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Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 1

PENTECOSTALISMO LÍQUIDO:
FLUIDEZ TEOLÓGICA ENTRE OS
PENTECOSTALISMOS

Claiton Ivan Pommerening1

RESUMO

Este artigo aborda a neopentecostalização do pentecostalismo e lhe aponta possíveis


caminhos para evitar sua diluição diante de novas (e antigas) demandas religiosas no
contexto brasileiro. Traça um perfil comparativo entre as duas formas de pensar elemen-
tos importantes da fé, com suas aproximações e desencontros e aponta para possíveis
caminhos que o pentecostalismo poderá tomar para se adaptar aos novos tempos sem
perder sua relevância e sua Teologia devocional que perpassa todos os âmbitos da vida
e toca no mais profundo do ser.

Palavras-chave: Pentecostalismo; neopentecostalismo; religiosidade; teologia pente-


costal; teologia devocional.

1
Claiton Ivan Pommerening é casado com Thaís Andrea Pommerening e tem duas
filhas: Letícia e Thaíne. É doutorando em Teologia pela Escola Superior de Teologia
(EST), bolsista da Evangelisches Missionswerk da Alemanha. Possui mestrado em Te-
ologia pela EST (2008), graduação em Teologia pelo Centro Universitário Metodista
Izabela Hendrix/Faculdade Evangélica de Teologia - FATE (2009), graduação em Ciên-
cias Contábeis pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (1990). Membro do
RELEP – Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais e do NEPP – Núcleo de Estu-
dos e Pesquisa do Protestantismo. Presidente do CEEDUC – Associação Centro Evan-
gélico de Educação Cultura e Assistência Social em Joinville (SC); diretor da Faculdade
Refidim; editor da Azusa Revista de Estudos Pentecostais (ISSN 2178-7441) e pastor
auxiliar na Assembleia de Deus em Joinville (SC).
2 Claiton Ivan Pommerening

INTRODUÇÃO

A “terceira onda”2 do pentecostalismo, assim categorizada por Paul


Freston3, também denominada “isopentecostalismo”4 por Campos, teve iní-
cio no Brasil a partir da década de 1970 e tem como seus principais repre-
sentes igrejas como Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Igreja Inter-
nacional da Graça de Deus (1980) e Igreja Mundial do Poder de Deus (1998),
todas surgidas ao longo de três décadas. Para diferenciá-las do pentecosta-
lismo são denominadas de neopentecostais5. Elas trazem em seu conteú-
do, com algumas exceções, similaridades litúrgicas, teológicas e soci-
ais, como: forte uso da mídia televisiva dando visibilidade e promoven-
do o marketing dos milagres, personalismo de seu líder principal, assi-
milação da religiosidade afro nos ritos ao mesmo tempo em que no dis-
curso tem forte rejeição aos mesmos, intenso uso de objetos cúlticos e
motivadores da fé, capacidade de atrair indivíduos marginalizados por
outras igrejas ou pelas atividades básicas do estado, hipervalorização de
textos do Antigo Testamento e sua alegorização, promessas de milagre
imediato, cultos adaptados ao perfil de vários adeptos, forte mediação
sacerdotal, desenvolvimento de crendices assimiladas pelo catolicismo
popular, capacidade de angariar recursos financeiros, tentativa de causar

2
Esta categorização é questionada por alguns estudiosos, pois não reflete mais o atual
movimento neopentecostal. Este se tornou multifacetado e ao invés de ondas, poderiam
ser denominados de marolas neopentecostais, tal a diversidade de ênfases, nuances e
novas tendências que este movimento assumiu.
3
FRESTON, Paul. Breve histórico do Pentecostalismo no Brasil. In: ANTONIAZZI,
Alberto et al. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalis-
mo. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 70-72.
4
CAMPOS, Bernardo. Da reforma protestante à pentecostalidade da igreja. São
Leopoldo: Sinodal/CLAI, 2002. p. 73.
5
Dentro deste grupo ainda se enquadram: Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra, Mi-
nistério Internacional da Restauração, Ministério Nova Jerusalém, Igreja Batista da
Lagoinha, Igreja Paz e Vida, Igreja de Nova Vida, Bola de Neve Church, e centenas de
outros pequenos movimentos regionalizados.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 3

escândalos na mídia para rivalizar com outras igrejas e uso da retórica


nos sermões.
Estas características têm influenciado e mudado o rosto do pentecos-
talismo no Brasil. Algumas igrejas cuja linha teológica era anteriormente
chamada de Pentecostalismo Clássico6, agora se veem inclinadas a repeti-
rem, embora muitas vezes veladamente, algumas das práticas neopente-
costais acima descritas. Este fenômeno é a repetição daquilo que algumas
igrejas históricas fizeram em relação ao pentecostalismo, se pentecostali-
zaram, assimilando esta liturgia e a ênfase no batismo no Espírito Santo e
nos dons. Esta rotinização demonstra a volatilidade religiosa presente na
religiosidade brasileira e na pós-modernidade, em que as espiritualidades
encontram-se diluídas e volúveis na medida em que vão surgindo novas
formas de religiosidade.

1 APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ENTRE PENTECOS-


TALISMO E NEOPENTECOSTALISMO

Para compreender as aproximações e distanciamentos entre pentecostalis-


mo e neopentecostalismo é preciso compreender quais são as principais
diferenciações entre eles. No quadro exposto adiante se observam algu-
mas situações.

Questões Pentecostalismo Neopentecostalismo


Debilidades Humanas A carne Os demônios
Pecado Ênfase no arrependimento Ausência de culpa humana
Objetivos principais O celestial A prosperidade material
Sofrimento Pedagogia divina (Jó) Falta de fé

6
São as igrejas que, na categorização de Paul Freston, pertencem à primeira onda do
pentecostalismo no Brasil: Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus.
4 Claiton Ivan Pommerening

Questões Pentecostalismo Neopentecostalismo


Doenças Propósito e permissão de Diabólica
Deus com crença na cura
Ascese Usos e costumes Ausência
Esperança “já agora” e “ainda não” Sim ao “já” e não ao
“ainda não”
Soberania De Deus Do homem
Experiência pessoal Arrependimento/ruptura Alcance da benção
Prática de vida A vontade de Deus Necessidades humanas
Trabalho dos membros Envolvimento Consumir bens simbólicos
Jesus Senhor e Salvador Salvador e Provedor
Espiritismo Distanciamento Assimilação x repúdio
Teologia Da santidade/da glorificação Da prosperidade
Salvação e cura Pela graça com regras Sacrifício financeiro
Dízimos e ofertas Mandamento divino Moeda de troca
Exemplos de Vida Jesus/NT Abraão/AT
Membresia Comunhão Flutuante/volátil
Parcialidade, uso e
Bíblia Literalidade
negação
Contribuintes/consumi-
Fieis Discípulos
dores
Púlpito Lugar santo Teatralidade
Pastor/líder Anjo/homem de Deus Mediador
Cultos/liturgia Espontaneidade Programa de auditório/
teatralizada

Obviamente que algumas questões pentecostais foram idealizadas na


forma como se compreendia quando do início do movimento no Brasil,
antes de começar a sofrer influência neopentecostal. Entretanto hoje se
percebe que a linha que separa o pentecostalismo do neopentecostalismo,
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 5

em alguns itens, é muito tênue, o que leva a perguntar sobre a capacidade


do pentecostalismo manter-se firme em suas tradições primordiais. Não é
preciso muita perspicácia para perceber que em algumas situações esta
assimilação7 neopentecostal tem se mostrado forte. Quando de sua não
assimilação, em algumas poucas situações, tem-se percebido um apego
vigoroso à observância dos usos e costumes. Certamente existem muitas
situações em que o pentecostalismo tem feito uma boa transição, no senti-
do teológico, caminhando para aberturas positivas e assimilação tranquila
dos novos tempos do pós-modernismo, sem comprometer sua teologia
ortodoxa8.
Apesar da liderança principal da Assembleia de Deus no Brasil se
considerar teologicamente monolítica, cada vez mais se está caminhando
para uma neopentecostalização do pentecostalismo, pois, como a maioria
dos líderes não tem formação teológica, acabam não tendo sustentação
teórica para discernir, criticar ou diferenciar uma da outra. Embora o dis-
curso seja de contrariedade ao neopentecostalismo à prática litúrgica e
pastoral sempre mais evidencia a assimilação destas tendências.

2 OS RUMOS QUE O PENTECOSTALISMO SEGUE

A aproximação ao neopentecostalismo não é de toda prejudicial, pois


acaba criando melhores condições do pentecostalismo continuar atraindo

7
Um caso emblemático foi objeto de estudo de caso conforme: CORREA, Marina
Aparecida Oliveira dos Santos. Alterações das características da Igreja Assembleia de
Deus no bairro Bom Retiro em São Paulo. Azusa Revista de Estudos Pentecostais,
Joinville,vol. II, nº 2, p. 7-28, jul. 2011.
8
Chamar a Teologia pentecostal de ortodoxa é, em certo sentido, duvidoso, pois sua
cristalização, em boa medida, se dá a partir da oralidade e muitas vezes conforme enten-
dimento de seu líder local, ou ainda, da formatação eclesiológica local, assim, embora
tenha uma matriz comum, pode sofrer variações relevantes, conforme: POMMERENING,
Claiton Ivan. Oralidade e escrita na Teologia Pentecostal. Azusa Revista de Estudos
Pentecostais, Joinville, vol. I, nº 1, p. 23-62, jul. 2010.
6 Claiton Ivan Pommerening

os pobres e marginalizados, que com o discurso da prosperidade, liberta-


ção e cura acabam sendo conquistados. Entretanto, há que se considerar
que o aumento do número dos “sem religião”9 no Brasil, no último senso
do IBGE/201010, especialmente em estados com maior presença neopen-
tecostal, pode apontar para uma possível decepção religiosa11 como con-
sequência de promessas da Teologia da Prosperidade que não puderam ser
cumpridas.
Não se sabe até quando o movimento neopentecostal terá êxito se con-
tinuar com a atual abordagem teológica. Com o aumento do nível de escola-
ridade do povo brasileiro e a migração das classes sociais pobres para a
classe média, certamente será interditado este fluxo, entretanto, enquanto
houver volatilidade na membresia destas igrejas estará garantido este tipo
de abordagem teológica. Em se confirmando a evasão dos “sem religião”
por motivos de frustração, ter-se-á certamente um acréscimo considerável
nesta categoria religiosa. Contrariamente a esta hipótese se verifica que al-
gumas igrejas neopentecostais tem tido sucesso na classe média, mas esta
constatação certamente se dá pelo desejo destes de usarem da religião para
angariar ainda mais recursos financeiros e posições sociais.
Esta constatação de uma possível frustração eclesiológica pode ser
consequência das igrejas neopentecostais12 apresentarem, em sua maioria,

9
Em 30 anos foram de 1,9% (1980) para 8% em 2010. MENCHEN, Denise;
BRISOLLA, Fabio. Católicos passam de 93,1% para 64,6% da população aponta IBGE.
Folha de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/
1112382-catolicos-passam-de-931-para-646-da-populacao-em-50-anos-aponta-
ibge.shtml.> Acesso em: 29 jun. 2012.
10
MENCHEN, Denise; BRISOLLA, Fabio. Católicos passam de 93,1% para 64,6% da
população aponta IBGE. Folha de São Paulo, São Paulo. Disponível em: <http://
www1.folha.uol.com.br/poder/1112382-catolicos-passam-de-931-para-646-da-
populacao-em-50-anos-aponta-ibge.shtml>. Acesso em: 29 jun. 2012.
11
23,9% dos “sem religião” vieram do pentecostalismo, conforme: BARTZ, Alessandro.
Trânsito religioso no Brasil: mudanças e tendências contemporâneas. In: Congresso In-
ternacional da Faculdades EST, 2012, São Leopoldo. Anais do I Congresso de Teologia
da Faculdades EST. São Leopoldo: Faculdades EST, 2012. p. 266.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 7

as seguintes falhas: não conseguirem consolar nem confortar as pessoas


quando estão em extrema dificuldade e angústia, pois suas respostas são
equivocadas; tentarem manipular a divindade entrando no campo da ma-
gia; afirmarem que o sofrimento, carência ou pobreza é falta de fé; que
Deus nunca pode dizer não a oração de seus filhos; gera consumidores de
religião nas prateleiras do supermercado gospel; apegam-se a interpreta-
ções letristas e/ou alegóricas do texto (e neste sentido a letra mata13) sem
atentar para o Espírito do texto; têm o megalomaníaco desejo de dominar
o Brasil política, midiática e templisticamente14; enfatizam a barganha com
Deus na base de trocas simbólicas; a necessidade de sacrifício financeiro
para atingir o coração de Deus, o que enfraquece a graça que há na morte
vicária de Cristo; e criam falsas curas e exorcismos midiáticos em meio a
uma pequena proporção de curas reais e sintomáticas.
A prática de interpretação bíblica de revalorização do Antigo Testa-
mento faz com que personagens deste contexto sejam reinterpretados e
ressignificados, gerando novos arquétipos religiosos contemporâneos. Em
certo sentido pode-se afirmar que o Deus do AT com suas formas de ser
adorado e venerado, assume agora o caráter de ‘Deus Mercado’ em que
este dita as normas para ser corretamente ‘adorado’ para obter seu favor.
Assim, o dinheiro assume caráter sagrado de oferta-sacrifício a ser ofere-
cido sobre o altar do holocausto, realizando trocas simbólicas para mere-
cer o favor de Deus. Desta forma, volta-se para a religiosidade primitiva
da magia, em que a ira da divindade, para abençoar as colheitas ou evitar
doenças, teria que ser aplaca através de sacrifícios e oferendas.

12
Incluindo as igrejas pentecostais que imitam, mesmo não admitindo, estas práticas.
13
“Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do
14
Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica.” 2 Co 3.6 NVI. Trata-se dos gran-
des projetos arquitetônicos de erguer suntuosos templos. A ênfase megalomaníaca se
verifica também nos nomes das principais igrejas: “Universal”, “Internacional” e “Mun-
dial”.
8 Claiton Ivan Pommerening

Este modelo de religiosidade encontrou na economia de mercado glo-


balizada um ambiente extremamente fértil e criativo, onde é melhor quem
mais consome ou usufrue do maior número de bens religiosos (ou de-
monstra maior quantidade de bênçãos alcançadas), premissas estas que
correspondem ao capitalismo, que somente sobrevive com consumismo,
endividamente, acumulação, individualismo, sobrevivência do melhor e
valores utilitaristas. Assim Deus passa a ser objeto de consumo, tornando-
se a globalização a mola mestra da teologia da prosperidade, que como
aquela, opera na base da cobiça e da inveja.
Quando se atrela religiosidade com prosperidade está-se sugerindo
às pessoas que as duas coisas são inseparáveis, portanto, não ser próspero,
perder os bens ou estar doente é sinônimo de falta de Deus – ou Deus se
omitiu em atender os seus filhos (o que causa frustração) ou aos seus fi-
lhos, que a esta altura não são mais filhos seguindo esta lógica, faltou fé.
Assim, Deus só pode ser adorado nestas igrejas enquanto tem capacidade
de dar alguma coisa, gerando-se um discipulado raso que sucumbe facil-
mente aos percalços da vida.
Certamente que estes elementos apontados anteriormente, e que fazem
parte do cenário neopentecostal, não estão presentes, na maioria da vezes, de
maneira explícita, no meio pentecostal, entretanto, são percebidas de maneira
mais clara, nas pregações e abordagens de ensino e nas conversas informais
de muitos líderes pentecostais, especialmente onde existe a preocupação em
satisfazer necessidades mercadológicas15, incorporado-as à vida religiosa.

3 ALTERNATIVAS DO PENTECOSTALISMO

Propõe-se a seguir algumas alternativas que o pentecostalismo clás-


sico poderá adotar, sem abrir mão da contextualidade que os tempos exi-
15
Não há espaço neste artigo para refletir sobre as formas mercantilizadas com que as
igrejas são administradas.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 9

gem, diante das propostas teológicas que o neopentecostalismo procura


impor.

3.1 Pregação cristocêntrica

A ênfase na teologia exposta no Novo Testamento se diferencia das


propostas neopentecostais, por isso a necessidade de apelar para símbolos
do Antigo Testamento. Para demonstrar esta diferenciação daquela, pode-
se analisar um kerygma clássico, que é o primeiro sermão de Pedro. Sua
mensagem foi denunciar o que haviam feito com Cristo, seus milagres,
sofrimento, morte e ressurreição e glorificação, porém o ponto central é
Sua morte e ressurreição. Como fruto deste primeiro sermão, os ouvintes
foram compungidos (2.37 ARA), aflitos (NVI), em outras traduções: to-
cados, feridos, picados. Do grego, nuss significa espetar, como se um pu-
nhal tivesse atravessado o coração deles. Em seguida lhes proclamou ar-
rependimento. Uma pregação assim tem o poder de “atirar uma flexa que
atinge em cheio o coração do pecador até que este se dobre em agonia,
clamando pelo perdão divino”.16
Analisando-se os Atos dos Apóstolos, está em evidência este tipo
de anuncio que evidencia a morte e ressurreição de Cristo e o ato de
arrepender-se17. Quando os discípulos foram inquiridos sobre a cura do
coxo, estes acusaram as autoridades de terem matado o autor da vida,
enfatizaram sua ressurreição e conclamaram os ouvintes ao arrependi-
mento e à conversão (3.11). Na dispersão da igreja, Felipe “pregando a
palavra [...] anunciava-lhes a Cristo” (8.4). Quando Simão, o mago, so-
licitou aos discípulos o mesmo “poder”, foi duramente repreendido, pois,
usaria-o para benefício próprio (8.9). Felipe, ao interpelar o eunuco de

16
MOEN, Ernest J. O pastor pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 1999. p. 639.
17
Todas as citações deste parágrafo foram extraídas do livro de Atos.
10 Claiton Ivan Pommerening

Candace, “anunciou-lhe Jesus” (8.35). Paulo “pregava nas sinagogas a


Jesus” (9.20), demonstrando que Ele é o Cristo (22); quando foi a Jeru-
salém ficou “pregando ousadamente em nome do Senhor.” (9.28). Ao
centurião Cornélio e aos da sua casa, Pedro anunciou que “Este é o Se-
nhor de todos”, o que foi pendurado no madeiro e ressuscitado ao tercei-
ro dia por Deus (10.36,39,40), o qual mandou que os apóstolos o pregas-
sem como Juiz de vivos e de mortos (42) e no seu “Nome” a remissão de
pecados (43). Em Antioquia anunciou-se “o evangelho do Senhor Je-
sus” (11.20). Em Antioquia da Pisídia, num discurso na sinagoga, Paulo
falou da morte de Jesus (13.28), “mas Deus o ressuscitou dentre os mor-
tos” (13.30,33-35,37) e “anunciou remissão de pecados por intermédio
dEste” (38). Quando Paulo e Barnabé foram para Icônio, ficaram “falan-
do ousadamente acerca do Senhor.” (14.3). Em Tessalônica, Paulo de-
monstrou que era “necessário que o Cristo padecesse e ressuscitasse
dentre os mortos” (17.3). Enquanto Paulo esperava Silas e Timóteo em
Atenas, pregou-lhes “a Jesus e a ressurreição” (17.18), “que todos em
toda parte se arrependam” (30), “por meio do varão que para isso orde-
nou; [...] ressuscitando-o dentre os mortos.” (31). Apolo em Éfeso fala-
va “com precisão a respeito de Jesus” (18.25). Depois que Paulo chegou
ali, “muitos dos que haviam crido vinham, confessando e revelando os
seus feitos.” (19.18). Falando na despedida em Éfeso, Paulo disse que
testificou, “o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor
Jesus” (20.21). Paulo dava tanta ênfase à ressurreição de Cristo em sua
mensagem que causou tumulto diante do Sinédrio quando foi interroga-
do (23.6) e admitiu que estava sendo julgado por causa disto (24.21).
Em sua defesa diante de Festo, Agripa e Berenice, Paulo disse que foi
enviado para pregar “que se arrependessem e se convertessem a Deus,
praticando obras dignas de arrependimento” (26.20) e “como o Cristo
devia padecer, e como seria ele o primeiro que, pela ressurreição dos
mortos, proclamaria luz” (26.23). Aos judeus de Roma Paulo tentou per-
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 11

suadir a respeito de Jesus (28.23). O livro de Atos encerra de forma con-


tundente que Paulo estava “pregando o reino de Deus e ensinando as coi-
sas concernentes ao Senhor Jesus Cristo” (28.30).
O que se percebe nestes textos é que o eixo das mensagens girava em
torno de três assuntos: Cristo como Senhor, sua morte e ressurreição e
confissão de pecados (ou arrependimento). Os milagres, sinais e maravi-
lhas sempre eram derivados desta pregação, sem eles incitarem o povo a
deseja-los. O kerygma apostólico
consistia de três partes: 1) uma proclamação da morte, ressur-
reição e exaltação de Jesus; 2) a consideração de Jesus como
Senhor e também como Cristo; e 3) uma convocação ao arre-
pendimento e a receber perdão de pecados [...]. Assim, o keryg-
ma em sua plenitude reunia uma proclamação histórica, uma
consideração teológica e uma convocação ética.18
Há um incrível poder na cruz de Cristo. Poder para desper-
tar a consciência mais adormecida, e derreter o coração mais
duro; para purificar o impuro; para reconciliar aquele que
está afastado, restaurando-o à comunhão com Deus; para
redimir o prisioneiro de suas algemas e levantar do lixo o
mendigo; [...] para transformar nossas personalidades ins-
táveis à imagem de Cristo [...]. Tudo isto faz parte da salva-
ção que Deus opera nos homens e mulheres através do keryg-
ma de Cristo crucificado. A palavra da cruz é poder de Deus.
(1Co 1.18)19

Assim, tem-se que, para fazer frente aos avanços da Teologia da Pros-
peridade, a ênfase deve recair sobre o modelo apostólico de anúncio do
evangelho, evidentemente sabendo-se contextualizá-lo aos tempos atuais.

3.2 Políticas de cuidado em detrimento do ativismo religioso

Numa sociedade onde o fazer e o ter é valorizado mais que o ser, é


natural que este sentimento invada também os lugares mais sagrados, as-

18
STOTT, John. O perfil do pregador. 2. ed. São Paulo: Sepal, 1997. p. 49-50.
19
STOTT, 1997, p. 149-152.
12 Claiton Ivan Pommerening

sim, vem-se muitos líderes e pessoas preocupadas em atender uma agenda


religiosa que prioriza o “fazer a obra”, e no desejo descontrolado por títu-
los e posições vendem a própria alma, esquecendo-se muitas vezes, a exem-
plo da Parábola do Bom Samaritano, que existem muitos caídos a beira do
caminho esperando ajuda, enquanto os religiosos passam de largo.
A implementação de políticas de cuidado, onde se valoriza o ser e a
pessoa, poderá ser uma resposta ao vazio existencial dos equívocos causa-
dos pela Teologia da Prosperidade. O cuidado tem haver com a promoção
de comunidades acolhedoras e inclusivas, onde os feridos tem amplo es-
paço de serem curados e libertos para viverem em plenitude de vida. Des-
ta forma, o individualismo dá lugar ao encontro curativo com o próximo e
o cuidado com o próximo proporciona o encontro com Deus. Entretanto,
neste mesmo sentido de prevenir o ativismo, é preciso encontrar o coração
de Deus na solitude.
A pessoa que não suporta a solidão deve tomar cuidado com a comu-
nhão. Ela só causará dano a si mesma e à comunidade. Quem quer ter
comunhão sem ficar solitário, cai no abismo vazio das palavras e emo-
ções. Silenciar, nada mais significa do que estar à espera da Palavra de
Deus e regressar abençoado por ela. Silenciar nos capacita a dizer a Pala-
vra de Deus correta na hora certa.20

3.3 Adesão à militância profética

A militância profética nos remete a homens como Martin Luther King,


Mohandas Gandhi e ao próprio Cristo, cujas vidas foram marcadas por
denunciar injustiças sociais e a opressão que os poderosos impunham so-
bre os mais fracos. Todos estes se opuseram de forma veemente contra

20
BONHOEFFER, Dietrich. Vida em comunhão. 4. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1997.
p. 58-61.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 13

qualquer tipo de violência, justificada ou não, porém morreram como


mártires de forma violenta.
Esta postura afronta o neopentecostalismo, pois este, ao implementar a
Teologia do Domínio, dá as mãos a sistemas opressores que tentam espoliar
mercadologicamente os fiéis, tentando exercer domínio sobre os mesmos,
como também se apropria dos instrumentos político-econômicos para obter
influência e exercer poder nos vários segmentos da sociedade.
O que torna a tentação do poder aparentemente tão irresistível? Tal-
vez porque o poder ofereça um fácil substituto para a difícil tarefa de amar.
Parece mais fácil ser Deus do que amar a Deus, mais fácil controlar as
pessoas do que amá-las, mas fácil ser dono da vida do que amar a vida.
Jesus pergunta: “Você me ama?” Nós perguntamos: “Podemos sentar à
tua direita e à tua esquerda no teu reino?” (Mt 20.21).21
O exemplo de Cristo sustenta que os seres humanos destinam-se a amar
e a serem amados; busca derrotar a injustiça, não pessoas; resiste à violência
com grandeza de alma; sustenta que o sofrimento pode educar e transfor-
mar; reconhece os ferimentos, a violência e o sagrado (imagem de Deus)
uns nos outros; é um processo de arrependimento e transformação de reali-
dades opressoras; é uma jornada espiritual que sai do medo, do desespero e
da ganância rumo à compaixão, ao equilíbrio e à integridade.22

3.4 Aprendizado teológico para os líderes

As igrejas pentecostais no Brasil, em função da prioridade evangelís-


tica que lhe é peculiar, têm, em sua maioria, relegado para segundo plano
a necessidade da formação teológica de seus e pastores e líderes. O argu-

21
NOUWEN, Henri J. M. O perfil do líder cristão do século XXI. 2. ed. Belo Hori-
zonte: Atos, 2002. p. 47-60.
22
BUTIGAN, Ken. Da violência à integridade. São Leopoldo: Sinodal, 2003. p. 22-
147.
14 Claiton Ivan Pommerening

mento utilizado para isto era de que sendo a vinda de Jesus iminente, não
haveria necessidade de muito preparo, pois assim, maior número de pes-
soas seriam salvas do inferno. A Assembleia de Deus, embora também
tenha no passado utilizado este argumento, mais recentemente tem se des-
tacado no ensino teológico de seus líderes23, com a criação de escolas
teológicas e cursos nos mais variados níveis, mas diante da amplitude e
dimensão que esta igreja tem alcançado, existe um grande espaço acadê-
mico a ser preenchido por esta instituição.
A Teologia esboçada pela Assembleia de Deus, tem sido tímida em
relação a academia. Durante muitos anos foi um ensino simplista, superfi-
cial e de curta duração, seguindo o modelo sueco de semanas bíblicas.
Este despertar tardio acalentou uma Teologia mais devocional e intimista,
que tem seu valor e necessidade numa relação com Deus, mas, em certo
sentido, é despreocupada em preparar líderes com conteúdo teológico re-
levante. Este modelo ainda acontece hoje em muitas igrejas, e traz subje-
tivamente o medo e o preconceito teológico. A influência sueca, embora
reconhecesse que seria necessário um “maior preparo teológico para os
obreiros, [enfatizavam que] as Escolas Bíblicas seriam suficientes.”24
Logicamente que este medo subjetivo tem certo sentido, quando es-
colas e professores de Teologia defendem com arrogância suas posições
de conhecimento e, ao invés de agirem com espírito profético e crítico no
bom sentido, criam celeumas doutrinárias e nichos de rebeldia em relação
aos líderes e alienação em relação ao serviço que a Teologia deve prestar à
igreja. Mas é certo que muitas escolas e professores de Teologia sabem se
portar com humildade diante de suas comunidades, tornando sem sentido
o medo que algumas lideranças têm da Teologia.

23
Embora oficialmente exija-se que os candidatos ao ministério tenham uma formação
mínima, na prática, em alguns casos isolados, releva-se esta exigência, prevalecendo
algumas conveniências e lobby da liderança.
24
ARAUJO, Isael de. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD,
2007. p. 282.
Azusa – Revista de Estudos Pentecostais 15

Percebe-se que a Teologia devocional tem tido problemas para lidar


com as tendências neopentecostais, pois tem se deixado influenciar, em
boa medida, por estas. Portanto, a teologia da prosperidade é filha da re-
jeição histórica das igrejas pentecostais a uma teologia séria e relevante,
que tenha seu espaço e acolhida na igreja e que desfrute da confiança de
seus líderes. A Teologia devocional é importante e tem sido o mínimo de
preparo que muitos líderes tem tido, o que é bom, porém a teologia acadê-
mica é a que previne contra desvios doutrinários. Somente esta sabe argu-
mentar com clareza diante dos subliminares apelos, disfarces e nuances
que a Teologia da prosperidade impõe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos vários fluídos de fluxo e refluxo que a modernidade líqui-


da cria, faz-se necessário refletir sobre os desafios a enfrentar, respostas a
dar, pessoas a consolar; especialmente pelo Pentecostalismo, alvo deste
artigo. Por isso se propõe algumas soluções ao resgate do Pentecostalismo
clássico, não exaustivas, mas que abrangem alguns itens importantes de-
fendidos por seus fundadores. Obviamente que o referido resgate deve
respeitar a contextualidade social, econômica, política e religiosa, levan-
do em conta os tempos de “modernidade líquida”25, com seus pontos posi-
tivos e negativos, desafios e possibilidades.
O diálogo saudável entre a academia e a igreja é a garantia de que
ambas seguirão no caminho da cruz, construindo uma Teologia relevante
para que comunidades sejam atingidas pela Palavra viva e pela verdade
libertadora e inclusiva de Cristo. Logicamente que a todo diálogo sério se
permitem certas controvérsias e discrepâncias, entretanto é neste afiar de
ideias que se constrói um futuro sadio para o pentecostalismo, evitando-se

25
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 258 p.
16 Claiton Ivan Pommerening

que este se equivoque diluindo-se diante de verdades absolutas, ou


engessando-se diante de verdades relativas.

REFERÊNCIAS

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