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Artigo
Uma análise da política de APL Mineral no estado da Paraíba: atores, problemas e
conflitos socioambientais nas áreas garimpeiras
RESUMO
INTRODUÇÃO
e do setor terciário de 49,9% para 58,6% (Araújo, 2002, p.4). De 1960 a 1993 a taxa média
de crescimento do PIB nordestino foi de 5,5% enquanto que a taxa nacional no mesmo
período foi de 5,6% (Véras de Oliveira, 2016, p. 52). A participação do Nordeste no PIB
nacional melhorou entre 1970 e 1987, aumentando de 12,6% para 15,8%. Além do mais,
a relação do PIB per capita nordestino com o valor médio do país passou de 45,8% para
54,4% (Araújo, 2002, p. 5).
É neste contexto que o setor mineral na região começa a se desenvolver atrelado
às estratégias de desenvolvimento econômico. A extração de minerais não-metálicos foi
estimulada pelo Estado para atender à demanda da indústria que se instalou no Nordeste
destacando-se as fábricas de cimento, tanto na Paraíba como em Pernambuco e Rio Grande
do Norte; as fábricas de pisos e revestimentos na Paraíba e a indústria da construção civil
que se espalha pelas áreas metropolitanas e que absorve, sobretudo, rochas ornamentais,
areia industrial, granito entre outros materiais.
Se, por um lado, a inserção econômica dos municípios aconteceu a partir da
expansão da demanda por minérios para as indústrias e do financiamento de projetos de
instalação de unidades produtivas de empresas nos municípios mineradores, por outro, essa
inserção implicou determinada forma de organização e de operação da extração de matérias
primas minerais que, nem sempre, foi caracterizada pelo vínculo formal de trabalho nos
termos da legislação trabalhista vigente, tampouco, pela regularização das áreas exploradas
perante os órgãos reguladores. A criação do APL, em 2004, desencadeou uma série de
ações sob o discurso de melhoria das condições de trabalho, do aumento do valor agregado
aos produtos do garimpo, da modernização da produção e, sobretudo, da regularização das
áreas e dos trabalhadores. Tudo isso se os trabalhadores aderissem às cooperativas que
seriam criadas. Uma década depois, diversos conflitos por títulos minerais, manutenção da
clandestinidade, endividamento das cooperativas são o saldo negativo que coloca sob
suspeição os ganhos obtidos com o APL.
Diante do cenário acima resumido, o objetivo geral deste artigo, que reproduz
parte da discussão que estamos fazendo em nossa pesquisa de doutorado1, é analisar quais
as implicações da política do Arranjo Produtivo de base mineral sobre a problemática
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Temos desenvolvido no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Campina Grande a pesquisa intitulada: “A dinâmica da informalidade no setor mineral paraibano: redes e
estratégias em análise”. O objetivo é investigar de que maneira os laços sociais tecidos na atividade
garimpeira influenciam a dinâmica da organização e funcionamento da atividade mineral informal e qual a
sua relação com o setor formal da extração/beneficiamento e da indústria da transformação.
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social e ambiental do garimpo. Ressaltaremos que está em curso uma dinâmica social
movimentada pelas tensões entre a modernização da atividade mineral e a manutenção de
traços da precariedade e da informalidade que, a despeito dos prejuízos para os
trabalhadores e para o meio ambiente, torna possível a acumulação do capital por grandes
empresas que adquirem os minerais extraídos pelos garimpeiros.
Para levar a cabo esta tarefa, nosso percurso metodológico começa por uma
comparação entre quatro municípios mineradores da microrregião do Seridó no Estado da
Paraíba nos quais temos feito a pesquisa e que são os seguintes: Junco do Seridó, Pedra
Lavrada, Santa Luzia e Várzea. Além disso, utilizaremos dados secundários retirados de
bancos de dados do Departamento Nacional de Produção Mineral que nos ajudarão a
compreender a dimensão da atividade a partir dos processos de requerimento de áreas para
exploração mineral. Isso será importante para retratarmos o conflito entre empresas,
atravessadores e garimpeiros que disputam as áreas para exploração mineral. Também
mobilizaremos o material de campo que já produzimos o que inclui trechos de cadernos de
campo e entrevistas com garimpeiros e técnicos do setor mineral.
da população de 06 a 14 anos é de 98,8%. O IDH, em 1991, era 0,266 e subiu para 0,574
em 2010. O município tem 9,2% da população ocupada.
Em relação à economia, a situação é semelhante à de Junco do Seridó quanto a
composição dos setores mais fortes. O serviço público, comércio, agricultura e mineração
são as fontes de renda mais importantes do município. A lavoura permanente é de banana
e a temporária é de feijão, mandioca e milho. Na mineração, Pedra Lavrada explora os
seguintes bens minerais: quartzo, berilo, caulim, calcário, calcedônia, mica, barita,
feldspato, dolomita, tantalita entre outros.
Santa Luzia, no Seridó Ocidental tem, segundo o censo 2010, 14.719 habitantes.
Destes, 13.479 estão na zona urbana e 1.240 estão na rural. São 7.581 mulheres e 7.138
homens com taxa de escolarização entre 6 e 14 anos de 97,8%. Quanto ao IDH, saiu de
0,417 em 1991 para 0,682 em 2010 chegado ao 7º maior IDH do estado. Dados mais
recentes publicados pelo IBGE (2017) dão conta que 12,8% da população está ocupada.
Embora sua proximidade de cidades como Patos, Caicó e Campina Grande, Santa Luzia é
um importante centro comercial do varejo que atende às cinco cidades do Vale do Sabugi,
mais cidades vizinhas do Rio Grande do Norte e cidades na faixa de transição entre o
Seridó e o cariri paraibano.
Destacam-se, ainda, o APL de cerâmica vermelha que congrega várias empresas
que fabricam telhas e tijolos, o parque eólico em construção, o setor de construção civil,
serviços de hotelaria e de alimentação. O serviço público, ao lado do comércio, constitui a
maior fonte de empregos formais na cidade. Na mineração a atividade principal é a
extração de granito para exportação. Há instalada no município uma empresa cujo capital
originariamente é vindo da Espanha e que explora diversas propriedades na cidade com
vistas a extração dessa rocha. Outra atividade na qual é muito importante é a extração da
vermiculita que, em parte, é exportada para o sudeste, mas também é exportada para
Canadá e Estados Unidos principalmente.
A agricultura é, basicamente, voltada para o autoconsumo sendo a produção de
feijão, milho, melancia, jerimum e macaxeira as preponderantes na lavora temporária. Há
plantios de mamão, tomate e banana com a finalidade de comercialização.
Várzea, o menor dentre os quatro municípios, é vizinho à Santa Luzia e segundo
o censo 2010 tem uma população de 2.784 habitantes sendo que 1.835 estão na zona urbana
e 669 na zona rural. A população masculina é de 1.268 enquanto que a feminina é de
1.236. A taxa de escolarização de 6 a 14 anos é de 99,5%, a melhor dentre os quatro, e o
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IDH, que já foi em 1991 igual a 0,370, em 2010, chegou a 0,707 – um dos mais elevados
de todo o estado da Paraíba. Segundo o IGBE (2017), 15,9% da população de Várzea é
ocupada.
O setor dos serviços públicos é o que gera mais emprego formal neste município,
sendo que, em segundo lugar, vem a fabricação de peças de revestimento de pisos e paredes
e a fabricação de outros produtos a base de minerais não metálicos. Há no município um
polo serralheiro, com nove serrarias, mais duas fábricas de peças de revestimento, para
onde os garimpeiros enviam o quartzito que extraem na Serra do Porção. A produção
agrícola é, como nos demais casos, voltada para o autoconsumo das famílias produtoras.
O modelo de realização da atividade de extração mineral no Seridó a que tantos
autores fazem referência (CABRAL, 2009; CARDINS, 2010; CAVALCANTE, 2010;
GOMES, 2008; LIMA, 2010; NÓBREGA, 2012) está sustentado numa complexa rede de
relações sociais e econômicas que envolve, além dos garimpeiros, empresas, cooperativas,
o exército e técnicos de agências financiadoras e reguladoras do trabalho e da atividade
mineral em âmbito municipal, estadual e federal. Estas relações nem sempre são de
cooperação, mas, implicam em disputas pelo monopólio de recursos minerais, pela
manutenção da atividade mesmo em condições de irregularidade, ilegalidade, pela
exclusividade dos melhores minerais etc.
Do ponto de vista das condições de trabalho, nos quatro municípios,
independentemente do tipo de mineral que eles exploram, tem-se a permanência da
precariedade do trabalho. As jornadas chegam a ter entre 10 e 12 horas de duração se
considerarmos o fato de que os garimpeiros saem de casa para a mina e nela mesma
realizam suas refeições, descanso e só retornam às suas casas no final da tarde. No em
relação ao caulim e o quartzito, o ciclo de trabalho envolve a escavação da parede rochosa,
a separação do material e o carregamento da caixa que içará o material até a superfície.
Estas tarefas se repetem durante toda a jornada de trabalho e exigem centenas de flexões
da coluna, dispêndio de força física tanto para escavar como para carregar o material. No
caso do granito, dependendo do formato que ele for retirado, se o grande bloco ou os
paralelepípedos, o esforço consiste em perfurar o bloco, inserção do explosivo, detonação
e a completa separação do bloco em relação à parede rochosa. No caso da produção de
paralelepípedos, usados no calçamento de ruas, os trabalhadores se esforçam para fazer o
corte manual de cada peça.
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A Rede de Pesquisa em Sistema Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST) constitui-se em um conjunto
de pesquisadores composta interdisciplinarmente instalada no Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. A rede promove estudos sobre o papel que desempenham os arranjos e sistemas
produtivos locais (ASPL’s) na construção do processo de desenvolvimento econômico.
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Tentando criar uma alternativa para esta questão, dentro dos debates travados
no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no final da década de
1990, surge o termo Arranjo Produtivo Local, ou simplesmente APL, como uma
espécie de termo “guarda-chuva” capaz de abrigar uma ampla diversidade do
fenômeno, porém com um elemento de coesão, algo presente em todos os
conceitos e análises, com intuito de se constituir como um promissor
instrumento de política econômica.(COSTA, 2010:127)
de Estudos e Projetos (Finep) e Ipea. Além disso, bancos públicos como Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica Federal, Banco de
Nordeste e Banco de Brasil fizeram parte. A partir deste grupo foi elaborado um Programa
Nacional para atuação conjunta em APL’s.
De acordo com Peixoto (2012), estes valores foram utilizados também na compra
de máquinas e equipamentos, mas a maior parte foi aplicado na aquisição de capital de giro
para proporcionar melhorias no processo produtivo. A cooperativa de Várzea, por
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Os estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte têm sido vítimas frequentes de quadrilhas que
explodem caixas eletrônicos em bancos. O fenômeno, que vem sendo chamado de “novo cangaço” tem feito
os órgãos fiscalizadores realizarem operações muito mais frequentes nas áreas mineradoras onde a utilização
de explosivo é muito comum. Na maioria dos casos, tais materiais são comprados em mercados paralelos e
sem nenhum registro a custos, portanto, muito baixos. Não se tem registros, até o presente momento, de que
algum garimpeiro esteja envolvido com estas quadrilhas, mas os garimpeiros temem serem presos em razão
de usarem explosivos clandestinamente.
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exploração da área sem o consentimento do titular, poderá ser acionada a polícia e aberto
um processo para recebimento de indenização. Além disso, o título minerário pode ser
utilizado como garantia junto aos bancos em momentos de se tomar empréstimos, portanto,
é um meio de se conseguir capital seja para aplicar na própria mineração, seja para qualquer
outro tipo de finalidade. O título minerário, em suma, confere poder ao seu detentor que
pode explorar a área, ou simplesmente, repassar o direito de exploração a terceiros
mediante o pagamento. Temos argumentado que existe na Paraíba um verdadeiro mercado
onde se faz especulação com os títulos minerários. Por não ser ilegal, há empresas que são
especializadas em conseguir os títulos minerários e depois fazem o processo de cessão de
direitos minerários (Nóbrega, 2016).
A obtenção dos títulos não é tão simples. Para se ter noção desta complexidade,
basta citar o fato de que um processo comum, do momento do requerimento de pesquisa
ao da licença de operação – quando efetivamente pode começar a explorar
economicamente – são movidos pelo menos vinte procedimentos que incluem protocolo
de requerimento, recolhimento de tributos, etc. Até mesmo a Permissão de Lavra
Garimpeira, a chamada PLG, – forma mais simples de regularização – envolve rotinas que
precisam de recursos humanos e financeiros disponíveis para dar seu prosseguimento. Os
processos de PLG não eliminam a necessidade de apresentação de um memorial descritivo
da área que deve conter uma planta das áreas incluindo as coordenadas geográficas, os
elementos cartográficos que caracterizam a área, como rios, estradas, etc. Isso,
evidentemente, envolve um conhecimento especializado que um técnico em mineração
contratado pela cooperativa poderia resolver.
Assim, o avanço que o APL proporcionaria ao garantir, na sua governança,
mecanismos facilitadores do acesso pelas cooperativas aos títulos seria gigantesco. A
participação da Universidade Federal de Campina Grande nas negociações, em parceria
com o SEBRAE, foi realmente muito importante para que as cooperativas de garimpeiros
tivessem a quem recorrer para regularizarem as áreas. Mas, olhando o quadro geral dos
processos minerários, vemos o quão limitada foi esta atuação. Vejamos.
Nos quatro municípios que pesquisamos estão abertos 293 processos nas mais
diversas fases. Alguns na fase inicial de pesquisa, outros já na licença para lavra, outros,
ainda, solicitam a transferência de direitos para terceiros. O que nos interessa neste
momento, é verificar o perfil dos interessados porque, através destes dados, podemos
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avaliar até que ponto o APL conseguiu avançar no sentido da regularização das áreas para
os garimpeiros.
Tipos de interessados
Municípios Pessoas Jurídicas Pessoas Jurídicas
Pessoas físicas
(Empresas) (Cooperativas)
Junco do Seridó 24 54 3
Pedra Lavrada 11 68 1
Santa Luzia 21 85 0
Várzea 6 18 2
Total por interessado 62 225 6
Fonte: Elaborado a partir de banco de dados do DNPM
Vê-se, na última linha da tabela, que o maior número de processos foi aberto por
empresas. A participação do cooperativismo nas demandas por regularização das áreas é
praticamente irrisória se considerarmos o volume de processos pertinentes às pessoas
físicas e empresas. Vamos detalhas os dados desta tabela.
Os 24 processos de Junco do Seridó de pessoas físicas foram abertos por 14
interessados dos quais 5 eram mulheres que são filhas ou esposas de empresários que
também têm processos abertos4. Só um dos requerentes tem sete processos abertos. Quanto
às pessoas jurídicas, especialmente as empresas, identificamos 27 interessadas. Os três
processos de cooperativas foram abertos pela COOPERJUNCO (Cooperativa dos
Mineradores dos Municípios das Regiões do Seridó, Cariri, Curimataú da Paraíba Ltda.) e
pela Cooperativa dos Trabalhadores de Minério e Agricultura de Equador e do Seridó.5
Em Pedra Lavrada, dos 80 processos, 11 foram abertos por pessoas físicas.
Diferentemente dos outros três municípios, neste, nenhuma mulher aparece como
requerente de licença para pesquisa ou operação em nenhuma área. Os 11 processos se
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O trabalho na extração mineral, conforme já tínhamos observado há alguns anos (NÓBREGA, 2012), é
eminentemente masculino. Porém, existe um espaço destinado às mulheres que, geralmente, é na gestão da
produção mineral. No caso do trabalho dos garimpeiros, que recebem por produção ou diária, são as esposas
ou filhas, em grande parte dos casos, que contabilizam quanto o garimpeiro vai receber. Em relação ao
trabalho das mulheres que atuam nos processos de regularização, os dados colhidos são de empreendedoras
cujos maridos também são do setor. Noutros casos, são viúvas ou mulheres separadas que deram
continuidade ao trabalho que realizavam com seus companheiros.
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Esta cooperativa tem a sede na cidade de Equador, no Estado do Rio Grande do Norte, cidade que faz
divisa com Junco do Seridó.
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distribuem entre 10 interessados, portanto, apenas um deles tem dois requerimentos. Entre
os interessados deste município, dois têm áreas registradas também em Várzea, Santa
Luzia e Junco do Seridó. Fazem parte de uma grande empresa exportadora de minérios
com unidades instaladas em Santa Luzia, Soledade e João Pessoa, todos na Paraíba. São
empresários norte-americanos instalados na Paraíba há décadas. No tocante às empresas
de Pedra Lavrada, vemos que 68 processos foram abertos por 30 empresas. Três empresas,
uma delas dos ramos de fabricação de cimento, louças sanitárias e revestimento, lideram o
número de processos perfazendo total de 20 processos. A cooperativa de garimpeiros
conseguiu apenas abrir um processo.
No município de Santa Luzia os 21 processos foram abertos por 15 pessoas físicas
das quais 5 são mulheres (uma coincidência apenas de número em relação ao Junco). 28
empresas abriram processos sendo que as duas principais tiveram, respectivamente, 25 e
17 processos. Este município não possui cooperativa de garimpeiros e nem houve
cooperativa de outra cidade interessada.
O último município que estudamos foi Várzea. Os 6 processos abertos por pessoas
físicas foram demandados por seis interessados, dos quais 3 eram mulheres. Ao todo, 13
empresas foram autoras dos 18 processos deste tipo de personalidade jurídica. Duas
cooperativas, uma de Ouro Branco (cidade vizinha a Várzea) e a outra do próprio
município, ingressaram com processos.
Estas informações fazem notar aspectos muito interessantes da disputa pelo
monopólio dos recursos minerais no meio rural. Em primeiro lugar, o domínio das
empresas no controle dos direitos de uso do subsolo. Para visualizarmos melhor o nível de
concentração dos processos elaboramos o gráfico seguinte:
2%
21%
Pessoas físicas
Empresas
Cooperativas
77%
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O SIGMINE (Sistema de Informações Geográficas da Mineração), criado pelo DNPM, nos permite gerar
um mapa com todos os processos minerários disponíveis.
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Garimpeiro: Não tinha mais o que fazer, né, era juntar as ferramentas e sair
porque o homem num queria nem negociar com eles mesmo. Então eles foram
buscar outro canto pra trabalhar. Ai você vê: qual é o garimpeiro que anda com
um GPS pra saber onde começa e termina uma área?! Ali num tinha como saber
porque era só uma “tripinha” de terra, um pedaço de nada que tá entre a parte da
cooperativa e a de outro dono lá. Mas, os homi não abriram mão de nada.
(Entrevista realizada em julho de 2017)
A pergunta que o garimpeiro fez no final deste trecho de entrevista deixa muito
clara a questão conflituosa que, inclusive, é comum aos municípios do Seridó da Paraíba
e que é a seguinte: os garimpeiros conhecem muito bem os limites das propriedades rurais,
mas, por outro lado, não sabem a quem pertence os direitos de exploração do subsolo. Para
saberem onde podem trabalhar recorrem à cooperativa, aos próprios empresários ou
perguntam aos donos da terra se alguém procurou negociar a liberação para escavação da
terra. A exploração de uma área cujo direito minerário foi requerido por outra pessoa nem
sempre é um ato de má fé da parte dos garimpeiros, mas tende a ser de desinformação
mesmo conforme este segundo ocorrido em Junco do Seridó que tomamos conhecimento
através de entrevistas pode mostrar:
Liderança: outro dia a polícia veio aqui na minha casa. Eles sempre vem... Sabe
que eu luto com isso [mineração] há muitos anos e ai quando eles não
conseguem localizar uma pessoa, uma área ai eles vêm aqui. Então, eu tava aqui
um dia ai chegou aqueles ‘homão’ grande tudo com metralhadora, arma pesada.
Eles tavam procurando por Zequinha [nome fictício]. Ai eu perguntei, mas
escuta, porque vocês tão procurando por Zequinha? Um policial respondeu lá: -
é que nós recebemos a denúncia de que este senhor está retirando minérios de
forma ilegal aqui numa área de uma empresa, então, a gente veio averiguar.
Liderança: - eu disse a ele: mas, rapaz, vocês tão tratando como criminoso um
homem trabalhador como seu Zequinha. Eu conheço ele. Deixe eu dizer a vocês
que ele é um vendedor de castanha que passa o tempo inteiro na BR vendendo
castanha ai ele só trabalha no garimpo quando a coisa tá apertada. Pra dizer
melhor, ele é um analfabeto. Como é que vocês querem que uma pessoa que não
sabe nem ler possa saber que tá extraindo de forma ilegal. Ele não sabe nem o
que é ilegal. É um trabalhador tentando arrumar o que comer pra dar aos filhos.
Outro exemplo de tensões que decorrem desta corrida pelos títulos é entre os
donos dos títulos que efetivamente exploram os minerais e os proprietários das terras onde
se encontra a jazida. A legislação mineral obriga quem extrai minérios a indenizar o
proprietário da terra pelo dano gerado. Não basta, portanto, ao empresário ter o título ele
precisa fazer uma negociação da indenização para poder entrar na terra. Geralmente, essa
indenização – conhecida localmente por conga – varia entre 10% e 15% do valor da carrada
de material que passa pela porteira do sítio. Há uma pessoa que faz o controle da quantidade
de carros que passa e, no final da semana, faz-se o pagamento ao proprietário da terra.
Os problemas nesta relação têm ocorrido quando os proprietários elevam o valor
da conga além dos 15%. Tivemos oportunidade de ver uma cena em que, tendo o
proprietário elevado o preço da conga e não tendo os trabalhadores aceito este valor, o
proprietário, junto com os caseiros de sua fazenda, colocou um cadeado na porteira que dá
acesso à pedreira. Na ocasião, houve uma grande discussão entre garimpeiros que
trabalhavam para o empresário e o proprietário da terra. Não houve resolução quanto a este
caso permanecendo a porteira da fazenda fechada e estes garimpeiros tiveram que migrar
para outras áreas.
Diante das situações sobre as quais discorremos rapidamente, podemos considerar
que a primeira grande promessa do APL, regularização e áreas para as cooperativas, teve
um alcance muito limitado. Podemos atestar isso, observando não só o número dos
processos como o tamanho das áreas requeridas. Para se ter uma ideia, em Junco do Seridó,
a Cooperjunco conseguiu abrir processos de regularização de uma área que tem 236
hectares quando só um processo de uma empresária local tem 956 hectares. O tamanho das
áreas da cooperativa de Pedra Lavrada é de 67 hectares quando há processos com 1.161
hectares. Santa Luzia não tem área licenciada para cooperativa nenhuma enquanto que em
Várzea, as áreas da Coopervárzea, se limitaram a 135 hectares havendo uma segunda área,
destinada à cooperativa de garimpeiros da cidade de Ouro Branco, com 268,77 hectares.
Neste município, há uma mineradora, de capital originariamente francês, que tem 956
hectares registrados em seu nome com a finalidade de pesquisar minério de ouro e
substâncias a ele associadas.
As cooperativas perderam feio a corrida pelos títulos minerários para as empresas
que, como dissemos antes, os utilizam como instrumento de poder não só nas disputas com
suas concorrentes diretas, como também nas restrições que impõem aos “trabalhadores
informais da mineração”, os garimpeiros. Chegamos a afirmar, anteriormente, que nem
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sempre a empresa executa a exploração mesmo quando tem licença de lavra. Há uma
especulação econômica feita com os títulos minerários. Conforme destaca Reydon (2014)
em seu texto sobre governança fundiária, a especulação da terra ocorre quando “o agente
econômico percebe a possibilidade de obter ganhos no futuro com a aquisição ou a
obtenção de um ativo” (REYDON, 2014, p.739). Então, o empresário segura a licença e a
vende quando o valor do mineral tem alta no mercado, ou então, ele próprio explora a área
quando se torna economicamente mais vantajoso.
Outra prática muito comum, especialmente entre os processos abertos por pessoas
físicas, é disponibilizar a área para os garimpeiros realizarem a extração mineral, mesmo
na fase apenas de pesquisa, sob algumas condições. A primeira destas condições é que o
proprietário do título minerário tem a exclusividade na compra da matéria prima que os
garimpeiros extraem. O titular da área cede aos garimpeiros, mas exige prioridade no
fornecimento do material. Não se tem, nesta situação, um vínculo empregatício ou
qualquer tipo de relação formal – razão pela qual, em estudos anteriores, abordamos esta
questão sobre o ponto de vista do conceito de trabalho informal (Nóbrega, 2012).
Em verdade, este portador de títulos minerários, na grande maioria dos casos que
investigamos, é a típica figura do atravessador – que foi tão combatido nos discursos
favoráveis à formação das cooperativas e do APL. Esse atravessador, além de fornecer
uma área “regularizada”, em termos, porque ele só dispõe de licença de pesquisa o que não
lhe permite extrair minério para vender, ele fornece guincho mecânico, explosivos quando
necessário, freta carros para transportar o minério e negocia com o proprietário da terra o
pagamento da conga. Esta situação acontece também com algumas empresas que, embora
não venham ao município realizar esta formação de turmas e negociação, mas contatam
uma pessoa local – quando se trata de empresas de fora – e esta, por sua vez, faz o trabalho
de arregimentação dos garimpeiros e todas as tarefas necessárias ao objetivo da grande
empresa que é ter oferta constante de minério a baixo custo.
Em que pese esta situação que descrevemos signifique um processo de exploração
da força de trabalho sob as mais precárias condições e sem nenhum tipo de proteção social,
uma vez que o tipo de vínculo difere da relação salarial, das formas de contratos existentes
segundo a legislação, a despeito disso, os trabalhadores veem como mais positivo
submeter-se a esta situação do que envolver-se com a cooperativa. Vejamos um relato:
Entrevistador: O senhor faz parte da cooperativa?
Aderaldo [nome fictício]: - nem faço e nem quero fazer.
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Ainda que tenham havido estes esforços, nota-se que a característica degradante
da mineração permanece e, na verdade, é potencializada pela expansão da atividade com
o crescimento da demanda de minerais industriais no mercado. Há apenas um projeto em
curso em Junco do Seridó de recuperação de áreas degradadas e que é conduzido por um
empresário local que está fazendo o aterro de minas abandonadas e fazendo o plantio de
árvores nativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
fazendo pouco aproveitamento das minas. As detonações para abertura das frentes de
trabalho deixam nas imediações da mina muitos resíduos que inviabilizarão o crescimento
de vegetação, destruirão habitats das várias espécies da caatinga, causarão erosão e outros
problemas no solo, além da poluição do ar. Não existe política Plano de Recuperação de
Áreas Degradadas (PRAD) e o passivo ambiental deixado, as imensas crateras e áreas
desmatadas, impacta sob leitos de rios, áreas de plantio etc.
O que a pesquisa tem indicado, diante deste quadro que apresentamos, é que de
solução as cooperativas têm passado a ser impasse. Não deixando de reconhecer os ganhos
que a política do APL trouxe para o setor mineral paraibano, a forma de incentivo de
ingresso nas cooperativas foi absolutamente equivocada. Os trabalhadores foram levados
a acreditar que bastaria ser cooperado que equipamentos viriam gratuitamente e que sob
eles não haveria nenhuma responsabilização. O resultado foi o não pagamento dos
empréstimos, a falta de compreensão sobre as consequências deste não pagamento. Além
disso, algumas das máquinas adquiridas já quebraram e a falta de recursos para recuperação
faz com que elas fiquem paradas expostas ao relento se degradando.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Tânia Bacelar de. Nordeste, Nordestes: que Nordeste? – Versão Revisada.
Observanordeste. 2002.
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CABRAL, Eduardo da Silva et al. IMPACTOS AMBIENTAIS: Uma Abordagem das
Atividades de Beneficiamento de Caulim na Região Borborema/Seridó na Paraíba. IN:
Centro Científico Conhecer - ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Goiânia, vol.5, n.8, 2009