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Est. Port. Afric., Canipinas, (40): 63-83, Jul./Dez. 2002 VIDA DO CATIVO MONGE CONFESSO: EDICAO SEMIDIPLOMATICA DAS VERSOES ALCOBACENSES PORTUGUESA (COD. ALC 181) E LATINA (COD. ALC 367) CESAR NARDELLI CAMBRAIA Universidade Federal de Minas Gerais 0. INTRODUCAO O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma ediciio semidiplomatica simulténea de uma mesma obra - Vide'do Cativo Monge Confesso, de autoria de Sao Jerénimo (347-420) - em suas versées portuguesa € latina que se encontram nos cédices medievais portugueses que pertenceram & livraria do Mosteiro cisterciense de Santa Maria de Alcobaga e que atualmente se encontram no Fwrtdo de Alcobaga da Biblioteca Nacional de Lisboa. Com esta edigio, pretende-se disponibilizar aos interessados uma leitura fidedigna e completa dos textos jé referidos. Por um lado, a adogaa de normas semidiplomaticas rigorosas viabiliza estudos lingiiisticos das obras citadas, uma vez que se reproduzem fielmente suas caracterfsticas grafematicas, fonoldgicas, morfoldgicas, sintticas e lexicais; por outro lado, a edigdo simultanea das versGes portuguesa ¢ latina torna ainda possfvel investigagdes sobre a relagio entre um texto latino e sua versio vernacular na Idade Média portuguesa. Naturaimente a presente edigdo é de utilidade nZo apenas aos lingiiistas mas bem aos estudiosos de literatura medieval, religido e hist6ria que se preocupam em consultar edigées fidedignas em relagao as fontes primarias. 1, BREVE DESCRICAO' DOS CODICES ALC 181 E ALC 367 O eéd. ALC 18] (olim XXXVI) compée-se de 160 féls. de pergaminho com dimensio média de 276 x 185 mm, distribuidos em 21 cadernos de geralmente 8 fols. A mancha, de 196 x 127 mm, comporta em média 26 linhas, " A presente descrigao baseia-se em informagdes extrafdas fundamentalmente de Atafde Mels (1930-1932), Amos (1988-1990) ¢ Askins, Faulhaber & Sharrer (2001). escritas em letra gética cursiva do séc. XV’. No fl. 148v, o escriba se identifica ¢ data o manuscrito: Sf afies o fez Era iiij’ liiij ano, isto é, Estevao Annes 0 fez no ano 1454 da Era Hispanica - 1416 da Era Crista (tratar-se-ia do mesmo escriba do céd. ALC 208 (olim CXLIV)). A versio portuguesa da Vida do Cativo Monge Confesso encontra-se entre os féls. 153v-157v, em que se percebem dois punhos (1° punho: féls. 153v-156v; ¢ 2° punho: féls. 157r-157v). O texto portugués da Vida do Cativo Monge Confesso j4 foi editado anteriormente por Roseira (1932) e Nunes (1932). A presente edigio’ nao apenas retifica as falhas existentes nas anteriores, como também se baseia em normas de edig%io mais rigorosas e explicitas do que as das precedentes. Quanto a natureza das normas adotadas nas edigdes anteriores do texto portugués, hd alguns aspectos que convém comentar: a) Roseira (1932) adotou, de forma geral, normas de edi¢dio conservadoras (as normas aparecem listados as p: 135 a 137): manteve o emprego dos grafemas original, representou em itélico os desenvolvimentos de abreviatura, assinalou em nota as modificagGes no uso de maitisculas e mintisculas (exceto as de nome préprio), colocou entre colchetes insergGes de sua autoria, manteve a pontuacao original (mas substituiu os sinais de caldeirao por ponto), informou a mudanga de félio através de barra vertical. Empregou também algumas normas mais modernizadoras: inseriu apéstrofo para marcar caso de elisio, nao Tegistrou a translineagao original, inseriu aspas para assinalar discurso direto, modificou a separagiio vocabular original (marcando, porém, com um ponto alto essa intervengao). b) Nunes (1932), ao contrdrio, utilizou normas bem mais modernizadoras: adaptou o sistema grafematico em fungio do de sua época (regularizou uso de , de , de , de , de (suprimindo-o), de maitisculas e mindsculas, de nasais mediais e finais); nao assinalou os desenvolvimentos de abreviaturas em itdlico; inseriu hifens, apéstrofos e travessdes; inseriu antes de + consoante iniciais; substituiu a pontuagao original, repontuando o texto; inseriu marcas de pardgrafo ausentes do original; suprimiu passagens do texto’. * Roseira (1932:55), apés anélise de fatos lingiifsticos, situa a linguagem do texto na primeira met. do sée. XV. Aventa o texto poder ser uma cépia em fungio do acréscimo interlinear da preposigio com as formas arcaicas nosco (linha 137) € mjgo (1. 174) A presente edigio do texto portugués constitui uma versio reformulada da que, por sugestio do Prof. Dr. Heitor Megale, realizaram Cambraia & Lobo (1995). Agradece-se aqui a ambos pela contribuigao na elaboracdo da referida versio preliminar, * Em sua resenha & ediglio de Nunes (1932), Roseira (1934-1935) chama a atengio para certas inconstancias na regularizagio realizada por Nunes bem como para discordancias existentes entre sua leitura ¢ a dele. 64 Embora a edigio de Roseira (1932) seja muito superior 4 de Nunes (1932) em rigor, constatam-se falhas em ambas: assim, por exemplo, Roscira (1932:143) se equivocou ao ler fazia mas Nunes (1932:73) feu acertadamente faria’; por outro lado, Roseira (1932:144) leu corretamente ef e Nunes (1932:74), no entanto, cometeu deslize ao ler como Eu. Na impressao da edigio de Roseira verificam-se casos em que o desenvolvimento de abreviatura nio aparece assinalado em itdlico (marcado nos exemplos a seguir por negrito): cf. seer por seer (linha 33 da ed. de Roseira), conprir por conprir (1. 56), gram por gram (I. 63), tragiamos por tragiamos, mjm por mjm (i. 98), casos de substituic¢ao nao prevista de letras: cf. caminho por camjnho (1. 68), perdi por perdy (1. 175); casos de mudanga de sinal de pontuagio: falta ponto depois de terras (1. 26), sobra ponto apés rrem (1, 32). Todas as divergéncias entre as edigdes prévias aparecem no aparato critico da presente edi¢do. O céd. ALC 367 (olim XV) compde-se de 180 fdls. de pergaminho com dimensao média de 345 x 235 mm, distribuidos em 22 cadernos de geralmente 8 féls. A mancha, de 255 x 162 mm, comporta em média 30 linhas. O texto est& escrito em letra francesa, segundo Athafde e Melo (1932:340); ou em Protogothica formata, segundo Amos (1990:108). Nao ha identificagéo do escriba nem da data do manuscrito, embora haja consenso em situar este no séc. XII. A versio latina da Vida do Cativo Monge Confesso acha-se entre os féls. 39r-42r. Segundo o que se apurou, essa versio latina do cédice alcobacense estava inédita até 0 presente momento. Roseira (1932), que informa ter cotejado o texto portugués da obra em questo com 0 texto latino do céd. ALC 367 e ainda com © da edigdo presente em Hieronymus (1566), reproduz eventualmente trechos da versio do céd. ALC 367 na segio Anotacées (pags. 147-162), fazendo diversas regularizagdes. Embora nao se tenha tido aqui acesso direto & edigdo latina de 1566, suas variantes citadas por Roseira foram incorporadas no aparato critico do texto latino, bem como as variantes da edigZo feita por Migne (1844-65). Embora nao haja espago aqui para uma descrigao minuciosa dos aspectos paleogrdficos e lingiifsticos” dos manuscritos com a versao portuguesa e latina da Vida do Cativo Monge Confesso, nio se pode deixar de comentar alguns fatos interessantes. * E curioso que Roseira (1934-35:323) insistiu na leitura errada - fazia - em sua resenha & edigio de Nunes. Trata-se claramente de um r redondo (embora com a “bartiga” pontiaguda) € no de um z: para constatar tal fato, basta confrontar o z de jazia (trés linhas abaixo, no mesmo folio!) com a forma presente na palavra em questiio. ° Em relagdo a versio portuguesa, hd j4 a extensa, porém nio exaustiva, andlise lingiifstica de Roseira (1932:44-52, 125-135); ¢ ainda a andlise do sistema de abreviaturas e 0 glossirio exaustivo de Cambraia & Lobo (1995). 65

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