Belo Horizonte
FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
2009
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Agradecimento
Homenagem
À memória de meu pai Vasconcelos. Ele, tal qual um veleiro, se foi. Eu apenas o perdi
de vista.
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RESUMO
A perícope de Mc 15,40-16,8 corresponde ao clímax narrativo do Segundo Evangelho. Deseja
elucidar o testemunho das mulheres diante da cruz (15,40), no sepultamento de Jesus (15,47)
e diante do anúncio do jovem no sepulcro vazio (16,6). Esta trama narrativa, que evidencia o
querigma da morte-ressurreição de Jesus, lança a perspectiva do encontro com Jesus na
comunidade dos discípulos na Galiléia. Com o imperativo “ide dizer”, as mulheres são
convocadas a testemunhar Jesus Ressuscitado. A trama põe em clarividência o protagonismo
do discipulado e do serviço das mulheres. Este trabalho busca luzes para compreender a
magnitude do discipulado e do serviço na comunidade cristã e elucidar a importância do
testemunho qualificado das mulheres. Estas que, com sua práxis, corroboram a profissão de fé
do centurião que diz: “Na verdade, este homem era Filho de Deus” (15,39).
PALAVRAS-CHAVES
Catequese narrativa, teologia marcana, akolouthein, mathētēs, diakonein, análise narrativa,
eixos semânticos, mulheres testemunhas.
ABSTRACT
The scripture passage, Mk 15, 40 – 16, 8, narrates the climax of the Second Gospel. Its
intention is to elucidate the testimony of the women regarding the Cross (15, 40); the burial of
Jesus (15, 47) and the pronouncement of the youth in the empty tomb (16, 6). The storyline,
which reveals the kerygma of the death and resurrection of Jesus, launches the perspective of
the encounter with Jesus in the community of the disciples in Galilee. The imperative “Go and
tell” summons the women to go and bear witness to the resurrected Jesus. The plot gives clear
evidence of the protagonism of the discipleship and service of the women. The objective of
this paper is to comprehend the magnitude of discipleship and service in the Christian
community and to elucidate the great importance of the testimony of the women who with
their praxis confirm the profession of faith of the Centurion who says “In truth, this man was
the Son of God”.
KEY-WORDS
Catechetical narrative, Markan theology, akolouthein, mathētēs, diakonein, narrative analysis,
semantic axes, women witnesses.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 7
2.1 PROBLEMÁTICA.....................................................................................................................39
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2.11 UM MINI-DRAMA ..................................................................................................................57
CONCLUSÃO GERAL...............................................................................................................................111
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SIGLAS E ABREVIAÇÕES
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INTRODUÇÃO
O desejo de elaborar esta pesquisa tem seu advento com e a partir do estudo da
Teologia. O interesse em aprofundar os estudos se deu de forma clara a partir da leitura do
Evangelho de Marcos, principalmente sob a intenção de compreender o querigma elaborado
por aquele evangelista, tendo como inspiração a dinâmica narrativa que mais se parece com
um convite a responder “quem é Jesus?”.
1
O tema inspirador da V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe, ou Conferência de
Aparecida, “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que nossos povos nele tenham a vida”, refere-se ao
discipulado no Evangelho de João, no qual se narra: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
7
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algumas mulheres na cena. Este trabalho, portanto, nasceu do enorme desejo de compreender
a presença daquelas mulheres no cenário cruel da morte de Jesus, no saudoso lugar chamado
sepulcro e no relato da ressurreição. Ainda que este trabalho não tenha a pretensão de resolver
o problema do seguimento e do serviço das mulheres, o desejo de pensar a diferença do
discipulado, a partir do relato marcano, o ilumina e o orienta. É possível considerar que
também hoje as mulheres vivenciam a profunda experiência do testemunho, a partir da
coincidência entre a palavra ouvida e vivenciada. As mulheres, chamadas por Jesus ao
seguimento, compreendem a dinâmica do caminho da cruz e do serviço fraterno. O
seguimento e o serviço podem ser entendidos não a partir do gênero, mas da abertura irrestrita
do coração para a experiência amorosa com o mestre que chama a seguir e a servir.
Para tal reflexão, será tomado como ponto de partida o texto de Mc 15,40-16,8, o
relato final do Evangelho de Marcos. Esta escolha não foi aleatória. A perícope em questão
tem como pano de fundo e cenário o testemunho da morte de Jesus, a visita das mulheres ao
sepulcro e o anúncio da ressurreição de Jesus, bem como a ordem de as mulheres irem
anunciar que Jesus está vivo e que precede os discípulos à Galiléia. Esta brilhante narrativa
apresenta o testemunho das mulheres frente à cruz de Jesus. Elas são testemunhas da morte,
do sepultamento e do anúncio da ressurreição. A narratividade marcana ganha singularidade
por causa da simplicidade e exatidão narrativa. Com matizes suaves Marcos considera a
temática do testemunho, do seguimento (akolouthein) e do serviço (diakonein) das mulheres,
bem como o serviço dos agentes narrativos envolvidos na intriga narrativa, José de Arimatéia
e o jovem, junto ao sepulcro vazio, que anuncia que Jesus ressuscitou.
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O segundo capítulo toma Mc 15,40-16,8 como caso exemplar. Neste capítulo,
apresentamos a problemática central, ou seja, o que o texto da perícope nos oferece para falar
a respeito do testemunho, do seguimento e do serviço das mulheres. Será oportuna a
utilização da tradução instrumental e da crítica textual ou documental, bem como a elaboração
dos demais passos do estudo diacrônico. Após observar os recursos literários da perícope, será
necessário estudá-la sob a perspectiva de um mini-drama composto de três cenas rápidas e
importantes para o macro-relato marcano. Evidencia-se, portanto, o testemunho das mulheres,
fundamental para a compreensão do discipulado e do serviço das mesmas na comunidade
cristã.
Este trabalho só atingirá seu objetivo se ao final do mesmo o leitor se sentir chamado a
buscar novos horizontes hermenêuticos para a problemática do seguimento (discipulado) e
serviço (diaconia) das mulheres na Igreja atual. Quem sabe o presente trabalho sirva como
base para a reflexão de outros estudantes no compromisso com a leitura bíblica e com o
alargamento da compreensão do seguimento e do serviço prestado pelas mulheres na
comunidade dos discípulos de Jesus.
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1 MARCOS E A AKOLOUTHIA/DIAKONIA: ESTADO DA
QUESTÃO
“Tudo começou com um encontro. Algumas pessoas
entraram em contato com Jesus de Nazaré e com ele ficaram”.
(W. Kasper, Jésus, le Christ).
1
Cf. TAYLOR, V. Evangelio según san Marcos. Madrid: Cristandad, 1979. p. 35.
2
O “movimento de Jesus” pode ser designado a partir de um grupo ligado a Jesus em sua vida terrena. Nos
Evangelhos, tais membros, são nomeados “discípulos” (mathētēs). A pesquisa atual visou a encontrar dados
históricos que corroboram a tese do “movimento” como dinâmica iniciada com Jesus em sua pregação. Alguns
dados da tradição permitem afirmar que, em poucas décadas, ocorreu um desenvolvimento sócio-religioso
relevante no movimento Jesus. Para Stegemann, o movimento Jesus se situa no coração dos movimentos
carismáticos no tempo de Jesus. Cf. STEGEMANN, E.; STEGEMANN, W. História social do
protocristianismo: os primórdios no judaísmo e as comunidades de Cristo no mundo mediterrâneo. São Paulo:
Paulus, 2004. p. 217.
3
O tema central do Evangelho de Marcos é a identidade de Jesus. Para Aldana, Marcos quer mostrar à
comunidade quem é Jesus (cf. ALDANA, H. O. M. O discipulado no Evangelho de Marcos. São Paulo:
Paulinas/Paulus, 2005. p. 8). Para Marcos, a fé judaico-cristã não é uma ideologia (nem um corpo de doutrina
teórico prática) é o reconhecimento da revelação histórica de Deus em um povo, de modo especial, na carne de
Jesus de Nazaré (cf. FAUSTI, S. Ricorda e raconta il vangelo: la catechesi narrativa di Marco. Milano: Ancora,
1998. p. 5).
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Destarte apresentando Jesus em suas palavras e ações, Marcos deseja despertar o
leitor-ouvinte da Palavra ao seguimento-discipulado, à experiência profunda de engajamento
com o mestre Jesus.
No século XIX, a adesão de muitos exegetas à teoria das duas fontes5 (a pregação de
Pedro e o protomarcos) conduz ao interesse em estudar o Evangelho de Marcos não somente
como obra literária, mas como documento, no qual se verificam camadas das tradições
supostamente “autênticas”, que podem servir de reconstrução da personagem histórica de
Jesus.
4
Cf. TAYLOR, p. 31.
5
Cf. TUYA, M. Biblia comentada: evangelios. BAC: Madrid, 1963. p. 617.
11
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segundo o qual a messianidade de Jesus não deve se tornar pública antes da ressurreição. O
segredo messiânico seria um produto do cristianismo primitivo. Wrede toma como ponto de
partida a ausência da reivindicação messiânica do Jesus histórico e permite reconciliar as duas
cristologias em conflito no cristianismo primitivo: uma cristologia “baixa”, segundo a qual
Jesus se tornaria Messias a partir da ressurreição, e uma cristologia “alta”, que interpretava já
a existência de Jesus terrestre em termos messiânicos. Não se faz necessário dizer que esta
hipótese foi largamente discutida e que, hoje como ontem, está muito distante de um
consenso. A leitura dos escritos de Wrede sobre o Segundo Evangelho é fundamental para a
compreensão da teologia do autor do Evangelho de Marcos e sua intenção literário-narrativa,
afirma Cuvillier6.
Na linha da crítica moderna, surgida nas primeiras décadas do séc. XIX10, desenvolve-
se no século XX a “crítica redacional”. Em 1956 tem origem a tese marcante e consagrada de
6
Cf. CUVILLIER, L. Evangile de Marc. Geneve: Labor et fides, 2002, p. 17.
7
No dia 30 de setembro de 1943, por ocasião da memória de São Jerônimo e do cinqüentenário da encíclica
Providentissimus Deus; Pio XII publicou uma encíclica sobre os estudos bíblicos, a Divino Afflante Spiritu. Tal
encíclica é de suma importância para os estudos exegéticos. Cf. DH 3825.
8
Desde o princípio do século II o testemunho externo atribui unanimemente a paternidade do segundo
Evangelho a Marcos, “o intérprete de Pedro”, fixando o lugar de composição em Roma, apesar de que as
opiniões posteriores o situam em Alexandria. Sobre a data de composição surgiram variadas tradições, porém o
conjunto dos dados inclina a situá-lo em uma data posterior ao martírio de Pedro, não durante sua vida. Cf.
TAYLOR, p. 34. Segundo Pesch, “o anonimato da obra indica a autoridade da Palavra, que sustenta a pregação
da Igreja”. Cf. PESCH, Il vangelo di Marco. vol 1. Brescia: Paideia, 1980. p. 80.
9
O Evangelho favorito da Igreja primitiva foi o de Mateus. Desde Agostinho, seguiu-se a opinião que a única
coisa que fez Marcos, foi seguir e abreviar Mateus. Durante a Idade Média e depois da Reforma, se escreveram
alguns comentários, mas não se percebeu a prioridade de Marcos. Também passou muito tempo para se
reconhecer o valor da crítica histórica sobre o estudo do Evangelho de Marcos.
10
Vale lembrar que muitos foram os que nesta época dedicaram seus estudos ao Evangelho de Marcos.
12
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Willi Marxsen sobre o Segundo Evangelho: Der Evangelist Markus, Studien zur
Redaktionsgeschichte des Evangeliums. Marxsen afirma que o Evangelho de Marcos pode ser
visto como uma obra teológica construída a partir do uso de fontes reinterpretadas na
“textura” redacional.
A partir dos anos 1980, a nova crítica literária (particularmente a narrativa) privilegia a
leitura e análise sincrônica dos Evangelhos. Citamos, neste sentido, a obra de David Rhoads e
Donald Michie, Mark as Story: an introduction to the narrative of a Gospel (1982). Por esta
época aparecem também várias formas de leitura do Evangelho, como sejam as materialistas
(em meados da década de 1970), retóricas (no fim dos anos de 1970), feministas11 (sobretudo
nos EUA) e, recentemente, as leituras psicológicas12 e espiritualizantes13. O Segundo
Evangelho foi comentado e estudado por diversas perspectivas: histórico-crítica, narrativa14,
semiológico-estrutural15, sociológica16, psicanalítica, etc17.
11
Embora estudando o discipulado de iguais no Evangelho de Mateus, Fiorenza faz alusão ao Evangelho de
Marcos (cf. FIORENZA, E. S. Discipulado de iguais: uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação.
Petrópolis: Vozes, 1995).
12
Cf. CUVILLIER, p. 18.
13
Uma leitura espiritual do Evangelho de Marcos é encontrada na obra recente de A. Grün (cf. GRÜN, A. Jesus
caminho para liberdade: O Evangelho de Marcos. São Paulo: Loyola, 2006). Podemos encontrar também uma
leitura orante de Marcos, baseada na lectio divina (cf. FAUSTI, S. Ricorda e raconta il vangelo: la catechesi
narrativa di Marco. Milano: Ancora, 1998).
14
O método de análise narrativa (da obra marcana) pode ser evidenciado no trabalho de C. Focant (cf. FOCANT,
C. Evangile selon Marc. Paris: Cerf, 2004).
15
A leitura estrutural pode ser observada na obra de O. Genest (cf. GENEST, O. Le Christ de la passion:
perspective structurale: analyse de Marc 14,53 - 15,47, des paralleles bibliques et extra-bibliques. Montreal:
Bellarmin, 1978). Lembramos também o estudo lingüístico-semântico elaborado por Nolli (cf. NOLLI, G.
Evangelo secondo Marco. Roma: Agencia libro cattolico, 1978).
16
A forma de leitura sociológico-libertadora pode ser observada na obra de C. Gallardo (cf. GALLARDO, C. B.
Jesus homem em conflito: o relato de Marcos na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1997).
17
Cf. HERRERO, F. P. Evangelio según san Marcos. In. GUIRRARO OPORTO, S.; SALVADOR GARCIA, M
(Eds). Comentário al Nuevo Testamento. 2. ed. Madrid/Atenas, Madrid/PPC, Salamanca/Sígueme,
Navarra/Verbo Divino, 1995. p. 125. (La casa de la Biblia). BABUT, J-M. Actualite de Marc. Paris: Cerf, 2002.
Também encontramos algumas leituras latino-americanas sobre o Evangelho de Marcos: ARENS, E.;
ASCENSIO, L. A.; DIAZ MATEOS, M. El que quiera venir conmigo: discípulos según los evangelios. Lima:
CEP, 2007. ALDANA, H. O. M. O discipulado no Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas/Paulus, 2005.
MAZZAROLO, I. Evangelho de Marcos: estar ou não com Jesus. São Paulo: Mazzarolo, 2004.
13
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pessoa de Jesus e todo seu movimento18. Marcos aparentemente não poupou esforços para
retratar Jesus como pregador do Reino de Deus e o envolvimento dos discípulos no anúncio
do mestre, bem como as conseqüências do seguimento por ele proposto.
Carlos Palácio afirma que os evangelhos surgem para firmar concretamente a figura de
Jesus. “Narrar o querigma do crucificado e ressuscitado no quadro da ‘história’ de Jesus é
explicitar o querigma cristológico de maneira realmente significativa”23. Portanto, o
Evangelho de Marcos oferece uma figura concreta para a fé cristã: Jesus, o Messias.
18
Cf. HERRERO, p. 126.
19
Cf. FOCANT, C. Evangile selon Marc. Paris : Cerf, 2004. p. 29
20
BULTMANN, R. L’ histoire de la tradition synoptique, suivie du complément de 1971. Paris: A. Malet, 1973.
p. 452.
21
Cf. CONZELMANN, p. 185.
22
Cf. PESCH, p. 33.
23
PALÁCIO, C. Jesus Cristo história e interpretação. São Paulo: Loyola, 1979. p. 46.
24
No idioma do NT, “o termo euangelion pode indicar a mensagem alegre da salvação e o conteúdo da pregação
de Jesus”. Progressivamente, indicará o próprio Jesus: ele não é somente o agente da pregação, mas é ao mesmo
tempo conteúdo do Evangelho (cf. DUQUOC, C. Cristologia: ensaio dogmático I. São Paulo: Loyola, 1992. p.
66).
25
Em Paulo, to. euvaggeli,on tou/ Cristou/ não deve ser entendido só como a concreta proclamação missionária,
mas, antes, a correspondente catequese: didaché, destinada a aprofundar e imprimir o anúncio da ressurreição de
Jesus, o fundamento da fé cristã (cf. I Cor 15,3ss). Este didático anúncio paulino, na forma de uma explanação
histórico-narrativa do princípio da fé, que visa à salvação, é devedor da herança judaica, na qual a “boa nova”
compreende a tensão entre a promessa profética e a realização histórico-escatológica (cf. PESCH, p. 34).
14
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O autor do Segundo Evangelho está inserido no processo de recepção e de uso do
conceito “evangelho” anunciado por Jesus (1,15; 14,9). O “evangelho” se constituí
proclamação: a vinda do Reinado de Deus. A “Boa-Nova” de Jesus Cristo é compreendida por
Marcos como missão e anúncio do Reino, a “descida” de Deus ao chão da história dos
homens.
Sobrino afirma:
Jesus não fez de si mesmo o centro de sua pregação e missão. Jesus se sabia, vivia e
trabalhava a partir de algo e para algo distinto de si mesmo. [...] A vida de Jesus foi
uma vida des-centrada e centrada em torno de algo distinto de si mesmo. [...] Isso
que é central na vida de Jesus aparece nos evangelhos expresso com dois termos:
‘reino de Deus’ e ‘Pai’26.
Desta forma, faz-se possível compreender os eixos teológicos27 existentes no
Evangelho de Marcos: por um lado, os interesses missionário e querigmático, ou melhor, da
missão e do anúncio; por outro, o intuito de revelar Jesus e o Reinado do Pai, inaugurado por
Jesus (Mc 1,14). O anúncio do Reino por Jesus e o anúncio de Jesus crucificado-ressuscitado
estão teologicamente relacionados e não se compreende um sem o outro.
Com exceção de Mc 1,1 e 1,14, Marcos põe sempre a expressão euangelion na boca de
Jesus. Portanto, “na visão de Marcos, o evangelho é a boa nova de Jesus Cristo, quer dizer, a
boa notícia que Jesus trouxe da parte de Deus”29. Ocorre também em Marcos a expressão
keryssein to euangelion (1,14 e 14,9), traduzida “anunciar o Evangelho”. Esta expressão
sintetiza a missão eclesial: proclamar a Boa-Nova de Jesus.
26
SOBRINO, J. Jesus, o libertador. A história de Jesus de Nazaré. São Paulo: Vozes, 1994.
27
PESCH, p. 34.
28
Cf. CUVILLIER, p. 7.
29
SCHILLEBEECKX, E. Jesús: la historia de um Viviente. Madrid: Cristandad, 1981. p. 99.
30
Cf. LENTZEN-DEIS, F. Comentário ao Evangelho de Marcos. São Paulo: Ave Maria, 2003. p. 37.
15
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Segundo J. Mateos e F. Camacho, o propósito de Marcos seria demonstrar que em
Jesus se realiza a plenitude humana (o Filho do Homem) e que o homem pleno é o Messias
Filho de Deus e não o Messias davídico, tão esperado pela comunidade judaica31. O Messias
Jesus, o Filho de Deus, é universal, enquanto aquele, esperado por Israel, é particular. Em
Jesus, a salvação é possível a todos, pois ele se fez servo de todos os homens.
Marcos recolhe em seu tesouro tradições preciosas sobre Jesus que circulavam na boca
e na memória das pessoas das primeiras comunidades. À estrutura narrativa – um relato de
viagem durante um ano – subjaz um critério teológico, que supõe a íntima relação entre Jesus
e o Pai34. Na vida do crucificado, há a epifania do Messias, o Filho-Servo de Deus, o Filho do
Homem.
31
Cf. MATEOS, J.; CAMACHO, F. Marcos: texto y comentario. Madri: Almendro, 1994. p. 13.
32
GNILKA, J. Teologia del Nuevo Testamento. Madri: Trotta, 1998. p. 162.
33
Esta afirmação pode ser encontrada na obra de Frankemölle, na obra Evangelium. O autor fala de um aspecto
básico intra-cristão, que foi o que possibilitou pela primeira vez o gênero literário evangélico (cf. GNILKA,
Teologia, p. 164).
34
As relações do filho Jesus com o Pai e do Pai com o filho Jesus podem ser verificadas em Mc 1,11; 9,7; 14,36;
15,33. Evidentemente que esta não é uma preocupação marcana, mas é possível identificar a relação de Jesus e
Deus na narrativa marcana.
16
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Pesch afirma que o material do Evangelho de Marcos, distintamente de Lucas, não
apresenta um “método de apresentação histórica de seu tempo”, mas uma história passada
“em forma teologicamente meditada e pura, ao mesmo tempo popular e narrativa” 35.
1.3.1 Redação
35
PESCH, p. 54.
36
Cf. HARRINGTON, D. Il vangelo secondo Marco. In: BROWN, R. E.; FITZMEYER, J. A.; MURPHY, R. E.
(ed. interamente rinnovata). Nuovo Grande Commentario Biblico. Brescia: Queriniana, 1997. p. 777.
37
Para Conzelmann, seguindo as considerações de Lohmeyer, Lightfoot e Marxsen, aquelas cidades têm valor
teológico. Tais realidades ambivalentes servem para retratar a acolhida e o desprezo para com Deus e sua
Palavra encarnada. Jesus, a Salvação de Deus, retornando para a Galiléia dos gentios convida os discípulos para
o seguirem lá, onde os seres humanos desejam conhecer a Deus. Hoje também, há muitos lugares desprezados
pelo mundo capitalista que acolhem com fé a Palavra e o próprio Deus (cf. CONZELMANN, H. Teologia del
nuovo testamento. Brescia: Paideia, 1972. p. 186).
38
Cf. VIELHAUER, P. Historia de la literatura cristã primitiva. introduccion al Nuevo Testamento, los
apocrifos y los padres apostólicos. Salamanca: Sígueme, 1991. p. 350.
17
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marcano da paixão estivesse já fixado por escrito39. Tradicionalmente, aceitou-se a origem
fundamental de Marcos na pregação de Pedro. Mas com o tempo se desenvolveram novas
hipóteses. A fundamental foi a de que um texto ou fonte, Ur-markus, “um Mc anterior ao
evangelho de Marcos”40, havia sido utilizado pelo autor para a redação de seu evangelho.
Porém, esta afirmativa encontrou muitas críticas41.
Também seria pouco provável que Marcos tivesse conhecido e mencionado a Q42.
Muito embora existam pontos de convergência entre o material de Marcos e a Q, não parece
que haja direta relação entre ambas as fontes.
Quanto ao estilo, há que se concordar mais com a posição que afirma que a
composição redacional de Marcos se assemelha com um “escrito não literário”, bastante
acessível e singular, diferente de um “escrito literário”, que geralmente é denso e difícil de ser
lido e interpretado. De acordo com esta concepção, o Evangelho de Marcos provavelmente
não se caracteriza como uma obra preponderantemente literária, pois seu traço estilístico
indica um autor literariamente inexperiente, porém um narrador popular exímio.
39
Cf. VIELHAUER, p. 354.
40
TUYA, p. 617.
41
Cf. LAGRANGE, M-J. Evangile selon s. Marc. Paris: Gabalda, 1947. p. 33. Para Taylor, é preferível rechaçar
esta hipótese. Segundo seu parecer, a maioria dos exegetas admite que o evangelista utilizou uma só fonte: a
coleção de sentenças de Marcos, contudo, neste ponto, as opiniões se diferem quando se trata de determinar a
natureza, identidade e unidade da tal fonte. A importância das hipóteses levantadas consiste em que todas elas
supõem que o evangelista utilizou várias fontes. Para um maior esclarecimento sobre este assunto e suas
hipóteses (cf. TAYLOR, p. 89-98).
42
Cf. SCHWEIZER, E. Il vangelo secondo Marco. Brescia: Paideia, 1971. p. 12.
43
Cf. PESCH, p. 55.
18
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uma chave conclusiva do tema tratado anteriormente e indicativa do assunto a seguir 44. Tal
recurso é chamado de “sumário”. Os sumários elaborados pelo autor do Evangelho ajudam a
determinar os momentos importantes de mudança, ocorridos na narração da prática de Jesus,
além de favorecer a compreensão das mudanças de sentido. Nesses momentos, é possível
encontrar uma chave para perscrutar a intenção redacional do autor. Os sumários reestruturam
o texto, produzindo também mudanças de sentido (cf. Mc 6,30-34)45. Radermakers afirma que
as funções dos sumários são: a) “resumir uma situação”: concentrando a atenção sobre à
pessoa de Jesus; b) “esboçar uma nova orientação”: Jesus propõe uma novidade aos
discípulos46.
1.3.2 Linguagem
44
Cf. STANDAERT, B. L’Evangile selon saint Marc: commentaire. Paris: Cerf. 1983. p. 48.
45
Cf. GNILKA, J. El Evangelio según san Marcos. Salamanca: Sígueme. 1986. v. 1, p. 99-102.
46
Cf. RADERMAKERS, J. La bonne nouvelle de Jésus: selon saint Marc. Bruxelles: Institut d’ Etudes
Theologiques, 1974. p. 41.
47
Radermakers apresenta seis grupos de sumários: 1,14-15; 3,7-12; 6,6b-7; 8,31-33; 10,32-34 e 14,1-11. Cf.
RADERMAKERS, p. 41.
48
Cf. ROBERT, A.; FEUILLET, A. Introduction a la Bible: Nouveau Testament. Vol 2. Paris : Desclée, 1959,
p. 210-211.
49
Cf. VIELHAUER, p. 356.
19
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seguida: 41 vezes) ou pa,lin (de novo). As conexões mais estreitas se estabelecem mediante
relações locais ou temporais: Jesus vem “dali”, do cenário que se acaba de mencionar, até o
lugar da próxima história, produzindo assim a impressão de relação e movimento50. A mesma
coisa acontece com as expressões comuns “naqueles dias” e “naquele dia”, que aparentam
acentuar a seqüência e realidade temporal, mas estão inseridas no texto e se mostram mais
preocupadas com o sentido teológico.
Lembrando que Mc foi escrito em grego, não podemos negar que o autor pensa como
um judeu familiarizado com uma catequese em aramaico. Ele conhece perfeitamente os
costumes judaizantes (7,3-5; 14,12; 15,42), conserva os vocábulos aramaicos, sobretudo os
utilizados por Jesus em momentos mais solenes: talitha kum (5,41), epheta (7,34), abba
(14,36; 3,17; 15,34). A base semitizante pode ser reconhecida com freqüência especialmente
nas palavras de Jesus51. A isso se une um estilo inculto, rudimentar e popular. Marcos também
utiliza frases semitizantes: anastas apelthen (7,24), anastas erchetai (10,1)52 além de
expressões típicas do ambiente semítico original, como, por exemplo: corban (7,11),
Bartimeu ou filho de Timeu (10,46), abba (14,36) e Eloi, Eloi, lama sabactani (15,34)53.
50
Cf. VIELHAUER, p. 357.
51
Cf. MANNS, F. Le milieu sémitique de l’Évangile de Marc. Liber Annuus 48 (1998), p. 125.
52
Cf. TUYA, p. 612.
53
Cf. ROBERTSON, A.T. Imágenes verbales en el Nuevo Testamento. Mateo y Marcos Vol. 1. Barcelona:
Talheres gráficos, 1998. p. 260.
54
Observa Konings, em artigo a ser publicado, que Karl-Ludwig Schmidt, citando Wendling, observou que Mc
1,1 tem colorido paulino, e o atribui ao redator do evangelho (Der Rahmen der Geschichte Jesu. Berlin 1919.
Repr. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1969, p. 18 e nota 10). De acordo com Gonzáles, Marcos
não conheceu a teologia paulina, pois em seu evangelho não se averigua indícios da pré-existência do Filho.
Portanto, esta discussão poderia permanecer suspensa, mas é possível imaginar uma possível intermitência entre
estas tradições, que conviviam contemporaneamente (cf. GONZÁLES, C. I. Ele é a nossa salvação. São Paulo:
Loyola, 1992. p. 214).
20
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sarx e, sozein, são utilizados por este autor de uma maneira muito própria. Pode-se afirmar
que estes termos se encontram em consonância com a teologia paulina, mas não se deve dizer
que suas origens remetem exclusivamente a Paulo. Com seu novo gênero literário, Marcos
pretendeu apenas apresentar a economia salvífica, o mistério da vida, paixão, morte e
ressurreição de Jesus55, o querigma propriamente dito, que não é exclusividade paulina, mas
produto da tradição cristã, de um modo geral. É possível, pois, imaginar uma “semelhança”
nas teologias paulina e marcana, não descartando inteiramente a hipótese das intermitências
entre elas. Num exemplo concreto, a palavra eireneuete (paz) só está presente no Novo
Testamento em Mc 9,50 e em Rm 12,18; 2Cor 13,11; 1Ts 5,13.
55
Cf. TUYA, p. 620. Tuya diz que “a doutrina da justificação pela fé, tão típica do querigma de Paulo, não se
encontra exposta com a mesma clareza em Marcos”. Esta afirmação pode ser considerada irrelevante, pois,
Marcos não estava preocupado com a justificação pela fé, uma temática tipicamente paulina. Contudo, podemos
dizer que o querigma marcano é bastante claro: Jesus morreu e ressuscitou e seu seguimento é fundamental para
a salvação (cf. TUYA, p. 620).
56
Cf. TUYA, p. 621.
57
LAGRANGE, p. 78.
21
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1) Relatos curtos: que têm por finalidade levar a uma sentença de Jesus; a cena das
espigas arrancadas e debulhadas no sábado (2,23-28) traz sua máxima final: “O sábado foi
instituído para o homem, e não o homem para o sábado”.
3) Relatos que narram os feitos a vida de Jesus ou dos discípulos que podem ser
observados no batismo, na tentação, na vocação dos Doze, no martírio de João Batista, na
transfiguração, na paixão e ressurreição58.
58
TUYA, p. 621.
59
Cf. TUYA, p. 622.
60
Este recurso literário também pode ser notado na narrativa das visitas dos parentes [a casa] de Jesus, na qual
Marcos intercala o confronto de Jesus com os escribas em que estes o acusam de estar possesso por um demônio
e de curar os enfermos pela força de Beelzebul (3,20-35). Jesus afirma o que é central na narrativa: “Se Satanás
se levanta contra si mesmo, e for dividido, não pode subsistir; antes tem fim” (3,26). Em outras palavras poderia
se dizer: Se uma família está dividida contra si mesma não pode subsistir. Dois níveis podem ser percebidos
nesta perícope; de um lado a própria família de Jesus, de outro a família-comunidade, que corre o risco de se
dividir, por deixar-se levar pelo poder demoníaco. (cf. GRÜN, A. Jesus caminho para liberdade: O Evangelho
de Marcos. São Paulo: Loyola, 2006.).
61
Cf. RADERMAKERS, p. 39. Tais obras utilizam fórmulas paralelas que favorecem a memorização:
paralelismo sinonímico e antitético.
22
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agilidade o Evento Jesus, fornecendo ao leitor, ao pesquisador e ao fiel o sentido da vida de
Jesus de Nazaré, o Messias, Filho de Deus.
R. Pesch, por sua vez, estuda o Evangelho de Marcos por meio de um esquema de
seções múltiplas65. Esta divisão, mais detalhada, tentará verificar os pormenores da narrativa e
62
Cf. GADAMER, H. G. Verdad y método. Fundamentos para una hermenéutica filosófica. Salamanca:
Sígueme, 1977. p. 332.
63
Outras divisões podem ser percebidas, uma outra possível seria: 1) a prática pelo Reino (1,2–8,21); 2) a crise e
a mudança de prática: instruções aos discípulos (8,27–10,45); 3) e o confronto com o poder e seu desenlace
(11,1–16,8a). Tal divisão contemplaria o desenrolar da práxis de Jesus desde a Galiléia até o ato derradeiro em
Jerusalém (Cf. GALLARDO, C. B. Jesus homem em conflito: o relato de Marcos na América Latina. São Paulo:
Paulinas, 1997. p. 3).
64
Alguns estudiosos de Marcos o vêem estruturado de forma bipartida. Segundo Aldana, trata-se de um esquema
pedagógico para uma maior compreensão da obra marcana. Cf. ALDANA, p. 101. Cf. GNILKA, J. El evangelio
según san Marcos. Mc 1,8,26. Vol. 1. Salamaca: Sígueme, 1986. Também, cf. KONINGS, J. Marcos. São Paulo:
Loyola, 1994. p. 5. E Bíblia tradução da CNBB, introdução ao Evangelho de Marcos.
65
Cf. PESCH, p. 78-90. No entanto, Pesch leva em consideração as duas grandes seções do Evangelho (1,1-8,26
– 8, 27-16,8), pois afirma que 8,27 inaugura a segunda metade do Evangelho (cf. PESCH, p. 84).
23
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linguagem, bem como os aspectos introdutórios para a compreensão da cristologia: o eixo
vital do Segundo Evangelho.
66
Cf. PESCH, p. 37.
24
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culminante da atividade taumatúrgica de Jesus (4,35–5,43); 4) o destino da recusa de Jesus e a
missão dos discípulos (6,1-29)67.
A terceira seção (6,30-8,26) descreve, depois da missão dos Doze, Jesus dirigindo-se
aos Judeus (particularmente 6,32-44), depois da abolição da distinção “puro e impuro”, ele
dirige-se aos pagãos (em particular 7,24-30; 8,19). Esta seção pode ser subdividida em três
partes68: 1) Jesus, pastor de Israel (6,30-56); 2) abolição da distinção “puro e impuro” como
barreira entre judeus e pagãos (7,1-23); 3) incompreensão dos discípulos quando Jesus se
dirige aos pagãos (7,24-8,26).
67
Cf. PESCH, p. 83.
68
Cf. PESCH, p. 84.
69
PESCH, p. 84.
25
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à narrativa pré-marcana da paixão (10,1). Marcos acopla ao ensinamento sobre o matrimônio
(10,2-12), o ensinamento sobre a “criança” (10,13-16) e ainda interpreta o paradigma da
riqueza (10,17-27), caracterizando uma tradição considerável para o seguimento (10,28-31).
A terceira parte da narrativa catequética (10,35-45) é central para Marcos, pois traz a
discussão o eixo semântico diakonia, o serviço. No fechamento dessa parte principal (10,46-
52), Marcos torna a seguir, como no início (8,27-33), o relato pré-marcano da paixão, que
determina a articulação com as anotações da viagem em 8,27; 9,30; 10,1. A didaskalia dos
discípulos está intimamente vinculada aos termos-chaves: “seguimento” (a;kolouqe,w em 8,34;
9,38; 10,21. 28. 32. 52), “reino de Deus” e “vida eterna” (9,1. 43. 45. 48;
10,14. 15. 17. 23. 24. 31).
A sexta grande seção (14,1-16,8), segundo Pesch pode ser subdividida em três partes:
1) traição de Judas e apreensão de Jesus (14,1-52); 2) condenação de Jesus por parte do
Sinédrio e negação de Pedro (14,53-72); 3) entrega de Jesus à morte, sepultamento e anúncio
da ressurreição, diante do túmulo vazio (15,1–16,8)70. Taylor afirma que esta seção é a melhor
articulada. Isto se deve ao fato de que a paixão-ressurreição foi a primeira parte da tradição
evangélica que se narrou como relato esquematizado, pois foi preciso narrar toda a série de
acontecimentos para resolver o paradoxo da cruz71.
70
PESCH, p. 87.
71
Cf. TAYLOR, p. 633.
72
Cf. GNILKA, Teologia, p. 162.
26
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conteúdo, sabe-se que este procede, em sua maior parte, da ampla tradição sobre Jesus de
Nazaré.
Paulo, diferentemente de Marcos, elaborou com seus escritos uma cristologia em torno
dos títulos cristológicos: Kyrios, Filho de Deus, Cristo, Primogênito da Criação, Crucificado,
Ressuscitado, Mediador. Marcos, por sua vez, não fala de Jesus por meio de confissões, hinos
ou títulos, apenas, mas a partir da narração sobre o anúncio e a práxis de Jesus74.
Em matizes gerais, uma estrutura teológica do segundo Evangelho poderia ser traçada
a partir da dinâmica narrativa apresentada pelo autor. Primeiramente, Jesus é recebido
favoravelmente pelas multidões; depois, seu messianismo humilde e espiritual decepciona a
expectativa do povo e o entusiasmo se arrefece; então Jesus se afasta da Galiléia para se
dedicar à formação do pequeno grupo dos discípulos fiéis, cuja adesão incondicional ele
obtém no momento da confissão de Pedro em Cesáreia de Filipe. Esse momento decisivo
determina e orienta as coordenadas do ministério de Jesus, que se consumará drasticamente
em Jerusalém. A oposição cada vez maior o conduz ao drama da paixão que é, finalmente,
73
PESCH, p. 101.
74
Para Gallardo, em um mundo em que a história é a dos vencedores, (Marcos) escreve um relato de reverso da
história, sobre esse judeu vencido, dirigido a uma comunidade de perseguidos não judeus, provavelmente
romanos, a quem propõe como norma de vida esse judeu. Trata-se de um relato inconcluso, de uma prática
truncada violentamente que não dá resposta imediata à pergunta óbvia sobre o que aconteceu com Jesus. É
possível perceber que esta posição assumida por Gallardo parece divergir não apenas da teoria sobre a teologia
unitária de Marcos, bem como daquela sustentada em nosso trabalho, o qual afirma que as teologias
desenvolvidas pelo autor de Marcos visam a responder, de forma narrativa, à pergunta “Quem é Jesus”? (cf.
GALLARDO, p. 21).
27
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coroado pela resposta vitoriosa de Deus na ressurreição de Jesus. A resposta sobre a
identidade de Jesus está claramente presente no seguimento, no discipulado inaugurado por
Jesus. Ele chama ao seguimento e instrui como mestre aqueles que o seguem.
75
PESCH, p.111.
76
No intuito de reproduzir criativamente a tradição de Jesus, Marcos compõe sua obra por meio de temáticas
fundamentais: os arcos de tensão que, de acordo com Pesch, perpassam o Evangelho. PESCH, p. 117. Preferimos
aqui traduzir arcos de tensão, por eixos teológicos.
77
RICOEUR, P. A hermenêutica bíblica. São Paulo: Loyola, 2006. p. 288. Nesta obra, Ricoeur elabora os
principais recursos da teologia narrativa, designando-a narratologia.
28
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anuncia que é na Galiléia, na comunidade dos discípulos, que ele se revelará. Para a Galiléia,
encaminham-se os seguidores e é lá no ponto originante da atividade de Jesus, que se dará o
encontro com o Ressuscitado.
Existe, evidentemente, entre os dois primeiros eixos uma união intrínseca, dado que a
vida do mestre Jesus é, ao mesmo tempo, epifania de Deus e objeto de admiração dos homens.
Tal objeto epifânico desencadeia a curiosidade e a decisão do seguimento por parte de
homens e mulheres. É possível afirmar que o livro de Marcos em sua totalidade é uma obra de
missão, um convite para o seguimento 79.
78
Cf. PESCH, p. 118-119.
79
Cf. PESCH, p. 120.
80
PESCH, p. 120.
29
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1.4 Cristologia narrativa: “Quem é Jesus?”
Marcos, movido pelo Espírito, visa a preservar para a Igreja do porvir as tradições
apostólicas da “memória de Jesus” ou a “tradição de Jesus”, considerada o fundamento do seu
Evangelho. A cristologia de Marcos, a “memória de Jesus”, é clara e surpreendente. Ele
apresenta Jesus como verdadeiro homem. Jesus, em sua condição humana, precisa orar (1,35;
6,31), comer (2,16), beber (15,36). Ele sente fome (11,12), toca as pessoas (1,41), é tocado
por elas (5,57), fica triste (3,5) e se indigna (10,14). É homem que também sente sono,
cansaço e é despertado nos momentos de sono (4,38-39). Homem de conhecimento limitado
(13,32), pois precisa olhar em seu derredor para ver quem o tocou (5,30). Por fim, como todo
ser humano passa pela trágica experiência da morte (15,37).
Marcos percebe na vida de Jesus a epifania de Deus. A cristologia marcana, não nega
a divindade de Jesus. Ao contrário, é com exousia divina que ele fala e age. Marcos o
descreve como o soberano sobre o reino da enfermidade (1,40-45; 8,22-26; 10,46.52), dos
demônios (1,32-34) e da morte (5,21-24,35-43), e também sobre os elementos da natureza
(4,35-41; 6,48; 11,13-14,20). Jesus prediz o futuro (8,31; 9,9-21; 10,32-34; 14,17-21),
conhece os corações humanos (2,8; 12,15) e, por fim, vence a própria morte (16,6).
Relatar o “caso” Jesus e sua memória como “Boa-Nova” de Deus é questão meritória
de Marcos. Ao empreender esta jornada, ele relata a história de um homem inserido numa
situação, num contexto, num tempo e num lugar, sem arrancá-lo de Deus83. O autor do
Segundo Evangelho traduz a experiência do homem Jesus, o Filho único de Deus, Deus feito
carne na história dos homens, sem desconectá-lo da história divina.
81
“Dibelius define o evangelho de Marcos como ‘o livro da epifania secreta’” (CONZELMANN, p. 184).
82
A concepção de Marcos, sua revelação resulta da estrutura do livro. Em termos literários, a configuração é
primitiva, elementar. Mas do ponto de vista teológico, esta se revela surpreendentemente bem estruturada. Isso
pode ser notado já na introdução: Varch. tou/ euvaggeli,ou VIhsou/ Cristou/. (cf. CONZELMANN, p. 184).
83
Cf. MOINGT, J. O homem que vinha de Deus. São Paulo: Loyola, 2008. p. 248.
30
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Em sua cristologia narrativa, Marcos elabora um importante conceito teológico: o
“segredo messiânico”, também conhecido como “teoria do segredo”84. A narrativa de Mc tem
em 4,11, com a palavra musth`rion, o ponto de apoio para a formulação do segredo. Esta
expressão aparece apenas uma vez no Evangelho. No episódio da transfiguração, Jesus ordena
a seus discípulos desçam do monte e não digam a ninguém o que viram, até que o Filho do
Homem ressuscite dentre os mortos (9,9). Sobre a revelação, cai o véu do ocultamento, ao
menos até que Jesus tenha concluído sua vida terrena. Ocultamento que se faz através das
ordens de silêncio85.
O procedimento literário do segredo inaugurado por Marcos nem sempre foi percebido
na história da exegese. No entanto, consiste, objetivamente, em dizer que o “segredo do Filho
de Deus”86 se desvela à luz do Ressuscitado. O acontecimento pascal é, portanto, condição de
possibilidade para a compreensão de fé na revelação em Jesus de Nazaré, o Filho de Deus.
84
A concepção do segredo messiânico, apresentada por W. Wrede (na obra Das Messiasgeheimnis in den
Evangelien, em 1901) influenciou poderosamente em todos os estudos seguintes sobre a cristologia marcana.
Muitos estudiosos procuraram rechaçar esta teoria do segredo messiânico. Percebe-se que alguns conceitos,
sobre tal “segredo”, mudaram desde a primeira concepção. (cf. GNILKA, Teologia, p. 167). Não podemos
deixar de mencionar outra importante sobre o segredo messiânico: TILLESSE, G. M. Le secret messianique
dans l'Évangile de Marc. Paris: Cerf, 1968.
85
Cf. GNILKA, Teologia, p. 167.
86
Cf. GNILKA, El evangelio, p.198
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nele se interessa em desdobrar a cristologia narrativa, que pode ser compreendida a partir do
horizonte da querigmatização da tradição de Jesus. Atrás do processo literário do velar e
desvelar não se escondem os atos da vida de Jesus, mas esconde-se o fato mesmo de que o
anunciador se converteu em anúncio. Jesus é anunciado a partir da perspectiva pascal. Ele
mesmo não se anunciou, mas proclamou o advento o Reinado de Deus. Jesus, portanto, ao ser
compreendido a partir da perspectiva da cruz e ressurreição não é mais segredo, mas é
querigma, anúncio encorajador para o discipulado.
Chama a atenção que o convite ao silêncio – e não uma ordem de silêncio – volte a se
repetir no final aberto do Evangelho. Este fato pode ser interpretado no horizonte do segredo
messiânico. As mulheres que junto à porta do sepulcro, escutaram a mensagem da Páscoa,
deveriam falar, mas “não disseram nada a ninguém, pois tinham medo” (16,8b). Por que no
momento em que a ordem é proclamar, falar sobre o ocorrido, as mulheres preferem o
silêncio? Evidentemente, esta passagem não deve ser compreendida historicamente, mas
teologicamente, pois neste momento o Evangelho atinge seu clímax narrativo, conduzindo o
ouvinte da Palavra a fazer, per se, a uma hermenêutica para a vida de discípulo de Jesus.
87
Cf. GNILKA, Teologia, p. 168.
32
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possibilidade de elucidação da práxis cristã em todos os tempos. A cristologia narrada,
construída a partir da arte de recontar os fatos e palavras que envolveram Jesus, converte-se
em convite para o discipulado. Convite para a descoberta do Deus escondido88. A cristologia
marcana é, portanto, expressão da vida plenamente humana, na qual se esconde a divindade,
que se faz visível, no entanto, nos ensinamentos e obras de Jesus para todos aqueles que têm
olhos para ver e ouvidos para escutar.
Percebe-se a presença de alguns títulos de Jesus na obra marcana, tais títulos podem
elucidar a pergunta cristológica “Quem é Jesus?”. Explicitamente, Marcos inicia sua narrativa
afirmando, “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1,1). Tanto a expressão
Jesus Cristo quanto o predicativo Filho de Deus são claramente indícios de que a intenção
marcana é apresentar Jesus, o Cristo-Ungido do Pai, como o verdadeiro Filho de Deus, o
Filho do Homem89.
O título “Filho de Deus” está destacado na obra marcana em: 3,11; 5,7; na confissão
dos demônios; 1,11 na declaração do Pai no batismo; em 9,7 na narrativa da transfiguração e,
por último e não menos importante, em 15,39 na exclamação feita pelo centurião junto à cruz.
Provavelmente a expressão Kyrios90 (11,3; 16,20) tenha o mesmo sentido que tem o título
“Filho de Deus”, pois expressa senhorio e poder. São expressões típicas da Igreja primitiva.
No entanto,
88
Cf. TAYLOR, p. 136-137.
89
Cf. TUYA, p. 615.
90
O título “Senhor” dado a Jesus nestes versículos não é um dado marcano, afirma Schweizer (Evangelo, p.
396).
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“Marcos, sem dúvida, não conheceu a teologia paulina, já que, em seu evangelho,
não se descobrem vestígios de uma ‘preexistência’ do Filho, antes da sua
encarnação. Apresenta-nos simplesmente a sua teologia do Filho de Deus ao relatar
a vida pública de Jesus”91.
Em algumas passagens, também se percebe, a atribuição de poderes divinos a Jesus:
ele perdoa pecados (2,5-12), é senhor dos anjos (13,27), leva os escribas a verem a
transcendência do Messias (12,35-37) e proclama-se “senhor” do sábado (2,28)92.
O título Cristo, tradução de Messias, enseja a discussão se este termo procede das
narrativas apocalípticas ou se o deriva da tradição profética? De fato, o título de Messias pode
estar ligado à imagem do servo sofredor de Isaías, mas também pode aludir a figura do
glorioso-divino Filho do Homem de Daniel, conforme a evolução deste título na hermenêutica
bíblica judaica. É possível afirmar que o Messias Jesus, na narrativa marcana, assume tanto o
papel de servo sofredor quanto a figura do Filho do Homem.
Por fim, o primeiro título, Cristo, destaca a grandeza do Ungido (na narrativa dos
milagres), e o segundo, Messias, destaca a obediência do Servo Sofredor (na narrativa da
Paixão, no qual Jesus carrega sua cruz até o Gólgota). Os títulos cristológicos, concebidos
por Marcos, servem para narrar a história de Jesus e autenticar o convite ao discipulado dos
cristãos de todos os tempos e lugares.
91
GONZÁLES, p. 214.
92
Cf. TUYA, p. 615. Quanto aos títulos cristológicos seguintes nos servimos das informações de Tuya.
34
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1.6 Hermenêutica cristológica: convite ao discipulado
“Coragem! Ele te chama. Levanta-te”. (Mc 10,49)
A obra marcana, em sua sóbria narratividade, revela o desejo de Deus em Jesus: que o
discípulo vá à Galiléia, a fim de lá experimentar a força dinâmica daquele que vive,
constatando o seguro querigma do centurião romano “Verdadeiramente ele era o Filho de
Deus”. O móbil da Ressurreição não permite que o discípulo se estagne em Jerusalém, local
93
Muitos versículos do Evangelho de Marcos evidenciam o ir e vir de Jesus, tanto para a Galiléia ou Cafarnaum,
quanto para Jerusalém e seus arredores. Jesus está sempre em movimento (cf. 1,16. 21. 35; 2,1. 13. 23;
3,1. 7.13. 20; 4,1. 35; 5,1. 21; 6,1. 45; 7,24. 31; 8,10. 22. 27; 9,2. 9. 28. 30. 33; 10,1. 17. 32. 46. 52;
11,1. 11. 15. 11. 20. 27; 13,1; 13,3; 14,3. 17. 26. 32).
35
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da morte, mas instaura sempre mais o desejo de “ver” Jesus que está vivo na Galiléia dos
discípulos e discípulas.
Segundo Aldana, o tema do discipulado em Marcos pode ser estudado a partir de três
tendências: conservadora, média e liberal98. Na primeira, conservadora, estão os que
defendem a noção de que a teologia de Marcos incorpora uma visão favorável e positiva dos
discípulos. Esta tendência observa que os discípulos, no fim, saem vitoriosos, pois são
escolhidos livremente por Jesus, após um período de convivência com ele (3,13).
Ernest Best99 representa a posição média, que engloba as opiniões de que a teologia é
em parte favorável e em parte desfavorável aos discípulos. A posição liberal é defendida por
94
Cf. SCHULZ, A. Discípulos do Senhor. São Paulo: Paulinas, 1969.
95
Cf. ALDANA, p. 13.
96
Cf. FUMAGALLI, A. Fatica e gioia della sequella. La formazione dei discepoli nel vangelo di Marco.
Milano: Ancora, 2002.
97
WILLIAMS, J. Discipleship and Minor Characters in Mark’s Gospel in: Bibliotheca Sacra. 153 (1996), p.
332-343. Também lembramos o estudo atual de Aldana (cf. ALDANA, H. O. M. O discipulado no Evangelho de
Marcos. São Paulo: Paulinas/Paulus, 2005).
98
Aldana apresenta aqui a perspectiva de estudo de Clifton Black que está baseada em A. Loisy.
99
Segundo Aldana, Best estudou a temática do discipulado numa série de trabalhos dos anos de 1970. A síntese
de sua pesquisa pode ser encontrada na obra Following Jesus: Discipleship in the Gospel of Mark de 1981 (cf.
ALDANA, p. 13).
36
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Theodore Weeden, que afirma que a teologia de Marcos pode ser tida ao longo do evangelho
como uma difamação dos discípulos100.
1.8 Conclusão
O Segundo Evangelho, que tem seu nascimento na proto-comunidade cristã, evidencia
o desejo de anunciar Jesus Cristo, o Filho de Deus. A narrativa marcana, a mais clara
catequese narrativa, ao transformar-se em escrito, parece ter como objetivo principal
responder à instigante questão: “Quem é Jesus?”. Estruturado de forma simples e portador de
uma linguagem acessível a todos, o Evangelho de Marcos elabora uma teologia inovadora, na
qual são narradas as palavras e os fatos de Jesus. Marcos, inaugurando a cristologia narrativa,
observa o convite feito por Jesus ao seguimento e ao serviço do Reino de Deus: “Segui-me, e
eu farei de vós pescadores de homens” (Mc 1,17). Sistematizando os primeiros ecos sobre
Jesus na comunidade cristã, Marcos, tem como finalidade principal reproduzir o querigma da
morte-ressurreição: Jesus “Ressuscitou, não está aqui” (Mc 16,6; cf. 1Cor 15,3-5). O Segundo
Evangelho tem a missão de indicar aos discípulos o encontro com o Ressuscitado; a proposta
marcana se instaura na perspectiva de que o discípulo vá à Galiléia, pois, é lá, na comunidade
100
Esta é uma consideração defendida na obra Mark: Traditions in conflict de 1971 (cf. ALDANA, p. 13).
101
Cf. FIORENZA, E. S. Discipulado de iguais. uma ekklesia-logia feminista crítica da libertação. Petrópolis:
Vozes, 1995.
102
Cf. TEPEDINO, A. M. A. L. Discipulado de iguais: Um estudo sistemático-pastoral sobre o discipulado das
mulheres nos evangelhos. Rio de Janeiro: PUC-Rio (Dissertação de Mestrado). 1986.
103
Cf. PESCH, R. Il vangelo di Marco: Introduzione e commento ai capp. 1,1-8,26. Brescia: Paideia, 1980.
________. Il vangelo di Marco: commento ai capp. 8, 27-16, 20. Brescia: Paideia, 1982
104
Cf. TAYLOR, V. Evangelio según san Marcos. Madrid: Cristandad, 1979.
105
Cf. GENEST, O. Le Christ de la passion: perspective structurale: analyse de Marc 14,53 - 15,47, des
paralleles bibliques et extra-bibliques. Montreal : Bellarmin, 1978.
106
L’Évangile selon Marc. Paris: Cerf, 2004.
37
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apostólica, que se encontra o Vivente. Para o encontro com Jesus, o Ressuscitado, são
indispensáveis o caminho do discipulado (8,34) e a experiência da diaconia (9,35).
A narrativa marcana, como um convite a descobrir quem é Jesus e com ele caminhar,
desperta nos cristãos de todos os tempos e lugares o desejo de configurar a vida com a do
mestre que vai a Jerusalém encontrar-se com a cruz, símbolo não da morte, mas da
ressurreição. É mister observar que a narrativa marcana se faz convite àqueles que estão à
beira do caminho ou que já estão no caminho do mestre Jesus.
38
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2 ESTUDO LITERÁRIO-CRÍTICO DE Mc 15,40-16,8
“Ide dizer aos seus discípulos e a Pedro:
Ele vos precede à Galiléia”. (Mc 16,7)
Após apresentar o estado da questão e a perspectiva de estudos do Evangelho de
Marcos, nosso segundo passo consistirá em averiguar os detalhes exegéticos da perícope de
Mc 15,40-16,8. Apresentaremos a tradução instrumental e a crítica textual ou documental,
bem como os demais passos do estudo diacrônico, para ulteriormente estudar os eixos
semânticos akolouthein e diakonein na análise narrativa do texto exemplar de Mc 15,40-16,8.
2.1 Problemática
1
Fazemos nossa as palavras de Pesch quando diz: “O autor do evangelho de Marcos criou com sua obra um
novo gênero literário”. (PESCH, R. Il vangelo di Marco. Prima parte, introduzione e commento ai capp. 1,1-
8,26. Brescia: Paideia, 1980. p. 33). Com o título de seu livro (Mc 1,1) Marcos deu início ao processo
denominado “evangelho”, livro no qual o autor proto-cristão resumiu a tradição de Jesus com a ajuda da
comunidade. Pode-se entender “evangelho” não no sentido de denominar um livro, mas um gênero literário.
2
Pesch buscou esclarecer o sentido da tradição pré-marcana no Evangelho de Marcos. Segundo ele, a obra
marcana é preciosa porque conserva a tradição da origem antiqüíssima em muitos aspectos, respeitando a
atividade e as palavras de Jesus. Segundo Pesch, se se observar a tradição pré-marcana integrada à composição
do Evangelho de Marcos, constata-se uma rica multiplicidade, tanto de gêneros literários, como também os
materiais que variam segundo a diversidade de ambientes religiosos, bem como os estágios da elaboração das
narrativas. Cf. PESCH, p. 123.
39
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Deus, que em sua intervenção liberta Jesus das algemas da morte. A cruz torna-se, agora, sinal
do poder divino (cf. 1Cor 1,18). Para Marcos, no lugar da solidão por excelência, o Calvário,
estão algumas mulheres que fitam de longe. As discípulas se deparam com a triste realidade
da morte de cruz, da mais eloqüente ameaça ao anúncio de vida proclamado por Jesus. No
entanto, faz-se necessário perceber que o querigma da ressurreição (Mc 16,7), dirigido a elas
no final da trama, simboliza a mais forte prova do poder de Deus, que não abandona seu
Filho, Jesus. O jovem junto ao túmulo, ao quebrar o silêncio sepulcral, ordena que aquelas
mulheres se dirijam a Pedro e aos discípulos e os instruam a prossegui no caminho, pois Jesus
os precede à Galiléia. É imprescindível que elas anunciem que Jesus ressuscitou e está à
frente da comunidade cristã.
Com esta narrativa surgem algumas perguntas. Em primeiro lugar, por que, no
Evangelho de Marcos, algumas mulheres estão ao pé da cruz, no (sepultamento)
embalsamamento de Jesus e à porta do sepulcro vazio? Em segundo lugar, são elas
testemunhas-protagonistas e da Boa Notícia ou meras personagens que favorecem a
veracidade da trama? Em terceiro lugar, qual o sentido dado por Marcos ao testemunho destas
mulheres? Em quarto lugar, será o testemunho das mulheres válido diante da comunidade dos
discípulos? Em último lugar, qual o sentido de serviço e discipulado inaugurado por aquelas
mulheres?
40
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Kai. h;dh ovyi,aj genome,nhj( evpei. h=n E já ao cair da tarde, como era dia
42 paraskeuh. o[ evstin prosa,bbaton( de preparação, isto é, véspera do
sq. Jo19,38-
sábado, 42
kai. li,na prwi> th/| mia/| tw/n E, muito cedo, no primeiro dia da
2 sabba,twn e;rcontai evpi. to. mnhmei/on semana, vão ao sepulcro, ao surgir o
avnatei,lantoj tou/ h`li,ouÅ sol,
41
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o` de. le,gei auvtai/j( Mh. evkqambei/sqe\ Ele porém disse-lhes: não vos
6 VIhsou/n zhtei/te to.n Nazarhno.n to.n espanteis. Buscais Jesus, o
evstaurwme,non\ hvge,rqh( ouvk e;stin w- Nazareno, o crucificado?
de\ i;de o` to,poj o[pou e;qhkan auvto,nÅ Ressuscitou, não está aqui. Vede o
lugar onde o colocaram.
avlla. u`pa,gete ei;pate toi/j maqhtai/j Mas ide dizer aos discípulos dele e a
auvtou/ kai. tw/| Pe,trw| o[ti proa,gei 14,28
7 Pedro <que>: Ele vos precede à
u`ma/j eivj th.n Galilai,an\ evkei/ auvto.n Mt 26,32;
Galiléia. Lá o vereis, como ele vos
o;yesqe( kaqw.j ei=pen u`mi/na 28,7
disse.
2.3 Delimitação
3
Cf. BÍBLIA Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
4
Cf. BÍBLIA Sagrada: Tradução da CNBB. 6. ed. Com Introduções e notas. Brasília: CNBB; São Paulo: Canção
Nova, 2007.
5
Estas são apenas intitulações sugeridas pelas edições bíblicas que não estão presentes no texto original.
6
Cf. A BÍBLIA Sagrada: O Velho e Novo Testamento. Trad. João Ferreira de Almeida. Ed. Corrigida e
Revisada Fiel ao Texto original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil, 2005.
7
Cf. TUYA, M. Biblia comentada: Evangelios II. BAC: Madrid, 1964. p. 630.
8
Cf. GNILKA, p. 362.
9
Cf. BÍBLIA de Jerusalém. Nova Edição Revista. São Paulo: Paulus, 2000.
42
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Konings10 e Pesch11 dividem a perícope de Mc 15,40-16,8 em três perícopes: 15,40-41
(testemunhas da morte); 15,42-47 (sepultura) e 16,1-8 (sepulcro vazio e anúncio da
ressurreição). Preferimos, portanto, adotar esta última forma de divisão, considerando os vv.
40-41 como introdução ao tema do testemunho, que culminará em 16,1.
O verbo +hsan de (v.40), marca uma nova etapa narrativa12. Portanto, apoiando-se
nesta consideração há como corroborar a tese inicial de que a perícope em pauta tem uma
delimitação bem definida, com início, meio e fim. Tais limites serão observados a partir da
divisão da perícope em três cenas sucessivas de acontecimentos.
10
Cf. KONINGS, J. Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da “Fonte Q”. São Paulo: Loyola,
2005. p. 265-268.
11
Cf. PESCH, p. 735-791.
12
Cf. TAYLOR, V. Evangelio según san Marcos. Madrid: Cristianidad, 1979. p. 724.
43
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V. 40 V. 42 V. 43 V. 46 V. 46b V. 1 V. 2 V. 5 V. 7
Mulheres À tarde José de José Lugar à Passado Lado Lado Ide: Envio
diante da Arimatéia desceu parte o sábado externo interno das
cruz vai a Jesus da mulheres
Pilatos cruz
Mc 15,40 +Hsan de. kai. gunai/kej avpo. makro,qen qewrou/sai( evn ai-j kai. Mari,a h`
Magdalhnh. kai. Mari,a h` VIakw,bou tou/ mikrou/ kai. VIwsh/toj mh,thr kai. Salw,mh,
13
A crítica textual é a verificação do “teor e da grafia de um texto conforme cabe pressupô-los para o autor
original. Em decorrência, a crítica textual tem a tarefa de reconstituir o texto mais antigo possível do Novo
Testamento com base nos documentos textuais” (SCHNELLE, U. Introdução à exegese do novo testamento. São
Paulo: Loyola, 2004. p. 29).
14
Como bases documentais, podemos fazer uso dos textos críticos do Novo Testamento de ALAND, B. et. al.
The Greek New Testament. 4. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft; United Bible Societies, 1994 e
NESTLE-ALAND. Novum Testamentum graece, post Eberhard et Ervin Nestlé ed. 27. revis. communiter
ediderunt Bárbara et Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlo M. Martini, Bruce M. Metzger. Stuttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1993. Esta edição representa um considerável avanço como base de trabalho para a
crítica textual-documental do Novo Testamento. Também utilizamos um texto mais literal: KONINGS, Sinopse,
p. 265-268.
44
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1.13
3) ’Iwshtoj: a lição do NTG está presente em אD, L (D), Q, 083, 0184, f 33, 565,
2427, 2542s. l.844. A variante é testemunhada, além dos mencionados, ainda por poucos
manuscritos que divergem do texto majoritário, versão copta boáirica. B acrescenta o artigo h.
Outras escrevem Iwsh. Algumas traduções latinas e siríacas escrevem Ioseph.
Mc 15,40 à h:
1) segundo (txt) NTG, em אB C K N WD 0184 f¹ 892.2427.2542. l.844 al.
2) h tou: A Û.
3) filia: sys.
4) omite h: D L Q Y f13 28. 33. 565. 579. 1424 al.
Mc 15,40 ݹ Iwshtoj:
Iwshtoj mhthr: txt א2 D L (D) Q 083. 0184 f (¹)13 33. 565. 2427. 2542s *. l 844 pc k bo.
h Iwshtoj mhthr: somente no B
Iwsh: somente em Y
Iwsh: * אA C W Y Û sa
Joseph lat sys.
Mc 15,47 h` de. Mari,a h` Magdalhnh. kai. Mari,a h` VIwsh/toj evqew,roun pou/ e,qe
itaiÅ
1 33
1) Mari,a h` Magdalhnh. kai. Mari,a: Θ, f , 2542, syh escrevem Mariam (duas
vezes).
1 13
2) h`: o artigo falta em D, L, f Û. O texto do NTG é testemunhado por א2 A, B, C,
W, D, Q, Ψ, 083, 33, 579, 2427 al.
3) VIwsh/toj substituído por Iakwbou em D pc it vgms sys . Escrevem Iakwbou kai
Iwshtoς: Q e f 13 565 2542 pc k asmss bo
Comparando os vv. 40 e 47, observa-se que o primeiro (40) apresenta três (ou quatro)
nomes: Mari,a h` Magdalhnh. kai. Mari,a h` VIakw,bou tou/ mikrou/ kai. VIwsh/toj mh,thr kai.
Salw,mh. Já o v. 47 traz algumas mudanças visíveis: Mari,a h` Magdalhnh. kai. Mari,a h`
VIwsh/toj. Neste versículo percebem-se algumas omissões: do nome VIakw,bou, que está ligado
ao segundo nome, Mari,a e da palavra mh,thr, bem como, do nome Salw,mh, a terceira mulher
do grupo referido no v. 40. De modo que, no v. 47 são mencionadas apenas duas. Percebe-se
que o v. 40 é rico em detalhes. Já o v. 47 é rápido e parece apenas querer lembrar o que já fora
dito no v. 40. O GNT menciona, na altura do v. 47, o v. 40 como paralelo, com o sinal
indicativo (!).
45
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Mc 16,1 Kai. diagenome,nou tou/ sabba,tou Mari,a h` Magdalhnh. kai. Mari,a h` Îtou/Ð
VIakw,bou kai. Salw,mh hvgo,rasan avrw,mata i[na evlqou/sai avlei,ywsin auvto,n.
Taylor afirma que o final do Evangelho está narrativamente bem articulado. Esta
articulação deve-se ao fato de a paixão e a ressurreição serem a parte mais primitiva da
tradição evangélica, profundamente presente a Marcos e sua comunidade. Portanto, tal relato
deve ser bem narrado para os cristãos de outras comunidades e do futuro, aonde chegar o
Evangelho segundo Marcos17.
15
Para o GNT, a partir da investigação dos editores, esta variante está precedida pela sigla {A}, significando que
sua originalidade é virtualmente certa.
16
Cf. PESCH, p. 90.
17
Taylor afirma que Marcos precisou narrar toda a série de acontecimentos com Jesus, acrescentando extratos
novos e próprios, para resolver o paradoxo da cruz. Esta opinião é também compartilhada por outros estudiosos
de Marcos, Dibelius, Bultmann e Schimidt. Para Taylor, eles não abrem mão da possibilidade de Marcos ter
modificado e introduzido à narrativa (14,1-16,8) material complementário. Taylor não se preocupa apenas com a
tese de que Marcos reproduziu a narrativa mais primitiva, mas com a tese que diz que Marcos criou uma nova
forma de falar sobre Jesus e os acontecimentos ocorridos com ele. Cf. TAYLOR, p. 633.
18
Buscamos observar o Evangelho de Marcos a partir da divisão em duas seções. Este esquema é inspirado na
divisão proposta por Gnilka. Cf. GNILKA, J. El evangelio según san Marcos. Mc 1,8,26. Vol. 1. Salamanca:
Sígueme, 1986. Também, cf. KONINGS, J. Marcos. São Paulo: Loyola, 1994. p. 5 e Bíblia tradução da CNBB,
introdução ao Evangelho de Marcos. A divisão, com adaptação das seções do Evangelho, é proposta por J.
46
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Prelúdio I Seção II Seção
“Quem é este?”. Que Reino é este “O messias diferente”: Filho do
que ele anuncia? 1,1-8,26 Homem, Servo e Filho de Deus 8,27-
16,20
Konings. Cf. ALDANA, H. O. M. O discipulado no Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas/Paulus, 2005.p.
101-104. Evidentemente, outros estudiosos estruturam o Evangelho de Marcos com divisões diferentes.
19
Cf. TAYLOR, p. 710.
20
Cf. PESCH, p. 736.
21
Não há dúvidas de que Mc 16,9-20 é um apêndice não escrito por Marcos. Para Pesch, este relato não depende
do Evangelho canônico e não faz parte da obra originária, mas é declarada no Concílio de Trento parte do cânon
neotestamentario (conforme a Vulgata; Decretum de canonicis Scripturis, de 8 de abril de 1546. Cf. DH 1501).
Não se trata, portanto, de um relato conclusivo para o Evangelho de Marcos, mas de um estrato de narrativa
pascal (cf. PESCH, p. 795-786).
47
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Deus” (v.39) vê-se o testemunho das mulheres, daquelas que seguiram e serviram Jesus,
enquanto esteve na Galiléia. Para Vanhoye, a palavra do centurião é o atestado da filiação
divina de Jesus, correspondendo ao ponto mais importante do testemunho de Marcos22. O
evangelista continua a narrativa afirmando que estavam no cenário algumas mulheres, que
observavam de longe (v. 40). Prefere-se considerar que este elemento já prepara o testemunho
da ressurreição. Pois, as que testemunham a morte são também responsáveis por atestar a
ressurreição.
Pode-se afirmar que Mc 15,40-16,8 forma uma unidade literária, possuindo uma
mensagem própria. Tal perícope está, no entanto, em sintonia com a narrativa sobre a morte
de Jesus que a antecede, em 15,1-39.
A tradução literal (cf. item 2.2) será re-aproveitada neste tópico a fim de se
compreender a textura da perícope final do Evangelho de Marcos. A divisão desta perícope
permitirá visualizar as palavras-chaves de compreensão e as cenas sucessivas
respectivamente.
Para uma melhor compreensão do conjunto da perícope, faz-se mister dividi-la em três
cenas, diferentes, mas conexas à mensagem central. A 1ª cena menciona a presença das
mulheres diante do cenário da cruz (15,40-41). A 2ª cena está ligada ao personagem José de
Arimatéia que leva o corpo de Jesus para ser sepultado (15,42-47). A 3ª e última cena faz
22
Cf. VANHOYE, A. La passion selon les quatres evangiles. Paris: Cerf, 1981. p. 59.
23
Cf. PESCH, p. 94. Para um estudo crítico, aprofundado sobre o final (ou os finais) do Evangelho de Marcos,
cf. METZGER, A textual commentary on the Greek New Testament. 2. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft,
1994. p. 102-106. Os doze últimos versículos não estão presentes nos dois mais antigos códices, B e אe no
Antigo Latino manuscrito k, o Sinaítico Siríaco. Mc 16,9-20 falta também em muitos manuscritos da versão
Antiga Armênia, os manuscritos Adysh e Opiza, nos manuscritos da versão Antiga Geórgia, e nos manuscritos
da versão Etiópica. Cf. METZGER, B. M. The text of the New Testament. Its transmission, corruption, and
restoration. 2. ed. Oxford: Clarendon, 1979. p. 226. Segundo Gnilka, 16, 1-8 + a chamada conclusão breve 9-20
pode ser encontrada em 0112, 099, L, Y, 579, 274mg I, 1602 (cf. GNILKA, El evangelio p. 411).
48
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menção à presença das mulheres no sepulcro vazio e a mensagem do jovem no sepulcro, que
ordena às mulheres narrarem aos discípulos que Jesus está vivo e que os precede à Galiléia
(16,1-8).
As três cenas da perícope podem ser entendidas a partir dos paralelismos averiguados.
Averiguar esta perícope a partir das três cenas significa não isolá-las, mas
compreender a diferença que cada cena comporta, em sua particularidade, e o que representa
para o todo da perícope. Neste sentido, a perícope também não pode ser entendida desconexa
do contexto, nem da obra marcana. O que se visa a observar é o sentido da unidade literária,
as acentuações que o autor estabelece a partir das expressões axiais, que perpassam a narrativa
em sua globalidade. Averiguar a perícope a partir das três cenas significa compreender o
crescendo literário-teológico da dramática experiência da cruz à esperança do anúncio da
ressurreição: “Lá o vereis como ele vos disse”.
A subdivisão da perícope em três cenas pode ser também justificada por meio do uso
da partícula aditiva kai, presente em 15,42 e 16,125.
24
Cf. GNILKA, p. 400.
25
A conjunção kai costumeiramente indica uma relação de unidade entre as partes. Cf. WEGNER, U. Exegese
do novo testamento: manual de metodologia. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, São Paulo: Paulus, 1998. p. 89.
49
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Portanto, é possível perceber o esquema tripartido do texto de Mc 15,40-16,8. As
palavras grifadas são as que aparecem repetidas no texto. Há certamente uma intenção na
repetição de palavras26. É possível perceber que os vv. 42-46, inseridos no quadro, formam o
recheio de um “sanduíche” narrativo, ou seja, um relato enxertado dentro de outro relato. As
palavras destacadas em itálico identificam as realidades opostas, como por exemplo, Galiléia
e Jerusalém. Alguns verbos são destacados (em negrito) a fim de mostrar as “amarrações” da
perícope. Em negrito, destacam-se também palavras-chaves que ajudam na compreensão do
texto.
1ª cena
15,40 Havia também mulheres de longe observando, entre as quais Maria a Madalena
e Maria, mãe de Tiago o Menor e de Joses e Salomé,
41 as quais, quando ele estava na Galiléia o seguiam e o serviam e outras muitas que
com ele tinham subido a Jerusalém.
2ª cena
42 E já ao cair da tarde, como era dia da preparação, isto é, véspera do sábado,
43 tendo vindo José de Arimatéia, conselheiro respeitável, que também estava
aguardando o Reino de Deus, cheio de coragem entrou junto a Pilatos e pediu o corpo de
Jesus.
44 Pilatos admirou-se de que já estava morto e, convocando o centurião perguntou a
ele se tinha morrido há muito tempo.
45 e, conhecendo do centurião, concedeu o cadáver a José.
46 e tendo comprando um lençol, tendo descido ele, envolveu-o no lençol e o colocou
num sepulcro, que estava escavado na rocha, e rolou uma pedra diante da entrada do sepulcro.
47 E Maria a Madalena e Maria, de Joses, observavam onde ele era colocado.
3ª cena
16,1 E, transcorrido o sábado, Maria a Madalena e Maria, a <mãe> de Tiago, e Salomé
compraram aromas a fim de embalsamá-lo.
2 E muito cedo no primeiro dia da semana, vão ao sepulcro, ao surgir o sol,
3 e diziam umas as outras: Quem removerá para nós a pedra da entrada do sepulcro?”
26
Este recurso literário é utilizado para evidenciar uma realidade, um fato, um lugar ou mesmo um personagem.
A repetição é um recurso da literatura que está próxima da oralidade. “Outra prova dos limites de Marcos como
escritor é que, quando descreve uma cena nova, repete, às vezes, muitas palavras, e expressões que utilizou em
relatos anteriores”. Este recurso pode ser observado no segundo relato da multiplicação dos pães que segue o
primeiro relato de multiplicação (cf. Mc 3, 20-35; 5,21-42 e outros), Cf. TAYLOR, p. 75, cf. também BENÍCIO,
P. J. A língua do Evangelho segundo Marcos no códice grego da Biblioteca nacional do Rio de Janeiro. Fides
reformata X 1 (2005), p. 109.
50
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4 e, ao levantar a vista, observaram que a pedra tinha sido removida, pois era muito
grande.
5 E, entrando no sepulcro, viram um jovem sentado ao lado direito, revestido de
numa túnica branca, e ficaram cheias de espanto.
6 Ele porém disse: não vos espanteis. Buscais Jesus o Nazareno, o crucificado?
Ressuscitou, não está aqui. Vede o lugar onde o colocaram.
7 Mas ide dizer aos discípulos dele e a Pedro <que>: “Ele vos precede à Galiléia. Lá o
vereis, como ele vos disse”.
8 E, saindo, fugiram do sepulcro, pois estavam tomadas de temor e de assombro, e
nada disseram a ninguém, pois temiam.
Segundo Taylor, os estudos recentes sugerem com freqüência que 14,1-16,8 se baseia
em uma narração breve e sintética, ou seja, um possível querigma que se transformou em
tradição. Convém examinar os argumentos nos quais se baseia esta hipótese30. Para isso,
Taylor retoma a análise elaborada por Bultmann que afirmou que o relato final do Evangelho
de Marcos é primitivo e muito conciso, pois condensa alguns temas, como: a detenção de
Jesus, sua condenação por parte do Sinédrio e de Pilatos, o caminho do Calvário, a
crucificação e a morte. Marcos desenvolveu neste relato um grupo de narrações relacionadas a
Pedro, a saber, a condução de Jesus ante o sumo sacerdote, a negação de Pedro e, como
27
Cf. TAYLOR, p. 633.
28
PESCH, p. 126.
29
As tradições que precedem a narrativa pré-marcana da paixão podem ser observadas na totalidade do
Evangelho de Marcos. Algumas tradições são observadas: 1) tradição do Batista e de Jesus (1,2-15); 2) o pré-
marcano dia de Cafarnaum (1,21a;29-39); 3) a narrativa pré-marcana da disputa (2,15-3,6); 4) a narrativa pré-
marcana das semelhanças ou parábolas (4, 2-10;13-20; 26-33); 5) a narrativa pré-marcana dos milagres (3,7-12;
4,1.35-39.41; 5,1-43; 6,32-56); 6) uma narrativa catequético-paradigmática para a instrução da comunidade:
matrimonio, filhos, riqueza, (10,2-12; 17-27; 35-45) e 7) a narrativa pré-marcana da paixão (8,27-33; 9,2-13. 30-
35; 10,1.32-34. 46-52; 11,1-23. 27-33; 12,1-12.13-17. 34c. 35-37. 41-44; 13, 1s.; 14,1-16,8 que constitui
indubitavelmente o verdadeiro e próprio núcleo fundamental da exposição de Marcos. Cf. PESCH, p. 128-129.
30
Cf. TAYLOR, p. 776-777.
51
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introdução a esta última, o anúncio da negação. Marcos utilizou também um conjunto de
relatos relacionados à última ceia, que incluía a preparação da Páscoa (14, 12-16), o anúncio
da traição de Judas (14,17-21) e a saída de Jesus para o Getsêmani e as profecias lá
pronunciadas (14.27-31)31.
31
Cf. TAYLOR, p. 633-634.
32
Fazemos nossa a afirmação de Pesch (cf. PESCH, p. 65): “Marcos, a partir de 14,1ss, segue inteiramente o
relato da paixão”.
33
Este é o parecer de Taylor, no que se refere à lista das mulheres testemunhas do crucificado-ressuscitado. Este
estudo será mais bem elaborado na busca pelo sentido exegético do texto, item 2.9. Cf. TAYLOR, p. 776. Pesch
admite listas igualmente originárias de 25,47 e 16,1. Cf. PESCH, 739
52
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marcana que situa junto ao cenário narrativo algumas mulheres, discípulas e servidoras de
Jesus. Se a diferença entre as listas de 15,40 e 16,1 parece criar problema, convém observar
em primeiro lugar que segundo a crítica textual o texto adotado em 16,1 deve ser considerado
como original34. Segundo a análise da tradição a diferença se explica pela fusão de tradições.
34
Marcado por GNT com a letra {A}: alto grau de probabilidade.
35
Evidentemente a análise redacional de um texto do Evangelho marcano é mais difícil, pois não se possui
acesso direto às fontes eventualmente utilizadas por Marcos. Pode-se, no entanto, falar em intervenção
redacional quando se observa a incidência de termos, expressões, estilo ou idéias teológicas típicas do
evangelista. A coerência e coesão textual podem ser também deduzidas a partir da redação do texto propriamente
dito, bem como a partir do exame do contexto literário. Cf. WEGNER, p. 145.
53
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dia, Marcos evidencia o desejo das testemunhas de Jesus de embalsamar o corpo de Jesus com
os aromas comprados. Ao chegarem ao sepulcro se deparam com o mensageiro, porta-voz de
Deus, que lhes confia uma missão diaconal: anunciar aos discípulos e a Pedro que a direção
certa para caminhar é a Galiléia e que Jesus os precederá no caminho.
A narrativa da paixão tem seu ponto culminante na morte de Jesus, que é precedida
por seu forte grito e da declaração querigmática do centurião da guarda romana: avlhqw/j ou-toj
o` a;nqrwpoj ui`o.j qeou/ h=n, “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (15,39)36. Fabris afirma
que Marcos é fiel a seu cânon narrativo: nenhuma concessão à retórica e à anedota curiosa. Na
narrativa desta perícope não se percebe nenhum exagero semântico ou lingüístico. Marcos
parece não desprezar a tradição sobre a paixão de Jesus, contada a partir da simplicidade
narrativa, da sobriedade simbólica. A costura dos retalhos mostra no fim uma colcha
harmônica, com matizes coerentes aos últimos acontecimentos ocorridos com Jesus37.
36
Para um aprofundamento nesta questão Cf. TAYLOR, p. 724.
37
FABRIS, R. Marcos in: BARBAGLIO, G; FABRIS, R; MAGGIONI, B. Os evangelhos (I). São Paulo:
Loyola, 1990. p.609.
38
A hipótese de “um fragmento de tradição isolado”, levantada por R. Bultmann, é contestada por Pesch. Cf.
PESCH, p. 735
54
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é, que não se trate de um discípulo qualificado, depõe em favor da historicidade do
fato”39.
Marcos relata a morte de Jesus em consonância com a legalidade da época. Segundo o
costume judaico, fundamentado em Dt 21,22s e respeitado pelas autoridades romanas, o corpo
do condenado à morte deveria ser retirado da cruz antes do pôr-do-sol. Assim, as notícias de
Marcos sobre o sepultamento de Jesus concordam com o costume judaico. Isto pode servir de
indício para a coerência e coesão histórica da perícope, do relato composto pelo autor de
Marcos.
Marcos, com seu trabalho redacional, costurou textos e informações com um estilo
propriamente narrativo. A desenvoltura da composição é averiguada no desenrolar dos fatos,
39
FABRIS, p. 611.
40
Cf. FABRIS, p. 612.
41
PESCH, p. 757.
42
No entanto, isso não descartaria possibilidades de adição ou substituição de palavras por parte do redator. Cf.
PESCH, p. 759.
55
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narrados com simplicidade e objetividade. O autor final de Marcos conseguiu transmitir a
essência e o fundamento a respeito da pessoa de Jesus de Nazaré: “Ele ressuscitou!”; e a
responsabilidade deste anúncio é atribuída às discípulas que estavam ao pé da cruz.
Marcos também faz uso de muitos verbos, o que corrobora a tese que sua obra se
assemelha a uma catequese narrativa45. Há expressões narrativas propriamente de Marcos, que
ilustram o micro-contexto (adjacência imediata) da morte e ressurreição de Jesus46.
43
Gnilka julga que Marcos utilizou-se de: narrações e sentenças formadas à base de uma tradição anterior;
narrações baseadas no testemunho pessoal, provavelmente o de Pedro e de narrações distribuídas tematicamente
e formadas por sentenças e apotegmas. Cf. GNILKA, Evangelio, p. 120.
44
Benício afirma que as conjunções kai. (e), de, (mas) ga,r (porque, pois) apontam para a rapidez, vivacidade e
expressividade com que Marcos redige a sua obra (cf. BENÍCIO, p. 102).
45
Cf. SCHNELLE, p. 51.
46
Não se trata apenas de ver a perícope como uma ilha, mas como um membro anexado ao corpo da obra
marcana. Os recursos literários viabilizam a análise do contexto, do Sitz im Leben, da situação vital em que a
obra ou a perícope foi redigida. Cf. SCHNELLE, p. 50. O macro-contexto no qual está inserido a perícope
apresenta recursos próprios. Tais como: as narrativas de milagres, apotegmas, ditos (pouca freqüência),
parábolas, sentenças, ensinamentos e discurso apocalíptico. É viável recordar que a narrativa do Evangelho de
Marcos, como interstício da comunidade marcana, deseja testemunhar “quem é Jesus” e o que ele simboliza para
os discípulos e discípulas, àqueles que são interpelados pela leitura e meditação da Boa nova.
56
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leitor. O escritor sábio é prudente e não permite que aquele que o lê se disperse em detalhes,
mas que se fite somente no que é central, na teleologia da literatura.
Marcos utiliza poucos recursos literários para narrar os momentos finais da Paixão de
Jesus. A narrativa marcana da Paixão – morte e ressurreição de Jesus – per se pode ser
considerada um novo gênero literário; ao mesmo tempo inovador e intrigante. A genialidade
literária de Marcos contribuiu para que os demais evangelistas escrevessem seus evangelhos.
Destarte é notório que Mt e Lc adicionaram detalhes próprios que não eram, a juízo de
Marcos, tão relevantes para tratar sobre Jesus47e sua morte-ressurreição.
2.11 Um mini-drama
Como já observamos, o texto abordado aqui pode ser considerado uma encenação
dramática. Explicitaremos aqui esta abordagem.
1ª cena: 15,40-41
Os versículos 40-41 (como exórdio da perícope48) têm como cenário o Gólgota,
localizado fora de Jerusalém, mencionado anteriormente nos vv. 21-22: “E levaram-no fora
para o crucificarem [...] ao lugar chamado Gólgota, que traduzido, quer dizer ‘lugar da
Caveira’”. O v. 40 apresenta algumas mulheres que observam de longe o que acontecia com
47
Cf. GABEL, J.B.; WHEELER, C. B. A bíblia como literatura: uma introdução. São Paulo: Loyola, 1993. p.
171.
48
Estes versículos são considerados, por Taylor, apêndice que prepara o leitor para os relatos do enterro e da
ressurreição. Cf. TAYLOR, p. 724.
57
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Jesus. São elas: Maria (a) Madalena, Maria, mãe de Tiago o Menor49 e de Joses e Salomé50. O
verbo que exprime a ação das três mulheres é qewrou/sai, traduzido por “vendo”, “olhando”,
“observando”, “percebendo”. Gnilka diz que “os únicos seguidores de Jesus que
contemplaram sua morte foram as mulheres, elas contemplaram de longe”51, em seu parecer o
v. 40 se apóia no Sl 38,12 que diz:“Meus amigos, também eles se afastam de minha desgraça,
e os meus parentes se põem à distância” (LXX avpo. makro,qen)52.
49
Também conhecido como “o irmão do Senhor” (cf. Mc 6,3; Mt 12,46; Jo 2,12; At 12,17; 15,13-21; 21,18-25;
Tg 1,1; Gl 1,19; 2,9. 12;). É de se supor que Tiago e Joses fossem muito conhecidos na comunidade primitiva
(cf. a referência a Simão, Alexandre e Rufo de Mc 15,21). O adjetivo genitivo masculino tou/ mikrou/ distingue
este Tiago do outro (filho de Zebedeu) por sua estatura ou por sua idade. Nada sabemos de Joses. Cf. TAYLOR,
p. 725.
50
Em Mt 27,56 Salomé é identificada como “a mãe dos filhos de Zebedeu” (cf. FOCANT. C. L’evangile selon
Marc. Paris: Cerf. p. 588).
51
GNILKA, p. 381.
52
Cf. GNILKA, p. 381.
53
No dia da preparação o cordeiro deveria ser imolado, a refeição preparada, e removido todo o fermento das
casas. Este termo também pode designar o sexto dia da semana, a sexta-feira que precede o shabbat (cf.
KONINGS, J. Evangelho segúndo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005. p. 250-252).
58
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O v. 43 põe em cena um novo agente: José de Arimatéia (cf. Mt 27,57; Lc 23,51; Jo
19,38)54. A narrativa afirma que este era um ilustre conselheiro do Sinédrio. O relato de
Marcos não afirma que José é discípulo de Jesus. Segundo Taylor, a ação desempenhada por
José pode ter sido motivada tanto pela simpatia que tinha por Jesus quanto pela compaixão
para com o crucificado ou, talvez, pela preocupação com a pureza ritual no dia da
“preparação”55. Marcos apenas diz que José também aguardava o advento do Reino de Deus.
E, entrando com audácia junto a Pilatos, pediu o corpo de Jesus (sw/ma tou/ VIhsou). Para a
tradição, o corpo não deveria ficar exposto, pois o próximo dia era sábado. Por isso, José de
Arimatéia não tinha tempo a perder.
No v. 44 Marcos apresenta Pilatos admirado com o fato de Jesus ter morrido. Pilatos
pergunta ao centurião se havia muito tempo que Jesus tinha morrido. Pois havia crucificados
que suportavam até três dias o suplício da cruz56.
V. 46: Uma vez obtida a permissão para enterrar Jesus, José compra uma mortalha, um
tipo de lençol, e envolve Jesus. Colocando-o no túmulo escavado na rocha, rola a pedra diante
54
O topônimo grego ~Arimaqai,a parece corresponder a Ramaqai,n Rāmāatyim. Sua localização provável é a vila
atual de Rentîs (30 km a nordeste de Jerusalém). Cf. FOCANT, C. L’ evangile selon Marc. Paris : Cerf, 2004. p.
591.
55
Preferimos fazer nossas as palavras de Taylor quando diz que, “Mateus deduz que José era discípulo (27,57).
Neste sentido, uma vez mais, se manifesta o caráter primitivo do relato de Marcos” (TAYLOR, p. 727).
Evidente, porém, que Mc não está preocupado com a exatidão dos fatos, se José era mesmo discípulo, no sentido
clássico. Marcos apenas relata os fatos dizendo que houve uma preocupação por parte de José de Arimatéia, um
importante representante do Sinédrio. Para Focant, é provável que José de Arimatéia fosse um simpatizante
próximo do objeto da pregação de Jesus, o Reino de Deus (cf. FOCANT, p. 590).
56
São naturais tanto a surpresa quanto a pergunta de Pilatos, pois alguns crucificados conseguiam suportar dois
ou três dias de tormento. Este versículo, “leva a marca da autenticidade” Cf. Lagrange, apud TAYLOR, p. 728.
57
Cf. TAYLOR, p. 728.
58
FOCANT, p. 590.
59
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da entrada. Nota-se que o autor se refere duas vezes à palavra lençol (sindo,na) e duas vezes a
palavra sepulcro (mnhmei,w).
Como o trabalho era excessivo para que fosse realizado por José de Arimatéia sozinho,
há de se imaginar que ele tivesse contado com a ajuda dos seus criados. Ao enterro, nenhum
discípulo assistiu, tampouco as mulheres. Não se menciona a unção, e a juízo de Marcos esta
não foi levada a cabo (cf. 16,1, cf. também 14,8 e Lc 23,55ss). Segundo Jo 19,39s,
Nicodemos trouxe uma mescla de mirra e aloés, que foram colocadas nas pregas das ataduras,
“segundo o costume de enterrar alguém entre os judeus”. Marcos leva em consideração
somente a tradição do lençol, do pano novo que envolveria o cadáver de Jesus59.
59
TAYLOR, p. 729.
60
Cf. GNILKA, p. 391.
61
TAYLOR, p. 731. Para Lucas, kai. mura (23,56), ocorre também no grego clássico, nos LXX (2 Mac 11,26).
62
Fazemos nossa a afirmação de Gnilka (cf. GNILKA, p. 406):“o terceiro dia é o dia da ajuda divina e indicação
de que um defunto está verdadeiramente morto”.
60
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mencionado em 8,31, 10,34; 15,29. Em 15,42 mencionou a paraskeuē ou prosabbaton, no v.
1 a passagem do sábado, e no v. 2 o primeiro dia da semana.
No v. 3 as mulheres indagam entre si: “Quem removerá para nós a pedra da entrada
do sepulcro?”. Marcos afirma que as mulheres, ao erguerem os olhos viram que a pedra já
tinha sido removida (v.4)63. Segundo Taylor, Marcos não tenta explicar como se removeu a
pedra; a narrativa dá a pensar que a remoção de tal pedra havia sido obra de Deus ou de Cristo
ressuscitado. O autor de Marcos ainda surpreende o leitor afirmando: “Ora, a pedra era muito
grande”. Mas o que mais surpreende é a sobriedade narrativa de Marcos, implicando, porém
não afirmando, que o sepulcro estava vazio. O anúncio dramático fica subentendido até o
momento em que o jovem mensageiro diz no v. 6: hvge,rqh( ouvk e;stin w-de\ i;de o` to,poj o[pou
e;qhkan auvto,n. “Ressuscitou, não está aqui. Vede o lugar onde o colocaram”.
O v.6 introduz uma exortação às mulheres: “não temais”65. O jovem declara que Jesus
ressuscitou e assinala o lugar onde o haviam colocado. Marcos introduz termos
desconhecidos: Nazarhno.n (cf. 1,24), evstaurwme,non (cf. 15,13). Esta última palavra, que
significa “o crucificado”, termo da tradição, e que corresponde ao emprego que faz Paulo em
1Cor 1,23; 2,2; Gal 3,1. Esta expressão, um tanto formal, está intimamente unida a VIhsou/n
to.n Nazarhno.n, que quer dizer: “Jesus o Nazareno”66.
63
TAYLOR, p. 734.
64
O jovem, em grego neani,skon, está à direita e vestido de branco, podendo indicar dois elementos de dignidade.
Esta descrição pode aludir a um anjo. Segundo Taylor, Marcos descreve de forma gráfica o que crê ter
acontecido. Os vv. 6s, nos quais o “anjo” utiliza uma linguagem humana, sublinham esta impressão. Cf.
TAYLOR, p. 735.
65
De acordo com Gnilka, o anúncio do jovem junto ao sepulcro evidencia uma angelofania, muito presente no
gênero da haggadah. A angelofania é caracterizada pela aparição do anjo, a reação de medo, a mensagem a
comunicar, a resposta do receptor. Cf. GNILKA, p. 398.
66
Cf. TAYLOR, p. 735.
61
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ver o ressuscitado. Não “subjaz aqui uma rivalidade entre a comunidade de Jerusalém e da
Galiléia”; o mais provável historicamente é a reunião do discipulado na Galiléia e ida a
Jerusalém estimulada pela Páscoa67. O encontro como ressuscitado se dá num lugar: na
Galiléia. Esta cidade, para Marcos, corresponde “à pátria filha do Evangelho, o cenário
principal da atuação terrena de Jesus”68, o lugar, por excelência, da vocação ao discipulado69.
Portanto, ver o Ressuscitado na terra de sua atuação terrena significa também poder
compreendê-lo plenamente. Só podemos compreender Jesus quando o vemos como terreno,
crucificado e ressuscitado. De acordo com Taylor, Marcos faz referência à Galiléia devido ao
fato de saber das aparições do ressuscitado naquele lugar e não em um outro70.
O v. 8 diz que a mensagem (do jovem) assusta as mulheres; elas sentem “tremor”
(tro,moj, cf. 1 Cor 2,3; 2 Cor 7,15; Ef 6,5) e “assombro” (e;kstasij, cf. Mc 3,21; 5,42)71, o que
condiz bem com o momento em que voltaram e abandonaram o sepulcro, assustadas. Tremor
e assombro são reações reflexas no encontro do humano com o divino. Marcos afirma que as
mulheres não disseram nada a ninguém, pois tinham medo. O Evangelho tem seu desfecho
com esta afirmação abrupta. Parece que os evangelistas posteriores consideraram intolerável
este final. Mateus afirma que as mulheres, com medo e ao mesmo tempo alegria, correram
para narrar os fatos aos discípulos. Lucas diz que contaram tudo aos Onze e aos demais. Que
evfobou/nto ga,r (pois temiam) é mesmo o final original do evangelho de Marcos é hoje a
posição defendida pela maioria dos estudiosos72.
67
GNILKA, p. 406.
68
GNILKA, p. 402.
69
CF. FUMAGALLI, A. Fatica e gioia della sequella. La formazione dei discepoli nel Vangelo di Marco.
Milano: Ancora, 2002.
70
Cf. TAYLOR, p. 736.
71
Cf. MUNDLE, W. e,kstasiς. In: COENEN, L.; BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. Vol. III. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 784. Esta expressão pode indicar “frenesi”, “confusão”,
“assombro”.
72
TAYLOR, p. 738, Cf. também GNILKA, p. 405.
73
Cf. GNILKA, p. 406.
62
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2.12 As mulheres testemunhas
Depois de termos apontado a estrutura de superfície do drama, focalizamos o papel
testemunhal das mulheres74.
74
É verdade que nem Marcos nem os evangelhos como um todo designam explicitamente uma mulher de
“discípula/aluna” de Jesus (mathētria), mas a palavra “seguir” (akolouthein) circunscreve, sobretudo no
Evangelho de Marcos, de forma marcante, o seguimento de Jesus. De Mc 15,40s, decorre claramente que as
mulheres que seguem a Jesus desde a Galiléia estão numa relação contínua de seguimento a ele. Diferentemente
do que acontece em relação aos discípulos masculinos, Marcos atribui expressamente às mulheres um
comportamento especial frente a Jesus: elas o “serviam”. Portanto, este serviço se expande até hoje como
testemunho de fidelidade e amor ao mestre (cf. STEGEMANN, E.; STEGEMANN, W. p. 423).
75
PESCH, p. 735.
76
Aqui Pesch afirma que o artigo h em B Y 131 poderia não ser originário, mas apresenta a possibilidade de a
mãe de Joses ser a terceira ou quarta mulher no cenário da Paixão de Jesus. Cf. PESCH, p. 736.
63
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Para Pesch, este breve relato tem dupla função: nomear as testemunhas da crucificação
de Jesus, na comunidade primitiva e apresentar algumas seguidoras particularmente fiéis a
Jesus 77.
Nos versículos anteriores, que lembram o que foi anunciado em 10,32 (o que estava
para lhe acontecer) mencionavam-se apenas as figuras masculinas: soldados, sacerdotes,
escribas, os transeuntes (15,29) e os espectadores presentes (15,35). Agora é introduzido novo
sujeito: as mulheres.
Inicia-se, assim, a última seqüência com cenas sucessivas até a morte de Jesus.
“Algumas mulheres foram testemunhas” da crucificação, assistindo ao largo, sem nada poder
fazer.
Apesar de terem seguido Jesus em proximidade79, desde a Galiléia (v. 41a), agora
estão observando Jesus de longe (v. 40 a). De um lado, muitas mulheres estavam próximas a
Jesus desde o início de seu ministério, na Galiléia. De outro, poucas são aquelas que, à
distância, observam os acontecimentos derradeiros na capital Jerusalém. O distanciamento das
amigas do Justo é certamente um motivo tradicional da passio iusti 80. Todavia, tal indicação
corresponde à situação histórica, particularmente no episódio da crucificação de Jesus. O
contexto vital permitia à mulher somente assistir avpo. makro,qen “de longe” o que acontecia no
mundo dos varões, permeado pela crueldade. Normalmente, as mulheres assistiam a tais
fatos, pois após as chacinas, elas eram as responsáveis pela pureza ritual do local onde o
sangue jorrava. Esta era também uma forma de serviço das mulheres hierosolimitanas.
77
Cf. PESCH, p. 736. Com a menção do testemunho da crucificação e da morte de Jesus vivente na primeira
comunidade se iniciou a conclusão do “evangelho da comunidade primitiva”, que está estreitamente próxima do
primeiro e fundamental evangelho cristão (cf. 1Cor 15,3-5): o Cristo morto (Mc 15,37), sepultado (15,42-47),
ressuscitado (16,6) e anunciado (16,7). Cf. PESCH, L’ Evangelo, p. 209.
78
Cf. PESCH, p. 736.
79
PESCH, p. 736.
80
Cf. PESCH, p. 737.
64
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Entre as mulheres que assistiam ao trágico episódio Marcos nomeia 81 apenas três (ou
quatro, segundo a numeração de Pesch82). Maria de Mágdala83, Maria (mãe ou mulher) de
Tiago o Menor e (a) mãe de Joses, e Salomé. Pesch diz que estas mulheres “devem ter
participado da comunidade primitiva e lá trabalhado”84. Lc 8,3 também menciona Joana,
mulher de Cusa e Susana, entre aquelas que serviam e seguiam a Jesus.
Maria Madalena constantemente ocupa o primeiro posto (cf. 15,47; 16,1; Lc 8,2;
24,10). Maria, mãe de Tiago o Menor (e também de Joses?), mencionada posteriormente em
15,47, ocupando o segundo lugar, antecedendo Salomé, em 16,1 (cf. Lc 24,10: Maria de
Tiago). Para Gnilka, as três mulheres constituem uma espécie de “réplica dos três discípulos
preferidos por Jesus (5,37; 9,1; 14,33)85”.
Excurso: Três ou quatro mulheres?
Pesch afirma que Maria de Tiago, aparece identificada com o nome de seu pai (muito
provavelmente) ou de seu filho (menos provável). No cenário redacional de Mt 27,56,
ela é apresentada antes como mãe de José, cf. 27,6186. Tiago, provavelmente é a figura
mais notória, pois é citado identificado à mulher. Mas muitos eram os “Tiagos” no
período apostólico. Dois são mencionados na comunidade primitiva (o filho de
Zebedeu, cf. 1,19, e o irmão do Senhor, cf. 6,3). Há um acréscimo que possivelmente
serviria para distinguir seu nome, o menor, (o; mikro.j). É mais provável que este termo
indicasse mais a estatura física que a idade cronológica. Em Mt 10, a título de
esclarecimento, a lista dos apóstolos apresenta primeiro Tiago, filho de Zebedeu e
depois Tiago, filho de Alfeu. Mc (3,16-19), ao listar os apóstolos, apresenta
primeiramente Tiago, filho de Zebedeu, João, o irmão de Tiago, apelidados de
Boanerges, “Filhos do trovão”. Depois Tiago, filho de Alfeu. Lc (6, 14-16) apresenta
Tiago, juntamente com seu irmão João, depois Tiago, filho de Alfeu. O livro dos At
(1,13) apresenta primeiro Pedro e Tiago e depois Tiago, o filho de Alfeu.
Marcos apresenta uma outra mulher de nome Maria (cf. 15,47), mãe de Joses ou
também VIw.shfoj Iōsēf, que supostamente não seria a mãe de Jesus (cf. 6,3). Ela é
nomeada em 15,47 após Maria de Mágdala; em Mt 27,56 é identificada como Maria
81
Dolores Ruiz aponta a importância da nomeação das mulheres no relato bíblico. Para ela, a identificação, no
contexto de um processo judaico, valida um testemunho (cf. Jo 8,17; 5,35.59). “A morte e ressurreição operam
uma mudança impensável na cultura daquele tempo, principalmente a respeito da condição da mulher (...). Está
claro que a morte, sepultamento e ressurreição de Jesus fazem romper os moldes e barreiras impostas à mulher
por uma sociedade que só levava em consideração os varões” (cf. RUIZ, M. D. El feminismo secreto de Marcos.
Communio 31 1998, p. 9-11).
82
Cf. PESCH, 739. “No v. 40b são indicadas quatro (e não três) mulheres”.
83
Mari,a h` Magdalhnh, mencionada novamente nos v. 47 e 16,1 (Mt 27,56. 61; 28,1; Lc 8,2; 24,10; Jo 19,25;
20,1. 11. 16. 18). Em Lc 8,2 e Mc 16,9 afirma-se que desta mulher havia saído sete demônios (cf. TAYLOR,
p. 724).
84
PESCH, p. 737.
85
GNILKA, p. 381.
86
Cf. PESCH, p. 738.
65
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de Tiago. Pesch afirma que o nome Tiago seria uma possível “variante dada ao nome
do filho de José”87.
Pesch sustenta sua posição, em relação ao número de quatro mulheres diante do
cenário da cruz, dizendo que a formulação VIwsh/toj mh,thr (v.40), antecipando o nome
do filho, quer evitar a repetição do nome Maria, que já era bastante conhecido na
comunidade88.
Para Pesch, o fato de a personagem Maria ser apresentada, no v. 40 como ‘mãe’ de
Joses89 não pode ser desconsiderado, pois tal Joses seria também uma pessoa notável
na comunidade primitiva. Há que se notificar também uma outra possível ligação entre
uma destas mulheres à figura de Clopas, averiguada em Jo 19,25. No entanto, Pesch
afirma, que Schnackenburg “considera esta identificação uma audácia”90.
Marcos apresenta, por fim, outro nome à lista das discípulas, Salomé. Também em
16,1 ela está situada após as outras mulheres e, isso poderia estar associado ao fato de
não portar o nome de Maria. Em Mt 27,56 este nome é identificado como a mãe dos
filhos de Zebedeu (cf. Mt 20,20).
Se para Pesch, Marcos menciona quatro mulheres junto ao cenário da cruz. Taylor, por
sua vez, diz que “mencionam-se provavelmente três mulheres, mas seriam quatro
mulheres se com a ajuda das fontes B Y 131 lesse o artigo h` antes de VIwsh/toj
mh,thr”91. Para Gnilka, Marcos menciona apenas três nomes92.
Aparentemente Mc 15,40 refere-se à Mari,a h` VIakw,bou tou/ mikrou/ kai. VIwsh/toj mh,thr
(Mt VIwsh.f) como se utilizasse o artigo h` como em 16,1 h` VIakw,bou.
“Ao parecer, é a mãe de Tiago e Joses, porque não é provável que sys tenha razão ao
dizer que era a filha de Tiago (sy pe hl dizem “mãe”). Lagrange observa que segundo
o costume árabe é freqüente conhecer a uma mulher pelo nome de seu filho, e que na
expressão de Marcos pode suspeitar-se a existência de um influxo semítico
(compara-se com o` ui`o.j th/j Mari,aj de 6,3). É de se supor que Tiago e José fossem
muito conhecidos na comunidade primitiva (cf. a referência a Simão, Alexandre e
Rufo de 15,21), ainda que seja difícil identificá-las. Sem dúvida alguma, não são os
irmãos de Jesus (6,3), porque não é provável que Marcos designasse à Virgem Maria
com uma circunlocução. É mais provável a opinião de que Tiago seja “o filho de
Alfeu” (3,18)”93.
A respeito das três (ou quatro) mulheres mencionadas no v.40, Marcos diz que
seguiam a Jesus (avkolouqe,w) quando estava na Galiléia, e o serviam (diakone,w), esta última
expressão faz “alusão aos serviços materiais prestados”94. Os imperativos hvkolou,qoun e
87
PESCH, p. 738.
88
Cf. PESCH, p. 739.
89
José irmão do Senhor não é muito nomeado na tradição posterior; diferentemente de Tiago, sempre associado
ao título “o irmão do Senhor” (cf. item 2.11 nota referente a Tiago Menor).
90
Cf. PESCH, 739.
91
TAYLOR, p. 724.
92
Cf. GNILKA, p. 381, cf. também FOCANT, p. 588.
93
TAYLOR, p. 724.
94
GNILKA, p. 382.
66
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dihko,noun descrevem o prolongar-se do seguimento e do serviço durante a atividade de Jesus
na Galiléia. A importância deste seguimento na Galiléia se estende até ao momento derradeiro
da crucificação e morte, em Jerusalém95. As mulheres, que caminharam com Jesus para
Jerusalém, são apresentadas por Marcos como aquelas que compreenderam que o seguimento
de Jesus é seguimento da cruz96. Destarte, a postura destas mulheres constitui a
complementação necessária da confissão do centurião. A profissão de fé deve estar
acompanhada da disposição de vida. Drewermann considera importante o fato de as mulheres
não desesperarem diante da morte de Jesus97. Evidentemente o não-desespero demonstra a
capacidade humana “de compreender a cruz de Jesus”98 e a maturidade de entender que, para
carregá-la não é necessário somente estar com Jesus, mas que é preciso viver, antes de tudo,
como ele viveu. A fé, portanto, não se corresponde como uma questão intelectual, mas como
uma práxis de vida.
“À reta confissão da fé tem que acompanhar a práxis reta da vida. Esta compreende
o serviço amoroso e o sim à cruz. Galiléia e Jerusalém são termos que servem para
recordar uma vez mais a totalidade do caminho de Jesus, que foi um caminho até a
cruz. Desta maneira, o final do relato da crucificação sai ao encontro do conceito do
evangelho”99.
Pesch observa que este breve relato narrativo (Mc 15,40-41) apresenta importantes
informações históricas100: 1) cita três ou quatro mulheres como testemunhas da crucificação
de Jesus; 2) atesta, como outros relatos (cf. Lc 8,2; Mt 27,55), que Jesus mantinha mulheres
em seu discipulado e que, possivelmente, se tornaram pregadoras itinerantes; 3) confirma a
precedente indicação sobre a presença de numerosos peregrinos pascais no seguimento de
Jesus durante seu caminho até Jerusalém. Para a história da tradição, o texto é um importante
indício da forma longa da história pré-marcana da paixão e do lugar onde foi atribuída à
tradição: a primeira comunidade de Jerusalém.
95
Cf. PESCH, p. 741.
96
Cf. GNILKA, p. 382.
97
Cf. DREWERMANN, E. El mensaje de las mujeres: la ciencia del amor. Barcelona: Herder, 1996. p. 176.
98
FUMAGALLI, p. 113.
99
GNILKA, p. 382.
100
Cf. PESCH, p. 742.
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profecias da paixão e ressurreição no início da história da paixão (8,31; 9,31; 10,33s.), a
última profecial está ligada ao longo trajeto (de subida) a Jerusalém 101.
2.13 Conclusão
O estudo literário-crítico da perícope de Mc 15,40-16,8 permitiu-nos observar a
densidade do relato final do Segundo Evangelho e ainda lançar no horizonte da fé a
compreensão mais abrangente a respeito dos eixos semânticos akolouthein e diakonein, a
partir do conceito gerador testemunho, que, acima de tudo, deve ser vivido como um
ministério na Igreja. O testemunho é o que formaliza a vida do cristão e também certifica a
razão de sua esperança (1Pd 3,15). Para Marcos, o discipulado vivido pelos personagens
envolvidos no relato da perícope parece estar associado ao irresistível convite feito por Jesus
101
Cf. PESCH, p. 742.
102
Cf. PESCH, p. 743.
103
GNILKA, p. 381.
68
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no início do Evangelho: “Segui-me” (1,17). Acompanhar o mestre em seus caminhos é
requisito indispensável para a fé e o testemunho dos discípulos.
69
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3 ESTUDO DOS EIXOS SEMÂNTICOS AKOLOUTHEIN E
DIAKONEIN E ANÁLISE NARRATIVA DE Mc 15,40-16,8
“Deus convida e dá forças:
‘Vamos, homem amado,
tu não estás só!’” (E.Schillebeeckx)
É mister averiguar o sentido teológico de tais eixos que perpassam a perícope e lhe
dão sentido. Os eixos semânticos akolouthia e diakonia, na narrativa marcana, serão
estudados distintamente e após a investigação se poderá perceber as implicações que eles
causam na intriga narrativa.
1
No estudo dos eixos semânticos, encontrou-se também outro eixo bastante importante para o estudo do
Evangelho de Marcos: mathētēs ou “discípulo”. Tal eixo pode ser considerado um elo articulador entre os dois
eixos propostos pelo estudo da perícope. Neste sentido, não existiria o seguimento nem o serviço se não
houvesse o discípulo para seguir e servir o mestre. “O verbo seguir (akoloutheō) está relacionado com o conceito
de discípulo (mathētēs) que designa aquele que ouviu o chamado de Jesus e se uniu a ele, por uma resposta ativa
que compromete toda a existência”. Cf. BOMBONATTO, I. Seguimento de Jesus: Uma abordagem a partir da
cristologia de Jon Sobrino. São Paulo: Assunção, 2001. (Tese de doutorado). p. 49. Embora, o termo ocorra
somente em 16,7 e não diretamente em relação às mulheres, lhe dedicaremos um estudo no 3.1.1.
2
Para uma introdução à análise narrativa: Cf. VITÓRIO, J. Narratividade do livro de Rute. Estudos Bíblicos 98
(2008), p. 85-106; ALETTI, J-N. L’art de raconter Jésus-Christ, Paris: Seuil, 1989; MARGUERAT, D.;
BORQUIN, Y. Como leer los relatos bíblicos. Iniciación al análisis narrativo. Bilbao: Sal Terrae, 2000 ;
WÉNIN, A. De l’ analyse narrative à la théologie des recits bibliques. Revue théologique de Louvain, 39 (2008),
p. 369-396; ALETTI, J-N. La construction du personage Jésus dans les récits évangéliques: Le cas de Marc. In:
FOCANT, C. ; WÉNIN, A. (Ed.) Analyse narrative et bible. Deuxième colloque international du RRENAB.
Louven: University, 2005. p.19-42). O foco deste método está voltado para os recursos literários utilizados pelo
narrador, no processo de elaboração do texto, tendo como perspectiva o efeito a ser produzido nos leitores,
naqueles que ouvem a Palavra. A análise narrativa preocupa-se, portanto, com a tríade: narrador – texto – leitor.
“Orienta-se de forma prioritária sobre o leitor ou a leitora, e o modo no qual o texto os fazem cooperar no
deciframento do sentido”. MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. Como leer, p. 17. A análise narrativa detém-se
na observação do leitor sobre os expedientes utilizados para narrar a história, de forma a permiti-lo entrar na
narratividade, no universo narrativo. Importa para o (a) leitor (a) apenas o texto, no qual o autor deixou
impressões indeléveis de sua capacidade narrativa. Cf. MARGUERAT, D. Entrer dans le monde du récit. Une
présentation de l’analyse narrative. Transversitalités. 59 (1996), p. 1-17.
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Após averiguar o sentido destes eixos no macro-contexto (Mc) será possível analisá-
los no micro-contexto da perícope, observando a intenção que eles comportam e o sentido
bíblico-teológico que apresentam.
3
A análise narrativa indaga acerca da peculiaridade e função das narrações. Para Egger, “na exposição, o
narrador pode empregar vários meios lingüísticos para dar eficácias às narrativas segundo o seu objetivo
(intenção pragmática)”. EGGER, W. Metodologia do novo testamento. Introdução aos métodos lingüísticos e
histórico-críticos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 116.
4
Estudar um texto bíblico pode ser comparado a uma viagem empreendida para se conhecer um lugar. Cf.
SILVA, C. M. D. Aprenda a enxergar com o cego Bartimeu, ou... Por que é necessário um método para ler a
Bíblia? Estudos Bíblicos 98 (2008). p. 34.
5
Cf. BLENDINGER, C. avkolouqe,w. In: COENEN, L.; BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 578.
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No AT, na versão da LXX, o verbo seguir não tem implicação religiosa. O guerreiro
segue o comandante (Jz 9,4. 49: Abimelec), Eliseu segue Elias, deixando tudo para trás, sai
para servi-lo (cf. 1Rs 19,20-21 yrex]a; %l;h)', . Em Os 2,7, a LXX utiliza a expressão avkolouqh,sw
para retratar o adultério, o seguimento dos amantes6. Em Nm 22,20 Deus que diz a Balaão:
“Se aqueles homens te vieram chamar, levanta-te, vai com eles; todavia, farás o que eu te
disser”. O termo avkolouqe,w pode ser também encontrado no AT em 1Sm 25,42; Is 45,147.
Mas é Jr 2,2 que melhor explicita a fórmula seguir a YHWH, onde se lê: “Lembro-me de ti,
da piedade da tua mocidade, e do amor do teu noivado, quando me seguias no deserto, numa
terra em que não se semeava”.
No mundo judaico, a instrução dada pelos rabinos aos seus discípulos, de acordo com
8
Schulz , não se limitava de fato ao campo teórico; pelo contrário, seu método preferido de
ensinar preocupava-se de preferência com a prática da Torá. A posição do discípulo era
análoga a de um servo: ele desempenhava na casa do rabi quase todas as tarefas que se faziam
necessárias. Este tipo de serviço era, muitas vezes, mais importante do que o estudo da Torá.
O lugar oficial para a educação dos discípulos era a casa do mestre. Durante as lições,
tanto o mestre como os discípulos permaneciam sentados. A forma de transmissão era o
diálogo, suscitado geralmente por algum questionamento, por parte sempre do discípulo.
6
Cf. KITTEL, G. avkolouqe,w in: KITTEL, G. (ed.) Theological dictionary of the new testament. Vol. 1.
Michigan: Eerdmans, 1977. p. 211. Para Kittel, yrex]a; %l;h' pode ser aplicado para paixão erótica ou amor (cf. Pr
7,22).
7
Cf. KITTEL, in. TDNT. p. 211.
8
SCHULZ, A. Discípulos do Senhor. São Paulo: Paulinas, 1969. p. 19.
9
SCHULZ, p. 20.
72
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Lembra Schulz que a instrução era proporcionada também através de comparações,
que geralmente terminavam com alguma pergunta. A discussão entre alunos fazia parte da
prática didática no judaísmo. O mestre, muitas vezes, era interpelado pelos discípulos com
perguntas densas e enigmáticas. O meio de defesa preferido consistia em citar trechos das
Escrituras a fim de se tentar resolver os problemas10.
O termo avkolouqe,w é usado 59 vezes nos Sinóticos, 18 vezes em Jo, 4 vezes em At, 1
vez em Paulo, 6 vezes no Ap. Portanto, está presente nos escritos próximos ao mundo
rabínico, que vivenciava a cultura mestre-discípulo11. O grande número de citações demonstra
a importância deste vocábulo para o NT e os cristãos da primeira geração.
O termo técnico rabínico yrex]a; %l;h', que pode ser traduzido em grego por e..;rcesqai.
o.pi.sw ou άkolouqein é aplicado aos discípulos de Jesus, sendo até, muitas vezes, sinônimo de
“ser discípulo”. O verbo “seguir” serviu, em muitos momentos do NT, como imagem para
designar o maqhtής (cf. Jo 1,40.43)13.
Segundo Kittel, a pesquisa de status mostra que o termo avkolouqe,w, no seu significado
mais abrangente, expressa a Sequella Christi14. Além de se referir à relação do discípulo com
10
SCHULZ, p. 21.
11
Cf. TEPEDINO, A. M. A. L. Discipulado de iguais: Um estudo sistemático-pastoral sobre o discipulado das
mulheres nos evangelhos. Rio de Janeiro: PUC-Rio ( Dissertação de Mestrado), 1986. p. 29.
12
Cf. SCHNEIDER, G. avkolouqe,w. In: BALZ, H.; SCHNEIDER, G. Diccionario Exegetico del Nuevo
Testamento. Vol. I. Salamanca: Sígueme, 1996. p. 147.
13
Cf. SCHULZ, p. 33 (cf. nota 1).
14
Cf. KITTEL, in TDNT. p. 212.
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Jesus é também um termo utilizado para designar a vivência da fé do discípulo, seguidor de
Jesus.
No Evangelho de Marcos, é possível observar que Jesus escolhe doze homens, dentre
o grupo dos que o seguiam (3,13-19). Convida-os para viverem em sua companhia e o
seguirem. Os discípulos seguem Jesus em suas idas e vindas (6,1; Cf. Mt 8,23; Lc 22,39),
desempenham serviços e recebem instruções na “casa do mestre”. Os não-discípulos de Jesus,
que também o reconhecem como mestre, vêm pedir-lhe conselho (12,28-34), o envolvem em
disputas, determinadas, às vezes, por seu próprio comportamento, às vezes, pelo de seus
discípulos.
A partir dos relatos vê-se que Jesus toma a iniciativa de chamar os discípulos com
plena autoridade, assim como Deus chama os profetas no AT (cf. Jr 1,4-7; Is 8,11-18). O
discípulo deixa tudo para andar atrás de Jesus (cf. Mc 1,18; 10,28; Lc 5,11; Mt 8,19). Os
discípulos são chamados a participar do trabalho de Jesus, associando-se à vida missionária e
também a sofrer o mesmo destino de Jesus (Mc 10,22-45)16. As condições para o discipulado
de Jesus são: renunciar a si mesmo e tomar sua cruz.
Constata-se que o discipulado significa adesão pessoal a Jesus num sentido que denota
relação de vida (8,20), exigindo a entrega total até a morte.
15
KITTEL, in. TDNT. p. 212.
16
Cf. TEPEDINO, p. 31.
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hvkolou,qoun (2,15), cujo sujeito telw/nai kai. a`martwloi., “cobradores e pecadores”,
prolongando a ação do discípulo Levi17.
Os discípulos convidados pelo mestre Jesus, são chamados a deixar de lado a vida
antiga, o que não é uma condição prévia, mas uma conseqüência lógica (cf. Mc 1,16ss; Mt
9,9). Em Mc 10,17ss, é possível averiguar a exigência do mestre Jesus que convida o jovem
rico. Este, por sua vez, “retrocede ante o oferecimento inaudito da vida eterna e se afunda na
tristeza de seus bens terrenos”18. Ele não conseguiu abandonar aquilo que o amarrava para
seguir Jesus.
Para o seguimento supõe-se um caminho, όdo,ς, que pode ser entendido como “modo
de vida”, “proceder” ou “conduta” (Mc 1,2; 8,27; 9,33b.34; 10,32.52). Tal caminho comum é
marcado pelo personagem protagonista que convida ao movimento de seguir. Em sentido
metafórico, expressa a coincidência do modo de vida. A relação de proximidade se converte
em relação de semelhança, ou seja, de discipulado.
O caminho de Jesus21 (8,26-10,52), por sua vez, o conduz a Jerusalém (10,32: vHsan
de. evn th/| o`dw/| avnabai,nontej eivj ~Ieroso,luma) onde há de sofrer até a morte (10,33s). Este é
também o destino do discípulo de Jesus (8,34: avra,tw to.n stauro.n auvt ou/: carregar a sua cruz).
Seguir Jesus significa, portanto, assemelhar-se a ele pela prática de um modo de vida, de uma
atividade, que se insere no movimento subordinado, que tem, no fim do caminho, um
desfecho como o de Jesus. A missão está, portanto, incluída no seguimento22.
17
MATEOS, J. Los “doce” y otros seguidores de Jesus en el evangelio de Marcos. Madri: Cristandad, 1982. p.
46.
18
BORNKAMN, Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1976. p. 156.
19
TEPEDINO, p. 28.
20
Cf. MATEOS, p. 44.
21
No Evangelho de Marcos, a imagem de Jesus é constituída a partir do caminho (principalmente para Jerusalém
8,27 -10,52). Cf. MANICARDI, E. Il camino di Gesù nel vangelo di Marco. Rome: Biblical Institue press, 1981.
p. 44.
22
Cf. MATEOS, p. 44.
75
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Fundamentalmente, o seguimento de Jesus só se faz compreensível como serviço à realidade
do Reinado de Deus.
No AT, a palavra “mestre” não é muito freqüente, pois o único mestre é YHWH, em
cujo nome falavam os profetas. Segundo J. Mateos, a relação mestre-discípulo é desconhecida
no AT, nem sequer os profetas têm discípulos, senão servidores ou acompanhantes26. No
entanto, a palavra lamad foi utilizada com muita freqüência, significando o desejo de aprender
a orientar a vida segundo a vontade de Deus. O povo todo era sujeito do “aprender”. A
consciência predominante na comunidade do AT era a da eleição de Deus. Daí que o termo
mathētēs está praticamente ausente nos LXX, onde aparece só como leitura variante em Jr
13,21; 20, 11.
Para o judaísmo rabínico, o termo talmid serviu para expressar o vínculo, quase de
escravidão, entre o discípulo-mestre.
23
Cf. MÜLLER, D. maqhtής. In: COENEN, L.; BROWN, C. DITNT. Vol 1. p. 582. Processo mediante o qual a
pessoa adquire o conhecimento teorético. A palavra desempenha papel fundamental na formação do discípulo.
24
Cf. MÜLLER, O. seguimiento. In: COENEN, L.; BEYREUTHER, E.; BIETENHARD, H. Diccionario
teológico del Nuevo Testamento. Vol. IV. Salamanca: Sígueme, 1990. p. 176.
25
BARTH, K. Chamado ao discipulado. São Paulo: Fonte editorial, 2006. p. 23.
26
Cf. MATEOS, p.22.
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O termo mathētēs encontra seu centro de gravidade no Novo Testamento. Aparece 250
vezes27 e se refere aos “homens” que rodeavam Jesus enquanto mestre. À primeira vista, a
manifestação de Jesus em público na Palestina não traz nenhuma novidade. Da mesma forma
que os escribas, Jesus reuniu em torno de si um grupo de discípulos. A palavra “discípulo”, a
tradução de maqhtής, é um termo que indica os seguidores de Jesus, sobretudo os Doze28.
Para Schulz, a tradição primitiva concretizada nos Evangelhos revela claramente que
Jesus toma propositalmente o modelo das relações mestre-discípulos, peculiar entre os
rabinos, deixando que o chamem de Rabbi, ou seja, “mestre”29. O termo hebraico Rabbi, título
de respeito para dirigir-se aos mestres da Lei, pode ser encontrado três vezes em Mc, duas
vezes presente na boca de Pedro (9,5; 11,21) e uma vez de Judas Iscariotes (14,45). O termo
aramaico Rabbuni está presente na boca do cego curado em 10,5130.
27
Cf. RENGSTORF, H. W. maqhtής. In: KITTEL, G. (ed.) Theological dictionary of the new testament. Vol. IV.
Michigan: Eerdmans, 1977. p. 441.
28
Para maior esclarecimento da distinção e semelhança entre os Doze e os discípulos, Cf. MATEOS, p. 09-21.
29
Cf. SCHULZ, p. 19.
30
Cf. MATEOS, p. 23. p. 449.
31
Cf. ALDANA, H. O. M. O discipulado no evangelho de Marcos. São Paulo: Paulus-Paulinas, 2005. p. 11.
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8,4.6.10.27.33.34; 9,18.28.31; 10,46; 11,1.14; 12,43;13,1 14,13.32). A leitura de οί μαqhtai,
sem possessivo, se encontra como variante em 6,41; 7,17; 8,1; 9,14; 10,10.13.24; 14,12.16.32
O termo mathētēs pode ser encontrado pela primeira vez, no plural, em Mc 2,15
(maqhtai/j auvtou/) logo após o chamado feito a Levi (2,14: akolou,qei moi), atribuído ao grupo
seguidor de Jesus, que compartilhará da mesma mesa com os cobradores de impostos e com
os pecadores.
32
MATEOS, p. 21.
33
Cf. RENGSTORF, in: TDNT, p. 449.
34
BONHOEFFER, D. Discipulado. 9. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2004. p. 20.
35
Mc fala muitas vezes que Jesus dispõe o poder-autoridade sobre os espíritos imundos (1,27; 3,15), sobre o
sábado (2,28), sobre o pecado (2,10). “Por trás disso está o único a quem pertencem o poder e a autoridade,
Deus, e este os outorga ao ‘filho do homem’, que é Jesus” 8,31 (KONINGS, J. Marcos. São Paulo: Loyola, 1994.
p. 16). Trata-se, portanto, de um poder autorizado por Deus, um poder plenipotenciário.
36
Cf. BONHOEFFER, p. 21.
37
Cf. TEPEDINO, p. 19.
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discípulo de maior conformidade com o caminho e com o pensamento do mestre Jesus. O
contraste entre um seguimento puramente material e o verdadeiro seguimento aparece em Mc
9,33b.34, no qual os discípulos “no caminho” (9,33b.34: evn th/| o`dw/)| , que é o de caminho de
Jesus e cujo desfecho será a morte (9,31), discutem sobre quem é “maior” (9,34: ti,j mei,zwn).
Ainda que acompanhem Jesus no caminho, na realidade não o “seguem”38.
Neste sentido pode-se levar em consideração termo dw,deka, que pode ser traduzido por
“os Doze”, usado no Evangelho para designar os apóstolos nomeados por Jesus (cf. Mc
3,14ss.). Jesus nomeou “os que ele queria” para o seguimento, “os quais responderam
individualmente ao seu chamado”. O termo Doze pode estar relacionado aos dados do AT e
do judaísmo, aludindo a Israel como um todo (as doze tribos) ou, ainda, a doze indivíduos
designados por Jesus para a missão de constituir o Israel definitivo. O novo Israel não se
constitui por uma pertença étnica, mas por uma adesão pessoal a Jesus, expressa na aceitação
de segui-lo 40.
38
Cf. MATEOS, p. 44.
39
Cf. SCHULZ, p. 50.
40
O termo Doze denota em primeiro lugar a totalidade de Israel escatológico, representando a continuação por
doze nomes. Na LXX, este termo indicaria a constituição e a criação do povo de Israel. A questão dos Doze é
bastante controvertida e foge ao interesse do presente trabalho (cf. MATEOS, p. 72).
41
Cf. TEPEDINO, p. 22.
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quiser ser o primeiro, será servo de todos” (10,44). Isso porque o próprio Jesus, o Filho do
Homem, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos
(10,45). Jesus, o servo de todos, é aquele que anuncia o Reinado de Deus, testemunhando com
sua vida que anunciar é servir. Portanto, o mestre que chama os discípulos a servir é ao
mesmo tempo o paradigma do serviço.
O termo serviço, tanto nas línguas clássicas quanto nas modernas, foi sempre
estigmatizado e desvalorizado; carregando uma conotação humilhante, este termo
correspondeu sempre à relação entre alguém que serve e outro que é servido, denotando a
relação senhor e servo. Quem serve está em relação de dependência opressiva, quem é
servido, geralmente, é considerado o opressor.
Na Grécia antiga, as tarefas consideradas indignas do homem livre eram deixadas para
o servo. No mundo desenvolvido de hoje, os serviços menos importantes são deixados para os
estrangeiros, àqueles que se submetem a qualquer situação para sobreviverem, haja vista os
brasileiros no exterior.
Para o grego profano, diakonέw significa: 1) servir a mesa (como algo indigno e
desonroso para o homem livre); 2) ganhar o sustento (passando para o conceito genérico de
serviço); 3) servir (ao bem comum, por exemplo: na pólis de Platão ou a uma divindade,
convertendo-se em tarefa, sendo considerada uma atividade digna do homem livre).
42
Cf. HESS, K. servicio. In: COENEN. L.; BEYREUTHER, E.; BIETENHARD, H. Diccionario teológico del
Nuevo Testamento. Vol IV. Salamanca: Sígueme, 1990. p. 212-216. Também Cf. BEYER, H. W. Diakonέw . In:
KITTEL, G. FRIEDRICH, G. Grande Lessico del Nuovo Testamento. Vol. II. Brescia: Paideia, 1966. p. 957.
80
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Segundo Kittel, a entrega espontânea da própria pessoa a serviço do próximo
permaneceu como uma prática desconhecida no ambiente grego. Para eles, a meta mais
elevada do ser humano era o desenvolvimento do indivíduo, em sua particularidade. O
substantivo diakonein poderia designar as atividades anteriormente descritas como também
significar serviço, ministério e função43.
No NT, o termo diakonέw aparece 36 vezes. 21 vezes nos Sinóticos, incluindo também
At, 3 no Evangelho de Jo, 8 vezes no corpus paulinum, 1 vez em Hb e 3 vezes na 1 Pe. A
palavra diakonia se encontrada uma vez só em Lc 10,40 e outras vezes em Hb 1,14; At 6,1;
1Ts 1,12, designando o serviço, a caridade e o ofício de ministro. O termo διάκονος,
“servidor”, é o que executa as atividades designadas por meio do verbo diakonέw e do
substantivo diakonία44.
Em Marcos, o termo aparece pela primeira vez em 1,13.31 para relatar o serviço
(diēkonei) prestado pela sogra de Pedro, logo após ser curada por Jesus de uma febre. A idéia
de serviço ocupa um lugar destacado pela série de sentenças, acentuadas pareneticamente,
encontradas em 10,42-45. O serviço é, indubitavelmente, a atitude fundamental, o elemento
essencial do seguimento46. Isto pode ser visto pela disposição redacional da série de
sentenças, que se conectam com o terceiro anúncio da paixão (10,33s), e pela cena em que se
reclamam os postos de honra (10,35-40). Esta disposição corresponde exatamente à maneira
43
Cf. BEYER, in. GLNT, p. 957.
44
Cf. WEISER, A. diakonέw in: BALZ, H.; SCHNEIDER, G. Diccionario Exegetico del Nuevo testamento. Vol.
I. Salamanca: Sígueme, 1996. p. 912.
45
Cf. BEYER, in. GLNT. p. 958.
46
Cf. STEGEMANN, E.; STEGEMANN, W. p. 423.
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em que Marcos havia procedido já, quando do segundo anúncio da paixão (9,31. 35). “Tanto
nesta última passagem como na outra, se aborda o mesmo problema existente na comunidade
marcana e em seus dirigentes: o afã de honras e o desejo de poder”. Tanto numa passagem
quanto noutra, o evangelista tenta resolver este problema da mesma maneira, orientando
através das palavras de Jesus e de suas obras, de seu serviço, elaborando, assim, o
chamamento para seguir Jesus em sua cruz47.
Pode-se ainda afirmar que o vocábulo grego diakonίa passa, no NT, por algumas
transformações semânticas. Este termo pode significar: a) ministrar o serviço (à mesa): At
6,1-2; Ap 2,19; b) serviço de coletas: At 11,29; 12,25. Tal serviço de coletar donativos para os
irmãos necessitados demonstra a koinōnia, a comunhão solidária (cf. 2Cor 9,13; At 2,44); c) a
tarefa da pregação da palavra ou serviço do evangelho: At 6,4; 2 Tm 4,11. A diakonia à
comunidade corresponderia à liturgia de ação de graças do Cristo, que se imolou por todos. O
decisivo na comunidade não é o serviço do altar, mas o serviço aos irmãos, exigência que
procede do serviço ao altar48.
Também os companheiros de Paulo são chamados de diάkonoi (Ef 6,21; Cl 1,7; 4,7;
1Ts 3,2). São colaboradores (Rm 16,3.9.21; 2Cor 8,23). Em At o termo diάkonoi é aplicado
por Lucas aos sete homens que aparecem ao lado dos apóstolos, encarregados da assistência
aos pobres da comunidade, mas que possuíam também funções espirituais (cf. Estevão, At
6,8-10 e Filipe, At 21,8)50.
47
SCHNEIDER, in. DENT. p. 916.
48
TEPEDINO, p. 45.
49
Em Mc 9,35 e 10,43-45 decorre que “servir” caracteriza um comportamento exemplar dos discípulos de Jesus
– como imitação do comportamento de Jesus, – tendo, portanto, uma conotação perfeitamente positiva no
contexto do seguimento. Cf. STEGEMANN, E.; STEGMANN, W. p. 423.
50
HESS, in. DTNT, p. 214.
82
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Originariamente, as diversas funções no interior da comunidade podiam ser
denominadas “serviços” (cf. 1Cor 12,5) e os que as realizavam eram chamados servidores
(1Cor 3,5; Col 1,25). O “serviço”, na comunidade cristã, gradativamente vai se transformando
em ofício, em uma função desempenhada sob a supervisão de outro membro da comunidade:
o epíscopo.
51
HESS, in. DTNT,. p. 214.
83
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voluntária do discípulo que ama e que é chamado a doar a vida pelos irmãos, assim como fez
o mestre Jesus52.
Jesus envia os Doze discípulos, dois a dois (Mc 6,7), de acordo com a forma judaica
(prescrita na Tora), que pede duas testemunhas, pois uma só não é acreditada (cf. Dt 17,6;
19,15). Os Doze serão chamados de apóstolos ou “enviados” uma vez só (6,30). Este termo
poderia se referir à missão (“os que foram enviados”) e não somente ao nome de um
ministério. Para a narrativa marcana, os Doze têm sentido em si mesmo. Podendo considerá-
los o fundamento do Novo Israel: os patriarcas do novo Povo de Deus. Segundo Gnilka, o
novo povo deve congregar-se em torno dos Doze54.
Aos Doze, Jesus confia-lhes a missão de proclamar o Reinado de Deus (Mc 3,14 i[na
avposte,llh| auvt ou.j khru,ssein). Esta convocação é claramente um convite ao serviço, para
Marcos. Aí está a gênese do serviço ao Reino, proclamado e inaugurado por Jesus. Os Doze e
os demais “discípulos”55 são chamados a continuar o serviço de Jesus, mesmo após sua
morte-ressurreição. Quanto ao anúncio de Jesus vivente e ressuscitado na comunidade,
certeza é que o anúncio do Reinado de Deus não está fadado ao fracasso, mas que pode ser
continuado pelos discípulos na comunidade eclesial.
52
TEPEDINO, p. 44.
53
SCHILLEBEECKX, E. Jesus: la historia de um viviente. Madrid: Cristandad, 1981. p. 128.
54
Cf. GNILKA, J. Teologia del nuevo testamento. Madri: Trotta, 1998. p. 183.
55
Para uma maior compreensão dos termos Doze e “discípulos” Cf. MATEOS, p. 26. O autor discute a
possibilidade de passagens onde os “discípulos” podem ser identificados com “os doze”.
84
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Jesus realiza está direcionado a alguém ou a alguns, os “discípulos” e as “discípulas”. O
chamado ao seguimento e ao serviço pode ser entendido na perspectiva da alteridade, há
sempre um outro face ao eu que chama a seguir e a servir. Jesus é aquele que chama; ele
chama à experiência de servir e seguir. A resposta ao convite vem da parte daqueles que são
chamados. A resposta é dada no caminho e na práxis do servir.
Seguimos os seis passos de análise narrativa indicados por Daniel Marguerat59. Será
necessário também revisitar a exegese histórico-literária de Mc 15,40-16,8, retomando a
estrutura composicional da perícope em três cenas, que observadas em conjunto, formam uma
“intriga unificada”60 e constituem o clímax61 narrativo da obra marcana.
56
“A análise narrativa se poderia definir também ‘semântica do texto’, pois estuda principalmente dois eixos
semânticos: as ações (eixos semânticos das palavras de ‘agir’) e os agentes” (EGGER, p. 116).
57
Fazemos nossa a observação de Pesch: a perícope de Mc 16,1-8 “é um texto narrativo não-autônomo,
orientado para um contexto, que não pode ter sido uma unidade tradicional isolada (como supõe a maioria dos
estudiosos); evidentemente esta perícope se encontra conexa com o precedente contexto narrativo da história da
paixão e está afixada à história da sepultura (15,42-47) constituída por esta história” (PESCH, p. 757). Cf.
Também AZEVEDO, W. O. Comunidade e missão no Evangelho de Marcos. São Paulo: Loyola, 2002. p. 19.
58
Na “intriga” ou na arte de tecer e narrar o Evangelho, o autor apresenta algumas terminologias que dão sentido
a obra em sua totalidade. As palavras não são apenas somas de letras, mas mundos de possibilidades. Poderia se
afirmar que tais palavras associadas formam as intrigas, que se constituem episódios e formam, por fim, a intriga
total. No episódio seria possível ver o todo da narrativa e no todo da narrativa ver os episódios que a formam. O
mundo do texto é o mundo da narração proposto pelo narrador. O mundo da intriga é constituído por sistemas de
valores e códigos de comunicação (cf. MARGUERAT, p. 4).
59
A análise narrativa pode se estruturar em seis etapas: 1) a intriga: como se articula o conjunto da narração; 2)
gestão dos personagens: quem são e como são identificados? 3) focalização do narrador: como fatos e
personagens entram na mira do narrador? 4) a temporalidade: que indicações são oferecidas para situar a
narração no tempo? 5) o contexto: pano de fundo onde a narração é projetada; 6) o ponto de vista do narrador
(MARGUERAT, p. 6). Estes passos são adotados para a análise da narratividade de outros livros bíblicos (cf.
VITÓRIO, p. 85-106).
60
Há que se distinguir uma intriga episódica (micro-relato) de uma intriga unificada (seqüência ou macro-relato)
Uma trama unificada engloba tramas menores, ou seja, micro-relatos. Há a colcha de retalhos que é formada
pelos micro-retalhos. Sem os micro-retalhos não há a colcha, que pode ser o macro-retalho. Cf. MARGUERAT,
D.; BOURQUIN, Y. p. 90.
61
Este relato se constitui o núcleo fundamental da exposição marcana. Cf. PESCH, p. 129.
62
Chamam-se pragmáticas, as leituras que pretendem buscar o efeito do texto no leitor, dotando-se de
instrumental adequado para localizar no texto indícios pragmáticos, instruções de interpretação. Cf.
MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. p. 17.
85
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sobre o leitor. Analisaremos os recursos utilizados para costurar a trama que permitem ao
leitor entrar no mundo da narração63, na obra de arte produzida pelo autor. Estudaremos
também os textos no aspecto das ações/seqüências de ações narradas, dos agentes
introduzidos e das relações existentes entre eles64.
Quais são as intrigas episódicas, personagens, tempo narrativo, espaço vital e, por fim,
ponto de vista do narrador, encontrados na perícope de Mc 15,40-16,8? A intriga presente na
perícope segue uma clara construção narrativa. Pode-se observar que Marcos respeita a ação
transformadora da narrativa65.
Marcos elabora a intriga total com a soma de intrigas episódicas, ou seja, dos micro-
relatos associados ele forma o conjunto final da perícope. A redação final pode ser comparada
a uma obra teatral, entendida e estudada a partir das cenas sucessivas, que conduzem o leitor
ao clímax narrativo, finalidade da obra.
3.3.1 O texto
Reproduzimos aqui em forma sequencial a tradução instrumental66.
63
Para Marguerat, entre a narrativa e o mundo da narrativa se interpõe a operação de leitura, pela qual o leitor
constrói e habita o universo que lhe propõe o texto. Algumas questões são pertinentes para a análise narrativa:
sobre quais elementos trabalha a leitura? Qual estratégia o narrador haveria construído para orientar a leitura?
Qual a importância entre ditos e os não ditos do texto? Como o narrador faz conhecer seu sistema de valores?
Por quais meios o narrador declara a adesão ou repulsão para com seus personagens. Cf. MARGUERAT, p. 1.
64
Egger distingue narrativa, história e descrição. Para ele, narrativa pode ser entendida como um texto que tem
como elementos ações e agentes. A narrativa não considera a relação com a realidade (nem com a questão da
historicidade). Para uma maior compreensão deste método, EGGER, p. 116-130.
65
Esta ação consiste na arte de descrever os fatos, conjugando-os ou subtraindo-os na narrativa, visando a formar
a intriga, ou seja, a arte de narrar os fatos que configuram o mundo do texto. Cf. MARGUERAT, D.;
BOURQUIN, Y., p. 73.
66
Esta tradução é encontrada no item 2.2.
86
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surgir o sol, 3 e diziam umas às outras: Quem removerá para nós a pedra da entrada
do sepulcro? 4 E, ao levantar a vista, observaram que a pedra tinha sido removida,
pois era muito grande. 5 E, entrando no sepulcro, viram um jovem sentado do lado
direito, revestido de uma túnica branca, e ficaram cheias de espanto. 6 Ele porém
disse-lhes: não vos espanteis. Buscais Jesus, o Nazareno, o crucificado? Ressuscitou,
não está aqui. Vede o lugar onde o colocaram. 7 Mas ide dizer aos discípulos dele e a
Pedro <que>: Ele vos precede à Galiléia. Lá o vereis, como ele vos disse. 8 E,
saindo, fugiram do sepulcro, pois estavam tomadas de temor e de assombro. E nada
disseram a ninguém, pois temiam.
O relato acima, que pode ser considerado o clímax narrativo de Marcos67. Trata-se do
desfecho da obra marcana (15,40-16,8). Este relato apresenta interessantes pontos de vista e
focalização.
3.3.2. A intriga
Aqui estudamos como se articula o conjunto da narração. Evidentemente o narrador é
onipresente. Ele opera a trama68, perpassando os fios narrativos visando a responder às
questões dos leitores. Ele está situado em todas as cenas, sua câmera fotográfica registra todas
as poses no cenário narrativo. Sua pena não pára no belo labor de escrever. Como onipotente,
o narrador “cria tudo quanto deseja, em função do projeto literário”, oferece aos leitores a
intriga, a arte de tramar as palavras; sua intenção é introduzir o leitor ao mundo do texto, para
que este, vislumbrando as belezas da comunicação, se sinta mais e mais atraído. Ele é, por
fim, onisciente, “conhece tudo e nenhuma informação necessária para o projeto lhe escapa” 69.
A intriga se articula a partir do ponto de vista do narrador. Ele conta os fatos, preside a
comunicação70, organiza os códigos midiáticos e visa elaborar respostas aos anseios do
destinatário. Com a arte da significação, o narrador conduz o leitor pelas mãos ao mundo
encantado da narrativa.
67
“O texto de Mc 16,7 é o ponto de partida. Nele se verifica a realização da promessa feita pro Jesus em Mc 14,
27-28, no contexto da última ceia”. Cf. AZEVEDO, p.19.
68
Para que exista relato, faz-se necessária uma história. A estrutura da história é sua trama, ou seja, a intriga. Cf.
MARGUERAT, D.; BORQUIN, Y., p. 67.
69
VITÓRIO, p. 86.
70
A comunicação verbal consiste no envio de uma mensagem por parte de um emissor a um destinatário. Toda
mensagem inclui dois aspectos contexto e código. Este esquema também se aplica a comunicação escrita. Todo
narrador respeita este esquema. Cf. JAKOBSON, R. Essais de linguistique génerale. Arguments 14. Paris:
Minuit. 1963. p. 216.
87
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O narrador desta perícope elabora a intriga total a partir de três cenas episódicas.
No v. 47, o narrador volta a falar sobre as mulheres espectadoras, que agora estão
situadas junto ao túmulo de Jesus. Este versículo está relacionado diretamente ao v. 41, pois
aquelas que seguiam e serviam a Jesus na Galiléia agora estão diante do sepulcro, como já
estiveram diante da cruz. O zoom aproxima-se enfocando o leitor junto ao sepulcro com as
mulheres. Por que elas estão aqui, do mesmo modo como já estiveram no cenário da morte?
71
Tramas episódicas são tramas cujos limites coincidem com o micro-relato. É possível encontrar em textos
bíblicos micro-relatos dentro de um macro-relatos.. O sanduíche que Marcos cria pode ser comparado a um
micro-relato inserido numa trama narrativa unificada Cf. Mc 4,1-20 (vv.10-13); 5,21-43 (vv.25-34); 6,7-30
(vv.14,-29) 15,40-16,8 (vv. 42-46). Cf. MARGUERAT, D.; BORQUIN, Y., p. 92.
72
O ponto nodal indica o elemento desencadeante do relato, que introduz a tensão narrativa (um certo
desequilíbrio do estado inicial ou complicação). Cf. MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y., p. 72. Egger diz que
em cada narrativa há pontos nodais (de tensão) a partir dos quais se abrem desenvolvimentos alternativos. Para
compreender a narrativa, estes pontos são fundamentais e decisivos. Cf. EGGER, p. 118
73
MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y., p. 73.
74
Pilatos condede o corpo de Jesus a José de Arimatéia, em grego dwreo.mai. Cf. TAYLOR, p. 728. Cf. item
2.11.
88
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o jovem. Aparentemente o narrador aproxima o zoom da imagem para as mulheres que vão
embalsamar o defunto. Elas, ao se depararem com o anúncio do jovem que afirma que Jesus
ressuscitou, são convidadas a narrar: “ide dizer...”75 aos discípulos e a Pedro que Jesus os
precede na Galiléia e lá o verão (16,7)76. Mas aparentemente a intriga finda com um anúncio
não realizado. As mulheres, que deveriam testemunhar o acontecido com Jesus, estão
aterrorizadas e silenciam. O narrador parece finalizar a intriga com um suspense. Por que elas
não dizem nada a ninguém? No momento ápice, de aspecto truncado, o narrador trabalha com
a tensão narrativa intensificando a emoção do relato. O desenlace e a situação final da intriga
parecem interrompidas77. Este é um recurso bastante conhecido na literatura. Trata-se da
astúcia do narrador, que lança ao leitor o questionamento78: “e agora, Zé?”.
É neste ponto da trama que se encontra o sentido do método de análise narrativa, que
não visa a dar respostas, mas deixar que o leitor as encontre. A análise narrativa é abertura de
possibilidades.
Observa-se, não só nesta perícope, mas também em outros episódios narrativos, que
Marcos deixa lacunas e perguntas, e a narração de alguns fatos parece truncada80. Isso pode
ser constatado na narrativa de Mc 2, 1-12, na qual o paralítico que é levado a Jesus busca a
cura para a enfermidade e recebe, quando se esperava a cura, o perdão dos pecados. A
narrativa é, aparentemente concluída no v. 9, no qual Jesus diz: “O que é mais fácil dizer ao
paralítico: ‘os teus pecados estão perdoados’ ou dizer: ‘levanta-te, toma o teu leito e anda’?”.
75
A cena “tem traços das narrações de epifania, sobretudo pela tarefa de passar uma mensagem a alguém” (cf.
AZEVEDO, p. 26). A expressão “ir dizer” é observada também em Mc 1,44, no qual o leproso é despedido para
ir apresentar-se ao sacerdote como testemunho da cura realizada. Cf. PESCH, p. 245.
76
A questão interessa, em primeira mão, aos discípulos e a Pedro, evocando, naturalmente aqueles que
acompanharam e seguiram Jesus no caminho de sua paixão, de seu ministério e foram educados por ele. Para
uma maior compreensão de 16,7 (cf. AZEVEDO, p. 25-42).
77
Cf. PESCH, p. 90.
78
MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y. p. 78.
79
VITÓRIO, p. 85.
80
As construções truncadas ou incompletas, também conhecidas como anacolutos, são características do estilo
de Marcos. Cf. TAYLOR, p. 72.
89
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Marcos, porém, retoma o motivo da cura com sentido modificado, não mais como mera cura
mas como sinal de autoridade, na resposta categórica quando Jesus cura o paralítico diante da
multidão e dos fariseus que lá estavam (v.10).
Pode-se concluir que a narrativa marcana leva sempre em consideração o leitor, pois, a
leitura é fundamentalmente uma hermenêutica, ou seja, modo e meio para se encontrar
respostas às questões pertinentes.
O narrador cria seus personagens e estes, por sua vez, dão vida, “porte e cor”81 ao
relato. O narrador os nomeia e lhes dá identidade. Os personagens estão a serviço do relato
pensado pelo narrador82. Quem são? Como são identificados?
81
MARGUERAT, D.; BORQUIN, Y., p. 95.
82
“Encarnam a intriga num processo de interação com proximidade-distância de variados tipos: amizade-
inimizade, benevolência-malevolência, confiança-desconfiança, intimidade-indiferença” (VITÓRIO, p. 89).
83
Para um maior esclarecimento sobre a personagem Maria, mãe de Tiago, cf. Excurso do item 2.12.
90
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(v.43). José, aparentemente um notável membro do Sinédrio, é descrito com simpatia pelo
narrador84.
Outro personagem que agora volta à cena é o centurião, que apareceu em 15,39 e
agora, no v.44, é responsável por certificar que Jesus estava morto. Se em 15,39, diante de
Jesus, morto na cruz, ele afirma: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus”87; agora,
diante de Pilatos, ele apenas oficializa que Jesus havia morrido de fato. Ora, pode-se dizer que
se trata da mesma pessoa nos dois relatos? Parece que sim. O centurião em 15,44 corrobora
que Jesus já havia morrido. Não há, porém, aqui, nenhuma intenção querigmática específica
como 15,3988. É apenas uma continuação narrativa.
84
Cf. item 2.11.
85
Embora, Taylor afirme que havia sentido tanto para a surpresa quando para a pergunta, pois havia crucificados
que suportavam até três dias sofrendo os tormentos, Cf. item 2.11.
86
No mundo romano, o suplício da cruz era infligido aos escravos e aos indivíduos rebeldes. Os cidadãos
romanos estavam, por direito, dispensados da crucifixão. Segundo as leis rabínicas da época do segundo Templo,
os condenados eram apedrejados e depois seus corpos suspensos numa forca até o cair da tarde. A descoberta,
em Jerusalém, em 1969, da ossada de um crucificado, permitiu precisar que o condenado era pregado pelos
punhos. A família podia pedir o corpo, pelo menos em país judaico. Os pobres, contudo, eram deixados na cruz,
seus cadáveres serviam de alimento para os animais. Cf. MONLOBOU, L.; BUIT, F. M. Cruz. In.
MONLOBOU, L.; BUIT, F. M. Dicionário bíblico universal. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1997. p.
169.; Cf. FRAINE, J. Crucifixão. In: BORN, A. van. den. (red.). Dicionário Enciclopédico da bíblia. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1977. p. 336.
87
Esta afirmação do centurião constitui a última declaração, por voz humana, relativa à verdadeira identidade de
Jesus; o relato marcano é assim orientado por duas afirmações: aquela de Pedro e a do centurião, concluindo, um
e outro, a parte do itinerário do reconhecimento de Jesus (cf. ALETTI, J-N. La constrution du personage. p. 35).
88
As palavras do centurião correspondem à exclamação querigmática. A narração da crucificação de Jesus
alcança seu cume na declaração do centurião. Cf. GNILKA, p. 724.
89
Pode-se perguntar: a direita de quem ou de que o jovem está assentado? Trata-se simplesmente de uma
posição a direita do sepulcro como um “lado favorável”? Nos escritos cristãos que dão uma descrição simbólica
do Cristo Ressuscitado, a imagem à direita de Deus, inspirada do Sl 110,1 (cf. também 1Pe 3,22) é
frequentemente utilizada. Ela é notada em Mc 14,62. Trata-se de uma confirmação de caráter simbólico, no qual
este jovem homem deve estar com Cristo Ressuscitado. Cf. FOCANT, p. 596.
91
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visto por aquelas mulheres e elas ficarem atemorizadas, ele anuncia: “Não vos assusteis”
(16,6). Há, na narrativa, uma espécie de contraste quanto à realidade das personagens. Por um
lado, as mulheres que estão atemorizadas, por outro lado, o jovem que tranquilamente
pergunta se elas procuram Jesus de Nazaré, o crucificado. A realidade de dúvida das mulheres
se dissipa com a afirmativa segura do jovem: “Ele ressuscitou, não está aqui”.
O misterioso jovem, que tem como missão anunciar Jesus ressuscitado, inaugura na
narrativa um colóquio. A narrativa descritiva dos fatos ganha agora, com o advento do
personagem intitulado jovem, um sentido mais dialógico. Dois mundos estão em relação.
A narrativa, no entanto, termina com a descrição do narrador que afirma: “Elas saíram
e fugiram para longe do túmulo, pois estavam tomadas de temor e assombro”. E nada
disseram a ninguém, pois temiam” (16,8).
Por fim, pode-se afirmar que o narrador chama ao palco, no desenlace de sua trama, os
personagens que formam o projeto narrativo (Mc 15,40-16,8). Tais personagens se
entrecruzam e trazem à tona problemáticas e questões que o narrador quer elucidar. O
92
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personagem, como criação do narrador, contribui na formação da intriga, na construção da
rede de comunicações e valores que a obra quer apresentar. A identidade do personagem
configura e viabiliza os matizes da trama, a variedade de personagens forma o colorido da
colcha de retalhos chamada narratividade.
O leitor necessita de sensibilidade para se deixar guiar neste processo. Deve captar
com exatidão o que o narrador quis expressar. Se o leitor não for capaz de adentrar nos
meandros da narrativa, a leitura será parcial e o leitor será incapaz de encontrar o foco
principal da narração. A narrativa se constrói a partir da focalização do narrador, tal como um
fotógrafo que procura a luz ideal e o ângulo perfeito, para a fotografia de qualidade. O
narrador, com sua arte inventiva, descreve os fatos e os personagens criando a obra de arte, a
trama, a intriga perfeita. No entanto, o olhar a visão crítica do leitor é que determinará a
profundidade ou a superficialidade da narrativa. Um leitor apático não será capaz de encontrar
beleza na focalização do narrador, a leitura será enfadonha e o resultado será desastroso.
90
Cf. VITÓRIO, p. 96.
91
MARGUERAT, p. 6.
93
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Nos versículos seguintes, a focalização de Mc 15,42-43 se desloca para um novo
tempo e um novo espaço. O tempo é outro: véspera de sábado. Os personagens incluídos, José
de Arimatéia e Pilatos, indicam um lugar diferente. Já não mais o Calvário, mas o palácio de
Pilatos, lugar aonde se dirige José de Arimatéia para reivindicar o cadáver de Jesus. José de
Arimatéia está no close da lente de Marcos. Este o descreve como conselheiro respeitável,
uma autoridade que cria no Reino de Deus e o esperava. Não se trata de um homem qualquer,
se trata antes de um homem corajoso que vai à casa de Pilatos; um homem que não precisa
marcar horários na agenda. Ele tem acesso direto, pois está em pé de igualdade. A focalização
do v. 43 permite ao leitor captar a profundidade da cena, como se lá estivesse presente. Outro
close pode ser percebido em 15,44: o da indiferença de Pilatos. Esta fotografia tirada por
Marcos exprime o sentimento de surpresa (“admirou-se”) de Pilatos em relação à morte de
Jesus. Tal surpresa leva Pilatos a perguntar ao centurião se Jesus havia de fato morrido. Este
close-up faz o leitor indagar o sentido da admiração de Pilatos. Será que ele se surpreendeu
com a morte rápida de Jesus ou com o fato de José estar pedindo algo tão insignificante como
um cadáver? Esta focalização quase interna possibilita ao leitor captar elementos da
interioridade do personagem. Evidentemente não se sabe o que Marcos desejava transmitir
com a expressão “admirou-se”, quando se referiu a Pilatos.
Uma última focalização observada em 16,8, com um final abrupto, diz respeito ao
temor e ao assombro que faz com que as mulheres fujam do sepulcro. O leitor pode perceber
que a realidade do medo está ligada à missão que tais mulheres são designadas a vivenciar. O
jovem ordena que vão dizer aos discípulos que Jesus não está morto, mas que os precede à
Galiléia, onde o verão. O último close-up do narrador focaliza o sentimento de temor ou
94
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medo92 que explica o silêncio, pelo menos momentâneo das mulheres. O leitor é chamado a
observar que a focalização de Marcos não pretende depreciar a atitude das mulheres, mas
introduzir a temática da responsabilidade de anunciar, que é agora confiada aos leitores da
Boa Nova de Marcos. Portanto, o leitor é chamado a recontar um fim à narrativa, a construir
seu desfecho.
3.3.5 A temporalidade
A narrativa é constituída em sua textura pelos conceitos de tempo e espaço, que
permitem o desenrolar da intriga. Sem as dimensões de espaço e tempo não existe
possibilidade de se tecer a narrativa. Os personagens vivem em um tempo e estão inseridos
em um espaço. “Fora do tempo não existe ação humana”94. Aqui peguntamos: que indicações
são oferecidas para situar a narração no tempo?
92
O temor e o assombro assinalam a reação dos destinatários da epifania e da mensagem do mysterium
tremendum da revelação divina. As mulheres que foram embalsamar Jesus crucificado estão agora frente ao
anúncio da ressurreição e são responsáveis que este anúncio aconteça. Cf. PESCH, p. 780.
93
Cf. PESCH, p. 780.
94
VITÓRIO, p. 97.
95
“Quando o narrador diz: ‘passaram três anos’, está assinalando um período suscetível de ser medido com a
ajuda de um calendário. Este é o tempo da história narrada”. Cf. MARGUERAT, D.; BORQUIN, Y., p. 141.
96
Cf. VITÓRIO, p. 98.
95
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semanas, meses ou anos. Mc 1,13 afirma que Jesus ‘permaneceu no deserto quarenta dias’;
Mc 2,1: ‘alguns dias depois’”97. Este procedimento marca todo relato da Paixão. Na perícope
de Mc 15,40-16,8 é possível observar que o narrador pensa a temporalidade a partir da tarde
do primeiro dia, da noite e um novo dia, o sábado, e ainda a madrugada do primeiro dia da
semana.
Destarte faz-se oportuno afirmar que a compreensão dos últimos acontecimentos com
Jesus, relativos à morte e à ressurreição, apresentados pela narrativa marcana serviram de base
teológico-narrativa para a compreensão dos outros evangelistas em suas obras narrativas. Não
se trata apenas da dimensão cronológica elaborada por Marcos, mas da teologia que está por
trás das cenas no Calvário e no sepulcro vazio. Esta narrativa inaugurada por Marcos
favoreceu o imaginário literário-narrativo dos outros escritores.
97
MARGUERAT, D.; BORQUIN, Y. p. 130.
96
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3.3.6 O contexto
Em que pano de fundo a narração é projetada? A narração insere-se em contextos
preparados pelo narrador, a serem detectados pelo leitor. Correspondem às circunstâncias de
tempo, lugar e ambiente social, onde a intriga se desenrola” 98. A ação dos personagens, no
interno da história narrada, se desenvolve dentro de um marco determinado: em um tempo,
um lugar e um entorno social concreto99. O pano de fundo ou contexto pode ter valor de fato
ou valor metafórico. O primeiro contexto é identificado por um dado objetivo: onde acontece
a ação, quando e qual a condição social dos personagens envolvidos na intriga. O segundo
contexto, o metafórico, se dá para além das dimensões espaço-temporal e social.
O narrador pode se ater mais à dimensão espacial e deixar de lado a temporal e vice-
versa. Os contextos cronológicos e geográficos são de fácil identificação na narrativa, no
entanto, o contexto social exige mais esforço para ser analisado e entendido.
98
VITÓRIO, p. 100.
99
Cf. MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y., p. 127.
97
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O narrador se refere, na intriga, três vezes às mulheres. Elas não estão apenas
presentes na cena da morte, mas são também espectadoras dos acontecimentos no sepulcro.
As mulheres observam (15,47) o lugar onde o corpo de Jesus foi depositado. E, por fim, no
limiar do sábado vão comprar os ungüentos para embalsamar o corpo de Jesus. Ali novamente
são nomeadas na intriga: Maria Madalena, Maria, a mãe de Tiago e Salomé.
O narrador não afirma que aquelas mulheres executaram no sepulcro a missão que
desejavam, porém apresenta o belo diálogo das mesmas com o jovem que lá estava (16,5). O
diálogo é fruto da liberdade criativa do narrador. Os personagens estão em cena, ora se
completam ora se antepõem. A intriga retrata o contexto de medo. As mulheres revelam o
100
As referências às mulheres de 15,40s. 47 e 16,1, refletem o desejo de relacionar a morte, o sepultamento e a
ressurreição de Jesus com os testemunhos acreditados. Cf. TAYLOR, p. 776.
101
Cf. VITÓRIO, p. 101.
102
Cf. BÍBLIA Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994 (nota referente a Mt 27,57).
103
Lucas, ao referir-se Maria Madalena, afirma que ela havia sido curada por Jesus, que a libertou de sete
demônios. Mágdala ou el-Mejdel era uma cidade situada a oeste do lago. Cf. GNILKA, p. 724.
98
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primeiro medo: “quem removerá a pedra da entrada” (16,3). Num segundo momento, elas se
apavoram quando se deparam com o misterioso personagem, o jovem (16,4). Num terceiro
momento, o espanto e admiração as fazem fugir (16,8) e nada contar a ninguém.
O jovem aparece na intriga como coadjuvante, mas ele rouba a cena. O querigma que
sai de sua boca produz assombro nas mulheres (16,7). Anuncia que Jesus, aquele que elas
procuram, não está mais lá. Ressuscitou! (16,6). Contudo, o protagonismo de transmitir
aquele anúncio é dado a elas: “ide dizer” (16,7).
B) O eixo do serviço: Este eixo perpassa toda intriga. Em primeiro lugar a expressão
diakonia se encontra explícita em 15,41, no qual o narrador afirma que as mulheres seguiam e
serviam Jesus quando ele estava na Galiléia. Não há dúvidas de que o narrador apresenta
aquelas mulheres como discípulas que seguem e servem o mestre. Não há, contudo,
necessidade de se esclarecer o sentido desta diakonia.
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Palestina, assim como no Egito, as especiarias e perfumes eram usados no momento da
preparação dos cadáveres antes da sepultura104. Vale observar que em Mc 16,1 e Lc 23,56;
24,1, as mulheres voltam ao túmulo para completar o sepultamento de Jesus com a unção.
104
FRAINE, J. Unção. In: BORN, A. van den. (red.) Dicionário enciclopédico da bíblia. Petrópolis: Vozes,
1971. p. 1539-1540.
105
Em Lucas, contrariamente ao relato de Marcos, as mulheres narram aos apóstolos a sua descoberta. Mas eles
não dão crédito às palavras delas (Lc 24,9-12).
106
“Desde o início de seu ministério, Jesus anuncia o Reino de Deus”. Cf. SESBOÜE, B. Pedagogia do Cristo:
elementos de cristologia fundamental. São Paulo: Paulinas, 1997. p. 25; o Reino de Deus é ao mesmo tempo “a
autoridade de Deus, a manifestação de sua glória, o ser-Deus de Deus”. KASPER, W. Jésus, le Christ. Paris:
Cerf, 1976, p. 112. “É impossível, portanto, separar Jesus de Nazaré sua pessoa e sua ‘atividade’, ele é sua
atividade em pessoa”, escreve Kasper. Por isso, o Reino de Deus é o tema central da pregação de Jesus. Trata-se
de uma iniciativa de Deus com o estabelecimento de seu Senhorio. Cf. AZEVEDO, p. 49.
107
FOCANT, p. 596.
100
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relato de Mc 14,51-52, no qual se diz que um jovem o seguia, tendo sobre o corpo apenas um
lençol e ao ser preso, fugiu nu. Esta manifestação, junto ao sepulcro não deve ser entendida
apenas como a de um anjo, enviado unicamente às mulheres para lhes transmitir a mensagem
da ressurreição, mas pode ser entendida que a novidade da ressurreição deve ser comunicada
por todos os batizados109.
A intriga se conclui com outro termo teológico bastante importante para o NT, a
ressurreição. O jovem vestido de branco anuncia às mulheres que Jesus ressuscitou e que não
está presente no sepulcro, que agora permanece vazio. Concomitantemente, o relato apresenta
outro recurso teológico, não mais importante e muito discutido hoje, para falar da
ressurreição: o sepulcro vazio111. Este recurso muitas vezes foi utilizado como uma possível
prova da ressurreição de Jesus.
108
Cf. PESCH, p. 775.
109
Cf. FOCANT, p. 596.
110
Cf. TAYLOR, p. 737.
111
O sepulcro vazio pode ser interpretado como um paralelo ao Templo desvelado (15,38). O Templo é vazio da
presença divina, pois o véu se rasga de alto a baixo 15,38, o sepulcro está vazio da presença do Filho de Deus
que “não está mais aqui” Mc 16,6. Cf. FOCANT, p. 598. Para uma maior compreensão desta temática Cf.
DUQUOC, Ch. Cristologia: Ensaio dogmático II. O Messias. São Paulo: Loyola, 1980. p. 78-83.
112
MARGUERAT, D.; BOURQUIN, Y., p. 201.
113
EGGER, p. 118.
101
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empregados na narrativa. O ponto de vista – os valores projetados pelo narrador na construção
do texto – pode ser percebido a partir dos comentários explícitos ou implícitos na narrativa114.
114
A primeira forma de comentários, a explícita, se trata daquela que há intervenção do narrador, seja com um
comentário da história contada (interpretação, explicação ou juízo), seja com uma comunicação direta ao leitor.
A segunda forma de comentários, implícita, se trata daquele efeito de sentido imputável ao narrador, não
explícito. É perceptível apenas no manejo da trama ou na descrição da ação os personagens. Cf. MARGUERAT,
D.; BOURQUIN, Y., p. 174-195.
102
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Em contrapartida, a focalização do narrador surpreendentemente explicita a
indiferença de Pilatos. Ele é observado pelo narrador como um personagem irônico. Uma
ironia própria de quem exerce o poder (15,44-45). A ação realizada por ele (de conceder o
corpo) se revela condicionada pelo testemunho do centurião, que afirma que Jesus de fato já
estava morto (15,45). A análise narrativa preocupa-se em investigar na intriga as ações e os
agentes. Os agentes são José de Arimatéia e Pilatos, as ações são: da parte de José, pedir a
Pilatos o corpo de Jesus para ser sepultado e, da parte de Pilatos, conceder o corpo a José para
o sepultamento.
Aqui estão os pontos nodais, ou seja, pontos fundamentais que alicerçam o eixo
semântico da diakonia. A intriga de Mc 15,40-16,8 é um modelo claro de narrativa, pois
identificam-se nela vetores ação-agente, o genérico de comunicação-interação115. É comum
nas narrativas perceber a relação entre as pessoas, não há narrativa sem conflitos nem agentes
para o mesmo.
Em 16,1, o narrador retoma a temática do serviço, que agora será presidido pelas
mulheres. O eixo semântico diakonia está fundamentado pelo eixo akolouthia. As mulheres se
colocam a serviço, pois fizeram a priori a experiência do seguimento. Maria Madalena e
Maria, de Tiago e Salomé se dirigem ao sepulcro para o embalsamamento do corpo de Jesus
(16,2). O serviço não chega a ser concretizado, pois o corpo não está no sepulcro. A ação não
chega a ser executada, mas as agentes estão inseridas na cena. A intenção era pertinente, mas
não chega à execução.
115
EGGER, p. 124.
116
FOCANT, p. 596.
103
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mensageiras) que Jesus precede Pedro e os discípulos na Galiléia. Objetivamente o jovem-
diácono não encarrega às mulheres o anúncio do Ressuscitado, mas as incumbe de dizer que
Jesus, aquele que estava morto no sepulcro, agora precede (vai à frente) a comunidade dos
discípulos à Galiléia117.
O narrador busca o desenlace da trama com o imperativo “ide dizer”. A missão das
mulheres é anunciar, narrar aos discípulos e a Pedro, que Jesus os precede à Galiléia e que lá
serão capazes de vê-lo (16,7). A trama inconclusa, por sua vez, tem seu desfecho com a frase
enigmática: “e nada disseram a ninguém, pois temiam”. Neste ponto da intriga é possível
notar que o narrador mantém aquele modelo ação-agente. O agente jovem transmite a missão
(ação) de anunciar às mulheres (agentes). A ação não é executada, mas as agentes estão bem
evidenciadas na cena. A trama ganha outra tensão narrativa na relação ação-agente. As
agentes, ao não executarem a ação, concedem à narrativa outras vias e possibilidades de
interpretação.
Terminar uma narrativa com uma resposta em branco 118 (16,8) é particularmente um
recurso literário bastante estimulante. A singularidade da conclusão de Marcos, afirma Pesch,
“estimula a interpretação e não à reconstrução conjetural de suposições” 119. Significa que o
leitor é provocado a dizer, coerentemente, o não-dito. Marcos, não supõe uma resposta final
para a intriga (Mc 15,40-16,8), mas deixa a possibilidade de um final ao leitor em sua
liberdade interpretativa. O silêncio marcano indica o convite ao leitor a terminar a narrativa,
buscando um desfecho que esteja em consonância com os últimos relatos narrados por
Marcos120.
117
Cf. PESCH, p. 779.
118
Pesch observa que do ponto de vista estilístico não é impossível, que em grego, uma frase ou um relato ou
mesmo um tratado ou livro terminarem com a expressão ga,ρ, o 32º tratado de Plotino também tem seu desfecho
com as expressões τελειότερον ga,r. Cf. PESCH, p. 99.
119
PESCH, p. 100,
120
Cf. FOCANT, p. 599.
104
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3.4 Como confluem os eixos akolouthein e diakonein na narrativa
de Mc 15,40-16,8?
Os termos axiais akolouthein e diakonein perpassam, tal como os fios de um tecido, a
intriga narrativa de Mc 15,40-16,8. Estes eixos equivalem a fios condutores do relato
narrativo. Sem estes fios não existiria a denominada trama, o relato como pode ser observado.
Para entender o projeto narrativo de Marcos, vale lembrar que a trama tem seu início
com o testemunho das mulheres junto à cruz de Jesus. Elas, diante da cruz exercem o serviço
do testemunho. A trama corrobora a questão do serviço com a introdução explícita dos eixos
semânticos fundamentais, akolouthein e diakonein, que ser referem àquelas que observavam
de longe o que acontece com Jesus de Nazaré. Elas o seguiam e o serviam quando ele estava
na Galiléia (15,41) e, agora em Jerusalém, se deparam com trágica morte do mestre.
105
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Os demais agentes entram na trama que encena o sepultamento de Jesus com o
propósito do serviço, que é fruto do seguimento. A este propósito José de Arimatéia se coloca
quando, diante de Pilatos, pede o corpo de Jesus. O serviço prestado por José, de caráter
cultual pode ter sido também expressão de um discipulado às escondidas. O último agente a
entrar em cena, o jovem no sepulcro vazio, projeta a diakonia do querigma para as mulheres
testemunhas. O jovem que aparentemente exerce o ministério querigmático, anunciando que
Jesus não está mais no interior do sepulcro, mas que vai à frente da comunidade dos
discípulos à Galiléia. O querigma deve ser continuado pelas mulheres testemunhas. O serviço
e o seguimento tornam-se, portanto, eixos que fundamentam a trama elaborada por Marcos.
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mas precede os seus na Galiléia, na Comunidade na qual desempenhou seu ministério com os
discípulos. É na Galiléia que Jesus, o Vivente, estará a fim de se encontrar novamente com os
discípulos. Em terceiro lugar, o sepulcro não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida
para o anúncio da ressurreição.
O Ressuscitado se faz ver na comunidade. “Lá o vereis, como ele vos disse”. Aponta-
se para causa última da experiência pascal dos discípulos: a ação divina. “A narrativa pascal
de Marcos nada diz a respeito do tipo de experiência dos discípulos que dá origem à sua fé na
Ressurreição: visões extáticas? Aparições do Ressuscitado? Iluminação interior? Ele diz, isto
sim, que na base da fé pascal, no seu centro, está a “compreensão”, causada pelo próprio
Senhor ressuscitado, do caminho do crucificado como “caminho de Deus”, como o caminho
do Messias que se revela como “Filho de Deus”122.
Deste modo, poder-se-ia afirmar que o Evangelho de Marcos apresenta uma catequese
narrativa para o dia de hoje. Uma catequese que revela o crescendo divino na vida dos
121
GOPEGUI, J. A. R. Para uma volta à catequese narrativa. Fé pascal e “história de Jesus” em Mc 16,1-8.
Perspectiva Teológica. 16 (1984), p. 314.
122
GOPEGUI, p. 12.
107
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homens. Jesus, o Filho de Deus, é apresentado por Marcos como Messias a partir da relação
com os homens e mulheres de seu tempo.
Observa-se, portanto, que a perícope traz efeitos que servem de indícios concretos e
razoáveis para uma atualização.
O gênero feminino, nas comunidades cristãs de todos os tempos, foi chamado por
Jesus ao serviço e ao seguimento no caminho do discipulado. No convite ao discipulado não
pode haver sexismo. Nos tempos hodiernos, constata-se que em igrejas e comunidades
eclesiais de base as mulheres se encontram engajadas, ativas e presentes. Elas servem e
seguem Jesus, colocando-se à disposição para ajudar os irmãos e irmãs na fé. Jesus não põe
balizas para o seu seguimento. O seguimento não é um específico para o masculino, mas um
convite a todos, indistintamente, mulheres e homens. Servir e seguir a Jesus implica em uma
123
A história da interpretação e do efeito produzido orienta a atenção para a riqueza de sentido potencial
escondida nos textos bíblicos. Cf. EGGER, W. Metodologia do Novo Testamento. Introdução aos métodos
lingüísticos e histórico-críticos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 210.
108
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abertura irrestrita do coração. Para o chamado de Jesus, não há gênero que se imponha como
melhor ou superior. Na comunidade dos discípulos não deve existir um gênero com primazia,
que possa manipular e determinar as normas do agir dos discípulos. O mestre Jesus não faz
acepção de gênero. Ao contrário, convida a todos para o seguimento e para a profunda
experiência do serviço.
Por fim, a comunidade cristã de hoje é chamada a rever os conceitos que fundamentam
o discipulado e o serviço. A teleologia do texto do Evangelho só será atingida a partir do
momento em que o ouvinte da palavra se comprometer com aquilo que o texto apresenta. A
intenção do efeito do texto é, certamente, abrir a consciência humana para a magnitude do
discipulado de Jesus, não restrito apenas ao gênero masculino, mas destinado a todo ser
humano que se abre à escuta e vivência da Palavra. É mister, portanto, que a comunidade
cristã de hoje abra-se ao influxo da ruah, a fim de compreender que para o discipulado não há
restrições de gênero e, que as mulheres podem evidentemente participar da Igreja não apenas
como testemunhas do Ressuscitado, mas como discípulas que vivem a alegria da
Ressurreição.
Assim, a Igreja, convocada a viver com fidelidade a Palavra do mestre Jesus, deve
sempre se empenhar por viver a coerência e a solicitude para com os diferentes e para com o
109
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gênero feminino, muitas vezes excluído e rechaçado pela estrutura androcêntrica patriarcal. Se
Jesus, vivendo numa cultura desse tipo, a superou, quanto mais hoje! Faz-se mister e urgente
acolher as diferenças e com elas somar as iniciativas de construir uma Igreja mais humana e
mais santa.
3.6 Conclusão
A análise dos eixos semânticos akolouthein e diakonein nos ajuda a compreender a
relação entre a fé do discípulo ou mathētēs, e a práxis do seguimento e do serviço. A fé é o
motor que impulsiona o discípulo à ação de servir e seguir o mestre. Sem a práxis de vida a fé
do mathētēs de Jesus seria apenas um dado aleatório na experiência do discipulado. A práxis
cristã sem a fé é um mero agir, desorientado e desprovido de sentido. Por outro lado, a fé sem
a práxis é morta.
É mister observar que a análise narrativa não tem a pretensão de dizer tudo, nem
mesmo dizer a verdade sobre tudo, mas tem como intenção conduzir o leitor à verdade sempre
nova extraída do Evangelho. É preciso, antes de tudo, que o leitor abra-se a força do Espírito,
a fim de perscrutar os sentidos que ela apresenta como Boa Notícia.
110
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CONCLUSÃO GERAL
Valeu a pena? Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena.
(Fernando Pessoa).
Após o caminho percorrido, nota-se que o seguimento e o serviço revelam-se forças
motrizes que impulsionam a vida e a evangelização da Igreja. O seguimento e o serviço
coexistem como expressões do testemunho, como características essenciais daqueles que
ouvem a voz do mestre Jesus e se dispõem a segui-lo. O seguimento pressupõe o serviço e
este se evidencia no seguimento. Na esteira do caminho do mestre, o discípulo é chamado a
servir aos irmãos como o mestre Jesus. Ele é o paradigma do servo para toda a Igreja e para os
cristãos. Jesus está a serviço do projeto salvífico do Pai. Ele o realiza tomando sua cruz e se
dirigindo-se para Jerusalém a fim de realizar a vontade de Deus. Ao morrer e ressuscitar,
Jesus possibilita que Deus se faça tudo em todos, cumprindo-se o plano salvífico, isto é, a
realização da história humana, elevada à dignidade da filiação divina. A paixão-morte-
ressurreição de Jesus é expressão ímpar e sublime do serviço ao Pai que aceita a vida do Filho
como dom, perfeita oblação. O Filho, por sua vez, assume a história da salvação e a
protagoniza como servo fiel, que se doa ilimitadamente na certeza do amor responsável
daquele que o chamou e o enviou à missão, o Pai. Jesus, o Filho, concretiza a promessa do Pai
impulsionado pela força do Espírito, que o leva para o deserto e depois o conduz à missão de
anunciar, curar, libertar os corações humanos da morte. O influxo pneumático é o que acende
na Igreja o desejo do serviço e do discipulado. A ação da ruah impele o cristão de ontem e de
hoje a seguir diligentemente os passos do mestre Jesus de Nazaré. O Espírito suscita na
comunidade dos discípulos, a Igreja, o desejo do discipulado e do serviço. Homens e
mulheres são inspirados a partilhar suas vidas e seus dons. É sob o influxo do Espírito que os
discípulos e discípulas deixam suas casas para anunciar Cristo Ressuscitado nas ruas, no
mundo, na cidade, nos campos, nas fábricas, nas escolas e em todos os rincões. É o hálito
feminino do Criador que suscita vida nova na Igreja em todos os tempos e lugares. Aos
chamados ao discipulado e ao serviço, o Espírito alimenta e encoraja para a missão de
profetizar e continuar a obra redentora do Filho. Deste modo, no discipulado e no serviço
evidenciam-se marcas indeléveis da ação trinitária. O Pai é quem chama a comunhão, o Filho
é quem dá exemplos com sua missão, o Espírito é quem anima e suscita o desejo de servir e
de seguir. Portanto, o discípulo é convidado por Jesus, o Filho, a seguir o caminho na busca
da realização da vontade de Deus, o Pai. No Filho Jesus, encontramos o sentido para o
discipulado, pois ele é o enviado do Pai para realizar a missão de salvar. O Filho expressa a
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alegria em servir nas palavras do Evangelho: “Eu vim para servir e não para ser servido”. O
Espírito é quem credita o testemunho do Filho Jesus que deseja cumprir a vontade do Pai:
“Que todos tenham vida”.
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chamadas agora a anunciar que ele não está morto, mas que vive ressuscitado e pode ser
encontrado na Galiléia, na comunidade dos seguidores. Destarte, a Igreja também é chamada
à missão de anunciar o Ressuscitado, a nova realidade de Cristo que vive no íntimo dos
discípulos e na experiência da vida comunitária. A comunidade dos discípulos, precedida por
Pedro, é sacramento do Vivente e é chamada a anunciá-lo. O anúncio do Ressuscitado é
acompanhado da práxis dos discípulos que anunciam. Em Marcos, a profissão de fé do
centurião (Mc 15,39) é corroborada pela práxis fiel do seguimento e do serviço por parte das
mulheres (15,40). A ação das mulheres deixa claro que o seguimento e o serviço são atitudes
testemunhais. O testemunho não se qualifica apenas por palavras, mas está associado à ação, à
práxis fiel. A humanidade só será capaz de perceber que Cristo vive se, de fato, a práxis dos
cristãos estiver em consonância com o que acreditam. Portanto, o discipulado só encontra seu
sentido nas práticas do serviço e do amor.
d) Nota-se que no discipulado não há razões para a exclusão do gênero feminino. Este
gênero, muitas vezes depreciado, também é chamado por Jesus à práxis do discipulado. Para
Marcos, é clarividente que as mulheres participam do discipulado de Jesus de Nazaré, vivendo
a práxis do serviço. As mulheres, mesmo que não convocadas com a mesma solenidade que
os homens na narrativa marcana, agem em conformidade com o significado do discipulado.
Elas acompanham Jesus até os momentos derradeiros, levando às últimas conseqüências o
seguimento e o serviço. O convite de Jesus, primeiramente direcionado aos homens, ganha
concretude na práxis das mulheres que o acompanham e o servem, desde o início de seu
ministério na Galiléia. A especificidade do discípulo é testemunhar com vida que o chamado
do mestre é importante e que tem sentido.
e) O drama elaborado por Marcos ganha edificação através dos termos axiais,
akolouthein e diakonein. Estes coexistem em confluência na narrativa, perpassando toda
estrutura literária da perícope. Evidentemente, estes axiomas fornecem sentido à trama e à
mensagem que o autor do Segundo Evangelho deseja passar. Significa que, para Marcos em
sua arte narrativa, os eixos semânticos akolouthein e diakonein exercem força inspiradora e
norteadora. Os agentes (personagens) desempenham ações pautadas nos eixos discipulado e
serviço, isto é, fornecem ao projeto narrativo do autor Marcos uma importância vital,
tornando a perícope um relato exemplar. De um modo geral, os personagens, ao
desempenharem as funções de discípulos e servidores na trama narrativa, corroboram que
estes termos axiais são imprescindíveis para a formalização do testemunho na comunidade de
fé. Para Marcos, os termos axiais akolouthein e diakonein, que fundamentam e alicerçam a
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vida da proto-comunidade, devem ser vividos como paradigmas para as comunidades cristãs
dos tempos ulteriores e atuais.
f) Depreende-se, por fim, que a narrativa marcana obtém seu verdadeiro sentido
quando instaura o processo de dúvida no leitor que perscruta com curiosidade seus meandros
narrativos. O leitor, portanto, é convidado a encontrar a resposta que o texto deixou aberta. O
drama por mais perfeitamente elaborado deixa margem a perguntas, questões e respostas.
Estas últimas, as respostas, devem condizer em tudo com a totalidade narrativa de Marcos.
Não se trata de o leitor criar conjecturas e hipóteses aleatórias, mas de encontrar sentido novo
para a narrativa especificamente. Não se trata tão pouco de condicionar a leitura a uma
resposta, nem sequer sugerir respostas prontas e acabadas. O texto, por sua vez, permite que o
leitor execute de forma livre a resposta mais coerente com o projeto idealizado pelo autor.
Evidentemente a beleza e a profundidade da narrativa bíblica estão configuradas no leque de
possibilidades que ela oferece ao leitor. O texto bíblico, como qualquer texto literário,
considerado um outro na relação com o leitor não pode ser esvaziado, nem deturpado. Ele
deve ser sempre um outro (alter), que se dá a conhecer e que nunca pode ser aprisionado ou
esgotado em seu mistério narrativo-teológico.
114
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1. Instrumentos
2. Bibliografia básica
115
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