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO

FORTALEZA – CE
2018
1. Biografia:

Em 17 de Novembro de 1896 nasce Lev Semyonovich Vygotsky, no seio de


uma próspera e culta família judia, em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, capital
da Bielo-Russia. Mais tarde a região se tornará independente, com o fim da União
Soviética, e passará a ser chamada de Belarus.

O pai trabalha como chefe de departamento de banco, além de ser


representante de uma companhia de seguros, e a mãe, apesar de ser professora, não
atua como tal. Durante a infância sua família se muda para outra cidade, Gomel, e
Vygotsky passa a ser educado em casa por tutores particulares. Vygotsky é o segundo
filho de oito e é nessa época que o seu interesse pela literatura e idiomas, desperta.
A família Vygotsky é vista por todas como bastante culta: pais e filhos estão sempre
fazendo debates sobre os mais diversos assuntos, além de ter uma biblioteca aberta
sempre à disposição do estudo.

Depois dos 15 anos, Vygostky passa a frequentar a escola normal, e aos 17


anos conclui o secundário com excelente desempenho. Aos 18, matricula-se no curso
de Medicina, mas logo muda de ideia e transfere para o de Direito, na Universidade
de Moscou. Simultaneamente, cursa Literatura e História da Arte em outra
universidade, a Popular de Shanyavskii. Em 1917, eclode a Revolução Russa e
Vygostky se forma bacharel.

Volta para Gomel, onde funda uma editora, uma revista literária e um
laboratório de psicologia, no Instituto de Treinamento de Professores. Passa seu
tempo a escrever críticas literárias, palestrar em várias escolas sobre temas ligados à
literatura e à psicologia. Nasce também o interesse por pedagogia e, em 1922, publica
um estudo sobre os métodos de ensino de literatura em escolas secundárias. A partir
daí se debruça sobre o desenvolvimento infantil e centraliza suas pesquisas na
compreensão dos processos mentais humanos, assunto que mais tarde virá a ser o
centro de seu projeto de pesquisa.

Em 1924, com 28 anos, casa-se com Roza Smekhova, com quem terá duas
filhas. Nesse mesmo ano, faz uma brilhante participação no II Congresso de
Psicologia em Leningrado e é convidado a trabalhar no Centro De Psicologia de
Moscou. Nessa época, o interesse de Vygostky pelas funções mentais superiores,
cultura e linguagem, o levam a trabalhar com os pesquisadores Aleksander Luria e
Aleksel Leontiev, que mais tarde virão a ser seus seguidores, colaboradores e amigos.
Juntos deixam importantes contribuições para o Centro, como o livro “A Formação
Social da Mente”, onde abordam os processos psicológicos tipicamente humanos,
analisando-os a partir da infância e do seu contexto histórico-cultural.

Em 1925, embora estando gravemente doente de tuberculose, inicia um


período de intensas produções. Seu trabalho com a formação de professores faz com
que Vygotsky tenha contato com crianças portadoras de doenças físicas e mentais e
sua pesquisa se direciona principalmente para alternativas que possam auxiliar seus
desenvolvimentos. Nesse ano escreve o trabalho “Problemas da Educação de
Crianças Cegas, Surdas-mudas e Retardadas”.

As pesquisas de Vygotsky se dão em meio à revolução russa. O país se tornou


socialista. Assim sendo, o pensamento de Vygostky é permeado pelo pensamento
marxista. Marx afirma que “tudo é histórico, fruto de um processo e, que são as
mudanças históricas na sociedade e na vida material que modificam a natureza
humana, em sua consciência e comportamento”. Vygostky se diz marxista; as
concepções de Marx e Engels sobre a sociedade, o trabalho humano, o uso dos
instrumentos e a interação dialética entre o homem e a natureza servem como
fundamento principal para as suas teses sobre o desenvolvimento humano,
profundamente enraizado na sociedade e na cultura. Desenvolve também sua teoria
sobre as funções psicológicas superiores, afirmando que linguagem e pensamento
estão fortemente conectados. Mas, curiosamente, sua obra não obtém sucesso na
União Soviética, e passa a ser chamado no país de “comunista de direita”. A partir de
1932 a obra de Vygotsky recebe duras críticas na Rússia, sendo considerada
“idealista” pelas autoridades soviéticas.

No contexto, as ideias dos teóricos comportamentalistas, defensores da


associação entre estímulos e respostas, são o contraponto às de Vygostsky; e
também as que são valorizadas pelo governo soviético. Os principais nomes do
comportamentalismo são Ivan Pavlov e John B. Watson e as suas abordagens são
apoiadas pelo governo, pois, nela, os seres humanos são considerados apenas em
função de suas reações ao ambiente exterior, visão que condiz com o materialismo
de Marx.
Vygotsky contesta essa visão, uma vez que para ele os seres humanos não
devem ser considerados somente sob esse aspecto limitante, mas também pela
maneira pela qual criam seu ambiente, o que por sua vez dá origem a novas formas
de consciência.

Lev Vygostky continua desenvolvendo seus trabalhos. Em 1928 escreve “A


Pedologia de Crianças em Idade Escolar”, em 1930, juntamente com Luria, publica
“Estudos Sobre a História do Comportamento”, em 1932, “Lições de Psicologia”, em
1934, “Fundamentos da Pedologia” e “Pensamento e Linguagem”.

Então, no dia 11 de junho de 1934, Vygotsky sucumbe à doença que lutou


durante 14 anos, a tuberculose, e morre precocemente aos 37 anos. Em 1935,
“Desenvolvimento da Criança Durante a Educação” e “A Criança Retardada” são
postumamente publicados. Em 1936, Stalin censura suas obras considerando-as
“idealistas” e as torna proibidas. A censura do rígido regime totalitário dura até 1956,
o que contribui para que a obra de Vygosty seja ignorada pela cultura ocidental por
um longo período de tempo. Até que em 1962, o livro “Pensamento e Linguagem” é
publicado nos Estados Unidos. Em 1984, “A Formação Social da Mente” é publicado
no Brasil. Assim, aos poucos Vygotsky é redescoberto até ser considerado um dos
mais importantes psicólogos do Sec. XX e é significativa a repercussão de sua obra
na educação e psicologia de vários países, incluindo o Brasil.

2. Planos do Desenvolvimento:

A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que


nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear,
se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor
(PAPALIA, OLDS, FELDMAN, 2010);

Na Psicologia do Desenvolvimento há várias vertentes sobre como se dá e


quais fatores influenciam o desenvolvimento humano. Para os comportamentalistas,
por exemplo, as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do
ambiente por processos de imitação ou reforço. O meio é a única influência sobre seu
desenvolvimento.

Já para sociointeracionistas, como Lev Vygotsky, o desenvolvimento é


construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as
aquisições da criança com o meio, e, ainda, nas relações de trocas entre parceiros
sociais, através de processos de interação e mediação.

A partir desse entendimento, Vygotsky, compõe sua teoria do desenvolvimento,


que ocorre em quatro níveis, ou planos: o filogenético, o ontogenético, o sociogenético
e o microgenético.

2.1. Filogenético:

O desenvolvimento filogenético diz respeito à história genética da espécie, no


caso, a humana. Esse desenvolvimento nos mostra as possibilidades e os limites da
espécie ao longo do tempo.

Para compreender a perspectiva da filogênese é preciso abordar a psicologia


evolucionista, que abrange como o passado de uma espécie tem repercussão no
desenvolvimento do indivíduo (MOURA, 2004). Ou seja, reflete sobre como as
características peculiares da espécie vão se impondo aos indivíduos no seu
desenvolvimento. Assim, as especificidades da espécie humana, como a capacidade
de realizar o movimento de pinça com os dedos, o fato de ser binocular, bípede, não
possuir asas para voar e etc, refletem em seu comportamento.

Mas, dentre todas as características da filogênese humana, destaca-se uma: a


plasticidade do cérebro humano, que permite com que ele se adapte às mais variadas
situações. O recém-nascido não sabe quase nada, tudo terá de ser desenvolvido, pois
seu cérebro não está completamente formado, mas isso lhe permite uma grande
flexibilidade no seu desenvolvimento, ou seja, ele está por ser constituído e se adapta
às mais variadas situações (VYGOTSKY, 1989).

2.2. Ontogenético

É a história biológica do próprio indivíduo; seu desenvolvimento físico, iniciado


na concepção, seguido de transformações sequencializadas até a morte, de tal forma
que cada estágio apresenta um determinado nível de maturidade (VELASCO, 2006).

Até meados do século XX, os cientistas acreditavam que o cérebro se


desenvolvia de um modo imutável, geneticamente determinado. Hoje, considera-se,
com base em estudos com animais, que o cérebro pós-natal é “moldado” pela
experiência, principalmente durante os primeiros meses de vida, quando o córtex
ainda está crescendo de forma rápida e organizada (VYGOTSKY, 1989).
As primeiras experiências podem ter efeitos duradouros sobre a capacidade
do sistema nervoso central de aprender e armazenar informações. Além disso, a
ontogênese abrange diversos campos da existência humana, sendo que este
caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos
ou genéticos, mas, também pela influência do meio em que o indivíduo está inserido,
tal como a cultura, a sociedade e suas interações. Os seres humanos nascem
inseridos em uma cultura e, logicamente, esta terá influências no seu desenvolvimento
(VYGOTSKY, 1989).

2.3. Sociogenético

O desenvolvimento sociogenético refere-se à história do grupo cultural na qual


o indivíduo está inserido e que, segundo Vygotsky, é de extrema influência no
processo de aprendizagem do ser humano. Aqui não estamos tratando da história ou
da cultura em si, mas das características presentes nesta sociedade, com as quais o
indivíduo entra em contato por estar neste meio, e acaba se desenvolvendo enquanto
sujeito e caracterizando o seu desenvolvimento. São jeitos de se comportar, de vestir,
alimentar entre outros. O plano genético da sociogênese pode ser visto sob dois
aspectos: em uma situação ele pode ser alargador das potencialidades humanas, pois
pela cultura o homem pode libertar-se, ou transgredir alguns determinismos naturais
que lhe impõem, ou sob a forma de organização de cada cultura a partir de seu
desenvolvimento, o que se apresenta na vida da sociedade de forma diferente, sendo
que o indivíduo se desenvolve a partir destas configurações (VYGOTSKY, 1989).

Vygotsky apresenta um conceito de sujeito que não se organiza internamente


e nem é apenas um simples fenômeno dos estímulos do ambiente. Esta concepção é
fundamental para pensarmos que o sujeito não é apenas condicionado pelo meio ou
interage com ele de forma neutra, mas, também, o produz e o afeta. Nesse aspecto,
o conceito de mediação é fundamental na aprendizagem, pois é através dela e da
internalização dos símbolos que os processos psicológicos complexos, característicos
do homem, são formados (BEDIM; OLIVEIRA, 2012).

Luria enfatiza o homem como um ser social por excelência e relata que, para
Vygotsky, cada sociedade se desenvolve diferentemente a partir de interações sociais
e históricas (SCHERER, 2010). Assim, as semelhanças e as variações no
desenvolvimento passaram a ser observadas ao longo da vida como um fenômeno
biológico-social. Essa mudança filosófica ofereceu oportunidade para diálogos de
integração entre disciplinas, e confirmou a crença de que as relações sociais
concebem o homem como um ser que se constitui imerso na cultura (GÓES, 2000).

2.4. Microgenético

História da formação de cada processo psicológico específico em curto prazo,


bem como das experiências vividas pelo indivíduo ao longo de sua existência. Aqui
podemos pensar no não determinismo do aprendizado, porque o sujeito poderá
mudar, aprender, fazer diferente ao longo da vida, de acordo com o que capta,
aprende na convivência com os outros e com a sua capacidade pessoal.

Cada um de nós precisa de uma experiência para aprender a amarrar sapatos


ou falar ou andar de bicicleta. Em cada sujeito esse fenômeno acontece de forma
diferente e ele só diz respeito a esse sujeito. Como cada fenômeno tem a sua história,
ele é considerado micro, pois não se refere ao desenvolvimento de forma global, mas
sim de uma maneira muito particular. Enquanto nos planos genéticos da ontogênese
e da filogênese temos um certo determinismo biológico, pois todos os membros da
espécie terão de passar por um processo similar, praticamente pré-determinado, e na
sociogênese, um determinismo cultural, na microgênese temos uma maior abertura,
pois ela é diferente em cada membro da espécie, de forma que permite que se
desenvolva as particularidade de cada um. A microgênese faz com que sejamos
diferentes um dos outros. A microgênese é a porta aberta para o não determinismo
(VYGOTSKY, 1989).

3. Conclusão Pessoal:

O ser humano de Vygotsky é um meio termo diante das outras teorias do


desenvolvimento; ao mesmo tempo em que se pode dizer “mais complexo”. Propõe
um modelo onde a natureza biológica, a cultural e ainda uma mais íntima, nas
pequenas relações, coexistem e dialogam entre si. O determinismo behaviorista, e
até mesmo o freudiano, sempre me incomodou. Acredito na teoria da complexidade
de Edgar Morin e admiro a coragem de Vygotsky de ir contra o pensamento
reducionista de sua época. Para mim é notável a sua contribuição, mas como gosto
de complicar as coisas, iria muito além da genética em uma teoria do desenvolvimento
humano, partindo, inclusive, para a metafísica, sem medo de ser condenado, como
Vygotsky.
4. Referências Bibliográficas

BEDIM, A.; OLIVEIRA, L. O jornal impresso e a questão ambiental: uma perspectiva


baseada da teoria de Vygotsky. Ensino, Saúde e Ambiente, v. 5, n. 2, p. 25-32, 2012.

GÓES, M. C. R. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: uma


perspectiva para o estudo da constituição da subjetividade. Cadernos Cedes, v. 20, n.
50, p. 9-25, 2000.

MOURA, E. A. et al.. Planos Genéticos do Desenvolvimento Humano: a contribuição


de Vigotski. Revista Ciências Humanas – UNITAU, Taubaté/SP, v. 9, n 1, ed. 16, p.
106-114, jun. 2016

MOURA, M, L. S. O bebê do século XXI e a psicologia do desenvolvimento. São Paulo:


Casa do Psicólogo, 2004.

SCHERER, C. A. A contribuição da música folclórica no desenvolvimento da criança.


Educativa, v. 13, n. 2, p. 247-60, 2010.

VELASCO, C. G. Retrogênese: um processo a ser verificado. In: Velasco, C.G.


Aprendendo a envelhecer à luz da psicomotricidade (p. 61-63). São Paulo: Phorte
Editora, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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