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41º Encontro Anual da ANPOCS


Caxambu-MG, 23 a 27 de outubro de 2017

GT 06 Conflitos e desastres ambientais: violação de direitos, resistência e produção do


conhecimento

Artigo
Uma análise da política de APL Mineral no estado da Paraíba: atores, problemas e
conflitos socioambientais nas áreas garimpeiras

José Aderivaldo Silva da Nóbrega


(PPGCS/UFCG)

RESUMO

Os esforços empreendidos, a partir da década de 1960, de superação dos entraves


econômicos do Nordeste resultaram numa forte política de incentivos fiscais e
investimentos, tocada pela SUDENE e articulada com empresas estatais e bancos públicos,
visando atrair empresas para a região. É neste contexto que o setor mineral nordestino
começa a crescer atrelado às estratégias de desenvolvimento econômico. A extração de
minerais não-metálicos em pequenos municípios para atender à demanda da indústria que
se instalou na região reconfigurou a economia e, ao mesmo tempo, implicou uma série de
conflitos sociais e ambientais decorrentes da exploração do trabalho garimpeiro, da disputa
pelo monopólio dos títulos minerários e da responsabilidade pelo passivo ambiental
gerado. Para superar tais conflitos entre os distintos atores sociais ligados à mineração e
tornar a atividade mineral mais produtiva e sustentável criou-se, em 2004, o Arranjo
Produtivo Local de base Mineral. No presente texto analisamos, a partir de dados
secundários, observações de campo e entrevistas, quais as implicações desta política sobre
as problemáticas sociais e ambientais verificadas na atividade garimpeira na Paraíba.

INTRODUÇÃO

Os esforços empreendidos, a partir da década de 1960, de superação dos entraves


econômicos do Nordeste resultaram numa forte política de incentivos fiscais e
investimentos, tocada pela SUDENE em parceria com outras estatais, como Petrobrás e a
Vale do Rio Doce, além de bancos públicos como o Banco do Nordeste e o BNDES,
visando atrair empresas para a região e, com isso, diversificar a estrutura produtiva
nordestina, modernizar a indústria existente e redefinir as relações econômicas com as
demais regiões brasileiras.
De fato, tais políticas lograram relativo êxito, em primeiro lugar, na redução da
participação da agropecuária no PIB da região entre 1967-1989, passando de 27,4% para
18,9%, e na consequente elevação da participação da indústria subiu de 22,6% para 29,3%,
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e do setor terciário de 49,9% para 58,6% (Araújo, 2002, p.4). De 1960 a 1993 a taxa média
de crescimento do PIB nordestino foi de 5,5% enquanto que a taxa nacional no mesmo
período foi de 5,6% (Véras de Oliveira, 2016, p. 52). A participação do Nordeste no PIB
nacional melhorou entre 1970 e 1987, aumentando de 12,6% para 15,8%. Além do mais,
a relação do PIB per capita nordestino com o valor médio do país passou de 45,8% para
54,4% (Araújo, 2002, p. 5).
É neste contexto que o setor mineral na região começa a se desenvolver atrelado
às estratégias de desenvolvimento econômico. A extração de minerais não-metálicos foi
estimulada pelo Estado para atender à demanda da indústria que se instalou no Nordeste
destacando-se as fábricas de cimento, tanto na Paraíba como em Pernambuco e Rio Grande
do Norte; as fábricas de pisos e revestimentos na Paraíba e a indústria da construção civil
que se espalha pelas áreas metropolitanas e que absorve, sobretudo, rochas ornamentais,
areia industrial, granito entre outros materiais.
Se, por um lado, a inserção econômica dos municípios aconteceu a partir da
expansão da demanda por minérios para as indústrias e do financiamento de projetos de
instalação de unidades produtivas de empresas nos municípios mineradores, por outro, essa
inserção implicou determinada forma de organização e de operação da extração de matérias
primas minerais que, nem sempre, foi caracterizada pelo vínculo formal de trabalho nos
termos da legislação trabalhista vigente, tampouco, pela regularização das áreas exploradas
perante os órgãos reguladores. A criação do APL, em 2004, desencadeou uma série de
ações sob o discurso de melhoria das condições de trabalho, do aumento do valor agregado
aos produtos do garimpo, da modernização da produção e, sobretudo, da regularização das
áreas e dos trabalhadores. Tudo isso se os trabalhadores aderissem às cooperativas que
seriam criadas. Uma década depois, diversos conflitos por títulos minerais, manutenção da
clandestinidade, endividamento das cooperativas são o saldo negativo que coloca sob
suspeição os ganhos obtidos com o APL.
Diante do cenário acima resumido, o objetivo geral deste artigo, que reproduz
parte da discussão que estamos fazendo em nossa pesquisa de doutorado1, é analisar quais
as implicações da política do Arranjo Produtivo de base mineral sobre a problemática

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Temos desenvolvido no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de
Campina Grande a pesquisa intitulada: “A dinâmica da informalidade no setor mineral paraibano: redes e
estratégias em análise”. O objetivo é investigar de que maneira os laços sociais tecidos na atividade
garimpeira influenciam a dinâmica da organização e funcionamento da atividade mineral informal e qual a
sua relação com o setor formal da extração/beneficiamento e da indústria da transformação.
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social e ambiental do garimpo. Ressaltaremos que está em curso uma dinâmica social
movimentada pelas tensões entre a modernização da atividade mineral e a manutenção de
traços da precariedade e da informalidade que, a despeito dos prejuízos para os
trabalhadores e para o meio ambiente, torna possível a acumulação do capital por grandes
empresas que adquirem os minerais extraídos pelos garimpeiros.
Para levar a cabo esta tarefa, nosso percurso metodológico começa por uma
comparação entre quatro municípios mineradores da microrregião do Seridó no Estado da
Paraíba nos quais temos feito a pesquisa e que são os seguintes: Junco do Seridó, Pedra
Lavrada, Santa Luzia e Várzea. Além disso, utilizaremos dados secundários retirados de
bancos de dados do Departamento Nacional de Produção Mineral que nos ajudarão a
compreender a dimensão da atividade a partir dos processos de requerimento de áreas para
exploração mineral. Isso será importante para retratarmos o conflito entre empresas,
atravessadores e garimpeiros que disputam as áreas para exploração mineral. Também
mobilizaremos o material de campo que já produzimos o que inclui trechos de cadernos de
campo e entrevistas com garimpeiros e técnicos do setor mineral.

A MINERAÇÃO NOS MUNICÍPIOS DO SERIDÓ PARAIBANO: OS CASOS DE


JUNCO DO SERIDÓ, PEDRA LAVRADA, SANTA LUZIA E VÁRZEA

Dos 223 municípios do Estado da Paraíba, pelo menos 62, exploram


economicamente a atividade mineral sendo as cadeias produtivas muito variadas. Explora-
se na Paraíba de minério de titânio, passando por outros minerais industriais, até gemas
preciosas – como a turmalina Paraíba – para produção de joias. O Seridó paraibano é uma
microrregião do estado onde a mineração é uma das mais importantes atividades
econômicas. São pelo menos 15 municípios do Seridó onde a mineração atrai centenas de
trabalhadores sob as condições mais diversas.
Há um conjunto de minerais cuja exploração acontece em todos os municípios
variando a quantidade, qualidade e destino da produção. Extrai-se, especialmente, calcário,
granito, quartzito, caulim e feldspato, vermiculita e calcita. A maior parte destes minerais
é destinada a abastecer o mercado paraibano havendo, ainda, a exportação para
Pernambuco, Ceará, São Paulo, Paraná entre outros estados. Na Paraíba, as indústrias de
fabricação de cimento, de cerâmicas de revestimento e a construção civil são os principais
consumidores dos produtos minerais extraídos.
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Junco do Seridó é um município localizado no Seridó Ocidental que tem 6.643


habitantes segundo o censo 2010. Destes, 2.274 moram na zona rural enquanto 4.369 estão
na zona urbana. Se trata de um município de pequena maioria de mulheres (3.335) sob o
número de homens (3.308). O IDH do município subiu de 0,308, em 1991, para 0,617, em
2010. Também segundo dados do censo 2010, Junco do Seridó tem uma taxa de
escolarização da população entre 6 e 14 anos de 96,2%.
A economia local se sustenta com base na agricultura, serviço público, comércio
e mineração. De acordo com o IBGE (2017) o município tinha, em 2015, 11% da
população ocupada. Na agricultura a lavoura permanente é composta de caju, goiaba,
manga e mamão. A lavoura temporária é composta por feijão, milho, melancia, jerimum e
batata.
No que se refere à mineração, o município tem três produtos principais: caulim,
feldspato e quartzito. O caulim é extraído no município por garimpeiros, em lavra
subterrânea, havendo alguns casos de lavra a céu aberto. Esse material bruto é vendido na
própria cidade a pequenas empresas de beneficiamento que são chamadas de
decantamentos. O chamado “beneficiamento úmido” consiste na separação das impurezas
do caulim, sua imersão em tanques com água para produção de uma massa que é prensada
de modo a formar discos e, na sequência, é colocada para secar ao sol. A fase final consiste
em colocação destes discos de caulim no forno para a queima, na trituração do material
retirado do forno e sua embalagem. Embalado, o material é exportado, sobretudo, para
fábricas de porcelanas finas, louças sanitárias, revestimentos cerâmicos, calçados de
borracha, tintas entre outros.
O feldspato é um mineral fundamental para fabricação, entre outas mercadorias,
de tintas, vidros, porcelanas, isolantes elétricos etc. O material de Junco do Seridó é
basicamente vendido para empresas que produzem revestimentos. Quanto ao quartzito sua
extração é feita a céu aberto. O material bruto é levado para serrarias onde é cortado em
diferentes formatos para ser comercializado como peça de revestimento de pisos e paredes.
Recentemente, com o desenvolvimento do processo de serragem úmida, os resíduos são
aproveitados para fabricação de argamassa.
Pedra Lavrada, no Seridó Oriental, tem 7.754 habitantes de acordo com o censo
2010. A população masculina é de 3.734 enquanto que a feminina é de 3.741. Residem na
zona rural 4.400 pessoas enquanto na zona urbana residem 3.075. A taxa de escolarização
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da população de 06 a 14 anos é de 98,8%. O IDH, em 1991, era 0,266 e subiu para 0,574
em 2010. O município tem 9,2% da população ocupada.
Em relação à economia, a situação é semelhante à de Junco do Seridó quanto a
composição dos setores mais fortes. O serviço público, comércio, agricultura e mineração
são as fontes de renda mais importantes do município. A lavoura permanente é de banana
e a temporária é de feijão, mandioca e milho. Na mineração, Pedra Lavrada explora os
seguintes bens minerais: quartzo, berilo, caulim, calcário, calcedônia, mica, barita,
feldspato, dolomita, tantalita entre outros.
Santa Luzia, no Seridó Ocidental tem, segundo o censo 2010, 14.719 habitantes.
Destes, 13.479 estão na zona urbana e 1.240 estão na rural. São 7.581 mulheres e 7.138
homens com taxa de escolarização entre 6 e 14 anos de 97,8%. Quanto ao IDH, saiu de
0,417 em 1991 para 0,682 em 2010 chegado ao 7º maior IDH do estado. Dados mais
recentes publicados pelo IBGE (2017) dão conta que 12,8% da população está ocupada.
Embora sua proximidade de cidades como Patos, Caicó e Campina Grande, Santa Luzia é
um importante centro comercial do varejo que atende às cinco cidades do Vale do Sabugi,
mais cidades vizinhas do Rio Grande do Norte e cidades na faixa de transição entre o
Seridó e o cariri paraibano.
Destacam-se, ainda, o APL de cerâmica vermelha que congrega várias empresas
que fabricam telhas e tijolos, o parque eólico em construção, o setor de construção civil,
serviços de hotelaria e de alimentação. O serviço público, ao lado do comércio, constitui a
maior fonte de empregos formais na cidade. Na mineração a atividade principal é a
extração de granito para exportação. Há instalada no município uma empresa cujo capital
originariamente é vindo da Espanha e que explora diversas propriedades na cidade com
vistas a extração dessa rocha. Outra atividade na qual é muito importante é a extração da
vermiculita que, em parte, é exportada para o sudeste, mas também é exportada para
Canadá e Estados Unidos principalmente.
A agricultura é, basicamente, voltada para o autoconsumo sendo a produção de
feijão, milho, melancia, jerimum e macaxeira as preponderantes na lavora temporária. Há
plantios de mamão, tomate e banana com a finalidade de comercialização.
Várzea, o menor dentre os quatro municípios, é vizinho à Santa Luzia e segundo
o censo 2010 tem uma população de 2.784 habitantes sendo que 1.835 estão na zona urbana
e 669 na zona rural. A população masculina é de 1.268 enquanto que a feminina é de
1.236. A taxa de escolarização de 6 a 14 anos é de 99,5%, a melhor dentre os quatro, e o
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IDH, que já foi em 1991 igual a 0,370, em 2010, chegou a 0,707 – um dos mais elevados
de todo o estado da Paraíba. Segundo o IGBE (2017), 15,9% da população de Várzea é
ocupada.
O setor dos serviços públicos é o que gera mais emprego formal neste município,
sendo que, em segundo lugar, vem a fabricação de peças de revestimento de pisos e paredes
e a fabricação de outros produtos a base de minerais não metálicos. Há no município um
polo serralheiro, com nove serrarias, mais duas fábricas de peças de revestimento, para
onde os garimpeiros enviam o quartzito que extraem na Serra do Porção. A produção
agrícola é, como nos demais casos, voltada para o autoconsumo das famílias produtoras.
O modelo de realização da atividade de extração mineral no Seridó a que tantos
autores fazem referência (CABRAL, 2009; CARDINS, 2010; CAVALCANTE, 2010;
GOMES, 2008; LIMA, 2010; NÓBREGA, 2012) está sustentado numa complexa rede de
relações sociais e econômicas que envolve, além dos garimpeiros, empresas, cooperativas,
o exército e técnicos de agências financiadoras e reguladoras do trabalho e da atividade
mineral em âmbito municipal, estadual e federal. Estas relações nem sempre são de
cooperação, mas, implicam em disputas pelo monopólio de recursos minerais, pela
manutenção da atividade mesmo em condições de irregularidade, ilegalidade, pela
exclusividade dos melhores minerais etc.
Do ponto de vista das condições de trabalho, nos quatro municípios,
independentemente do tipo de mineral que eles exploram, tem-se a permanência da
precariedade do trabalho. As jornadas chegam a ter entre 10 e 12 horas de duração se
considerarmos o fato de que os garimpeiros saem de casa para a mina e nela mesma
realizam suas refeições, descanso e só retornam às suas casas no final da tarde. No em
relação ao caulim e o quartzito, o ciclo de trabalho envolve a escavação da parede rochosa,
a separação do material e o carregamento da caixa que içará o material até a superfície.
Estas tarefas se repetem durante toda a jornada de trabalho e exigem centenas de flexões
da coluna, dispêndio de força física tanto para escavar como para carregar o material. No
caso do granito, dependendo do formato que ele for retirado, se o grande bloco ou os
paralelepípedos, o esforço consiste em perfurar o bloco, inserção do explosivo, detonação
e a completa separação do bloco em relação à parede rochosa. No caso da produção de
paralelepípedos, usados no calçamento de ruas, os trabalhadores se esforçam para fazer o
corte manual de cada peça.
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Trabalha-se sob estas condições a troco de um valor que se aproxima de um


salário mínimo, porém, em muitos casos, especialmente no caulim e quartzito, os
trabalhadores ainda terão de deduzir os custos de manutenção da própria atividade que
incluem pagamento de explosivos, apontamento das ferramentas, locação de guincho,
transporte entre outros que rebaixam muito o valor que o trabalhador consegue juntar ao
fim do mês para as despesas de sua família. Este valor é ainda menor quando os
garimpeiros revendem para atravessadores que tem força de especular o valor da tonelada
de minério, muitas vezes, abaixo do pago no mercado.

A CONSTITUIÇÃO DO ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DE BASE MINERAL


PEGMATITOS PB/RN

A abordagem sobre Arranjo Produtivo Local reproduz no Brasil o debate sobre


clusters ocorrido a partir da década de 1980 quando, em meio a crise do modelo fordista,
se discutia sobre experiências de desenvolvimento industrial realizadas no nordeste da
Itália baseadas em pequenos empreendimentos atuando de forma cooperativa em setores
como confecção e têxtil. Estes empreendimentos, sendo capazes de dinamizar a economia
da chamada Terceira Itália, segundo Noronha e Turchi (2005), contrariavam as
perspectivas econômicas vigentes para as quais apenas os grandes empreendimentos
seriam capazes de promover desenvolvimento industrial e dinamismo econômico:

Ao contrário do pressuposto econômico vigente de que apenas grandes empresas


com seus ganhos de escala seriam capazes de promover desenvolvimento
industrial, o dinamismo econômico dessas regiões, com base em pequenas
empresas de setores tradicionais como calçados e confecções, surpreendeu
estudiosos e formuladores de políticas na década de 1980. As experiências deste
período, denominado na Itália de “soparso” (ultrapassagem ou superação),
foram responsáveis não só pelo dinamismo de regiões consideradas
economicamente estagnadas e permeadas de conflitos políticos, como também
contribuíram para colocar o país em um novo patamar exportador no cenário
econômico mundial. (NORONHA e TURCHI, 2005:12)

Esse debate reverbera no Brasil, na década de 1990, sobretudo, através da Rede


de Pesquisa em Sistema Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST) 2. A abordagem da
REDESIST sugere o APL como sendo aglomerações territoriais de agentes econômicos,

2
A Rede de Pesquisa em Sistema Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST) constitui-se em um conjunto
de pesquisadores composta interdisciplinarmente instalada no Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. A rede promove estudos sobre o papel que desempenham os arranjos e sistemas
produtivos locais (ASPL’s) na construção do processo de desenvolvimento econômico.
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políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas – que


apresentam vínculos mesmo que incipientes (LASTRES e CASSIOLATO, 2003:12).

aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco


em um conjunto específico de atividades econômicas – que apresentam vínculos
mesmo que incipientes. Geralmente envolvem a participação e a interação de
empresas – que podem ser desde produtoras de bens e serviços finais até
fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços,
comercializadoras, clientes, entre outros – e suas variadas formas de
representação e associação. Incluem também diversas outras instituições
públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos,
como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia;
política, promoção e financiamento. (LASTRES E CASSIOLATO, 2003, p. 21)

Segundo Noronha e Turchi (2005), essa formulação implica a introdução de


dois novos elementos para além da especialização e territorialização: i) a ideia de interação
entre as empresas e ii) a presença ativa de associações privadas ou sindicais e órgãos
governamentais. Para além da compreensão do fenômeno da formação destes
aglomerados, a noção também foi utilizada na formulação das políticas econômicas como
destacado por Costa (2010):

Tentando criar uma alternativa para esta questão, dentro dos debates travados
no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no final da década de
1990, surge o termo Arranjo Produtivo Local, ou simplesmente APL, como uma
espécie de termo “guarda-chuva” capaz de abrigar uma ampla diversidade do
fenômeno, porém com um elemento de coesão, algo presente em todos os
conceitos e análises, com intuito de se constituir como um promissor
instrumento de política econômica.(COSTA, 2010:127)

Segundo Noronha e Tuchi (2005), a proposta governamental de promover


Arranjos Produtivos, no âmbito da Política Industrial, foi inspirada nas discussões
acadêmicas que mostram “a possibilidade de desenvolvimento a partir de pequenas
empresas de um mesmo setor atuando de forma cooperativa, mesmo em regiões com sérios
problemas de déficit econômico, conflitos políticos e religiosos, como foi o caso da Emilia
Romagna na Itália”. A consequência é que se intensificou a preocupação em criar novos
espaços nos mercados interno e externo, quer pela integração com elos internacionais de
produção e comercialização, quer no fortalecimento dos elos internos desta cadeia
(NORONHA e TURCHI, 2005:11).
A formação de um ambiente institucional para conduzir a política dos APL’s
ocorre em 2003, através de um Grupo de Trabalho composto por 23 ministérios e por
agências públicas como: Sebrae, Agência de Promoção e Exportação (Apex), Financiadora
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de Estudos e Projetos (Finep) e Ipea. Além disso, bancos públicos como Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica Federal, Banco de
Nordeste e Banco de Brasil fizeram parte. A partir deste grupo foi elaborado um Programa
Nacional para atuação conjunta em APL’s.

No que se refere ao setor mineral da Região do Seridó da Paraíba, a


constituição do APL é um processo iniciado em 2003 quando o Fundo Setorial CT Mineral,
vinculado ao Ministério de Minas e Energia, produziu, nos municípios de Campina Grande
PB e de Parelhas RN, oficinas temáticas que visavam discutir a problemática mineral
buscando alternativas para o desenvolvimento do setor nestes Estados. Os desdobramentos
deste trabalho foram, em primeiro lugar, a elaboração de um documento intitulado “Carta
de Parelhas” em agosto de 2003. As discussões que se fizeram nas duas oficinas suscitaram
um novo enfoque para atividade da mineração dos pegmatitos que só poderia se
desenvolver a partir da criação de um Arranjo Produtivo Local (APL de Base Mineral).

Em 2004 ocorre a assinatura de convênio para elaboração do projeto para o


Arranjo Produtivo Local Pegmatitos do RN/PB. A delimitação do arranjo, inicialmente,
abrangeu uma extensão de sete mil quilômetros e envolveu seguintes municípios: no
Estado do Rio Grande do Norte, Currais Novos, Acari, Parelhas, Lajes Pintadas, Jardim do
Seridó, Santana do Seridó, Florânia, Carnaúba dos Dantas e Equador; na Paraíba,
Juazeirinho, Tenório, Junco do Seridó, Assunção, Pedra Lavrada, Nova Palmeira, Picuí e
Frei Martinho. Ficaram de fora deste arranjo os municípios mineradores de Santa Luzia e
Várzea que produzem rochas ornamentais e que, em função disto, participariam de outro
tipo de APL.

A chamada governança deste APL contou com a participação dos seguintes


atores: Governo do Estado, Prefeituras Municipais, Universidade Federal de Campina
Grande, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Institutos Federais de Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte e da Paraíba, SEBRAE, FINEP e Banco do Nordeste.
As universidades e Institutos Federais tiveram e continuam a ter um papel importante em
relação à tarefa de fornecer assessoria técnica para a formalização das áreas de garimpo.
Coube ao Governo da Paraíba, através da Companhia de Desenvolvimento dos Recursos
Minerais – CDRM –, da Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Econômico, do Projeto
Cooperar e do Programa de Desenvolvimento da Mineração inicialmente conhecido como
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PROMIN e depois por PRODEMIN, o desenvolvimento de ações visando o


monitoramento da disponibilidade de áreas para exploração mineral, o financiamento de
atividades de extração mineral, a concessão de incentivos fiscais, treinamento de pessoal
para manuseio de explosivos e processos de extração e produção de artesanato mineral.
Todas estas ações foram desenvolvidas sob o guarda-chuva das cooperativas que foram
criadas ao longo dos anos 2000 como mostra a tabela seguinte:

TABELA 1: Cooperativas criadas na vigência do PROMIM e suas principais características


Características Gerais
Município Data de Nº de Nº de Sócios Minerais que
COOPERATIVA Fundação Sócios (2017) pode explorar
(Funda
ção)
Feldspato, albita,
Nova
COOGARIMPO 18/06/2007 40 23 quartzo, tantalita,
Palmeira
água marinha
Feldspato, albita,
Pedra quartzo,
COOMIPEL 11/05/2005 26 22
Lavrada tantalita,turmalina,
mica, calcário
Caulim, quartizo,
Junco do feldspato, mica,
COOPERJUNCO 16/02/2008 160 98
Seridó calcita, turmalina e
água marinha
Frei Feldspato, albita,
COOPERMINERAL 23/02/2010 20 30
Marinho mica
Quartzo, mica,
COOPICUÍ Picuí 26/02/2011 25 28 feldspato, tantalita,
granito,
COOPERVÁRZEA Várzea 06/2007 46 42 Quartzito
COOMAR Assunção 07/01/2012 24 20 Caulim
Total --- 344 263 ---
Fonte: elaboração própria (2016)

Todas estas cooperativas estão em pleno funcionamento na atualidade. Através


de um programa de fomento do Governo do Estado, o Projeto Cooperar, as cooperativas
receberam recursos a fundo perdido para investirem em equipamentos, transporte e na
própria estruturação das sedes, unidades beneficiadoras próprias entre outras questões mais
administrativas. Só entre 2011 e 2012, por exemplo, foram acessados cerca de 1 milhão de
reais divididos entre as seis cooperativas, conforme a tabela 2 mostra.
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Tabela 2 – Cooperativas que receberam recursos do COOPERAR

BENEFICIADA MUNICÍPIO VALOR INVESTIDO


COOPERMINERAL Frei Martinho R$ 236,742,42
COOGARIMPO Nova Palmeira R$ 284.323,27
COOPIMEL Pedra Lavrada R$ 203.349,75
COOPICUÍ Picuí R$ 239.600,00
COPPERVÁRZEA Várzea R$ 254.387,50
COOPERJUNCO Junco do Seridó R$ 304.852,30
Total R$ 1.286.512,82
Fonte: Peixoto (2012) com adaptações

Além do Projeto Cooperar, o Governo ofereceu ás cooperativas de tomarem


empréstimos através do programa EMPREENDER, que tem linhas de créditos em várias
áreas, inclusive a mineral. Os juros praticados para as cooperativas são abaixo do mercado
e, com isso, elas conseguiram obter empréstimos para comprar mais máquinas e
equipamentos para melhorar as condições de trabalho. Estes recursos financiaram,
sobretudo, a aquisição de pás carregadeiras que são usadas para fazer o acesso às galerias
e para retirar os resíduos das extrações minerais; também foram usados para compra de
caçambas para transporte de materiais e, no caso de Nova Palmeira e Várzea, parte dos
recursos foram utilizados na aquisição de equipamentos para montagem de uma usina de
beneficiamento de minério. Dados levantados por Peixoto (2012) dão conta de que foi
emprestado às cooperativas, na fase inicial do APL, mais de 2 milhões de reais.

Tabela 3 – Recursos emprestados às cooperativas pelo EMPREENDER em 2012

BENEFICIADA MUNICÍPIO VALOR INVESTIDO


COOPERMINERAL Frei Martinho R$ 376.500,00
COOGARIMPO Nova Palmeira R$ 446.280,00
COOPIMEL Pedra Lavrada R$ 490.000,00
COOPICUÍ Picuí R$ 364.040,00
COPPERVÁRZEA Várzea R$ 500.000,00
Total R$ 2.176.820,00
Fonte: Peixoto (2012, p.74)

De acordo com Peixoto (2012), estes valores foram utilizados também na compra
de máquinas e equipamentos, mas a maior parte foi aplicado na aquisição de capital de giro
para proporcionar melhorias no processo produtivo. A cooperativa de Várzea, por
12

exemplo, se prepara para fabricar argamassa e areia industrial reaproveitando os resíduos


minerais produzidos no polo industrial existente no município onde se fabrica peças de
revestimentos para exportação. Depois da entrada em vigor da política nacional de resíduos
sólidos (Lei nº 12.305/10), as empresas de beneficiamento são obrigadas a desenvolver um
plano de manejo dos resíduos que produzem e, neste caso, a cooperativa de Várzea
pretende explorar esta área recolhendo todo quartzito deixado pelas fábricas para produzir
areia industrial e argamassa.

Do ponto de vista da realização de negócios entre empresas, o governo do Estado,


Sebrae e universidades promoveram uma parceria entre as cooperativas e uma empresa
mineradora do Rio Grande do Norte que possui um paiol de explosivos regularizado.
Segundo este acordo, as cooperativas contratam a empresa para realizarem a instalação e
detonação dos explosivos em suas áreas. Assim, ficam os garimpeiros cooperados livres
dos custos para instalação e manutenção de um depósito com explosivos e, ao mesmo
tempo, o controle do exército sobre a compra e utilização destes materiais aumenta.3

A CORRIDA PELOS TÍTULOS MINERÁRIOS

Os discursos que justificaram a instalação do APL Mineral e o estabelecimento


das cooperativas de garimpeiros eram unânimes em argumentar que um dos principais
entraves do setor mineral, a regularização das áreas e a posse dos títulos minerários que
dariam direito de explorar o subsolo, seria resolvido. Conforme abordamos vastamente em
publicação recente (Nóbrega, 2016), a regularização de áreas para exploração mineral é,
de fato, um processo complexo e essa complexidade, além dos custos, torna a regularidade
e titularidade das áreas para os garimpeiros praticamente impossível.
A posse de um título minerário é valiosa ainda que não se tenha o interesse de
efetivamente explorar. As empresas requerem a licença de pesquisa e, a partir deste
momento, a área já não está mais disponível para requerimento de terceiros. E, caso se faça

3
Os estados da Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte têm sido vítimas frequentes de quadrilhas que
explodem caixas eletrônicos em bancos. O fenômeno, que vem sendo chamado de “novo cangaço” tem feito
os órgãos fiscalizadores realizarem operações muito mais frequentes nas áreas mineradoras onde a utilização
de explosivo é muito comum. Na maioria dos casos, tais materiais são comprados em mercados paralelos e
sem nenhum registro a custos, portanto, muito baixos. Não se tem registros, até o presente momento, de que
algum garimpeiro esteja envolvido com estas quadrilhas, mas os garimpeiros temem serem presos em razão
de usarem explosivos clandestinamente.
13

exploração da área sem o consentimento do titular, poderá ser acionada a polícia e aberto
um processo para recebimento de indenização. Além disso, o título minerário pode ser
utilizado como garantia junto aos bancos em momentos de se tomar empréstimos, portanto,
é um meio de se conseguir capital seja para aplicar na própria mineração, seja para qualquer
outro tipo de finalidade. O título minerário, em suma, confere poder ao seu detentor que
pode explorar a área, ou simplesmente, repassar o direito de exploração a terceiros
mediante o pagamento. Temos argumentado que existe na Paraíba um verdadeiro mercado
onde se faz especulação com os títulos minerários. Por não ser ilegal, há empresas que são
especializadas em conseguir os títulos minerários e depois fazem o processo de cessão de
direitos minerários (Nóbrega, 2016).
A obtenção dos títulos não é tão simples. Para se ter noção desta complexidade,
basta citar o fato de que um processo comum, do momento do requerimento de pesquisa
ao da licença de operação – quando efetivamente pode começar a explorar
economicamente – são movidos pelo menos vinte procedimentos que incluem protocolo
de requerimento, recolhimento de tributos, etc. Até mesmo a Permissão de Lavra
Garimpeira, a chamada PLG, – forma mais simples de regularização – envolve rotinas que
precisam de recursos humanos e financeiros disponíveis para dar seu prosseguimento. Os
processos de PLG não eliminam a necessidade de apresentação de um memorial descritivo
da área que deve conter uma planta das áreas incluindo as coordenadas geográficas, os
elementos cartográficos que caracterizam a área, como rios, estradas, etc. Isso,
evidentemente, envolve um conhecimento especializado que um técnico em mineração
contratado pela cooperativa poderia resolver.
Assim, o avanço que o APL proporcionaria ao garantir, na sua governança,
mecanismos facilitadores do acesso pelas cooperativas aos títulos seria gigantesco. A
participação da Universidade Federal de Campina Grande nas negociações, em parceria
com o SEBRAE, foi realmente muito importante para que as cooperativas de garimpeiros
tivessem a quem recorrer para regularizarem as áreas. Mas, olhando o quadro geral dos
processos minerários, vemos o quão limitada foi esta atuação. Vejamos.
Nos quatro municípios que pesquisamos estão abertos 293 processos nas mais
diversas fases. Alguns na fase inicial de pesquisa, outros já na licença para lavra, outros,
ainda, solicitam a transferência de direitos para terceiros. O que nos interessa neste
momento, é verificar o perfil dos interessados porque, através destes dados, podemos
14

avaliar até que ponto o APL conseguiu avançar no sentido da regularização das áreas para
os garimpeiros.

Tabela 4 – Quantidade de processo por tipo de interessado

Tipos de interessados
Municípios Pessoas Jurídicas Pessoas Jurídicas
Pessoas físicas
(Empresas) (Cooperativas)
Junco do Seridó 24 54 3
Pedra Lavrada 11 68 1
Santa Luzia 21 85 0
Várzea 6 18 2
Total por interessado 62 225 6
Fonte: Elaborado a partir de banco de dados do DNPM

Vê-se, na última linha da tabela, que o maior número de processos foi aberto por
empresas. A participação do cooperativismo nas demandas por regularização das áreas é
praticamente irrisória se considerarmos o volume de processos pertinentes às pessoas
físicas e empresas. Vamos detalhas os dados desta tabela.
Os 24 processos de Junco do Seridó de pessoas físicas foram abertos por 14
interessados dos quais 5 eram mulheres que são filhas ou esposas de empresários que
também têm processos abertos4. Só um dos requerentes tem sete processos abertos. Quanto
às pessoas jurídicas, especialmente as empresas, identificamos 27 interessadas. Os três
processos de cooperativas foram abertos pela COOPERJUNCO (Cooperativa dos
Mineradores dos Municípios das Regiões do Seridó, Cariri, Curimataú da Paraíba Ltda.) e
pela Cooperativa dos Trabalhadores de Minério e Agricultura de Equador e do Seridó.5
Em Pedra Lavrada, dos 80 processos, 11 foram abertos por pessoas físicas.
Diferentemente dos outros três municípios, neste, nenhuma mulher aparece como
requerente de licença para pesquisa ou operação em nenhuma área. Os 11 processos se

4
O trabalho na extração mineral, conforme já tínhamos observado há alguns anos (NÓBREGA, 2012), é
eminentemente masculino. Porém, existe um espaço destinado às mulheres que, geralmente, é na gestão da
produção mineral. No caso do trabalho dos garimpeiros, que recebem por produção ou diária, são as esposas
ou filhas, em grande parte dos casos, que contabilizam quanto o garimpeiro vai receber. Em relação ao
trabalho das mulheres que atuam nos processos de regularização, os dados colhidos são de empreendedoras
cujos maridos também são do setor. Noutros casos, são viúvas ou mulheres separadas que deram
continuidade ao trabalho que realizavam com seus companheiros.
5
Esta cooperativa tem a sede na cidade de Equador, no Estado do Rio Grande do Norte, cidade que faz
divisa com Junco do Seridó.
15

distribuem entre 10 interessados, portanto, apenas um deles tem dois requerimentos. Entre
os interessados deste município, dois têm áreas registradas também em Várzea, Santa
Luzia e Junco do Seridó. Fazem parte de uma grande empresa exportadora de minérios
com unidades instaladas em Santa Luzia, Soledade e João Pessoa, todos na Paraíba. São
empresários norte-americanos instalados na Paraíba há décadas. No tocante às empresas
de Pedra Lavrada, vemos que 68 processos foram abertos por 30 empresas. Três empresas,
uma delas dos ramos de fabricação de cimento, louças sanitárias e revestimento, lideram o
número de processos perfazendo total de 20 processos. A cooperativa de garimpeiros
conseguiu apenas abrir um processo.
No município de Santa Luzia os 21 processos foram abertos por 15 pessoas físicas
das quais 5 são mulheres (uma coincidência apenas de número em relação ao Junco). 28
empresas abriram processos sendo que as duas principais tiveram, respectivamente, 25 e
17 processos. Este município não possui cooperativa de garimpeiros e nem houve
cooperativa de outra cidade interessada.
O último município que estudamos foi Várzea. Os 6 processos abertos por pessoas
físicas foram demandados por seis interessados, dos quais 3 eram mulheres. Ao todo, 13
empresas foram autoras dos 18 processos deste tipo de personalidade jurídica. Duas
cooperativas, uma de Ouro Branco (cidade vizinha a Várzea) e a outra do próprio
município, ingressaram com processos.
Estas informações fazem notar aspectos muito interessantes da disputa pelo
monopólio dos recursos minerais no meio rural. Em primeiro lugar, o domínio das
empresas no controle dos direitos de uso do subsolo. Para visualizarmos melhor o nível de
concentração dos processos elaboramos o gráfico seguinte:

Gráfico 1: concentração, em termos percentuais, dos processos por tipo de interessado

2%

21%
Pessoas físicas
Empresas
Cooperativas
77%

Fonte: elaboração própria a partir de dados de DNPM (2017)


16

O predomínio deste tipo de pessoa jurídica tem relação com a facilidade de


executar os processos burocráticos, tema que já abordamos acima, e com a própria
estratégia econômica das empesas de se espalharem pelo interior do pais identificando as
jazidas minerais cujo potencial de exploração seja viável. Isso não quer dizer, entretanto,
que estes 77% estejam efetivamente explorando o subsolo.
Já dissemos, no início deste artigo, que a posse de um título minerário é muito
importante e gera, em primeiro lugar, o monopólio da substância mineral nas mãos da
titular. Nem sempre a finalidade imediata de requerer áreas é a prospecção mineral, mas,
simplesmente, impedir que empresas concorrentes se apropriem de bens minerais
relevantes. É fácil verificar, por meio de imagens de satélite6 o quanto o subsolo dos
municípios já está requerido pelos mais diversos tipos de interessados. Na imagem de
satélite seguinte, podemos visualizar como um município pequeno, como Várzea, tem uma
grande concorrência pelas suas riquezas. Levantamentos anteriores sobre este município
que realizamos dão conta de que cerca de 10% de seu subsolo já está requerido sendo que
este percentual corresponde à quase totalidade das áreas em que as jazidas apresentam
melhores condições de exploração dos bens minerais. Vejamos.

Imagem 1: Processos abertos nos 4 municípios pesquisados

Fonte: Elaboração própria a partir de SIGMINE (2017)

6
O SIGMINE (Sistema de Informações Geográficas da Mineração), criado pelo DNPM, nos permite gerar
um mapa com todos os processos minerários disponíveis.
17

Estes quadros, em suas várias cores, representam os processos de regularização


de áreas em andamento. Cada cor representa um tipo de processo e a cor que predomina,
a azul, representa as autorizações de pesquisa. Vermelho autorização de lavra. Os
territórios que compõem os municípios e Junco do Seridó, Pedra Lavrada e Santa Luzia
estão quase que totalmente tomados por processos de regularização de áreas.
Esta imagem retratando os requerimentos, autorizações e concessões lembram um
quebra-cabeça e diríamos que só se descobre quem é quem entre estas peças quando se
avança sob a uma área se a sua titularidade. Os conflitos na Paraíba não são marcados pela
violência física tal como acompanhamos em outros contextos, mas há uma forte carga de
violência simbólica exercida nos discursos ameaçadores de denúncia ao DNPM, à polícia
federal, ao exército cujos relatos temos colhido em nossa pesquisa. Na maioria dos casos,
não há judicialização do conflito. No nosso trabalho de campo tivemos a oportunidade de
colher alguns relatos sobre situações em que trabalhadores são expulsos de determinadas
áreas pelos titulares.
Um exemplo que pudemos colher ocorreu em Várzea. Em uma entrevista que
realizamos numa área garimpeira, o trabalhador narra um episódio em que uma
determinada turma de garimpeiros conseguiu autorização do proprietário da terra para
extraírem quartzito num trecho do sítio vizinho à área que eles já vinham explorando.
Como neste tipo de trabalho, a capacidade de aprofundar a escavação é limitada por falta
de equipamentos e de medidas de segurança que garantam a exploração minimizando os
riscos de desabamento, os garimpeiros vão seguindo a camada mais superficial e, por isso,
vão avançando nas faixas de terra. Na nossa situação exemplo, o dono da terra autorizou a
entrada dos garimpeiros, mas o detentor do direito de exploração mineral naquela área não
permitiu e ameaçou os garimpeiros:

Pesquisador: e o que foi que ele disse ao chegar na área?


Garimpeiro: ele chegou bem ignorante perguntando: - quem deu ordem para
vocês tirarem essa pedra aqui? Ai eles responderam que tinham falado com João
[nome fictício que atribuímos para preservação da identidade] que deixou passar
a porteira.

Pesquisador: E ai, o que houve?


Garimpeiro: Ai que ele disse que João não tinha autorização para dar a ninguém
e que ele [o titular da área] era que tinha o direito de tirar a pedra e mandou os
garimpeiros se retirarem dali se não ele ia denunciar e então os meninos podiam
ser até presos se ficassem ali. Ai num teve jeito, eles tiveram que parar.

Pesquisador: E como ficou essa situação?


18

Garimpeiro: Não tinha mais o que fazer, né, era juntar as ferramentas e sair
porque o homem num queria nem negociar com eles mesmo. Então eles foram
buscar outro canto pra trabalhar. Ai você vê: qual é o garimpeiro que anda com
um GPS pra saber onde começa e termina uma área?! Ali num tinha como saber
porque era só uma “tripinha” de terra, um pedaço de nada que tá entre a parte da
cooperativa e a de outro dono lá. Mas, os homi não abriram mão de nada.
(Entrevista realizada em julho de 2017)

A pergunta que o garimpeiro fez no final deste trecho de entrevista deixa muito
clara a questão conflituosa que, inclusive, é comum aos municípios do Seridó da Paraíba
e que é a seguinte: os garimpeiros conhecem muito bem os limites das propriedades rurais,
mas, por outro lado, não sabem a quem pertence os direitos de exploração do subsolo. Para
saberem onde podem trabalhar recorrem à cooperativa, aos próprios empresários ou
perguntam aos donos da terra se alguém procurou negociar a liberação para escavação da
terra. A exploração de uma área cujo direito minerário foi requerido por outra pessoa nem
sempre é um ato de má fé da parte dos garimpeiros, mas tende a ser de desinformação
mesmo conforme este segundo ocorrido em Junco do Seridó que tomamos conhecimento
através de entrevistas pode mostrar:

Liderança: outro dia a polícia veio aqui na minha casa. Eles sempre vem... Sabe
que eu luto com isso [mineração] há muitos anos e ai quando eles não
conseguem localizar uma pessoa, uma área ai eles vêm aqui. Então, eu tava aqui
um dia ai chegou aqueles ‘homão’ grande tudo com metralhadora, arma pesada.
Eles tavam procurando por Zequinha [nome fictício]. Ai eu perguntei, mas
escuta, porque vocês tão procurando por Zequinha? Um policial respondeu lá: -
é que nós recebemos a denúncia de que este senhor está retirando minérios de
forma ilegal aqui numa área de uma empresa, então, a gente veio averiguar.

Entrevistador: e o que o senhor fez?

Liderança: - eu disse a ele: mas, rapaz, vocês tão tratando como criminoso um
homem trabalhador como seu Zequinha. Eu conheço ele. Deixe eu dizer a vocês
que ele é um vendedor de castanha que passa o tempo inteiro na BR vendendo
castanha ai ele só trabalha no garimpo quando a coisa tá apertada. Pra dizer
melhor, ele é um analfabeto. Como é que vocês querem que uma pessoa que não
sabe nem ler possa saber que tá extraindo de forma ilegal. Ele não sabe nem o
que é ilegal. É um trabalhador tentando arrumar o que comer pra dar aos filhos.

Nosso entrevistado continuou a sua narrativa destacando que mandou um de seus


funcionários buscar Zequinha. Segundo ele, a polícia não chegou a efetuar a prisão e houve
uma conversa pacífica entre a polícia e o trabalhador. Nosso entrevistado relatou, ainda,
que o trabalhador, livrado do flagrante, compareceu ao fórum e depois de transcorrido o
processo sua condenação foi convertida em serviços comunitários.
19

Outro exemplo de tensões que decorrem desta corrida pelos títulos é entre os
donos dos títulos que efetivamente exploram os minerais e os proprietários das terras onde
se encontra a jazida. A legislação mineral obriga quem extrai minérios a indenizar o
proprietário da terra pelo dano gerado. Não basta, portanto, ao empresário ter o título ele
precisa fazer uma negociação da indenização para poder entrar na terra. Geralmente, essa
indenização – conhecida localmente por conga – varia entre 10% e 15% do valor da carrada
de material que passa pela porteira do sítio. Há uma pessoa que faz o controle da quantidade
de carros que passa e, no final da semana, faz-se o pagamento ao proprietário da terra.
Os problemas nesta relação têm ocorrido quando os proprietários elevam o valor
da conga além dos 15%. Tivemos oportunidade de ver uma cena em que, tendo o
proprietário elevado o preço da conga e não tendo os trabalhadores aceito este valor, o
proprietário, junto com os caseiros de sua fazenda, colocou um cadeado na porteira que dá
acesso à pedreira. Na ocasião, houve uma grande discussão entre garimpeiros que
trabalhavam para o empresário e o proprietário da terra. Não houve resolução quanto a este
caso permanecendo a porteira da fazenda fechada e estes garimpeiros tiveram que migrar
para outras áreas.
Diante das situações sobre as quais discorremos rapidamente, podemos considerar
que a primeira grande promessa do APL, regularização e áreas para as cooperativas, teve
um alcance muito limitado. Podemos atestar isso, observando não só o número dos
processos como o tamanho das áreas requeridas. Para se ter uma ideia, em Junco do Seridó,
a Cooperjunco conseguiu abrir processos de regularização de uma área que tem 236
hectares quando só um processo de uma empresária local tem 956 hectares. O tamanho das
áreas da cooperativa de Pedra Lavrada é de 67 hectares quando há processos com 1.161
hectares. Santa Luzia não tem área licenciada para cooperativa nenhuma enquanto que em
Várzea, as áreas da Coopervárzea, se limitaram a 135 hectares havendo uma segunda área,
destinada à cooperativa de garimpeiros da cidade de Ouro Branco, com 268,77 hectares.
Neste município, há uma mineradora, de capital originariamente francês, que tem 956
hectares registrados em seu nome com a finalidade de pesquisar minério de ouro e
substâncias a ele associadas.
As cooperativas perderam feio a corrida pelos títulos minerários para as empresas
que, como dissemos antes, os utilizam como instrumento de poder não só nas disputas com
suas concorrentes diretas, como também nas restrições que impõem aos “trabalhadores
informais da mineração”, os garimpeiros. Chegamos a afirmar, anteriormente, que nem
20

sempre a empresa executa a exploração mesmo quando tem licença de lavra. Há uma
especulação econômica feita com os títulos minerários. Conforme destaca Reydon (2014)
em seu texto sobre governança fundiária, a especulação da terra ocorre quando “o agente
econômico percebe a possibilidade de obter ganhos no futuro com a aquisição ou a
obtenção de um ativo” (REYDON, 2014, p.739). Então, o empresário segura a licença e a
vende quando o valor do mineral tem alta no mercado, ou então, ele próprio explora a área
quando se torna economicamente mais vantajoso.
Outra prática muito comum, especialmente entre os processos abertos por pessoas
físicas, é disponibilizar a área para os garimpeiros realizarem a extração mineral, mesmo
na fase apenas de pesquisa, sob algumas condições. A primeira destas condições é que o
proprietário do título minerário tem a exclusividade na compra da matéria prima que os
garimpeiros extraem. O titular da área cede aos garimpeiros, mas exige prioridade no
fornecimento do material. Não se tem, nesta situação, um vínculo empregatício ou
qualquer tipo de relação formal – razão pela qual, em estudos anteriores, abordamos esta
questão sobre o ponto de vista do conceito de trabalho informal (Nóbrega, 2012).
Em verdade, este portador de títulos minerários, na grande maioria dos casos que
investigamos, é a típica figura do atravessador – que foi tão combatido nos discursos
favoráveis à formação das cooperativas e do APL. Esse atravessador, além de fornecer
uma área “regularizada”, em termos, porque ele só dispõe de licença de pesquisa o que não
lhe permite extrair minério para vender, ele fornece guincho mecânico, explosivos quando
necessário, freta carros para transportar o minério e negocia com o proprietário da terra o
pagamento da conga. Esta situação acontece também com algumas empresas que, embora
não venham ao município realizar esta formação de turmas e negociação, mas contatam
uma pessoa local – quando se trata de empresas de fora – e esta, por sua vez, faz o trabalho
de arregimentação dos garimpeiros e todas as tarefas necessárias ao objetivo da grande
empresa que é ter oferta constante de minério a baixo custo.
Em que pese esta situação que descrevemos signifique um processo de exploração
da força de trabalho sob as mais precárias condições e sem nenhum tipo de proteção social,
uma vez que o tipo de vínculo difere da relação salarial, das formas de contratos existentes
segundo a legislação, a despeito disso, os trabalhadores veem como mais positivo
submeter-se a esta situação do que envolver-se com a cooperativa. Vejamos um relato:
Entrevistador: O senhor faz parte da cooperativa?
Aderaldo [nome fictício]: - nem faço e nem quero fazer.
21

Entrevistador: e o que houve que senhor não quer fazer parte?


Aderaldo: - veja bem, a cooperativa tem uma área. É inté boa. Ai a gente tem
que dar a contribuição da cooperativa. Ai vem a escavadeira. Também tem uma.
Mais se eu quiser pegar ela uma hora para abrir aqui um frente, ela vai cobrar
de mim o mesmo que pago pra uma de fora. O sinhô acha certo isso? A pessoa
trabalha pra dar lucro a cooperativa, tá de dentro e ter que pagar a mesma coisa
sem ter benefício? E tem mais, usar no dia em que ela está funcionando porque
a maior parte do tempo ela tá quebrada ou tá sendo usada fazendo açude nas
terras de fulano, de sicrano. Ai, meu amigo, não vale apena. E os explosivos? Se
eu precisar fazer um furo, ai a cooperativa vai chamar uma empresa la de
Parelhas que vai cobrar caro e no fim é melhor que eu continuar do jeito que tô.

Entrevistador: então o senhor acha que a cooperativa tem que mudar?


Aderaldo: a cooperativa tem que ser pelos garimpeiro. Ela tem que tá aqui de
dentro ajudando a nós. Eu não sou contra cobrar para usar as máquinas não, mas
já que a gente da as contribuição, vamos ve se acha um jeito de cobrar menos
que la fora. Vamos fazer uma programação pra maquina atender aos garimpeiro,
porque assim vale a pena, mas do jeito que tá qual é benefício do garimpeiro?

Este é só um exemplo, dos mais emblemáticos da percepção dos garimpeiros em


relação às alternativas que lhes oferecem melhor retorno e, neste caso, a cooperativa não
tem sido vista como uma delas, não obstante existam áreas, ainda que pequenas,
regularizadas, máquinas, possibilidade fornecimento de nota fiscal eletrônica do material
produzido entre outros benefícios. A forte atuação de atravessadores, das empresas que
oferecem espaço para o crescimento da atividade informal de extração da mineração
acabam sendo fatores que atraem mais os garimpeiros do que as cooperativas.
Além deste problema que remonta à questão da gestão, existe outro ainda mais
grave que tem gerado grandes impasses e problemas no setor mineral. Como mostramos
no início deste texto, as sete cooperativas tomaram quase dois milhões de reais emprestado
do EMPREENDER, programa do estado da Paraíba. As máquinas foram adquiridas,
porém, os prazos de carência dado às cooperativas venceu e começaram a atrasar o
pagamento das parcelas. Há débitos de 300 mil reais que o governo começa a cobrar. As
três cooperativas dos municípios que foram analisados neste artigo estão endividadas.
Numa delas, toda a direção teve seu nome colocado no SPC e os gestores do empreender
já estão tomando medidas administrativas e judiciais para efetuar as cobranças. Numa das
cidades, a presidente da cooperativa abandonou a presidência deixando os garimpeiros sem
informação sobre a situação da dívida. Neste caso, os técnicos do governo do estado que
atuam na área mineral fizeram a substituição da cooperativa e estão realizando o
acompanhamento.
A despeito do volume de capital oferecido, das inúmeras capacitações, da relativa
melhoria das condições de trabalho conferida pela doação de EPI’s, pela universalização
22

do acesso ao guincho mecânico, pelas parcerias com empresas para fornecimento de


explosivos entre tantos outros ganhos, não obstante tudo isso, o quadro geral do
cooperativismo mineral é de endividamento das cooperativas, de baixa adesão dos
garimpeiros a estas formas de organização e, neste cenário de desproteção dos
trabalhadores, a estratégias empresariais de rebaixamento de custos com o trabalho
encontram um campo fértil para serem desenvolvidas sob as formas mais diversas
preponderando figuras históricas o atravessador, como já afirmamos, e do trabalho
socialmente desprotegido, precário e clandestino. Além do mais, esse “desarranjo do
arranjo produtivo local” tem consequências ambientais também. Vejamos.

A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL DA MINERAÇÃO NO SERIDÓ DA PARAÍBA

Pesquisadores (Guimarães e Cebada, 2016; Araújo de Fernandes, 2016) focados


no estudo sobre conflitos ambientais na mineração, tem destacado a estratégia de empresas
de se localizarem nos países periféricos e nas periferias dos países centrais em razão de,
nestes lugares, a instalação e operação das minas ocorrer “sem normas internacionais com
especificações e determinações claras sobre as práticas para o seu exercício” (ARAÚJO e
FERNANDES, 2016, p. 66), ou seja, os empreendimentos mineradores atuam
amplamente, sobretudo, em contextos nos quais a capacidade reguladora do Estado é
limitada o que para estas empresas significa extrair minerais sem ter custos ambientais,
trabalhistas e sem ter que dar conta do passivo ambiental porque, na prática, o aparato
institucional não dá conta de chegar à todos os empreendimentos mineradores.
No caso do Seridó paraibano, a problemática ambiental da mineração é
consubstanciada pelos seguintes fatores: a forma histórica como a extração mineral
aconteceu envolvendo a utilização de instrumentos rudimentares de trabalho; a utilização
de explosivos para a detonação de áreas e abertura de frentes de trabalho sem o devido
planejamento; a ingerência dos governos municipais e a limitada capacidade do estado de
regular o setor mineral e acompanhar o desenvolvimento das atividade extrativas.
Os métodos de lavra da mineração nos quatro municípios sobre os quais falamos
neste artigo são, em sua maioria, a céu aberto. Especialmente, as minas de quartzito e
feldspato, imensas crateras são abertas para que os garimpeiros possam ir desmontando a
rocha. Na abertura da frente de trabalho acontece o desmatamento, a escavação e, além
destes, outros problemas ambientais são causados como a geração de grandes montanhas
23

de resíduos, partículas de minério lançadas na atmosfera, fragmentos de pedras que na


detonação são lançados sobre a vegetação adjacente podendo abater animais, destruir casas
etc.
Existem áreas mineradoras onde foi descoberta a ocorrência de urânio e amianto
que são muito perigosos à saúde humana. Os trabalhadores cotidianamente são expostos a
este risco ao terem contato com jazidas que contem estes perigosos minerais e, por outro
lado, especialmente em relação ao amianto, as partículas dissipadas no ar durante a
extração de minerais acaba promovendo uma exposição da população no entorno das minas
a esta substância cancerígena.
No caso do caulim que tanto é extraído em lavra a céu aberto como em subterrânea
os riscos ao meio ambiente e à saúde do trabalhador também são enormes. Ao meio
ambiente porque, além dos danos na abertura das frentes de trabalho que mencionamos
acima, os resíduos podem causar assoreamento de rios, córregos, açudes, e as montanhas
de material bruto não podem limitar a capacidade de crescimento da vegetação, dos
roçados. Ao ser humano, mortes por soterramento e quedas são riscos iminentes. Além do
mais, sua coluna realiza milhares de flexões por dia suspendendo grande peso podendo
desencadear problemas cardíacos, hérnias entre outros.
A criação do APL tinha o potencial, de fato, de promover a redução dos impactos
ambientais da mineração especialmente porque colocava numa mesma governança atores
que produziam conhecimento (Universidades e Institutos Federais), entes reguladores
(SUDEMA – Superintendência de Meio Ambiente da Paraíba), financiadores como o
Governo do Estado, bancos públicos e as empresas. Em Várzea, no Polo Serralheiro de
pedras, e em Junco do Seridó uma das inovações mais importantes foi a instalação do
sistema de serragem úmida, ou seja, a introdução da água na serragem do quartzito
impediria que partículas de minério fossem inaladas pelos serralheiros ou lançadas na
atmosfera. A água percorre canais e é reutilizada no mesmo processo. Nos tanques, as
partículas são decantadas e depois de formada a borra, é levada para uma fábrica de
argamassa onde é utilizada como matéria prima. Sem dúvidas, o processo de
beneficiamento na serrarias está atualmente menos danoso ao meio ambiente.
Chegou-se a adquirir os equipamentos para montagem de uma usina de
reaproveitamento dos resíduos do quartzito na sede da CooperVárzea, no entanto, não foi
montada esta usina que poderia estar transformando os resíduos em areia industrial,
argamassa entre outros produtos.
24

Ainda que tenham havido estes esforços, nota-se que a característica degradante
da mineração permanece e, na verdade, é potencializada pela expansão da atividade com
o crescimento da demanda de minerais industriais no mercado. Há apenas um projeto em
curso em Junco do Seridó de recuperação de áreas degradadas e que é conduzido por um
empresário local que está fazendo o aterro de minas abandonadas e fazendo o plantio de
árvores nativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estratégia de incentivar as atividades extrativas minerais é extremamente


delicada dados os problemas que ela pode gerar os quais são, em muitos dos casos,
superiores aos ganhos que se pode ter. Se por um lado, a mineraçãoameniza a pressão das
populações dos municípios por emprego e renda, por outro, o lucro verdadeiro da atividade
é todo enviado para fora. Na verdade, está muito bem colocado o argumento de que há
uma tendência nas economias centradas no comércio de commodities, especialmente as
minerais, de elevação da desigualdade social e de agravamento das problemáticas
ambientais em razão de ser um comércio cujo valor das mercadorias não leva em conta “as
degradações ambientais, os efeitos sociais da concentração de renda e poder para as
populações” (PORTO e MILANEZ, 2009, 16).

Marx, há muito tempo, já ressaltava que a consequência, na produção capitalista,


do desenvolvimento da técnica e a combinação do processo de produção social era solapar
a terra e o trabalhador, as fontes maiores da riqueza (MARX, 2013, p.703). De fato, a
mineração na medida em que gera acumulação de capital promove um duplo processo de
degradação que consome as forças do trabalhador bem como os recursos naturais. Ela
degrada os corpos em razão de se tratar de trabalho braçal desenvolvido ao longo de uma
jornada que chega a durar 10 horas por dia sob condições bastante insalubres. Degrada,
também, a natureza que é destruída pelo processo de extração dos minerais e pelos resíduos
e passivos ambientais gerados.

O problema é agravado quando se trata do garimpo porque os instrumentos


rudimentares de trabalho permitem escavações não muito profundas, se comparadas com
a extração mecanizada e, em razão disso, os garimpeiros escavam até onde conseguem
25

fazendo pouco aproveitamento das minas. As detonações para abertura das frentes de
trabalho deixam nas imediações da mina muitos resíduos que inviabilizarão o crescimento
de vegetação, destruirão habitats das várias espécies da caatinga, causarão erosão e outros
problemas no solo, além da poluição do ar. Não existe política Plano de Recuperação de
Áreas Degradadas (PRAD) e o passivo ambiental deixado, as imensas crateras e áreas
desmatadas, impacta sob leitos de rios, áreas de plantio etc.

O que a pesquisa tem indicado, diante deste quadro que apresentamos, é que de
solução as cooperativas têm passado a ser impasse. Não deixando de reconhecer os ganhos
que a política do APL trouxe para o setor mineral paraibano, a forma de incentivo de
ingresso nas cooperativas foi absolutamente equivocada. Os trabalhadores foram levados
a acreditar que bastaria ser cooperado que equipamentos viriam gratuitamente e que sob
eles não haveria nenhuma responsabilização. O resultado foi o não pagamento dos
empréstimos, a falta de compreensão sobre as consequências deste não pagamento. Além
disso, algumas das máquinas adquiridas já quebraram e a falta de recursos para recuperação
faz com que elas fiquem paradas expostas ao relento se degradando.

A saída do SEBRAE do acompanhamento das cooperativas foi um fator


importante para os problemas de gestão que vieram se complicando ano a ano. Atores
representantes dos órgãos fomentadores do Governo do Estado culpam os garimpeiros por
falta de capacidade de gerir as cooperativas e estes, por sua vez, reclamam da falta de
acompanhamento pelo Estado. Enquanto isso, empresas e atravessadores reafirmam sua
posição de poder mantendo sob seu comando os títulos minerários e o capital necessário
para incentivar a abertura das frentes de trabalho e disso resulta a submissão dos
garimpeiros a processos de trabalho sob condições muito precárias e degradantes. A
política dos Arranjos Produtivos Locais voltada ao setor mineral tem sido um capítulo
interessante na história da mineração paraibana em razão dos efeitos paradoxais que tem
gerado: por um lado, favoreceu até certo ponto a modernização da atividade garimpeira,
especificamente, através da aquisição de máquinas de escavação, caçambas, compressores
para perfuração das rochas, da organização das cooperativas a ponto de poderem oferecer
nota fiscal eletrônica, do aumento dos recursos disponíveis para empréstimos e para
custeio, a fundo perdido, das atividades extrativas e de beneficiamento; por outro lado, tem
sido mantida a relação entre garimpeiros-atravessadores-fábricas, sobretudo, em razão da
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baixa adesão dos garimpeiros à cooperativa e a inexistência de formalização da mão de


obra pelas empresas que têm área requerida nos municípios. O setor mineral tem sido
atrativo economicamente porquanto tenha passado por melhorias técnicas nas condições
de extração mineral, o que permitiu aumentar a capacidade de produção, mas, ao mesmo
tempo, manteve outro atrativo que é a manutenção de custos da extração muitíssimo baixos
e aviltantes.

Ao invés da promoção de cooperação entre os atores econômicos locais como


querem sugerir os defensores do APL, o que está sendo promovido é a exploração da classe
trabalhadora. O que temos visto é a manutenção dos interesses e privilégios da classe
empresarial cuja evidência aqui trazida foi a posse dos títulos minerários e a sua utilização
para submissão dos garimpeiros a um regime de exploração do trabalho que é cada vez
mais desprotegido, precário e degradante. O discurso inculcado de que os garimpeiros não
souberam autogerir sua produção através das cooperativas reforça os mecanismos de
acumulação do capital, mantendo, ainda que dissimulada, a submissão dos garimpeiros aos
atravessadores e às empresas que lhes oferecem uma renda para entregarem os minérios
extraídos nas terras numa espécie de parceria que não envolve a formalização do contrato,
mas a concessão de áreas, ferramentas e explosivos em troca da exclusividade do
fornecimento do material ao preço arbitrado pela empresa ou atravessador. Não existe
reponsabilidade da empresa com os trabalhadores e nem com o passivo ambiental que sua
atividade desencadeia. É ao elo mais fraco, os garimpeiros, que tem cabido responder pelas
autuações de órgãos fiscalizadores. Muitas vezes, fugir no mato ao se deparar com um
carro estranho é a única maneira destes garimpeiros não serem penalizados pelo mesmo
processo destrutivo do qual são vítimas.

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