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PERIGOSAS NACIONAIS

INVISÍVEL
Tati Lopatiuk

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

© 2017 Tatiani Lopatiuk


Título original em português: Invisível
Imagem de capa: Thiago Hernandez
Todos os direitos reservados.
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO.
Nenhuma obra poderá ser reproduzida, copiada,
transcrita ou mesmo transmitida por meios
eletrônicos ou gravações, assim como traduzida,
sem a permissão por escrito do autor. Os infratores
serão punidos pela lei n. 9.610/98

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PERIGOSAS NACIONAIS

Grant my last request just let me hold you


Don't shrug your shoulders
Lay down beside me
Sure I can accept that we're going nowhere
But one last time let's go there
Lay down beside

“Last Request” – Paolo Nutini

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Sumário
Introdução
Um estranho que passou por você
Dois desconhecidos que se encontram
Três coisas que aprendemos sobre o amor
Palavras finais
Sobre a autora

PERIGOSAS ACHERON
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Introdução
Todos os dias de manhã eu acordo e me pergunto
se esse é o meu ultimo dia nessa cidade. Não que
eu queira ir embora. É que eu vivo partindo e não
tem jeito, não tem como prever: eu sempre acabo
decidindo de última hora.

Será hoje o dia em que algo vai me fazer partir?


Coço os olhos e ajeito a cueca. O dia nem
amanheceu direito e eu já tenho que ir trabalhar. E
os caras ainda dizem que nós mochileiros somos
todos vagabundos.

É cada uma...

Sim, eu disse "mochileiros". Não é tão absurdo


quanto parece. Eu posso explicar e vou.

Nesses últimos três anos eu não tive paradeiro.


Rodei mais do que noticia ruim, pode acreditar em
mim. Como isso começou? É engraçado, eu não sei
o marco zero dessa ideia maluca. Eu sempre gostei
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de mapas, desde criança. Eu inventava itinerários


de viagem lendo a Barsa, o que gerava roteiros
únicos de países que começavam com a mesma
letra. Só na minha agência de viagens imaginária
você poderia comprar um pacote turístico que te
levava para a Indonésia, Islândia e Inglaterra no
mesmo combo. Canadá, Costa Rica e Croácia.
Rússia, República Dominicana e Reino Unido.
Enfim, deu para entender.

Porém, eu só fui ter autonomia para botar a cara no


mundo aos 22 anos e o clique da coisa toda veio
assistindo TV. Quem diria, não é mesmo? Bom, o
fato é que você precisa ter cuidado com os filmes a
que assiste - esse é um conselho que darei para os
meus filhos. Eu, por exemplo, em um lindo dia de
verão assisti Na Natureza Selvagem e fiquei
completamente obcecado pela ideia de largar tudo e
mochilar por aí.

Eu digo, de verdade. Com todas as forças da minha


alma e a pureza do meu coração. Etc.

A diferença é que eu não tinha dinheiro nenhum


para queimar e nenhuma utopia para propagar. Eu
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só queria andar por aí, é isso. Então, eu subverti um


pouco a lição de moral do filme para que ela se
adaptasse à minha realidade e assim inventei minha
própria história, comigo largando tudo e indo
mochilar pelo mundo.

Necessário deixar claro, eu não vivo no mato e nem


me alimento de folhagens venenosas. Eu sou um
Alexander Supertramp moderno e urbano. Pelo
menos é assim que eu gosto de me imaginar. Pulo
de cidade em cidade e vivo de empregos medianos
que não me acrescentam praticamente nada, muito
menos dinheiro.

Sou daquela classe de pessoas que ninguém nunca


repara de fato. O cara do estacionamento, o
mocinho que conserta o cano, o menino que
empacota as suas compras. O cara que preenche
seus dados na comanda na porta do bar. O rapaz
que te vendeu a camiseta que você comprou para o
seu namorado naquela loja cara do shopping em um
dia muito quente e estressante.

Você já passou por mim na rua e não me viu. Muito


provavelmente. É como se eu fosse invisível. E eu
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meio que gosto disso. Às vezes.

Sou um cara comum. Alto, magro, o cabelo liso e


castanho meio bagunçado e um narigão que não
nega as minhas raízes.

Eu digo isso das raízes brincando. Não faço ideia


das minhas raízes, olha a minha cara de quem liga
para essas porcarias.

Ainda sobre mim, já vou logo mandando de cara a


realidade e botando na mesa o trunfo de que
também tenho os pés grandes e, sim, aqueles boatos
que você ouviu sobre homens com os pés grandes é
totalmente verdade: é praticamente impossível
achar calçados que nos sirvam.

Falando sério agora, eu também tenho os olhos


verdes e uma boca enorme onde sempre se encontra
um cigarro aceso prestes a cair ou me queimar. O
que acontecer primeiro.

Eu nasci na Escócia há vinte e cinco anos atrás e


tenho vivido de galho em galho nos últimos três.
De modo que agora, não me pergunte como, acabei
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vindo parar em São Paulo, no Brasil, e sou aquele


cara fofo que te serviu na "padoca", como dizem,
na manhã de ontem.

Aposto que você nem reparou.

Tente puxar pela memória. Você pediu um suco de


laranja e um pão na chapa. Eu te servi e dei uma
piscadinha. Você não notou nada, nem levantou o
rosto, estava com os olhos grudados no celular. Seu
copo esvaziou e eu enchi de novo com o que tinha
sobrado na jarra. Você me olhou assustada, mas
sem olhar direito para o meu rosto, aí sacou o que
estava rolando e voltou a conferir o celular.

Você pode arrancar o braço de um filhotinho de


rinoceronte enquanto anda em um triciclo movido a
gás carbono que as pessoas nem se mexem,
contanto que elas possam continuar mexendo em
seus celulares em paz.

Você pode ver esse meu comentário como uma


inveja, eu não ligo. Eu não tenho celular, é verdade.
Considerando o quão falastrão eu sou, para os meus
amigos isso é quase uma bênção.
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É lógico que eu tenho amigos, sim. Eu já estou aqui


tem um tempo, afinal. E sou um Supertramp
moderno, como te falei. Não estou nessa pelo
isolamento em busca de iluminação espiritual.
Iluminação espiritual não te chama para comer
pizza e nem te empresta a senha da Netflix.
Coloque em uma balança e veja para que lado
pende. Você vai me dar razão.

Até eu chegar na padaria o cigarro já acabou e meu


pulmão já está devidamente selado pela fumaça
tóxica proveniente da nicotina e da poluição. São
Paulo, meu amor, eu sou apaixonado por cada um
dos seus encantos.

Guardo a bicicleta nos fundos do prédio, visto meu


avental amarrotado e imaculadamente limpo, bato o
ponto e vou para trás do balcão. Em alguns minutos
você vai entrar e pedir um suco de laranja e um pão
na chapa, como pediu ontem e como vai pedir
amanhã. Em nenhum desses dias você me olha de
verdade.

É como se eu fosse invisível. E quem não gostaria


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de ser? Pois é, aparentemente eu sou. Nenhum


problema quanto a isso. E, se é que faz diferença,
eu acabei nem dizendo meu nome.

Muito prazer, me chamo Paolo Nadini.

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Um estranho que passou por você


Não obstante toda a minha malícia e o fato de ter
esse rostinho lindo que mamãe me deu e Jesus
Cristo em toda a sua bondade abençoou, ser um
mochileiro, para mim, não é das coisas mais
simples. Juro para você que não é.

Parece que as pessoas sentem de longe que você é


mais pobre do que elas. Como se isso emanasse da
sua alma, sabe? A pobreza é o wormhole que se
projeta do seu corpo e se expande por aí, como
podemos ver em Donnie Darko, especificamente
naquela cena dele vendo TV com o pai e os amigos.
Ou na cena da festa.

Ok, estou viajando, mas é por aí. As pessoas te


olham, te reconhecem como pobre e daí já
concluem que você quer o que é delas. Por todos os
lugares você precisa estar atento: as pessoas
(quando elas te enxergam, claro) sempre acham que
você quer roubá-las.

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O que é um absurdo, lógico. Na maioria do tempo a


minha ambição principal é apenas um lugar para
dormir. Por qual motivo eu levaria seu celular se
ele vai virar um tijolo na minha mão assim que eu
pegar e você bloquear tudo?

E por qual motivo eu quereria um celular? E lá vou


eu pegar bronca com celular de novo. Foi mal.
Voltando... O fato é que agora eu arranjei um
quartinho e estou tranquilo. Só para mim,
arrumadinho, fica perto do trabalho, dá para ir de
bicicleta e tudo. Não me preocupo em mobiliar nem
nada, vai que amanhã eu vou embora? Ou hoje?
Melhor ficar assim, no improviso. Só vivendo do
básico.

Na padoca eu consegui o emprego depois de


demonstrar meus talentos de maneira irretocável e
totalmente de surpresa. Leia-se: eu me vi sem grana
para pagar o almoço e tive que lavar a louça ou o
Machado chamava a polícia. Nessas horas eu não
sou invisível, não é curioso?

Porém, sem problemas. Aqui não tem tempo ruim.


Almocei de graça, lavei a louça e ainda garanti o
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emprego. E com o dinheiro desse trabalho suado e


honesto, como manda a cartilha, consegui garantir
o tal quartinho. Esse sou eu fazendo a economia
girar, do jeitinho que tem que ser.

Eu digo, fazendo a economia girar a meu favor e


provando por a mais b que o meu dinheiro vale
tanto quanto o seu. De um jeito bem simples, aliás.

E é por isso que dizem que o mundo é dos espertos.


Não que eu ache que sou o cara mais esperto do
universo, um ser abençoado caminhando por entre
um mar de otários. É só que eu preciso me virar. E
acho que estou fazendo isso bem, modéstia à parte.

Até o presente momento, não tive maiores


problemas. Ou quase.

Eu tive um princípio de problema, se é que


podemos definir assim, quando me envolvi com
uma garota aí. Cara, ela era linda. Toda linda de
corpo, cabelos pretos, olhos azuis. Linda. Estou
sendo repetitivo, mas não tem outro jeito. Ela era
linda dos pés à cabeça. Era isso. Nada define
melhor.
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Ela cruzou o meu caminho ou eu cruzei o caminho


dela de um jeito tão prosaico que parece mentira.
Só que é verdade. Tão verdadeiro e inacreditável
quanto só a vida sabe ser.

Vou te contar como foi.

Foi em um dia de chuva, eu tinha aproveitado a


minha hora de almoço para fazer alguma coisa (não
lembro o que) na rua. Chovia, então eu estava
parado na beira da via esperando o sinal abrir com
meu guarda-chuva capenga e meu uniforme
impecável (estou sendo irônico, ok?) da padaria. Eu
estava preocupadíssimo em não levar um caldo de
algum motorista nervosinho com seu carro
envenenado, então eu tinha pressa de que o
semáforo fechasse logo para eu atravessar.

Eu olhava para o outro lado da rua, louco para


chegar lá e então escapar daquela chuva e chegar
logo na padoca, que ficava na outra ponta da
quadra. Dezenas de pessoas também esperavam do
outro lado, tão ansiosas quanto eu e provavelmente
pelos mesmos motivos.
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Foi quando a vi. Do outro lado da rua, reto minha


direção. Linda e com cara de choro no meio de toda
aquela gente. Maravilhosa e linda. Ela estava sem
guarda-chuva ou o que quer que fosse para protegê-
la do aguaceiro que caia e tinha aquele olhar
perdido de quem não está se importando. De quem
tem problemas maiores do que uma chuva fora de
hora.

Eu fiquei hipnotizado por ela.

E foi tanto que eu olhei que ela acabou olhando


para mim. Me encarou longamente enquanto os
carros passavam e ela chorava. E aí o sinal fechou.

Passamos um pelo outro e ela disse "oi", com a voz


tão baixinha que eu tive que me esforçar para
acreditar que era verdade. Mas era verdade, sim. E
aquele "oi" era para mim, sem dúvida.

Por alguns segundos, por causa do olhar dela, eu


deixei de ser invisível.

No outro dia, ela apareceu na padaria. Eu nem


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acreditei. Não consegui acreditar na minha sorte.


Meu colega a atendeu. Ela tinha o mesmo olhar
triste do dia anterior. Acenei para ela do fundo do
balcão, fingindo estar muito ocupado com a louça e
depois com a chapa.

Ela me olhou como se eu fosse um bichinho novo


no zoológico e ela uma tratadora muito cansada.
Feito uma Deusa grega esculpida em mármore,
perfeita e inabalável, não falou nada e nem
respondeu ao meu aceno patético.

Voltei para a chapa, constrangido até alma. A moça


bonita terminou seu café e foi embora.

Eu fiquei com a pulga atrás da orelha, como se diz


aqui (já falei que amo esse país?). Na hora do
almoço já não chovia mais. Desci a rua e voltei
naquele semáforo. O atravessei oito vezes, só por
tédio e para testar a minha sorte.

Se aquela perfeição aparecesse de novo eu... Pensei


no que podia prometer. Não me ocorreu nada. Até
para Deus eu sou um cara sem posses ou atos belos
que possam ser ofertados em troca de milagres.
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Fui e voltei naquela faixa de pedestres até cansar.


Não tive sorte. A moça bonita do olhar choroso não
apareceu.

O fim do dia chegou. Peguei minha bicicleta e fui


para casa. A chuva voltou a cair e adormeci
pensando na moça. Tinha sido um encontro em um
milhão. Nunca se repetiria.

No dia seguinte, ela foi até a padaria de novo. Era


tudo o que eu queria, era o milagre que eu tinha
pedido sem oferecer nada em troca. Eu não achava
que ela estivesse procurando por mim, claro. No
entanto, era difícil se manter calmo diante de tanta
coincidência.

Eu só sei que criei coragem e tomei a frente para


atendê-la. Como se não soubesse de nada, vesti
meu jeitão de invisível e perguntei "o que vai ser?"
(eu amo a objetividade brasileira) sem a olhar de
fato, organizando o balcão diante dela.

E pela segunda vez ela olhou bem para a minha


cara e pela segunda vez eu deixei de ser invisível
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por alguns instantes.

- Eu me lembro de você.

- Lembra? - fiz minha melhor cara de sonso.

- Eu lembro. Esses dias eu estava me sentindo


péssima. Chorando pela rua. E aí um estranho
passou por mim...

- Eu sou o estranho que passou por você?

- Sim, é você. Eu sei, pois guardei seu rosto. E sei


pelo uniforme, claro.

Ela tinha guardado o meu rosto. Quão estranha e


bonita essa expressão é? Olhei para ela admirado,
me dando conta de que tinha guardado o rosto dela
também. Há dias. Desde a primeira vez que a vi,
enquanto chovia e ela aproveitava a chuva caindo
em seu rosto para chorar.

- Eu também guardei seu rosto - respondi tentando


ser galã e me remoendo de insegurança por dentro.

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Ela se lembrava de mim. Só isso importava.

O rosto dela ainda parecia amassado de choro. Quis


disfarçar a minha súbita timidez e lhe entreguei um
café. Foi a melhor coisa que eu podia ter feito,
porque ela sorriu.

Não falamos mais nada. E ela desapareceu


novamente.

Nos dias que se seguiram, contei para o meu colega


a história toda quando fomos almoçar. O Patrick é
um cara bem legal por inúmeros motivos e viramos
amigos quando ele sugeriu aquele lance da louça
lavada no lugar de ocorrência policial para o
Machado. Deu certo e viramos colegas de trabalho
e então amigos.

A gente se ajuda na questão dos idiomas. Ele me


ensina português e eu lhe ensino inglês. Eu devo
muito a ele o fato de ser tão fluente em tão pouco
tempo. O fato de sermos os dois uns enormes
tagarelas também ajuda muito, importante ressaltar.

Temos a mesma idade e Patrick também já andou


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um bocado por aí. Alto, magro e negro, ele chama a


atenção por onde passa, ao contrário de mim.

Quando contei para o Patrick da moça bonita que


estava cruzando o meu caminho vezes demais para
ser mera coincidência, ele disse que seria muito
mais fácil analisar a coisa toda se eu soubesse o
signo dela.

Considerando que eu só tinha trocado um punhado


de frases com a menina, era impossível eu ter
aquela informação naquele momento. Foi o que eu
expliquei para ele. Fazendo o que estava ao seu
alcance diante do material que tinha, Patrick quis
saber o meu signo e então correu para ver o
horóscopo do dia.

Estendeu o jornal para que nós dois pudéssemos ler


- mesmo sabendo que minha leitura é péssima - e
leu para mim, passando os dedos em cada palavra.
Para ver se eu aproveitava e aprendia alguma coisa
também.

"LEÃO: A Lua entra em sua fase Nova no signo de


Gêmeos indicando o início de um novo ciclo de
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maior movimento e compromissos sociais. Um


novo romance pode surgir. Ótimo momento para
focar no trabalho em equipe."

Aquilo e nada para mim era a mesma coisa, mas


Patrick tratou de interpretar tudo segundo seus
conhecimentos astrológicos e me deu o seguinte
conselho:

"Duas coisas ficaram bem claras aqui. Essa


mulher ainda vai voltar a te procurar e vocês vão
ficar juntos. Romanticamente falando. E você vai
chegar mais cedo amanhã para me ajudar com os
pães. Ou seja, a parte do amor e do trabalho em
equipe está solucionada. Todo o resto é pura
enrolação."

Achei bem audacioso da parte dele, viu. Por outro


lado, não quis contrariar os astros. Entendo que
para ter algo bom, algo que queremos muito, é
preciso algum sacrifício. No dia seguinte, cheguei
na padaria antes do Sol sequer pensar em raiar e
ajudei Patrick com os pães.

Ainda assim, não foi naquele dia que a moça bonita


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reapareceu. De fato, naquele dia outra coisa muito


estranha aconteceu.

O horóscopo dizia sobre vida social, então não


estranhei muito quando Patrick me chamou para ir
ao bar com ele depois do trabalho. Era tarde, eu
estava exausto, mas também queria beber uma
cerveja e ver a noite.

Trabalhamos o dia inteiro, a lindeza de olhos azuis


não apareceu, etc. A noite já tinha começado fazia
tempo quando finalmente batemos ponto e fomos
para a rua. Passamos na minha casa, deixei a
bicicleta e troquei de roupa. Queria ter oferecido
algo para o meu amigo comer, mas infelizmente
naquele dia minha geladeira estava mais vazia que
a minha capacidade de perceber as segundas
intenções das pessoas.

Descemos a rua e acabamos indo parar na Augusta,


um lugar que o que tem de feio tem de, bem, rico
em diversidade. Paramos em um boteco qualquer e
começamos a beber.

Conversávamos sobre tudo e qualquer coisa e em


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segundo plano eu pensava em quais eram as


chances de a moça bonita dar as caras por ali.
Obcecado, eu? Você diz isso por que nunca viu
aquele rostinho. E aquele par de peitos, claro.

Patrick falava e eu me perdia nos meus


pensamentos. Quando me dei conta, tinha duas
meninas sentadas com a gente na mesa. Eu
absolutamente não sei de onde elas surgiram, mas
eram simpáticas e bonitas. Então tudo bem, certo?

Uma era baixinha e de cabelo preto, uma Mia


Wallace dos trópicos. Chamava-se Taís. A outra era
loira e alta, uma Elle Driver mais feliz e menos
fatal - se chamava Bia e não usava tapa-olho, se é o
que você está se perguntando.

Conversamos e bebemos por horas. Até que beber e


conversar cansou e as garotas começaram a tentar
emplacar alguma outra coisa. Queriam ir dançar.
Eu não sei dançar, de modo que fiquei na minha
bebendo calado e levei um bom tempo para notar o
Patrick. Ele me olhou em silêncio erguendo a
sobrancelha até quase o couro cabeludo, então
entendi que era para a gente topar e ir para aonde
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elas quisessem, mesmo eu não querendo ir à lugar


algum.

Topamos e fomos para aonde elas queriam. Uma


casa noturna perto dali. Entramos e as meninas
foram dançar. Fiquei de canto bebendo e Patrick
me deu uma ombrada, no que me despertou para o
fato de que eu, quem sabe, devesse fazer algo.

Fui para a pista e colei na Mia Wallace. Falei


qualquer coisa que ela não ouviu, ela me respondeu
qualquer coisa que não entendi e em dois minutos
estávamos nos beijando como se fôssemos morrer
no dia seguinte.

O que não é tão improvável, considerando as


estatísticas, as probabilidades e o fatalismo inerente
em cada cidadão que vive em uma cidade enorme e
perigosa como São Paulo.

Mia Wallace me colocou contra a parede e me


beijava com uma vontade que dava gosto de ver.

Contribuindo não como imaginava, mas como


podia, a banda que tocava era horrorosa e deixava
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vários espaços vazios e dolorosos entre uma música


e outra. Como não tínhamos muito assunto para
conversar, Taís me beijava procurando preencher
esses vazios. Isso quer dizer que a gente se beijou
bastante.

Em algum momento ela me puxou dali pela mão e


a segui tropeçando nos meus próprios pés. A garota
tinha pressa.

Entramos no banheiro e nos trancamos em uma das


cabines. Eu acho que a ideia ali era ir um pouco
além e Taís confirmou isso abrindo meu jeans sem
deixar de me beijar.

Transar no banheiro de uma boate não é o meu


ideal de romantismo, só que é preciso admitir que
nem sempre dá para ser romântico. Não com uma
garota te exigindo ação com as mãos dentro das
suas calças. Coloquei Taís Wallace, a minha Mia,
contra a parede da cabine e ergui sua saia com a
destreza que só a necessidade faz brotar.

Ela ronronou, eu juro que ela ronronou, quando eu


finalmente a penetrei. Era tudo maravilhoso, ela era
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quente e me queria.

Quando acabou ela se ajeitou apressadamente e me


deixou ali, saindo sem dizer nada. Entendi que
tinha feito aquilo para disfarçar o ocorrido.
Recuperei o fôlego, contei alguns minutos e sai
também.

De longe avistei Elle Driver pagando a conta. Corri


até ela e perguntei por Mia. "Eu não sei dela", a
loirinha me disse fazendo um biquinho adorável.

Rodei pela boate mais um pouco. Mia Taís


definitivamente tinha dado no pé e me deixado na
mão. Procurei Patrick com o olhar e ele estava
conversando muito de perto com outra garota. Não
achei nenhuma heroína tarantinesca com a qual
pudesse relacionar a ela, o que me fez notar que a
noite já tinha dado o que tinha que dar. Sem duplo
sentido. Ou com duplo sentido, tanto faz.

Me deu uma vontade insuportável de ir embora.


Chamei Patrick de canto.

- Patrick, eu já vou embora.


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- Não, cara...

- Eu vou sim. Tchau. Até amanhã! Tchau!

Imagino que meu erro tenha sido dizer "tchau" em


excesso e ter dado um ar dramático demais àquela
despedida. Quem sabe a gente já estivesse bêbado
demais. Pode ser que o Patrick tivesse planejado
aquilo desde o começo. Eu não tenho como saber,
pois a minha intenção é nunca tocar nesse assunto
para o resto da minha vida, mas o fato é que
inesperadamente aquilo aconteceu.

Depois de eu dizer "tchau" dezoito vezes, Patrick


me puxou pela nuca e me beijou. Dá para acreditar
nisso? Com a garota do lado, com todo mundo em
volta (eu já tinha visto nos jornais aquilo de darem
com uma lâmpada na cabeça em caras que eram
efusivos demais na rua). Sem medo de nada, ele me
beijou de verdade e com vontade.

Vou precisar admitir aqui para você que Patrick


beijava melhor que a Taís Mia e que ficamos um
bom tempo naquele beijo até eu, opa!, me tocar das
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implicações que aquilo trazia. Me soltei e fui


embora, deixando a garota atônita e o Patrick de
coração acelerado. Sim, eu senti o coração dele.

As coisas que me acontecem, cara.

Voltei para casa a pé tentando escolher como eu


veria aquela noite no dia seguinte, porém o álcool e
o cansaço pesaram e eu não consegui concluir nada
naquele momento.

Em casa, na cama, pensei que poderia ter sido a


moça bonita no lugar da Mia Wallace se esfregando
e arfando em mim no banheiro da boate. As pernas
em volta das minhas, tão perto que não podia ser
errado.

No outro dia, na hora do almoço, Patrick e eu


sentamos no chão, encostados na lateral da padaria
como sempre fazíamos. Assim na beira da rua eu
sempre me sentia o verdadeiro andarilho que
pensava ser. Um trabalhador descansando sob o
Sol, como em uma música do Bruce Springsteen.

Patrick cortou meu devaneio me trazendo de volta


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para a realidade ao mencionar a noite anterior.

- Foi mal por ontem, cara. Eu me empolguei.

- Tudo bem. A noite foi ótima, tá tudo bem.

- Eu vi você correndo para o banheiro com a garota


de franjinha.

- Cara, ela era quente. Mas você beija melhor.

Rimos de constrangimento e por saber ser verdade


mesmo. E aí ficou um silêncio.

- Eu ainda não sei muito bem o que fazer com esse


meu talento de beijar homem melhor do que beijo
mulher - ele disse suspirando.

Fiquei quieto. Ele também. Não havia outra coisa


que pudéssemos fazer. Pedi para ele ver o que o
horóscopo dizia. O dele aconselhava seguir o
coração. O meu dizia algo similar, mas no fim eram
coisas diferentes.

O horário de almoço acabou, me levantei e puxei


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Patrick do chão. Ele me abraçou e voltamos para o


trabalho.

Foi aí que vi o horóscopo dando certo. No balcão,


tomando café e sendo linda, estava a moça bonita.

Não leve isso no mau sentido, mas a verdade é que


eu não estava me aguentando nas minhas calças ao
vê-la ali. Não sabia o que fazer. Não sabia se
puxava assunto ou se ficava calado. Se ia para perto
ou se ficava longe.

Optei por um meio termo, ficando perto e calado. A


moça olhou para mim e sorriu.

- Olá, estranho - ela disse com sua boquinha


perfeita e carnuda, achando que Closer nunca tinha
passado na minha TV. Que diaba.

Não sabia como responder aquilo. Ela era tão linda


e parecia triste como sempre. Fiquei boquiaberto
por alguns segundos e respondi imitando-a. Era o
mais fácil.

- Olá, estranha.
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- Você chamou a minha atenção.


- Normalmente eu não chamo a atenção de
ninguém, moça. Fico feliz.

- Eu quero saber uma coisa de você.

- Pode perguntar.

- Você quer sair comigo hoje? - a boquinha dela se


fechou e ela apoiou o queixo nas mãos, me olhando
muito séria.

Foi quando eu definitivamente deixei de conseguir


caber nas minhas calças. No mau sentido mesmo.

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Dois desconhecidos que se encontram


Bom, nesse ponto você há de concordar comigo
que a minha resposta tinha que ser cirúrgica.
Afinal, quais são as chances de uma gata dessas,
linda, grã-fina e cheirosa, chamar duas vezes o cara
da padaria para sair? Exatamente. Eu só tinha uma
chance e ia aproveitar essa chance muito bem.

Me inclinei no balcão e falei bem perto do rostinho


lindo dela:

- Claro.

Não ria. Eu fui simples e eficaz. Eu sei que


atualmente nos relacionamentos quem se importa
menos é quem tem mais poder, mas ali não me
importava muito ser poderoso, não. Eu só queria a
moça bonita, ela podia fazer o que quisesse de
mim.

Como realmente fez. Mas estou me adiantando.

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Eu disse que saía às dez da noite naquele dia e ela


prometeu aparecer por ali naquele horário.

Eu fiquei o dia inteiro nas nuvens. Não sabia onde


poderia levá-la e não tinha dinheiro para levá-la a
lugar algum. Cara, eu estava vendo que aquilo seria
complicado. Por outro lado, meu lema sempre foi
"o que você vê é o que você tem". Eu não ia levá-la
a um restaurante chique, eu não ia fingir ser quem
eu não era.

Quando deu dez horas eu acendi um cigarro e me


encostei nas portas de alumínio da padaria fechada.
Minha Katy Perry chorosa chegou em quinze
minutos, caminhando charmosamente devagar feito
um gatinho que sabe que o pote de ração não vai
fugir.

Esse potinho de ração aqui não ia a lugar algum


sem ela, você pode ter certeza.

Chegou e tirou o cigarro da minha mão. Deu um


trago em silêncio. Ficamos quietos e eu pensei que
era aquilo mesmo, eu não sabia o que dizer. Dois
desconhecidos que se encontram. Quando uma
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mulher assim não fala nada é por que está querendo


ação, eu acho, então eu simplesmente a puxei pela
cintura e a beijei. Nos beijamos assim, no meio da
rua, os carros passando, as pessoas andando
apressadas.

Sim, ela beijava melhor que o Patrick. Sim, eu


estava em uma ascendente inegável. Pode ficar
feliz por mim. Obrigado.

Pensei que naquele momento meu coração já era


dela, mas o que fez ela me ganhar mesmo foi o que
disse depois, com seu rostinho de Zooey Deschanel
perigosa (ou seja, Katy Perry):

- Me sinto invisível ultimamente. Briguei com todo


mundo que eu amo, ninguém mais fala comigo.
Naquele dia no semáforo você me olhou. E eu
deixei de ser invisível por alguns segundos.

Foi naquele momento que me apaixonei. Nós


éramos iguais. Nós, os invisíveis. Foi o que eu
disse para ela.

- Eu também me sinto assim. Invisível. Deve ser


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por isso que te vi.

Ela sorriu timidamente. O cigarro acabou e eu corri


jogar a bituca no lixo. Na volta, Zooey-Katy me
pegou pela mão e descemos a rua sem trocar uma
palavra.

Logo duas quadras adiante tinha uma rua estreita,


sem saída, um mini vilarejo no meio da cidade
grande. Entramos. Me encostei no muro com as
pernas separadas e a puxei para perto de mim, entre
elas. Ela era tão linda que me doía, então eu a beijei
para ver se a dor passava.

Minha garota triste não perdia o ar melancólico


nem quando me beijava. Eu a trazia para perto e ela
se entregava. Não conversamos, ela não me disse
seu nome. Ficamos horas ali, alternando beijos e
silêncios. Eu a abraçava e beijava seu cabelo. Ela se
encostava no meu peito e passava as mãos
carinhosamente pelas minhas costas.

Já devia ser uma da manhã, ela tirou uma caneta do


casaco chique que usava e anotou um número na
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palma da minha mão. Até aquele contato me fazia


ferver por dentro.

- Me liga, garoto invisível.

E foi embora.

Agora não tinha jeito. Eu ia ter que comprar um


celular. Merda.

Me enrolei com isso, não foi no dia seguinte. No


dia seguinte eu só fiquei flutuando por aí,
lembrando dos beijos dela, do olhar triste, das
poucas palavras. Das mãos subindo e descendo
pelas minhas costas.

Contei tudo para o Patrick, ele disse que tinha um


celular velho para me emprestar, que trazia no
outro dia. Maravilha. Trabalhei até tarde, eu sabia
que ela não apareceria naquele dia. Ela esperava
uma ação minha.

No outro dia, o Patrick trouxe o celular. Comprei


um chip novo na banca na frente da padoca. Agora
eu tinha tudo pronto. Quando saí do trabalho, criei
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coragem e liguei para minha Zooey. Mais uma vez


ela não falou muito.

- Alô? É o Paolo. Da padaria.

Dei uma risadinha sem graça. Era dolorosamente


prosaico e ridículo, mas não tinha outro jeito.

- Vem me ver.

Eu morri e fui para o céu sete vezes seguidas. Ela


me falou o endereço e eu fiquei repetindo
mentalmente feito um lunático para não esquecer.
Corri para casa, deixei a bicicleta, tomei o banho
mais rápido do mundo. Olhei o mapa no aplicativo
do celular do Patrick, achei um ônibus e um ponto
perto de casa onde ele parava.

Nossa vida é esse mar de detalhes medíocres com


ondas de acontecimentos sublimes.

Apartamento 77. Toquei o interfone. Não sabia o


nome dela, então improvisei e disse que eu era
"visita para o 77". "Carne para tubarão" também
teria servido, mas o porteiro poderia ficar confuso.
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O estalo metálico do portão destravando me


despertou dos meus devaneios com um arrepio na
nuca. Apartamento 77, o que você tem para mim?

Apertei a campainha. Zooey melancólica me


atendeu usado uma camisola de seda rosa claro
mais curta que a minha vontade de parecer um cara
difícil. Beijei-a ali mesmo, agarrando sua bunda
com ambas as mãos por baixo do vestidinho de
dormir e entrei no apartamento a beijando,
querendo a engolir inteira de tão linda e perfeita
que ela era.

Fui a levando em direção ao sofá, mas ela fez que


não com aquele rostinho lindo e me levou para o
quarto.

Acendi a luz. Eu queria vê-la para acreditar que era


verdade que aquilo estava acontecendo. Ela deitou
na cama. Tirei a camiseta e os tênis e voei para
cima dela. Eu gostei porque foi quando ela
finalmente sorriu.

Me enfiei no meio das suas pernas, a mordi no


pescoço e nos ombros. Ela pediu: "calma". Olhei
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para ela assustado, ela riu abertamente da minha


cara. São em momentos como esses que você passa
a acreditar em Deus: alguém precisa receber os
créditos por colocar um ser lindo assim no seu
caminho.

Tirei a calcinha dela. Zooey ainda sorria. A cama


macia afundava com o nosso peso, Zooey Perry
abriu as pernas me chamando sem dizer uma
palavra. Experimentei-a com meus dedos. Quente e
molhada. Deliciosa. Precisava sentir.

No primeiro toque da minha língua, Katy


estremeceu toda. Eu precisava ver aquilo por
completo. Parei por um segundo e tirei sua
camisola. Completamente nua e minha ela me
empurrou para baixo e voltei a lambê-la com
vontade.

Ela era quente e macia como meus dedos tinham


me antecipado. Seu gosto e cheiro grudavam na
minha boca, língua e barba enquanto eu a lambia
amorosamente e me tocava ao mesmo tempo,
explodindo de desejo. Ela era deliciosa e eu poderia
passar horas a chupando, mas aí Zooey me puxou
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pelos cabelos e me beijou na boca.

Tirei calça e cueca na velocidade da luz e peguei na


sua mão, fazendo ela pegar no meu pau, queria
saber se ela gostava, se era isso que ela queria. Era
isso o que ela queria, ela demonstrou me colocando
dentro dela. Quente, molhada, lambuzada pelas
minhas lambidas.

Agarrei sua coxas. Ela estava inteirinha ao meu


dispor, entregue. Na primeira estocada ela gemeu,
manhosa. Na segunda, escondeu o rosto com as
mãos de puro prazer. Continuei bem devagar a
torturando e me torturando também. Não ia
demorar. Aumentei o ritmo e me perdi beijando
seus peitos até a fazer gritar de prazer e só aí gozei
também. Meu corpo estremeceu inteiro e quando
sai de dentro dela estava todo arrepiado.

Deitei ao seu lado e foi só aí que vi o porta-retratos


do lado da cama.

Na foto, ela abraçada com um cara bonito e


arrumadinho, os dois combinando lindamente.
Olhei para Katy-Zooey. Ela desviou o rosto.
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- Você...?

- Eu sou noiva. O cara da foto é o meu futuro


marido. Eu acho que ele está me traindo.

Eu deveria ter desconfiado. Voltei a ser ateu no


mesmo instante.

- O que te faz pensar isso?

- Ele mal fala comigo ultimamente. Quando vem


aqui, acorda mais cedo e liga para alguém que eu
não sei quem é. Já o ouvi sussurrando 'eu te amo'
para essa pessoa.

- Isso é o suficiente para você desconfiar?

- Não só isso. Ele está bravo comigo. Ele e todo


mundo.

- O que você fez?

- Traí a confiança da melhor amiga.

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- E ele tomou partido dela?


- Todo mundo tomou. Todo mundo sempre toma
partido dela. Ela é a perfeição em pessoa. Pisa em
todo mundo e todos a perdoam. Todos a querem.
Até meu noivo deve querer. Não duvido nada que
seja para ela que ele liga toda manhã e diz que ama.

Olhei para suas mãos. Como eu não tinha notado


aquele anel ali antes? Tirei sua aliança e coloquei
no meu dedo mindinho.

- Casa comigo, então.

Nós dois rimos e eu tive um vislumbre de como ela


deveria ser quando estava feliz de verdade. Zooey
era problema, sem dúvida, mas era gostosa e linda.
Ainda mais quando sorria. E ela era invisível como
eu.

- Dá aqui, me devolve. Se meu noivo perceber que


estou sem, vai desconfiar.

- Ele está viajando? Cadê ele?

- Eu moro sozinha. Até a menina com quem eu


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dividia apartamento foi embora essa semana. Ele


está na casa dele.

- Eu acho que isso aqui só sai no banho... - Eu


disse, descaradamente fingindo que não conseguia
tirar a aliança. Zooey revirou os olhos, impaciente.

Eu estava oficialmente apaixonado por ela.

Fomos para o chuveiro, onde ela inadvertidamente


empinou sua bunda linda para mim e eu a comi por
trás, beijando sua nuca com delicadeza agora que
sabia os motivos de ela não querer ficar com
marcas. Com meus dedos e meu pau eu a fiz perder
a compostura e ela quase ficou de joelhos quando
minha mão harmoniosamente a tocou com gosto
enquanto eu metia. Sufoquei seus gemidos com os
meus beijos até ela gozar e se jogar nos meus
braços.

Nos beijamos longamente debaixo da água caindo,


a beijei como teria beijado na primeira vez que nos
vimos, quando nos reconhecemos como invisíveis
que éramos debaixo daquela chuva. Era como se
chovesse de novo e ela sabia, o quadril grudado no
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meu e a carinha triste que partia meu coração em


dois.

Na cama, ela se aconchegou no meu peito e


dormimos. No meio da madrugada, me acordou e
me mandou ir embora. Eu disse que não tinha como
ir, só passava ônibus dali duas horas. Ela me deixou
ficar.

Fui embora assim que o Sol raiou. Não devolvi o


anel, afinal. É claro que fiz de propósito. Ela que
me procurasse, se quisesse de volta.

Eu queria desesperadamente que ela me procurasse.


Nem precisei esperar muito.

Patrick quase me deu uma surra quando eu contei


que não tinha pedido o signo dela. Eu não sabia o
nome da mulher, como ia pedir o signo? De
qualquer modo, ele ficou contente de saber que as
previsões estavam certas e eu estava a todo vapor
em um envolvimento amoroso como o jornal disse.

Almoçamos e fomos sentar no chão da calçada


onde batia Sol. Contei quase tudo para ele,
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ocultando os detalhes sórdidos, pois não queria


ficar de pau duro do lado de um cara que eu já tinha
beijado. Não vamos abusar da sorte.

Patrick me garantiu que Katy Deschanel tinha


grandes chances de ser de Escorpião só por conta
das atitudes dela. Me mandou curtir sem me
entregar muito. Agora já era tarde, eu já estava
envolvido pelas calças e pelo coração e queria
muito mais.

Fumamos um cigarro e voltamos para o trabalho.


No fim do dia fomos para o apartamento dele, um
quarto e sala feio e triste feito o meu e dividimos
uma pizza assistindo à TV.

Já passava da meia-noite quando Zooey ligou me


chamando. Aproveitei que Patrick estava do lado.

- Qual seu signo?

- Escorpião.

- Jura? Escorpião mesmo?- Confirmei olhando para


ele.
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Patrick viu que estava certo e comemorou pela sala


como se o time dele tivesse ganhado a
Libertadores.

- Juro. Paolo, você pode vir me ver de novo?

- Eu posso, moça.

- Então venha, por favor - Ela disse em um muxoxo


e prometi para mim mesmo que ia comê-la tanto
que sorrir voltaria a ser sua resposta padrão, como
eu sabia que um dia tinha sido.

Me levantei, peguei minha mochila e me ajeitei


para ir embora.

- Não tá esquecendo nada? - Patrick perguntou sem


se mover no colchão jogado no chão.

- Aqui, ó! - Respondi pegando e sacudindo o


volume nas minhas calças e fazendo Patrick
gargalhar.

"If you liked it then you should've put a ring on it",


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como diz a Beyoncé. Além de fazer mais o meu


tipo, Zooey já tinha até colocado uma aliança no
meu dedo. Era com ela que eu queria ficar.

Se o espetáculo agrada a plateia você tem que


repeti-lo, então chegando na casa de Katy
Deschanel eu já entrei enchendo a minha gata de
beijos e passadas de mão naquela bundinha
perfeita. Ela achou graça e me mandou parar. Esse
é mais um indício de que as coisas estão indo bem,
quando a garota interrompe seus beijos com aquela
carinha de I can't even safadinho.

Fomos para o quarto dela. Tapei o porta-retrato


deixando a foto para baixo: Senhor noivo, meu
arqui-inimigo, você não só está perdendo essa
batalha como está de castigo. Me bateu uma
sensação ruim. Ah, cara... Tirei um cigarro do bolso
da calça.

Zooey pulou na minha direção e arrancou o cigarro


da minha mão, dizendo que não era para fumar ali.
Ela estava com um desses pijamas de menininha,
camiseta e shortinho, que a deixavam ainda mais
sexy do que a camisola femme fatale da noite
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anterior. Abracei-a por trás, nós dois sentados na


cama.

- O que você quer?

- Essa é uma pergunta muito difícil.

- Vou deixar mais fácil: o que você quer nesse


exato momento?

- Que você devolva minha aliança.

- Foi só para isso que você me chamou? - Fiz cara


de magoado e devolvi o anel contra a minha
vontade.

Ela colocou no dedo e ficou olhando a joia por


alguns instantes. Virou para mim e começou a abrir
minha calça, colocando a mão lá dentro com cara
de safada.

- Não foi só para isso que te chamei.

Agora nós estávamos conversamos e eu fui com


tudo para cima dela, dar o show que ela queria e
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estava pedindo.

Detalhes medíocres, momentos sublimes. Depois


do sexo, Zooey Perry me levou até a lavanderia
minúscula do apartamento e dividimos um cigarro,
jogando a fumaça pela janela para que não se
espalhasse pelo apartamento.

- Além de um amante e do vício em nicotina, o que


mais você esconde do seu noivo? - Eu disse
entregando o cigarro para ela.

Katyzinha me olhou ofendida, mas sorrindo, deu


um trago e suspirou:

- Quando você tem um relacionamento longo essas


coisas são inevitáveis. Você precisa ter algum
segredo para conseguir manter a própria identidade.

- Teoria um tanto absurda, mas interessante. Vocês


estão juntos há quanto tempo?

- Sete anos. E eu nunca tive um amante antes, ok?


Ah, meu Deus. O George não merece isso. Que
pessoa de merda eu sou.
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Ela abaixou a cabeça, pesarosa. Usei meus braços


para envolvê-la. Aquela conversa não estava indo
bem. Nunca tinha sido amante de ninguém antes
também, não sabia qual era o jeito certo de agir
nesses casos. A gente fica falando da pessoa que
está sendo traída? Tenta analisar os motivos da
traição? Ou simplesmente ignora essa parte e
namora como se fosse um casal normal?

Na dúvida, tratei de mudar de assunto. O cigarro


acabou e voltamos para a cama. Dormimos juntos e
de lá fui direto para o trabalho. Um casal normal,
com o pequeno detalhe de não podermos ser um
casal senão dentro daquele apartamento e na calada
da madrugada.

Um casal invisível, que só existia dentro daquelas


paredes.

Depois disso, nossos encontros passaram a ser


constantes. Dia sim, dia não, eu apertava a
campainha do 77 assim que a noite já estava alta.
Minha Zooey Deschanel me recebia com amor,
beijos e sexo.
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Não falávamos sobre coisas que a entristeciam. Ela


me disse seu nome em uma madrugada em especial
depois de desabafar sobre a tal amiga de Londres
que ela tinha traído a amizade e tal. Beijei seus
lábios até a fazer esquecer aquilo.

Você podia ver, com o passar dos dias, que ela


estava mais solta e feliz. Eu tinha conseguido fazer
Zooey Perry voltar a sorrir o tempo todo e isso a
tornava deslumbrante. Também descobri que era
tão tagarela quanto eu e isso me fez ficar ainda
mais apaixonado.

Naquele ponto, tudo o que dizia respeito a ela só


me fazia ficar ainda mais encantado. Em algumas
noites a gente transava loucamente, em outras só
assistia aos seus filmes favoritos juntos na cama.

Conversávamos por horas sobre todas as coisas que


gostávamos. Me acostumei a tirar uma soneca em
casa antes de ir para lá e então virar a madrugada
conversando e fazendo sexo com Zooey. Ela pegou
a mesma mania e me recebia com o rostinho
amassado de sono, o pijama tão amassado quanto, a
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cama revirada.

Eu amava aquilo.

No outro dia eu ia trabalhar exausto, morrendo de


sono. E explodindo de felicidade, pronto para fazer
tudo de novo.

Ela nunca mais apareceu na padaria, só podíamos


nos encontrar no apartamento dela. Em algumas
noites ela cozinhava para a gente. Queríamos
parecer um casal normal para nós mesmos, mas
presos nos segredos daqueles encontros na calada
da noite parecíamos mais duas crianças brincando
de casinha. Jantando spaghetti às três da manhã.
Assistindo nossos filmes de mãos dadas. Trocando
beijos embaixo das cobertas.

E ainda assim, fomos incrivelmente felizes. Katy


Deschanel era linda, viva, divertida e esperta. Eu a
adorava e ela gostava de mim também. Ela me
beijava e ria comigo, queria saber das minhas
viagens, do meu dia, dos meus sonhos.

Ela me mostrava que eu tinha valor, que meus


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sonhos eram possíveis. A gente gostava a cada dia


mais um do outro.

Até que, de tanta paixão, de tanto amor, minha


Zooey percebeu que algo precisava ser feito.
Aquilo não podia continuar assim.

Foi quando ela decidiu que a gente tinha que parar


de se ver.

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Três coisas que aprendemos sobre o


amor
Bom, é claro que relacionamentos assim não são
feitos para durar, mas eu achava que esse estava
indo muito bem. Bem demais, quem sabe? É
possível.

Eu não estava esperando aquilo. Não mesmo. Num


primeiro momento pensei só em chorar (é foda),
logo em seguida decidi que não ia desistir sem lutar
(a teimosia é mais foda ainda).

Foi a primeira e única vez que brigamos. Um briga


feia, triste, cheia de lágrimas e dor. Eu não queria
terminar, não queria perdê-la. Eu a amava e lhe
disse isso. Estávamos no quarto e já era cinco da
manhã, eu acho, quando Mari, esse era seu nome,
afinal, me acordou para dizer que não podíamos
continuar. Tentei argumentar.

- Se você me deixar eu vou voltar a ser invisível.


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Eu vou voltar a ser nada, alguém sem sentido


vagando por aí.

- Isso não existe, Paolo. Isso foi uma fantasia que a


gente criou para justificar o impossível da nossa
relação. E não dá mais para mim. Está indo longe
demais.

- Mari... Por favor. A gente pode continuar assim.


Eu nunca te cobrei nada, nunca quis nada além do
que você pode me dar. Vamos continuar. Eu amo
você.

- Eu também te amo.

- Então!

- Até aonde isso vai? Já estamos juntos há um mês.


O George não merece isso.

- Você começou isso por você e vai terminar por


ele? Ótimo! E eu? Onde o que eu quero se encaixa
na sua vida? Onde o que eu sinto é levado em
consideração? Eu amo você. Eu quero você.

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- Esse é o problema. Você não se encaixa na minha


vida. A gente precisa terminar com isso de vez.

- A gente precisa? A gente quem? Eu não preciso.

- Eu preciso.

- Você precisa só por que acordou se sentindo


culpada. Até ontem a única coisa de que você
precisava era de mim.

Mari me olhou com impaciência e cansaço. Tinha


sido uma noite longa, se é que você me entende. E
ela queria que terminasse justo agora?

- Não, Paolo. Se a gente continuar junto...

- O que vai acontecer?

- Se a gente continuar junto eu vou acabar te


amando mais do que amo o George. Eu vou acabar
tendo que terminar com ele. E eu não quero isso.
Eu posso estar em um momento confuso
ultimamente, mas nunca tive dúvida do meu amor
por ele. O homem da minha vida é o George,
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acredite você ou não.

- Você já não ama ele faz tempo, Mari. Só você não


consegue ver. Você só está acostumada demais
com essa relação e não quer perder essa
comodidade que você chama de amor. Só que amar
mesmo, de verdade, nesse exato momento, você
ama a mim.

- Você não pode dizer por mim o que eu sinto.

- Você quer provas? Quer fatos? Quer que eu te


lembre de todas as coisas que já fizemos juntos por
amor, só aqui nesse apartamento? Você me trouxe
até aqui, você me colocou na sua vida e agora eu te
amo como nunca amei ninguém. E do nada você
quer que eu vá embora? Eu não quero ir embora.

- Eu não posso continuar com isso.

- Ah, quer saber? Mari, você não pode é continuar


com ele. Alguém que você não ama mais. Que
provavelmente te trai com a sua melhor amiga.
Alguém que você está traindo. Toda essa história é
suja demais. Se fôssemos só eu e você tudo seria
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infinitamente mais simples. Feliz. Amoroso. Como


você precisa que seja, caso contrário só vai sobrar
você chorando sozinha na chuva. Como naquele dia
em que nos vimos pela primeira vez.

- Não vai ser assim. Eu vou consertar tudo, vou


fazer dar certo. Vou cuidar mais do George. Vou
pedir desculpas para a Nicky.

- Vai nada. Vai só me deixar e continuar sozinha


por aí se sentindo ruim demais para merecer o amor
de alguém. Você é boa, Mari. E você já tem o amor
de alguém. O meu.

- Eu amo você, Paolo. Mas não vamos transformar


isso em Romeu & Julieta. Sem dramas, ok? Não há
nada que a gente possa fazer, nós não podemos
ficar juntos. E é isso. Cada um segue o seu caminho
e...

- Você se ouve enquanto fala? Nós passamos um


mês juntos. A gente se ama. Eu fiz você parar de
chorar, eu te amei. Como você pode falar comigo
agora como se eu fosse ninguém e me mandar
embora da sua vida assim com tanta frieza?
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- Não há nada que eu possa fazer.

- Para de repetir isso!

- Vai embora. Acaba aqui, Paolo.

- Eu duvido.

Dito isso, peguei a mochila e fui embora “cuspindo


marimbondos”, como vocês falam. Mari tentou me
dar um beijo de despedida, o que não deixei. Eu
estava tão puto, meu Deus do céu. Eu não podia
acreditar que ela estava fazendo aquilo comigo.

Ia muito além de orgulhinho bobo por levar um pé


na bunda. Eu não podia acreditar que ela olhava o
que tínhamos e enxergava algo diferente do que eu
via. Quando era tão claro que pertencíamos um ao
outro. Que éramos iguais, que nos completávamos.
Que eu a amava perdidamente.

Eu nem sei como passei os dias que se seguiram.


Estava tão amargurado que nem beber resolvia.
Nem comer resolvia. Ensaiei visitas surpresas no
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meio da noite até o apartamento dela, no fim não


dava em nada. Eu não conseguia me mover de onde
estava.

Tentava ligar, ela não atendia. Que diaba. Eu


fumava um cigarro atrás do outro, totalmente
ridículo. Parecia até que o corno era eu. E meio que
era, né? Se você for analisar direitinho e tal.

E essas são as medalhas que ganhamos por amar


gente que está enrolada em seus próprios
problemas. Terrível. Ainda assim, não me
arrependo de nada. E do que me arrependeria? Eu
fiz o que tive vontade. Eu não magoei ninguém.
Até onde sei.

Eu duvidava que aquela história terminasse daquele


jeito, algo me dizia que ainda teria algum
desdobramento. Por menor que fosse. E teve. Eu
estava certo. Ainda que sem sorte.

Alguns muitos dias depois Zooey Furiosa apareceu


na padaria e se plantou no balcão. Mantive a pose,
fingi que nem era comigo. Pedi para o Patrick lhe
atender, mas ela ficou me encarando por cima dos
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ombros dele de um jeito tão bravo que começou a


ficar feio para mim.

Parei na frente dela, mais sério que a vida, com o


pano de prato no ombro, a barba malfeita, as
olheiras gigantes e ajeitando as calças caindo, coz
I'm about that life e ainda estava puto demais para
ser simpático.

Katy Deschanel estava linda como sempre em suas


roupas de mulher trabalhadora e seu olhar triste
mastigador de corações de mochileiros incautos. Eu
disse bem pertinho do rostinho dela.

- Problemas no paraíso, princesa?

Mari Perry revirou os olhos. Alguém, por favor, me


explica a ciência de mulher linda ficar ainda mais
linda quando possuída pelo demônio. Me encarou
com seus olhos azuis prestes a me fuzilar e
respondeu baixinho:

- Bravo demais para conversar feito gente, caubói?

Que mulher... Aceitei que ela mastigasse meu


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coração mais um pouquinho. Dei a volta no balcão


e a peguei pela mão. Fomos até a lateral da padaria
onde a rua era menos movimentada. Acendi um
cigarro e me encostei na parede. Ficamos nos
medindo em silêncio.

- O que você tanto olha? Fala comigo, escocês - Ela


disse, tirando o cigarro da minha mão e dando uma
tragada.

- Foi você que veio até mim. Fale você primeiro.


Estou só te observando. Notando cada pedacinho
seu e como você usou cada um deles para destruir a
minha vida por completo. Ou você já esqueceu?

Ela abaixou a guarda, cansada. Alguém, por favor,


me explica a ciência de mulher linda ficar ainda
mais linda quando triste.

- Eu vim me desculpar, Paolo. Vi que se quero


consertar tudo eu preciso começar por você. Eu não
devia ter me envolvido contigo.

- Se arrependendo de ter se envolvido comigo você


só me ofende e me magoa ainda mais. Se é que isso
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é possível.

- Não foi isso o que eu quis dizer. Eu não me


arrependo de nada. Só que não foi certo, não pode
continuar. Me desculpa.

- Te desculpar?

- Por ter te magoado.

Meu orgulho ferido deu um grito.

- Não se torture tanto. Não por mim. Você tem o


mundo todo para salvar, Mari. Não quero ser mais
um fardo para você.

Mari Perry me olhou completamente destruída. Não


era isso o que eu queria, mas eu estava agindo
assim exatamente por não ter o que queria.

- Não fala assim, Paolo. Não torne as coisas ainda


mais difíceis. Eu sinto a sua falta. Muito.
Absurdamente. Mas eu preciso reaprender a viver
sem você.

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- Eu já te disse o que eu acho. Você não me escuta.


Você não retorna minhas ligações. Não responde as
minhas mensagens. Eu voltei a ser invisível até
para você.

- E eu voltei a ser invisível sem você também. E é


isso. Quem sabe tenha que ser assim. E a gente
tenha que aceitar que é assim que nós somos. Que é
assim que as coisas são. Eu te amo. Eu queria não
te amar tanto. Seria mais fácil.

- Você sabe muito bem o que seria mais fácil.


Ficarmos juntos.

- Você sabe muito bem que eu não posso.

- Sua vida está melhor sem mim? Você e seu noivo


estão bem? Ele parou de te trair com a sua amiga?
Sua amiga voltou a ser sua amiga?

- Para com isso, por favor! Você sabe que a


resposta para todas essas perguntas é não. Eu voltei
à estaca zero.

- Foi onde nos encontramos. Volta para mim, então.


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Eu sei que não vamos a lugar algum, mas pelo


menos estaremos juntos.

- Não me fala isso...

- Só nós dois. Brincando de ser namorados no


apartamento 77, como costumava ser. Como isso
pode ser errado?

E aí ela me beijou. Me lembro de ter segurado Mari


pela cintura e torcido por um milagre divino onde
aquele beijo resolvesse tudo na medida em que
fizesse o noivo dela aparecer, nos pegar no flagra e
terminar com ela. E assim nos libertar. Como se
fosse assim simples e imediato, no meu desespero
assim seria. Tudo de uma vez só para fazê-la ver
que era comigo que devia permanecer.

Enquanto sonhava com tudo isso, nos beijamos sem


pressa e quase sem amor. Era o fim e ela me dizia
isso com um beijo.

O beijo terminou e nada do que eu sonhei


aconteceu. E foi a última vez que nos beijamos. A
última vez que senti seu gosto e seu cheiro, que o
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calor dela me preencheu e me fez sentir confortável


e completo.

Depois disso, Mari foi embora e nunca mais a vi.

Eu voltei para a minha vida e para a minha rotina.


Passava a madrugada acordado, sozinho, fumando
e olhando pela janela da sala. Chorando, etc. Foi
um tempo horroroso, dá até vergonha de lembrar.

No trabalho, Patrick tentava me animar com seu


misticismo e charme barato. Não, eu não o beijei de
novo. Já falei que foi só daquela vez na Augusta,
gente. Vocês também, qualquer beijinho é
"nossa...".

No entanto, agora que a porteira tinha sido aberta...


Ele achava que qualquer coisa era uma deixa para
tentar. Eu achava graça. No fim, acho que ele só
fazia aquilo para ver se eu me sentia melhor.

A questão é que naquele ponto eu só me sentiria


melhor se Mari Deschanel, a minha Katy Perry
melancólica, voltasse.

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Com toda a paciência do mundo, Patrick me


explicou que segundo o zodíaco era praticamente
impossível mesmo eu e Katyzinha ficarmos juntos.
Então, a culpa não era minha. A culpa era das
estrelas.

Até eu ri dessa. Não na hora, só bem depois.

Claro que tudo isso é só prêmio de consolação.


Astrologia é o troféu dos derrotados. Então, agora a
culpa por Mari estar com o outro lá é do zodíaco e
não minha? Difícil acreditar. Bem difícil.

Aos poucos a dor foi passando e ficou só uma


nostalgia do que tivemos. As noites em claro, as
risadas, os segredos. O medo do porteiro da noite
nos dedurar. O cigarro na lavanderia. O sexo.
Acordar antes de o dia raiar e ir embora logo para
não correr o risco de receber uma visita matinal do
noivinho.

No começo eu elaborei a teoria de que esse cara


devia ser uma potência sexual para trair a noiva e
ainda assim ela preferir ficar com ele. Já que amor
era algo que parecia ter acabado ali fazia tempo,
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certo?

Depois vi que não era bem assim. Existe muito


mais do que amor e sexo para manter duas pessoas
juntas. Além do que, Mari nunca teve certeza se o
noivo a traía mesmo com a amiga que estava em
Londres (e como se daria isso?) ou com quem quer
que fosse.

De modos que com tudo isso que passei posso dizer


que são três coisas que aprendemos sobre o amor:

Só amor não basta. Em um relacionamento, eu


digo. É preciso querer fazer dar certo. É preciso
querer estar junto e querer encarar todas as merdas
que aparecerem e que possam impedir esse amor de
acontecer. Amar sentadinho cada um no seu canto
não adianta. Tem que levantar e fazer acontecer.
Juntos. De mãos dadas.

Você precisa se amar. Não sei se deu para


perceber, mas eu sou um cara que se garante. Eu
me amo. Não é para rir, queridinha. É fato: sou
apaixonado por mim. Por isso para mim é fácil
amar os outros. Agora, se você não se ama, não
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consegue aceitar o amor dos outros: você não deixa


esse amor entrar ou então o manda ir embora tão
logo quanto pode, por achar que não merece ser
amado. Cara, não faça isso consigo mesmo. Se
respeite. Se ame.

O amor é o que te faz existir no mundo. Sem


amor, você é invisível. Sem ele, não existe motivo
para você sorrir e andar todo leve e saltitante por aí.
Ele é a mola que move o mundo. É mais: é o que
faz o mundo girar. Sem amor (por algo ou alguém,
romanticamente ou não), não sobra muita coisa na
vida.

Você pode achar que tudo isso é só perfumaria,


mas foi só quando me dei conta de tudo isso que
ficou mais fácil perdoar a Mari. Eu acho que ela só
me fez sofrer por que tinha muito sofrimento dentro
dela. Aquilo transbordava e se espalhava em tudo o
que ela fazia. Uma pessoa assim não merece ódio,
merece cuidado. Precisa de ajuda.

Da minha parte, me sinto bem em saber que eu


tentei ajudar como pude. Eu coloquei vários
sorrisos naquele rostinho perfeito. Fico feliz que a
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gente tenha terminado com um beijo e não com


uma briga. Que tenhamos apenas lembranças boas
para guardar.

Nós passamos pouco tempo juntos, mas ela me


ensinou muito. E acho que eu também fiz coisas
boas por ela. No mínimo, eu a fiz lembrar como era
amar alguém - e isso fez ela querer amar de volta o
noivo, que era o carinha dela.

Muito embora eu ainda ache que o cara certo para


ela sou eu. Mas isso pode ser vaidade de leonino. A
confirmar.

Ah, qual é. Você não acreditou naquele meu


papinho de astrologia ser coisa de derrotado, né?
Foi só para te provocar.

Mas ainda afirmo com veemência que a culpa não é


das estrelas. A culpa é sempre nossa.

Quanto a mim... Eu continuo aqui, né. Te servindo


café sem você notar. Atravessando a rua e achando
seu sorriso lindo, mas você nunca vai saber por que
não tira o olho desse bendito celular.
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Ainda não consegui largar o emprego na padaria.


Não vou mentir: vai que a Mari resolve me
procurar? Melhor eu esperar mais um pouco.

Por isso continuo no mesmo lugar. Alexander


Supertramp quando encontrou a kombi
abandonada. Um pouco mais, um dia a mais. Um
pouco menos, um dia a menos até meu próximo
destino. Todos os dias eu penso que este pode ser o
meu ultimo nessa cidade. Não tem como a gente
saber.

Enquanto nada acontece ou se resolve, eu continuo


a minha vidinha. De bicicleta pelas ruas, a mochila
velha nas costas. Encostado em qualquer muro
fumando o meu cigarro. Fazendo um delicioso pão
na chapa que você não vai me agradecer, mas vai
postar uma foto no Instagram.

Ainda atravesso aquela rua oito vezes quando


chove. Procuro o olhar da minha Zooey tristinha na
outra ponta da faixa de pedestre. Eu já recriei
aquela cena um milhão de vezes na minha cabeça.
Em todas elas, na minha fantasia eu beijo Mari
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Perry quando ela passa por mim e diz aquele "oi"


encabulado que virou minha vida do avesso.

Eu a beijo ali na rua mesmo e todos vão dizer que


enlouquecemos, que não é para ser. Que nossos
signos não combinam, que não se joga assim para o
alto um namoro de sete anos. E a gente segue se
beijando, sem ouvir a opinião dos outros ou os
nossos medos.

E vamos embora dali de mão dada e nos


escondemos de todos. Embaixo dos cobertores
floridos e cheirosos da cama do apartamento 77. A
cama que foi o nosso abrigo por todo esse tempo e
para sempre seria, se assim a minha Mari
Deschanel quisesse.

Só que ela não quis.

Essas fantasias não vão embora nem quando a


chuva passa. Não há guarda-chuva para o amor, é o
que se diz por aí. É o que as pessoas estão dizendo.

Assim como não existe atalho para esquecer


alguém. Você só tem o caminho mais longo como
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opção: um dia de cada vez. Todos os necessários


até conseguir. Cada um deles. Tem dias em que
acho que vou conseguir. Tem dias em que acho que
não vou, não.

Não importa. Eu continuo por aí. Invisível.


Esperando a minha chance de voltar a existir
novamente pelo amor de alguém. Só assim é
possível existir, como eu te disse.

Não tenho paradeiro e nem tenho destino, mas não


estou perdido. Estou no meu caminho. A passos
tranquilos, para que o amor possa me encontrar.

Quem sabe? Eu gosto de me imaginar como um


Alexander Supertramp moderno e urbano: minha
trajetória vai mudando enquanto a vivo. Eu sou
invisível só até o amor me encontrar - e saber disso
já faz de mim a pessoa mais feliz do mundo.

O amor liberta, nunca vai nos prender. O amor te


torna alguém real. Ele ainda vai me encontrar e
serei completo novamente.

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Palavras finais

Invisível foi escrito em junho de 2015, para um


desafio do Wattpad onde você deveria escrever
uma fanfic de até dez mil palavras no prazo de um
mês. Na história original, Paolo Nadini é Paolo
Nutini, cantor e compositor escocês. Todas as
músicas que me inspiraram a criar essa história
estão disponíveis na playlist que criei para o livro.
Você pode acessar pelo link no Spotify:
http://tinyurl.com/Invisivelplaylist
Em mais este livro, devo todo o meu agradecimento
à santíssima trindade que me protege e me
impulsiona em todas as minhas empreitadas
literárias (e da vida em geral): Alex Rolim, com seu
amor inquestionável, Julie Fernanda Garcia
Hernandez, com sua lealdade cativante e Thiago
“Tico” Hernandez, com suas ideias lindas e
silenciosas.
A cada livro publicado, me sinto mais perto de me
tornar quem eu quero ser. Agradeço também a você
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que me lê, por isso.

Engatilhe, babyluv.

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Sobre a autora

Tati Lopatiuk nasceu em Foz do Iguaçu, no Paraná,


em 1984. Formada em Contabilidade pela
Unioeste, preferiu as letras e hoje vive em São
Paulo, onde trabalha no ramo de redação para
mídias digitais. Com vários blogs pelo caminho,
firmou os pés nos romances e fanfics, focando suas
publicações na plataforma digital Wattpad. Por lá,
publicou cinco romances, que estão todos sendo
levados para a Amazon este ano.
Perfis nas redes sociais:
Twitter: https://twitter.com/tadsh
Goodreads:
https://www.goodreads.com/author/show/16003756.Tati_Lo
Skoob: https://www.skoob.com.br/autor/17342-tati-
lopatiuk
Amazon: http://tinyurl.com/AmazonTatiLopatiuk

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