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REVISTA

PANTANEIRA

REVISTAPANTANEIRA AQUIDAUANA,MS V. 1 N. 1 P. 1-64 JAN./JUN./1999

1
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do CEUA

Revista Pantaneira / Centro Universitário de


Aquidauana. -- n. 1 (1999) - . -- Aquidau-
ana, MS: CEUA, 1999- .
v. ; 29 cm.

Semestral

I. Universidade Federal de Mato Grosso do


Sul. Centro Universitário de Aquidauana.

2
Apresentação
A boa acolhida por parte de professores e alunos foi o
principal estímulo para que vingasse a nossa proposta de
reativação da Revista Pantaneira, que encontrou na
administração da UFMS o suporte à publicação.
Nesta retomada da divulgação da produção científica da
comunidade do CEUA, faz-se a luz à sequencialidade
futura, portas abertas à participação de todos.
É o que esperamos!
Por fim, um agradecimento especial a todos que
participaram deste trabalho.

Valter Guimarães

3
REVISTA
PANTANEIRA
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE AQUIDAUANA

Comissão Editorial
Paulo Roberto Joia
Alice Maria Derbócio
Alda Maria Quadros do Couto
Gilson Rodolffo Martins

Coordenação e seleção de artigos


Valter Guimarães

Revisão
Marcia A. A. M. Ferreira

Capa
Reprodução do quadro do pintor Humberto Espíndola, em exposição permanente no Centro Universitário de Aquidauana.
‘‘A exploração do boi, como motivo de sua linguagem poética, é a permanência constante nos seus quadros, como
uma riqueza de Mato Grosso do Sul.’’

Editoração
Editora UFMS

Impressão e Acabamento
Gráfica UFMS

Distribuição
Centro Universitário de Aquidauana
Praça N. S. da Imaculada Conceição n.º 163 - Centro
CEP 79.200-000 - Aquidauana - MS
Fone: (067) 241-4424 Ramal 25

Apoio
Editora UFMS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

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Sumário
Fundamentos para avaliação da qualidade das
águas subterrâneas ............................................................................ 7
André Luiz Pinto

Os contestadores: Decorrência da instabilidade social,


bandidos ou revolucionários ........................................................... 29
Andréa Silva Domingues

A Indústria no Mato Grosso do Sul ............................................... 31


Paulo Roberto Joia

Perspectivas da Indústria do Cimento no


Mato Grosso do Sul ....................................................................... 36
Márcia Ajala Almeida Monteiro Ferreira

A propósito da alfabetização de jovens e adultos,


da consciência e da cidadania ......................................................... 51
Elenir Machado Melo

Monitoramento de fenômenos erosivos em


vertentes no NW do Paraná ............................................................ 53
Valdir Specian, Maria Teresa de Nobrega e José Edezio da Cunha

Potencialidade ambiental nas altas bacias do


Negro e do Taboco no Mato Grosso do Sul ................................. 55
Valter Guimarães

A Vida Urbana: Um estudo da obra de Henri Lefèbvre,


para melhor entendimento das ruas e calçadas
de Campo Grande ........................................................................... 61
Antônio Firmino de Oliveira Neto

5
6
Fundamentos para avaliação
da qualidade das águas subterrâneas
André Luiz Pinto *

1 - ÁGUAS De forma geral, os poluentes seguem o pa-


drão de fluxo das águas subterrâneas, salvo
SUBTERRÂNEAS pequenas exceções. Portanto eles se movem
A água que se infiltra atravessa diversas desde uma zona de recarga, passando pelo
zonas horizontais classificadas de acordo com aqüífero até uma zona de descarga deste.
seu nível de saturação no terreno. É importante, para fins de localização de fon-
Desta forma, as zonas podem ser subdividi- tes de poluição, distinguir-se entre áreas locais e
das primariamente em zona de saturação e zona regionais de descarga/recarga. Durante este pro-
de aeração. cesso, dão-se fenômenos de interação entre o
1.1 - Zona de Aeração ou não saturada, os poluente e o aqüífero, principalmente a disper-
poros estão preenchidos tanto com gases quan- são hidrodinâmica, que é responsável pelo
to com água. Esta zona inicia-se logo abaixo da espalhamento dos poluentes, decorrente da ori-
superfície do solo e se finaliza no topo da su- entação de fluxo expressa pelo meio. A pluma
perfície freática. Segundo BEAR (1979) esta zona formada tenderá a mostrar-se mais concentrada
ainda, subdivide-se em 3 subzonas. próximo à fonte de poluição, diluindo-se ao lon-
1.1.1 - Subzona de Água no Solo - abrange a go da direção principal de fluxo.
região logo abaixo da superfície do solo até a O meio geológico tem fundamental impor-
zona das raízes. A umidade nesta zona é função tância na distribuição e movimentação dos
direta das condições de superfície do solo e/ou poluentes. No meio poroso homogêneo, os
de uma superfície freática rasa. A água nesta poluentes acham-se, segundo YOSHINAGA e
zona pode se mover verticalmente para baixo, GOMES (1990), amplamente distribuídos, no
na infiltração, e para cima através da evapora- sentido longitudinal e transversal, ao passo que,
ção e transpiração; em meio fraturado, a poluição encontrar-se-á so-
1.1.2 - Subzona Intermediária - se estende mente nas fraturas, falhas e outras
da base da zona de água do solo até o topo da descontinuidades, não ocorrendo na matriz de
franja capilar. rocha. Já o meio poroso-fraturado, o mais apli-
A água neste nível é absorvida pelas partí- cável as características hidrogeológicas da ci-
culas do terreno, formando a água pelicular, que dade de Anastácio, encontra-se uma situação
não se movimenta devido a forças higros- híbrida, ocorrendo um fluxo mais rápido nas fra-
cópicas e capilares. Nas proximidades da franja turas e de difusão na matriz porosa da rocha.
capilar, a água se movimenta verticalmente para CETESB (1990) considera que a velocidade
baixo, denominando-se água gravitacional; em meios aqüíferos fraturados é maior, pois as
1.1.3 - Subzona Franja Capilar - é a última fraturas geralmente encontram-se pouco preen-
subzona da zona de aeração. Caracteriza-se pela chidas por materiais granulares (areias e argila).
pressão dessa área ser menor que a da superfí- YOSHINAGA e GOMES (1990) salientam que
cie e seu limite superior possuir forma irregular; em meios porosos heterogêneos, o controle ge-
1.2 - Zona de Saturação - Constitui a água ológico sobre o padrão de fluxo pode modificar
subterrânea propriamente dita, que se encontra totalmente a direção de fluxo regional a nível
nesta parte do perfil do solo. local. Neste caso, a estimativa aproximada do
Aqüífero é o termo usado para a formação fluxo, feita em função da topografia, pode ser
geológica, ou um grupo de formações, que ar- inválida, como é o caso da área urbana de
mazena água, permite o movimento de determi- Anastácio.
nado volume sob condições naturais, e fornece
água em quantidades significativas YOSHI-
NAGA e GOMES (1990). 2 - CONCEITO DE RISCO
A água subterrânea sempre se encontra
em movimento, e este pode ser expresso pela
DE CONTAMINAÇÃO DE
Lei de Darcy. Segundo essa lei, o fluxo em um ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
*
Professor do DGC/CEUA/ meio poroso é proporcional à perda de carga Primeiramente faz se necessário reafirmar as
UFMS - Doutor em e inversamente proporcional ao comprimento diferenças conceituais entre o que seja conta-
Geografia da trajetória do fluxo. minação e poluição:

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A contaminação é causada por elementos água poluída ocorre quando esta perde parcial
que, lançados na água, torna-a diferente e noci- ou totalmente o seu aproveitamento para con-
va, como um veneno ou um ser patogênico, pre- sumo humano ou para outros fins menos no-
judicando o substrato, ou seu entorno em um bres, levando-se em conta os limites estabeleci-
tal grau, que crie ou ofereça riscos reais à vida, dos por padrões para as diversas finalidades de
à saúde. O elemento contaminante é ativo e uso da água.
deve ser encarado como um problema de saúde FOSTER et al. (1987) apresenta a definição
pública, PÁDUA (1997). Já para FREEZE e mais lógica de risco de contaminação de águas
CHERRY (1979), a contaminação seria toda a in- subterrâneas que é conceitualizado como a
trodução sólida ou líquida efetivada em um am- interação entre os seguintes fatores semi-
biente hidrológico, como resultado da ativida- independentes:
de humana. a) a carga poluente que é, será ou poderá ser
Para BAGANHA (1996) a contaminação das aplicada no solo como resultado da ativida-
águas ocorre quando são lançados ao meio de humana e
hídrico resíduos sólidos e/ou líquidos, inade- b) a vulnerabilidade natural do aqüífero à
quadamente, ou pesticidas e fertilizantes utili- poluição.
zados nas lavouras, ou ainda, quando partícu- Entendendo-se que a vulnerabilidade de
las em suspensão na atmosfera são carreadas uma área é dada pela sua fragilidade e
ao solo pela ação de precipitações potencialidade à poluição, pode-se classificar
pluviométricas e estas afetam a qualidade das uma área como de alta vulnerabilidade, mas
águas. sem risco de poluição, em função da ausência
A poluição, segundo o autor acima, é con- de uma carga poluente. HIRATA (1993) salien-
siderada como qualquer modificação nas ca- ta que a carga poluente pode ser controlada
racterísticas do meio, causada por ou modificada, mas não a vulnerabilidade do
contaminantes, capaz de torná-lo indevido à aqüífero.
saúde, à natureza, à segurança e ao bem-estar, Por isso, o risco de contaminação das águas
prejudicando o equilíbrio natural. A nocividade subterrâneas, consiste em uma séria ameaça à
da poluição é de caráter passivo, causada por qualidade dessas águas, em especial, em núcle-
um agente chamado “poluente”, através da os industriais geradores de fortes cargas
pratica irracional e desfavorável, PÁDUA poluidoras não controladas, onde o abasteci-
(1993). Para FREEZE e CHERRY (1979), a polui- mento já existente é insuficiente e poços parti-
ção estaria reservada a situações onde as con- culares são perfurados e utilizados sem acom-
centrações de contaminantes atinjam níveis pe- panhamento técnico.
rigosos. Ambas as definições são sintetizadas Para FOSTER et al. (1987), o termo
pela a Lei 6.978/81, em seu artigo terceiro, inciso vulnerabilidade à poluição do aqüífero é aplica-
III, segundo o qual poluição consiste na de- do para representar a caracterização intrínseca
gradação da qualidade ambiental (assim enten- que determina a sensibilidade de uma parte do
dida como a alteração adversa das característi- aqüífero a ser adversamente afetada por uma car-
cas do meio ambiente, nos termos do inciso II ga poluente imposta, sendo definido como a pro-
do mesmo artigo) resultante de atividades que babilidade que as águas subterrâneas se conta-
direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a minem com concentrações acima dos valores
segurança e o bem-estar da população; criem máximos recomendados pelos guias nacionais e
condições aversas às atividades sociais e eco- internacionais, para a qualidade de água de con-
nômicas; afetem desfavoravelmente a biota; sumo humano.
afetem as condições estéticas ou sanitárias do
ambiente; lancem materiais ou energia em de-
sacordo com os padrões ambientais estabele- 3 - FONTES DE POLUIÇÃO
cidos. A poluição das águas se origina através de
Para BRANCO (1991) a contaminação refe- várias fontes, dentre as quais destacam-se
re-se à simples transmissão, pela água, de ele- efluentes domésticos, efluentes industriais,
mentos, compostos ou microrganismos que deflúvio superficial urbano e deflúvio superficial
possam prejudicar a saúde do homem ou de agrícola que, por sua vez, estão associados ao
animais que a bebam. Ao contrário, a poluição tipo de uso e ocupação do solo.
se caracteriza muito mais por seus efeitos eco- A forma da fonte poluidora e seu manejo
lógicos, que produzem transformações do meio também influenciam a conformação final da
ambiente, de forma a este tornar-se impróprio pluma poluída, porque determinam a manei-
ao desenvolvimento normal das populações ra pela qual o poluente é infiltrado ao aqüí-
aquáticas. fero.
Portanto, a ocorrência de elementos e com- As fontes de poluição das águas subterrâ-
postos contaminantes na água não necessaria- neas podem ser classificadas, segundo
mente a tornará poluída, pois a poluição depen- YOSHINAGA e GOMES (1990), como fontes dis-
derá do tipo de uso que será feito da água. A persas e fontes pontuais:

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Fontes dispersas - são fontes distribuídas cujo único fator de proteção é a distância en-
sobre uma área relativamente grande, contribu- tre as fontes de poluição e as captações, e
indo com quantidade relativamente pequena de uma possível auto-depuração da carga
poluentes em cada ponto. Encontram-se nes- poluente a cargo dos fenômenos físicos (fil-
sas fontes de poluição, as poluições proveni- tração mecânica), químicos (oxidação, redu-
entes das atividades agrícolas e pecuárias, es- ção, precipitação e coprecipitação) e bio-
gotos domésticos não servidos de rede coletora químicos (biodegradação por microorga-
e alguns tipos de resíduos industriais dispos- nismos do subsolo).
tos para infiltração em grandes áreas. Introdu- Estas fontes de poluição, podem ser de
zem poluentes em áreas amplas, poluindo gran- dois tipos: bacteriológica e química. A po-
des extensões de maneira relativamente homo- luição bacteriológica constitui a principal
gênea. preocupação com a determinação da distân-
Fontes pontuais - são fontes que afetam cia horizontal e vertical de proteção sanitá-
uma área limitada, porém contribuem com car- ria. TODD e McNULTY (1976) em sua obra
gas elevadas de poluentes nessas áreas res- “Polluted Groundwater”, elaboram uma das
tritas. primeiras tentativas de se monitorar sistema-
Para YOSHINAGA e GOMES (1990), se a ticamente os recursos hidrogeólogicos,
injeção de poluentes é contínua, a pluma tende quando constataram que cerca de 43% dos
a se espalhar progressivamente desde a fonte, 63.000 poços da área metropolitana de
seguindo o fluxo subterrâneo. Caso a fonte seja Minneapolis (USA) estavam poluídos por
descontínua, o produto final será uma série de nitratos, surfactantes, coliformes fecais e
pequenas plumas, sendo a mais distante a mais totais e cloretos.
antiga. No Brasil despontam trabalhos como de
Enquadram-se nessas fontes de poluição, VIGNOLLI FILHO (1976) que constatou na re-
as fontes municipais coletadas ( estações de gião metropolitana de Belo Horizonte, a presen-
tratamento de esgotos aterros sanitários, pon- ça de coliformes totais em 46,3% dos 90 poços
tos de lançamentos de efluentes de rede coletora profundos amostrados e 97,2% dos 145 poços
de esgoto) e fontes industriais (tubulações, tan- rasos amostrados.
ques de estocagem, sistemas de tratamento e A poluição química, principalmente aquela
disposição de efluentes e locais de disposição causada pelo crescente uso de produtos de
de lodos industriais). limpeza doméstico, começam a preocupar os
A poluição das águas subterrâneas prove- especialistas no assunto, WOODWARD (1959)
nientes de fontes municipais urbanas ocorrem: e POLTA (1959) (in TODD e McNULTY, op.
a) pelo lançamento de esgotos sanitários cit.), já na década de 50, se preocupavam-se
municipais em áreas não ligadas às redes com a poluição química de origem orgânica,
coletoras de esgoto; considerando os cloretos, fosfatos e nitratos,
b) pelo vazamento do sistema de esgotos como elementos com altos riscos potenciais
municipais; de poluição.
c) pela infiltração em lagoas de oxidação não REBOUÇAS et al. (op. cit.) consideram que
revestidas, usadas no tratamento de esgo- em termos de riscos reais à saúde humana,
tos; sabe-se que teores elevados de nitrato po-
d) devido à disposição de lixo em áreas não dem causar a “Doença Azul” ou metemo-
revestidas (lixões); globinemia em bebês, sendo fatal se não me-
e) pela infiltração de produtos de petróleo, dicadas à tempo. Este teor é estimado, para
gasolina, óleo diesel e álcool carburante, água de abastecimento público, em 10 mg/l de
provenientes dos tanques de estocagem dos N-Nitrito ou 45 mg/l de N-Nitrato, como máxi-
postos de abastecimento e mo permissível.
f) devido a descarga no solo de despejos POSTEL (1984) enfatiza que cerca de 80%
nitrogenados da indústria alimentícia. de todas as doenças humanas estão relaciona-
REBOUÇAS et al. (1987) salientam que as das à água não tratada, saneamento precário e
fontes potenciais de poluição estão relacio- falta de conhecimento básico de higiene e dos
nadas, na grande maioria dos casos, à con- mecanismos das doenças.
servação das captações como, por exemplo, Ainda, segundo a autora acima, a descarga
a falta de lages de proteção e tampas de de detritos industriais tóxicos é a principal fon-
vedação, permitindo a introdução de agen- te da contaminação das águas subterrâneas
tes estranhos, tais como pequenos animais, nos E.U.A. Um quarto dessas águas usadas
insetos e materiais, através dos orifícios atualmente já estão contaminadas e os restan-
freqüentemente encontrados neste tipo de tes dos três quartos estão pontualmente con-
captação. taminadas.
Para CUSTÓDIO e LLAMAS (1976), as A disposição de resíduos sólidos urbanos e
fontes efetivas são os sistemas sépticos e as industriais no solo aumenta também o risco de
fossas, pois compartilham de um mesmo meio, poluição das águas subterrâneas. O risco mais

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sério está associado aos lixões não-controla- potencialmente poluentes com a classificação
dos e ao despejos industriais perigosos, que de suas principais características. Algumas das
incluem barris de efluentes líquidos lançados atividades que geram sérios riscos de poluição
de forma inadequada. em países em desenvolvimento são compará-
A Tab. 01 elaborada por FOSTER et al. (op. veis às ocorrências em países altamente indus-
cit.) apresenta uma listagem geral de atividades trializados.

Tabela 01 - Resumo das Principais Atividades que Potencialmente Geram uma Carga
Poluente no Subsolo.
Atividades Característica da Carga Poluente
Categoria Principais Tipos Indicadores de
de Distr Poluentes Contaminação
.

Urbanização
SANEAMENTO SEM SISTEMA DE
ESGOTO u/r P-D nfos NO3 (NH4), CF (SF), COD, CL
Vazamento de rede de esgoto (a) u P-L of ns CF (SF), NH4 (NO3)
LAGOAS DE OXIDAÇÃO DE ÁGUAS
SERVIDAS SEM REVESTIMENTO (a) u/r P oi fns NO3 (NH4), COD, CL, CF (SF)
Descarga de águas servidas sobre o terreno (a)
DESCARGA DE ÁGUAS SERVIDAS EM RIOS (a) u/r P-D nos f NO3, CL, COD
LIXIVIAÇÃO DE ATERROS SANITÁRIOS OU DESCARGAS
DE LIXO (a) u/r P-L nfos NO3, COD
Tanques de combustível
Drenagem de estradas
Desenvolvimento Industrial u/r P oi hs NH4 (NO3), COD, CL, B, COV
Fugas de tanques e tubulações (b) u/r P-D o HC, COD
Derrames acidentais u/r P-D ios CL, (COV)
LAGOAS DE ÁGUAS DE PROCESSAMENTO E EFLUENTES
SEM REVESTIMENTO u P-D os h Variável, (HC, COV, COD)
DESCARGA DE EFLUENTES SOBRE O TERRENO u P-D os h Variável, (HC, COV, COD)
DESCARGA DE EFLUENTES EM RIOS
Lixiviado de aterro de resíduos sólidos
Drenagem de pátios uP os hi Variável, (COD, COV, CL)
Deposição aérea
Práticas Agrícolas (c) u P-D os hi Variável, (COD, CL)
A. CULTIVO DA TERRA COM: u P-L os hi Variável, (COD)
- Agroquímicos u/r P os hi Variável, (COD, COV, CL)
- Irrigação u/r P os h Variável, (HC, COV)
- Esterco, lodo u/r D sio SO4
- Irrigação com águas residuais
B. CRIAÇÃO DE GADO
- Lagoas de efluentes rD nos NO3
- Descarga de efluentes no terreno rD noi s NO3
- Descarga de efluentes em rios rD noi s NO3, CL
Extração de Minerais rD noi fs NO3, CL, (CF –SF)
Descarga de água de drenagem
Lagoas de efluentes ou processamento rP fon COD, NO3, CL
Lixiviação de resíduos sólidos r P-D ni of COD, NO3, CL
r P-L onf COD

r/u P-D hi Variável


r/u P hi Variável
r/u P ih Variável

(a) Pode incluir compostos industriais


(b) Pode ocorrer em áreas não industriais
(c) A intensificação de cultivo apresenta maiores riscos de contaminação
u/r urbano/rural CF(s) coliformes fecais
P/L/D pontual/ linear/ difusa
n nutrientes NO3 nitrato SO4 sulfato
f patógenos fecais NH3 amônia B bório
o compostos organo-sintéticos e/ou carga orgânica CL cloro
i sais inorgânicos HC hidrocarbonetos

Devido a extensão das considerações so-


bre as fontes de poluição das águas subterrâ-
3.1 - Saneamento sem
neas e o objetivo do trabalho recair sobre o Rede Coletora de Esgoto
esgotamento sanitário sem rede coletora em Para SINELLI (1991), a influência de esgo-
áreas urbanas, será analisada apenas a forma tos domésticos sobre a contaminação da água
de poluição causada por essa modalidade de subterrânea pode ser avaliada segundo a con-
esgotos. centração provável de nitrogênio de origem

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doméstica, nas águas de recarga e áreas urba- nitrificação, transforma-se em nitrato. Boa par-
nas não atendidas por esgoto. te dos nitratos que passam por processos de
O serviço de saneamento básico de esgo- desnitrificação na camada não saturada e aca-
tamento sanitário sem rede de esgoto, em tan- bam se transformando em gás nitrogênio e o
ques sépticos, fossas sépticas e latrinas se- resto se dirige para a água subterrânea, au-
cas ou com descarga manual, pode ser ade- mentando a concentração de nitrogênio nes-
quado, quando empregado em pequenas co- sas águas.
munidades, proporcionando custos mais re- FOSTER et al. (1993) considera que na prá-
duzidos em relação as redes coletoras tica, desconhece-se a proporção de nitrogê-
(FOSTER et al., 1993). nio depositado no solo que seria lixiviado. Co-
Para tanto, é necessário ter clareza sobre nhece-se, entretanto, que a carga de nitrogê-
suas diferenciações. A mais significativa nio poderia ser atenuada mediante mecanis-
ocorre entre tanques sépticos e as outras for- mos de diluição e redução. Contudo, pode-se
mas de disposição de excrementos, e consis- esperar que os sistemas de saneamento sem
tem: rede de esgoto originem freqüente incremen-
a) os campos e valas de infiltração dos tos na concentração de nitratos nas águas
tanques sépticos descarregam seus subterrâneas. Nos sistemas aeróbios de águas
efluentes em níveis significativamente subterrâneas, com nível freático pouco pro-
mais altos no perfil do solo que as latrinas, fundo, a migração de amônia pode causar pro-
possuindo desta forma condições mais fa- blemas locais.
voráveis para a eliminação de agentes A poluição domiciliar das comunidades ru-
patogênicos; rais, segundo HIRATA (1990) não se constitui
b) a descarga hidráulica dos tanques sép- ainda uma ameaça para a água subterrânea, por-
ticos normalmente estão desenhadas para que a densidade dessa população é baixa e as
não ultrapassar 30 mm/d, no entanto em taxas de contaminantes domésticos são míni-
algumas unidades pode-se atingir 100 mas, em comparação com a contaminação
mm/d e agropecuária.
c) os tanques sépticos estão revestidos in- Para SINELLI (1991) e FOSTER et al. (1993),
teriormente e seu material sólido, com alto a influência de esgotos domésticos sobre a
conteúdo de nitrogênio, é retirado periodi- contaminação da água subterrânea pode ser
camente, enquanto que em outras unidades, avaliada segundo a concentração provável de
ainda que não seja recomendável, o material nitrogênio de origem doméstica nas águas de
permanece no solo. recarga e áreas urbanas não atendidas por es-
Sob certas condições hidrogeológicas, sali- goto.
enta HIRATA (1990), a grande maioria das unida- O aumento das concentrações de nitrato
des de saneamento sem rede coletora apresen- tem causado o abandono de inúmeros poços
tam elevados riscos de contaminações dos municipais de abastecimento de água e o apa-
aqüíferos subjacentes e fontes vizinhas de águas recimento de numerosos casos de metaemo-
subterrâneas. Para FOSTER et al. (op. cit.), as globinemia e outras doenças similares, loca-
águas subterrâneas usadas no abastecimento pú- lizados na Grande Buenos Aires, devido a
blico estão poluídas por sistemas de esgoto, cons- grande carga de esgoto sem rede coletora,
tituído-se numa das causas de transmissão de que chega segundo FOSTER et al. (1993) a
bactérias e vírus que são responsáveis por sur- cerca de 60%, utilizando-se de tanques sép-
tos e epidemias. ticos.
Segundo SINELLI (1991) o nitrato o mais im- Segundo o autor acima, para o cálculo da
portante indicador, considerando-se a poluição carga de nitrogênio de origem doméstica ur-
de água subterrânea, pela infiltração de polui- bana é preciso o uso de algumas estimativas:
ção. Existe uma alta probabilidade de que o ni- para cidades de pequeno porte supõem-se
trogênio chegue até a camada saturada, enquan- uma produção de 4,4 gramas de nitrogênio (N)
to o perigo de poluição por compostos de car- por habitante (hab.) dia e 6,0 g N/ hab./ dia,
bono é diminuído pela alta capacidade da cama- para as cidades de porte médio do Estado de
da não saturada em absorver esse tipo de polui- São Paulo, nas áreas não atendidas por rede
ção. de esgoto. Estima-se que para Anastácio-MS
Esses esgotos não coletados são dispos- a carga mais indicada seria de 4,4 g N /hab./
tos em sua grande maioria no solo através de dia, devido constituir-se uma cidade de pe-
fossas ou sistemas sépticos, sendo conside- queno porte, com baixo padrão de vida de seus
rados fontes dispersas de poluição. O nitrogê- habitantes. Utilizando-se dessa estimativa e
nio contido em esgotos não coletados passam, considerando-se que cerca de 13.400 habitan-
segundo SINELLI (1991), por processo de tes da cidade de Anastácio não possuem rede
mineralização mudando a sua forma de nitro- coletora de esgoto, supõem-se que a cidade
gênio orgânico à inorgânico mineral. O nitro- produz cerca de 58.964,4 g N/ hab./ dia ou
gênio mineral, sobre um processo de 21.498,5 Kg N/ hab./ ano.

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Para calcular os valores de recarga nas áre- no subsolo por saneamento “in situ” (LEWIS
as urbanas não atendidas por rede de esgoto, et al. (1982) e FOSTER 1985b) In: HIRATA (1990)
SINELLI (op. cit.) propõe a seguinte equação: se resume na tabela B. Os principais compo-
Al = pl x A/ (0,8 pl + 2p) nentes da carga são primeiramente os nutrien-
onde: A = área urbana total em ha; Al = área tes e os sais, depois as bactérias patogênicas e
urbana não atendida por rede de esgotos em ha; os vírus, e em ultimo lugar os compostos solú-
p = número total de habitantes; pl = número de veis orgânicos, incluindo traços de alguns quí-
habitantes na área não atendida e x = densidade micos sintéticos.
da população na área não atendida em hab./ ha. Para maior entendimento das características
Sem duvida o processo de urbanização exer- dos principais sistemas de esgotamento sanitá-
ce uma grande influência nos mecanismos de rio utilizados em comunidades que não possu-
recarga do aqüífero e a instalação da rede de em rede coletora de esgoto, serão apresenta-
abastecimento de água tratada e de esgoto são dos as duas formas de esgotamento por fossas
muito significativas neste respeito. mais utilizadas no Brasil.
Em situações onde não existem saneamento
básico ou onde se estão implantando redes de 3.1.1 - Fossas Rudimentares
esgoto, em pequena escala, com tratamento e
disposição inadequados, existirá sempre algum ou Negras
risco de contaminação das águas subterrâneas. A forma mais econômica de esgotamento sa-
Para HIRATA (1990), se as cidades tiverem um nitário doméstico é a fossa. Trata-se simplesmente

Tabela 02 - Fatores que Afetam a Categoria de Perigo Potencial e a Carga Contaminante


do Subsolo devido ao Saneamento “In-Situ”.

A – Categoria de Perigo Potencial


Densidade da Cobertura Da Rede de Esgoto
População Completa Parcial Nenhuma
Baixa Baixa Baixa Média
Media Media Media Alta
Alta Media Alta Alta
Fonte: Hirata (1990)
B – Carga Contaminante no Subsolo
Tipo de Urbanização Carga Hidráulica Tipo de Contaminante
N PF Org. HC Sal
Residência Tradicional 1 3 3 - - 1
Residência Moderna 2 3 2 1 1 1
-com estações de gasolina - - - 2 2 -
-com oficinas para veículos - - - 3 3 -
-com industrias de serviço 1 1 1 1 1 1
Densidade Populacional - 3 2 - - 3
Uso da Água - 3 - - - 3
Outros Serviços - 1 1 3 3 1
Tipo de Clima (excesso de chuva) - 3 1 3 3 1
Tipo de Saneamento - 3 3 2 2 3
Fonte: HIRATA (1990)
N nitrogênio Sal sais
PF patógenos fecais
Org. compostos orgânicos sintéticos 1, 2, 3 grau de dependência
HC hidrocarbonetos

bom sistema de esgoto, bem planejado e cuida- de um buraco com diâmetro semelhante ao do
dosamente operado, esse risco de contamina- poço tipo cacimba, com profundidade que, em
ção do aqüífero diminuirá grandemente. Poden- geral, não atingem o nível freático. Nesta situa-
do ocorrer alguma contaminação decorrente de ção são chamados de “fossas secas”. Contudo,
vazamentos ou de fossas mal construídas, o que o que se verifica na maioria dos casos, é que com
é difícil de determinar. a elevação do nível do lençol freático ocorre o
HIRATA (op. cit.) salienta que nos estudos afogamento dessas fossas, em especial na esta-
de ampla escala não será possível avaliar a car- ção chuvosa, transformando-as em “fossas ne-
ga contaminante no subsolo gerada pela urba- gras”. O efluente bruto é lançado, nesta situa-
nização, porque se pode assinalar um risco po- ção, com sérios riscos às captações nas suas
tencial em função da extensão coberta pela rede proximidades, contaminando também o aqüífero
de esgoto e/ou devido ao número de habitan- raso, tanto bacteriologicamente quanto quimica-
tes, conforme mostra a Tab. 02. Já para estudos mente, de modo quase direto.
mais detalhados, os fatores principais que afe- Outro tipo de fossa é a latrina, que também
tam a escala e o caráter da carga contaminante pode estar na condição de seca ou negra, de-

12 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


pendendo da situação do nível freático local, A norma NB 7229 de 1982 da ABNT é exi-
com a característica de que os resíduos são, em gente quanto à instalação de sistemas sépticos,
geral, mais secos dos que nas fossas propria- sendo expressamente inadmissível o uso de fos-
mente ditas. sas sépticas para edificações providas de su-
REBOUÇAS et al. (op. cit.) enfatiza que, er- primento de água e que sua fonte não seja cap-
roneamente, as fossas são distribuídas seguin- tada no mesmo terreno de instalação dos siste-
do-se as recomendações para os sistemas sép- mas sépticos.
ticos, com características dos efluentes, em ter- Segundo FOSTER et al. (1993), numerosas
mos bacteriológicos, bem menores do que na medidas poderiam ser implementadas visando a
disposição simples em fossas ou latrinas. Pou- redução do risco ou da escala de poluição das
cos estudos foram efetuados enfocando este águas subterrâneas por sistemas de saneamen-
caso extremo de disposição de efluentes do- to “in situ”, já que justifica-se técnica e econo-
mésticos, porém é a forma mais difundida de micamente. São elas:
disposição de efluentes junto à população de a) redução da profundidade dos sistemas,
nível sócio-econômico desfavorecido em es- b) redução da carga hidráulica,
cala mundial. c) a incorporação de um meio filtrante artifi-
cial,
3.1.2 - Fossas Sépticas d) a eliminação de resíduos sólidos nitro-
MOURAS e MOIGNE (1881) (in BATA- genados,
LHA, 1985) patentearam os primeiros siste- e) estimulação de denitrificação “in situ” e
mas sépticos de esgotamento sanitário domi- f) distanciamento entre as unidades de dis-
ciliar, ao constatarem acidentalmente o fenô- posição de excretas e as fontes de águas
meno de biodegradação da matéria orgânica e subterrâneas para abastecimento de água
redução da quantidade de bactérias em tan- potável.
ques de alvenaria, anteriormente projetados
com finalidades de separação de gorduras e 4 - POLUIÇÃO DAS ÁGUAS
sólidos decantáveis de águas residuárias de
cozinha. SUBTERRÂNEAS
Nos Estados Unidos e em países europeus, Essa contaminação exige o estudo do meio
estes sistemas são bastante utilizados, em es- onde se dispõem os efluentes e a dinâmica do
pecial para atenderem pequenas comunidades aqüífero que afetam diretamente a dispersão
e populações rurais. REBOUÇAS et al. (1987) dos poluentes. No caso de poluição por fos-
enfatizam que, com a finalidade de se evitar sas e sistemas sépticos, estes devem ser
possíveis contaminações tanto das captações efetuados segundo REBOUÇAS et al. (1987),
como das águas subterrâneas, as regulamen- em dois meios distintos: o saturado e o não
tações destes países reforçam a necessidade saturado.
de que haja uma baixa concentração O comportamento físico da água na zona
ocupacional das áreas que necessitem deste não saturada é função da direção do fluxo ho-
tipo de disposição final dos efluentes domés- rizontal e vertical, velocidade destes fluxos,
ticos. do perfil geológico e variações do nível
Os sistemas sépticos contam, na maioria freático com as condições climáticas vigen-
das vezes, com um tanque de decantação pro- tes, que permitem condicionar a dispersão dos
jetado com finalidade de reter o efluente bruto poluentes aos aspectos dinâmicos e conse-
por um período pré-fixado, propiciando um tra- quentemente avaliar o grau de vulnerabilidade
tamento primário deste efluente através da do aqüífero, face às poluições bacteriológi-
biodegradação dos sólidos orgânicos e uma cas e químicas.
redução da população bacteriana. O efluente As metodologias para o levantamento dos
secundário, segundo BATALHA (1985), com parâmetros da dinâmica dos aqüíferos estão
pouca quantidade de sólidos decantáveis, são bastante desenvolvidas e permitem a determi-
dispostos em componentes de infiltração, que nação de áreas críticas em termos de
podem ser de dois tipos principais: o poço ab- vulnerabilidade. Para REBOUÇAS et al. (op.
sorvente (sumidouro) e as valas de infiltração. cit.), a maior dificuldade reside nos fenômenos
Os poços absorventes são indicados para si- que ocorrem no meio não saturado. É neste
tuações em que a profundidade do nível meio que ocorrem as reações bioquímicas e as
freático esteja abaixo do fundo dos mesmos, principais reações químicas que podem contri-
entre 1,50 a 3,00 metros, segundo as recomen- buir para a redução da periculosidade dos
dações brasileiras (ABNT e CETESB). As va- poluentes.
las de infiltração são para situações de baixa As captações profundas visando a obten-
permeabilidade do terreno, dispondo os ção de água de boa qualidade em termos de
efluentes secundários em áreas maiores, ou potabilidade, sofrem pela falta de fiscalização
onde o nível freático não permite a instalação sanitária e recomendações para manutenção
de poços absorventes. deste tipo de captação, além da não observân-

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


13
cia do perímetro de proteção sanitária frente às teriais granulares (areias e argilas), como é o
várias fontes de poluição de origem antrópica e caso da área urbana de Anastácio-MS.
falhas, tanto das normas construtivas, quanto Fontes dispersas de poluição, com disper-
da construção da captação profunda, podem são ampla, como os sistemas de esgotamento
levar à contaminação das mesmas (DUARTE E sanitário urbano “in situ”, introduzem poluentes
KANEHISA, l987). em extensas áreas, degradando grandes exten-
sões de maneira relativamente homogênea. Fato
4.1 - Fatores que Determinam este também registrado na cidade de Anastácio:
das 24 amostras de poços freáticos coletadas
a Distribuição dos Poluentes durante os seis primeiros meses de 1997, todas
nas Águas Subterrâneas apontavam forte contaminação bacteriológica
Os poluentes seguem o padrão de fluxo e nitrogênio nitroso.
(direção e sentido) das águas subterrâneas, De maneira geral, salientam YOSHINAGA e
salvo pequenas exceções. Portanto eles trafegam GOMES (op.cit.), os cátions, os compostos or-
desde uma zona de recarga ( normalmente a fonte gânicos hidrofóbicos (apolares) e os metais
de poluição), passando pelo aqüífero, até uma pesados possuem mobilidade baixa, sendo os
zona de descarga (natural ou artificial) deste ânions menos susceptíveis ao retardamento.
(YOSHINAGA e GOMES, 1990). Em áreas urbanas, a presença de obras civis
Durante este processo ocorrem alguns fe- também pode ocasionar padrões irregulares na
nômenos de interação entre o poluente e o meio distribuição dos poluentes, tais como: galerias
subterrâneo, principalmente a dispersão de águas pluviais, materiais de aterros ou enter-
hidrodinâmica. Este fenômeno é responsável rados, etc.).
pelo “espalhamento” dos poluentes no aqüífero. A Tab. 03, abrange os principais processos
Neste processo de espalhamento ocorre uma físicos, químicos e biológicos que controlam o
lenta diluição dos poluentes, já que a pluma entra comportamento de contaminates na água sub-
em contato com águas limpas, enquanto esta se terrânea, segundo BAGANHA (1996).
expande pelo aqüífero. A pluma tenderá a mos-
trar-se mais concentrada próximo à fonte de po-
luição, diluindo-se ao longo da direção princi-
5 - QUALIDADE DAS
pal de fluxo (HIRATA, 1990). O formato exato da ÁGUAS
região poluída é uma função direta do meio ge- Para BITTENCOURT (1966) In: BIDOIA et
ológico, além de fatores próprios da fonte de al. (1997), o conceito de água de boa qualidade
poluição e dos próprios poluentes. é muito amplo, pois está ligado às exigências do
A velocidade de migração das plumas de consumidor.
contaminação é, em geral, maior em meios Segundo o Ministério da Saúde, a água po-
aqüíferos fraturados, já que as fraturas geral- tável é aquela com qualidade adequada ao con-
mente encontram-se pouco preenchidas por ma- sumo humano (1990).

Tabela 03 - Principais Processos Controladores do Comportamento dos


Contaminantes na Água
AUTORES PROCESSOS
Físicos Químicos Biológicos Bioquímicos
Advecção Solução
Dispersão Precipitação Decomposição
de substancia
Evaporação Reações ácido- orgânica
MATTHESS et al. base
(1985) Filtração Oxi-redução Transpiração
Decaimento
radioativo Complexação Movimento
Transporte de ativo de
gases Adsorção- bactérias
Dessorção
Adesão bacterial
FREEZE e
CHERRY(1985)
CROOKS e QUI
GLEY (1994)
ROWE et al.(1988) Advecção Adsorção Oxi-redução
BARONE et al. Complexação
(1988) Dispersão Precipitação Quelação
DANIEL e Hidrodinâmica
SCHAKEFORD
(1988)
ZUNQUETE et al.
(1992)
Fonte: BAGANHA (1996)

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Para PÁDUA (1997), a caracterização e in- de coleta e análise de água constantes do
terpretação da qualidade da água não deve ser “Standard Methods for the Examination of Water
vista apenas como dependente do grau de po- and Waste Water”, última edição, da American
luição ou contaminação a que possa ser expos- Public Health Association (APHA), da
ta a biocenose, mas sim relacionada com a American Water Works Association (AWWA)
cinética comportamental do ambiente, relacio- e da Water Pollution Control Federation (WPCF),
nando-a com as necessidades fisiológicas dos em casos não previstos pelas normas nacionais
organismos e das suas específicas capacidades vigentes. Outras metodologias alternativas de-
de adsorção e/ou absorção de elementos quí- verão receber aprovação do Ministério da Saú-
micos, possivelmente presentes em graus diver- de para terem validade, mediante apresentação
sos neste sistema aquático. de documentação científica adequada.
Certos tipos de contaminantes orgânicos BRANCO (1989) apresenta com bastante
biodegradáveis, como por exemplo os esgotos clareza a distinção entre Padrões e Critérios de
domésticos, são assimilados pelas bactérias pre- qualidade de águas. Os critérios têm um caráter
sentes nas águas. Dois grupos de bactérias, de propostas, de sugestões, quando não de ten-
abundantes nesse meio, e que são utilizados tativas a serem testadas quanto à sua
como indicadores de eventual presença de ou- exeqüibilidade, adequação ou aplicação restrita
tras bactérias patogênicas ou vírus na água, são a casos particulares. O padrão, ao contrário, é
os parâmetros biológicos: Coliformes Totais e inapelável, não se pode fugir dele, é o critério
Fecais. transformado em lei.
A ausência de coliformes, a quantidade re- As normas e padrões da potabilidade de
duzida de nitrogênio reduzida e a presença de água destinada ao abastecimento das popula-
oxigênio, além de algumas características físi- ções humanas, vigentes no Brasil, deve atender
cas e estéticas constituem garantia suficiente à Portaria n.º 36 do MS de 19 de janeiro de 1990,
para a potabilidade ou potabilização de águas Tab. 04,que preconiza as seguintes característi-
da maior parte do território nacional, quando cas de qualidade:
não se nota a presença de uma indústria ou de Tabela 04 – Valores Máximos Permissíveis
atividade agrícola que faça uso de quantidades das Características Físicas, Organolépticas e
significativas de agroquímicos. Químicas da Água Potável
Para RICHTER e AZEVEDO NETTO (1991), (1) ut é a unidade de turbidez, expressas pe-
a qualidade da água varia com o tempo, exigin- las escalas de Jackson ou nefelométrica;
do para seu controle a realização de análise em Obs. 1 - Para a cor aparente, o VMP é 5 uH
diferentes épocas do ano, e só sua repetição para água entrando no sistema de distribuição.
poderá reduzir o efeito da variação dos resulta- O VMP de 15 uH é permitido em pontos da rede
dos. de distribuição;
Segundo o Ministério da Saúde- MS (1990), Obs. 2 - Para a turbidez, o VMP é 1,0 uT, para
para a verificação da qualidade da água, tendo a água no sistema de distribuição. O VMP de 5,0
em vista o Padrão de Potabilidade estabelecido, uT é permitido em pontos da rede de distribui-
serão adotadas, preferencialmente, as técnicas ção, se for demonstrado que a desinfecção não

Tabela 04 - Valores Máximos Permissíveis das Características Físicas Organolépticas e


Químicas da Água Potável
Características Unidade Valor Máximo Permitido
1 – Físicas e Organolípticas
Cor aparente UH (1) 5 (Obs. 1)
Odor Não objetável
Sabor Não objetável
Turbidez uT (2) 1 (Obs. 2)
2 – Químicas
2.1 – Componentes Inorgânicos que Afetam a Saúde
Arsênio mg/l 0,05
Bário mg/l 1,0
Cádmio mg/l 0,005
Chumbo mg/l 0,05
Cianetos mg/l 0,1
Cromo Total mg/l 0,05
Fluoretos mg/l (Obs. 3)
Mercúrio mg/l 0,001
Nitratos mg/l N 10
Prata mg/l 0,05
Selênio mg/l 0,01
2.2 – Componentes Orgânicos que Afetam a Saúde
Aldrin e Dieldrin ug/l 0,03
Benzeno ug/l 10
Benzeno-a-pireno ug/l 0,01
Clordano (Total de Isômeros) ug/l 0,3

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15
( ) g
DDT (p-p/DDT; o-p/DDT; p-p/DEE; o-p/DDE) ug/l 1
Endrin ug/l 0,2
Heptacloro e Heptacloro epóxido ug/l 0,1
Hexaclorobenzeno ug/l 0,01
Lindano (Gama HCH) ug/l 3
Metoxicloro ug/l 30
Pentaclorofenol ug/l 10
Tetracloreto de Carbono ug/l 3
Tetracloroeteno ug/l 10
Toxafeno ug/l 5
Tricloroeteno ug/l 30
Trihalometanos ug/l 100 (Obs. 4)
1,1 Dicloroeteno ug/l 0,3
1,2 Dicloroetano ug/l 10
2,4 D ug/l 100
2,4,6 Triclorofenol ug/l 10 (Obs. 5)
2.3 – Componentes que afetam a Qualidade
Organoléptica
Alumínio mg/l 0,2 (Obs. 6)
Agentes Tenso-ativos (reagentes ao azul de metileno) mg/l 0,2
Cloretos mg/l CL 250
Cobre mg/l 1
Dureza Total mg/l CaCO 3 500
Ferro Total mg/l 0,3
Manganês mg/l 0,1
Sólidos totais Dissolvidos mg/l 1.000
Sulfatos mg/l SO4 400
Zinco mg/l 5
Fonte: Portaria nº 36 - MS de 19/01/90

é comprometida pelo uso desse valor menos A água encontra-se pura durante o ciclo
exigente; hidrológico, apenas quando em estado gasoso,
Obs. 3 - Os valores recomendados para a após passar pelo processo de evapotrans-
concentração do íon fluoreto em função da mé- piração, que agem como um enorme destilador,
dia das temperaturas máximas diárias do ar de- eliminando possíveis contaminantes, após sua
verão atender à legislação em vigor; condensação, ela começa a adquirir impurezas
Obs. 4 - Sujeito a revisão em função dos que sofrerão variações com a geologia local,
estudos toxicológicos em andamento. A remo- vegetação e clima.
ção ou prevenção de trilhalometanos não deve- As impurezas mais comumentes encontra-
rá prejudicar a eficiência da desinfecção; das em águas naturais foram elencadas por
Obs. 5 - Concentração limiar de odor de 0,1 ug/l e TCHBANOGLOUS e SCHROEDER, 1987 in:
Obs. 6 - Sujeito a revisão em função de estu- (PORTO et al., op. cit.), Tab.05.
dos toxicológicos em andamento. Tabela 05 – Impurezas mais Freqüentes En-
contradas nas Águas Naturais (Tchobanglous
5.1 - Caracterização da e Schroeder, 1987)
As alterações da qualidade da água repre-
Qualidade da Água sentam uma das maiores evidências do im-
PORTO et al (1991) enfatizam que a água, pacto das atividades humanas sobre a bios-
como os demais recursos naturais da biosfera, é fera, sendo as principais fontes: esgotos ur-
escassa e seu uso racional inclui a preservação banos que lançam efluentes orgânicos; indús-
de sua qualidade. A degradação desse recurso, trias que geram uma série de compostos sin-
pela poluição, vem agravando ainda mais as di- téticos e metais pesados, e a agricultura res-
ficuldades para seu aproveitamento e intensifi- ponsável pela presença de pesticidas e ex-
cando sua escassez. cesso de fertilizantes.

Tabela 05 - Impurezas mais freqüentes Encontradas nas Águas Naturais


(Tchobanglous e Schroeder, 1987)
Origem Impurezas Coloidais Em Suspensão Gases
Dissolvidas
Contato da água Cálcio e Argila e Sílica Argila Gás carbônico
com minerais, Ferro Óxido de ferro Silte
solos e rochas Bicarbonatos Óxido de Areia
Carbonatos Alumínio
Zinco e Sódio Dióxido de
Magnésio Magnésio
Manganês
Potássio
Cloretos

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Cloretos
Nitratos
Fosfatos
Silicatos
Sulfatos
Atmosfera, chuva Hidrogênio Poeira Gás carbônico
Bicarbonatos Pólen Nitrogênio
Cloretos Oxigênio
Dióxido de
enxofre
Decomposição de Amônia Sódio Cor de origem Solo orgânico Amônia
matéria orgânica Cloretos Vegetal Resíduos Gás carbônico
no meio ambiente Hidrogênio Resíduos orgânicos sulfídrico
Nitritos Sulfítos Hidrogênio
Nitratos Radicais Metano
orgân. Nitrogênio
Oxigênio
Organismos vivos Bactérias Algas Amônia
Algas Zooplâncton Gás carbônico
Vírus Peixes Metano
Fontes Íons inorgânicos Organoclorados
Sólidos Cloro
Antropogênicas Metais pesados Corantes inorgânicos Dióxido de
Moléculas Bactérias Compostos enxofre
orgânicas Vírus orgânicos
Cor Óleos e graxas
Fonte: TCHOBANGLOUS e SCHROEDER (1987)

5.2 - Composição da Água sabilidade, contribuindo com a contaminação


por agrotóxicos, nitratos, impurezas contidas
Subterrânea nos fertilizantes ou mesmo a salinização do
PORTO et al. (1991) salientam que a água aqüífero pela lixiviação de solos salinos irriga-
que se infiltra e não retorna à superfície por dos.
evapotranspiração percola até o aqüífero. Os
movimentos da água no solo são bastante 5.3 - Características Físicas
lentos e reações de solução, precipitação,
absorção e troca iônica ocorrem nos filmes
da Água
que a água forma com as superfícies mine- O homem exige, para seu consumo, água
rais. que seja esteticamente perfeita, ou seja, requer
A água durante a percolação pela zona não água transparente, sem cor e sem cheiro, ape-
saturada, pode, segundo CLEARY (1991), sar dela não se apresentar usualmente assim
apresentar teores de soluto superiores aos do na natureza.
aqüífero; assim, a variação da qualidade da As características físicas das águas são de
água é função da profundidade e das pouca importância sanitária e relativamente fá-
litologias que a água atravessa. Tal movimen- ceis de determinar (RICHTER e AZEVEDO
to também é responsável pela penetração de NETTO, 1991). Tais características são regula-
poluentes que percolam a partir das áreas ur- mentadas, no Brasil, pela Resolução Federal
banas e rurais, nas reservas subterrâneas de número 20 do CONAMA, de 18 de junho de
água. 1986 e pela Portaria número 36 do Ministério da
Para PORTO et al. (op. cit.), a contamina- Saúde (MS), de 19 de janeiro de 1990, e são elas:
ção das águas subterrâneas é um fenômeno
muito mais preocupante do que é das águas 5.3.1 - Cor
superficiais, visto que estas rapidamente se A água pura é ausente de cor. A presença
renovam e se recuperam após cessar o lan- de substâncias dissolvidas ou em suspensão
çamento de efluentes, enquanto aquelas, em altera a cor da água, dependendo da qualidade
muitos casos, têm sua recuperação tão de- e da natureza do material presente. A cor é re-
morada e onerosa que o aqüífero é abando- sultado dos processos de decomposição que
nado. ocorrem no meio ambiente.
Esta contaminação pode se dar a partir de A coloração aparente da água é resultado
infiltração de fossas rudimentares ou sépticas, da reflexão e dispersão da luz nas partículas em
vazamento de redes coletoras de esgoto ou de suspensão. A cor dita verdadeira ou real é cau-
tanques de armazenamento de produtos tóxi- sada pelos materiais nela dissolvidos e pelos
cos, como derivados de petróleo, e disposição colóides.
final de resíduos sólidos, como os aterros sani- Para PORTO et al. (1991), as substâncias que
tários. A agricultura também tem grande respon- mais freqüentemente adicionam cor às águas

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


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naturais são os ácidos húmicos. Sua presença A desinfecção da água, principalmente a
na água pode fazer o consumidor procurar fon- inativação de vírus, é tanto mais eficaz quanto
tes de água de aspecto mais agradável que, po- menor é a turbidez da água.
rém podem ser mais perigosas. No Brasil, a turbidez aceitável em águas na-
A diferenciação entre a cor verdadeira e a turais, para abastecimento, é de até 100 UNT
cor aparente, que é adicionada pela turbidez, é ou uT (unidade nefelométricas de turbidez),
dada pelo tamanho das partículas, isto é, pode- conforme resolução n.º 20 do CONAMA de
se generalizar que partículas com diâmetro su- 18/06/86, pois valores até esse limite podem
perior a 1,2 microns causam turbidez inferior, já ser removidos da água, por tratamento con-
na categoria de colóides e substâncias dissol- vencional. Já, a portaria n.º 36 do MS, de 1990
vidas, causam cor. Assim sendo, a cor pode ser prega que o VMP é de 1,0 uT, para a água entra
facilmente removida da água por coagulação no sistema de distribuição. O VMP de 5,0 uT é
química. Em alguns casos de cor extremamente permitido em pontos da rede de distribuição,
elevada, a remoção pode ser auxiliada ou reali- se for demonstrado que a desinfecção não é
zada integralmente através do processo de oxi- comprometida pelo uso desse valor menos exi-
dação química, utilizando-se permanganato de gente.
potássio, cloro, ozônio, ou qualquer outro Entretanto, para PORTO et al. (op. cit.), a
oxidante poderoso, (RICHTER e AZEVEDO água tratada deve ter turbidez inferior a 5 uT,
NETTO, op. cit.). porque o material em suspensão permite que
A cor verdadeira é medida em unidades de ocorram áreas em que eventuais
cor (uH) dadas pela escala de platina-cobalto, microorganismos patogênicos presentes não
ou escala de Hazen, (STANDARD METHODS, entrem em contato com a substância desinfe-
1985), e esta varia desde o amarelo pálido até o tante.
marrom escuro, sendo que as águas naturais Sua amostragem mínima para análise de
devem ser quantificadas de a à 200 unidades. qualidade física de turbidez das águas de abas-
Outra unidade ainda usada é mg Pt/l e os valo- tecimento público é diária.
res se correspondem.
PORTO et al. (op. cit.) salientam que é im- 5.3.3 - pH
portante conhecer o pH da amostra quando se O termo pH é usado universalmente para
utiliza o método de Hazen, pois variações de pH expressar a intensidade de uma condição ácida
podem induzir a variações de coloração. ou alcalina de uma solução. Mede a concentra-
No Brasil, a água bruta para tratamento e ção do íon hidrogênio ou sua atividade, impor-
abastecimento público urbano deve possuir no tante em cada fase do tratamento da água, sen-
máximo 75 unidades de cor, conforme resolução do referido freqüentemente na coagulação,
CONAMA n.º 20 de 18/06/86. Já a portaria n.º 36 floculação, desinfecção e no controle de corro-
do MS, de 19/01/90, prega como valor máximo são.
permitido (VMP) para a cor apenas 5 unidades Para RICHTER e AZEVEDO NETTO (1991),
de cor para água que entra no sistema de distri- a dissociação da água em seus respectivos
buição, o que é conseguido através de proces- cátions e ânions é relativamente pequena. Um
sos convencionais de tratamento, desde que a litro de água pura possui apenas 1/10.000.000
água bruta não ultrapasse o limite estabelecido moléculas grama de íons de hidrogênio.
de 15 uH para alguns pontos da rede de distri- Nos sistemas de abastecimento público de
buição. A freqüência mínima de amostragem re- água, o pH recomendado, pelo Ministério da
comendada pelo MS para a análise da caracte- Saúde (portaria n.º 36 de 19/01/90), deverá ficar
rística de qualidade física de cor das águas de situado no intervalo de 6,5 a 8,5. De modo geral,
abastecimento publico é diária. águas de pH baixo tendem a ser corrosivas ou
agressivas a certos metais, paredes de concre-
5.3.2 - Turbidez to e superfícies de cimento-amianto, enquanto
É a alteração da penetração da luz provocada que águas de alto pH tendem a formar
por partículas em suspensão, como bactérias, incrustações.
argilas e silte ou fontes de poluição que lançam
material fino e outras substâncias na água. A 5.3.4 - Sabor e Odor
presença dessas partículas provoca a disper- As caraterísticas de sabor e odor são consi-
são e a absorção da luz, dando à água uma apa- deradas em conjunto, pois geralmente a sensa-
rência nebulosa, esteticamente indesejável e po- ção de sabor origina-se do odor.
tencialmente perigosa. O odor é uma característica estética prejudi-
A turbidez pode ser causada, segundo cial a água. A água pura é inodora e não possui
RICHTER e AZEVEDO NETTO (op. cit.), por sabor algum. O odor ou sabor podem ser causa-
uma variedade de materiais: partículas de argila dos pela decomposição da matéria orgânica ou
ou lodo, descarga de esgoto doméstico ou in- atividade biológica de microrganismos, ou ain-
dustrial ou a presença de um grande número de da de fontes minerais ou de poluição industrial,
microorganismos. agrícola e doméstica.

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A detecção do odor e sua quantificação é dos mesmos. Assim, cada 1.º C, que se aumenta,
bastante difícil e abstrata, pois depende direta- na temperatura da solução, corresponderá um
mente da sensibilidade do olfato humano. acréscimo de 2% na condutividade (HEM, 1985).
Quando existem problemas com sabor e odor Para PORTO et al. (1991), a água pura no
na água, a aeração pode ser eficaz em alguns estado líquido possui condutividade elétrica
casos. Em outros, pode ser necessária a utiliza- bem baixa, apenas centésimos de micromhos/
ção de carvão ativado para a absorção dos com- cm a 25.º C. À medida que cresce a concentração
postos causadores de odor, (RICHTER e AZE- iônica, a condutividade da solução cresce. Exis-
VEDO NETTO, 1991). te boa correlação entre valores de condutividade
A resolução n.º 20 do CONAMA preconiza e concentração iônica da solução para cada tipo
que as águas de abastecimento devam estar de soluto.
isentas de substâncias que causem odor ou sa- A condutividade das águas subterrâneas é
bor, por essa razão seus VMPs devem ser não bastante variada, podendo ser baixa, em valo-
objetável. res como 50 micromhos/ cm, em locais onde a
precipitação é pobre em solutos e a litologia lo-
5.3.5 - Sólidos Totais cal é formada por rochas resistentes ao
Todas as impurezas da água, com exceção intemperismo, podendo alcançar, até valores de
dos gases dissolvidos, contribuem para a carga 50.000 micromhos/ cm, em aqüíferos que rece-
de sólidos presentes na água. Estes sólidos bem influência salina das águas do mar.
podem ser classificados de acordo com seu ta-
manho e características químicas. 5.4 - Característica Química
Quanto ao tamanho, podem ser classifica-
dos, segundo PORTO et al. (1991), em da Água
sedimentáveis, em suspensão, colóides e dis- Os parâmetros químicos são os índices mais
solvidos. Já quanto às características químicas, importantes que caracterizam a qualidade de uma
os sólidos podem ser classificados em voláteis água. Através deles, segundo PORTO et al.
e fixos. (op.cit.), pode-se relacionar valores que permi-
Para águas de abastecimento , permite-se um tam:
valor máximo de 500 mg/l de sólidos totais (re- - Classificar a água por seu conteúdo mine-
solução n.º 20 CONAMA, de 18/06/86). Já o Mi- ral, através de composição de seus íons;
nistério da Saúde, portaria n.º 36, de 19/01/90, - Caracterizar o grau de contaminação e a
possui um VMP mais tolerante de 1.000 mg/l. origem ou natureza dos principais poluentes ou
seus efeitos;
5.3.6 - Temperatura -Tipificar casos de cargas ou picos de con-
centração de substâncias tóxicas e apontar as
A temperatura influencia nos processos bi-
principais fontes e
ológicos, reações químicas e bioquímicas que
- Avaliar o equilíbrio bioquímico necessário
ocorrem na água e também outros processos
para a manutenção da vida aquática e quantificar
como a solubilidade dos gases dissolvidos, além
as necessidades de nutrientes tais como com-
de acentuar a sensação de sabor e odor. Os limi-
postos de nitrogênio, fósforo, sílica, ferro e de
tes de fluoreto também dependem da tempera-
co-fatores enzimáticos.
tura do ar, mais precisamente da média da tem-
Para LERMAN (1988), a qualidade química
peratura máxima diária.
da água pode ser avaliada pelo seu conteúdo
A solubilidade dos gases decresce e a dos
orgânico, autóctone ou alóctone, pela sua força
sais minerais cresce com o aumento da tempera-
iônica, pela sua agressividade provocada por
tura da água, e a maior parte dos organismos
gases dissolvidos, pela existência de nutrientes
encontra nestas faixas de temperatura ótimas
relacionados com a produtividade primária, pela
condições para sua reprodução.
presença de micronutrientes e metais traços,
pela presença ou ausência de compostos orgâ-
5.3.7 - Condutividade nicos sintéticos, tipo defensivos agrícolas,
É a capacidade da água de transmitir a cor- solventes, aromáticos polinucleados,
rente elétrica. A condutividade elétrica da água modificadores de tensão superficial, etc, e pelo
é determinada pela presença de substâncias dis- seu conteúdo radioativo.
solvidas que se dissociam em ânions e cátions. As características químicas são determina-
A unidade utilizada, para mensurá-la é das por meio de análises, seguindo métodos
micromhos/ cm a uma dada temperatura em graus adequados e padronizados. Os resultados são
celsius, porém no sistema internacional de uni- dados de um modo geral em concentração de
dades, deve-se utilizar o microsiemens/ cm, nu- substância ou equivalente em mg/l.
mericamente equivalente ao micromhos/ cm. Para BERTOLETTI (1990) In: PÁDUA (1997),
A condutividade aumenta proporcionalmen- existem mais de 6 milhões de substâncias co-
te à temperatura e a concentração iônica. Estas nhecidas, sendo 63 mil de uso cotidiano, por-
variações diferem para cada íon e concentração tanto freqüentemente encontradas no ambien-

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19
te. Cerca de 2 mil dessas já foram bem estuda- Os valores permitidos de alcalinidade, acei-
das, destas 118 constituem-se agentes quími- tos no país, são os descritos pelos métodos
cos considerados como prioritários para efeito de análises baseados no “Stander Methods
de controle, com a maioria delas persistente e for the Examination of Water and
acumulativa no meio aquático. Wastewater”, publicação APHA, AWWA e
Muitos dos parâmetros químicos utilizados WPCF. São eles:
na caracterização de qualidade de água são sub- Para RICHTER e AZEVEDO NETTO (1991),
rogatórios, em virtude da vasta quantidade de em função do pH, podem estar presentes na
produtos químicos existentes numa amostra de água os seguintes tipos de alcalinidade:
água (PORTO et al., 1991). A Tab. 06 apresenta pH11,0 a 9,4 Alcalinidade de hidróxidos e
alguns dos principais elementos essenciais à carbonatos,
vida, segundo os autores acima. pH 9,4 a 8,3 Carbonatos e bicarbonatos,

Tabela 06 - Principais Elementos Essenciais à Vida


Elemento Função Biológica ou Ocorrência
Hidrogênio Constituinte de quase toda matéria orgânica;
Carbono Elemento básico de compostos orgânicos;
Oxigênio Presente em muitos compostos orgânicos, necessário
à respiração;
Nitrogênio Componente de aminoácidos e derivados;
Fósforo Usado na formação de compostos ricos em energia;
também nos ossos e dentes;
Sílica Material estrutural de diatomáceas;
Cálcio Ossos, enzimas, soluções eletrólitas e biológicas;
Enzimas, clorofilas;
Magnésio Ação nervosa, soluções eletrólitas e biológicas;
Sódio Ação nervosa, soluções eletrólitas e biológicas;
Necessário a algas e plantas;
Potássio Fortalecimento dos dentes;
Hormônios da tireóide;
Boro Aminoácido, peroteínas;
Flúor Ação nervosa, eletrílitos biológicos;
Iôdo Ação do fígado, plantas;
Enxôfre Enzimas;
Cloretos Enzimas;
Selênio Enzimas, atividades respiratórias, processos
Molibdênio biológicos REDOX;
Cobalto Enzimas;
Ferro Enzimas;
Enzimas.
Manganês
Cromo, Cobre
Zinco, Vanádio
Fonte: PORTO et al. (1991)

Apesar de alguns elementos metálicos se- pH 8,3 a 4,6 Somente bicarbonatos,


rem danosos em altas concentrações, eles po- pH 4,6 a 3,0 Ácidos minerais.
dem ser necessários para as funções enzimáticas
dos ecossistemas, em pequenas quantidades. Tabela 07 - Valores Máximos Permitidos de
Alcalinidade para Água de
5.4.1 - Alcalinidade Abastecimento
A alcalinidade é devida à presença de bicar- Alcalinidade VMP (mg/l)
bonatos, carbonatos ou hidróxidos. Com maior Bicarbonatos 250
freqüência, a alcalinidade das águas é devida a Carbonatos 120
bicarbonatos, produzidos pela ação do gás Hidróxidos 0
Fonte: APHA, AWWA e WPCF (1989)
carbônico dissolvido na água sobre as rochas
calcárias.
A alcalinidade não tem significado sanitá- 5.4.2 - Acidez (gás carbônico
rio, a menos que seja devida a hidróxidos ou
que contribua demasiado na qualidade de sóli- livre)
dos totais (RICHTER e AZEVEDO NETTO, A maioria das águas naturais e dos esgotos
1991). Contudo é uma das determinações mais são tamponados por um sistema composto por
importantes no controle da água, estando rela- dióxido de carbono e bicarbonatos. O ácido
cionado com a coagulação, redução de dureza e carbônico não é totalmente neutralizado, a não
prevenção de corrosão nas canalizações de fer- ser que o pH seja igual ou superior a 8,2 e não
ro fundido da rede de distribuição ( CETESB, diminuirá o pH a valores abaixo de 4,5. Assim, a
1973). acidez devida ao dióxido de carbono está na

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faixa de pH 4,5 a 8,2 enquanto que a acidez em roupas e objetos de porcelana, e, em con-
causada por ácidos minerais fortes, quase sem- centrações superiores a 0,5 mg/l causam gosto
pre devida a esgotos industriais, ocorre geral- nas águas; sendo ainda prejudiciais nas águas
mente a pH abaixo de 4,5 (RICHTER e AZEVE- utilizadas por lavanderias e indústrias de bebi-
DO NETTO, op. cit.). das gaseificadas.
A acidez tem pequeno significado sanitário,
porém em muitos casos é necessária a adição de 5.4.5 - Cloretos, Sulfatos e
um alcalinizante para manter a estabilidade do
carbonato de cálcio e, assim evitar os proble- Sólidos Totais
mas de corrosão devido à presença do gás O conjunto de sais normalmente dissolvi-
carbônico. dos na água, formado pelos bicarbonatos,
cloretos sulfatos e em menor concentração ou-
tros sais, pode conferir à água sabor salino e
5.4.3 - Dureza uma propriedade laxativa.
É uma característica dada à água pela pre- Para FOSTER E GOMES (1989), o teor de
sença de íons metálicos, especialmente os de cloretos é um bom indicador de poluição por
cálcio e magnésio e, em menor grau, os íons esgotos domésticos nas águas naturais e é um
ferrosos e do estrôncio. A dureza é reconhecida auxiliar eficiente no estudo hidráulico de reato-
pela sua propriedade de impedir a formação de res como traçador. O limite máximo permitido pela
espuma como sabão. Além disso, produz portaria n.º 36 do Ministério da Saúde para con-
incrustações nos sistemas de água quente. sumo humano é de 250 mg/l em Cl.
As águas podem ser classificadas em ter- Concentrações de cloretos, mesmo superio-
mos de dureza, segundo CETESB (1973), em: res a 1.000 mg/l, não são prejudiciais ao homem, a
Moles menos que ele sofra de moléstia cardíaca. A res-
Dureza inferior a 50 mg/l em carbonato de trição à sua concentração é devido ao gosto que
cálcio, o sal confere à água, mesmo em teores da ordem
Dureza moderada de 100 mg/l (RICHTER e AZEVEDO NETTO).
Dureza entre 50 a 150 mg/l em carbonato de O íon sulfato, quando presente em grande
cálcio, concentração na água, além de outras proprie-
Duras dades laxativas mais acentuadas que outros sais,
Dureza entre 150 a 300 mg/l em carbonato de quando associado a íons de cálcio e magnésio,
cálcio, promove dureza permanente e pode ser um indi-
Muito duras cador de poluição de uma das fases da decom-
Dureza superior a 300 mg/l em carbonato de posição da matéria orgânica, no ciclo do enxo-
cálcio. fre. Numerosa carga residual industriais, como
as provenientes de curtumes, fábricas de papel
Do ponto de vista da saúde pública, não há e tecelagem, lançam sulfatos nos aqüíferos.
objeções ao consumo de águas duras, pelo con-
trário, alguns pesquisadores têm encontrado
uma correlação entre águas moles e certas do- 5.4.6 - Oxigênio
enças cardíacas, tendo sido verificado que há Dissolvido (OD)
um maior número de pessoas com problemas A determinação do teor de oxigênio dissol-
cardiovasculares em áreas de águas moles, do vido é um dos ensaios mais importantes no con-
que em áreas de águas duras (RICHTER e AZE- trole da qualidade da água (RICHTER e AZE-
VEDO NETTO, 1991). VEDO NETTO, 1991). A quantidade de oxigê-
O valor máximo permitido para a dureza das nio que a água pode conter é pequena, devido à
águas de abastecimento é de 100 a 500 mg/l em sua baixa solubilidade. Águas de superfícies re-
carbonato de cálcio, segundo APHA, AWWA lativamente límpidas apresentam-se saturadas
e WPCF (1989). de oxigênio dissolvido, porém este pode ser
rapidamente consumido, como por exemplo, pela
5.4.4 - Ferro e Manganês demanda de oxigênio de esgotos domésticos.
O ferro, muitas vezes associado ao Para CETESB (1973) a presença de oxigênio
manganês, confere à água um sabor amargo, na água, especialmente associado ao dióxido
adstringente e coloração amarela e turva, de- de carbono, constitui-se em um significativo fator
corrente da precipitação do mesmo quando oxi- a ser considerado na prevenção da corrosão de
dado. metais ferrosos.
A portaria n.º 36 de 19/01/90 do Ministério
da Saúde adota o limite de 0,3 mg/l para a con-
centração de ferro, juntamente com manganês, 5.4.7 - Demanda de Oxigênio
nas águas; contudo RICHTER e AZEVEDO A maioria dos compostos orgânicos são ins-
NETTO (op. cit.) sugerem concentrações inferi- táveis e podem, biológica ou quimicamente, re-
ores a 0,1 mg/l, devido a razões estéticas, pois sultarem em compostos finais, mais estáveis,
águas contendo sais de ferro causam nódoas como dióxido de carbônico e o nitrato.

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A matéria orgânica tem, assim, uma certa ne- nitrogênio amoniacal na água, isso significa que
cessidade de oxigênio, denominada demanda, existem matérias orgânicas ou esgoto em de-
que segundo RICHTER e AZEVEDO NETTO composição e que o ambiente é provavelmente
(op.cit.) pode ser: pobre em oxigênio.
1- Demanda bioquímica de oxigênio: é a me- A maioria do nitrogênio residual existente
dida de quantidade de oxigênio necessária ao no solo encontra-se sob forma de amônia a qual
metabolismo das bactérias aeróbias que decom- aglutina-se às partículas de solo, o nitrato po-
põem a matéria orgânica e rém é geralmente baixo devido à sua assimila-
2- Demanda química de oxigênio: a avalia- ção pelas plantas e lixiviação ao longo daquele.
ção da carga de poluição de esgotos domésti- A denitrificação que ocorre no subsolo, ge-
cos ou industriais em termos de quantidade de ralmente, não consegue remover todos os ni-
oxigênio necessário para a sua total oxidação, tratos que entram ou se formam no solo; assim,
em dióxido de carbono e água. todo o nitrogênio que não é assimilado pelas
plantas chega à água subterrânea na forma de
5.4.8 - Oxigênio Consumido nitrato.
Esta determinação permite avaliar a quanti- SINELLI (1991) salienta que a poluição das
dade de material redutor existente na água. A águas subterrâneas pelo nitrato é de interesse
grosso modo, pode-se admitir que fornece a especial da saúde pública. Nitratos em excesso
quantidade de matéria orgânica que se encon- podem causar na população infantil a
tra na água. methemoglobinemia e possivelmente podem
Para o Ministério da Saúde, portaria n.º 36 causar a formação de nitrosamine, cancerígeno
de 19/01/90, a quantidade máxima permitida nas no estomago.
águas tratadas para abastecimento público é de Ainda segundo, SINELLI (op. cit.), a polui-
2,5 a 0,2 mg/l, para fontes de 2,0 a 0,2 mg/l e ção por nitrato é o principal problema de quali-
poços de 3,5 a 0,2 mg/l. dade de água subterrânea em muitas áreas e em
Esta determinação é valiosa segundo muitos países.
CETESB (1973), porque não só os microrganis-
mos são representados pela matéria orgânica, 5.4.10 - Fosfatos
como também águas com oxigênio consumido Quase tudo o que foi mencionado sobre o
elevado, em geral, estão associadas a ferro re- nitrogênio aplica-se ao fosfato. Só que ele não
dutor. Neste estado, são límpidas e a filtração é retirado do ar. Para BRANCO (1992), ele pode
não retém este material, porém, à medida que ser gerado de adubos ou da decomposição de
percorrem a rede, em contato com o oxigênio, há materiais orgânicos e esgotos. Ele é ainda mais
uma oxidação do ferro, tornando-as coloridas e raro na água e nos solos, que o nitrogênio.
turvas. Estas águas quando usadas para lavar
roupas, podem manchá-las causando grandes 5.4.11 - Fenóis e Detergentes
transtornos. As águas, com oxigênio consumi- A sociedade moderna vem cada vez mais
do superior a 5 ppm, podem provocar este fenô- consumindo compostos fenólicos e detergen-
meno com grande intensidade. tes, que são lançados ao ambiente e que che-
gam ao meio hídrico.
5.4.9 - Nitrogênio O fenol é tóxico, mas muito antes de atingir
O nitrogênio é um dos elementos mais im- teores prejudiciais à saúde já constitui incon-
veniente para águas que tenham que ser sub-
portantes à vida mas, em geral, muito escasso
metidas ao tratamento pelo cloro, pois combina
nas águas. Suas fontes principais são: o ar (o
nitrogênio pode ser retirado do ar por algumas com o mesmo, provocando o aparecimento de
gosto e cheiro desagradáveis (RICHTER e AZE-
algas) os adubos (o NPK, muito usado na agri-
VEDO NETTO, op. cit.).
cultura, possui nitrogênio como principal ele-
mento químico) ou a matéria orgânica em de- Os detergentes, em mais de 75% dos casos,
são constituídos de sulfonatos de
composição (vegetais e esgotos), que totalizam
alquilabenzeno (ABS); são indestrutíveis natu-
cerca de 90% desse componente.
Para BRANCO (1992), o nitrogênio dos ve- ralmente, e, em grande concentrações podem
trazem conseqüências fisiológicas (CETESB,
getais, animais e esgotos passa por uma série
1973).
de transformações. Nos vegetais e animais, o
nitrogênio se encontra na forma orgânica. Ao
chegar à água, ele é rapidamente transformado 5.4.12 - Substâncias Tóxicas
em nitrogênio amoniacal. Este é posteriormente Arsênio - Muitos compostos de arsênio são
transformado em nitritos (ou nitrogênio nitroso) solúveis na água, podendo a sua ocorrência ser
e estes, finalmente, em nitratos (ou nitrogênio natural. Entretanto, são particularmente impor-
nítrico). Essas duas últimas transformações só tantes como fontes potenciais de poluição, pelo
ocorrem em águas que contenham bastante oxi- arsênio, certos inseticidas, banhos carrapa-
gênio dissolvido. Assim, se for encontrado muito ticidas, mata-hervas, processamento de mine-

22 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


rais, fabricação de tintas e de produtos quími- Selênio – Também é um componente
cos, de vidro e de corante e resíduos de curtumes. inorgânico não metálico que apresenta algumas
É um componente inorgânico considerado tóxi- propriedades geoquímicas semelhantes ao en-
co para o homem, que pode entretanto ingerir xofre, afeta a saúde e pode ser encontrado natu-
diariamente, com segurança, até cerca de 0,4 li- ralmente nas águas, ou resultado de lançamen-
tros de água contendo 20mg/l de arsênio, du- to de despejos industriais.
rante tempo limitado. A utilização prolongada Para RICHTER e AZEVEDO (1990), o selênio
de água contendo mais de 0,2 mg/l pode ocasi- é tóxico para o homem, embora não sejam co-
onar efeitos tóxicos, após 2 anos. O Ministério nhecidos os sintomas, admitindo-se que o seu
da Saúde- MS, portaria n.º 36 de 19/01/90, esti- efeito seja semelhante ao do arsênio. Contudo,
pulou o valor máximo permissível de arsênio para RONDÓ Jr. (1993) salienta que embora seja en-
água potável em 0.05 mg/l; contrado em pequena quantidade na natureza,
Cromo hexavalente - Os compostos de cro- recentemente é reconhecido como um dos “mi-
mo hexavalente são os cromatos e os bicromatos. nerais-traços essenciais”, isto é, são elementos
Transformam-se em compostos de cromo sem os quais não há desenvolvimento normal
trivalente pelo calor, pela ação da matéria orgâ- dos seres vivos.
nica ou por agentes redutores (RICHTER e AZE- SINELLI (1991) salienta que estudos experi-
VEDO, op. cit. ). mentais, efetuados por MORAN (1976), indica-
Os cromatos e bicromatos de sódio, potás- ram que as concentrações de selênio nas águas
sio e de amônio são solúveis. São usados para subterrâneas são controladas pela adsorção
cromação, anodização de alumínio, fabricação pelicular ou através de partículas coloidais de
de tintas, corantes, explosivos, materiais óxidos de ferro hidratado
cerâmicos, papéis e outras substâncias, e, es- O Ministério da Saúde estabelece como va-
tão presentes nas águas residuárias dessas in- lor máximo permitido de 0,01 mg/l para águas
dústrias. potáveis, Tab. 04.
Os sais de cromo hexavalente são conside-
rados irritantes, porém a concentração máxima 5.4.13 - Pesticidas
não prejudicial ao organismo humano não está Os pesticidas são, de um modo geral, subs-
bem determinada. Contudo, o Ministério da Saú- tâncias orgânicas sintéticas, extremamente tó-
de, portaria n.º 36, estabelece como valor máxi- xicas, usadas para destruir, repelir ou contro-
mo permitido para água potável 0,05 mg/l de cro- lar insetos e pragas indesejáveis à
mo total. agropecuária. De acordo com a sua atividade
Cobre – É um componente que afeta a qua- biológica podem ser classificados em inseti-
lidade organoléptica da água. Sais de cobre cidas, algicidas, fungicidas e herbicidas
ocorrem em águas naturais. A presença de co- (CETESB, 1973).
bre em teores mais pronunciados decorrem da Para PÁDUA (1997), alguns pesticidas
corrosão de tubulações, de efluentes industri- organoclorados são considerados especialmen-
ais e do emprego de seus compostos para o te perigosos devido à sua persistência e acu-
controle da plâncton indesejável. Para PÁDUA mulação em organismos aquáticos; estes com-
(1997), o cobre é um metal traço em seu estado postos, incluindo alguns de seus metabólitos,
puro, apresenta pouco risco à saúde, e, seus são diretamente tóxicos e seu acúmulo em siste-
íons metálicos desempenham importante fun- mas aquáticos representam um perigo real e po-
ção nos organismos, sendo tido como “essen- tencial para os seres vivos.
cial”. Porém, ultrapassada a concentração limite A Tab. 04 estabelece os valores máximos
torna-se prejudicial, trazendo danos ao desen- permitidos desses componentes para abasteci-
volvimento e até a morte dos organismos. O Mi- mento humano de água.
nistério da Saúde estabelece como máximo per-
mitido para água potável 1,0 mg/l.
Chumbo – É um componente inorgânico que 5.5 - Características
afeta à saúde humana, sendo cumulativo no or- Biológicas das Águas
ganismo, pode causar o envenenamento Os organismos presentes nas águas consti-
(saturnismo). Para PÁDUA (1097), o chumbo tuem-se impurezas e conforme sua natureza e
não apresenta função biológica, entretanto pode concentrações têm grande significado para os
ocasionar problemas diversos, principalmente sistemas de abastecimento de água.
quando na forma de complexos orgânicos, é Alguns desses organismos, como certas
caracterizado como não “essencial”, visto não bactérias, vírus e protozoários, são patogênicos,
se conhecer dele, qualquer atividade funcional podendo provocar doenças e ser a causa de
no metabolismo dos organismos. epidemias (SOUNIS, 1985).
Os padrões americanos limitam o teor desse As características biológicas das águas são
elemento em 0,1 mg/l, sendo o limite estabeleci- determinadas através de exames bacteiológicos
do pelo Ministério da Saúde mais rigoroso, per- e hidrobiológicos, sendo as principais colônias
mitindo, no máximo, apenas 0,05 mg/l. de bactérias, as do grupo coliformes.

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


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5.5.1 - Contagem do Número Outra pesquisa recomendada é a Contagem
de Bactérias Heterotróficas (“Pour Plate
Total de Bactérias Method”): contagem de Unidades Formadoras
A contagem do número total de bactérias de Colônias (UFC), obtida por semeadura, em
existente numa amostra de água é efetuado atra- placa, de 1 (um) ml de amostra e de suas dilui-
vés da utilização de técnicas adequadas, sendo ções (de modo a permitir a contagem mínima
o seu resultado obtido em número de bactérias estabelecida no padrão bacteriológico, por in-
por centímetro cúbico ou mililitro. corporação em agar padrão “Plate Count Agar”-
Para RICHTER e AZEVEDO NETTO (1991), para contagem), com incubação a 35.º C mais ou
um número elevado de bactérias não é obriga- menos 0,5 por 48 horas.
toriamente indicativo de poluição; variações As normas e padrão da potabilidade de água
bruscas nos resultados dos exames podem ser destinada ao consumo humano, estabelecidas
interpretadas como poluição. Águas pouco po- pela portaria n.º 36 do Ministério da Saúde (1990),
luídas geralmente apresentam resultados expres- regulamenta que os valores máximos permiti-
sos por números baixos. dos para os exames bacteriológicos devam aten-
A simples contagem do número total de bac- der às seguintes características de qualidade:
térias, de forma geral, é menos importante que a a) Ausência de coliformes fecais em 100 ml
pesquisa de coliformes; contudo, se a Conta- de amostra de água;
gem Padrão de Bactérias Heterotróficas for su- b) Ausência de bactéria do grupo coliformes
perior a 5,0 x 102 UFC/ml, esta água tornar-se-á totais em 100 ml quando a amostra é coletada
não potável, pois ultrapassará o limite estipula- na entrada da rede de distribuição;
do pelo Ministério da Saúde, conforme portaria c) Nas amostras procedentes da rede de dis-
anteriormente citada. tribuição, 95% deverão apresentar ausência de
coliformes totais em 100 ml. Nos 5% das amos-
5.5.2 - Pesquisa de Coliformes tras restantes, serão toleradas até 3 coliformes
Os coliformes são bactérias que normalmente totais em 100 ml, desde que isso não ocorra em
habitam os intestinos dos animais superiores. duas amostras consecutivas, coletadas suces-
A sua presença, CETESB (1973), indica a possi- sivamente no mesmo ponto;
bilidade de contaminação da água por esgotos d) Nos sistemas de distribuição de água sem
domésticos. Contudo, nem toda água que con- tratamento, 98% das amostras deverão apresen-
tenha coliformes é contaminada e, como tal, po- tar ausência de coliformes totais em 100 ml. Nos
dem veicular doenças de transmissão hídrica. 2% das amostras restantes serão toleradas até
Segundo o Ministério da Saúde (1990), o 2,0 x 10 coliformes em 100 ml desde que isso não
grupo coliformes abrange todos os bacilos gram- ocorra em duas amostras consecutivas,
negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, coletadas sucessivamente no mesmo ponto;
não formadores de esporos, oxidase-negativos, e) Em água não canalizada usada
capazes de crescer na presença de sais biliares comunitáriamente e sem tratamento (poços, fon-
ou outros compostos ativos de superfície tes, nascentes, etc.), desde que não haja dispo-
(surfactantes) com propriedades similares de ini- nibilidade de água de melhor qualidade, 95%
bição de crescimento e que fermetam a lactose das amostras devem apresentar ausência de
com produção de aldeído, ácido e gás a 35.º C, coliformes totais em 100 ml. Nos 5% das amos-
em 24 - 48 horas. Quanto às técnicas de detecção, tras restantes serão toleradas até 10 coliformes
considera-se do Grupo Coliformes aqueles or- totais em 100 ml, desde que isso não ocorra em
ganismos que na técnica dos tubos múltiplos duas amostras consecutivas, coletadas suces-
(ensaios presuntivo e confirmatório) fermenta a sivamente no mesmo ponto. Neste caso, deve-
lactose, com produção de gás, a 35.º C; no caso se providenciar a melhoria dessa condição ou a
da técnica da menbrana filtrante, aqueles que utilização de água que apresente melhor quali-
produzem dade bacteriológica, acompanhada por inspe-
colônias escuras com brilho metálico, a 35.º ções sanitárias freqüentes e coleta de dados
C
, em meios de cultura do tipo Endo, no prazo epidemiológicos;
máximo de 24 horas. f) O volume mínimo de amostras a ser anali-
O número de coliformes é expresso pelo nú- sado é de 100 ml. No caso da técnica dos tubos
mero mais provável (NMP); representa a quan- múltiplos, quando não houver possibilidade de
tidade mais provável de coliformes existentes analisar os 100 ml, permite-se análise de 5 por-
em 100 ml de água da amostra. ções de 10 ml (50 ml);
Os coliformes podem ser divididos em 2 g) Quando forem obtidos resultados desfa-
subgrupos, o primeiro abrange os Coliformes voráveis, pelo teste P/A (presença/ausência),
Fecais ou Coliformes Termotolerantes, são as duas novas amostras deverão ser coletadas nos
bactérias do grupo coliformes que apresentam mesmos pontos, em dias imediatamente conse-
as características do grupo, porém à temperatu- cutivos, para exame quantitativo, quer pela téc-
ra de incubação de 44,5.º C, mais ou menos 0,2.º nica de tubos múltiplos ou de membrana
C
por 24 horas. filtrante, visando a tender os itens anteriores

24 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


no referente a percentagem de amostras onde i) Para avaliar as condições sanitárias dos
se considera o limite máximo tolerado de sistemas de abastecimento público de água, é
coliformes totais; recomendado que, em 20% das amostras anali-
h) Em qualquer dos casos acima descritos, sadas por mês, semestre ou ano, seja efetuada a
quando forem obtidos resultados desfavorá- contagem de bactérias heterotróficas, que não
veis, novas amostras deverão ser coletadas nos poderão exceder a 500 Unidades Formadoras de
mesmos pontos em dias imediatamente suces- Colônias (UFC) por ml. Se ocorrer número supe-
sivos, até que duas amostras consecutivas re- rior ao recomendado, deverá ser providenciada
velem qualidade satisfatória, em função das imediata recoleta e inspeção local. Confirmada
providências adotadas. Essas amostras, con- e/ou constatada irregularidade, deverão ser to-
sideradas extras, não serão computadas no madas providências para sua correção. A técni-
número mínimo de amostras estabelecidas nas ca do espalhamento em placa (“Spread Plate
Tab. 08, 09 e 10; Method”) também poderá ser adotada.

Tabela 08 - Número Mínimo de Amostras para Análise das Características de Qualidade


Físicas, Organilépticas e Químicas das Águas de Abastecimento Público
Entrada do Rede de Redistribuição
Sistema de Número Mínimo de Amostras
Distribuição
População
Abastecida ************* Até 50.000 50.001 a 250.000 Acima de
(hab.) 250.000
Numero de 1 para cada 4 + (1 p/ cada
Amostras 1 1 50.000 250.000)
Fonte: Portaria Ministério da Saúde (1990)

6 - FREQÜÊNCIA MÍNIMA DE AMOSTRAGEM PARA


ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DE QUALIDADE
FÍSICAS, ORGANOLÉPTICAS E QUÍMICAS DAS ÁGUAS
DE ABASTECIMENTO PÚBLICO
A portaria n.º 36 do MS de 19/01/90 estabe- cas físicas, químicas, organolépticas e bacterio-
lece em suas normas a freqüência mínima de lógicas, as quais serão apresentadas nas tabe-
amostras de água para análise das característi- las a seguir:

Tabela 09 - Frequência Mínima de Amostragem das Características Físicas e


Organolépticas da Água de Abastecimento Público
Entrada do Sistema Rede de Redistribuição
Número Mínimo de Amostras
População
Abastecida (hab.) ************* Até 50.000 50.001 a 250.000 Acima de 250.000
Cor Aparente Diária Mensal Mensal Mensal
Turbidez Diária Mensal Mensal Mensal
Sabor Diária Mensal Mensal Mensal
Odor Diária Mensal Mensal Mensal
PH Diária Mensal Mensal Mensal
Fonte: Ministério da Saúde (1990)

Tabela 10 - Frequência Mínima de Amostragem das Características Químicas


Entrada do Sistema Rede de Redistribuição

Número Mínimo de Amostras


População Abastecida (hab.)
************* Até 50.000 50.001 a Acima de 250.000
250.000
a)Componentes Inorgânicos que afetam a Saúde
Cadmio Semestral Semestral Semestral Semestral
Chumbo Semestral Semestral Semestral Semestral
Cloro Residual Diário (*) (*) (*)
Cromo Total Semestral Semestral Semestral Semestral
Fluoreto Diário(**) Mensal(** Mensal(**) Mensal(**)
Arsênio Semestral ) (***) (***)
Bario Semestral (***) (***) (***)
Cianetos Semestral (***) (***) (***)
Mercúrio Semestral (***) (***) (***)
Nitratos Semestral (***) (***) (***)
Prata Semestral (***) (***) (***)
Selênio Semestral (***) (***) (***)
(***)

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


25
b)Componentes Orgânicos que afetam a Saúde
Trihalometanos Mensal Semestral Semestral Semestral
Aldrin e Dieldrin Semestral (***) (***) (***)
Benzeno Semestral (***) (***) (***)
Benzeno /Pireno Semestral (***) (***) (***)
Clorordano (Total
Isomeros) Semestral (***) (***) (***)
DDT Semestral (***) (***) (***)
Endrin Semestral (***) (***) (***)
Heptacloro e Hept.
Epoxido Semestral (***) (***) (***)
Hexaclorobenzeno Semestral (***) (***) (***)
Lindano (gama HGH) Semestral (***) (***) (***)
Metoxicloro Semestral (***) (***) (***)
Pentaclorofenol Semestral (***) (***) (***)
Tetracloreto de Carbono Semestral (***) (***) (***)
Tetracloroeteno Semestral (***) (***) (***)
1,1-Dicloroeteno Semestral (***) (***) (***)
1,1-Dicloroetano Semestral (***) (***) (***)
2,4-D Semestral (***) (***) (***)
2,4,6-Triclorofenol Semestral (***) (***) (***)
c)Componentes que afetam a Qualidade
Organoléptica Mensal Semestral Semestral Semestral
Alumínio Mensal Semestral Semestral Semestral
Ferro Total Semestral (***) (***) (***)
Manganês Semestral (***) (***) (***)
Agentes Tenso-Ativos Semestral (***) (***) (***)
Cloretos Semestral (***) (***) (***)
Cobre Semestral (***) (***) (***)
Dureza Total Semestral (***) (***) (***)
Sólidos Totais Dissolvidos Semestral (***) (***) (***)
Sulfatos Semestral (***) (***) (***)
Zinco
Fonte: Portaria n.º 36 do MS de 19/01/90

1) *) Coleta de amostras não obrigatória;


2) Na determinação do número de amostras, toda fração decimal deverá ser aproximada para o número inteiro
imediatamente mais próximo;
3) (*) Analisar o cloro residual em todas as amostras coletadas para análise bacteriológica;
4) (**) Se houver fluoretação artificial. Quanto fluoreto natural no manancial, a amostra deverá ser semestral
apenas na entrada do Sistema de Distribuição e
5) As amostras devem ser representativas da rede de distribuição, independente de quantas unidades de produção
alimentem.

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28 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 7-28, jan./jun., 1999


Os contestadores: Decorrência
da instabilidade social, bandidos
ou revolucionários
Andréa Silva Domingues*

Nunca duvide da capacidade de um pequeno


grupo de dedicados cidadãos para mudar os rumos do planeta.
Na verdade, eles são a única esperança de que isso possa ocorrer.
Margareth Mead

Permite a justiça federal, nas leis Os bandidos podem ser considerados


criminais que atuam em diversos países onde rurais, camponeses, submundos (ciganos)
cito Brasil e México, é considerado bandido e sociais, neste trabalho aborda-se o último
um indivíduo integrante de um grupo que rou- caso , do qual são os bandidos que tem um
ba e age com violência. tipo de protesto social e rebelião campone-
Com a análise dos documentos utiliza- sa, porém onde todos os outros estão liga-
dos para este trabalho verifica-se que na dos á estes.
maioria das vezes os bandidos ou revoluci- Para realizar uma relação de bandido /
onários são considerados proscritos rurais, revolucionário; precisa-se entender as di-
que são encarados como criminosos, porém ferentes visões de uma revolução, onde há
a justificativa da origem destes onde Eric diversos contrastes.
Hobsbawm1 evidencia muito bem dizendo Na concepção progressista2 as gran-
que “...o banditismo surge não somente pela des revoluções sociais políticas são decor-
fome, miséria mas também por uma desa- rência do progresso da humanidade que sur-
gregação de toda uma sociedade a ascen- ge em direção de liberdade, autonomia har-
são de novas classes ou comunidades intei- monia social e igualdade.
ras”. No conservadorismo3 as revoluções são
Através dos filmes analisados percebe- explorações de emoções populares,
se que em diversas vezes a sociedade vê o semibárbaras, incontroladas e destrutivas.
banditismo como uma questão de heroísmo, Na concepção científica positivista, re-
ou seja indivíduos vingadores em busca de volução são todas as transformações súbi-
justiça, como exemplo tomemos Hobin Hood tas, radicais e mais ou menos violentas no
( Alemanha ), Lampião ( Nordeste), Silvino sistema de governo.
Jacques ( Centro Oeste ), Emiliano Zapata Com isso verifica-se a influência do re-
( Sul do México ), onde a história mostra a volucionário dentro de uma sociedade, onde
ação de determinadas sociedades, inclusive o qual este pode quebrar o eixo histórico,
camponesas que protegia os considerados acumulando mudanças quantitativas até
bandidos. chegar a Alteração qualitativa percebe-se
O surgimento do banditismo é um fenô- então que um bandido social pode-se tor-
meno que surge das inquietações de um Ho- nar um revolucionário, pois com o
*
Graduanda do 4º Ano do mem inserido em um determinado grupo, e banditismo pode crescer grupos e mudar
Curso de História no decorrer do processo histórico muitos des- efetivamente algo.
Licenciatura Plena tes basearam-se na questão de terras tor- Há diferentes leituras do processo re-
DHI/CEUA/UFMS
nando-se contestadores em decorrência da volucionário onde é essencial ver a mar-
instabilidade social que gera época de po- gem móvel da sociedade, para entender os
1
breza. movimentos sociais existentes, que partirão
HOBSBAWM, E. J. O considerado bandido vive fugindo da em decorrência de insatisfações da instabi-
Bandidos. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, ação da justiça e este diferencia-se de re- lidade social.
1976. p. 147. gião para região, modificando-se conforme Entende-se então que as revoluções pos-
2
Tomar como exemplo a ordem temporal e espacial. Normalmente suem um caráter ocasionado por necessi-
neste caso de progressista o banditismo não constituí um programa po- dades econômicas, onde as forças produti-
Lênin lítico social para a organização da socieda- vas da sociedade em certo estágio de seu
3
Tomar conto exemplo F, de, porta-se como uma auto-ajuda sendo desenvolvimento entra em conflito com as
Nietzsche ativistas e não ideólogos - líderes. relações de propriedade, e com a estrutura

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 29-30, jan./jun., 1999


29
política social em vigor, e quando esta es- ponesas, trabalhadoras, é a atribuição do ter-
trutura toma-se um obstáculo a produção mo bandido aos líderes, que são as leis ga-
inicia-se a revolução social, onde as clas- rantidas judicialmente, oprimindo qualquer ci-
ses dominantes não podem ser exploradas dadão que se oponha ao sistema vigente e
e a classe oprimida não quer continuar sen- como exemplo analisa-se Emiliano Zapata
do explorada, conduzindo-se então para re- que não liderou o movimento pela fome ou
voluções no qual Marx4 aborda como a lo- pela miséria, pois suas condições de vida eram
comotiva da história. bem diferentes dos outros camponeses da
aldeia, baseou-se na questão das terras tor-
CONCLUSÃO nando-se um dos contestadores do México;
A história da revolução mexicana é porém para entendermos qualquer processo
considerada atualmente um dos marcos revolucionário temos que observar a mar-
dos movimentos sociais na América Lati- gem móvel da sociedade, as diferentes lei-
na. A luta pela reforma agrária mexicana, turas que se dá, dos fatos.
que nasce das diferenças sociais, emotiva Através da comunicação visual pode-
os camponeses à agirem, buscarem sua se ter uma fonte primária (filme - lingua-
identidade em grupos guerrilheiros passan- gem), pois o simbolismo contido na imagem
do por todas as fases do movimento soci- possibilita leituras diversificadas do processo
al: a agitação, inquietação, excitação, histórico, onde também poderá verificar a
formalização e institucionalização, atrain- origem dos contestadores que são decor-
do o público como seguidores, originando rência da instabilidade social, originando os
diversos p1anos de luta. bandidos sociais que podem tornar-se re-
No movimento revolucionário , uma for- volucionários causando uma mudança
ma que se usa para bloquear as lutas cam- conjuntural.

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4
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struggles em Frace,
1848/1850.

30 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 29-30, jan./jun., 1999


A Indústria no
Mato Grosso do Sul
Paulo Roberto Joia *

INTRODUÇÃO nos locais. Em segundo plano se destaca-


A atividade industrial, até recentemen- vam os setores madeireiro, do qual 90% era
te, não tem manifestado um peso significati- composto por serrarias, aproveitando os re-
vo na estrutura econômica de Mato Grosso cursos florestais nativos no sul do Estado, e
do Sul. Isto porque a industrialização é um de transformação de minerais não-metálicos
fenômeno recente na economia do Estado. (materiais para construção, inclusive cimen-
O setor industrial passou a ganhar destaque to). Em conjunto estes três setores repre-
a partir da década de 1980, quando grandes sentavam 90% do VPI do Estado.
grupos industriais nacionais decidiram insta- De um modo geral, os estabelecimen-
lar unidades de transformação das matéri- tos industriais eram pequenos (em 1970,
as-primas da região. Rompia-se, assim, com 72% deles possuiam menos de cinco em-
a base industrial pré-existente, caracteriza- pregados), muitos dos quais eram organi-
da por estabelecimentos locais que realiza- zações familiares que não possuiam estru-
vam o beneficiamento dos recursos naturais tura técnica e econômica eficientes.
e agropecuários existentes no Estado. O setor industrial permanecia concen-
Esta transformação estrutural que a in- trado e pouco diversificado, tanto no que se
dustrialização sofreu, se fez sentir na mu- refere aos gêneros industriais quanto à lo-
dança do papel de Mato Grosso do Sul no calização geográfica. Apenas a cidade de
cenário econômico brasileiro. Mesmo as- Corumbá e Campo Grande se destacavam
sim, o Estado possui pouca participação no como centros industriais do Estado.
conjunto industrial do pais, contribuindo com Corumbá sobressaia como centro de
0,22% do valor da transformação industrial entreposto e de beneficiamento dos recur-
(VTI) Nacional, em 1985. sos minerais e vegetais e dos produtos da
agropecuária do Pantanal, dos quais boa
ANTECEDENTES parte se voltavam para a exportação para
os países vizinhos. Por exemplo, encontra-
Até a década de 1970, Mato Grosso do
Sul se via pouco preparado para promover vam-se instaladas na cidade a Sociedade
Brasileira de Siderurgia (1945), o cimento
a industrialização, especialmente pela ca-
rência de infra-estrutura (energia, transporte Itaú S/A (1955) e o Moinho Matogrossense
e armazenamento) pela fraqueza do mer- S/A (1952). Campo Grande se destacava
cado doméstico e pela pouca dinamização como centro de beneficiamento de produ-
do setor agropecuário regional. Esta situa- tos agropecuários para abastecimento do
ção acarretava uma elevação dos custos mercado regional e exportação para São
de produção para a indústria local, Paulo. Destacavam-se, entre outros esta-
inviabilizando-se como um espaço de reser- belecimentos, o Frigorífico Bordon [1963 ex
va para futura incorporação à expansão ca- Frima (1950) e atualmente Swift Armour
S/A], o Frigorífico Matel (1965) e o Frigo-
pitalista nacional e internacional.
O gênero industrial que mais se desta- rífico Campo Grande (1966). Outros cen-
tros de menor importância eram Dourados
cava era o de Produtos Alimentares, repre-
sentando, em 1970, 60% do valor da produ- e Três Lagoas.
ção industrial (VPI) do Estado. Uma grande
parte da produção industrial de alimentos era A FASE DO ARRANQUE
exportada para outros Estados, em forma de A partir de 1970, o Governo Federal ini-
*
Professor do DGC/CEUA/ produtos semi-elaborados, a outra parte era cia uma série de programas de desenvolvi-
UFMS - Mestre em reservada para a produção de artigos pri- mento regional, incluídos nos PND’S (Pla-
Geografia mários para o consumo nos mercados urba- nos Nacionais de Desenvolvimento), visando

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 31-35, jan./jun., 1999


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aparelhar as regiões periféricas para a ex- Isto vem mostrar que o aumento do pro-
pansão da fronteira econômica e integrar es- duto interno bruto não se deu tanto pela ex-
sas áreas ao Sudeste do país. Assim, desen- pansão de pequenos estabelecimentos in-
cadeia-se uma política de ocupação e dustriais (em 1985, 48% deles tinham menos
integração, especialmente com melhorias na de 5 empregados) ligados ao processo de
infra-estrutura e incentivos fiscais para as produção tradicional, mas, ao contrário, pela
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. participação de médias e grandes em-
Mato Grosso do Sul é contemplado com os presas, algumas com tecnologia moderna,
programas PRODEGRAN (Programa de que contribuíram com a elevação do valor
Desenvolvimento da Região da Grande Dou- da produção industrial.
rados) POLOCENTRO (Programa de De- Dentre as muitas empresas que têm se
senvolvimento dos Cerrados)e PRODEPAN destacado em Mato Grosso do Sul, citamos
(Programa de Desenvolvimento do Pantanal), como exemplo a CEVAL. A empresa per-
todos sob a coordenadoria da SUDECO. Es- tence ao grupo catarinense Hering e está
tes Programas se voltaram basicamente para atuando no Estado desde a década de 1970
o setores agropecuários e madeireiro. na comercialização e armazenamento da
Consequentemente, essas ações empre- soja e do milho, possuindo uma rede de si-
endidas pelo Governo Federal tornaram o es- los espalhados pelo território.
paço regional cada vez mais valorizado pelo Nos anos 80 a empresa instala uma uni-
capital. As culturas de soja, milho e cana de dade industrial para o esmagamento da soja
açúcar foram incentivadas e expandiram pelo localizada em Campo Grande, produzindo
território. As pastagens foram melhoradas, farelo de soja e óleo refinado.
como também o rebanho bovino teve cresci- Nos anos 90 instala uma outra unidade in-
mento extraordinário. E, mais de 450 mil ha dustrial em Dourados para o abate de suínos.
foram ocupados por reflorestamento, forman- Em 1995 a empresa adquiriu a Agroeliane,
do hoje o “maciço florestal” do Estado no mu- com sua unidade instalada no município de
nicípio de Ribas do Rio Pardo. De maneira Sidrolândia, atuando no abate de aves (50 mil
geral, esta expansão da agricultura e da pe- aves/dia) e na fabricação de ração.
cuária servia de base para a sustentação de Ao todo a empresa emprega mais de
uma nova fase de industrialização que estaria 10 mil funcionários no Brasil, espalhados
começando a se firmar no Estado. por quase 100 municípios.
Nesse período vários grupos empresari- Em 1994 a empresa faturou 2.144 milhões
ais ligados aos ramos de Frigoríficos, Destila- de dólares, sendo 960 milhões com exporta-
ria de Álcool, Laticínios e Esmagamento de ções e 1.184 milhões com a comercialização
Soja decidiram instalar unidades industriais em no mercado interno, principalmente com os pro-
vários centros urbanos espalhados pelo terri- dutos da soja (óleo refinado SOYA e VILLE e
tório. Estas novas localizações configurariam as margarinas BONNA e ALL DAY), deri-
uma tendência a dispersão dos estabelecimen- vados de carne (produtos SEARA) e do milho
tos industriais para as novas áreas de produ- (óleo refinado MILLETO).
ção agrícola e da pecuária e para os merca- Em Mato Grosso do Sul a empresa vem
dos urbanos regionais em expansão, especi- ocupando os primeiros lugares na arreca-
almente Campo Grande e Dourados. dação de ICMS, desde 1989.
Apesar do número de estabelecimentos Essa nova arrancada da industrialização
industriais ter diminuído no período de 1980 contou com a participação do Governo Es-
a 1990, comparado com o crescimento de tadual através do Programa de Desenvolvi-
60% na década de 1970, a participação do mento industrial (1983-86), concedendo in-
setor industrial na arrecadação de ICM do centivos fiscais (prorrogados até 1994) com
Estado passou de 10% em 1980 para 20% insenção de 65% do ICMS para novas ins-
em 1990. (Quadro 1). talações industriais ou para ampliação das

Quadro 1 - Evolução do setor industrial no MS, quanto ao nº de estabelecimentos e arrecadação


de ICM.
ANO nº de estabelecimentos Participação do setor
na arrecadação do
ICM
1980 2671* 10,0
1985 2309* 13,0
1987 2983 17,0
1990 2342 20,0
Fonte: Secretaria da Fazenda/MS. * Dados do IBGE.

32 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 31-35, jan./jun., 1999


unidades existentes. Também foram aber- Aero Rancho, numa área de 2.240 m2. o mini
tos créditos para investimento nas indústrias DI é composto de 60 lotes destinados a pe-
comunitárias produtoras e atividades quena empresas. Além desse, encontra-se im-
artesanais), oferecendo empréstimos com plantado o DI localizado às margens da Br
juros de 5,1% ao ano e 60% de correção 262, em Indubrasil, com 15 indústrias instala-
monetária. Por outro lado, o Governo Esta- das. Em Dourados, o DI está em fase de im-
dual, através da SEPLAN, elaborou um es- plantação, com 4.000 m2 repartidos em 255
tudo sobre a regionalização da indústria com lotes. Os outros dois DI’s, o de Três Lagoas e
base nas potencialidades dos municípios, o de Ladário, estão sob administração muni-
objetivando apresentar aos investidores al- cipal. Em Três Lagoas, o DI está semi-im-
guns setores mais vantajosos para o desen- plantado numa área de 4.550 mil m2, com cinco
volvimento regional da indústria. indústrias implantadas. Em Ladário, o DI está
Aumentos significativos têm sido regis- em fase de implantação com 4.000 m2. Para
trados na capacidade de armazenagem, na Corumbá, planeja-se a instalação do Pólo
extensão da rede rodoviária pavimentada e Mínero-Siderúrgico, com 250 ha, próximo à
na disponibilidade de energia, representan- estação ferroviária, destinado ao proces-
do os investimentos do Estado no aparelha- samento dos minerais.
mento do território com infra estrutura para Esboça-se assim, uma tendência para
o setor industrial. (Quadro 2). dinamizar as indústrias nos principais cen-
Quadro 2 - Evolução da infra-estrutura territorial do Estado
Tipo de infra estrutura
Extensão da rede Capacidade de Disponibilidade de
ANO rodoviária Armazenagem energia
pavimentada (t) (mwh)
(km)
1980 1.618 697.392
1984 1.077.779
1986 4.154 1.339.746
1987 2.161.697
1991 3.882.133 1.959.953
1995 4.964
Fonte: Anuário Estatístico de MS.
Um outro empreendimento do Governo tros urbanos do Estado, reforçando o con-
do Estado que merece ser lembrado é a cria- ceito de pólo de desenvolvimento, bastante
ção dos Distritos Industriais (DI’s). Foram cri- empregado na esfera governamental. Pre-
ados 5 DI’s em quatro cidades prometedo- tende-se, portanto, que estas indústrias re-
ras. Dois em Campo Grande e um em Dou- alizem seus efeitos de atração sobre outras
rados, estando estes três sob a administração unidades, promovendo a expansão dos par-
da CODESUL (Companhia de Desenvolvi- ques industriais locais.
mento de Mato Grosso do Sul). Em Campo O quadro 3 mostra os municípios que
Grande está semi-implantado o mini DI do mais se destacam quanto ao número de es-
Quadro 3 - Principais municípios industriais do Estado, quanto ao número de estabelecimentos e
gêneros industriais (1987 - 1994)
Nº de estabelecimentos Principais gêneros industriais
Municípios 1987 1994
Campo Grande 796 737 Produtos alimentares, madeira,
metalúrgica, vestuário, gráfica e diversos
Dourados 198 293 Produtos alimentares, madeira,
metalúrgica, vestuário, gráfica, min.-não-
metál. e diversos
Ponta Porã 126 79 Produtos alimentares, madeira e gráfica
Três Lagoas 106 119 Produtos alimentares e minierais-não-
metálicos
Paranaíba 110 85 Produtos alimentares
Corumbá 95 59 Produtos alimentares, madeira e minerais-
não-metálicos
Total do Estado 2.983 2.880 Produtos alimentares, madeira e minerais-
não-metálicos
Fonte: Anuário Estatístico de MS (1988/1989,1991/94)
Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 31-35, jan./jun., 1999
33
tabelecimentos industriais e com seus prin- ano (a maioria instalada a partir de 1985),
cipais gêneros. produzindo 360 mil toneladas de óleo bru-
O quadro 4 apresenta a evolução dos to, 10l mil toneladas de óleo refinado, 280
principais gêneros industriais do Mato mil toneladas de farelo e 10 mil toneladas
Grosso do Sul no período de 1988 a 1994. de resíduo de soja;
Duas observações merecem ser destaca- - Cana-de-açúcar: 11 destilarias com
das. A primeira diz respeito à queda capacidade de produção de 350 milhões
relativa do gênero madeira, em termos de de litros de álcool carburante e 934 mil
número de estabelecimentos. As indústrias sacos de açúcar (46.707 t);
madeireiras que floresceram no Estado nos - Trigo: 2 moinho para fabricação de
anos 1960 e 1970 passaram a enfrentar farinha, com capacidade de produção de
problema com o fornecimento da matéria- 60 mil toneladas por ano cada, um em
prima, devido a destruição das matas Campo Grande e outro em Nova Alvora-
nativas, inviabilizando a sua produção local. da do Sul; em estudos mais 2 moinhos, um
A Segunda representa a ascensão relativa em São Gabriel do Oeste e outro em Pon-
de outros gêneros industriais, como por ta Porã, com capacidade de 42 mil tonela-
exemplo, aqueles ligados ao meio urbano: das por ano cada;
Gêneros Editorial e gráfica, Mobiliário, Ves- D - MADEIRA:
tuário e Diversas. Isto representa uma - Maciço florestal: com 200 mil ha,
diversificação do parque industrial instala- atualmente: projeto de Champion Papel e
do, apesar de se dirigir para indústrias de Celulose de instalação de uma unidade em
baixo valor de transformação.
Quadro 4 - Principais Gêneros Industriais de Mato Grosso do Sul
% sobre o total de Estabelecimento do
Gêneros Estado
1988 1994
Minerais-não-metálicos 14,9 12,4
Madeira 27,6 11,7
Produtos Alimentares 29,9 26,7
SUB TOTAL 72,4 50,8
Outros 27,6 49,2
TOTAL 100,0 100,0
Fonte: SEPLAN/MS

A FASE ATUAL Três Lagoas para produção de 400 mil to-


A partir da década de 1980, foram evi- neladas de celulose e 300 mil toneladas de
denciadas as especializações industriais do papel;
Estado. Sua base industrial vem se consti- E - EXTRAÇÃO MINERAL:
tuindo na produção de óleos vegetais (soja - Ferro Manganês: uma unidade de
e milho), farelo de soja, álcool, cimento, beneficiamento de ferro-ligas e manganês
beneficiamento da carne, do couro, do lei- em Corumbá, com capacidade de produ-
te, dos cereais e da madeira e na extração ção de 27 mil toneladas por ano e outra de
de minérios (calcário, manganês e ferro). produção de ferro gusa em Ribas do Rio
Atualmente, o parque industrial sul Pardo, com capacidade de 75 mil tonela-
matogrossense está assim formado (1991): das por ano;
A - PECUÁRIA DE CORTE: - Calcário: duas fábricas de cimento,
- Beneficiamento da carne: 21 fri- uma em Corumbá, do Grupo Votorantim,
goríficos instalados e mais 20 em projeto com capacidade de produção de 410 mil
de instalação; toneladas por ano, e outra em Bodoquena,
- Cortumes: 4 cortumes com capaci- do Grupo Camargo Corrêa, com capaci-
dade de processar 600 mil peles por ano, dade de produção de 550 mil toneladas por
com mais 2 cortumes em instalação. ano; 10 fábricas de corretivos do solo, com
capacidade de 1 milhão de toneladas por
B - PECUÁRIA LEITEIRA:
ano. Além do aproveitamento para brita e
- Laticínios: 36 unidades sob inspe-
ção, produzindo: leite tipo A, B e C, man- mármore.
teiga, queijos, etc. Mais recentemente em 1991, foi criado
pela Secretaria de Desenvolvimento
C - PRODUTOS AGRÍCOLAS: Regional - PR, o Fundo Constitucional do
- soja: 07 unidades com capacidade Centro-Oeste - FCO, visando a
de moagem de 2 milhões de toneladas por implantação, ampliação, modernização e

34 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 31-35, jan./jun., 1999


relocalização de empreendimentos atrás (expansão do setor primário, forma-
industriais e agro-industriais na região. Os ção de rede de fornecedores). Portanto, tor-
empreendimentos julgados prioritários para na-se necessário para a estruturação do
o benefício fiscal são: indústrias de insumo setor industrial sulmatogrossense, um mai-
e equipamentos; indústrias de bens de con- or dinamismo das relações inter-industriais,
sumo em massa (produtos alimentícios, especialmente a nível de centros locais.
têxtil, vestuário, calçados, mobiliário); in- Além do mais, esta dinamização contribui-
dústrias de alta tecnologia (biotecnologia, ria para o aumento da receita do Estado e
química fina microeletrônica, informática, dos municípios, através do recolhimento do
telemática); indústrias de mão-de-obra in- ICMS.
tensivas, e indústrias pioneiras na
localização geográfica e na inovação CONCLUSÃO
tecnológica. Desta maneira, mais uma vez Ficou evidenciado, contudo, que o prin-
o governo federal dispõe de incentivos para cipal fator de atração das indústrias para
a industrialização da região, procurando Mato Grosso do Sul, foi a disponibilidade
atrair novos investimentos e favorecer as de matérias-primas. Porém, esta atração foi
inversões de capitais, tanto de outros incentivada pela participação dos Governos
setores econômicos para o industrial quanto Federal, Estadual e Municipal, na conces-
de outras regiões do país para o Centro- são de benefícios fiscais e implementação
Oeste. de infra-estruturas, uma vez que os custos
Desta maneira, Mato Grosso do Sul de produção e de transportes se apresenta-
oferece boas perspectivas para a industri- vam elevados, dificultando a expansão ca-
alização, no entanto, deve ser dada aten- pitalista.
ção à atividade agrícola e pecuária, à mo- Quanto a estrutura industrial, o Estado
dernização dos processos industriais, à se caracteriza pela presença de
expansão da capacidade empresarial lo- agroindústrias, as quais estabelecem
cal e à elevação do padrão de vida da po- estreitas relações com o setor agropecuário
pulação. Isto faria com que a indústria cres- . De um modo geral, os estabelecimentos
cesse dentro de uma conjuntura econômi- são pequenos com tendência a aumentar
ca mais favorável, inclusive mais depen- a média do pessoal ocupado por unidade
dente do mercado regional, tanto para su- industrial, considerando a instalação de es-
primentos dos insumos como para consu- tabelecimentos industriais de maior porte.
mo dos produtos. Pelo fato de serem, principalmente,
Parece que Mato Grosso do Sul, du- unidades agroindustriais, há uma tendên-
rante estas duas últimas décadas, está as- cia à sua dispersão pelo território, propor-
sumindo um novo papel na nova divisão re- cionando o surgimento de pequenos centros
gional do trabalho que se delineia no país, industriais do tipo mono industrial (Prod.
passando de um simples exportador de pro- Alimentares, madeira, minerais não-
dutos primários (em estado bruto), para um metálicos). Por outro lado, o crescimento
estágio de transformação industrial das ma- dos maiores centros urbanos (Campo
térias-primas locais. Toda esta Grande, Dourados, Três Lagoas e
reestruturação tende a dinamizar a econo- Corumbá) tem proporcionado uma diver-
mia regional, gerando vínculos tanto para a sificação dos setores industriais locais,
frente (geração de novas empresas, insumos tanto pelo fato de suprir o mercado urba-
para outros estabelecimentos, dinamização no como de atender as transformações na
do comércio e serviços) como vínculos para economia regional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE MATO GROSSO DO SUL 1991 -1994. Campo Grande, Secretaria de
Planejamento e de Ciência e Tecnologia, 1995.
CAMPOS, Fausto Vieira de. Retrato de Mato Grosso. São Paulo, Brasil-Oeste Ed, 1969.
EXECUTIVO PLUS. Campo Grande, 12 (100): 14 - 26, 1995
GEOGRAFIA DO BRASIL. Região Centro Oeste, V 1, Rio de Janeiro, IBGE, 1989.
M.S. UMA OPÇÃO DE INVESTIMENTO DE BAIXO RISCO. Campo Grande, SEPLAN/IDESUL, 1983.

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 31-35, jan./jun., 1999


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Perspectivas da Indústria do
Cimento no Mato Grosso do Sul
Márcia Ajala Almeida Monteiro Ferreira *

O presente estudo tem por objetivo identificar os fatores de localização e analisar as


estruturas técnica, financeira e organizacional das indústrias de cimento do Mato
Grosso do Sul. A existência de matéria-prima e a ampliação do mercado foram
decisivos na instalação de duas grandes fábricas de cimento no Mato Grosso do Sul,
uma do grupo Votorantim em Corumbá, fabricante do cimento Itaú e outra do Grupo
Camargo Corrêa em Bodoquena, fabricante do cimento Eldorado. Para efeito de
determinação locacional das fábricas, a indústria cimenteira condiciona-se pela
disposição da reserva de calcário, que neste Estado se concentra em grande parte na
serra de Bodoquena e morarias de Corumbá. As estratégias adotadas pelas empresas
para atender a demanda tem ocorrido através da realização de pesquisas, do
desenvolvimento de tecnologia de produção, da implantação de metodologia para o
controle de qualidade e da divulgação do uso do cimento. A análise da localização
geográfica das fábricas de cimento no Estado busca estabelecer a direção e as
condições em que o capital se move no espaço regional.
PALAVRAS-CHAVE:
Fatores de localização, indústria; desenvolvimento;
cimento; Mato Grosso do Sul.

1 - Introdução dução cimenteira; como também da locali-


A Geografia Econômica e a Geografia zação deste Estado face à proximidade dos
das Indústrias, em particular, permitem com- grandes centros consumidores do País,
preender a organização das indústrias e as como Minas Gerais, São Paulo e Paraná e
suas localizações através da sua distribui- mesmo latino-americanos, uma vez que se
ção espacial. Vivemos hoje sob a influên- situa na rota de mercados potenciais de toda
cia direta ou indireta dos produtos elabora- a zona centro sul do continente.
dos pela indústria em qualquer parte do mun- O processo de industrialização recente
do. Percebemos, através da simples obser- do Estado, que passou a ter maior desta-
vação, que ela é um fenômeno espacial, seja que à partir da década de 1980, teve como
do ponto de vista físico, seja como elemen- base a ampliação e constituição do capital
to da cultura material. industrial, instalando unidades de transfor-
Nos estudos geográficos um dos aspec- mação de matérias-primas da região, res-
tos que assume relevância é a questão da ponsável por parcela representativa da es-
produção do espaço, por conseguinte, tor- trutura produtiva no Mato Grosso do Sul,
na-se necessário analisar em que medida o rompendo com a base industrial
setor da atividade industrial estabelece re- preexistente, dos estabelecimentos locais
* lações com a (re)organização de determi- que realizavam o beneficiamento dos pro-
Mestranda do Curso de
Pós-Graduação em nado espaço. dutos agropecuários e extrativistas, ofe-
Geografia da UNESP/FCT - Estas considerações chamam atenção recendo boas perspectivas para a indus-
Presidente Prudente – SP.
para o estudo do desempenho do setor in- trialização. No entanto, deve ser dada aten-
dustrial da produção do cimento, como caso ção à modernização dos processos indus-
1 específico, no Estado de Mato Grosso do triais1 , inseridos dentro do Estado, à ex-
Caracterizada pela
presença maciça de grandes Sul, onde se encontram duas fábricas, cuja pansão da capacidade empresarial local e
empreendimentos
localização está concentrada no Oeste do à elevação do padrão de vida da popula-
capitalistas,
largamente subsidiados Estado, identificada, à priori, pela condição ção, para que a atividade industrial cresça
pelo sistema de de área de predomínio das jazidas de dentro de uma conjuntura econômica mais
crédito e benefícios
fiscais do Governo. calcário, matéria-prima fundamental na pro- favorável.

36 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


A organização da indústria cimenteira, por diversas mãos. Finalmente, em 1918,
nos leva a refletir sobre os fatores a fábrica foi comprada pela empresa têx-
condicionantes da estrutura industrial e da til Sociedade Anônima Fábrica
competição do setor. A disponibilidade de Votorantim. A instalação continuou até
bens de capital, a disponibilidade de matéri- ser definitivamente fechada no início da
as-primas, o custo de transporte, o custo década de 1920.
dos bens de capital, a demanda do produto, Houve vários problemas que impedi-
e de forma destacada, a capacitação ram e dificultaram o desenvolvimento ini-
tecnológica e o poder de competição, pro- cial da produção de cimento no Brasil.
porcionam às empresas condições neces- Um fator importante que contribuiu para
sárias à sua localização. Para tanto, é pre- isso foi escassa capacidade financeira
ciso identificar as estruturas técnicas, finan- de grupos brasileiros associada a falta
ceiras e organizacionais das indústrias; exa- de conhecimento sobre os depósitos
minar as vantagens e desvantagens da sua apropriados de calcário e a falta de téc-
instalação em nível local e regional e identi- nicos necessários para o desenvolvimen-
ficar as estratégias de mercado e produção to da produção.
das empresas produtoras de cimento. A indústria brasileira de cimento foi
Para se entender os fatores que deter- definitivamente implantada em 1924, a
minaram a instalação das fábricas de ci- partir do momento em que a Companhia
mento no Mato Grosso do Sul é indispensá- Brasileira de Cimento Portland iniciou a
vel examinar o papel dos agentes econômi- construção da fábrica em Perus, muni-
cos externos e internos envolvidos nesse cípio de São Paulo, Estado de São Pau-
ramo de atividade, investigar suas particu- lo. A produção foi iniciada em 1926, com
laridades históricas e da produção, e relaci- capacidade de produção anual de 60.000
onar o contexto da instalação com o pro- toneladas. Os investimentos eram forma-
cesso de industrialização do Estado e com dos por 70% do capital originados de uma
sua posição ocupada na divisão internacio- corporação canadense e o restante, 30%,
nal do trabalho, cuja situação é considera- provinham de investidores nacionais
da relevante numa região periférica na eco- (Pelaez, 1972).
nomia nacional. A importância na utilização bem como
na diversidade dos produtos criados a
2 - História da Produção e partir da utilização do cimento e, a pró-
pria expansão das atividades econômi-
Consumo de Cimento
cas no Brasil, fez com que no passar das
Dentre as inúmeras atividades eco-
décadas vários grupos empresariais fi-
nômicas do Brasil, destaca-se a produ-
nanceiros viessem investir na produção
ção do cimento, com sua constante ex-
do cimento.
pansão articulada às políticas de desen-
Tentando estimular o desenvolvimento
volvimento do país. Tornou-se um dos
da indústria de cimento do Brasil, o Go-
esteios do progresso, ocupando um lu-
verno Federal adota uma série de medi-
gar preponderante onde quer que o ho-
das à partir de 1924, com a concessão
mem trabalhe para o bem-estar coleti-
às empresas, que produziam no mínimo
vo, principalmente na construção civil.
30 mil toneladas/ano e que utilizavam ex-
Data de 1888 a construção da primei-
clusivamente matérias-primas e combus-
ra fábrica de cimento no Brasil. Ela se
tíveis nacionais, de isenções de taxas
localizava numa fazenda de propriedade
aduaneiras sobre maquinaria e equipa-
do Comendador Antônio Proost
mentos para a produção de cimento, e
Rodovalho, no município de Sorocaba na
do imposto de consumo. Havia uma pro-
Estação de Rodovalho, da Estrada de
visão permitindo ao Governo Federal par-
Ferro Sorocabana, no Estado de São
ticipar nas empresas de cimento, depois
Paulo 2 .
que elas construíssem instalações ser-
A usina de Rodovalho iniciou a pro-
2
SCHLESINGER, vindo de garantia ao empréstimo.
1958, p.136 dução em 1897 3 possuindo uma capaci-
Essa medida tomada pelo governo, di-
3
Na Ilha de Tiriri, na dade anual de 25.000 toneladas ao ano.
ficultou o desenvolvimento das indústri-
Paraíba, foi construída uma Todo equipamento foi adquirido na Ale-
pequena instalação, a qual as nacionais, que dependiam de maqui-
chegou a produzir apenas por manha. Essa fábrica parou em 1904,
naria que o Brasil não produzia. Além
três meses em 1892. reiniciou a produção em 1907, passando

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


37
disso, o país não produzia combustíveis reta do governo foram fundamentais às
suficientes para a sustentação da pro- necessidades de consumo interno e às ne-
dução de cimento. De fato, isso incenti- cessidades e interesses das empresas di-
vou o uso dos combustíveis domésticos, tados pela lógica interna do Estado e do
alternativos, como o carvão, porém, atra- Capital.
palhando a produtividade, nenhum em- Até 1950 instalaram-se oito fábricas.
préstimo foi concedido. De 1951 até meados da década de 70 ins-
Com isso, em 1927 o governo incons- talaram-se 35 novas fábricas. Em 1995,
cientemente permitiu que os investido- as 58 fábricas ativas pertencem a 41 em-
res canadenses construíssem uma gran- presas participantes de 17 grupos empre-
de fábrica de cimento, concedendo o mo- sariais.
nopólio total da produção interna. Em A distribuição das fábricas de cimen-
1931, a Companhia Nacional de Cimen- to instaladas no Brasil reflete a maior con-
to Portland iniciou a construção de uma centração da produção no Sudeste, onde
grande fábrica em Guaxandiba, Estado se concentram todos os fatores respon-
do Rio de Janeiro, e a produção come- sáveis pela localização das fábricas de
çou em 1933, com capacidade inicial de cimento, tais como matéria-prima e mer-
300.000 toneladas anuais. Essa Compa- cado consumidor.
nhia era subsidiária da Lone Star Cement, A informação sobre o consumo apa-
uma das maiores produtoras americanas, rente e a capacidade de produção de
possuindo também outras subsidárias na cimento no Brasil representados nas
América Latina. Tabela 1, revelando o crescimento da
Em 1932, o governo adotou algumas demanda à frente da produção, ressal-
medidas nacionalistas, como os benefíci- tando que no período de 1955 a 1979
os do transporte não concedidos à maté- ocorreu a maior expansão do consumo
rias-primas importadas. Também, 80% e da produção cimenteira no Brasil.
dos empregados e certo número de en-
genheiros deveriam ser brasileiros e ou Tabela 1 - Evolução do consumo e
treinados no Brasil e as empresas bene- produção de cimento no Brasil
ficiadas teriam de vender à preço de mer- (1955 - 1994) em 1.000 ton.
cado 30% da produção ao governo Fede- ANO CONSUMO PRODUÇÃO
APARENTE
ral. 1955 - 1959 17.255 16.979
Impressionados pelo sucesso desses 1960 - 1964 24.982 24.999
1965 - 1969 34.555 33.179
empreendimentos estrangeiros, os inves- 1970 - 1974 59.541 58.504
tidores nacionais instalaram algumas pe- 1975 - 1979 106.366 105.350
1980 - 1984 178.370 149.764
quenas fábricas na segunda metade da 1985 - 1989 199.563 134.764
década de 30. Um dos principais produ- 1990 - 1994 215.201 127.314
Fonte: SNIC (1973/19834 /1994) .
tores nacionais era a Sociedade Anôni-
ma Fábrica Votorantim, que começou a O crescimento explosivo da demanda por
produzir cimento em 1936, numa fábrica cimento é a melhor forma de evidenciar o
moderna situada próximo a antiga locali- aumento do consumo, principalmente, na
zação, em São Paulo, com capacidade ins- construção civil nas obras de urbanização,
talada de 175.000 toneladas por ano. na construção de viadutos, açudes, barra-
A partir de 1932 as importações de- gens e usinas para geração de energia.
clinaram continuamente, enquanto a pro- Na região Centro-Oeste, segundo
dução interna crescia sensivelmente com Almeida et alii (1977), a primeira fábrica
a instalação de duas grandes usinas, que de cimento foi instalada na cidade de
juntas possuiam a capacidade instalada de Corumbá, no antigo Estado de Mato Gros-
produção de 475 mil toneladas. so, no ano de 1955, a Cimento Itaú de
Até o fim da década de 30 pratica- Corumbá S.A. Trata-se da antiga Com-
mente todo o consumo era suprimido pela panhia de Cimento Portland Corumbá. Em
produção nacional de cimento Portland, 1960 já contribuía com 30% da produção
estando em torno de 697.793 toneladas, regional do gênero, proporcionou grande
com o consumo aparente de 732.612 to- impulso na industrialização do Estado, as-
neladas métricas. sociada ao processo de urbanização e vol-
Todos os episódios, sob influência di- tado para o consumo urbano, trabalhando
4
PROCHNIK, 1983, p.186.

38 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


inicialmente com um forno rotativo com to, estabeleceram diversos fatores atrati-
capacidade de 270 toneladas de clínquer vos que definiram a localização ideal ori-
por dia. Com a construção das usinas hi- entados nos seguintes quesitos:
drelétricas de Urubupungá, houve amplia- Disponibilidade de bens de capital - Os
ção de equipamento e maquinaria com mais produtores de bens de capital para a in-
um forno rotativo, com capacidade de 330 dústria são em larga escala independentes
toneladas de clínquer para atender a de- dos fabricantes de cimento. A disponibili-
manda da CESP. dade dos seus produtos faz com que qual-
Registrou-se também a instalação de quer fabricante de cimento, desde que dis-
outra fábrica de cimento no Estado de ponha dos recursos requeridos, possa am-
Goiás, em Goiânia. As duas fábricas aten- pliar a sua capacidade de produção, utili-
diam as obras de construção do Complexo zando-se das técnicas mais modernas.
de Urubupungá, além do atendimento à im- Disponibilidade de matérias-primas -
plantação da Capital Federal do Brasil, que Como já foi visto, as matérias primas mais
para isso recebeu a instalação de mais uma importantes para a indústria de cimento são
fábrica no Estado de Goiás, na cidade saté- calcário e a argila, materiais que existem
lite de Sobradinho. Atualmente no Estado em abundância na natureza, não se cons-
de Mato Grosso do Sul, está em funciona- tituindo, portanto, em fatores capazes de
mento duas fábricas de cimento, uma do assegurar vantagens monopolísticas.
Grupo Camargo Corrêa em Bodoquena e Homogeneidade do produto - Após o
outra do Grupo Votorantim, em Corumbá. aprimoramento das técnicas de produção
na virada do século, deixou de haver dife-
3 - FATORES DE rença na qualidade do cimento fabricado.
Este fato, aliado à adoção de normas de
LOCALIZAÇÃO DAS produção, levou à perfeita homogeneidade
FÁBRICAS DE CIMENTO do produto.
Algumas características do setor Custo do produto - Como o cimento é
cimenteiro determinam em grande parte a um produto de baixo valor específico, o
estrutura da indústria e do mercado. A in- custo do frete tem um grande peso no va-
dústria do cimento no passado representa- lor final do produto. Esta característica
va um exemplo típico de indústria orientada atua de forma a ampliar a concentração
para a matéria-prima (Smith, 1981). industrial local ao segmentar os mercados
O problema localiconal, tal como se nacionais e dificultar o comércio.
apresenta uma firma individual de uma in- Custo dos bens de capital - A indústria
dústria, é muito complexo5 . Até agora ain- de cimento tem como característica o alto
da não se desenvolveu uma teoria geral custo do investimento inicial e a forte inci-
da localização que seja plenamente dência dos custos fixos nos custos totais.
satisfatória a todas atividades econômicas O primeiro aspecto age no sentido de re-
no espaço que se fundamente na explica- forçar a concentração industrial, dificultan-
ção do impacto das mudanças nas técni- do a entrada no setor. O segundo aspecto
cas, custos de transporte, níveis de renda atua no sentido contrário por duas razões.
e gostos sobre os padrões locacionais Em primeiro lugar, porque a forte incidên-
(Richardson, 1981). cia dos custos fixos nos custos totais difi-
Segundo Francesconi (1996), há uma culta a estratégia de manter capacidade
diferença relevante entre o conceito eco- ociosa como uma fonte de barreira à en-
nômico de localização industrial no qual de- trada. Em segundo, porque em períodos em
vem ser consideradas as vantagens que não se observa progresso técnico re-
locacionais, as economias de escala, cuja dutor dos custos, há uma tendência na in-
racionalidade corresponde à rápida renta- dústria à existência de excesso de capaci-
5
Ver a este respeito, a obra bilidade possível a ser extraída da locali- dade em caráter permanente pois as fá-
de MANZAGOL, que através
da reflexão coerente,
zação da fábrica e o espaço físico apro- bricas antigas não são renovadas.
procura, de forma sucinta, priado, inscrito num campo de poder, apli- Demanda pelo produto - Todo o cimen-
examinar, entre outros to produzido é demandado pela constru-
aspectos, as teorias clássicas,
cado à localização industrial
as abordagens recentes e a As empresas produtoras de cimento no ção civil e, dentro deste setor, pode-se dis-
concepção da base sistêmica Estado de Mato Grosso do Sul, determi- tinguir três classes de destino do produto:
nos estudos da organização
espacial da atividade naram localizações estratégicas fundamen- construção habitacional, infra-estrutura, li-
industrial. tadas na redução dos custos que para tan- gados ao processo de urbanização urbana
Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999
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e a construção de estradas e barragens é serviços de apoio à produção, bancos, cré-
ligado ao desenvolvimento industrial. ditos, escritórios e unidades de distribui-
Escala de produção - A existência de ção e comercialização.
economia de escala pode ter alguns efeito
nas produção de cimento, podendo dificul-
tar, ou mesmo impedir, a entrada de pe- 4 - O PROCESSO DE
quenos grupos, devido ao volume de in- PRODUÇÃO DO CIMENTO
vestimento mínimo exigido para a produ- Incluindo-se no gênero indústria de
ção em escala eficiente. Se a escala de transformação de minerais não metálicos,
produção eficiente mínima corresponder a conforme a classificação do IBGE, com
uma fração significativa do mercado total, grande aplicabilidade na construção civil,
viabilizarão a existência de barreiras à en- o subsetor do cimento Portland represen-
trada de novos competidores, possibilitan- ta uma papel importante no desenvolvi-
do a obtenção de lucros extraordinários a mento do país, sendo um bem de deman-
longo prazo. Porém um efeito contrário da contínua, especialmente para fins
pode resultar da difusão de novos méto- habitacionais.
dos de produção que ampliam as econo- A fabricação do portland consiste em
mias de escala o que permitem um rebai- tornar as matérias-primas calcário e argila
xamento de custos na indústria. Neste em proporções adequadas, transformá-las
caso as barreiras à entrada iriam prova- em pó de finura satisfatória, misturá-las,
velmente declinar, já que um novo produto para em seguida aquecer a mistura até a
pode operar com custos inferiores aos dos obtenção do clínquer. Essa matéria, o
produtores estabelecidos. clínquer, é resfriada e novamente moída, adi-
O papel da aquisição de matérias-pri- cionando-se quantidade ideal de gesso.
mas nas decisões de localização depen- (SNIC, s/d).
derá, em considerável medida, da quanti- A produção do cimento nas fábricas en-
dade de calcário necessário à produção, volve várias etapas, que segue desde a ex-
por conta de que perde muito peso, é pe- tração até o ensacamento, que se desen-
recível e com baixo valor por unidade de volve num processo contínuo, mesmo quan-
peso, inviabilizando a produção em peque- do da redução da produção determinada
na escala. pela demanda. Sendo que energia elétrica
A produção de uma mercadoria relati- é de fundamental importância, para o fun-
vamente barata, em cujo preço de venda cionamento dos fornos rotativos.
os custos de transferência podem consti- A introdução do forno rotativo, no fim
tuir apreciável acréscimo, também torna do século passado, marcou um ponto de
atraente a localização perto de um merca- inflexão na técnica de cozimento do cimento
do. Isso se aplica ao mercado do cimento, . Em 1877 , já havia sido introduzido nos
em que os elevados custos de distribuição Estados Unidos em algumas indústrias; pa-
de um produto de alto valor de transfor- tenteado nesse mesmo ano, foi posto em
mação e baixo valor por unidade tornam o exploração com êxito em 1895 (Keil, 1973)6.
acesso ao mercado um fator importante Os fornos rotativos podem ser classifi-
da localização. cados em duas categorias, segundo as ca-
Sendo uma mercadoria altamente pere- racterísticas da mistura com que é alimen-
cível exige, acima de tudo, movimentação tado. Para a clinquerização, os fornos de
rápida, preferindo-se serviços de transpor- via úmida requer o consumo de grande
te rodoviário, ferroviário ou aéreo. Se o pro- quantidade de água e de combustível, as
duto for de transporte mais dispendioso do matérias-primas são misturadas em sus-
que os materiais, como na fabricação de pensão aquosa; os fornos de via seca,
cimento, é mais provável que a produção acoplados a equipamentos de depressão e
seja feita na área de mercado ou perto dela. retenção da farinha (mistura seca e moí-
Além desses fatores tradicionais, res- da de matéria-prima), a mistura calcário-
saltamos que hoje a empresa está vincula- argila é processada sem adição de água,
6
da à grande organização e a localização oferecendo apreciável vantagem em eco-
Para maiores detalhes sobre
o processo de produção do da indústria tornou-se mais complexas. A nomia de combustível e de água (sem ne-
cimento passando da fase de unidade produtiva, enquanto fábrica requer nhuma adição).
via úmida para via seca ver
também GUIMARÃES & para seu funcionamento de transporte, sa- Atualmente, as fábrica de cimento no
REIS, 1973, p.159-246. neamento básico, energia, comunicação, Brasil trabalham com fornos rotativos utili-

40 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


zando o processo de fabricação na via seca. Tabela 2 - Reserva Medida de Calcário
Sendo o mais importante bem de capital em- nos principais Estados
pregado isoladamente no processo de produ- produtores de cimento
ção de cimento. Sua capacidade define a ca- ESTADOS RESERVA (1.000T)
pacidade produtiva da fábrica. A capacidade Mato Grosso do Sul 9.411.672
Minas Gerais 7.137.331
real de produção é, porém, geralmente inferi- Paraná 3.832.167
São Paulo 2.715.000
or a vazão calculada para o forno. A capaci- TOTAL NO PAÍS 39.773.587
dade real pode até superar a capacidade pre- Fonte: IBGE - Anuário Estatístico do Brasil, 1992.
vista quando o número de dias de manuten- A existência de matéria-prima e a am-
ção for menor do que o planejado, ou ainda pliação do mercado são os fatores que têm
em decorrência do acréscimo de aditivos ao maior influência na localização das fábrica
produto, na quarta fase de fabricação. de cimento no Mato Grosso do Sul. O
A produção de cimento é considerada calcário matéria-prima básica na produção
uma atividade de capital intensiva, pois há de cimento tem uma grande represen-
um investimento grande em equipamentos. tavidade de concentração de jazidas (ver
A produção exige pedreiras, unidades de pre- tabela 2).
paração de matéria-prima, fornos, unidades O aumento do consumo de cimento no
de moagem do clínquer e de despacho. Estado, até 1991 como mostra a tabela 3,
Em termos de custo de capital e custo de está diretamente relacionado com a cons-
produção existem retornos crescentes em es- trução de obras públicas na infra-estrutura
cala. O investimento na produção é alto. Para e, associado à esse investimento o aumen-
compensá-lo a operação deve ser contínua e to do processo de urbanização que tem
em grande escala. Como o mercado é cíclico, ocorrido no Mato Grosso do Sul de manei-
quando a demanda da indústria da constru- ra expressiva, determinando a ampliação da
ção cair, pode tentar manter a produção e es- construção civil.
tocar o clínquer,
Tabela 2 - Reserva Medida de Calcário nos principais Estados
reduzir a produção produtores de cimento
ou vender o ci- Despacho p/ Consumo (t)
mento acabado Dados anuais Produção (t) Outros estados Produção Vindo de
mais barato. própria outros estados
Quanto à de- 1984 306.164 - - -
1985 330.667 77.970 168.910 78.151
manda setorial a 1986 334.237 84.776 230.090 114.823
construção de 1987 331.523 76.421 239.218 89.915
barragens é con- 1988 288.318 44.956 241.805 106.825
1989 295.143 36.275 241.817 104.988
siderada no mer- 1990 305.385 99.151 198.245 120.278
cado brasileiro do 1991 283.990 42.447 224.264 135.002
cimento apenas Fonte: IBGE - Anuário Estatístico do Brasil, 1992.
pelo seu caráter
adicional, isso pelo fato de que grandes De acordo com os dados da Tabela 3, a
obras, como Itaipú e Tucuruí, temporaria- quantidade de cimento produzida em ape-
mente introduzem deslocamento geográfi- nas uma fábrica de cimento, localizada em
co da demanda. As obras de menor porte Corumbá, esteve nesse período abaixo das
de barragens representam um mercado necessidades da demanda se somados jun-
consumidor de maior influência, na qual a tos o consumo da produção própria e da
relação consumo/investimento é mais sig- produção vinda de outros Estados.
nificativa. Sendo considerado preponderan-
te do ponto de vista dos empresários é o 5 - AS FÁBRICAS
setor habitacional, considerados como con-
DE CIMENTO DO
sumidores formiga, que mantém em índi-
ces regulares o crescimento da demanda. MATO GROSSO DO SUL
No tocante ao fluxo de mercadorias, as Para entendermos os aspectos técnicos
características de intercâmbio entre as áreas e estruturais, que define a organização dos
geográficas refletem diferenciações da pro- empreendimentos cimenteiros, bem como
dução, que ao manter-se por vários anos as sua distribuição dentro da configuração es-
tendências de produção, determinam o al- pacial do território nacional e internacional,
cance da irradiação do mercado a partir da no prisma geográfico, é preciso traçar al-
fábrica de cimento. guns pontos importantes que caracterizam

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


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o processo de produção do cimento nas duas de impostos fiscais no período de cinco anos
fábricas de cimento, que se encontram no à partir do início da produção (julho de
Estado de Mato Grosso do Sul, que são 1993).
apresentados neste capítulo7 . Quanto à instalação da Fábrica de cimen-
to Itaú de Corumbá, na década de 50, ocor-
5.1 - As empresas reu a partir do conhecimento da existência
O Grupo Camargo Corrêa Industrial, da grande quantidade de jazidas de calcário
Construções e Comércio com sede em São - fator que determinou sua localização, aces-
Paulo foi fundado em 1938 por Sebastião so às vias de circulação através do trans-
Ferraz de Camargo Penteado e seu sócio porte ferroviário e rodoviário. Desde a ins-
Sylvio Brandt Corrêa. As fábricas de ci- talação não houve nenhum incentivo fiscal
mento da Empresa têm a marca Cimento de órgãos governamentais (municipal, esta-
Eldorado. Com investimentos de capital dual ou federal) que apoiasse como fator de
100% nacional, a composição acionária da decisão locacional em Corumbá, sendo o
empresa tem participações do Grupo Mor- fator determinante da sua localização o gran-
ro Vermelho Ltda. com 55,74% e a de potencial de jazidas de calcário no muni-
Camargo Corrêa Investimentos com cípio, além do acesso por via fluvial
44,26%. É um dos maiores grupos do país, Cada uma das fábricas de cimento do
atuando nas áreas de cimento, têxtil, me- Grupo Itaú tem unidade própria de pesqui-
talurgia, engenharia e pecuária, além de sa e de planejamento. Com esforço bus-
ser considerado um dos maiores constru- cando a sobrevivência da empresa, a fábri-
tores de barragens e hidroelétricas do mun- ca investiu no processo de reconhecimento
do. Como por exemplo, atuou na constru- da Qualidade do Produto. Para isso, duran-
ção do Metrô de São Paulo, da Usina te 2 anos, trabalhou na estruturação do sis-
Hidroelétrica de Itaipú, e da ponte Rio- tema da Garantia da Qualidade baseada na
Niterói. Norma ISO 9002.
A decisão de instalar uma fábrica de ci-
mento no Mato Grosso do Sul partiu de uma 5.2 - Matérias-primas
visão logística, enquanto previsão de con- As matérias-primas empregadas na pro-
sumo de cimento com base em várias pre- dução do cimento são o calcário, argila
visões em cima do cenário econômico do (também substituída pelo filito), minério de
Estado, onde predomina a atividade ferro e gesso. No produto final, a propor-
agroindustrial e a pecuária e a concentra- ção de cada uma é representada por 34%
ção de calcário, contribuiu na redução dos filito, 60% calcário e 1% de minério de fer-
custos da empresa. ro para formar o clínquer e 5% de gesso
Atualmente a Fábrica de Cimento para formar o cimento - produto final.
Eldorado possui duas fábricas uma em Apiaí Na fábrica de cimento de Bodoquena a
no Estado de São Paulo e outra em procedência do calcário e do filito é encon-
Bodoquena no Estado de Mato Grosso Sul, trado em jazidas de Bodoquena, a trezen-
além de quatro pontos de comercialização tos metro de distância em minas de céu
em São Paulo nos municípios de Jaguaré, aberto, o que facilita o transporte desses
Campinas, Bauru e Itapeva, dois no Paraná minerais através de correias rolantes; o
no município de Cambé e Ponta Grossa, um minério de ferro vem de Corumbá e o ges-
no Mato Grosso do Sul na capital Campo so de Cubatão. Sendo que todas as matéri-
Grande e um no Distrito Federal. Possui um as-primas que vêm de fora do estado são
escritório central, para assuntos administra- transportadas por acesso rodoviário.
tivos na capital do Estado de São Paulo. A proporção do custo das matérias-pri-
A idéia de implantação da fábrica de ci- mas no custo total do produto fabricado é
mento em Bodoquena surgiu a partir de de 12% a 14% - calcário, filito e minério de
1983 quando já haviam estudos no local para ferro e 5% a 6% do gesso.
a construção da fábrica, tendo como fator Na fábrica de cimento de Corumbá as
7
atrativo a presença do calcário e as pers- matérias-primas empregadas na produção
As informações foram
obtidas através de entrevistas pectivas de desenvolvimento do Estado de do cimento como o calcário e da argila pro-
junto aos dirigentes das Mato Grosso do Sul. Além do favoreci-
empresas produtoras de vém de jazidas distantes 17 km da fábrica
cimento no Estado do Grupo mento que o governo Estadual e Municipal em área pertencente à empresa, com 20
Camargo Corrêa e deu à implantação da fábrica, com isenção milhões de ton. com exploração para mais
Votorantim.

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de 100 anos; o minério de Ferro provém da cal, as vias de acesso para não levantar po-
Mineração Urucum, em Corumbá. Essas eira e nos fornos é utilizado sistemas de fil-
matérias-primas são transportadas por ca- tros de última geração. Existe uma preocu-
minhões e o Gesso, subproduto sintético, que pação constante na contenção dos emisso-
vem de São Paulo é transportado por via res de poluentes na atmosfera. Na área de
ferroviária até a subestação próxima da extração a cobertura vegetal não apresen-
fábrica. ta resíduos de poluentes atmosféricos.
Para a fábrica de Cimento Itaú os pro-
5.3 - Energia e controle ambiental blemas relacionados ao fornecimento de
A insuficiente potência energética do energia decorre por ser fim de linha. Ocor-
Estado de Mato Grosso do Sul, não con- re muita oscilação de energia principalmente
segue regularizar o funcionamento normal entre as 17:30 e 08:00 só o forno rotativo
das fábricas de cimento existentes no Es- fica funcionando para conter a energia (pe-
tado, por ser muito grande o consumo de ríodo de maior consumo da energia). A co-
energia na produção de cimento, pois locação por parte da Enersul de Usinas
ambas representam-se como as maiores Termoelétricas seria uma alternativa que
consumidoras de energia dentro do Esta- diminuiria esses problemas.
do, o que acarreta demanda insuficiente O consumo de energia nos últimos três
para garantir o fluxo contínuo de energia anos da produção na fábrica foi de 29.934
nas horas de maior pico de consumo. Mwh em 1993, 24.077 Mwh em 1994 e
Através da linha de transmissão de ener- 23.185 Mwh em 1995.
gia elétrica que sai da Subestação de Aqui- As medidas tomadas para evitar a de-
dauana e vai até Corumbá, são abastecidas gradação do meio ambiente na área de ex-
as duas fábricas de cimento do Mato Gros- tração da matéria-prima, em frente à fábri-
so do Sul. O Grupo Camargo Corrêa, fábri- ca de cimento será o reflorestamento da
ca mais recente, financiou a construção de área, deixando-a como reserva.
uma linha de transmissão de energia elétri-
ca de 138 KV, a partir de Miranda, deriva- 5.4 - Produção e equipamentos
da da linha que liga Aquidauana a Corumbá A Camargo Corrêa Industrial emprega
e a ampliação da subestação de Miranda. técnicas produtivas inovadoras, com equi-
Essa linha além de suprir a demanda da pamentos nacionais e estrangeiros. O for-
fábrica, possibilita a instalação de outros em- necimento de equipamentos de última ge-
preendimentos industriais na região. ração, desde a britagem até os fornos, pro-
Para o Grupo Camargo Corrêa existe vém da F. L. Smidth-Fuller. com renova-
uma falta de confiabilidade no fornecimento ção periódica, a fábrica é operada por qua-
da energia, que é insuficiente para atender a tro células de produção: mineração, pro-
demanda do Estado, considerando a queda cesso, clinquerização, moagem, e
de energia, danificando os equipamentos o ensacamento.
que encarece o produto final. As quedas de Um sofisticado laboratório controla e ga-
energia além de colocar em risco as instala- rante a melhor qualidade do produto, com
ções, como na operação computadorizada, equipamento fast-lab, da empresa norte-
torna-se necessário o uso de gerador de americana Gamma Metrics, que substitui o
emergência que funciona à diesel. raio X no laboratório e executa análises pre-
O consumo de energia nos últimos três cisas de todas as matérias-primas, com o
anos da produção na fábrica foi de 16.872 uso de software específico; um moderno
Mwh em 1993, 31.343 Mwh em 1994 e processo de calcinação, aliado ao projeto
35.543 Mwh em 1995. de engenharia, é responsável pelo menor
O problema relacionado ao fornecimen- consumo energético e térmico.
to de água é que possui em sua composi- Os produtos fabricados são o cimento
ção muito cálcio sendo preciso fazer um CPII F - resistência com 28 dias e Cimen-
tratamento prévio de redução de cálcio an- to ARI - Alta resistência inicial em 7 dias,
tes de entrar nos fornos e depois para reti- produzidos de acordo com a demanda.
rar as impurezas. No produto final, a proporção de cada
As medidas tomadas para evitar a de- matéria-prima para a produção de 1.667
gradação do meio ambiente nas áreas de tonelada de cimento por dia (capacidade
extração da matéria-prima é molhar o lo- normal), são utilizados, em média, 1.910

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


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toneladas por dia de calcário, 96 toneladas mercados de trabalho. Para tanto a fá-
por dia de argila, 321 toneladas por dia de brica oferece moradia, escola que é es-
filito, 50 toneladas por dia de gesso e 20 tendida para toda comunidade. Além dis-
toneladas por dia de minério de ferro. São so o SENAI oferece cursos através do
necessário ainda, 840 m³ por dia e 180 programa de formação de mão-de-obra
MWh de energia elétrica. pessoas com mais de 18 anos e com 2º
O volume de produção da fábrica de grau completo.
cimento Eldorado de Bodoquena, nos últi- Os setores da empresa que emprega a
mos anos, foi de 242 mil ton. em 1994, 282 terceirização são representados pelas se-
mil ton. em 1995 e 400 mil ton. em 1996 guintes empresas: ENESA - 25 pessoas
(projeção), sendo que até julho de 1996 a na manutenção - Empresa de São Paulo;
produção foi de 280 mil ton. CETESUL - 2 pessoas na manutenção de
O estoque somente é feito nos silos ar condicionado - Empresa de Curitiba;
(granel), não há estocagem de produto em- REPRIN - 3 pessoas serviços de lubrifi-
balado, ele é embalado no ato do atendi- cantes - Empresa de São Paulo;
mento ao cliente quando a venda é de pro- CIMEMPRO - 2 pessoas na elaboração
duto ensacado ou a granel em caminhões de projetos - Empresa de São Paulo;
específicos para este tipo de atendimento. EDEX - 4 pessoas na mineração e
Os clientes armazenam o cimento por pe- britagem - Empresa de Minas Gerais;
ríodos não superiores a quatro dias, pois SERVIX - 18 pessoas no transporte de
trata-se de um produto de alta rotatividade. minérios para britagem - Empresa de Mi-
A estocagem ideal deve ser feita em pi- nas; PRODUTIVA - 3 pessoas no traba-
lhas de no máximo 12 sacos de alto, sobre lho de análise da EDEX e da SERVIX;
estrados de madeira, afastados de pare- TERSUL - 31 pessoas no ensacamento e
des frias e se possível cobertos com lo- carregamento nas carretas (leva de 10 a
nas. A durabilidade do cimento está rela- 12 minutos para cada caminhão) - Empre-
cionada diretamente à forma como o mes- sa de Dourados; TERSUL - 30 pessoas
mo está estocado e armazenado. nos serviços gerais, 1 telefonista, 1 secre-
O volume de produção da fábrica de ci- tário, motoristas e vigilantes - Empresa de
mento Itaú de Corumbá, no ano de 1994, foi Dourados.
de 180.000 ton. de cimento, em 1995 de A assistência que a empresa fornece
175.000 ton. de cimento e as estimativas para aos seus empregados são assistência mé-
1996 é de 137.248 ton. de cimento. Não se dica UNIMED, seguro de vida, cesta bá-
trabalha com estoque, apenas com uma quan- sica, ambulância 24 horas.
tidade reduzida de mais ou menos 30.000 sa- A Cimento Itaú possui o total de em-
cos. E devido à recessão do consumo a fá- pregados de 108 pessoas, sendo 85 que
brica trabalha 45 dias e para 2 meses. trabalham na produção do cimento e 23
na administração, com o total de 99 ho-
mens e 9 mulheres (que trabalham nas
5.5 - Mão-de-obra atividades técnicas e administrativas).
Na Camargo Corrêa o número total de O quadro de funcionários é estável, as
empregados ligados à produção são 29 fun- saídas são por aposentadorias e ao longo do
cionários e na administração são 12 funci- tempo foi feito a otimização num processo
onários, com o total de 40 homens e uma de adaptação à realidade o mercado.
mulher. A origem da mão-de-obra provém Todos os setores exigem funcionários
de Bodoquena, São Paulo, Minas Gerais e especializados e, as dificuldades para se
Santa Catarina. conseguir mão-de-obra especializada é
A flutuação no quadro de empregados maior na parte técnica como técnicos de
é vista entre os trabalhadores na adminis- nível médio. O SENAI forma técnicos de
tração, vigilância e extração. Por outro nível médio, que são absorvidos pela em-
lado, por exigir mão-de-obra especializa- presa e aperfeiçoados na fábrica.
da em todos os setores da produção, não A assistência que a empresa fornece
ocorre rotatividade da mão-de-obra. aos seus empregados são a assistência mé-
Os funcionários são treinados na pró- dica, que funciona em sistema de
pria fábrica. A maior dificuldade para re- autogestão (clínicas e profissionais), con-
crutar os trabalhadores se deve à locali- vênios odontológicos, refeitórios, farmáci-
zação da unidade, distante dos grande as, supermercados, transporte, clube so-

44 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


cial, produção de uniformes, empresas de fluência: todo o Mato Grosso do Sul,
treinamento. Mato Grosso - regiões de Cuiabá e
Rondonópolis, Oeste Paulista - regiões
5.6 - Comercialização de Araçatuba e Presidente Prudente, re-
No Estado de Mato Grosso do Sul a giões do oeste paranaense, exportação
industrialização é muito recente e os in- para o Paraguai via Ponta Porã;
vestimentos na atividade industrial pouco Prospecção de Mercado através de pla-
significativa, isso pelo fato da iniciativa nos de visitas, contratos telefônicos e so-
governamental tem investido pouco. Há licitações de clientes; Cadastramento co-
a necessidade de gerar mais recursos mercial e financeiro do cliente; Progra-
para gerar emprego e aumentar o consu- mação de atendimento mensal, semanal
mo. O setor industrial é um mercado com- e diária por cliente. Os principais mer-
petitivo à nível internacional que exige cados são numa proporção de 55% para
profissionalização e competitividade. As o Mato Grosso do Sul, 11% para o Mato
maiores e melhores terão condições de Grosso na Região Centro Oeste; 21%
competir com o mercado externo. Para para o estado de São Paulo na Região
tanto o trabalho em equipe é fundamen- Sudeste; 9% para o estado do Paraná
tal no desenvolvimento da atividade de na Região Sul e 4% para o Paraguai na
produção do cimento nessa fábrica. exportação.
Atualmente a situação econômica en- Na Fábrica de Cimento do Grupo
fraqueceu o mercado consumidor do Es- Votorantim o cimento é comercializado
tado reduzindo o desenvolvimento da in- em todo o Estado de Mato Grosso do Sul
dústria cimenteira no Estado. O compor- através de transporte ferroviário e rodo-
tamento do mercado atual provocou redu- viário até o local de compra. As compras
ção do número de emprego e as obras de de grandes clientes são direto da fábrica.
infra-estrutura estão paradas, para rever- Há pouco tempo em fase experimental
ter esse quadro é preciso que o Governo com a navegação fluvial com o escoa-
favoreça os investimentos para o desen- mento da produção até a Argentina. Além
volvimento econômico do Estado. O con- da venda do Clínquer ao mercado bolivi-
sumo formiga representa 70% do merca- ano para a Fábrica de Cimento CAMBÁ
do consumidor, quase o dobro do consumo (compra o clínquer para moagem e em-
nos anos 70 que era menos de 40%. balado vende com sua marca). Os princi-
As indústrias cimenteiras do Estado e pais mercados são na proporção de 83%
a economia regional está na dependência para Mato Grosso do Sul, 14% para Bolí-
do Governo, que precisa melhorar princi- via e 3% para Argentina.
palmente o suprimento de energia. A
desequalização do preço do óleo combus- 6 - TECNOLOGIA
tível, encarecendo o preço para consumo E MUDANÇAS
nos fornos que trabalham em alta tempe-
ORGANIZACIONAIS
ratura, pois transporte de insumos é
inviável, reduzindo a lucratividade
Em relação à atual conjuntura político- 6.1 - Estrutura organizacional
econômica brasileira pode se dizer que a Dentre as novas técnicas organiza-
abertura de mercado à globalização e a cionais das atividades industriais, incluin-
privatização de empresas estatais vem se do as unidades produtoras de cimento, que
estruturando no país para atender as condi- são desenvolvidas no Brasil, incluem-se
ções impostas pela economia nacional e in- entre outras as células de produção, os
ternacional, gerando ampla competitividade círculos de controle de qualidade, técni-
elevando o padrão de produtividade. cas de controle estatístico de qualidade
Na Fábrica de cimento do Grupo (Ferraz, 1995). Também existem normas,
Camargo Corrêa o comércio do cimento como os modelos ISO 9000, 9002 e 9014
é organizado por área em cima dos se- - receituário genérico de procedimentos
guintes planejamentos: Planejamento - que auxiliam essas empresas a se ori-
vendas anual; Planejamento vendas men- entarem para produção com qualidade e
sal; Estabelecimento de metas (vendas) competitividade na evolução do modelo
por localizações geográficas (área de in- de gestão da empresa.

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


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Estes procedimentos e técnicas tecnologia e equipamentos para os empre-
adotadas instrumentalizam parcialmente endimentos voltados à produção de cimen-
a adoção da filosofia da qualidade, já que to. Também no Brasil, a empresa é a mais
esta, por definição, implica atitudes e com- requerida pela indústria de cimento para for-
prometimentos dos agentes produtivos necimento de tecnologia e equipamentos.
não circunscritos a instrumentos, incor- Essa firma desenvolve tecnologias para
porando também atitudes, comportamen- a realização de atividades abrangendo a in-
tos e aptidões da força de trabalho vestigação de jazidas de matérias-primas,
(Ferraz, 1995). a realização de pesquisas e ensaios com
Os benefícios da automação e das téc- vistas à elaboração de projetos, a constru-
nicas organizacionais são convergentes e ção e montagem de fábricas de cimento, o
implicam elevação dos patamares de efici- treinamento de pessoal para operação e
ência produtiva sendo, portanto, bastante uma completa assistência técnica.
extensivos, como demonstra a Tabela 4, Existe uma grande dependência entre
refletindo através da avaliação de executi- as empresas de engenharia pesada, pro-
vos de empresas brasileiras com experiên- dutoras de máquinas para a indústria de
cia nestas inovações, mostrando claramen- cimento, e as fabricantes deste insumo. As
te as principais vantagens observadas com firmas de engenharia pesada são as prin-
a introdução de automação e novas técni- cipais geradoras de progresso técnico, o
cas organizacionais8 que assegura o livre acesso à tecnologia
de ponta a qual-
Tabela 4 - Mudanças observadas após a introdução de automação quer novo fabri-
e novas técnicas organizacionais cante potencial.
DIMINUIÇÃO AUMENTOS O dinamismo
custos correntes Qualificação mão-de-obra tecnológico do
custos do produtos Treinamento setor tem sido re-
prazos de entrega qualidade do produtos
down time adequação ao fornecimento a novas lativamente pou-
estoques intermediários especificações co intenso, consi-
capacidade de produção derando a simpli-
Flexibilidade do processo cidade do pro-
Disponibilidade de informações
Fonte: Ferraz, 1995(SENAI - 1992)
cesso produtivo
sobretudo se
A contribuição dada pela oferta mundial comparado com outros ramos da indústria.
de tecnologia e equipamentos para a indús- O número de inovações com reduzidos efei-
tria de cimento brasileira apresenta-se for- tos para o processo produtivo, estão con-
temente concentrada, permite maior centrados no desenvolvimento tecnológico
competitividade entre as empresas produto- dos equipamentos que trabalham no
ras de cimento, destacando-se, entre outras, cozimento do clínquer - processo caracte-
como as principais fornecedoras de know- rístico da indústria de cimento.
how as firmas F.L. Smidth (Dinamarca), De modo geral, o desenvolvimento
Polysius/krupp (Alemanha), Humboldt (Ale- tecnológico na indústria de cimento está
manha) e Allis Chalmers (Estados Unidos). voltado para a redução dos custos, atra-
Esse know-how é constituído nas fases vés da economia de insumos e adequa-
de pesquisa e desenvolvimento levadas a ção de escalas de produção cada vez mai-
cabo pelos grupos de fabricantes e pode ser ores. No primeiro caso, verifica-se uma
subdividido em técnicas relacionadas à fase ênfase especial quanto à redução do con-
de investimento e à fase de operação do sumo de óleo combustível, da mão-de-
empreendimento. obra empregada, levando à crescente
8
De modo geral, as A atuação das empresas fornecedoras automação através de controles centrali-
inovações referem-se a de tecnologia e equipamentos para a indús- zados para operar as unidades produto-
produtos e processos; porém,
de forma específica, elas
tria de cimento está centrada nas ativida- ras de cimento. No segundo caso, verifi-
podem tratar-se de des de concepção do projeto básico e en- ca-se um crescimento acentuado das es-
introduções pioneiras ou genharia executiva, na implantação de cada calas de produção. Isso se reflete nos in-
alterações posteriores. Aqui
será enfatizada as inovações unidade produtiva integrada ou na fabrica- vestimentos tecnológicos para o aumen-
de processos como as novas ção de maquinaria. to da capacidade instalada das unidades
máquinas automatizadas
introduzidas, recentemente, A empresa F. L. Smidth é identificada produtoras de cimento no Mato Grosso
na indústria de cimento. como a principal supridora mundial de do Sul.

46 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


A análise das atividades relacionadas ao Para o processo de resfriamento do
processo de investimento revela que as mai- clínquer, foi dimensionado para liberar o ma-
ores empresas possuem vantagens econô- terial a uma baixa temperatura, evitando que
micas, ou seja, sua maior eficiência é conse- ocorra a falsa pega, que é um endurecimento
qüência do seu maior porte. Tais conclusões do cimento dentro do silo e também melho-
são confirmadas na análise sobre a geração ra a condição de trabalho.
interna de tecnologia relacionada à opera- Conclui-se portanto, que existe uma sé-
ção de fábricas de cimento, em que a capa- rie de atividades em relação às quais a maior
cidade da empresa para inovar é relevante capacitação tecnológica é uma arma de
nas seguintes fases: automação, controle de competição entre as empresas produtoras
qualidade, sistemas de manutenção, adminis- de cimento.
tração da planta e sistemas de distribuição.
Neste aspecto, o leque de opções tecno- 6.2 - Terceirização
lógicas aberto para a firma é razoavelmen- O desenvolvimento de novas tecnolo-
te amplo, uma vez que os mesmos equipa- gias, e sua crescente incorporação no sis-
mentos podem, em geral, ser operado em tema industrial, aumenta a capacidade de
diferentes graus de sofisticação, como por produzir mercadorias com a qualidade,
exemplo a automação, que varia desde os competitividade e produtividade. Nessa
circuitos de controle fechado até o perspectiva, as indústrias de cimento tem
gerenciamento por computadores. utilizado o processo de terceirização9, como
A fábrica de cimento instalada em medida de redução dos custos de produ-
Bodoquena - Mato Grosso do Sul, a mais ção. Tendo como exemplo no Estado a Fá-
moderna em termos de inovação brica de Cimento Camargo Corrêa de
tecnológica, a concepção da fábrica apre- Bodoquena, com maior representatividade
sentou maiores avanços, a começar pela nas atividades de terceirização.
britagem da matéria-prima - o calcário, que Terceirizar significa transferir a tercei-
em um único estágio, através de um britador ros atividades não-essenciais de uma em-
de martelos, reduz o calcário à presa - ou seja, a contratação de serviços
granulometria adequada de alimentação na de terceiros para a realização de ativida-
etapa de produção. Enquanto outras fábri- des-meio, possibilitando-lhe concentrar-se
cas mais antigas existentes no Brasil pos- em atividades-fim.(Faria, 1994).
suem sistemas de britagem do calcário pas- Analisando o processo de terceirização,
sando por três etapas de britagem, com seus Faria (1994) salienta que a palavra de or-
respectivos peneiramentos, até a granulação dem no momento atual é partnership (par-
que permita a alimentação da etapa de pro- ceria) em todo fluxo produtivo, nas relações
dução de cimento. para frente, com o mercado e, para trás,
Outra inovação ocorre na linha de pré- com os fornecedores e também com os em-
homogeneização automatizada, estando en- pregados.
tre a pré-homogeneização e a moagem de Através da teceirização a empresa con-
clínquer, silos de correção que possibilitam tratante concentra-se no seu produto estra-
um maior refinamento em termos de quali- tégico - na produção, naquilo que ela é ca-
dade da farinha. paz de fazer melhor, com competitividade e
Na moagem, existem separadores de alta maior produtividade. As tarefas auxiliares
eficiência que asseguram uma boa e secundárias são feitas por empresas que
homogeneização das partículas moídas o que se especializam, trabalhando de maneira ra-
vai se traduzir, mais à frente, no processo cional e com um custo menor.
de formação de cristais de clíquer. Entre os principais objetivos da
Após a moagem, que também é total- terceirização Faria (1994) destaca os se-
9
A terceirização não está
restrita apenas às tarefas mente computadorizada, há uma torre de guintes: redução de despesas, mudanças
auxiliares de limpeza, pré-calcinação, em cinco estágios, que além organizacionais, racionalização produtiva,
restaurante, etc., mas
envolve, também, parcelas
da pré-calcinação, faz também um pré- especialização flexível e quebra do movi-
importantes do processo aquecimento do material. Dessa forma o mento sindical.
produtivo. As partes da comprimento do forno pode ser reduzido,
produção que não são
A prática da terceirização de etapas do
estratégicas na elaboração do por ser o item mais caro em uma fábrica de processo produtivo do cimento é recente no
produto principal são cimento. Essa inovação possibilita a forma- Brasil, dos quais no Mato Grosso do Sul é
subcontratadas. Ver mais,
sobre subcontratação, na obra ção de cristais menores que vai gerar uma amplamente desenvolvida em diversos ser-
de FARIA, 1994. melhor trabalhabilidade do cimento. viços na Fábrica de Cimento Eldorado - Gru-
Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999
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po Camargo Corrêa em Bodoquena, que ga, conteúdo tecnológico, conformidade a
dedica-se exclusivamente à produção no especificações técnicas, adequação ao uso
momento em que o calcário entra no pro- e durabilidade.
cesso de britagem. Enquanto que a Fábrica
de Cimento Itaú - Grupo Votorantim em 7 - CONSIDERAÇÕES
Corumbá apresenta-se com atividades de
FINAIS
terceiros apenas nos serviços de limpeza,
A localização dos empreendimentos
vigilância e alimentação.
cimenteiros no Estado de Mato Grosso do
As empresas que participam das outras
Sul, contribui significativamente ao desen-
atividades na Camargo Corrêa são contra-
volvimento econômico do espaço regional
tadas do Estados de São Paulo, Paraná e
através das alterações que provoca na or-
Minas Gerais, com serviços de extração,
ganização do espaço sul matogrossense.
transporte de matéria-prima, manutenção in-
Este tipo de atividade industrial, repre-
dustrial, projetos, análise laboratorial,
sentada por dois grupos empresariais de
ensacamento e transportadoras de cimen-
destaque no cenário econômico do país,
to. Para os serviços de limpeza, segurança
principalmente, na produção de cimento,
e alimentação tanto a Camargo Corrêa
reflete o potencial de desenvolvimento do
quanto a Votorantim contratam empresas
Estado nas últimas décadas, dinamizando o
sediadas no Mato Grosso do Sul.
crescimento de estabelecimentos industri-
O pessoal contratado pelas empresas
ais e o aumento do processo de urbaniza-
subcontratadas são do próprio local e de re-
ção no território.
giões vizinhas para as atividades de rotina.
As estratégias adotadas por essas em-
Para os serviços que necessitam de mão-
presas para atender a demanda local, naci-
de-obra habilitada, especializada e experi-
onal à nível regional e internacional à nível
ente, como engenheiros e técnicos, as em-
do Cone Sul, tem ocorrido através da reali-
presas contratam trabalhadores dos gran-
zação de pesquisas, do desenvolvimento de
des centros urbanos e industriais.
tecnologia de produção, da implantação de
metodologia para o controle de qualidade e
6.3 - Competitividade da divulgação do uso do cimento.
A competitividade encontra-se cada vez A modernização dos processos indus-
mais fundamentada em condições triais, à expansão da capacidade empre-
sistêmicas de natureza social, que se refe- sarial local e à elevação do padrão de vida
re à qualidade dos recursos humanos en- da população, nos leva a reflexão da ma-
volvidos nos processo produtivos e na ges- neira como o Estado tem contribuído para
tão das empresas em matéria de sua quali- que haja um equilíbrio dinâmico entre o de-
ficação, escolaridade, capacitação e grau senvolvimento econômico e social, ou seja,
de iniciativa e o envolvimento amplo e cons- para que o crescimento industrial cresça
ciente dos consumidores quanto à exigên- dentro de uma conjuntura econômica mais
cia de qualidade e de conformidade dos pro- favorável, levado a efeito um planejamen-
dutos às normas de saúde, meio ambiente e to integrado que visa ao fortalecimento,
segurança e à padronização técnica envol- aos vínculos e à infra-estrutura necessá-
vida. ( Ferraz, 1995). ria ao setor secundário da economia regi-
A manutenção do sucesso competitivo onal.
das indústrias cimenteira no Estado do Mato Procurando definir a estrutura orga-
Grosso do Sul, no entanto, envolve articula- nizacional da indústria cimenteira, especifi-
ções de envolvimento com o mercado con- camente, no Estado de Mato Grosso do Sul,
sumidor, principalmente com os podemos concluir que a posição geográfi-
revendedores de cimento, implicando orga- ca dos recursos minerais - seja o calcário,
nizações mais intensivas em esforço essencial para a produção cimenteira - ali-
tecnológico e vendas, incluindo alianças ada a outros fatores como os incentivos fis-
comerciais e tecnológicas. cais e redução de custos associado aos fa-
Para se posicionarem favoravelmente tores condicionantes da estrutura industrial
frente à concorrência, as empresas produ- e da competição do setor foram os impera-
toras de cimento incorpora aos seus produ- tivos que determinaram a localização dos
tos aqueles atributos que são valorizados estabelecimentos industriais à produção de
pelo cliente: preço, marca, prazo de entre- cimento.

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A configuração da economia regional no casos crônicos, dos suportes infra-estru-
nível de integração comercial intra e inter- turais (estradas, energia elétrica, organi-
regional repercute no Estado detectado pelo zação do espaço urbano, etc.). Ao mes-
aumento do fluxo de capitais, como pelas mo tempo que cresce a demanda por gas-
potencialidades abertas pela inserção do tos infra-estruturais, o Estado torna-se
Mato Grosso do Sul no desenvolvimento cada vez mais limitado, até mesmo para
regional. E isso repercute no aumento das manter o que já existe. Isso tudo nos re-
atividades industriais, que contribuam para mete à discussão sobre qual o melhor es-
tal desenvolvimento e crescimento do pro- quema de financiamento da infra-estru-
cesso de urbanização e regionalização do tura, qual a função dos municípios inseri-
espaço. dos nesse Estado para ajudar na resolu-
Como elemento de análise, a dificul- ção dessas questões e como o setor pri-
dade de desenvolvimento de qualquer re- vado pode participar de maneira mais sig-
gião, assim como do Estado de Mato nificativa para o desenvolvimento do Es-
Grosso do Sul, está na saídas para o tado, estabelecendo metas de
enfrentamento do problema, em alguns reestruturação produtiva do território.

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50 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 36-50, jan./jun., 1999


A propósito da alfabetização
de jovens e adultos, da
consciência e da cidadania
Elenir Machado de Melo*

Alfabetizar, segundo o Aurélio, signifi- do para o processo de formação da consci-


ca “ensinar a ler”, “dar instrução primária ência.
a” [alguém]. O sujeito que passa pela alfa- Essas são, via de regra, as necessi-
betização adquire o reconhecimento de sím- dades escolares que permitem a compre-
bolos e signos que compõem as palavras ensão dos fenômenos e que traduzem o sen-
escritas que, por sua vez, representam de- tido da “boa escola”.
nominações de coisas e de idéias. É tam- A manipulação, diferentemente das
bém pelo encadeamento dessas idéias que escolas consideradas tradicionais em que
a linguagem escrita (ou a linguagem culta, só se manifesta a memorização e que tem
assim como a linguagem técnica) tornou- suas origens nos princípios medievais, é pro-
se diferente da linguagem falada. duto da necessidade das ciências experi-
Quando se trata de representação de mentais e que se expressa, hoje, naquilo que
coisas, fala-se da materialidade intrínseca chamamos tecnologia. O aprender a fazer,
dos objetos, ou das denominações das coi- fazendo, então, é inerente à sociedade ca-
sas reconhecidas socialmente. O ato de al- pitalista, desde os seus primórdios.
fabetizar crianças, por exemplo, reconhece Entretanto, nossas escolas, quando o
a necessidade, oficialmente, desde caso acima é uma regra, funcionam como
Comenius, de estabelecer correspondência se estivéssemos nas antigas corporações de
entre imagens concretas e o alfabeto e a artes e ofícios, onde o processo é lento e o
palavra. aprendiz está sujeito às manifestações de
Em geral, todas as “linhas pedagógi- humor de seu mestre, muitas vezes inculto,
cas”, por mais arcaico que isso possa pare- e às explorações de seu trabalho com tare-
cer, reclamam por essa necessidade já fas que não dizem respeito ao ofício ensi-
estabelecida por Comenius, no século XVII. nado.
Acrescentam a isso, no entanto, em menor Ou, então, dado o grau de desen-
ou maior grau, a necessidade de manipula- volvimento da tecnologia, hoje, o saber (leis,
ção de objetos concretos, que ajudam a cri- conceitos, princípios) é apreendido de for-
ança na construção de conceitos, ou idéias ma totalmente abstrata, que lembra as
abstratas. memorizações inerentes ao ensino nos
O restrito ato de “ensinar a ler” à tempos passados. A matemática, por
criança passa a ser, então, o reconhecimen- exemplo, possui, também, todo um conjunto
to dos objetos, num primeiro momento, atra- de símbolos e signos, assim como a lingua-
vés da linguagem escrita. Segue-se, portan- gem , e que só são concretizados nas pri-
to, o “desenvolvimento natural” da criança meiras séries do ensino, onde as opera-
no processo de aprendizagem. Não é por ções são primárias. Conforme as opera-
acaso que os conteúdos ministrados nas ções assumem o grau de complexidade,
escolas são estruturados das formas mais são ministradas de forma totalmente abs-
simples às mais complexas, conforme a ma- trata, como se não correspondessem mais
turidade adquirida pela criança no desen- às relações concretas, e que cujos cálcu-
volvimento da aprendizagem, série a série. los, sim, correspondem ao fazer, materia-
Alia-se a isso o ato de manipular coisas, lizados nas construções, finanças, e demais
principalmente quando são ministrados os relações sociais.
conteúdos das chamadas ciências naturais, Nesse ponto, a consciência do edu-
através de laboratórios e estudos in loco da cando é imediatista, tanto quanto a do pro-
*
Professora do DLE/ natureza. fessor que, por sua vez, também aprendeu
CEUA/UFMS - Mestra em Situações concretas são reproduzidas matemática da mesma forma, sem a devi-
Educação e estão sujeitas à manipulação, contribuin- da correspondência real.

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 51-52, jan./jun., 1999


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O que torna a linguagem escrita dife- Mas, aqui, surge um problema que tam-
rente da linguagem matemática, na essên- bém é inerente à vida regular nas escolas,
cia, é o caráter usual freqüente de expres- pois os educandos também possuem difi-
são, qual seja, a de que os homens a utilizam culdades com a palavra escrita e com os
para se expressarem, na forma culta ou não, conteúdos, mesmo alfabetizados desde cri-
ao passo que a matemática transforma-se anças.
na linguagem usual de especialistas. Isso advém daquilo que tratamos aci-
Mesmo as linguagens escrita e fala- ma: é impossível à escola, na sua forma atu-
da nos dias atuais sofrem mutações, à me- al, a compreensão e a conscientização do
dida que a linguagem visual toma forma e fato de que os objetos e mesmo as ciências
cria significados especiais, como são os são produtos das relações sociais; que o
casos do cinema e da televisão, que expres- saber teórico é produto do trabalho e das
sam, muito mais do que palavras, atitudes e relações entre os homens, mesmo escondi-
comportamentos. do na forma abstrata da matemática.
Assim, o princípio do aprender, fa- Assim, na atualidade, o trabalho com jo-
zendo, através da manipulação, torna-se vens e adultos não pode ficar restrito à alfa-
uma forma limitada de adquirir conhecimen- betização, fato que denota a concepção li-
tos teoricamente elaborados pela humani- mitada da instrução. Muito mais do que isso,
dade. Mesmo porque a escola não tem verifica-se a necessidade de que o papel pri-
meios, nem recursos, para reproduzir a con- mordial da escola seja o de educadora sem,
tento as situações reais, quando se alfabe- no entanto, assumir a forma da “sala de
tizam jovens e adultos. aula”, permitindo o acesso ao saber, para
Nesse sentido, a simples manipulação todas as camadas sociais, na construção da
de objetos, no processo de alfabetização, cidadania.
inerentes ao trabalho concreto do jovem e Porém, se a suposição de que a escola
do adulto, conscientizadora, como quer Paulo educa e forma cidadãos conscientes, o en-
Freire, é uma visão unilateral dessa alfabe- sino da escrita não pode limitar-se ao reco-
tização, isto porque, cada coisa em nossa nhecimento dos símbolos mas, sim, à com-
sociedade expressa, de forma não materi- posição de relações que os conceitos en-
al, mas abstrata, relações sociais concre- cerram, inclusive o de cidadania. É neces-
tas, ou seja, cada coisa possui o seu signifi- sária, portanto, a utilização de parâmetros,
cado e o seu significante social. tanto no reconhecimento da escrita, quanto
Alfabetizando-os para reconhecer ob- da condição do indivíduo na sociedade, fren-
jetos através da linguagem escrita, limitada te aos demais indivíduos.
ao fazer do trabalhador, reproduz também Educar o cidadão, no sentido mais am-
uma forma limitada de consciência, como plo seria, então, buscar, na escrita, na leitu-
se o mundo fosse aquilo que o pedreiro, por ra, aquilo que ensine que a humanidade já
exemplo, faz, além de tratá-los como se passou por determinadas experiências e que
fossem crianças com suas operações pri- pode aprender com elas.
márias, quando, na verdade, carregam já, Parâmetros significam comparações
em si, concepções e impressões dos signi- que, para serem estabelecidas, não podem
ficados, dos significantes e dos aconteci- ser escolhidas ao acaso mas aquelas que,
mentos, mas não conseguem expressá-los realmente, contribuem para a construção
simbolicamente. da consciência, principalmente da consci-
A grande dificuldade em se expressar ência social.
através da palavra escrita é resultante do É por isso que a educação do cidadão,
processo, que não foi desenvolvido da for- na nova LDB, antecede à formação para o
ma “normal”, desde criança. mundo do trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. LEIS, DECRETOS, ETC. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (Darcy Ribeiro). Estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
COMÉNIO, João Amós. A didática magna. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1975.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Porto : Afrontamento, 1975.

52 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 51-52, jan./jun., 1999


Monitoramento de fenômenos
erosivos em vertentes no
NW do Paraná
Valdir Specian*
Maria Teresa de Nóbrega**
José Edezio da Cunha***

Durante 8 meses, de agosto/96 a mar- pluviométricos, utilizando a proposta


ço/97, foi realizado o monitoramento de para a coleta de CABRAL & MACIEL
duas parcelas de erosão (Fig. 1), situadas FILHO (1991). A pluviosidade foi de-
em pontos diferentes de uma mesma ver- terminada por pluviógrafo instalado pró-
tente (alta e média vertente), no Campus ximo a uma das parcelas (alta verten-
de Arenito – UEM, em Cidade Gaúcha te). Além da determinação do total de
(PR). sedimentos mobilizados pelo escoamen-
to superficial, determinou-se também
sua granulometria. Uma série de pinos
para controle das modificações na
micromorfologia da vertente foi insta-
lada ao lado da parcelas, em área pro-
tegida e que foi mantida sob vegetação
espontânea (quadro 1).
Os resultados obtidos indicaram que
o sistema de amostragem por alíquotas não
reflete a real intensidade do fenômeno es-
tudado, principalmente aquele desencade-
ado sob fortes chuvas. A quantificação por
alíquota representa apenas de 25% a 50%
do total da carga transportada. Contudo, foi
possível constatar que: a erosão promovida
pelo escoamento superficial é mais intensa,
cerca do dobro, na parcela localizada no se-
tor de média vertente do que naquela de
alta vertente; a intensidade das chuvas tem
uma influência direta na granulometria do
material transportado e na quantidade de
água infiltrada e escoada.
As medidas realizadas com os pi-
nos enterrados (enterramento padrão de
15cm) registraram a montante um re-
baixamento da superfície entre 0,8 e 3,0
cm em 5 meses. Na porção mediana do
terreno monitorado, os pinos evidenci-
aram um acréscimo entre 2,4 e 5,0 cm,
*
Professor Substituto do enquanto que a jusante, esse acrésci-
DGC/CEUA/UFMS Figura 1 - Parcelas de erosáo mo oscilou entre 6,4 e 9,7 cm. As per-
**
Profª. Drª. do das e ganhos observadas mostraram
Departamento de Geografia que, sob vegetação, o escoamento su-
da UEM/Maringá – PR.
As parcelas de 50 m2 foram
(orientadora) mantidas descobertas (solo nú) e a co- perficial se faz através de inúmeros
***
leta do material carreado para as cai- canais rasos e anastomosados, promo-
Prof. Ms. do
Departamento de Geografia xas coletoras foi realizado tomando-se vendo uma redistribuição de material ir-
da UEM/Maringá – PR. um alíquota de 4 litros, em intervalos ir- regular tanto no sentido lateral como
(coorientador) regulares, de acordo com eventos para jusante na vertente.

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 53-54, jan./jun., 1999


53
4m

-1 I-2 I-3
16,2cm 18,1cm 14,8cm

I-4 I-5
13,6cm 13,3cm

6 I-7 I-8
12,8cm 13,2cm 14,8cm

I-9 I-10
11,4cm 9,6cm

I-11 I-12 I-13


12,6cm 10,5cm 10,4cm

I-14 I-15
13,5cm 12,4cm

6 I-17 I-18
11,6cm 7,0cm 7,7cm

I-19 I-20
5,3cm 8,4cm

Quadro 1 - Esquema de distribuição dos pinos de erosão

Referências Bibliográficas
CABRAL, I. L. L. & MACIEL FILHO, C. L. Medidas de erosão e deposição em solos arenosos. Geografia,
Rio Claro, 16(2): 95-116, outubro 1991.

54 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 53-54, jan./jun., 1999


Potencialidade ambiental nas
altas bacias do Negro e do
Taboco no Mato Grosso do Sul
Valter Guimarães*

1 - INTRODUÇÃO crescente interesse nas “vantagens que os


“Limitado nas bordas Leste e Oeste por solos da região” oferecem para o desen-
águas fluviais”, a superfície do Estado de volvimento econômico da pecuária. Pelo
Mato Grosso do Sul transmite ao observa- menos esta tem sido a alegação mais co-
mum, quando o assunto tem sido a pecuá-
dor comum a noção de uma extensa linha
limítrofe divisora de águas, cortando o Es- ria de corte e a referência a solos tem sido
aos do Cerrado.
tado de Norte a Sul, como ponto inicial e
condutora das ações transformadoras, pro- SCOLARI (1988), tratando da pro-
duzindo uma diversidade de paisagens blemática da produção de carne bovina na
sulmatogrossenses. região dos Cerrados, do ponto de vista eco-
Mato Grosso do Sul, localizado na re- nômico, concluiu que a “produção de carne
gião Centro-Oeste do Brasil, possui área em pastagem consorciada mista (duas
total de 357.47l,5 km2, situando-se na rota gramíneas e duas leguminosas) foi econo-
de mercados potenciais de toda a zona oci- micamente viável em todas as alternativas
dental da América do Sul e costa do Pacífi- tecnológicas analisadas”. Recomenda, no
co. Faz fronteiras com as repúblicas do entanto, que o relaxamento na manutenção
Paraguai e da Bolívia e liga-se à Argentina dos investimentos por parte dos produtores
pela bacia do rio da Prata, onde tem acesso é obstáculo que sugere a “formação de pas-
ao Oceano Atlântico. No contexto nacio- tos após o cultivo da área por um ou dois
anos com uma cultura anual”. Para chegar
nal, sua localização constitui também con-
dição estratégica ímpar para o desenvolvi- a esta conclusão este autor buscou resulta-
mento econômico, face à proximidade com dos considerando as atividades em áreas
os grandes centros consumidores e distri- com pastagens nativas, áreas com pasta-
buidores do país, o Sudeste e o Sul. Esta gens nativas melhoradas e áreas com pas-
localização confere-lhe excepcionais con- tagens cultivadas.
dições de exercer o papel de centro
redistribuidor de insumos e produtos oriun- 2 - JUSTIFICATIVA
dos dos grandes centros de produção para Nas áreas das Altas Bacias dos rios Ne-
o restante do Centro-Oeste e Norte do Bra- gro e Taboco no Mato Grosso do Sul, onde
sil. Inclue-se, preferencialmente como um os rumos da espacialização do uso da terra
dos principais caminhos no MERCOSUL. tem sido, com raríssimas exceções, volta-
Em termos de potencialidade das terras, dos para a atuação da pecuária de produ-
predominam áreas com vocação para pasta- ção de carne, os Cerrados com pastos nati-
gem natural, pastagem plantada e lavoura. vos vêm sendo transformados em pastagens
Quanto à estrutura fundiária, estudos recen- nativas melhoradas.
tes mostram que de 1985 para cá, houve um Os incentivos à produção de alimentos,
aumento relativo no número de estabelecimen- aliados à preocupação com a produtividade
tos, passando dos cinquenta e quatro mil para a baixos custos, direcionam os produtores
aproximadamente sessenta mil, predominan- a intensificar o uso da terra com a pecuá-
do em mais de 80% as propriedades com áre- ria, ampliando as áreas de pastagens nati-
as inferiores a 1.000 hectares. O quadro de vas, transformando-as em áreas de pasta-
utilização das terras mostra que mais de 75% gens nativas melhoradas.
vem sendo utilizado com pastagens nativas, Este “melhoramento” das pastagens,
pastagens nativas melhoradas e pastagens implica na verdade, em ir além no processo
*
Professor do DGC/CEUA/ cultivadas(GOV.DO MS. - 1993). de raleamento da vegetação nativa com a
UFMS - Doutor em A preocupação com os destinos da retirada de arbustos e ervas, seguida de
Geografia ocupação da terra tem ido de encontro ao aração e/ou gradagem aradora em faixas

Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 55-60, jan./jun., 1999


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ou em partes da área. No raleamento que rando a ocorrência atividades erosivas que
vem sendo praticado, tem sido incluidas a significam a movimentação destes verten-
maioria das espécies arbóreas de pouco te abaixo(CHRISTOFOLETTI, 1979).
valor comercial, conhecidas como “madei- Outro tipo de impacto a ser considerado é
ra branca”, aliás dominantes nas paisagens o das queimadas que levam também à eli-
do Cerrado sulmatogrossense, em detrimen- minação da cobertura vegetal inicial. E por-
to de outros condicionantes naturais que ne- que não considerar também como impacto
cessariamente devem ser levados em con- ao ambiente a uniformização da paisagem,
ta, tais como os da susceptibilidade à ero- gerada pelas atividades antrópicas.
são dos solos, a topografia e a extensão das Todas estas afirmações chamam a
vertentes, além das necessidades hídricas. atenção para o fato de que prioriza-se o
campo das determinações políticas quando
3 - OBJETIVOS se consideram as questões acima, uma vez
que “as mesmas contingências que deter-
Os encaminhamentos desta pesquisa,
minam a partição desigual dos recursos na-
contemplando a aparência topográfica do
turais entre os segmentos sociais determi-
relevo, mapeado em classes de declividades,
nam também os padrões tecnológicos que
a partir de cartas planialtimétricas editadas
levam à ocorrência dos impactos”.
em 1971 pela Diretoria do Serviço Geográ-
A manutenção de processos ecológicos
fico do Exército, com os tipos de ocupação
essenciais e sistemas de sustentação da
da terra, mapeados a partir de imagens
vida tais como solo, florestas, sistemas de
orbitais editadas em 1993 e 1994 pelo Insti-
usos agrícolas, etc., significava administrar
tuto Nacional de Pesquisas Espaciais, per-
as terras aráveis segundo padrões altos e
mitem:
ecologicamente corretos e ainda, proteger
- contribuir com o crescimento da ofer-
os divisores de águas, o que nos leva a re-
ta de trabalhos científicos sobre o Mato
pensar a idéia de integração entre con-
Grosso do Sul;
servação e desenvolvimento, em benefí-
- analisar a relação existente entre fon-
cio da sobrevivência e do bem-estar da
tes cartográficas indicadoras da extensão
população(LEROY, 1997).
areal dos espaços representativos das con-
Parece oportuno lembrar que o cresci-
dições de susceptibilidade à erosão com os
mento da produção no campo, além de sig-
da potencialidade geoambiental, produzin-
nificar desenvolvimento econômico é, nos pa-
do-se mapa associativo;
íses onde a intensidade do crescimento siquer
- analisar a relação existente entre a
foi planejada, um risco certo para a transpo-
espacialização das faixas areais das clas-
sição dos limites críticos. No Mato Grosso
ses de declividades com as das classes de
do Sul, na região estudada, os efeitos do
uso e ocupação da terra, produzindo-se
desflorestamento e mesmo simplesmente do
mapa associativo;
desmatamento, vem comprovando que a
- correlacionar o mapeamento associa-
substituição intensiva do natural pelo artifi-
tivo das condições de susceptibilidade à ero-
cial leva à agressão do Meio. Os efeitos desta
são e potencialidade geoambiental, com o
agressão estão de imediato nos solos não pela
mapeamento associativo das faixas de
incapacidade de recuperá-los, mas sim pelo
declividade e do uso e ocupação da terra,
desinterêsse em assim proceder. Enfim, leva
através de aplicativos computacionais.
a pensar o que significaria, em meios práti-
- possibilitar a produção de indicativos na
cos, a adoção de políticas de integração en-
tomada de medidas voltadas à utilização raci-
tre conservação e desenvolvimento, num Es-
onal da superfície planáltica servida pelas re-
tado onde aplicar recursos na recuperação
des de drenagem dos rios Taboco e Negro no
de áreas degradadas vem sendo preterida,
centro-oeste de Mato Grosso do Sul.
em benefício de projetos de desenvolvimen-
to regional voltados para incrementar cada
4 - POTENCIALIDADE E vez mais a produção, principalmente a do
SUSTENTABILIDADE DO gado de corte. O dinheiro “fácil” num setor
AMBIENTE de pouca preocupação com os destinos dos
Pode-se dizer que, a utilização de mé- recursos naturais, aliado ás dificuldades da
todos agrícolas de trabalhamento da terra, implementação de ações fiscalizadoras, são,
permitem a ocorrência de impactos a partir com certeza, subsídios ao distanciamento de
da eliminação da cobertura vegetal incial, qualquer interêsse nesta falada integração.
quando as transformações mais importan- FRANCISCO (1996), a partir de es-
tes daí decorrentes são a destruição do re- tudos da Comissão Mundial Sobre Meio
curso vegetal, recursos genéticos, habitats Ambiente e Desenvolvimento em 1987,
da fauna, exposições de solos desnudos ge- considera que tal integração pode ser

56 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 55-60, jan./jun., 1999


conseguida com a estratégia do Desenvol- caracterizam o estado de constância ou
vimento Sustentável, este que visa promo- equilíbrio do ecossistema”. A busca deste
ver a harmonia entre os seres humanos e equilíbrio leva-nos a refletir sobre a utiliza-
entre a humanidade e a natureza. No con- ção dos recursos naturais, notadamente os
texto específico das crises do desenvolvi- solos nas suas diferentes formas de utiliza-
mento e do meio ambiente surgidas nos anos ção. Partindo do pressuposto de que as te-
oitenta, aquele autor afirma que o Desen- orias sobre o Desenvolvimento Sustentável
volvimento Sustentável requer: e a própria sustentabilidade do ambiente im-
- sistema político que assegure a efeti- plicam na necessidade de recursos estraté-
va participação dos cidadãos no processo gicos nas diferentes formas de utilização, o
decisório; uso agrícola dos solos, na diversidade dos
- sistema econômico capaz de gerar ex- sistemas agrícolas organizados necessita
cedentes e bagagem técnica em bases considerar, por exemplo, a partir de quais
confiáveis e constantes; parâmetros os agricultores tomam decisões
- sistema de produção que respeite a a nível de cultivo(econômicos, ecológicos,
obrigação de preservar a base ecológica do sociais, culturais), ou seja, o que realmente
desenvolvimento; se considera numa tomada de decisões, ou
- sistema social que possa resolver as ainda o que deveria ser considerado. Preo-
cupado com a sustentabilidade nos sistemas
tensões causadas por um desenvolvimento
agrícolas, GIPS (1986) propõe que:
não-equilibrado;
- quando a quantidade dos recursos na-
- sistema tecnológico que busque cons-
turais é mantida e conservada a sua vitali-
tantemente novas soluções;
dade, a sustentabilidade pode ser conside-
- sistema internacional que estimule pa- rada ecológicamente correta;
drões sustentáveis de co-
mércio e financiamento;
- sistema administra-
tivo flexível e capaz de
autocorrigir-se.
Disto se deduz da ne-
cessidade de
compatibilização entre o
desenvolvimento econô-
mico e o meio ambiente,
ou seja, necessidade de
sustentação ou mesmo
sustentabilidade, que
tem sido vista como um
objetivo desejado do de-
senvolvimento econômico
e do gerenciamento
ambiental. Daí se conclui
da perspectiva ecológi-
ca, econômica, social e
cultural conforme o con-
texto ao qual se aplique.
Ainda, conforme
mencionado por FRAN-
CISCO (1996), “O ho-
mem, através de sua ação
de transformação no
ecossistema tem procura-
do alcançar a
sustentabilidade ecológica
através do manejo das
condições .......instaladas
onde tem buscado recom-
por ou introduzir informa-
ção, matéria e energia
para manter constante os
volumes (biomassa), as
taxas de trocas e os rit-
mos de circulação que
Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 55-60, jan./jun., 1999
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- quando produzindo e garantindo auto- De certa forma, no Primeiro Patamar
suficência, os agricultores praticam a con- estão as cabeceiras dos rios formadores do
servação dos recursos naturais minimizando Taboco e no Segundo Patamar as cabecei-
os riscos, os encaminhamentos da ras dos rios formadores do Negro. Com flu-
sustentabilidade enveredam-se pelos rumos xos contrapostos, num comportamento
da viabilidade econômica; subsequente, ambos se constituem em ní-
- se as necessidades básicas de todos veis de base responsáveis pela esculturação
os membros da sociedade vem sendo aten- das formas de relevo, a partir da Depres-
didas, direitos de uso da terra e acessibili- são Interpatamares.
dade ao capital pelos agricultores, os Após percorrerem todo o trecho de seus
direcionamentos da sustentabilidade na agri- Alto Cursos, infletem geometricamente em
cultura caminham para a justiça social; cotovelos de direção obsequente, mergu-
- se a totalidade das formas de vida vi- lhando na Depressão do Pantanal, atraídos
vem sob regime de dignidade e respeito, o pelo nível de base mais baixo.
aspecto cultural está sendo devidamente Na área das Altas Bacias a amplitude
enfatizado. altimétrica do relevo varia dos 250 aos 350
metros, tornando a energia dos fluxos re-
5 - RESULTADOS presentativa no carreamento de águas e se-
ALCANÇADOS dimentos para o Pantanal.
A região proposta para estudos está A produção dos mapas da Declividade
encravada no setor centro-oeste de Mato e do Uso e Ocupação da Terra, apoiados
Grosso do Sul, ocupando 4.897,55 km2 de em fontes cartográficas de escala 1:100.000
área que corresponde às Altas Bacias dos permitiu obter alguns resultados interessan-
rios Negro e Taboco, em superfície tes:
planáltica da unidade geomorfológica do - Os mapas da Declividade(foram cons-
Planalto de Maracaju-Campo Grande truidos um para cada Alta Bacia), revelam
(RAMBRASIL -1982), em litologias re- que ao longo dos canais principais dos rios
presentativas do Arenito Furnas, ocupando Negro e Taboco, dominam intensamente os
faixa expositiva, de oeste para leste, em intervalos de declividades menores, limita-
relevo de Cuestas da Bacia Sedimentar do das a percentuais inferiores a 8% e mais
Paraná e Primeiro Patamar.Tem nas areais representativos na porção sul destas Altas
quartzosas os solos dominantes; Arenito Bacias. No entanto, à exceção da faixa les-
Furnas e Aquidauana correspondendo à ex- te da Alta Bacia do Rio Negro, todos os
posições inseridas na Depressão demais espaços encontram-se intensamen-
Interpatamares, preenchida por diversicados te retalhados, caracterizando os avanços
tipos de solos; em litologias do Arenito das ações exógenas na dissecação do rele-
Botucatu, correspondendo à faixa leste da vo.
área e Segundo Patamar, com solos -Os mapas de Uso e Ocupação da
Litólicos, Podzólicos e Latossolos. Terra,por sua vez indicam também os avan-

58 Revista Pantaneira, Aquidauana, MS, 1(1): 55-60, jan./jun., 1999


ços antrópicos consideráveis da atividade desequilíbrios no ambiente relacionados a
econômica da pecuária e principalmente no fenômenos de erosão acelerada do tipo
aumento da área ocupada com pastos nati- vossoroca já são preocupantes, principal-
vos melhorados, especialmente na faixa mente se considerada também as necessi-
compreendida pelos Primeiro Patamar e dades das reservas hídricas como indispen-
Depressão Interpatamares. Nesta faixa os sáveis na complementação do processo de
riscos de susceptibilidade erosiva baseadas engorda do gado de corte(GUIMARÃES
no fator solo indicam grau moderado para - 1992).
dominância de cobertura de solos de areias Na Alta Bacia do Rio Negro, de norte
quartzosas. para leste, sobre o Segundo Patamar,
Examinando dados relativos a algumas visualiza-se na Carta de Declividade a
formas de utilização da Terra no Mato Gros- dimensidade do relevo tabular do
so do Sul, a partir de dados censitados da “Chapadão de São Gabriel D`Oeste” de
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia inclinação plana a suave ondulada, sobre o
e Estatística, referentes ao período de 1970 qual desenvolve-se a segunda maior frente
a 1985, constatou-se que naquele período a de uso agrícola do solo no Estado de Mato
área utilizada com lavoura permanecia bas- Grosso do Sul. Visto a partir do Mapa de
tante inferior quando comparada à área uti- Uso e Ocupação da Terra, da direção leste
lizada com pastagens. No entanto, alguns para a borda ocidental do Segundo Pata-
aspectos significativos para as considera- mar, os cultivos agrícolas da soja e do milho
ções a partir dos pressupostos da Teoria do dividem o espaço com as atividades agrí-
Desenvolvimento Sustentável e da própria colas dos pastos cultivados. No entanto,
sustentabilidade do ambiente puderam ser apesar dos extremismos dos limites das fai-
analisados: xas com pastagens cultivadas estar próxi-
- a utilização da terra com pastagens mos da borda escarpada do Segundo Pata-
naturais vem sofrendo redução constante, mar, os cuidados técnicos com a utilização
a uma média de dez por cento a cada cinco da terra parecem dar mais segurança à
anos; sustentabilidade do ambiente, quando com-
- a utilização da terra com pastagens paradas às das faixas com pastos nativos
plantadas vem sofrendo aumento constan- melhorados.
te, a uma média de aproximadamente sete Nesta primeira bateria de análises da
por cento a cada cinco anos; utilização agrícola dos solos nas Altas Ba-
- lavouras do tipo permanente perma- cias do Negro e do Taboco, os sistemas de
necem razoavelmente equilibradas quanto trabalhamento agrícola das terras para a pro-
à porcentagem de utilização, com altos e dução de pastagem plantada, devido aos al-
baixos a cada cinco anos para o período tos custos talvez, ou mesmo devido às polí-
mencionado acima, com perspectivas de ticas de desenvolvimento regional, estão sen-
redução desta prática; do trabalhados sem a representação da qua-
- lavouras do tipo temporárias, entre- lidade exigida no processo. Os atalhos para
tanto, mantém-se em baixo rítmo crescen- a falta de capital, das garantias para a
te. comercialização contínua da produção, vêm
Na região das Altas Bacias dos rios Ne- sendo os de minimizar os custos. É exata-
gro e Taboco, o retrato que se tem torna mente aqui, que a opção de continuar parti-
mais representativa a ocupação crescente cipando do processo produtivo tem levado
com pastagens naturais melhoradas. pecuaristas a revolver a terra na busca de
Entretanto, examinando imagens ampliar os espaços de pastagem natural, pon-
orbitais desta região, para o ano de 1994, do abaixo a “escória” de cerrados, em be-
pode-se constatar que a intensidade da subs- nefício das melhorias das pastagens nativas.
tituição das áreas de vegetação natural em Refletindo sobre proposições da
benefício das atividades agropecuárias, tor- sustentabilidade do ambiente relacionan-
nam-se preocupantes na medida em que a do-as à região das Altas Bacias do Negro
estratégia dos sistemas de cultivo ou de uso e do Taboco, tudo transparece contrário a
agrícola da terra, venham sendo praticados tal temática. A investigação científica de-
sem a menor preocupação com a conser- verá buscar respostas junto aos estabele-
vação do ambiente produtivo, ou melhor di- cimentos rurais da região que permitam en-
zendo, com a sustentabilidade do espaço tender a problemática real que o produtor
agropastoril. rural vem encontrando quando da tomada
Assim, à medida em que a custos me- de poder decisório sobre a implementação
nores a espacialidade areal da atividade de de sistemas de cultivo ou de ocupação da
engorda do gado utilizando-se de pastagens terra, subsidiando melhores conclusões
nativas melhoradas vem sendo ampliada, os que possam levar a uma política de apoio

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à utilização do ambiente sob a perspectiva tação da produtividade, na garantia de auto-
da sua sustentabilidade. Julga-se, em prin- suficiência econômica ao produtor e não
cípio, que faltam subsídios à política de apenas em indicadores de potencialidade
aproveitamento dos recursos naturais geoambiental sem regras definidas para
embasados nas condições reais de susten- uma utilização segura.

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A VIDA URBANA
Um estudo da obra de
Henri Lefèbvre, para
melhor entendimento das
ruas e calçadas de Campo Grande
Antônio Firmino de Oliveira Neto*

INTRODUÇÃO aspecto. No acompanhamento do raciocínio


Ao decidir como objeto de estudos as ruas do autor, pode-se deduzir que a humanidade
e calçadas de Campo Grande-MS, alguns já nasceu urbana e que o intenso processo de
desafios aparecem de imediato. Campo gran- industrialização que se instalou a partir da re-
de é uma cidade relativamente nova e que volução industrial, apenas acelerou e deu uma
teve uma verdadeira explosão demográfica , nova dinâmica à urbanização e ao fim da soci-
a partir da década de 60, devido ao êxodo edade agrária.
rural provocado pela entrada do capital ... durante longos séculos a Cidade foi
monopolista no campo da região. percebida, concebida, apreciada em face
Este fato leva ao pesquisador a se con- do campo, mas através do campo, em face
frontar com o problema do inchaço da cida- a natureza. Ora, há um século a situação
de e por conseguinte do desarranjo do seu se reverteu; o campo é concebido e per-
espaço urbano. Aliada a isto, a falta de plane- cebido em referência à Cidade. Ele recua
jamento, faz com que determinadas regiões diante da Cidade que o invade.1
da cidade sofra com a total falta de infra- A industrialização como fenômeno atua e
estrutura, necessária para dar mais qualidade é apenas contexto e pretexto. A urbanização
de vida aos moradores do local. Em decor- a inclui na sua problemática. Desta forma os
rência disso, verifica-se que os governos do referenciais mudaram. Com a industrializa-
município estão constantemente correndo ção e com a apropriação parcial por ela pro-
atrás do seu crescimento, executando obras, piciada, a cidade explode e se torna referencial
quase sempre em caráter de urgência e com para toda a sociedade. Embora a grande ci-
estudos (quando existentes), apenas superfi- dade ofereça inúmeras opções, no que se
ciais. pode chamar de suas seduções e suas tenta-
Para um melhor entendimento dessa lógi- ções, na verdade não importa onde o indiví-
ca de organização do espaço nas cidades ca- duo habite, se em uma grande metrópole,
pitalistas e as suas conseqüências nas ruas e numa pequena cidade do interior, ou até mes-
calçadas é que foram escolhidas duas obras mo no campo, suas aspirações serão prati-
do sociólogo francês Henri Lefèbvre. Por- camente as mesmas. Com a socialização da
tanto os limites deste trabalho serão os de energia elétrica e com a massificação dos
discutir as idéias de Sociedade Urbana e da meios de comunicação, haverá sempre uma
importância da Rua, dentro desta sociedade, grande parcela dos moradores dos diferen-
contidas nas suas obras: De lo Rural a lo tes locais, que após um dia estafante de tra-
Urbano e A vida Cotidiana no Mundo mo- balho, sentará diante da televisão para assis-
*
Professor do DGC/CEUA/ tir à novela das oito, num total assimilação da
UFMS - Mestre em
derno.
forma urbana de viver.
Geografia.
Ainda seguindo o raciocínio de Lefèbvre,
A VIDA URBANA pode-se ver que o grande salto no sentido de
1
Na concepção de Henri Lefèbvre a socie- alcançar esse patamar de urbanização da so-
LEFÈBVRE, Henri. A
vida cotidiana no mundo
dade urbana ou a vida urbana é que dá o sen- ciedade foi dado com a massificação do con-
moderno. São Paulo, ed. tido da industrialização e por conseguinte do sumo. Para o filósofo francês, após a 2ª
Ática, 1991. p. 126 progresso que nela é contido, como segundo Guerra Mundial houve a homogeneização da

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indústria e o fim da Cultura Medieval. Até ta forma, num problema fundamental da
aquele momento os objetos artesanais se so- sociedade urbana.
brepunham aos objetos fabricados industri- Outros problemas surgem com a urbani-
almente e como eles continham valores já zação da sociedade. O tédio que sente os
ultrapassados, veiculavam lembranças utili- moradores dos grandes conjuntos
zadas pela aristocracia e pela burguesia para habitacionais (os de apartamentos principal-
exprimir-se. mente) totalmente iguais e monótonos na sua
Após a 2ª Grande Guerra, sob o impulso paisagem, concebidos dentro de uma inteli-
do neocapitalismo, a economia de mercado gência analítica, ou com uma razão pura-
se sobrepõe a produção artesanal e instala o mente analítica levada às últimas conseqü-
que às vezes se denominou de Cultura Ma- ências, pode ser mais um deles. Pois essa
terial. O mercado capitalista encarrega-se dos inteligência distingue e separa tudo o que
bens de consumo duráveis e transforma o pode ser distinguido e separado no real. Nos
mundo no mundo das mercadorias. grandes conjuntos habitacionais a segrega-
O que se pode perceber, a partir daí, é ção é levada aos níveis mais extremos. Têm-
que se tem um intenso processo de industri- se conseguido separar sobre o terreno as
alização numa sociedade dominada pelas re- condições sociais, as idades e até mesmo o
lações de produção e de propriedade capita- sexo. Nos novos bairros é comum a ausên-
listas. Assim tem-se a explosão da cidade e a cia da juventude, com toda a sua forma pe-
extensão da urbanização até o mais longín- culiar de viver e de encarar a vida, como tam-
quo lugarejo. Chega-se então, com isso, num bém das pessoas idosas.
mercado mundializado, onde as aspirações Nos grandes conjuntos habitacionais es-
consumistas de um morador de uma fazenda palhados pelas grandes cidades, a ausência
no interior de Mato Grosso do Sul são quase de uma vida social expontânea e orgânica,
as mesmas de um morador do subúrbio da causada pela segregação, faz com que os in-
metrópole paulistana. Pois as diferenças que divíduos procurem uma privatização absolu-
anteriormente existia entre a forma de gastar ta da sua existência. A sua vida social passa
do camponês e do operário se desfazem. O a se restringir exclusivamente à família. Mas
camponês perdeu a festa, a principal razão por razões diversas que incluem os fortes
dos seus gastos e para o quê sempre destina- ruídos da cidade e o uso excessivo da televi-
va parte de suas produção e provisão. são (apenas para dar alguns exemplos), a in-
A vida urbana se impõe e com ela apare- timidade tem desaparecido da vida familiar,
cem necessidades profundas, necessidades que tende a se converter na vida privada no
novas da civilização urbana. Os ritmos se sentido mais duro da expressão, ou seja, um
fazem diferentes e o estudo sobre a relação embutimento do ser social humano.
entre o espaço e o tempo torna-se imperativo A sociedade urbana impõem, ainda, um
para um melhor entendimento da sociedade. arranjo espacial, de modo que os antigos
Para mim, sua importância é extrema. Se monumentos e praças públicas já não encon-
trata de chegar a encontrar a relação en- tram mais nenhuma (ou quase nenhuma) li-
tre o espaço e o tempo segundo a idéia gação com o atual desenho da cidade e que
geral, ou se preferir, o princípio de análi- os novos monumentos e as novas praças
se, de que todo o espaço social é emprego praticamente não existem.
de tempo. O espaço é a manifestação de As ruas, as calçadas, os parques de lazer,
um emprego de tempo em uma determi- estão todos enquadrados dentro da concep-
nada sociedade.2 ção de organização espacial capitalista, onde
Lefèbvre já distingue, na sociedade urba- o mais importante é a produção e a circula-
na, três espécie de tempo: a) Tempo Livre ção de mercadorias. As ruas se transformam
(ou tempo para o lazer); b) Tempo Obrigado em largas avenidas, com intenso fluxo de
(ou tempo que se dedica ao trabalho); e c) veículos por durante a maior parte das 24
Tempo Constrangido (ou tempo gasto em horas do dia. As calçadas são tomadas por
atividades que surgem sobre os habitantes das todo tipo de instrumentos, que estando de
cidades, como por exemplo o deslocamento acordo com a lógica capitalista, fazem com
casa-trabalho-casa, ir ao banco, etc.). Segun- que o pedestre transeunte esteja constante-
do ele, o cidadão urbano, dos países desen- mente desviando de postes, abrigos para ôni-
2
LEFÈBVRE, Henri. De lo volvidos, gasta cada vez mais o seu tempo bus, tapumes, bancas de revistas, bangalôs,
rural a lo urbano. em atividades do tempo constrangido, en- pedintes, buracos das empresas de água, luz
Barcelona, ediciones quanto que o tempo gasto com o trabalho e telefone, camelôs e em muitos casos até de
Penísula, 1978 4ª edição diminui e o tempo gasto com o lazer e o ócio bicicletas, motos e automóveis.
(trad. Javier Gonzales
continuam sendo o mesmo, se tornando, des- Desta forma, o ser humano perde a rua,
Pueyo). p. 221

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perde a calçada, perde as praças, os butiquins apesar de caminharem lado a lado se tocan-
e está perdendo a casa. Morando cada vez do e roçando uns aos outros, não se conhe-
mais em pequenos cubículos chamados de cem e jamais tornarão a se ver novamente.
apartamentos que têm como principal carac- Deserto superpovoado, por isso ela fascina e
terística o fato de serem funcionais. Os apar- não tarda a decepcionar. Quando vazia, aban-
tamentos, além do inconveniente de estar em donada, ela se torna atraente justamente pelo
um conjunto habitacional, não comportam seu vazio.
nenhuma apropriação por parte dos seus Como lugar de espetáculo, a rua não po-
moradores. Fica assim o trabalhador, cada deria deixar de apresentar o maior de todos:
vez mais, sujeito às leis do capital, que com o espetáculo do consumo. Nela todos os bens
mais uma contradição, ao mesmo tempo em da terra são oferecidos para quem quiser olhar
que agrega a população de uma grande cida- e sonhar. Atrás das vitrines todos os objetos
de, construindo grandes conjuntos se apresentam à espera que se concretize todo
habitacionais, grandes prédios de escritóri- o processo produtivo. Ali se realiza o circui-
os, grandes lojas de departamentos, termina to que converte a mercadoria (que é valor de
por segregá-las. troca) em objetos de desejo e portanto em
Lefèbvre denomina essa sociedade de produto de consumo. Por isso a rua se trans-
Sociedade Burocrática de Consumo Dirigi- forma no local onde a realidade se apresenta
do, que segundo ele transforma o homem mais dura, já que é nela que se percebe a
em Cibernantropos e que precisa ser estuda- falta de dinheiro e se conhece a frustração.
da e entendida, não como sonho de se cons- Desta forma o dinheiro torna-se o todo po-
truir um Novo Urbanismo, mas com o intui- deroso imperador.
to de produzir um texto social mais justo e Todos esses aspectos contribuem para
mais humanista. que o habitante das grandes cidades perca a
rua. Mas sem dúvida, o elemento que mais
contribui para este fato é o automóvel. O
A RUA objeto-rei ou a coisa-piloto, como se refere
A rua se repete e se muda como a Lefèbvre. Pode-se verificar que o autor faz
cotidianidade, começa assim Lefèbvre, ao no livro ‘A vida Cotidiana no mundo moder-
falar sobre a rua de uma grande cidade. Para no’, uma verdadeira apologia do automóvel.
ele, nesses casos, a rua oferece espetáculo e Que ele é capaz de reger múltiplos compor-
é só espetáculo. Variável e idêntico, sem sur- tamentos em muitos domínios, que vão da
presas, salvo quando acontecem acidentes. economia ao discurso.
A rua com certeza, apresenta um bom texto O trânsito se apresenta como a mais im-
social. Nela todos os tipos de gente se mes- portante das funções sociais. Em virtude dis-
clam. Os diferentes tipos de classes e extra- so verifica-se a importância dada aos estaci-
tos sociais se confundem, embora continu- onamentos nos centros das grandes cidades,
em a existir e a distinguir-se por meio de sig- onde prédios inteiros (em muitos casos vali-
nos, muitas vezes imperceptíveis aos olha- osos para o patrimônio cultural) são demoli-
res menos atentos. dos para dar lugar às vagas para clientes.
Para o autor, na rua todos são espetáculo Também devido a isso, os técnicos
e espectador, todos figuram no texto social redesenham a cidade, construindo viadutos,
por ela produzido. Uma pessoa participa do túneis, pontes e avenidas, sempre em busca
espetáculo que é o dia-a-dia de uma rua, pe- de um sistema viário adequado. Desta for-
los simples fato de nela estar, de nela passar. ma, concebe-se o espaço de acordo com as
A sua participação dependerá do seu humor, pressões do automóvel e o circular substitui
destino, situação e satisfação. Se está ali para o habitar. Lefèbvre, no entanto, concorda que
passear, se tem muito ou pouco tempo, se carro passou a ser, para muitas pessoa, um
está bem ou mau vestido. Cada um terá na pedaço da sua moradia, mas insiste no fato
rua seus problemas, suas angústias, suas pre- de que no trânsito automobilístico, as coisas
ocupações. Na rua, mil pequenos psicodramas e as pessoas se misturam sem se encontrar.
e sociodramas se desenvolvem e nela podem Cada indivíduo fica fechado em sua caixa e
ter seu início, meio e fim. isso contribui para um deterioramento da vida
A rua quando cheia, é o espetáculo do urbana. Apesar do risco, dos mortos e feri-
possível ou de possibilidades reduzidas ao um dos e das estradas sangrentas, o automóvel
espetáculo. Por ela pode-se ver passar mu- se tornou, ainda segundo o autor, num resto
lheres bonitas ou feias, homens belos ou não, de aventura do cotidiano, tomando um pou-
pessoas elegantes ou maltrapilhas, ou seja, co o lugar do jogo e criando um mínimo de
todos os tipos de grupos e indivíduos que prazer sensível.

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Ainda perseguindo o raciocínio de O autor deixa claro que seus estudos se
Lefèbvre, o automóvel determina uma práti- referem às sociedade regidas pelo modo de
ca e se considera (é considerado inconscien- produção capitalista. Isso também esclarece
temente, por todos) o objeto total. Ele tem as preocupações dos tecnocrátas em relação
sentido. Ele estabelece hierarquias que pode ao redesenho dos espaços urbanos (em qual-
ser sensível (tamanho, preço e potência) ou quer grande cidade do mundo), na busca de
mais, a das performances (coragem, habili- melhores condições para a circulação de
dade e esperteza). mercadorias, pessoas e dinheiro, facilitando
Desta forma, a existência prática do au- o consumo. Desta forma a organização do
tomóvel (transporte e utensílio) é apenas uma espaço no mundo atual, obedece às leis im-
porção de sua existência social. Esse objeto postas pelo capitalismo, que se aproveita da
carrega consigo uma dupla realidade intensa: tendência de urbanização da humanidade,
sensível e simbólica, prática e imaginária. O para fazer cumprir com maior velocidade todo
carro se tornou símbolo de posição social e o seu processo produtivo.
prestígio. Signo de consumo e consumo de Trazendo a discussão para o objeto prin-
signos. Signo de felicidade e felicidade dos cipal dos meus estudo que são as ruas e cal-
signos. O automóvel representa o urbanismo çadas da cidade de Campo Grande, pode-se
tecnicista na sua plenitude e a plenitude da observar que as análises efetuadas por
sociedade urbana consumista. Lefèbvre, em muito, encontra abrigo na for-
Outro ponto de destruição das rua tem ma como se deu o desenvolvimento daquela
sido os novos bairros, ou conjuntos cidade. Devido ao inchaço pelo qual passou
habitacionais, a medida em que as privilegi- nas décadas de 60, 70 e 80, muitos conjun-
am para a circulação automobilística e como tos habitacionais foram construídos, ocasi-
via de trânsito. Dissimulando o seu valor so- onando problemas semelhantes aos encon-
cial, que é o de arrancar as pessoa do isola- trados pelos autor nos novos bairros ou ci-
mento e da insociabilidade. Lefèbvre afirma dades novas, por ele pesquisados. O que au-
que um novo urbanismo deveria reconstruir menta ainda mais a importância de se fazer
a rua na integralidade de sua funções e tam- um estudo mais aprofundado de sua obra.
bém em seu caráter transfuncional, ou seja, Para concluir, é fundamental que se res-
estético e simbólico. salve que o estudo foi feito em apenas dois
O autor ainda fala sobre a função da rua dos livros da imensa obra de Henri Lefèbvre.
na pequena cidade. Lugar de trânsito de Portanto não se pode dizer que aqui estejam
pessoas e animais que se submetem aos contempladas todas as discussão que o au-
ritmos do mundo que dominam a vida so- tor fez sobre a problemática urbana. Mas do
cial e se submetem todavia aos homens. O pouco estudado deixa claro que Lefèbvre
tempo e estabelecido pela horas, idas, se- busca as razões de suas análises em um fun-
manas, meses e também pelas estações. do antropológico e que ele apresenta sempre
Assim como as estações da vida, a juven- um lado humanista, preocupado com uma
tude, o casamento, a velhice e os enterros, sociedade mais justa. Por isso nada melhor
são dominados mais pelo tempo do que pelo do que terminar este breve estudo com um
espaço. trecho seu.
Um espaço é a inscrição no mundo de um
CONCLUSÃO tempo. Os espaços são realizações inclu-
Após fazer um estudo de uma obra, com sões na simultaneidade do mundo exter-
essa importância, algumas comparações se no de uma série de tempos, de ritmos da
tornam inevitáveis. Nas obras escolhidas, cidade, de ritmos da população urbana e
Henri Lefèbvre fez um estudo sobre a vida neste sentido, como sociólogo, posso pro-
cotidiana no mundo atual, assim como a ur- por a idéia de que a cidade não será real-
banização da sociedade, tendo como mente replantada, reconstruída sobre suas
referenciais as sociedades européias (fran- atuais ruínas, enquanto não se tenha com-
cesa principalmente). Como se pode perce- preendido que a cidade é um emprego de
ber, as semelhanças com as características tempo e que este tempo é dos homens,
da sociedade brasileira são muito grandes, o dos habitantes, sem humanismos filantró-
que evidencia ser a urbanização um proces- picos, sem frases humanitárias, sem
3
LEFÈBVRE, Henri. De lo so mundial e a cotidianidade um aspecto im- humanismo no antigo costume e que tem
rural a lo urbano. portante na homogeneização das sociedades que organizar de forma humana este tem-
Barcelona, ediciones capitalistas. po destes homens que são os habitantes.3
Penísula, 1978 4ª edição
(trad. Javier Gonzales
Pueyo). p. 211

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