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Revista do Núcleo

de estudos
afRo-asiáticos
da uel
expedieNte sumário
Universidade Estadual de Londrina E x
Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA) Carlos Alexandre Guimarães
R
Nádina Aparecida Moreno S E
Flávio Carrança
V-
Berenice Quinzani Jordão Cp, pj gf  gã
Naima Almeida e Natália udrey 
udrey 
6 educaÇÃo, coRpoRalidade e
C  NEAA RacisMos coNteMpoRÂNeos
Rosane da Silva Borges Rã E Rosane da Silva Borges
Flávio Carrança

Coordenações de área do NEAA

Eã  A Af


 Nguzu  – Ano 1, n. 1, março/julho de 2011
Revista do Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA)
dossiê teMático
Maria Gisele de Alencar da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Rodovia Celso Garcia Cid | Pr 445 Km 380 | Campus 10 O CORPO NEGRO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS
A  C Universitário Isildinha Baptista Nogueira
Marcia Dermindo Cx. Postal 6001 | CEP 86051-980 | Londrina – PR 
Fone: (43) 3371-4000 | Fax: (43)3328-4440 14 PERSONAGENS EM POSIÇÕES HIPOTÉTICAS: CONSUMO,
Cã Email: neaa@uel.br CORPO E SUBJETIVAÇÃO NA CULTURA DAS MÍDIAS
Silvia de Castro Laura Guimarães Corrêa

Pq  Dã Conselho Editorial 22 RACISMO E BIOPODER: UM CASO NO RIO DE JANEIRO


Carlos Alexandre Guimarães e Rosane da Silva Borges 1. Alex Ratts (UFG) CONTEMPORÂNEO
2. Álvaro Roberto Pires (UFMA) Renato Noguera e Carla Cristina Campos da Silva
Aã C 3. Amauri Mendes Pereira
Manoela Fernanda Silva Matos 4. Ari Lima (Uneb) 28 CORPOS NEGROS EDUCADOS: NOTAS ACERCA
5. Carlos Benedito Rodrigues da Silva (UFMA) DO MOVIMENTO NEGRO DE BASE ACADÊMICA
R I 6. Maria Aparecida Moura (UFMG) Alex Ratts
Dejair Dionísio 7. Denise Botelho (UFRPE)
8. Edna Rolland 40 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL: PRETINHO (A)
S 9. Edson Lopes Cardoso (SEPPIR) EU? DISCUTINDO O PERTENCIMENTO ÉTNICO
Cibele Candeo Leite 10. Elena Andrei (UEL) Ralime Nunes Raim
Dirce Meneguelli de Sá 11. Flavia Matheus Rios (USP)
12. Heloísa Pires 50 REFLEXÕES SOBRE NOSSAS CONSTRUÇÕES INTELECTUAIS
A  Eã  Dã 13. Joselina da Silva (UFC) E POLÍTICAS ACERCA DE “RAÇA”
Vaudice Donizete Rodrigues 14. Kabengele Munanga (USP/SP) João Batista de Jesus Felix
15. Kia Lilly Caldwell (Univ. North Carolina at Chapel Hill)
Eg  bb 16. Leda Martins
Elza Ribeiro Bueno 17. Ligia Ferreira (Uniesp)
18.
19.
Lucia Helena
Helena Oliveira
Oliveira (UEL)
Marcelo Paixão (UFRJ)
pRopostas pedagógicas
Comitê Editorial 20. Maria Nilza
Nilza da Silva (UEL)
(UEL)
21. Matheus Gato de Jesus (USP)
(USP) 62 POR QUE ENSINAR A HISTÓRIA DO NEGRO NA ESCOLA
Cã 22. Nei Lopes BRASILEIRA?
Carlos Alexandre Guimarães 23. Nelson Inocêncio (UnB) Kabenguele Munanga
Rosane da Silva Borges 24. Nilma Lino Gomes (UFMG)
25. Roberto Borges
Borges (CEFER-RJ)
(CEFER-RJ) 68 O ENSINO DE SOCIOLOGIA E A LEI 10.639/03:
E íf 26. Sueli Carneiro (Geledés/SP) CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO LIVRO DIDáTICO
Rosane da Silva Borges 27. Wilson Mattos (Uneb) Crisângela Biassi de Almeida

76 LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA


EM SALA DE AULA: UMA POSSIBILIDADE?
Claudia Vanessa Bergamini

85 A ENUNCIAÇÃO DO POSSÍVEL: AS COTAS RACIAIS E A LEI


10.639/03 TRANSFORMANDO A REALIDADE DA POPULAÇÃO
NEGRA EM LONDRINA
Márcia Figueiredo okita e Maria Gisele de Alencar

NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky 

106 RAÇA E GÊNERO: ENTRELACES RACISTAS VERSUS


AFIRMAÇÃO IDENTITáRIA NEGRA
Maria Anória de Jesus Oliveira

116 A REDENÇÃO DO OLHAR: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA


Nelson Inocêncio

eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO

poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva
expedieNte sumário
Universidade Estadual de Londrina E x
Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA) Carlos Alexandre Guimarães
R
Nádina Aparecida Moreno S E
Flávio Carrança
V-
Berenice Quinzani Jordão Cp, pj gf  gã
Naima Almeida e Natália udrey 
udrey 
6 educaÇÃo, coRpoRalidade e
C  NEAA RacisMos coNteMpoRÂNeos
Rosane da Silva Borges Rã E Rosane da Silva Borges
Flávio Carrança

Coordenações de área do NEAA

Eã  A Af


 Nguzu  – Ano 1, n. 1, março/julho de 2011
Revista do Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA)
dossiê teMático
Maria Gisele de Alencar da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Rodovia Celso Garcia Cid | Pr 445 Km 380 | Campus 10 O CORPO NEGRO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS
A  C Universitário Isildinha Baptista Nogueira
Marcia Dermindo Cx. Postal 6001 | CEP 86051-980 | Londrina – PR 
Fone: (43) 3371-4000 | Fax: (43)3328-4440 14 PERSONAGENS EM POSIÇÕES HIPOTÉTICAS: CONSUMO,
Cã Email: neaa@uel.br CORPO E SUBJETIVAÇÃO NA CULTURA DAS MÍDIAS
Silvia de Castro Laura Guimarães Corrêa

Pq  Dã Conselho Editorial 22 RACISMO E BIOPODER: UM CASO NO RIO DE JANEIRO


Carlos Alexandre Guimarães e Rosane da Silva Borges 1. Alex Ratts (UFG) CONTEMPORÂNEO
2. Álvaro Roberto Pires (UFMA) Renato Noguera e Carla Cristina Campos da Silva
Aã C 3. Amauri Mendes Pereira
Manoela Fernanda Silva Matos 4. Ari Lima (Uneb) 28 CORPOS NEGROS EDUCADOS: NOTAS ACERCA
5. Carlos Benedito Rodrigues da Silva (UFMA) DO MOVIMENTO NEGRO DE BASE ACADÊMICA
R I 6. Maria Aparecida Moura (UFMG) Alex Ratts
Dejair Dionísio 7. Denise Botelho (UFRPE)
8. Edna Rolland 40 RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL: PRETINHO (A)
S 9. Edson Lopes Cardoso (SEPPIR) EU? DISCUTINDO O PERTENCIMENTO ÉTNICO
Cibele Candeo Leite 10. Elena Andrei (UEL) Ralime Nunes Raim
Dirce Meneguelli de Sá 11. Flavia Matheus Rios (USP)
12. Heloísa Pires 50 REFLEXÕES SOBRE NOSSAS CONSTRUÇÕES INTELECTUAIS
A  Eã  Dã 13. Joselina da Silva (UFC) E POLÍTICAS ACERCA DE “RAÇA”
Vaudice Donizete Rodrigues 14. Kabengele Munanga (USP/SP) João Batista de Jesus Felix
15. Kia Lilly Caldwell (Univ. North Carolina at Chapel Hill)
Eg  bb 16. Leda Martins
Elza Ribeiro Bueno 17. Ligia Ferreira (Uniesp)
18.
19.
Lucia Helena
Helena Oliveira
Oliveira (UEL)
Marcelo Paixão (UFRJ)
pRopostas pedagógicas
Comitê Editorial 20. Maria Nilza
Nilza da Silva (UEL)
(UEL)
21. Matheus Gato de Jesus (USP)
(USP) 62 POR QUE ENSINAR A HISTÓRIA DO NEGRO NA ESCOLA
Cã 22. Nei Lopes BRASILEIRA?
Carlos Alexandre Guimarães 23. Nelson Inocêncio (UnB) Kabenguele Munanga
Rosane da Silva Borges 24. Nilma Lino Gomes (UFMG)
25. Roberto Borges
Borges (CEFER-RJ)
(CEFER-RJ) 68 O ENSINO DE SOCIOLOGIA E A LEI 10.639/03:
E íf 26. Sueli Carneiro (Geledés/SP) CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO LIVRO DIDáTICO
Rosane da Silva Borges 27. Wilson Mattos (Uneb) Crisângela Biassi de Almeida

76 LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA


EM SALA DE AULA: UMA POSSIBILIDADE?
Claudia Vanessa Bergamini

85 A ENUNCIAÇÃO DO POSSÍVEL: AS COTAS RACIAIS E A LEI


10.639/03 TRANSFORMANDO A REALIDADE DA POPULAÇÃO
NEGRA EM LONDRINA
Márcia Figueiredo okita e Maria Gisele de Alencar

NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky 

106 RAÇA E GÊNERO: ENTRELACES RACISTAS VERSUS


AFIRMAÇÃO IDENTITáRIA NEGRA
Maria Anória de Jesus Oliveira

116 A REDENÇÃO DO OLHAR: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA


Nelson Inocêncio

eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO

poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva
76 LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
EM SALA DE AULA: UMA POSSIBILIDADE?
Claudia Vanessa Bergamini

85 A ENUNCIAÇÃO DO POSSÍVEL: AS COTAS RACIAIS E A LEI


10.639/03 TRANSFORMANDO A REALIDADE DA POPULAÇÃO
NEGRA EM LONDRINA
Márcia Figueiredo okita e Maria Gisele de Alencar

NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky 

106 RAÇA E GÊNERO: ENTRELACES RACISTAS VERSUS


AFIRMAÇÃO IDENTITáRIA NEGRA
Maria Anória de Jesus Oliveira

116 A REDENÇÃO DO OLHAR: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA


Nelson Inocêncio

eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO

poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva

Educação, plosivo e, o que é pior ainda, a vitimização entre jovens De um modo ou de outro, podemos entrever essas
negros tem índices muito altos, beirando um cenário de reexões nos textos de Isildinha Baptista, psicanalista e
“extermínio”. Após uma década (1998-2008), continua doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo;
corporalidadE praticamente inalterada a marca histórica de 92% da de Laura Guimarães Correa, proessora adjunta do cur-
masculinidade nas vítimas de homicídio. so de Comunicação Social da Universidade Federal de
Em seu número de estreia, a revista  Nguzu toma, Minas Gerais; do proessor de losoa e educação da
E racismos RosaNe da silva
desse modo, o corpo como um vasto território mar- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
cador de sentidos e signicados. Convertendo-se em Renato Nogueira, e da mestranda Carla Cristina da Sil-
BoRges uma das primeiras ronteiras de violação do humano, é  va, também da UFFRJ; do proessor doutor Alex Ratts,
contEmporânEos Professora Doutora, coordenadora do Nú-
pelo corpo que se circunscreve as (im)possibilidades do da Universidade Federal de Goiânia; da socióloga e co-
ser, é por ele que se classica e se categoriza as pessoas. ordenadora do Programa Diversidade Étnico-Racial na
cleo de Estudos Afro-Asiticos (NEAA) e
coordenadora editorial da revista Nguzu . Com as inormações emitidas pelo corpo, esculpimos Educação de Montes Claros/MG, Ralime Nunes Raim;
o outro, traço por traço. Muniz Sodré já nos advertira: e do proessor doutor João Batista de Jesus Félix, da
Universidade Federal do ocantins (UF).
A estética negativa do estrangeiro lastreia sempre os Além do dossiê temático, a  Nguzu apresenta na
 julgamentos na prática do Gesichtskontrolle (contro- seção “Propostas Pedagógicas” os textos do proessor
le de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem doutor Kabengele Munanga, do Departament o de
pode entrar em clubes, boates, restaurantes de luxo ou Antropologia da Faculdade de Filosoa Letras e Ciên-
mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome cias Humanas da USP; da pós graduanda em Letras
da prática é alemão, mas sua incidência é transnacional da UEL, Cláudia Vanessa Bergamini; das pesquisado-
(1999, p. 33). ras graduadas pela UEL, Marcia Figueiredo okita e
Maria Gisele de Alencar; e da socióloga pós-graduada
Em tempos de narrativas hipermidiáticas, onde os múltiplas aces da discriminação racial vêm denun- Como reposicionar o debate em meio às emergen- pela UEL, Crisângela de Almeida. No tópico “Negras
textos encontram abrigo preerencialmente no espaço ciando sistematicamente, pelo menos desde a década tes reexões que apontam para a superação do corpo reexões” contamos com os artigos do proessor dou-
 virtual, a revista Nguzu é também manuaturada no su- de 1970, a incidência majoritária de assassinatos nessa e ascensão do pós-humano? De que maneira reinserir tor Jacques d’Adesky, pesquisador do Centro de Estu-
porte impresso. Com o tema Educação, Corporalidade aixa etária. O mencionado quadro, como sabido, não a gramática corporal como um vetor importante para dos das Américas da Universidade Cândido Mendes
e Racismos Contemporâneos, Nguzu, uma publicação constitui nenhuma novidade. O que causa espécie é pensarmos na sustentação do racismo? e proessor da UNESA; da proessora doutora Maria
do NEAA (Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos), órgão que essas estatísticas convivem, paradoxalmente, com Uma pequena mostra de artigos reerentes ao tema Anória de Jesus, da Universidade do Estado da Bahia
da Universidade Estadual de Londrina (UEL), institui- argumentos enviesados que, com verniz de seriedade, demonstra nesta publicação a diversidade de aborda- (UNEB) e do proessor Nelson Inocêncio, docente do
-se como um espaço demarcado para dar visibilidade armam solenemente ser o Brasil um país isento de gens da corporalidade e dos racismos contemporâneos, Departamento de Artes Visuais vinculado ao Instituto
às reexões e pesquisas ancoradas no campo das rela- práticas racistas. ais armações, mesmo resultando em  vistos em conjugação, sob uma perspectiva educativa, de Artes da Universidade de Brasília – UnB e coordena-
ções raciais no Brasil e em outros países da diáspora. triste eloquência, ainda são sustentadas por rações da crítica e analítica. Os artigos aqui reunidos sobre o tema dor do Núcleo de Estudos Aro-Brasileiros da UnB. Na
Colhemos da língua banto o nome da publicação, que intelligentsia brasileira, agremiações políticas, orma- buscam problematizar e aproundar questões teóricas, seção “Interlocuções”, a nossa convidada é a doutora
signica energia. dores de opinião pública e apresentam-se como uma tornam públicos os resultados de investigações empí- Anhamona Silva de Brito, secretaria de Ações Arma-
A escolha desse dossiê temático oi motivada por reação conservadora à adoção de políticas públicas que ricas e estabelecem diálogos com outras áreas de co- tivas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
episódios contemporâneos que revelam a pertinácia tomam a discriminação racial como nexo prioritário nhecimento capazes de contribuir para a compreensão da Igualdade Racial (SEPPIR). E na seção “Literartes”,
do racismo em sua ação implacável de abater corpos para a superação das assimetrias no Brasil. Enleiram- das singularidades do racismo na contemporaneidade. apresentamos a poesia do escritor Raimundo Nonato,
negros, undamentada em uma leitura racial, portanto -se argumentos propugnando uma práxis p olítica que Muito se tem insistido de que o corpo e, por- da Universidade Estadual da Bahia.
educativa, do que esses corpos signicam e represen- se desvencilhe de qualquer recorte racial. tanto, a noção de sujeito e subjetividade derivada do Como qualquer iniciante,  Nguzu espera manter
tam (os assassinatos do dentista negro em São Paulo Sem nos estendermos sobre essa contenda, o que cartesianismo estão, sob a chave da p ós-modernidade energias, por denição, próprias de sua concepção edi-
quando retornava para casa em Guarulhos e do oce- importa destacar das altercações são as relutâncias em e da cibernética, em ranca decadência, em constan- torial para dar continuidade ao compromisso de ser um
-boy pelos seguranças do banco Itaú integram uma lista admitir a centralidade do racismo nas ações discrimi- te interrogação. De Descartes, passando por lósoos canal diusor das pesquisas, estudos e reexões sobre
signicativa). ais episódios zeram-se razoavelmente natórias impulsionadas por um undamento racial. No como Michel Foucault e Gilles Deleuze, pelos aportes relações raciais. Oxalá cumpramos esse papel.
presentes na agenda dos suportes inormativos, espe- entanto, os exemplos aqui elencados – do dentista e do da medicina e da psicanálise, incluindo-se aí também Uma ótima leitura e até o próximo número.
cialmente de jornais impressos e televisivos com capi- oce-boy – não deixam margem a dúvida. O que pre- as contribuições do L aboratório de Inteligência Arti-
laridade nacional, e vêm estimulando a renovação do senciamos na paisagem cotidiana é desalentador: os ín- cial do MI, as concepções sobre o corpo passaram por
debate por meio de óruns concernentes ao racismo e dices exorbitantes de mortalidade de jovens negros não
à violência no Brasil. somente permanecem, como crescem vertiginosamente
radicais avaliações. Em perspectiva da epistemologia
aricana, outros contributos não menos importantes
RefeRêNcia
O assunto, como era de se esperar, alcança di- a cada ano. Segundo reportagem do jornal “O Estado ampliam o painel. Visto como um elemento vital p ara BiBliogRáfica
mensões exponenciais, e nos conduz, irremediavel- de São Paulo”, “o Mapa da Violência 2011 most ra que a equilíbrio de algumas sociedades, ponto ordenador das
mente, para os elevados índices de mortalidade entre  vitimização juvenil por homicídios continua a crescer. estruturas sociais, o corpo é categoria importante na SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Rio de Janeiro: Vozes,
os jovens negros. Organizações anti-racistas atentas às O número de homicídios entre a população negra é ex- denição das relações sociais aricanas. 1999.
6 7
Educação, plosivo e, o que é pior ainda, a vitimização entre jovens De um modo ou de outro, podemos entrever essas
negros tem índices muito altos, beirando um cenário de reexões nos textos de Isildinha Baptista, psicanalista e
“extermínio”. Após uma década (1998-2008), continua doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo;
corporalidadE praticamente inalterada a marca histórica de 92% da de Laura Guimarães Correa, proessora adjunta do cur-
masculinidade nas vítimas de homicídio. so de Comunicação Social da Universidade Federal de
Em seu número de estreia, a revista  Nguzu toma, Minas Gerais; do proessor de losoa e educação da
E racismos RosaNe da silva
desse modo, o corpo como um vasto território mar- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
cador de sentidos e signicados. Convertendo-se em Renato Nogueira, e da mestranda Carla Cristina da Sil-
BoRges uma das primeiras ronteiras de violação do humano, é  va, também da UFFRJ; do proessor doutor Alex Ratts,
contEmporânEos Professora Doutora, coordenadora do Nú-
pelo corpo que se circunscreve as (im)possibilidades do da Universidade Federal de Goiânia; da socióloga e co-
ser, é por ele que se classica e se categoriza as pessoas. ordenadora do Programa Diversidade Étnico-Racial na
cleo de Estudos Afro-Asiticos (NEAA) e
coordenadora editorial da revista Nguzu . Com as inormações emitidas pelo corpo, esculpimos Educação de Montes Claros/MG, Ralime Nunes Raim;
o outro, traço por traço. Muniz Sodré já nos advertira: e do proessor doutor João Batista de Jesus Félix, da
Universidade Federal do ocantins (UF).
A estética negativa do estrangeiro lastreia sempre os Além do dossiê temático, a  Nguzu apresenta na
 julgamentos na prática do Gesichtskontrolle (contro- seção “Propostas Pedagógicas” os textos do proessor
le de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem doutor Kabengele Munanga, do Departament o de
pode entrar em clubes, boates, restaurantes de luxo ou Antropologia da Faculdade de Filosoa Letras e Ciên-
mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome cias Humanas da USP; da pós graduanda em Letras
da prática é alemão, mas sua incidência é transnacional da UEL, Cláudia Vanessa Bergamini; das pesquisado-
(1999, p. 33). ras graduadas pela UEL, Marcia Figueiredo okita e
Maria Gisele de Alencar; e da socióloga pós-graduada
Em tempos de narrativas hipermidiáticas, onde os múltiplas aces da discriminação racial vêm denun- Como reposicionar o debate em meio às emergen- pela UEL, Crisângela de Almeida. No tópico “Negras
textos encontram abrigo preerencialmente no espaço ciando sistematicamente, pelo menos desde a década tes reexões que apontam para a superação do corpo reexões” contamos com os artigos do proessor dou-
 virtual, a revista Nguzu é também manuaturada no su- de 1970, a incidência majoritária de assassinatos nessa e ascensão do pós-humano? De que maneira reinserir tor Jacques d’Adesky, pesquisador do Centro de Estu-
porte impresso. Com o tema Educação, Corporalidade aixa etária. O mencionado quadro, como sabido, não a gramática corporal como um vetor importante para dos das Américas da Universidade Cândido Mendes
e Racismos Contemporâneos, Nguzu, uma publicação constitui nenhuma novidade. O que causa espécie é pensarmos na sustentação do racismo? e proessor da UNESA; da proessora doutora Maria
do NEAA (Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos), órgão que essas estatísticas convivem, paradoxalmente, com Uma pequena mostra de artigos reerentes ao tema Anória de Jesus, da Universidade do Estado da Bahia
da Universidade Estadual de Londrina (UEL), institui- argumentos enviesados que, com verniz de seriedade, demonstra nesta publicação a diversidade de aborda- (UNEB) e do proessor Nelson Inocêncio, docente do
-se como um espaço demarcado para dar visibilidade armam solenemente ser o Brasil um país isento de gens da corporalidade e dos racismos contemporâneos, Departamento de Artes Visuais vinculado ao Instituto
às reexões e pesquisas ancoradas no campo das rela- práticas racistas. ais armações, mesmo resultando em  vistos em conjugação, sob uma perspectiva educativa, de Artes da Universidade de Brasília – UnB e coordena-
ções raciais no Brasil e em outros países da diáspora. triste eloquência, ainda são sustentadas por rações da crítica e analítica. Os artigos aqui reunidos sobre o tema dor do Núcleo de Estudos Aro-Brasileiros da UnB. Na
Colhemos da língua banto o nome da publicação, que intelligentsia brasileira, agremiações políticas, orma- buscam problematizar e aproundar questões teóricas, seção “Interlocuções”, a nossa convidada é a doutora
signica energia. dores de opinião pública e apresentam-se como uma tornam públicos os resultados de investigações empí- Anhamona Silva de Brito, secretaria de Ações Arma-
A escolha desse dossiê temático oi motivada por reação conservadora à adoção de políticas públicas que ricas e estabelecem diálogos com outras áreas de co- tivas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
episódios contemporâneos que revelam a pertinácia tomam a discriminação racial como nexo prioritário nhecimento capazes de contribuir para a compreensão da Igualdade Racial (SEPPIR). E na seção “Literartes”,
do racismo em sua ação implacável de abater corpos para a superação das assimetrias no Brasil. Enleiram- das singularidades do racismo na contemporaneidade. apresentamos a poesia do escritor Raimundo Nonato,
negros, undamentada em uma leitura racial, portanto -se argumentos propugnando uma práxis p olítica que Muito se tem insistido de que o corpo e, por- da Universidade Estadual da Bahia.
educativa, do que esses corpos signicam e represen- se desvencilhe de qualquer recorte racial. tanto, a noção de sujeito e subjetividade derivada do Como qualquer iniciante,  Nguzu espera manter
tam (os assassinatos do dentista negro em São Paulo Sem nos estendermos sobre essa contenda, o que cartesianismo estão, sob a chave da p ós-modernidade energias, por denição, próprias de sua concepção edi-
quando retornava para casa em Guarulhos e do oce- importa destacar das altercações são as relutâncias em e da cibernética, em ranca decadência, em constan- torial para dar continuidade ao compromisso de ser um
-boy pelos seguranças do banco Itaú integram uma lista admitir a centralidade do racismo nas ações discrimi- te interrogação. De Descartes, passando por lósoos canal diusor das pesquisas, estudos e reexões sobre
signicativa). ais episódios zeram-se razoavelmente natórias impulsionadas por um undamento racial. No como Michel Foucault e Gilles Deleuze, pelos aportes relações raciais. Oxalá cumpramos esse papel.
presentes na agenda dos suportes inormativos, espe- entanto, os exemplos aqui elencados – do dentista e do da medicina e da psicanálise, incluindo-se aí também Uma ótima leitura e até o próximo número.
cialmente de jornais impressos e televisivos com capi- oce-boy – não deixam margem a dúvida. O que pre- as contribuições do L aboratório de Inteligência Arti-
laridade nacional, e vêm estimulando a renovação do senciamos na paisagem cotidiana é desalentador: os ín- cial do MI, as concepções sobre o corpo passaram por
debate por meio de óruns concernentes ao racismo e dices exorbitantes de mortalidade de jovens negros não
à violência no Brasil. somente permanecem, como crescem vertiginosamente
radicais avaliações. Em perspectiva da epistemologia
aricana, outros contributos não menos importantes
RefeRêNcia
O assunto, como era de se esperar, alcança di- a cada ano. Segundo reportagem do jornal “O Estado ampliam o painel. Visto como um elemento vital p ara BiBliogRáfica
mensões exponenciais, e nos conduz, irremediavel- de São Paulo”, “o Mapa da Violência 2011 most ra que a equilíbrio de algumas sociedades, ponto ordenador das
mente, para os elevados índices de mortalidade entre  vitimização juvenil por homicídios continua a crescer. estruturas sociais, o corpo é categoria importante na SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Rio de Janeiro: Vozes,
os jovens negros. Organizações anti-racistas atentas às O número de homicídios entre a população negra é ex- denição das relações sociais aricanas. 1999.
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dossiê temático
dossiê temático

dossiê temático

o corpo nEgro:
sEntidos E
significados ResuMo ResuMÉ
Este artigo tem como objetivo reetir a dimensão psíquica da Ce article se propose à rééchir sur la dimension psychique du ra-
questão do racismo, partindo da hipótese de que essa realidade cisme, à partir de l’hipothèse suivante: que cette realité historique
histórico-social determina, para os negros, congurações psíqui- sociale determine, pour les noirs, des congurations psychiques
isildiNha Baptista cas peculiares.  particuliéres.
NogueiRa Reetir sobre a condição do negro como produto da interação De cette réexion, j’essaye de denir la condition du noir en tant 
dialética entre, de um lado, as representações sociais ideologi- que produit de l’interaction dialectique entre, d’une part, les repre-
Psicanalista. Doutora em Psicologia pelo camente estruturadas, as estruturas sócio-econômicas que as sentations sociales ideologiquement structurees sócio-economiques
Departamento de Psicologia Escolar e do produziram e as reproduzem e, de outro, as congurações que qui les ont produit et continuent à les réproduire et, d’autre part, les
Desenvolvimento Humano da Universi- ormam o universo psíquico. congurations que constituent l’univers psychiques.
dade de São Paulo, com o tema: Signi-
cações do corpo negro. Assessora do
Instituto AMMA Psique e Negritude. Palavras chave: negros, histórico social, sócio-econômica, ra- Les Mots Clé: noirs, historique sociale, sócio-economiques, ra-
cismo, universo psíquico. cisme, univers psychiques.

periências para além de um terreno anteriormente in- turação é uma consequência natural na relação entre
iNtRoduÇÃo dierenciado, e xam os limites dos comportamentos culturas dierentes, obrigadas a conviver. Ao perderem
dos indivíduos e dos grupos, que são ideologicamente suas identidades originais, ganham nova identidade,
estruturados; cada sistema cria seus teóricos que o jus- resultado da transculturação, como orma de resistir à
Como alar acerca de representações psíquicas e ex- tiquem. opressão causada pelo processo de escravização.
periências diárias e dizer que, a despeito das lutas por Vivendo em péssimas condições nas senzalas,
melhores condições de acesso à cidadania, as represen- brutalizados e animalizados pelos senhores, os negros
tações sobre o negro e o seu lugar na sociedade não
mudaram?
seR huMaNo se viam destituídos da sua condição de humanos; não
altaram estudos que os compararam aos animais, justi-
A sociedade é, undamentalmente, uma concep- e seR NegRo cando, assim, as condições em que vivi am como sendo
ção, uma construção do pensamento, uma entidade “naturais”.
com sentido e signicação. Como seres humanos, nos A noção de “ser humano” que temos hoje, teve origem A promulgação da “Lei Áurea” que supostamente
destacamos por nossa capacidade de dar signicados no Renascimento, onde se criaram novos conceitos; os libertaria do cativeiro, oi antecedi da por mudanças
às coisas. Construímos uma cultura, um conjunto de o homem passa a ser visto como centro e modelo do na ordem econômica e política, que colocavam obstá-
crenças e costumes, que criaram olhares especícos, mundo. Isto é possível porque o ser humano se “concei- culos à existência de um país escravagista no cenário
próprios de cada grupo étnico social, que demandará tualiza”, se pensa e se percebe de uma época para outra; mundial. Os abolicionistas mostravam grande indigna-
princípios de conduta, isto é, uma ética que permita e por ser histórico, consequentemente, seus valores, cos- ção pelas condições de cativeiro dos negros, mas não
garanta a cada um dos indivíduos pertencentes a um tumes e leis, mudam. puderam pensá-los como indivíduos que deveriam ser
determinado grupo, a necessidade que lhe é natural, de Por mais de três séculos, as principais atividades inseridos na sociedade. Supunham que, saindo da con-
pertencimento a essa organização. econômicas mercantes brasileiras basearam-se no tra- dição de escravo, o negro trabalharia como mão de obra
O conjunto das representações que constituem a balho do negro escravizado. Entre cativos e mortos, a remunerada para seu auto-sustento.
cultura está condicionado a uma lógica que determina Árica perdeu 70 milhões de pessoas do século XV ao
que viver em sociedade é estar “sob a dominação des- XIX1. Foram 320 anos de escravidão. Libertos, os ex-escravos vagavam desorientados,
sa lógica”; os indivíduos se comportam segundo essa razidos de dierentes regiões, alando, portanto, sem condições para seu auto-sustento e sem trabalho
lógica, sem terem consciência desse mecanismo. Em línguas dierentes, tendo cultura, tradições e religiões no campo, que começava a ser eito pelos imigrantes.
consequência, a vida coletiva, assim como a vida psíqui- diversas, os negros tinham portanto a comunicação e Dadas suas condições de vida, oram comparados a
ca dos indivíduos e dos grupos sociais constituem um a organização entre os semelhantes dicultadas, o que animais e vistos como incompetentes, preguiçosos e
complexo processo que não corresponde a uma relação avorecia o controle dos senhores de escravos. A acul- indolentes, quando comparados aos europeus que para
causal simples, mecanicista, empírica, mas depende dos cá vieram trabalhar. Restava aos negros o trabalho do-
mais diversos atores. méstico, situação que perpetuava a imagem anterior,
As representações sociais uncionam como uma 1. ALENCAR, Chico (org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: em que o negro, tal como besta era domesticada, tra-
rede onde as malhas estabelecem os domínios das ex- Garamond, 2001, pg. 24. balhava em troca de ração.
11
dossiê temático

o corpo nEgro:
sEntidos E
significados ResuMo ResuMÉ
Este artigo tem como objetivo reetir a dimensão psíquica da Ce article se propose à rééchir sur la dimension psychique du ra-
questão do racismo, partindo da hipótese de que essa realidade cisme, à partir de l’hipothèse suivante: que cette realité historique
histórico-social determina, para os negros, congurações psíqui- sociale determine, pour les noirs, des congurations psychiques
isildiNha Baptista cas peculiares.  particuliéres.
NogueiRa Reetir sobre a condição do negro como produto da interação De cette réexion, j’essaye de denir la condition du noir en tant 
dialética entre, de um lado, as representações sociais ideologi- que produit de l’interaction dialectique entre, d’une part, les repre-
Psicanalista. Doutora em Psicologia pelo camente estruturadas, as estruturas sócio-econômicas que as sentations sociales ideologiquement structurees sócio-economiques
Departamento de Psicologia Escolar e do produziram e as reproduzem e, de outro, as congurações que qui les ont produit et continuent à les réproduire et, d’autre part, les
Desenvolvimento Humano da Universi- ormam o universo psíquico. congurations que constituent l’univers psychiques.
dade de São Paulo, com o tema: Signi-
cações do corpo negro. Assessora do
Instituto AMMA Psique e Negritude. Palavras chave: negros, histórico social, sócio-econômica, ra- Les Mots Clé: noirs, historique sociale, sócio-economiques, ra-
cismo, universo psíquico. cisme, univers psychiques.

periências para além de um terreno anteriormente in- turação é uma consequência natural na relação entre
iNtRoduÇÃo dierenciado, e xam os limites dos comportamentos culturas dierentes, obrigadas a conviver. Ao perderem
dos indivíduos e dos grupos, que são ideologicamente suas identidades originais, ganham nova identidade,
estruturados; cada sistema cria seus teóricos que o jus- resultado da transculturação, como orma de resistir à
Como alar acerca de representações psíquicas e ex- tiquem. opressão causada pelo processo de escravização.
periências diárias e dizer que, a despeito das lutas por Vivendo em péssimas condições nas senzalas,
melhores condições de acesso à cidadania, as represen- brutalizados e animalizados pelos senhores, os negros
tações sobre o negro e o seu lugar na sociedade não
mudaram?
seR huMaNo se viam destituídos da sua condição de humanos; não
altaram estudos que os compararam aos animais, justi-
A sociedade é, undamentalmente, uma concep- e seR NegRo cando, assim, as condições em que vivi am como sendo
ção, uma construção do pensamento, uma entidade “naturais”.
com sentido e signicação. Como seres humanos, nos A noção de “ser humano” que temos hoje, teve origem A promulgação da “Lei Áurea” que supostamente
destacamos por nossa capacidade de dar signicados no Renascimento, onde se criaram novos conceitos; os libertaria do cativeiro, oi antecedi da por mudanças
às coisas. Construímos uma cultura, um conjunto de o homem passa a ser visto como centro e modelo do na ordem econômica e política, que colocavam obstá-
crenças e costumes, que criaram olhares especícos, mundo. Isto é possível porque o ser humano se “concei- culos à existência de um país escravagista no cenário
próprios de cada grupo étnico social, que demandará tualiza”, se pensa e se percebe de uma época para outra; mundial. Os abolicionistas mostravam grande indigna-
princípios de conduta, isto é, uma ética que permita e por ser histórico, consequentemente, seus valores, cos- ção pelas condições de cativeiro dos negros, mas não
garanta a cada um dos indivíduos pertencentes a um tumes e leis, mudam. puderam pensá-los como indivíduos que deveriam ser
determinado grupo, a necessidade que lhe é natural, de Por mais de três séculos, as principais atividades inseridos na sociedade. Supunham que, saindo da con-
pertencimento a essa organização. econômicas mercantes brasileiras basearam-se no tra- dição de escravo, o negro trabalharia como mão de obra
O conjunto das representações que constituem a balho do negro escravizado. Entre cativos e mortos, a remunerada para seu auto-sustento.
cultura está condicionado a uma lógica que determina Árica perdeu 70 milhões de pessoas do século XV ao
que viver em sociedade é estar “sob a dominação des- XIX1. Foram 320 anos de escravidão. Libertos, os ex-escravos vagavam desorientados,
sa lógica”; os indivíduos se comportam segundo essa razidos de dierentes regiões, alando, portanto, sem condições para seu auto-sustento e sem trabalho
lógica, sem terem consciência desse mecanismo. Em línguas dierentes, tendo cultura, tradições e religiões no campo, que começava a ser eito pelos imigrantes.
consequência, a vida coletiva, assim como a vida psíqui- diversas, os negros tinham portanto a comunicação e Dadas suas condições de vida, oram comparados a
ca dos indivíduos e dos grupos sociais constituem um a organização entre os semelhantes dicultadas, o que animais e vistos como incompetentes, preguiçosos e
complexo processo que não corresponde a uma relação avorecia o controle dos senhores de escravos. A acul- indolentes, quando comparados aos europeus que para
causal simples, mecanicista, empírica, mas depende dos cá vieram trabalhar. Restava aos negros o trabalho do-
mais diversos atores. méstico, situação que perpetuava a imagem anterior,
As representações sociais uncionam como uma 1. ALENCAR, Chico (org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: em que o negro, tal como besta era domesticada, tra-
rede onde as malhas estabelecem os domínios das ex- Garamond, 2001, pg. 24. balhava em troca de ração.
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dossiê temático

Embora juridicamente capazes de ocupar um espa- Negar e anular o próprio corpo nos torna o su-
ço na sociedade, os negros eram, de ato, dela excluídos  jeito “outro”, visto que só existimos como sujeitos em
e impedidos de desrutar de qualquer beneício social; relação ao outro, à alteridade; portanto, ser sujeito é
oram marginalizados, estigmatizados, marcados pela ser outro, e ser o outro é não ser o próprio sujeito, no
cor que os dierenciava e discriminados por tudo quan- caso do negro.
to essa marca pudesse representar.
Desde essa época, livres do cativeiro, mas jamais
da condição de escravos, de um estigma, os negros têm
sorido toda sorte de discriminação que tem como base
o Que soMos
a ideia de que são seres ineriores e, portanto, não me- Nós, NegRos?
recedores de possibilidades sociais iguais.
O negro pode ser consciente de sua condição, das Ser branco signica uma condição genérica: ser branco
implicações histórico-políticas do racismo, mas isso constitui o elemento não marcado, o neutro da huma-
não impede que ele seja aetado pelas marcas que a re- nidade. Nasce em nós, portanto, o desejo de “brancu- racistas que parecem grotescas, absurdas, totalmente O preconceito é próprio da natureza humana, é
alidade sócio-cultural do racismo deixaram inscritas ra”. A brancura, vista da perspectiva do olhar do negro incabíveis legalmente − já que criminosas, em termos aquilo que me dierencia do outro; a discriminação é
em sua psique. oprimido, transcende qualquer alha do branco; a bran- de “direitos civis” − é mais orte que ele: o negro acaba aquilo que pretensamente autoriza o indivíduo à exclu-
Sabemos que as condições sócio-econômicas e a cura se contrapõe ao mito negro. A ideologia racial, sempre por sucumbir a todo um processo inconsciente são do outro, com base na biologia de conhecimento
ideologia moldam as estruturas psíquicas dos homens. portanto, se unda e se estrutura na condição univer- que, alheio à sua vontade, entrará em ação. cientíco; o racismo é a expressão violenta da discri-
al processo não é imediatamente vericável, pois as sal e essencial da brancura, como única via possível de Como seres humanos, contraditórios e instáveis, minação, onde o indivíduo se autoriza à eliminação do
representações psíquicas não são puro reexo das con- acesso ao mundo. temos a capacidade de estabelecer princípios, leis e outro. Estarmos cientes dessas dierenças é importante
dições objetivas. Suas estruturas psíquicas são contami- Embora o negro saiba que sua condição é o resul- declarações e também a capacidade de contradizê-los, para que, enquanto prossionais, não importando a
nadas pelas condições objetivas - que recebem no plano tado das atitudes racistas e irracionais dos brancos, o pois nossas reações são relativas à demanda de um dado área especíca de atuação e conhecimento, estejamos
inconsciente elaboração própria - a partir das quais são ideal de brancura permanece. A “brancura” passa a ser momento histórico e econômico. Faz parte da natureza conscientes de que nenhum de nós existe à parte das
assimiladas e incorporadas, tornando-os sujeitos cati- parâmetro de pureza artística, nobreza estética, majes- do ser humano o preconceito, sentimento ormado sem estruturas de poder e dominação.
 vos e mantenedores de tais condições. tade moral, sabedoria cientíca, etc. Assim, o branco suciente conhecimento, mas orte o bastante para que,
É o que analiticamente (para a psicanálise) se dá encarna todas as virtudes, a maniestação da razão, do de maneira apaixonada, cada qual deenda sua cultura
no processo de identicação, em que o sujeito intro- espírito e das ideias: a cultura, a civilização, isto é, a pró-
 jeta, parcial ou totalmente, através da imitação ou da pria “humanidade”. É evidentemente conuso esse pro-
como a melhor orma de organização social. É eviden-
te que essa deesa apaixonada se dá por comparação,
RefeRêNcias
incorporação, o objeto amado ou odiado, ou ambas cesso psicológico da ordem do inconsciente, pelo qual onde as dierenças e semelhanças são negadas, enquan- BiBliogRáficas
as coisas simultaneamente, reagindo, assim, ao amor os negros passam; ser sujeito no outro, signica não ser to diversidades e especicidades da outra cultura. E o
ou ódio pela incorporação das propriedades do obje- o real do seu próprio corpo, que deve ser negado, para critério para a compreensão passa a ser o da superio-
to. Esse mecanismo é o que a psicanálise caracteriza que se possa ser o outro. Mas esta imagem de si, orjada ridade ou inerioridade que, supostamente baseadas ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. extos de
como a identicação com o agressor, que desta orma na relação com o outro − e no ideal de brancura − não em “conhecimentos cientícos”, passam a garantir essa Frei Betto, Nilton Bonder, Jorge Werthein, Luis
é internalizado; não se az necessária a presença ísica só não guarda nenhuma semelhança com o real de seu dierença pela “desconstrução” da outra cultura. Isto, Eduardo Soares, Arthur Dapieve, D. Pedro Ca-
do agressor, o negro passa a se auto-rejeitar. corpo próprio, mas é por este negada, estabelecendo-se que a princípio seria natural no ser humano, pode e saldaliga, Graciela Rodriguez. Rio de Janeiro:
O “ser negro” corresponde a uma categoria inclu- aí uma conusão entre o real e o imaginário. na maioria das vezes acaba por atravessar os limites da Garamond.
ída em um código social que se expressa dentro de um Esse processo despersonaliza e transorma o sujei- diversidade, resultando no que seria a base do racismo, NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Signicações do corpo
campo etnossemântico onde o signicante “cor negra” to em um autômato: ele se paralisa e se coloca à mercê expressão violenta da dierença que parte da descons- negro. ese (Doutorado em Psicologia) – Univer-
encerra vários signicados. da vontade do outro. O sujeito, assim ragilizado, en- trução e da eliminação do outro, baseado na suposta sidade de São Paulo, 1998.
O signo “negro” remete não só às posições sociais  vergonhado de si, se vê exposto a uma situação em que inerioridade de certas etnias. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças, cien-
ineriores mas, também, a características biológicas nada separa o real do imaginário, as antasias estão, O intuito, nesta breve reexão acerca de questões tistas, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-
supostamente aquém do valor das propriedades bioló- simultaneamente, dentro e ora, tão complexas quanto essas que envolvem a discrimina- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
gicas atribuídas aos brancos. Se o que constitui o sujeito É justamente porque o racismo não se ormula ção em relação aos negros, seus sentidos e signicados, SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Identidade, povo e
é o olhar do outro, como ca o negro que se conronta explicitamente, mas antes sobrevive em um devir in- oi o de contribuir enquanto psicanalista, com a expla- mídia no Brasil . Petrópolis: Vozes, 2000.
com o olhar do outro, que mostra reconhecer nele o terminável, enquanto uma possibilidade virtual, que o nação do modo como a realidade sócio-histórico-cultu- VENURI, Gustavo; URRA, Cleusa. (Orgs.) Racismo
signicado que a pele negra traz enquanto signicante? terror de possíveis ataques (de qualquer natureza, des- ral do racismo e da discriminação se inscreve na psique cordial, a mais completa análise sobre o preconceito
Resta ao negro, para além de seus antasmas, ine- de ísica a psíquica) por parte dos brancos, cria para o do negro. Visto que costumamos, via de regra, conun- de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
rentes ao ser humano, o desejo de recusar esse signi- negro uma angústia que se xa na realidade exterior e dir preconceito, discriminação e racismo, utilizando
cante, que representa o signicado que ele tenta negar, se impõe inexoravelmente. esses termos como se tivessem um só signicado, penso
negando-se dessa orma a si mesmo, pela negação do Ainda que lançando mão de um arsenal racio- que seja adequado nos lembrarmos que cada um desses
próprio corpo. nal lógico, o negro possa desconsiderar tais ameaças termos determina e demanda dierentes sentidos.
12 13
dossiê temático

Embora juridicamente capazes de ocupar um espa- Negar e anular o próprio corpo nos torna o su-
ço na sociedade, os negros eram, de ato, dela excluídos  jeito “outro”, visto que só existimos como sujeitos em
e impedidos de desrutar de qualquer beneício social; relação ao outro, à alteridade; portanto, ser sujeito é
oram marginalizados, estigmatizados, marcados pela ser outro, e ser o outro é não ser o próprio sujeito, no
cor que os dierenciava e discriminados por tudo quan- caso do negro.
to essa marca pudesse representar.
Desde essa época, livres do cativeiro, mas jamais
da condição de escravos, de um estigma, os negros têm
sorido toda sorte de discriminação que tem como base
o Que soMos
a ideia de que são seres ineriores e, portanto, não me- Nós, NegRos?
recedores de possibilidades sociais iguais.
O negro pode ser consciente de sua condição, das Ser branco signica uma condição genérica: ser branco
implicações histórico-políticas do racismo, mas isso constitui o elemento não marcado, o neutro da huma-
não impede que ele seja aetado pelas marcas que a re- nidade. Nasce em nós, portanto, o desejo de “brancu- racistas que parecem grotescas, absurdas, totalmente O preconceito é próprio da natureza humana, é
alidade sócio-cultural do racismo deixaram inscritas ra”. A brancura, vista da perspectiva do olhar do negro incabíveis legalmente − já que criminosas, em termos aquilo que me dierencia do outro; a discriminação é
em sua psique. oprimido, transcende qualquer alha do branco; a bran- de “direitos civis” − é mais orte que ele: o negro acaba aquilo que pretensamente autoriza o indivíduo à exclu-
Sabemos que as condições sócio-econômicas e a cura se contrapõe ao mito negro. A ideologia racial, sempre por sucumbir a todo um processo inconsciente são do outro, com base na biologia de conhecimento
ideologia moldam as estruturas psíquicas dos homens. portanto, se unda e se estrutura na condição univer- que, alheio à sua vontade, entrará em ação. cientíco; o racismo é a expressão violenta da discri-
al processo não é imediatamente vericável, pois as sal e essencial da brancura, como única via possível de Como seres humanos, contraditórios e instáveis, minação, onde o indivíduo se autoriza à eliminação do
representações psíquicas não são puro reexo das con- acesso ao mundo. temos a capacidade de estabelecer princípios, leis e outro. Estarmos cientes dessas dierenças é importante
dições objetivas. Suas estruturas psíquicas são contami- Embora o negro saiba que sua condição é o resul- declarações e também a capacidade de contradizê-los, para que, enquanto prossionais, não importando a
nadas pelas condições objetivas - que recebem no plano tado das atitudes racistas e irracionais dos brancos, o pois nossas reações são relativas à demanda de um dado área especíca de atuação e conhecimento, estejamos
inconsciente elaboração própria - a partir das quais são ideal de brancura permanece. A “brancura” passa a ser momento histórico e econômico. Faz parte da natureza conscientes de que nenhum de nós existe à parte das
assimiladas e incorporadas, tornando-os sujeitos cati- parâmetro de pureza artística, nobreza estética, majes- do ser humano o preconceito, sentimento ormado sem estruturas de poder e dominação.
 vos e mantenedores de tais condições. tade moral, sabedoria cientíca, etc. Assim, o branco suciente conhecimento, mas orte o bastante para que,
É o que analiticamente (para a psicanálise) se dá encarna todas as virtudes, a maniestação da razão, do de maneira apaixonada, cada qual deenda sua cultura
no processo de identicação, em que o sujeito intro- espírito e das ideias: a cultura, a civilização, isto é, a pró-
 jeta, parcial ou totalmente, através da imitação ou da pria “humanidade”. É evidentemente conuso esse pro-
como a melhor orma de organização social. É eviden-
te que essa deesa apaixonada se dá por comparação,
RefeRêNcias
incorporação, o objeto amado ou odiado, ou ambas cesso psicológico da ordem do inconsciente, pelo qual onde as dierenças e semelhanças são negadas, enquan- BiBliogRáficas
as coisas simultaneamente, reagindo, assim, ao amor os negros passam; ser sujeito no outro, signica não ser to diversidades e especicidades da outra cultura. E o
ou ódio pela incorporação das propriedades do obje- o real do seu próprio corpo, que deve ser negado, para critério para a compreensão passa a ser o da superio-
to. Esse mecanismo é o que a psicanálise caracteriza que se possa ser o outro. Mas esta imagem de si, orjada ridade ou inerioridade que, supostamente baseadas ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. extos de
como a identicação com o agressor, que desta orma na relação com o outro − e no ideal de brancura − não em “conhecimentos cientícos”, passam a garantir essa Frei Betto, Nilton Bonder, Jorge Werthein, Luis
é internalizado; não se az necessária a presença ísica só não guarda nenhuma semelhança com o real de seu dierença pela “desconstrução” da outra cultura. Isto, Eduardo Soares, Arthur Dapieve, D. Pedro Ca-
do agressor, o negro passa a se auto-rejeitar. corpo próprio, mas é por este negada, estabelecendo-se que a princípio seria natural no ser humano, pode e saldaliga, Graciela Rodriguez. Rio de Janeiro:
O “ser negro” corresponde a uma categoria inclu- aí uma conusão entre o real e o imaginário. na maioria das vezes acaba por atravessar os limites da Garamond.
ída em um código social que se expressa dentro de um Esse processo despersonaliza e transorma o sujei- diversidade, resultando no que seria a base do racismo, NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Signicações do corpo
campo etnossemântico onde o signicante “cor negra” to em um autômato: ele se paralisa e se coloca à mercê expressão violenta da dierença que parte da descons- negro. ese (Doutorado em Psicologia) – Univer-
encerra vários signicados. da vontade do outro. O sujeito, assim ragilizado, en- trução e da eliminação do outro, baseado na suposta sidade de São Paulo, 1998.
O signo “negro” remete não só às posições sociais  vergonhado de si, se vê exposto a uma situação em que inerioridade de certas etnias. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças, cien-
ineriores mas, também, a características biológicas nada separa o real do imaginário, as antasias estão, O intuito, nesta breve reexão acerca de questões tistas, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-
supostamente aquém do valor das propriedades bioló- simultaneamente, dentro e ora, tão complexas quanto essas que envolvem a discrimina- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
gicas atribuídas aos brancos. Se o que constitui o sujeito É justamente porque o racismo não se ormula ção em relação aos negros, seus sentidos e signicados, SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Identidade, povo e
é o olhar do outro, como ca o negro que se conronta explicitamente, mas antes sobrevive em um devir in- oi o de contribuir enquanto psicanalista, com a expla- mídia no Brasil . Petrópolis: Vozes, 2000.
com o olhar do outro, que mostra reconhecer nele o terminável, enquanto uma possibilidade virtual, que o nação do modo como a realidade sócio-histórico-cultu- VENURI, Gustavo; URRA, Cleusa. (Orgs.) Racismo
signicado que a pele negra traz enquanto signicante? terror de possíveis ataques (de qualquer natureza, des- ral do racismo e da discriminação se inscreve na psique cordial, a mais completa análise sobre o preconceito
Resta ao negro, para além de seus antasmas, ine- de ísica a psíquica) por parte dos brancos, cria para o do negro. Visto que costumamos, via de regra, conun- de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
rentes ao ser humano, o desejo de recusar esse signi- negro uma angústia que se xa na realidade exterior e dir preconceito, discriminação e racismo, utilizando
cante, que representa o signicado que ele tenta negar, se impõe inexoravelmente. esses termos como se tivessem um só signicado, penso
negando-se dessa orma a si mesmo, pela negação do Ainda que lançando mão de um arsenal racio- que seja adequado nos lembrarmos que cada um desses
próprio corpo. nal lógico, o negro possa desconsiderar tais ameaças termos determina e demanda dierentes sentidos.
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dossiê temático

pErsonagEns Em
posiçõEs hipotéticas:
consumo, corpo
E subjEtivação na ResuMo aBstRact
cultura das mídias Este trabalho trata das relações que três personagens emininas
colhidas da literatura estabelecem com a cultura midiática em
Tis article deals with the dialogue that three emale characters
 rom literature - Pecola, Macabéa and Claudia - have with the
que estão imersas. Nos dois romances analisados, as relações que media culture in which they are immersed. In both novels chosen,
Pecola, Macabéa e Claudia travam com o mundo do consumo e the relations that these young women establish with the world o 
com os discursos hegemônicos da mídia para o corpo mostram- consumption and the hegemonic discourses about the bodies are
lauRa guiMaRÃes -se centrais para a constituição de suas subjetividades e do modo central to the constitution o their subjectivities and to the way 
coRRêa como se colocam diante de si mesmas, do outro e da sociedade. they see themselves in society. o reect upon these relations and 
Para a discussão sobre essas relações e seus desdobramentos, são their ramications, we apply Stuart Hall’s concept o the three hy-
Professora adjunta do curso de Comu- utilizadas as três posições hipotéticas de decodicação propostas  pothetical positions or the reader. We also consider Judith Butler´s
nicação Social da UFMG. Integra o GRIS por Stuart Hall, assim como as reexões de Judith Butler sobre concept o “bodies that matter” as an important approach to de-
(Grupos de Pesquisa em Imagem e Socia- os “corpos que pesam”. velop this theme.
bilidade) e o GrisPop (Grupo de pesquisa
sobre interações miditicas e prticas
culturais contemporâneas), na UFMG. Palavras chave: mídia, consumo, corpo, subjetividade. Key words: midia, consumption, body, subjectivity.

do romance O olho mais azul , escrito pela estaduni- mostra-se undamental para a reexão sobre os pro-
iNtRoduÇÃo dense oni Morrison, e Macabéa, protagonista d’ A hora cessos identitários.
da estrela, de Clarice Lispector. A relação que as três Mesmo considerando a prolieração e a complexi-
 jovens estabelecem com os produtos e as guras da mí- dade dos discursos midiáticos, assim como sua natu-
Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas dia é central para a constituição de suas subjetividades reza agonística, podemos dizer que, ainda assim, estes
mim, preciso dos outros para me manter de pé, e do modo como se colocam diante de si mesmas, do tendem a ser normativos e a operar com representações
tão tonto que sou, eu enviesado (...). outro e da sociedade. hegemônicas já solidicadas, com estereótipos, com
Rodrigo S. M., o narrador d’ A Hora da Estrela situações-padrão. Para Stuart Hall, o ponto de vista
hegemônico é aquele
A edição d’ A Hora da Estrela que tenho em mãos, de
1999, traz, além do nome da autora e do título da obra,
uma imagem que não ocupa mais que um quarto da
sujeito e discuRsos (a) que dene dentro de seus termos o horizonte men-
tal, o universo de signicados possíveis e de todo um
capa. Em técnica mista, essa imagem mostra, em pri- Midiáticos setor de relações em uma sociedade ou cultura, e (b)
meiro plano, a gura de uma jovem de olhos echados que carrega consigo o selo da legitimidade – parece
que ouve rádio, com um varal de roupas e uma paisa- Partimos da premissa de que o sujeito é construído coincidir com o que é ‘natural’, ‘inevitável’ ou ‘óbvio’ a
gem urbana ao undo. O olhar mais atento vai descobrir nas relações estabelecidas com os outros sujeitos. O respeito da ordem social. (HALL, 2003, p.401)
que os prédios são eitos de colunas de jornal e que o processo de subjetivação só pode ser entendido dentro
rádio tem um inesperado nariz. Macabéa, a moça re- da sociedade, quando o indivíduo se conronta com os O autor acredita que em toda sociedade existem
presentada na capa, protagonista do romance de Clarice  valores e as instituições sociais - esse sistema de sig- sentidos dominantes ou  preerenciais , que organizam
Lispector, está envolta pela mídia. O rádio, na concep- nicações eito de códigos e rituais que dá sentido à domínios discursivos através de códigos sociais. As-
ção da ilustradora, tem vida. A moça aconchega-se ao  vida do ser humano, que nos situa e nos constitui como sim, Hall entende que a leitura dos produtos midiá-
aparelho humanizado e quase sorri, como num namo- sujeitos e agentes da vida social. ticos pode ser classicada de acordo com o grau de
ro. Os prédios da pequena ilustração têm palavras, têm Nas interações comunicativas que se estabelecem concordância ou de adesão aos sentidos preerenciais,
sentido. As peças no varal – um vestido, um terno, um nos contatos com a mídia, cada sujeito interpreta os uma vez que, no processo comunicacional, “não existe
lençol - parecem dançar. Na capa do livro, o mundo discursos de acordo com sua história, sua cultura, sua uma necessária correspondência entre codicação e
urbano e midiático em que Macabéa se encontra tem  visão de mundo. Os sujeitos produzem e reproduzem decodicação” (Hall, 2003, p. 399-400), isto é: na troca
signicados, recados e aetos, encarnados em coisas os discursos da mídia, em permanente estado de movi- comunicativa, não há garantias de que aquilo que se
antes inanimadas. mento e tensão. Na conormação discursiva da comu- diz/escreve/mostra será recebido exatamente como se
A proposta deste trabalho é pensar o diálogo que se nicação midiática, valores, corpos, ideias e padrões de esperava no momento da codicação. Há várias articu-
dá entre três personagens emininas e a cultura midiáti- comportamento são propostos, negociados, construí- lações possíveis para a combinação entre a codicação
ca na qual elas estão inseridas. As personagens literárias dos. Portanto, a atenção às interações dos indivíduos e a decodicação de produtos da comunicação. Em
escolhidas para instigar a reexão são Claudia e Pecola, e grupos da sociedade com os dispositivos da mídia sua análise de produtos jornalísticos televisivos, Hall
15
dossiê temático

pErsonagEns Em
posiçõEs hipotéticas:
consumo, corpo
E subjEtivação na ResuMo aBstRact
cultura das mídias Este trabalho trata das relações que três personagens emininas
colhidas da literatura estabelecem com a cultura midiática em
Tis article deals with the dialogue that three emale characters
 rom literature - Pecola, Macabéa and Claudia - have with the
que estão imersas. Nos dois romances analisados, as relações que media culture in which they are immersed. In both novels chosen,
Pecola, Macabéa e Claudia travam com o mundo do consumo e the relations that these young women establish with the world o 
com os discursos hegemônicos da mídia para o corpo mostram- consumption and the hegemonic discourses about the bodies are
lauRa guiMaRÃes -se centrais para a constituição de suas subjetividades e do modo central to the constitution o their subjectivities and to the way 
coRRêa como se colocam diante de si mesmas, do outro e da sociedade. they see themselves in society. o reect upon these relations and 
Para a discussão sobre essas relações e seus desdobramentos, são their ramications, we apply Stuart Hall’s concept o the three hy-
Professora adjunta do curso de Comu- utilizadas as três posições hipotéticas de decodicação propostas  pothetical positions or the reader. We also consider Judith Butler´s
nicação Social da UFMG. Integra o GRIS por Stuart Hall, assim como as reexões de Judith Butler sobre concept o “bodies that matter” as an important approach to de-
(Grupos de Pesquisa em Imagem e Socia- os “corpos que pesam”. velop this theme.
bilidade) e o GrisPop (Grupo de pesquisa
sobre interações miditicas e prticas
culturais contemporâneas), na UFMG. Palavras chave: mídia, consumo, corpo, subjetividade. Key words: midia, consumption, body, subjectivity.

do romance O olho mais azul , escrito pela estaduni- mostra-se undamental para a reexão sobre os pro-
iNtRoduÇÃo dense oni Morrison, e Macabéa, protagonista d’ A hora cessos identitários.
da estrela, de Clarice Lispector. A relação que as três Mesmo considerando a prolieração e a complexi-
 jovens estabelecem com os produtos e as guras da mí- dade dos discursos midiáticos, assim como sua natu-
Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas dia é central para a constituição de suas subjetividades reza agonística, podemos dizer que, ainda assim, estes
mim, preciso dos outros para me manter de pé, e do modo como se colocam diante de si mesmas, do tendem a ser normativos e a operar com representações
tão tonto que sou, eu enviesado (...). outro e da sociedade. hegemônicas já solidicadas, com estereótipos, com
Rodrigo S. M., o narrador d’ A Hora da Estrela situações-padrão. Para Stuart Hall, o ponto de vista
hegemônico é aquele
A edição d’ A Hora da Estrela que tenho em mãos, de
1999, traz, além do nome da autora e do título da obra,
uma imagem que não ocupa mais que um quarto da
sujeito e discuRsos (a) que dene dentro de seus termos o horizonte men-
tal, o universo de signicados possíveis e de todo um
capa. Em técnica mista, essa imagem mostra, em pri- Midiáticos setor de relações em uma sociedade ou cultura, e (b)
meiro plano, a gura de uma jovem de olhos echados que carrega consigo o selo da legitimidade – parece
que ouve rádio, com um varal de roupas e uma paisa- Partimos da premissa de que o sujeito é construído coincidir com o que é ‘natural’, ‘inevitável’ ou ‘óbvio’ a
gem urbana ao undo. O olhar mais atento vai descobrir nas relações estabelecidas com os outros sujeitos. O respeito da ordem social. (HALL, 2003, p.401)
que os prédios são eitos de colunas de jornal e que o processo de subjetivação só pode ser entendido dentro
rádio tem um inesperado nariz. Macabéa, a moça re- da sociedade, quando o indivíduo se conronta com os O autor acredita que em toda sociedade existem
presentada na capa, protagonista do romance de Clarice  valores e as instituições sociais - esse sistema de sig- sentidos dominantes ou  preerenciais , que organizam
Lispector, está envolta pela mídia. O rádio, na concep- nicações eito de códigos e rituais que dá sentido à domínios discursivos através de códigos sociais. As-
ção da ilustradora, tem vida. A moça aconchega-se ao  vida do ser humano, que nos situa e nos constitui como sim, Hall entende que a leitura dos produtos midiá-
aparelho humanizado e quase sorri, como num namo- sujeitos e agentes da vida social. ticos pode ser classicada de acordo com o grau de
ro. Os prédios da pequena ilustração têm palavras, têm Nas interações comunicativas que se estabelecem concordância ou de adesão aos sentidos preerenciais,
sentido. As peças no varal – um vestido, um terno, um nos contatos com a mídia, cada sujeito interpreta os uma vez que, no processo comunicacional, “não existe
lençol - parecem dançar. Na capa do livro, o mundo discursos de acordo com sua história, sua cultura, sua uma necessária correspondência entre codicação e
urbano e midiático em que Macabéa se encontra tem  visão de mundo. Os sujeitos produzem e reproduzem decodicação” (Hall, 2003, p. 399-400), isto é: na troca
signicados, recados e aetos, encarnados em coisas os discursos da mídia, em permanente estado de movi- comunicativa, não há garantias de que aquilo que se
antes inanimadas. mento e tensão. Na conormação discursiva da comu- diz/escreve/mostra será recebido exatamente como se
A proposta deste trabalho é pensar o diálogo que se nicação midiática, valores, corpos, ideias e padrões de esperava no momento da codicação. Há várias articu-
dá entre três personagens emininas e a cultura midiáti- comportamento são propostos, negociados, construí- lações possíveis para a combinação entre a codicação
ca na qual elas estão inseridas. As personagens literárias dos. Portanto, a atenção às interações dos indivíduos e a decodicação de produtos da comunicação. Em
escolhidas para instigar a reexão são Claudia e Pecola, e grupos da sociedade com os dispositivos da mídia sua análise de produtos jornalísticos televisivos, Hall
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dossiê temático

(2003) identica três posições hipotéticas de leitura. Na para a imagem de emple, para o lugar da vida pereita, saída encontrada por esse sujeito destituído de todos causa - da experiência de um cotidiano triste durante
primeira delas, há concordância rente ao sentido he- tão distante de seu cotidiano de pobreza, violência e os atributos propagandeados pelos discursos hegemô- o dia, Macabéa se apoia na vida harmoniosa do cinema
gemônico conotado. Na segunda hipótese, a do código abuso. Há uma contemplação que extrapola o mundo nicos da mídia oi a identicação e a admiração rente e da publicidade à noite:
negociado, as denições hegemônicas são aceitas, mas ísico – o leite que ela toma da xícara é o que menos às imagens idealizadas que lhe eram oerecidas: uma
o/a receptor/a cria suas próprias regras para decodi- alimenta: ela bebe simbolicamente Shirley emple e sua solução aparentemente contraditória, mas que, anco- odas as madrugadas ligava o rádio emprestado por
car a mensagem. No terceiro caso, a leitura é oposta, promessa de elicidade. Mas trata-se de um sonho que rada na esera da antasia, oerecia pouca possibilidade uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem
contestatória: reconhece o sentido hegemônico, mas tranquiliza e destrói ao mesmo tempo. Pecola deseja de negação ou de rustração, ao contrário do seu árduo baixinho para não acordar as outras, ligava invaria-
discorda deste. então deixar de ser. De que matéria-prima ela podia cotidiano. Por m, Pecola resolve ter olhos azuis e pro-  velmente para a Rádio Relógio, que dava ‘hora certa
Nossa proposta neste artigo é utilizar as categorias dispor para a construção de sua subjetividade, se tudo cura o charlatão que supostamente poderia realizar tal e cultura’, e nen huma música, só pingava em som de
criadas por Hall para pensar a apreensão, a leitura e o o que era valorizado na esera midiática e na sociedade sonho: gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E
consumo, por nossas anti-heroínas, de outros tipos de em que vivia lhe era contrário? Pecola azia orça para sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos
produtos culturais: estrelas de cinema, anúncios publi- desaparecer: Aquele era o pedido mais antástico e, ao mesmo tem- entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comer-
citários, programas de rádio, objetos industrializados. po, o mais lógico que já lhe tinham eito. Ali estava uma ciais – ela adorava anúncios. (LISPEC OR, 1999, p.37)
“Por avor, Deus.”, sussurrou na palma da mão, “por menina eia pedindo beleza. (...) Uma menina negra
avor, me aça desaparecer”. Fechou os olhos com orça. que desejava alçar-se para ora do osso de sua negri- E por que Macabéa adorava anúncios? Provavel-
pecola e shiRley teMple Pequenas partes do seu corpo se apagaram. Ora lenta-
mente, ora de chore. Lentamente de novo. Sumiram os
tude e ver o mundo com olhos azuis. (MORRISON, mente pelo mundo próprio que criam, pela promessa
2003, p.175). de elicidade guardada em um produto, por interpelar
– a coNteMplaÇÃo do dedos um por um. Depois os braços até os cotovelos. a ouvinte com a intimidade e o carinho que lhe altam
oposto ideal Os pés agora. Sim, era bom aquilo. As pernas, de uma É possível azer aqui, em Pecola, uma comparação na vida real, por transportá-la para longe dali. Segundo
 vez só. Acima das coxas era mais diícil. Ela precisava direta com a posição hegemônico-dominante descrita Joan Scott (1999, p. 27), “não são os indivíduos que
No romance O Olho mais Azul , oni Morrison escreve car completamente imóvel e azer orça. O estômago por Stuart Hall (2003, p. 400), “quando o telespectador têm experiência, mas os sujeitos é que são constituí-
sobre a realidade dura de personagens negros e pobres não ia. Mas, por m, também desapareceu. Depois o se apropria do sentido conotado (...) de orma direta e dos através da experiência.” Macabéa tem experiências
nos Estados Unidos dos anos 1940. No centro da histó- peito, o pescoço. O rosto também era diícil. Quase lá, integral, e decodica a mensagem nos termos do có- constituintes de sua subjetividade quando se relaciona
ria está Pecola Breedlove, menina de doze anos que se quase. Só restavam os olhos, bem, bem apertados. Eram digo reerencial no qual ela oi codicada, podemos com esses produtos midiáticos.
encontra dentro (e ora) de uma amília completamente sempre os olhos que sobravam. Por mais que tentasse, dizer que o telespectador está operando dentro do códi- Como prática social institucionalizada, a publici-
desestruturada. Para o olhar hegemônico daquela épo- nunca conseguia azer os olhos desaparecerem. (MOR-  go dominante.” Pecola não questiona o ideal de beleza, dade é um sistema cultural e simbólico que organiza
ca e lugar – que não se mostra muito dierente hoje e RISON, 2003, p.52) que é lido como natural, óbvio, incontestável, absoluto. sentidos, oerece classiicações, gera identiicações,
aqui -, Pecola vale menos, de qualquer ângulo que se Ela decodica as mensagens da mídia com aceitação, constituindo-se como poder estruturante e, portanto,
olhe. Além da exclusão por ser negra, criança, pobre e Ela nem precisava azer tanta orça assim, p ois já concordância, alinhamento. Mas aceitar desse modelo como um dos sistemas de construção da realidade con-
mulher, Pecola é descrita como uma menina muito eia, era praticamente invisível. Nas palavras da narradora, requer a não aceitação de si mesma. Não há contradição temporânea. Os discursos publicitários atingem a todos
de uma eiúra que se conundia com todos os outros “como alguém poderia ver uma menina negra?” (MOR- na sua recepção das imagens da mídia, mas, dessa or- os que estão expostos a ele, tenham ou não a necessi-
motivos para que ela osse ridicularizada, desrespeitada RISON, 2003, p.52). ma, a menina negra anula seu próprio corpo. Para lidar dade ou as condições de consumir o produto ou ser-
ou simplesmente ignorada. Em sua ragilidade, Peco- De acordo com as ideias que Judith Butler (1999) com as consequências dos abusos soridos, em todas as  viço anunciado. Além desse aspecto disseminador, há
la apoia-se numa antasia de admiração pela menina apresenta em Corpos que pesam, há normas no discurso eseras, Pecola cria uma imagem de si descolada da rea- ainda uma pesada carga simbólica, uma extensa gama
pereita dos musicais do cinema americano: rica, bela, de dominação que traçam a linha entre aqueles seres lidade insuportável, num processo de dessubjetivação, de signicados, representações e padrões de compor-
talentosa, loira, de olhos azuis. Ela era tudo aquilo que que interessam a uma sociedade e aqueles que podem dissolvendo-se em psicose. A literatura traz aqui uma tamento intrínsecos às imagens e textos publicitários
Pecola não podia ser, ato esse que não a protegia do ser descartados, os que são abjetos. No título original personagem impotente na relação com a amília, com (CORRÊA, 2006).
encantamento: Bodies that matter , a autora explora os dois signicados a sociedade e com os produtos da cultura midiática. As produções de sentido operadas por essa orma
do signicante matter : o verbo importar , no sentido de comunicação mostram-se abundantes e ricas para a
Frieda lhe trouxe quatro bolachas num pires e leite de ter importância, e o substantivo matéria. Assim, a investigação sobre os enômenos sociais e as ideologias
numa xícara branca e azul com a Shirley emple. Ela expressão pode ser lida também como “corpos que im-
demorou longo tempo para tomar o leite, olhando portam”. Pecola estava completamente ora da norma
MacaBÉa e os aNúNcios – que os perpassam. Jean Baudrillard (1995) sugere que
o objetivo primeiro da publicidade não é a promoção
ternamente para a silhueta do rosto com covinhas de reguladora, ela tinha um corpo que não era visto, não a astúcia de uM coNsuMo de vendas. Para o autor, a unção econômica da pu-
Shirley emple. Frieda e ela conversaram, enternecidas, era considerado, quase desmaterializado: um corpo que suBveRsivo blicidade é secundária, isto é, a adesão aos objetos é
sobre como a Shirley emple era li ndinha. (MORRI- não importava. Não importava para as outras pessoas, e apenas uma consequência - desejável, certamente - da
SON, 2003, p.22,23) é exatamente no encontro com o outro que os sujeitos No romance de Clarice Lispector, Macabéa é uma ala- unção global de integração e coesão social através da
são construídos. goana pobre que trabalha como datilógraa numa ci- gloricação da mercadoria e do mito da elicidade e do
Shirley emple habitava um domínio adorado e Os discursos cristalizados da mídia chocavam-se dade grande. em dezenove anos, não tem amília, não bem-estar coletivo na sociedade de consumo.
sacralizado pela mídia: o reino da beleza, da pureza, da contra a realidade em que vivia a personagem Pecola. tem instrução, às vezes não tem o que comer e masca A publicidade representa situações cotidianas
brancura. No romance, essa gura exerce um ascínio A discrepância evidente entre os dois mundos não era, bolinhas de papel. A moça tem uma espécie de namora- como se estas constituíssem experiências memoráveis,
acalentador sobre a personagem. Pecola sorri ao olhar para ela, motivo de revolta ou de tristeza imediata. A do, que a trata mal e a troca pela colega. Apesar - e por completas, únicas. Construídas, otograadas, lma-
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(2003) identica três posições hipotéticas de leitura. Na para a imagem de emple, para o lugar da vida pereita, saída encontrada por esse sujeito destituído de todos causa - da experiência de um cotidiano triste durante
primeira delas, há concordância rente ao sentido he- tão distante de seu cotidiano de pobreza, violência e os atributos propagandeados pelos discursos hegemô- o dia, Macabéa se apoia na vida harmoniosa do cinema
gemônico conotado. Na segunda hipótese, a do código abuso. Há uma contemplação que extrapola o mundo nicos da mídia oi a identicação e a admiração rente e da publicidade à noite:
negociado, as denições hegemônicas são aceitas, mas ísico – o leite que ela toma da xícara é o que menos às imagens idealizadas que lhe eram oerecidas: uma
o/a receptor/a cria suas próprias regras para decodi- alimenta: ela bebe simbolicamente Shirley emple e sua solução aparentemente contraditória, mas que, anco- odas as madrugadas ligava o rádio emprestado por
car a mensagem. No terceiro caso, a leitura é oposta, promessa de elicidade. Mas trata-se de um sonho que rada na esera da antasia, oerecia pouca possibilidade uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem
contestatória: reconhece o sentido hegemônico, mas tranquiliza e destrói ao mesmo tempo. Pecola deseja de negação ou de rustração, ao contrário do seu árduo baixinho para não acordar as outras, ligava invaria-
discorda deste. então deixar de ser. De que matéria-prima ela podia cotidiano. Por m, Pecola resolve ter olhos azuis e pro-  velmente para a Rádio Relógio, que dava ‘hora certa
Nossa proposta neste artigo é utilizar as categorias dispor para a construção de sua subjetividade, se tudo cura o charlatão que supostamente poderia realizar tal e cultura’, e nen huma música, só pingava em som de
criadas por Hall para pensar a apreensão, a leitura e o o que era valorizado na esera midiática e na sociedade sonho: gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E
consumo, por nossas anti-heroínas, de outros tipos de em que vivia lhe era contrário? Pecola azia orça para sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos
produtos culturais: estrelas de cinema, anúncios publi- desaparecer: Aquele era o pedido mais antástico e, ao mesmo tem- entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comer-
citários, programas de rádio, objetos industrializados. po, o mais lógico que já lhe tinham eito. Ali estava uma ciais – ela adorava anúncios. (LISPEC OR, 1999, p.37)
“Por avor, Deus.”, sussurrou na palma da mão, “por menina eia pedindo beleza. (...) Uma menina negra
avor, me aça desaparecer”. Fechou os olhos com orça. que desejava alçar-se para ora do osso de sua negri- E por que Macabéa adorava anúncios? Provavel-
pecola e shiRley teMple Pequenas partes do seu corpo se apagaram. Ora lenta-
mente, ora de chore. Lentamente de novo. Sumiram os
tude e ver o mundo com olhos azuis. (MORRISON, mente pelo mundo próprio que criam, pela promessa
2003, p.175). de elicidade guardada em um produto, por interpelar
– a coNteMplaÇÃo do dedos um por um. Depois os braços até os cotovelos. a ouvinte com a intimidade e o carinho que lhe altam
oposto ideal Os pés agora. Sim, era bom aquilo. As pernas, de uma É possível azer aqui, em Pecola, uma comparação na vida real, por transportá-la para longe dali. Segundo
 vez só. Acima das coxas era mais diícil. Ela precisava direta com a posição hegemônico-dominante descrita Joan Scott (1999, p. 27), “não são os indivíduos que
No romance O Olho mais Azul , oni Morrison escreve car completamente imóvel e azer orça. O estômago por Stuart Hall (2003, p. 400), “quando o telespectador têm experiência, mas os sujeitos é que são constituí-
sobre a realidade dura de personagens negros e pobres não ia. Mas, por m, também desapareceu. Depois o se apropria do sentido conotado (...) de orma direta e dos através da experiência.” Macabéa tem experiências
nos Estados Unidos dos anos 1940. No centro da histó- peito, o pescoço. O rosto também era diícil. Quase lá, integral, e decodica a mensagem nos termos do có- constituintes de sua subjetividade quando se relaciona
ria está Pecola Breedlove, menina de doze anos que se quase. Só restavam os olhos, bem, bem apertados. Eram digo reerencial no qual ela oi codicada, podemos com esses produtos midiáticos.
encontra dentro (e ora) de uma amília completamente sempre os olhos que sobravam. Por mais que tentasse, dizer que o telespectador está operando dentro do códi- Como prática social institucionalizada, a publici-
desestruturada. Para o olhar hegemônico daquela épo- nunca conseguia azer os olhos desaparecerem. (MOR-  go dominante.” Pecola não questiona o ideal de beleza, dade é um sistema cultural e simbólico que organiza
ca e lugar – que não se mostra muito dierente hoje e RISON, 2003, p.52) que é lido como natural, óbvio, incontestável, absoluto. sentidos, oerece classiicações, gera identiicações,
aqui -, Pecola vale menos, de qualquer ângulo que se Ela decodica as mensagens da mídia com aceitação, constituindo-se como poder estruturante e, portanto,
olhe. Além da exclusão por ser negra, criança, pobre e Ela nem precisava azer tanta orça assim, p ois já concordância, alinhamento. Mas aceitar desse modelo como um dos sistemas de construção da realidade con-
mulher, Pecola é descrita como uma menina muito eia, era praticamente invisível. Nas palavras da narradora, requer a não aceitação de si mesma. Não há contradição temporânea. Os discursos publicitários atingem a todos
de uma eiúra que se conundia com todos os outros “como alguém poderia ver uma menina negra?” (MOR- na sua recepção das imagens da mídia, mas, dessa or- os que estão expostos a ele, tenham ou não a necessi-
motivos para que ela osse ridicularizada, desrespeitada RISON, 2003, p.52). ma, a menina negra anula seu próprio corpo. Para lidar dade ou as condições de consumir o produto ou ser-
ou simplesmente ignorada. Em sua ragilidade, Peco- De acordo com as ideias que Judith Butler (1999) com as consequências dos abusos soridos, em todas as  viço anunciado. Além desse aspecto disseminador, há
la apoia-se numa antasia de admiração pela menina apresenta em Corpos que pesam, há normas no discurso eseras, Pecola cria uma imagem de si descolada da rea- ainda uma pesada carga simbólica, uma extensa gama
pereita dos musicais do cinema americano: rica, bela, de dominação que traçam a linha entre aqueles seres lidade insuportável, num processo de dessubjetivação, de signicados, representações e padrões de compor-
talentosa, loira, de olhos azuis. Ela era tudo aquilo que que interessam a uma sociedade e aqueles que podem dissolvendo-se em psicose. A literatura traz aqui uma tamento intrínsecos às imagens e textos publicitários
Pecola não podia ser, ato esse que não a protegia do ser descartados, os que são abjetos. No título original personagem impotente na relação com a amília, com (CORRÊA, 2006).
encantamento: Bodies that matter , a autora explora os dois signicados a sociedade e com os produtos da cultura midiática. As produções de sentido operadas por essa orma
do signicante matter : o verbo importar , no sentido de comunicação mostram-se abundantes e ricas para a
Frieda lhe trouxe quatro bolachas num pires e leite de ter importância, e o substantivo matéria. Assim, a investigação sobre os enômenos sociais e as ideologias
numa xícara branca e azul com a Shirley emple. Ela expressão pode ser lida também como “corpos que im-
demorou longo tempo para tomar o leite, olhando portam”. Pecola estava completamente ora da norma
MacaBÉa e os aNúNcios – que os perpassam. Jean Baudrillard (1995) sugere que
o objetivo primeiro da publicidade não é a promoção
ternamente para a silhueta do rosto com covinhas de reguladora, ela tinha um corpo que não era visto, não a astúcia de uM coNsuMo de vendas. Para o autor, a unção econômica da pu-
Shirley emple. Frieda e ela conversaram, enternecidas, era considerado, quase desmaterializado: um corpo que suBveRsivo blicidade é secundária, isto é, a adesão aos objetos é
sobre como a Shirley emple era li ndinha. (MORRI- não importava. Não importava para as outras pessoas, e apenas uma consequência - desejável, certamente - da
SON, 2003, p.22,23) é exatamente no encontro com o outro que os sujeitos No romance de Clarice Lispector, Macabéa é uma ala- unção global de integração e coesão social através da
são construídos. goana pobre que trabalha como datilógraa numa ci- gloricação da mercadoria e do mito da elicidade e do
Shirley emple habitava um domínio adorado e Os discursos cristalizados da mídia chocavam-se dade grande. em dezenove anos, não tem amília, não bem-estar coletivo na sociedade de consumo.
sacralizado pela mídia: o reino da beleza, da pureza, da contra a realidade em que vivia a personagem Pecola. tem instrução, às vezes não tem o que comer e masca A publicidade representa situações cotidianas
brancura. No romance, essa gura exerce um ascínio A discrepância evidente entre os dois mundos não era, bolinhas de papel. A moça tem uma espécie de namora- como se estas constituíssem experiências memoráveis,
acalentador sobre a personagem. Pecola sorri ao olhar para ela, motivo de revolta ou de tristeza imediata. A do, que a trata mal e a troca pela colega. Apesar - e por completas, únicas. Construídas, otograadas, lma-
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dossiê temático

zesse com a boneca: embalá-la, inventar historinhas em


claudia e as cRiaNÇas torno dela, até dormir com ela. Os livros de guras esta-
 vam cheios de garotinhas dormindo com suas bonecas.
adoRáveis – a voNtade (...) Eu cava enojada e secretamente assustada com
de ResistêNcia aqueles olhos redondos imbecis, a cara de panqueca e o
cabelo de minhocas laranjas. (MORRISON, 2003, p.23)
das e impressas, essas situações são perpassadas por cabéa subverte aquilo que recebe. Se Pecola absorvia Claudia é a menina narradora do romance O Olho
demonstrações de sentimentos positivos de ternura, tudo com encantamento e passividade, Macabéa ins- mais Azul . Das três personagens analisadas, é a que Claudia não aceitou a norma de um comporta-
amor, sucesso, alegria. Por mais rustrante que seja a creve sua marca, junta, mistura e rearranja signicados, apresenta mais claramente a surpresa e a indignação mento de gênero que lhe era imposta e que é oere-
relação de Macabéa com seu namorado Olímpico, é dialogando com os discursos e produtos da sociedade por estar ora dos padrões e das normas reguladoras cida repetidamente a crianças – meninas e meninos
na representação de um amor ideal, experimentada no do consumo. estabelecidas pelo discurso hegemônico da sociedade - pelos mais variados discursos. Por ter nascido com
cinema ou na publicidade, que ela se sustenta para viver É possível aqui traçar um paralelo com a versão em que vive. Claudia, pré-adolescente ainda, vê com características ísicas que a azem pertencer à categoria
sua experiência de quase-amor. negociada proposta por Hall: nesse caso, decodicar olhos críticos a exclusão a que são submetidas as pes- discursiva do gênero eminino, Claudia se vê coagida
Além de anúncios, Macabéa gostava de estrelas de soas negras e pobres. Nas mais diversas sociedades, em pelos/as adultos/as e pelas representações nas guras
cinema. “Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa (...) contém uma mistura de elementos de adaptação e constante transormação, podem-se perceber conitos, dos livros a aceitar e interpretar ( to perorm) o papel
mulher deve ser a mulher mais importante do mundo.” de oposição: reconhece a legitimidade das denições conquistas, permanências e avanços dos grupos mino- de mãe. Para Butler, “(...) a perormatividade deve ser
(LISPECOR, 1999, p.64). A ala da personagem Ma- hegemônicas para produzir as grandes signicações ritários na luta por visibilidade e respeito. oni Morri- compreendida não como um ‘ato’ singular ou delibe-
cabéa coincidentemente toca no tema do “corpo que (abstratas) ao passo que, em um nível mais restrito, si- son, a autora do livro, diz através da voz de Claudia de rado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e
importa” quando trata da importânc ia de Greta Gar- tuacional (localizado), az suas próprias regras – un- sua resistência a uma sociedade que não reconhece os citacional pela qual o discurso produz os eeitos que ele
bo, uma gura midiática com extrema visibilidade, ao ciona com as exceções à regra. (HALL, 2003, p.401). grupos marcados pelas dierenças de gênero, classe e et- nomeia.” (BULER, 1999, p. 154). Portanto, o gênero
contrário de Macabéa, que é quase invisível. Garbo, aos nia. A resistência de Claudia ca evidente no desprezo não é um dado, mas é aprendido por meio de constan-
olhos de Macabéa, tem um corpo que vale a pena ser rata-se de uma leitura atravessada por contradi- por um produto industrializado, uma boneca carregada tes repetições de modelos. E um dos mais poderosos
olhado, cuidado, admirado. ções. Longe de tomar qualquer atitude política, Maca- de normas e signicados: modelos representacionais para a mulher é o que liga
A subjetividade de Macabéa é construída por sua béa apenas encontra uma maneira própria de se rela- inexoravelmente a eminilidade à maternidade. Com
experiência rente aos modelos e representações de mu- cionar com os produtos da mídia. O presente grande, especial, dado com muito carinho, clara inspiração beauvoriana, Butler arma que:
lheres ideais, de relações ideais. Mas nota-se na curta É sabido que a publicidade reveste produtos e era sempre uma Baby Doll grande, de olhos azuis. Pela
 vida de Macabéa um espaço de subversão quase diver- serviços de atributos emocionais, sensuais, sensoriais, tagarelice dos adultos, eu sabia que a boneca represen- A garota torna-se uma garota, ela é trazida para o domí-
tida, como estratégia de sobrevivência:  valendo-se do discurso persuasivo e sedutor para atrair tava o que eles pensavam que osse o meu maior dese- nio da linguagem e do parentesco através da interpela-
e conquistar seus públicos. Mas é preciso escapar da  jo. Fiquei pasmada com a coisa e com a aparência que ção do gênero. Mas esse tornar-se garota da garota não
Mas tinha prazeres. Nas rígidas noites, ela, toda estre- armadilha de pensar essa comunicação como unilateral, tinha. (MORRISON, 2003, p.23) termina ali, pelo contrário, essa interpelação undante
mecente sob o lençol de brim, costumava ler à luz de como uma imposição de cima para baixo, em que a é reiterada por várias autoridades, e ao longo de vários
 vela os anúncios que recortava dos jornais velhos do recepção é passiva, e as pessoas são sempre vítimas de É importante lembrar que objetos industrializados, intervalos de tempo, para reorçar ou contestar esse
escritório. É que azia coleção de anúncios. Colava-os manipulação. Louis Quéré (2007), ao alar sobre o ca- como produtos humanos, são embebidos pela cultura. eeito naturalizado. (BULER, 1999, p.161)
no álbum. Havia um anúncio, o mais precioso, que ráter impessoal da experiência, arma que as emoções Os objetos – principalmente brinquedos - carregam
mostrava em cores o pote aberto de um creme para são enômenos públicos, compartilhados e comparti- história e ideologia, são signos e objetivações de cada Para a autora, os sistemas de classicação binária
pele de mulheres que simplesmente não eram ela. lháveis. O que ativa uma experiência emocional não sociedade, nos “alam” através de sua orma, suas cores, impõem modelos culturais de existência do corpo:
Executando o atal cacoete que pegara de piscar os é um sentimento solitário, algo que parte do interior seu ormato (CORRÊA, 2011). O assombro e o descon-
olhos, cava só imaginando com delícia: o creme era do sujeito que é aetado: o engajamento numa situa- tentamento de Claudia rente a esse objeto não estavam A produção discursiva do corpo materno como pré-
tão apetitoso que se tivesse dinheiro para comprá-lo ção, no contato com um produto de comunicação, por apenas na percepção de um racismo representado pelo -discursivo é uma tática de auto-ampliação e ocultação
não seria boba. Que pele, que nada, ela o comeria, isso exemplo, se dá a partir de uma convergência de valores modelo único e normativo de bonecas de olhos azuis, das relações de poder (...). o corpo materno seria en-
sim, às colheradas no pote mesmo. É que lhe altava sociais. Essa adesão consiste numa atividade, num ato mas também pelo modelo de comportamento de gêne- tendido como eeito ou consequência de um sistema de
gordura e seu organismo estava seco que nem saco do sujeito que sore a experiência (DEWEY, 1980). ro que se esperava de uma menina-mulher para com sexualidade em que se exige do corpo eminino que ele
meio vazio de torrada esarelada. ornara-se com o Assim como cremes de beleza não são eitos para uma miniatura plástica de criança: assuma a maternidade como essência do seu eu e lei do
tempo apenas matéria vivente em sua orma primária. se comer, anúncios não oram eitos para serem recor- seu desejo. (BULER, 2003, p.138).
alvez osse assim para se deender da grande tentação tados e colados em álbuns. Ouvir a Rádio Relógio e Eu devia azer o que com aquilo? Fingir que era a mãe?
de ser ineliz de uma vez e ter pena de si. (LISPECOR, colecionar anúncios, esses pequenos recortes de prazer, Eu não tinha interesse por bebês nem pelo conceito Os personagens adultos do romance analisado,
1999, p.38) são ormas encontradas por Macabéa, moça simplória, de maternidade. Estava interessada somente em seres ao presentear Claudia com uma boneca, reiteram uma
para entender e suportar a dura experiência de estar no humanos da minha idade e tamanho, e não conseguia prática, instruem a menina quanto à sua posição e seu
Um ponto importante que dierencia Macabéa de mundo. É através da leitura e (re)criação desses discur- sentir entusiasmo algum ante a perspectiva de ser mãe. comportamento rente à sociedade, isto é, atuam na
Pecola é a maneira particular pela qual a personagem sos da mídia que Macabéa experimenta o mundo e se Maternidade era velhice e outras possibilidades remo- construção de uma subjetividade marcada por gênero e
de Clarice se relaciona com os produtos da mídia. Ma- constrói como sujeito. tas. Mas aprendi depressa o que esperavam que eu - raça. Mas Claudia não adere a essa “verdade”, ela resiste
18 19
dossiê temático

zesse com a boneca: embalá-la, inventar historinhas em


claudia e as cRiaNÇas torno dela, até dormir com ela. Os livros de guras esta-
 vam cheios de garotinhas dormindo com suas bonecas.
adoRáveis – a voNtade (...) Eu cava enojada e secretamente assustada com
de ResistêNcia aqueles olhos redondos imbecis, a cara de panqueca e o
cabelo de minhocas laranjas. (MORRISON, 2003, p.23)
das e impressas, essas situações são perpassadas por cabéa subverte aquilo que recebe. Se Pecola absorvia Claudia é a menina narradora do romance O Olho
demonstrações de sentimentos positivos de ternura, tudo com encantamento e passividade, Macabéa ins- mais Azul . Das três personagens analisadas, é a que Claudia não aceitou a norma de um comporta-
amor, sucesso, alegria. Por mais rustrante que seja a creve sua marca, junta, mistura e rearranja signicados, apresenta mais claramente a surpresa e a indignação mento de gênero que lhe era imposta e que é oere-
relação de Macabéa com seu namorado Olímpico, é dialogando com os discursos e produtos da sociedade por estar ora dos padrões e das normas reguladoras cida repetidamente a crianças – meninas e meninos
na representação de um amor ideal, experimentada no do consumo. estabelecidas pelo discurso hegemônico da sociedade - pelos mais variados discursos. Por ter nascido com
cinema ou na publicidade, que ela se sustenta para viver É possível aqui traçar um paralelo com a versão em que vive. Claudia, pré-adolescente ainda, vê com características ísicas que a azem pertencer à categoria
sua experiência de quase-amor. negociada proposta por Hall: nesse caso, decodicar olhos críticos a exclusão a que são submetidas as pes- discursiva do gênero eminino, Claudia se vê coagida
Além de anúncios, Macabéa gostava de estrelas de soas negras e pobres. Nas mais diversas sociedades, em pelos/as adultos/as e pelas representações nas guras
cinema. “Greta Garbo, pensava ela sem se explicar, essa (...) contém uma mistura de elementos de adaptação e constante transormação, podem-se perceber conitos, dos livros a aceitar e interpretar ( to perorm) o papel
mulher deve ser a mulher mais importante do mundo.” de oposição: reconhece a legitimidade das denições conquistas, permanências e avanços dos grupos mino- de mãe. Para Butler, “(...) a perormatividade deve ser
(LISPECOR, 1999, p.64). A ala da personagem Ma- hegemônicas para produzir as grandes signicações ritários na luta por visibilidade e respeito. oni Morri- compreendida não como um ‘ato’ singular ou delibe-
cabéa coincidentemente toca no tema do “corpo que (abstratas) ao passo que, em um nível mais restrito, si- son, a autora do livro, diz através da voz de Claudia de rado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e
importa” quando trata da importânc ia de Greta Gar- tuacional (localizado), az suas próprias regras – un- sua resistência a uma sociedade que não reconhece os citacional pela qual o discurso produz os eeitos que ele
bo, uma gura midiática com extrema visibilidade, ao ciona com as exceções à regra. (HALL, 2003, p.401). grupos marcados pelas dierenças de gênero, classe e et- nomeia.” (BULER, 1999, p. 154). Portanto, o gênero
contrário de Macabéa, que é quase invisível. Garbo, aos nia. A resistência de Claudia ca evidente no desprezo não é um dado, mas é aprendido por meio de constan-
olhos de Macabéa, tem um corpo que vale a pena ser rata-se de uma leitura atravessada por contradi- por um produto industrializado, uma boneca carregada tes repetições de modelos. E um dos mais poderosos
olhado, cuidado, admirado. ções. Longe de tomar qualquer atitude política, Maca- de normas e signicados: modelos representacionais para a mulher é o que liga
A subjetividade de Macabéa é construída por sua béa apenas encontra uma maneira própria de se rela- inexoravelmente a eminilidade à maternidade. Com
experiência rente aos modelos e representações de mu- cionar com os produtos da mídia. O presente grande, especial, dado com muito carinho, clara inspiração beauvoriana, Butler arma que:
lheres ideais, de relações ideais. Mas nota-se na curta É sabido que a publicidade reveste produtos e era sempre uma Baby Doll grande, de olhos azuis. Pela
 vida de Macabéa um espaço de subversão quase diver- serviços de atributos emocionais, sensuais, sensoriais, tagarelice dos adultos, eu sabia que a boneca represen- A garota torna-se uma garota, ela é trazida para o domí-
tida, como estratégia de sobrevivência:  valendo-se do discurso persuasivo e sedutor para atrair tava o que eles pensavam que osse o meu maior dese- nio da linguagem e do parentesco através da interpela-
e conquistar seus públicos. Mas é preciso escapar da  jo. Fiquei pasmada com a coisa e com a aparência que ção do gênero. Mas esse tornar-se garota da garota não
Mas tinha prazeres. Nas rígidas noites, ela, toda estre- armadilha de pensar essa comunicação como unilateral, tinha. (MORRISON, 2003, p.23) termina ali, pelo contrário, essa interpelação undante
mecente sob o lençol de brim, costumava ler à luz de como uma imposição de cima para baixo, em que a é reiterada por várias autoridades, e ao longo de vários
 vela os anúncios que recortava dos jornais velhos do recepção é passiva, e as pessoas são sempre vítimas de É importante lembrar que objetos industrializados, intervalos de tempo, para reorçar ou contestar esse
escritório. É que azia coleção de anúncios. Colava-os manipulação. Louis Quéré (2007), ao alar sobre o ca- como produtos humanos, são embebidos pela cultura. eeito naturalizado. (BULER, 1999, p.161)
no álbum. Havia um anúncio, o mais precioso, que ráter impessoal da experiência, arma que as emoções Os objetos – principalmente brinquedos - carregam
mostrava em cores o pote aberto de um creme para são enômenos públicos, compartilhados e comparti- história e ideologia, são signos e objetivações de cada Para a autora, os sistemas de classicação binária
pele de mulheres que simplesmente não eram ela. lháveis. O que ativa uma experiência emocional não sociedade, nos “alam” através de sua orma, suas cores, impõem modelos culturais de existência do corpo:
Executando o atal cacoete que pegara de piscar os é um sentimento solitário, algo que parte do interior seu ormato (CORRÊA, 2011). O assombro e o descon-
olhos, cava só imaginando com delícia: o creme era do sujeito que é aetado: o engajamento numa situa- tentamento de Claudia rente a esse objeto não estavam A produção discursiva do corpo materno como pré-
tão apetitoso que se tivesse dinheiro para comprá-lo ção, no contato com um produto de comunicação, por apenas na percepção de um racismo representado pelo -discursivo é uma tática de auto-ampliação e ocultação
não seria boba. Que pele, que nada, ela o comeria, isso exemplo, se dá a partir de uma convergência de valores modelo único e normativo de bonecas de olhos azuis, das relações de poder (...). o corpo materno seria en-
sim, às colheradas no pote mesmo. É que lhe altava sociais. Essa adesão consiste numa atividade, num ato mas também pelo modelo de comportamento de gêne- tendido como eeito ou consequência de um sistema de
gordura e seu organismo estava seco que nem saco do sujeito que sore a experiência (DEWEY, 1980). ro que se esperava de uma menina-mulher para com sexualidade em que se exige do corpo eminino que ele
meio vazio de torrada esarelada. ornara-se com o Assim como cremes de beleza não são eitos para uma miniatura plástica de criança: assuma a maternidade como essência do seu eu e lei do
tempo apenas matéria vivente em sua orma primária. se comer, anúncios não oram eitos para serem recor- seu desejo. (BULER, 2003, p.138).
alvez osse assim para se deender da grande tentação tados e colados em álbuns. Ouvir a Rádio Relógio e Eu devia azer o que com aquilo? Fingir que era a mãe?
de ser ineliz de uma vez e ter pena de si. (LISPECOR, colecionar anúncios, esses pequenos recortes de prazer, Eu não tinha interesse por bebês nem pelo conceito Os personagens adultos do romance analisado,
1999, p.38) são ormas encontradas por Macabéa, moça simplória, de maternidade. Estava interessada somente em seres ao presentear Claudia com uma boneca, reiteram uma
para entender e suportar a dura experiência de estar no humanos da minha idade e tamanho, e não conseguia prática, instruem a menina quanto à sua posição e seu
Um ponto importante que dierencia Macabéa de mundo. É através da leitura e (re)criação desses discur- sentir entusiasmo algum ante a perspectiva de ser mãe. comportamento rente à sociedade, isto é, atuam na
Pecola é a maneira particular pela qual a personagem sos da mídia que Macabéa experimenta o mundo e se Maternidade era velhice e outras possibilidades remo- construção de uma subjetividade marcada por gênero e
de Clarice se relaciona com os produtos da mídia. Ma- constrói como sujeito. tas. Mas aprendi depressa o que esperavam que eu - raça. Mas Claudia não adere a essa “verdade”, ela resiste
18 19

dossiê temático

é atropelada pela realidade e Claudia sobrevive para


narrar histórias. Obviamente não se pode simplicar a
reexão a ponto de armar que a relação das persona-
RefeRêNcias
gens com os discursos da mídia é o ponto que dene BiBliogRáficas
o destino de cada uma delas. Mas é possível observar
que a personagem que apresenta a postura mais crítica BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de
e protesta a seu modo contra a norma, desconstruindo em relação aos sentidos preerenciais de decodicação Janeiro: Elos; Lisboa: Edições 70, 1995.
sicamente a boneca branca, num misto de vingança
e curiosidade:
coNsideRaÇões é aquela que consegue se constituir como sujeito, pro-
tagonizando sua história.
BULER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites
discursivos do sexo. In LOURO, Guacira L. (org.)
fiNais As imagens e textos midiáticos invocam signi- O corpo educado: pedagogias da sexualidade . Belo
Eu tinha uma única vontade: desmembrá-la. (...) Não cados compartilhados e consensuais, rearmando as Horizonte: Autêntica, 1999.
conseguia gostar dela. Mas podia examiná-la para ver Para Foucault não interessa encontrar o que existe es-  verdades, as tradições e as crenças do grupo ao qual ____________. Problemas de gênero: eminismo e sub-
o que era que todo mundo dizia que era adorável. Se condido por trás das palavras e sim entender o porquê pertencem os agentes do discurso. É preciso lembrar versão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização
eu quebrasse os dedos minúsculos, dobrasse os pés da emergência de certos discursos em certas épocas. que geralmente esses discursos vêm dos grupos he- Brasileira, 2003.
chatos, soltasse o cabelo, girasse a cabeça (...). Se eurata-se de “substituir o tesouro enigmático das ‘coi- gemônicos, dos grupos não-marcados, o que exclui CORRÊA, Laura G. De corpo presente: o negro na pu-
lhe removesse o olho rio e estúpido, continuava ba- sas’ anteriores ao discurso pela ormação regular dos aqueles corpos, aqueles comportamentos, aquelas vidas blicidade em revista. Dissertação (mestrado em
lindo “Ahhhhhh”; se arrancasse a cabeça, sacudisse a objetos que só nele se delineiam” (Foucault, 1987, p.54). que não estão dentro das representações dos grupos Comunicação Social) - Universidade Federal de
serragem para ora, rachasse as costas contra a grade deEssa perspectiva está ocada na análise e apreensão que detêm o poder. No posácio d’ O Olho mais Azul , Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
metal da cama, ela continuava balindo. (MORRISON, das práticas discursivas e das relações entre as alas, a autora reete sobre a interpelação que az com que CORRÊA, Laura G.  Mães cuidam, pais br incam: nor-
2003, p.23) localizadas social e historicamente, sobre os objetos e a norma - no caso do livro citado, a desigualdade e a mas, valores e papéis na publicidade de homenagem.
os acontecimentos da vida humana. Foucault chama hierarquia racial - seja internalizada na construção da ese (doutorado em Comunicação Social) - Uni-
Assim, Claudia rompe com a norma branca e he- a atenção para a importância de se considerar o que subjetividade da menina Pecola:  versidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizon-
terossexual representada pelo brinquedo. Sabe-se que  vem à tona, o que os textos dão a ver: te, 2011.
as relações de poder estão implicadas na construção Implícita em seu desejo estava a aversão por si mesma, DEWEY, John.  Art as experience . New York: Perigee
das subjetividades, mas notam-se espaços – diíceis, Não se busca, sob o que está maniesto, a conversa se- de origem racial. E vinte anos depois eu continuava me Books, the Berkeley Publishing Group, 1980.
sem dúvida – para a resistência e a transormação. A mi-silenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar perguntando como é que se aprende isso. Quem disse a FOUCAUL, Michel. A arqueologia do saber . Rio de
contestação de Claudia, mesmo que solitária, silenciosa por que não poderia ser outro, como exclui qualquer ela? Quem a ez sentir que era melhor ser uma aberra- Janeiro: Forense-universitária, 1987.
e talvez inconsequente, az parte de sua constituição outro, como ocupa, no meio dos outros e relacionado ção do que ser o que ela era? Quem a tinha olhado e a HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações
como sujeito. Sua ativa insubmissão, de certa orma, a a eles, um lugar que nenhum outro poderia ocupar. A achado tão deciente, um peso tão pequeno na escala culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, Brasília:
salva de um destino triste como o de Pecola. questão pertinente a uma tal análise poderia ser assim da beleza? (MORRISON, 2003, p. 210). Representação da Unesco no Brasil, 2003.
A atitude de Claudia pode ser vista como exemplo ormulada: que singular existência é esta que vem à LISPECOR, Clarice. A Hora da estrela. Rio de Janeiro:
de recepção/decodicação que opera dentro do código tona no que se diz e em nenhuma outra parte? (FOU- As perguntas de Morrison são muito pertinentes Rocco, 1999.
de oposição. Segundo Hall (2003, p. 402), nessa hipó- CAUL, 1987, p.31). para a reexão sobre as relações raciais e de gênero na MORRISON, oni. O olho mais azul . São Paulo: Com-
tese de leitura, o receptor “decodica a mensagem de sociedade contemporânea. Vimos que os modelos cor- panhia das Letras, 2003.
maneira globalmente contrária. Ele ou ela destotaliza Os dois romances emergem em dada época, em porais oerecidos pelos produtos midiáticos disseram QUÉRÉ, Louis. Reexões sobre a experiência pública
a mensagem no código preerencial para retotalizá-la dado lugar. Retratam e revelam relações desiguais entre muito às personagens dos romances citados. Cada in- (Curso ministrado no Programa de Pós-Gradua-
dentro de algum reerencial alternativo.” O autor ar- homens e mulheres, brancos/as e negros/as, adultos/as divíduo consumiu e dialogou à sua maneira com esses ção em Comunicação Social da UFMG, 2007. In-
ma ainda que essa atividade de recepção oposta pode e crianças, belos/as e eios/as, em discursos atuantes discursos hegemônicos, que apresentam caráter peda- ormação verbal)
desencadear crises de naturezas diversas. Poderíamos nessas sociedades não muito distantes no tempo e no gógico e ormador, com orte inuência nos processos SCO, Joan. Experiência. In SILVA, Alcione, LAGO,
acrescentar que esses momentos de crise e transgressão espaço. São histórias de três jovens dierentes, mas pa- de subjetivação. Mara e RAMOS, ânia. Falas de gênero: teorias,
revelam-se muitas vezes como oportunidades para a recidas. odas as três, Pecola, Macabéa e Claudia, são A mídia apresenta constantemente normas regula- análises, leituras. Ilha de Santa Catarina: Editora
criação, para a reinvenção. Se reconhecemos Claudia sujeitos marginais porém imersos na cultura envolvente doras dos corpos de homens e mulheres. Suas constru- Mulheres, 1999.
como alter ego da autora do romance, oni Morrison, e poderosa das mídias. Nenhuma delas se reconhece ções discursivas são perpassadas pelas lutas de poder,
esta termina por produzir um discurso literário pró- nas imagens oerecidas, entretanto, cada uma reage preconceitos e contradições presentes na sociedade.
prio, deslocado da norma, reconhecido e premiado, a de orma particular no momento do consumo dessas rata-se, assim, de um lugar privilegiado para a ob-
partir do sentimento de indignação presente desde a representações. Modelos são assimilados, aceitos, mo- servação crítica das relações sociorraciais na contem-
inância. dicados ou recusados. Pecola enlouquece, Macabéa poraneidade.
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dossiê temático

é atropelada pela realidade e Claudia sobrevive para


narrar histórias. Obviamente não se pode simplicar a
reexão a ponto de armar que a relação das persona-
RefeRêNcias
gens com os discursos da mídia é o ponto que dene BiBliogRáficas
o destino de cada uma delas. Mas é possível observar
que a personagem que apresenta a postura mais crítica BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de
e protesta a seu modo contra a norma, desconstruindo em relação aos sentidos preerenciais de decodicação Janeiro: Elos; Lisboa: Edições 70, 1995.
sicamente a boneca branca, num misto de vingança
e curiosidade:
coNsideRaÇões é aquela que consegue se constituir como sujeito, pro-
tagonizando sua história.
BULER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites
discursivos do sexo. In LOURO, Guacira L. (org.)
fiNais As imagens e textos midiáticos invocam signi- O corpo educado: pedagogias da sexualidade . Belo
Eu tinha uma única vontade: desmembrá-la. (...) Não cados compartilhados e consensuais, rearmando as Horizonte: Autêntica, 1999.
conseguia gostar dela. Mas podia examiná-la para ver Para Foucault não interessa encontrar o que existe es-  verdades, as tradições e as crenças do grupo ao qual ____________. Problemas de gênero: eminismo e sub-
o que era que todo mundo dizia que era adorável. Se condido por trás das palavras e sim entender o porquê pertencem os agentes do discurso. É preciso lembrar versão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização
eu quebrasse os dedos minúsculos, dobrasse os pés da emergência de certos discursos em certas épocas. que geralmente esses discursos vêm dos grupos he- Brasileira, 2003.
chatos, soltasse o cabelo, girasse a cabeça (...). Se eurata-se de “substituir o tesouro enigmático das ‘coi- gemônicos, dos grupos não-marcados, o que exclui CORRÊA, Laura G. De corpo presente: o negro na pu-
lhe removesse o olho rio e estúpido, continuava ba- sas’ anteriores ao discurso pela ormação regular dos aqueles corpos, aqueles comportamentos, aquelas vidas blicidade em revista. Dissertação (mestrado em
lindo “Ahhhhhh”; se arrancasse a cabeça, sacudisse a objetos que só nele se delineiam” (Foucault, 1987, p.54). que não estão dentro das representações dos grupos Comunicação Social) - Universidade Federal de
serragem para ora, rachasse as costas contra a grade deEssa perspectiva está ocada na análise e apreensão que detêm o poder. No posácio d’ O Olho mais Azul , Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
metal da cama, ela continuava balindo. (MORRISON, das práticas discursivas e das relações entre as alas, a autora reete sobre a interpelação que az com que CORRÊA, Laura G.  Mães cuidam, pais br incam: nor-
2003, p.23) localizadas social e historicamente, sobre os objetos e a norma - no caso do livro citado, a desigualdade e a mas, valores e papéis na publicidade de homenagem.
os acontecimentos da vida humana. Foucault chama hierarquia racial - seja internalizada na construção da ese (doutorado em Comunicação Social) - Uni-
Assim, Claudia rompe com a norma branca e he- a atenção para a importância de se considerar o que subjetividade da menina Pecola:  versidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizon-
terossexual representada pelo brinquedo. Sabe-se que  vem à tona, o que os textos dão a ver: te, 2011.
as relações de poder estão implicadas na construção Implícita em seu desejo estava a aversão por si mesma, DEWEY, John.  Art as experience . New York: Perigee
das subjetividades, mas notam-se espaços – diíceis, Não se busca, sob o que está maniesto, a conversa se- de origem racial. E vinte anos depois eu continuava me Books, the Berkeley Publishing Group, 1980.
sem dúvida – para a resistência e a transormação. A mi-silenciosa de um outro discurso: deve-se mostrar perguntando como é que se aprende isso. Quem disse a FOUCAUL, Michel. A arqueologia do saber . Rio de
contestação de Claudia, mesmo que solitária, silenciosa por que não poderia ser outro, como exclui qualquer ela? Quem a ez sentir que era melhor ser uma aberra- Janeiro: Forense-universitária, 1987.
e talvez inconsequente, az parte de sua constituição outro, como ocupa, no meio dos outros e relacionado ção do que ser o que ela era? Quem a tinha olhado e a HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações
como sujeito. Sua ativa insubmissão, de certa orma, a a eles, um lugar que nenhum outro poderia ocupar. A achado tão deciente, um peso tão pequeno na escala culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, Brasília:
salva de um destino triste como o de Pecola. questão pertinente a uma tal análise poderia ser assim da beleza? (MORRISON, 2003, p. 210). Representação da Unesco no Brasil, 2003.
A atitude de Claudia pode ser vista como exemplo ormulada: que singular existência é esta que vem à LISPECOR, Clarice. A Hora da estrela. Rio de Janeiro:
de recepção/decodicação que opera dentro do código tona no que se diz e em nenhuma outra parte? (FOU- As perguntas de Morrison são muito pertinentes Rocco, 1999.
de oposição. Segundo Hall (2003, p. 402), nessa hipó- CAUL, 1987, p.31). para a reexão sobre as relações raciais e de gênero na MORRISON, oni. O olho mais azul . São Paulo: Com-
tese de leitura, o receptor “decodica a mensagem de sociedade contemporânea. Vimos que os modelos cor- panhia das Letras, 2003.
maneira globalmente contrária. Ele ou ela destotaliza Os dois romances emergem em dada época, em porais oerecidos pelos produtos midiáticos disseram QUÉRÉ, Louis. Reexões sobre a experiência pública
a mensagem no código preerencial para retotalizá-la dado lugar. Retratam e revelam relações desiguais entre muito às personagens dos romances citados. Cada in- (Curso ministrado no Programa de Pós-Gradua-
dentro de algum reerencial alternativo.” O autor ar- homens e mulheres, brancos/as e negros/as, adultos/as divíduo consumiu e dialogou à sua maneira com esses ção em Comunicação Social da UFMG, 2007. In-
ma ainda que essa atividade de recepção oposta pode e crianças, belos/as e eios/as, em discursos atuantes discursos hegemônicos, que apresentam caráter peda- ormação verbal)
desencadear crises de naturezas diversas. Poderíamos nessas sociedades não muito distantes no tempo e no gógico e ormador, com orte inuência nos processos SCO, Joan. Experiência. In SILVA, Alcione, LAGO,
acrescentar que esses momentos de crise e transgressão espaço. São histórias de três jovens dierentes, mas pa- de subjetivação. Mara e RAMOS, ânia. Falas de gênero: teorias,
revelam-se muitas vezes como oportunidades para a recidas. odas as três, Pecola, Macabéa e Claudia, são A mídia apresenta constantemente normas regula- análises, leituras. Ilha de Santa Catarina: Editora
criação, para a reinvenção. Se reconhecemos Claudia sujeitos marginais porém imersos na cultura envolvente doras dos corpos de homens e mulheres. Suas constru- Mulheres, 1999.
como alter ego da autora do romance, oni Morrison, e poderosa das mídias. Nenhuma delas se reconhece ções discursivas são perpassadas pelas lutas de poder,
esta termina por produzir um discurso literário pró- nas imagens oerecidas, entretanto, cada uma reage preconceitos e contradições presentes na sociedade.
prio, deslocado da norma, reconhecido e premiado, a de orma particular no momento do consumo dessas rata-se, assim, de um lugar privilegiado para a ob-
partir do sentimento de indignação presente desde a representações. Modelos são assimilados, aceitos, mo- servação crítica das relações sociorraciais na contem-
inância. dicados ou recusados. Pecola enlouquece, Macabéa poraneidade.
20 21

dossiê temático

ReNato
NogueiRa
racismo E biopodEr: Professor de filosofia e educação da
UFRRJ, lotado no Departamento de Edu-
um caso no cação e Sociedade do Instituto Multidisci-
plinar, coordenador do Grupo de Pesquisa
rio dE janEiro Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin) e vice-coordenador do Curso de
contEmporânEo Pós-Graduação Lato Sensu do Laborató-
rio de Estudos Afro-Brasileiros (Leafro). ResuMo
O artigo trabalha com o pensamento político de Michel Foucault
aBstRact
Te article work with the political thought o Michel Foucault.
e tem como objetivo enriquecer o debate contemporâneo sobre  Aiming to enrich contemporary debate about anti-black racism
o racismo anti-negro e seus diversos dispositivos, em especial no and its various devices, especially with regard to the technologies
caRla cRistiNa que diz respeito às tecnologias de segurança pública próprias do o biopower own public saety. In order to conront the anti-black
caMpos da silva biopoder. Para problematizar essa importante questão na socie- racism in contemporary Brazilian society through biopower, our 
dade brasileira contemporânea, nossa análise incide sobre ações analysis ocuses on police actions and speeches o the state. Te
Estudante de graduação do Curso de Pe- policiais e discursos do Estado. O destaque vai para uma ação highlight is a police action that occurred on September 25, 2009 in
dagogia do Departamento de Educação policial que ocorreu em 25 de setembro de 2009 na cidade do Rio the city o Rio de Janeiro. Te event ended with a black man killed 
e Sociedade do Instituto Multidisciplinar, de Janeiro, evento que terminou com um homem negro morto by military police.
da UFRRJ, membro do Grupo de Pesquisa pela Polícia Militar.
Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin). Estuda e pesquisa sob orienta- Keywords: racism, biopower, violence, Rio de Janeiro.
ção do Professor Renato Noguera. Palavras chave: racismo, biopoder, violência, Rio de Janeiro.

co e político. Nesse caso, o poder intervém e interere exerce sobre a população, considerando o aumento e
iNtRoduÇÃo sobre a população, por isso vai ser preciso que o Estado diminuição dos riscos e interdições dentro de uma so-
reúna de modo articulado uma série de saberes aptos ciedade para alguns por meio de critérios raciais.
a azer medições, aerir constantes, ornecer e avaliar Com eeito, o biopoder é um modo de gestão que
Nosso artigo é resultado de uma pequena pesquisa so- dados estatísticos. Em outros termos, azer com que inclui o genocídio da própria população, exercício
bre violência e racismo no Rio de Janeiro, investigação as tecnologias que servem para controlar e gerenciar racista sustentado por critérios técnicos e cientícos.
que tem sido realizada pelo Grupo de Pesquisa Aro- a população uncionem em avor do Estado. O go- Foucault tomou como exemplo o nazismo. “em-se,
perspectivas, Saberes e Interseções (Arosin), integrante  verno investido da visibilidade das relações de poder pois, na sociedade nazista (...) uma sociedade que
do Laboratório de Estudos Aro-Brasileiros (Learo) da dene o segmento populacional que deve receber um generalizou absolutamente biopoder” (FOUCAUL,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). tipo especíco de tratamento, promovendo alguns e/ 2002, p.311). Nosso objetivo é problemati zar, dentro
O trabalho reúne, dentro de uma leitura oucaultiana, ou contendo outros, visando um determinado uncio- dos pressupostos oucaultianos do biopoder, o racismo
análises do enômeno de violência urbana e racismo, namento de um sistema social, tal como a repartição anti-negro. Uma leitura cuidadosa da obra de Foucault
problematizando a racialização da violência através ou concentração de determinados beneícios. É neste não deixa dúvidas: o racismo anti-negro não esteve na
do biopoder como modo de gestão estatal contem- contexto que o conceito de raça passa a uncionar como sua pauta de pesquisa. Nosso intuito é pensar com os
porânea dominante. O objetivo do artigo é azer uma uma categoria-chave para o biopoder. Porque à medida instrumentos teóricos de Foucault. Dito de outro modo,
apresentação introdutória do conceito de biopoder e que o biopoder encerra um conjunto de tecnologias que não se trata, somente, de comentar seus textos. Mas, de
problematizá-lo no contexto do Rio de Janeiro, levando dizem respeito à vida, a segmentação da população em pensar a partir a p ertinência do biopoder oucaultiano
em consideração alguns eventos de 1993 até 2009. A raças e o racismo passa a se constituir como um “me- para a compreensão do racismo anti-negro moderno e
pesquisa tem caráter introdutório, em busca de omen- canismo undamental do poder”. contemporâneo, especicamente o racismo na socieda-
tar um debate proícuo em torno da violência urbana e Para Foucault, a emergência do biopoder é condi- de brasileira na primeira década do século 21.
racializada no Rio de Janeiro contemporâneo. ção necessária para inserção do racismo nos mecanis-
mos estatais das sociedades modernas. De tal modo que Nossos tempos, assim, têm alicerçado muitas relações
“quase não haja uncionamento moderno do Estado hegemônicas de poder undamentando-as em justica-
BiopodeR e RacisMo que, em certo momento, em certo limite e em certas
condições, não passe pelo racismo” (FOUCAUL, 2002,
tivas e metáoras de caráter biológico e médico, onde o
que está em jogo é a deesa da ordem social e da vida,
aNti-NegRo No p. 304). É importante risar que o racismo está ligado contra os perigos biológicos, desagregadores e desorde-
Rio de jaNeiRo ao uncionamento de um Estado. “A unção assassina nadores, que certos tipos de pessoas carregam consigo
do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado (CASELO BRANCO, 2009, p.32)
Michel Foucault ez uma proícua pesquisa sobre uncione no modo do biopoder, pelo racismo” (FOU-
os modos de gestão do poder nas sociedades ocidentais CAUL, 2002, p.306). Pois bem, conorme Foucault Um dos resultados do biopoder é a possibilidade
desde o século XVIII. Com os processos de instalação o que é especíco no racismo moderno é o exercício de eliminação de criminosos. Por exemplo, as chacinas
do biopoder, a população passa a ser problema cientí- do biopoder. Ou seja, o direito de morte que o Estado são, em certa medida, eeitos do biopoder. A chacina
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dossiê temático

ReNato
NogueiRa
racismo E biopodEr: Professor de filosofia e educação da
UFRRJ, lotado no Departamento de Edu-
um caso no cação e Sociedade do Instituto Multidisci-
plinar, coordenador do Grupo de Pesquisa
rio dE janEiro Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin) e vice-coordenador do Curso de
contEmporânEo Pós-Graduação Lato Sensu do Laborató-
rio de Estudos Afro-Brasileiros (Leafro). ResuMo
O artigo trabalha com o pensamento político de Michel Foucault
aBstRact
Te article work with the political thought o Michel Foucault.
e tem como objetivo enriquecer o debate contemporâneo sobre  Aiming to enrich contemporary debate about anti-black racism
o racismo anti-negro e seus diversos dispositivos, em especial no and its various devices, especially with regard to the technologies
caRla cRistiNa que diz respeito às tecnologias de segurança pública próprias do o biopower own public saety. In order to conront the anti-black
caMpos da silva biopoder. Para problematizar essa importante questão na socie- racism in contemporary Brazilian society through biopower, our 
dade brasileira contemporânea, nossa análise incide sobre ações analysis ocuses on police actions and speeches o the state. Te
Estudante de graduação do Curso de Pe- policiais e discursos do Estado. O destaque vai para uma ação highlight is a police action that occurred on September 25, 2009 in
dagogia do Departamento de Educação policial que ocorreu em 25 de setembro de 2009 na cidade do Rio the city o Rio de Janeiro. Te event ended with a black man killed 
e Sociedade do Instituto Multidisciplinar, de Janeiro, evento que terminou com um homem negro morto by military police.
da UFRRJ, membro do Grupo de Pesquisa pela Polícia Militar.
Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin). Estuda e pesquisa sob orienta- Keywords: racism, biopower, violence, Rio de Janeiro.
ção do Professor Renato Noguera. Palavras chave: racismo, biopoder, violência, Rio de Janeiro.

co e político. Nesse caso, o poder intervém e interere exerce sobre a população, considerando o aumento e
iNtRoduÇÃo sobre a população, por isso vai ser preciso que o Estado diminuição dos riscos e interdições dentro de uma so-
reúna de modo articulado uma série de saberes aptos ciedade para alguns por meio de critérios raciais.
a azer medições, aerir constantes, ornecer e avaliar Com eeito, o biopoder é um modo de gestão que
Nosso artigo é resultado de uma pequena pesquisa so- dados estatísticos. Em outros termos, azer com que inclui o genocídio da própria população, exercício
bre violência e racismo no Rio de Janeiro, investigação as tecnologias que servem para controlar e gerenciar racista sustentado por critérios técnicos e cientícos.
que tem sido realizada pelo Grupo de Pesquisa Aro- a população uncionem em avor do Estado. O go- Foucault tomou como exemplo o nazismo. “em-se,
perspectivas, Saberes e Interseções (Arosin), integrante  verno investido da visibilidade das relações de poder pois, na sociedade nazista (...) uma sociedade que
do Laboratório de Estudos Aro-Brasileiros (Learo) da dene o segmento populacional que deve receber um generalizou absolutamente biopoder” (FOUCAUL,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). tipo especíco de tratamento, promovendo alguns e/ 2002, p.311). Nosso objetivo é problemati zar, dentro
O trabalho reúne, dentro de uma leitura oucaultiana, ou contendo outros, visando um determinado uncio- dos pressupostos oucaultianos do biopoder, o racismo
análises do enômeno de violência urbana e racismo, namento de um sistema social, tal como a repartição anti-negro. Uma leitura cuidadosa da obra de Foucault
problematizando a racialização da violência através ou concentração de determinados beneícios. É neste não deixa dúvidas: o racismo anti-negro não esteve na
do biopoder como modo de gestão estatal contem- contexto que o conceito de raça passa a uncionar como sua pauta de pesquisa. Nosso intuito é pensar com os
porânea dominante. O objetivo do artigo é azer uma uma categoria-chave para o biopoder. Porque à medida instrumentos teóricos de Foucault. Dito de outro modo,
apresentação introdutória do conceito de biopoder e que o biopoder encerra um conjunto de tecnologias que não se trata, somente, de comentar seus textos. Mas, de
problematizá-lo no contexto do Rio de Janeiro, levando dizem respeito à vida, a segmentação da população em pensar a partir a p ertinência do biopoder oucaultiano
em consideração alguns eventos de 1993 até 2009. A raças e o racismo passa a se constituir como um “me- para a compreensão do racismo anti-negro moderno e
pesquisa tem caráter introdutório, em busca de omen- canismo undamental do poder”. contemporâneo, especicamente o racismo na socieda-
tar um debate proícuo em torno da violência urbana e Para Foucault, a emergência do biopoder é condi- de brasileira na primeira década do século 21.
racializada no Rio de Janeiro contemporâneo. ção necessária para inserção do racismo nos mecanis-
mos estatais das sociedades modernas. De tal modo que Nossos tempos, assim, têm alicerçado muitas relações
“quase não haja uncionamento moderno do Estado hegemônicas de poder undamentando-as em justica-
BiopodeR e RacisMo que, em certo momento, em certo limite e em certas
condições, não passe pelo racismo” (FOUCAUL, 2002,
tivas e metáoras de caráter biológico e médico, onde o
que está em jogo é a deesa da ordem social e da vida,
aNti-NegRo No p. 304). É importante risar que o racismo está ligado contra os perigos biológicos, desagregadores e desorde-
Rio de jaNeiRo ao uncionamento de um Estado. “A unção assassina nadores, que certos tipos de pessoas carregam consigo
do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado (CASELO BRANCO, 2009, p.32)
Michel Foucault ez uma proícua pesquisa sobre uncione no modo do biopoder, pelo racismo” (FOU-
os modos de gestão do poder nas sociedades ocidentais CAUL, 2002, p.306). Pois bem, conorme Foucault Um dos resultados do biopoder é a possibilidade
desde o século XVIII. Com os processos de instalação o que é especíco no racismo moderno é o exercício de eliminação de criminosos. Por exemplo, as chacinas
do biopoder, a população passa a ser problema cientí- do biopoder. Ou seja, o direito de morte que o Estado são, em certa medida, eeitos do biopoder. A chacina
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dossiê temático

da Candelária, na madrugada do dia 23 de julho de que raticou o exercício do biopoder numa entrevis- economist a Marcelo Paix ão (veja grácos em anexo), é um exemplo da prolaxia sociorracial na socieda-
1993, próximo às dependências da Igreja de mesmo ta. “Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na encontramos um cuidadoso estudo que identica os de brasileira, uma estratégia do biopoder. Com isso,
nome, localizada no centro da cidade: seis adolescentes Coréia (perieria) é outra. À medida que se discute eeitos assimétricos do biopoder entre negros (pretos não estamos dizendo que estelionato, porte ilegal de
e dois jovens sem teto oram brutalmente assassinados essa questão do enrentamento, isso benecia a ação e pardos). De acordo com o Mapa da Violência, em arma, urto e assalto são atividades ou opções para os
por policiais militares. Vale lembrar que eram todos do tráco de drogas” ( G1, 23/10/2007). O Secretário mais de 90% desses casos de homicídio as vítimas eram excluídos; mas, queremos problematizar a ausência de
negros. Apesar das especulações sobre o caso, e após estava deendendo a ação policial na Favela da Coréia homens e os mais atingidos oram os negros: se em titubeios, o prazo de negociações. Ou seja, a convicção
dezoito anos passados, as reais razões do desbunde de na semana anterior. A operação policial oi responsá- 2002 morriam 46% mais negros do que brancos, em de que a vida criminosa p ode ser eliminada.
crueldade não são colocadas. A história hoje contada,  vel pela morte de 13 pessoas, incluindo uma criança. 2007 a proporção cresceu para 108%” (CORREIO DO O biopoder tem um postulado, “se você quer vi-
como toda a história do Brasil, é passada com mui- A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comentou BRASIL, 30/03/2010). A pesquisa  Mapa da Violência  ver, é preciso que o outro morra” (FOUCAUL, 2002,
tas lacunas, que a covardia dos homens os impede de que o governo do estado do Rio de Janeiro “assumiu 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil  oi eita pelo p.305). O que está em jogo é que a “morte da raça ruim,
contar. Levantam-se hipóteses de vingança, por razões publicamente que, para o governo, o morador de classe sociólogo Julio Jacobo Waiselsz do Instituto Sangari. da raça inerior (...) é o que vai deixar a vida em geral
distintas, porém a mais próxima da verdade parece ser a média da Zona Sul recebe tratamento dierente e tem mais sadia” (Ibidem). Com eeito, no Rio de Janeiro,
que ainda hoje vemos nos noticiários. Policiais contra- direitos de cidadania que o trabalhador que mora na considerando as declarações do Governo no ano de
tados para azer “limpezas” em certas áreas da cidade. avela não tem” ( G1, 23/10/2007).
Sete anos depois, Sandro Barbosa do Nascimento nos O biopoder é “uma espécie de estatização do bio-
o BiopodeR No caso 2007, as ações anteriores já citadas, ao lado do caso
em oco de 2009, a raça ruim é a população que vive
relembra da atrocidade cometida naquele dia, um ato lógico ou, pelo menos, uma certa inclinação (...) que seRgiNho nas perierias/subúrbios e avelas, o que aponta para a
 violento que marca mais uma vez a história do Rio de se poderia chamar de estatização do biológico” (FOU- população negra.
Janeiro. Ainda no ano de 1993, no vigésimo nono dia CAUL, 2002, p.286). As tecnologi as do biopoder e suas Em 25 de setembro de 2009, um evento na cidade Rio Serginho era o símbolo e a maniestação do que
do mês de agosto, novo massacre, agora na avela de técnicas são aplicadas conjuntamente por meio de uma de Janeiro merece especial atenção, porque se encaixa deve ser eliminado: homem, negro e jovem. Como já
Vigário Geral: cerca de cinquenta homens encapuzados gestão estatal que incide sobre a vida. Este modo de dentro do que oi proposto pelo nosso trabalho: o exer- oi dito, o Estado az uso da “eliminação das raças e
invadiram o bairro durante a madrugada, arrombando gestão impele o Estado a gerenciar “a proporção dos cício do racismo através da emergência do biopoder. O a puricação da raça para exercer seu poder sobera-
casas e alvejando vinte e um moradores. É oportuno nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a e- ápice oi vivido por três pessoas: Sérgio Ferreira Pinto no” (FOUCAUL, 2002, p.309). Serginho oi mais um
registrar que todos eram pretos e pardos (negros). A cundidade de uma população” (FOUCAUL, 2002, Júnior, o Serginho, na época com 24 anos, negro e que exemplo. Anal, “os Estados mais assassinos são, ao
motivação para os homicídios oi uma suposta vingan- p.290). Em entrevista publicada na página de notícias ugia após ter cometido o crime de assalto; Ana Cristina mesmo tempo, orçosamente os mais racistas” (Ibi-
ça pela morte de outros policiais. Em 15 de abril de do G1 em 24 de outubro de 2007, o então governador Garrido, com 48 anos em 2009, mulher branca e reém dem). A tese que o Estado racista deende é de que a
2005, no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Sérgio Cabral armou que “Você pega o número de de Serginho; major João Jaques Busnello, na ocasião preservação da ordem social estaria garantida à medida
 vinte e nove pessoas oram mortas, novamente a notícia lhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, ijuca, com 39 anos, lotado no 6º BPM (ijuca), homem bran- que a orça de coerção eliminasse os criminosos. Os
oi dada e as investigações aconteceram, colocando sob Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na co que estava representando o Estado em sua extensão eliminados e elimináveis são, conorme os dados em
suspeita agentes de segurança pública. É orçoso lem- Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma ábrica coercitiva. anexo, jovens negros.
brar que mais de 80% dos mortos eram negros. de produzir marginal” ( G1, 24/10/2007). Na época, o Serginho tinha o ensino médio completo, estava Serginho representou e encerrou o signo do que
O que estamos problematizando é o aparente pa- governador estava deendendo uma política de ligadura desempregado desde o nascimento da sua lha – com deve ser combatido. Numa ação lmada e aplaudida
radoxo de que orças de segurança do Estado, de modo de trompas para mulheres de bairros como a Rocinha, três anos na época – e tinha passagem pelo sistema pela população tijucana (moradores de um bairro de
extra-ocial, azem exercícios de “limpeza sociorracial”. onde a população negra é superior a 50%. A analogia a prisional. Óbvio que não se trata de sugerir que sua classe média da zona norte), Serginho oi o vilão perei-
Vale ressaltar que todas as crianças e adolescentes as- países aricanos como contraponto a países europeus alternativa, o assalto, seja uma opção a ser considerada to. Anal, o roteiro já estava lá antes da sua chegada. As
sassinadas na Candelária eram negros(as), isto é, raça denota a racialização do enômeno da taxa de natali- diante das constantes negativas de inserção no mercado  justicativas já estavam garantidas, se a opinião pública
é um critério para o genocídio autorizado ou não auto- dade. O discurso do Estado uminense, assim como de trabalho. Ele já tinha sido usuário do sistema peni- retrucasse, solicitando um prazo de negociação maior,
rizado. Ou seja, o biopoder unciona numa via dupla. o seu planejamento e suas práticas, é um exercício do tenciário durante nove meses, motivos: porte ilegal de as bases para a réplica e tréplica tinham vindo anos
Por um lado, o direito de matar do Estado está assegu- biopoder. Uma análise de discurso do governador e do arma, estelionato e urto. As dúvidas são sobre o tempo antes, nas entrevistas do governador e do secretário de
rado no combate que é denido como guerra contra o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro no de negociação. O coronel Mário Sérgio, da Polícia Mi- Segurança do Rio de Janeiro no ano de 2007. O coronel
crime. Por outro, de modo desautorizado, a violência ano de 2007 aponta para uma pereita adequação aos litar do Estado do Rio de Janeiro (PM), disse nos blogs Mário Sérgio ez questão de comparar com o caso do
é dirigida para uma parte da população que compar- mecanismos do biopoder, o que por sua vez implica http://marius-sergius.blogspot.com/ e http://pmerj.org/ ônibus 174 alguns anos antes, inormando que “pou-
tilha a ascendência aricana e um histórico de discri- numa estratégia racista. No caso do Estado do Rio de blog/: “Numa ocorrência com reém, o Est ado, que deve par o lobo signicaria sacricar a ovelha” em http://
minação. Ou seja, o monopólio da violência é exercido Janeiro signica dizer que jovens negros têm chances preservar vidas, corre o risco de sacricar a vida ino- marius-sergius.blogspot.com/. Serginho estava no meio
duplamente, dentro dos cânones legais e ora deles. Em signicativamente maiores de morrer em conitos ar- cente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de de uma ação ilegal, disso ninguém duvida. Mas, a cons-
2007, o secretário de Segurança Pública do Estado do mados do que jovens brancos. No Relatório Anual das preservá-las, todas, a qualquer custo”. O Major Busnello trução social racista que insistia em marginalizá-lo oi
Rio de Janeiro era o delegado José Mariano Beltrame Desigualdades no Brasil 2007 – 2008 , organizado pelo da PM oi o responsável pelo tiro certeiro. Essa ação decisiva para que 40 minutos ossem sucientes para
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dossiê temático

da Candelária, na madrugada do dia 23 de julho de que raticou o exercício do biopoder numa entrevis- economist a Marcelo Paix ão (veja grácos em anexo), é um exemplo da prolaxia sociorracial na socieda-
1993, próximo às dependências da Igreja de mesmo ta. “Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na encontramos um cuidadoso estudo que identica os de brasileira, uma estratégia do biopoder. Com isso,
nome, localizada no centro da cidade: seis adolescentes Coréia (perieria) é outra. À medida que se discute eeitos assimétricos do biopoder entre negros (pretos não estamos dizendo que estelionato, porte ilegal de
e dois jovens sem teto oram brutalmente assassinados essa questão do enrentamento, isso benecia a ação e pardos). De acordo com o Mapa da Violência, em arma, urto e assalto são atividades ou opções para os
por policiais militares. Vale lembrar que eram todos do tráco de drogas” ( G1, 23/10/2007). O Secretário mais de 90% desses casos de homicídio as vítimas eram excluídos; mas, queremos problematizar a ausência de
negros. Apesar das especulações sobre o caso, e após estava deendendo a ação policial na Favela da Coréia homens e os mais atingidos oram os negros: se em titubeios, o prazo de negociações. Ou seja, a convicção
dezoito anos passados, as reais razões do desbunde de na semana anterior. A operação policial oi responsá- 2002 morriam 46% mais negros do que brancos, em de que a vida criminosa p ode ser eliminada.
crueldade não são colocadas. A história hoje contada,  vel pela morte de 13 pessoas, incluindo uma criança. 2007 a proporção cresceu para 108%” (CORREIO DO O biopoder tem um postulado, “se você quer vi-
como toda a história do Brasil, é passada com mui- A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comentou BRASIL, 30/03/2010). A pesquisa  Mapa da Violência  ver, é preciso que o outro morra” (FOUCAUL, 2002,
tas lacunas, que a covardia dos homens os impede de que o governo do estado do Rio de Janeiro “assumiu 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil  oi eita pelo p.305). O que está em jogo é que a “morte da raça ruim,
contar. Levantam-se hipóteses de vingança, por razões publicamente que, para o governo, o morador de classe sociólogo Julio Jacobo Waiselsz do Instituto Sangari. da raça inerior (...) é o que vai deixar a vida em geral
distintas, porém a mais próxima da verdade parece ser a média da Zona Sul recebe tratamento dierente e tem mais sadia” (Ibidem). Com eeito, no Rio de Janeiro,
que ainda hoje vemos nos noticiários. Policiais contra- direitos de cidadania que o trabalhador que mora na considerando as declarações do Governo no ano de
tados para azer “limpezas” em certas áreas da cidade. avela não tem” ( G1, 23/10/2007).
Sete anos depois, Sandro Barbosa do Nascimento nos O biopoder é “uma espécie de estatização do bio-
o BiopodeR No caso 2007, as ações anteriores já citadas, ao lado do caso
em oco de 2009, a raça ruim é a população que vive
relembra da atrocidade cometida naquele dia, um ato lógico ou, pelo menos, uma certa inclinação (...) que seRgiNho nas perierias/subúrbios e avelas, o que aponta para a
 violento que marca mais uma vez a história do Rio de se poderia chamar de estatização do biológico” (FOU- população negra.
Janeiro. Ainda no ano de 1993, no vigésimo nono dia CAUL, 2002, p.286). As tecnologi as do biopoder e suas Em 25 de setembro de 2009, um evento na cidade Rio Serginho era o símbolo e a maniestação do que
do mês de agosto, novo massacre, agora na avela de técnicas são aplicadas conjuntamente por meio de uma de Janeiro merece especial atenção, porque se encaixa deve ser eliminado: homem, negro e jovem. Como já
Vigário Geral: cerca de cinquenta homens encapuzados gestão estatal que incide sobre a vida. Este modo de dentro do que oi proposto pelo nosso trabalho: o exer- oi dito, o Estado az uso da “eliminação das raças e
invadiram o bairro durante a madrugada, arrombando gestão impele o Estado a gerenciar “a proporção dos cício do racismo através da emergência do biopoder. O a puricação da raça para exercer seu poder sobera-
casas e alvejando vinte e um moradores. É oportuno nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a e- ápice oi vivido por três pessoas: Sérgio Ferreira Pinto no” (FOUCAUL, 2002, p.309). Serginho oi mais um
registrar que todos eram pretos e pardos (negros). A cundidade de uma população” (FOUCAUL, 2002, Júnior, o Serginho, na época com 24 anos, negro e que exemplo. Anal, “os Estados mais assassinos são, ao
motivação para os homicídios oi uma suposta vingan- p.290). Em entrevista publicada na página de notícias ugia após ter cometido o crime de assalto; Ana Cristina mesmo tempo, orçosamente os mais racistas” (Ibi-
ça pela morte de outros policiais. Em 15 de abril de do G1 em 24 de outubro de 2007, o então governador Garrido, com 48 anos em 2009, mulher branca e reém dem). A tese que o Estado racista deende é de que a
2005, no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Sérgio Cabral armou que “Você pega o número de de Serginho; major João Jaques Busnello, na ocasião preservação da ordem social estaria garantida à medida
 vinte e nove pessoas oram mortas, novamente a notícia lhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, ijuca, com 39 anos, lotado no 6º BPM (ijuca), homem bran- que a orça de coerção eliminasse os criminosos. Os
oi dada e as investigações aconteceram, colocando sob Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na co que estava representando o Estado em sua extensão eliminados e elimináveis são, conorme os dados em
suspeita agentes de segurança pública. É orçoso lem- Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma ábrica coercitiva. anexo, jovens negros.
brar que mais de 80% dos mortos eram negros. de produzir marginal” ( G1, 24/10/2007). Na época, o Serginho tinha o ensino médio completo, estava Serginho representou e encerrou o signo do que
O que estamos problematizando é o aparente pa- governador estava deendendo uma política de ligadura desempregado desde o nascimento da sua lha – com deve ser combatido. Numa ação lmada e aplaudida
radoxo de que orças de segurança do Estado, de modo de trompas para mulheres de bairros como a Rocinha, três anos na época – e tinha passagem pelo sistema pela população tijucana (moradores de um bairro de
extra-ocial, azem exercícios de “limpeza sociorracial”. onde a população negra é superior a 50%. A analogia a prisional. Óbvio que não se trata de sugerir que sua classe média da zona norte), Serginho oi o vilão perei-
Vale ressaltar que todas as crianças e adolescentes as- países aricanos como contraponto a países europeus alternativa, o assalto, seja uma opção a ser considerada to. Anal, o roteiro já estava lá antes da sua chegada. As
sassinadas na Candelária eram negros(as), isto é, raça denota a racialização do enômeno da taxa de natali- diante das constantes negativas de inserção no mercado  justicativas já estavam garantidas, se a opinião pública
é um critério para o genocídio autorizado ou não auto- dade. O discurso do Estado uminense, assim como de trabalho. Ele já tinha sido usuário do sistema peni- retrucasse, solicitando um prazo de negociação maior,
rizado. Ou seja, o biopoder unciona numa via dupla. o seu planejamento e suas práticas, é um exercício do tenciário durante nove meses, motivos: porte ilegal de as bases para a réplica e tréplica tinham vindo anos
Por um lado, o direito de matar do Estado está assegu- biopoder. Uma análise de discurso do governador e do arma, estelionato e urto. As dúvidas são sobre o tempo antes, nas entrevistas do governador e do secretário de
rado no combate que é denido como guerra contra o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro no de negociação. O coronel Mário Sérgio, da Polícia Mi- Segurança do Rio de Janeiro no ano de 2007. O coronel
crime. Por outro, de modo desautorizado, a violência ano de 2007 aponta para uma pereita adequação aos litar do Estado do Rio de Janeiro (PM), disse nos blogs Mário Sérgio ez questão de comparar com o caso do
é dirigida para uma parte da população que compar- mecanismos do biopoder, o que por sua vez implica http://marius-sergius.blogspot.com/ e http://pmerj.org/ ônibus 174 alguns anos antes, inormando que “pou-
tilha a ascendência aricana e um histórico de discri- numa estratégia racista. No caso do Estado do Rio de blog/: “Numa ocorrência com reém, o Est ado, que deve par o lobo signicaria sacricar a ovelha” em http://
minação. Ou seja, o monopólio da violência é exercido Janeiro signica dizer que jovens negros têm chances preservar vidas, corre o risco de sacricar a vida ino- marius-sergius.blogspot.com/. Serginho estava no meio
duplamente, dentro dos cânones legais e ora deles. Em signicativamente maiores de morrer em conitos ar- cente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de de uma ação ilegal, disso ninguém duvida. Mas, a cons-
2007, o secretário de Segurança Pública do Estado do mados do que jovens brancos. No Relatório Anual das preservá-las, todas, a qualquer custo”. O Major Busnello trução social racista que insistia em marginalizá-lo oi
Rio de Janeiro era o delegado José Mariano Beltrame Desigualdades no Brasil 2007 – 2008 , organizado pelo da PM oi o responsável pelo tiro certeiro. Essa ação decisiva para que 40 minutos ossem sucientes para
24 25

dossiê temático

que o comando da operação autorizasse o disparo. Nos- oucaultiana que opera como racismo antissemita para Razão de mortalidade por formas especicadas de homicídio da população residente acima de cinco anos de
sa observação é que o racismo oi o ator decisivo na o racismo anti-negro no Brasil. Alguns trechos de en- idade segundo os grupos de cor ou r aça (branca e preta & parda) e sexo, Brasil, 2005 (por mil habitantes)
decisão que culminou com o tiro atal do Major Bus- trevistas de representantes do poder público uminense Homens Brancos Homens Pretos & Pardos
nello. Vale registrar que não estamos tratando de ações e ações policiais oram colocadas à luz dos operadores Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
individuais; o que está em jogo não é a ação isolada do conceituais oucaultianos, propiciando um entendi- arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
disparo. Estamos tratando de uma política de Estado, mento do racismo como uma política de Estado, um 1999 22,0 3,5 10,4 33,3 6,0 12,6
de um modo de gestão que ultrapassa o ato de apertar conjunto de políticas constitutivas do Estado brasileiro,
2000 27,2 3,9 8,4 42,6 7,5 9,9
o gatilho. especialmente na sociedade uminense, em avor da
2001 29,7 4,8 7,5 46,6 8,8 8,9
maximização da vida de alguns a partir do assassina-
to direto, como em unção a ampliação de riscos. Em 2002 29,0 4,7 8,1 48,4 9,4 9,9

coNsideRaÇões fiNais outros termos, o diícil acesso aos programas e aten-


dimentos de saúde, a baixa qualidade da escola públi-
2003 30,4 4,6 6,9 49,9 9,2 9,0
2004 26,4 4,5 5,8 46,1 8,7 7,9
ca, etc. Entre as ações policiais extra-ociais e ociais, 2005 24,2 4,6 5,0 45,0 9,4 7,1
O escopo deste trabalho é trazer algumas contribuições destacamos o “caso Sergi nho”. Um caso que e xemplica
Mulheres Brancas Mulheres Pretas & Pardas
para os estudos das relações étnico-raciais no Brasil no como as estratégias racistas do biopoder uncionam.
Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
que diz respeito à violência. Com este intuito, procura- Um olhar, uma perspectiva que busca sublinhar alguns arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
mos descrever, partindo de um repertório ocaultiano, dispositivos dos mecanismos de uncionamento do ra-
1999 1,7 0,5 1,1 2,0 0,8 1,2
como o biopoder unciona e seu vínculo indissociável cismo estatal na sociedade uminense e, de modo mais
com o racismo. Um desao é a transposição da pesquisa geral, na sociedade brasileira. 2000 2,1 0,7 1,0 2,6 0,9 1,1
2001 2,0 0,7 1,0 2,6 1,1 1,0
2002 2,0 0,7 1,0 2,5 1,0 1,1
2003 2,1 0,8 0,9 2,6 1,0 1,1
2004 2,0 0,7 0,9 2,3 1,0 1,0
Razão de mortalidade da população residente acima de cinco anos de idade por homicídio segundo
2005 1,8 0,8 0,9 2,5 1,1 0,9
os grupos de cor ou raça (branca e preta & parda), Brasil, 1999-2005 (por 100 mil habitantes)

80
BiBliogRafia _______. A her menêutica do suje ito. 1 a Ed. Martins
Fontes - SP, 2004.
70 67,64 _____________.Resumo dos cursos do Collége de Fran-
61,48 CASELO BRANCO, Guilherme. “Racismo, indivi- ce. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
60 dualismo, biopoder”. Revista de Filosoa Aurora , MAIA, Antônio. C. Sobre a analítica do poder de Fou-
51,93 Curitiba, v. 21, n. 28, p. 29-38, jan./jun. 2009 cault. empo Social: Revista de Sociologia. USP, São
COELHO, Camilo e OLIVEIRA, Djalma. Mãe de assal- Paulo, 7(1-2): 83-103, outubro de 1995.
50
tante morto em Vila Isabel após azer comerciante MELO, Alice. 23 de julho de 1993 – A chacina da Can-
41,88
reém sai em deesa do lho. Disponível em: extra. delária. Disponível em: www.jblog.com.br. Cande-
40 35,83 globo.com. Reportagem - Setembro/2009. lária_Julho/2010.
33,82
DREYFUS, H. e RABINOW, P. Michel Foucault: beyond  OBSERVAÓRIO DA IMPRENSA NO RÁDIO – Mapa
30 structuralism and hermeneutics. Chicago: Te Uni- da violência – negro tem 130 vezes mais chances de
 versity Chicago Press, 1982. ser assassinado. Disponível em: coletivodar.word-
20 FOUCAUL, M. Em deesa da sociedade. São Paulo: press.com. Violência – Abril/2010.
Martins Fontes, 2002(1). OBSERVAÓRIO NOÍCIAS E ANÁLISES – Até
10 _____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. quando? Disponível em: w ww.observatoriodea-
3,96 4,57 4,43
26 ed. Petrópolis: Vozes, 2002(2).  velas.org.br. Editorial – Abril/2009.
3,29 3,71 3,45 _____________. Microísica do poder. Rio de Janeiro: SILVEIRA, Raael. Michel Foucault: poder e análise das
0
1999 2002 2005 Graal, 2005. organizações. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
_______. “O que é a crítica?” IN: BIROLI, Flávia; AL- VEIGA-NEO, Alredo. Foucault & a educação. Belo
Homens negros e pardos Homens brancos Mulheres negras e pardas Mulheres brancas VAREZ, Marcos César (orgs.). Michel Foucault: Horizonte: Autêntica, 2007.
histórias e destinos de um pensamento. Cadernos WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência no Bra-
Fonte: Datasus / Min. Saúde, microdados SIM. IBGE, microdados PNAD da Faculdade de Filosoa e Ciências , Vol.9, n.1. Ma- sil. Disponível em: www.institutosangari.org.br e
Tabulações: LAESER – Fichário das DesigualdadesRaciais rília: Unesp-Marília-Publicações, 2000. terratv.terra.com.br. Violência – Fevereiro/2011.
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dossiê temático

que o comando da operação autorizasse o disparo. Nos- oucaultiana que opera como racismo antissemita para Razão de mortalidade por formas especicadas de homicídio da população residente acima de cinco anos de
sa observação é que o racismo oi o ator decisivo na o racismo anti-negro no Brasil. Alguns trechos de en- idade segundo os grupos de cor ou r aça (branca e preta & parda) e sexo, Brasil, 2005 (por mil habitantes)
decisão que culminou com o tiro atal do Major Bus- trevistas de representantes do poder público uminense Homens Brancos Homens Pretos & Pardos
nello. Vale registrar que não estamos tratando de ações e ações policiais oram colocadas à luz dos operadores Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
individuais; o que está em jogo não é a ação isolada do conceituais oucaultianos, propiciando um entendi- arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
disparo. Estamos tratando de uma política de Estado, mento do racismo como uma política de Estado, um 1999 22,0 3,5 10,4 33,3 6,0 12,6
de um modo de gestão que ultrapassa o ato de apertar conjunto de políticas constitutivas do Estado brasileiro,
2000 27,2 3,9 8,4 42,6 7,5 9,9
o gatilho. especialmente na sociedade uminense, em avor da
2001 29,7 4,8 7,5 46,6 8,8 8,9
maximização da vida de alguns a partir do assassina-
to direto, como em unção a ampliação de riscos. Em 2002 29,0 4,7 8,1 48,4 9,4 9,9

coNsideRaÇões fiNais outros termos, o diícil acesso aos programas e aten-


dimentos de saúde, a baixa qualidade da escola públi-
2003 30,4 4,6 6,9 49,9 9,2 9,0
2004 26,4 4,5 5,8 46,1 8,7 7,9
ca, etc. Entre as ações policiais extra-ociais e ociais, 2005 24,2 4,6 5,0 45,0 9,4 7,1
O escopo deste trabalho é trazer algumas contribuições destacamos o “caso Sergi nho”. Um caso que e xemplica
Mulheres Brancas Mulheres Pretas & Pardas
para os estudos das relações étnico-raciais no Brasil no como as estratégias racistas do biopoder uncionam.
Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
que diz respeito à violência. Com este intuito, procura- Um olhar, uma perspectiva que busca sublinhar alguns arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
mos descrever, partindo de um repertório ocaultiano, dispositivos dos mecanismos de uncionamento do ra-
1999 1,7 0,5 1,1 2,0 0,8 1,2
como o biopoder unciona e seu vínculo indissociável cismo estatal na sociedade uminense e, de modo mais
com o racismo. Um desao é a transposição da pesquisa geral, na sociedade brasileira. 2000 2,1 0,7 1,0 2,6 0,9 1,1
2001 2,0 0,7 1,0 2,6 1,1 1,0
2002 2,0 0,7 1,0 2,5 1,0 1,1
2003 2,1 0,8 0,9 2,6 1,0 1,1
2004 2,0 0,7 0,9 2,3 1,0 1,0
Razão de mortalidade da população residente acima de cinco anos de idade por homicídio segundo
2005 1,8 0,8 0,9 2,5 1,1 0,9
os grupos de cor ou raça (branca e preta & parda), Brasil, 1999-2005 (por 100 mil habitantes)

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BiBliogRafia _______. A her menêutica do suje ito. 1 a Ed. Martins
Fontes - SP, 2004.
70 67,64 _____________.Resumo dos cursos do Collége de Fran-
61,48 CASELO BRANCO, Guilherme. “Racismo, indivi- ce. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
60 dualismo, biopoder”. Revista de Filosoa Aurora , MAIA, Antônio. C. Sobre a analítica do poder de Fou-
51,93 Curitiba, v. 21, n. 28, p. 29-38, jan./jun. 2009 cault. empo Social: Revista de Sociologia. USP, São
COELHO, Camilo e OLIVEIRA, Djalma. Mãe de assal- Paulo, 7(1-2): 83-103, outubro de 1995.
50
tante morto em Vila Isabel após azer comerciante MELO, Alice. 23 de julho de 1993 – A chacina da Can-
41,88
reém sai em deesa do lho. Disponível em: extra. delária. Disponível em: www.jblog.com.br. Cande-
40 35,83 globo.com. Reportagem - Setembro/2009. lária_Julho/2010.
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DREYFUS, H. e RABINOW, P. Michel Foucault: beyond  OBSERVAÓRIO DA IMPRENSA NO RÁDIO – Mapa
30 structuralism and hermeneutics. Chicago: Te Uni- da violência – negro tem 130 vezes mais chances de
 versity Chicago Press, 1982. ser assassinado. Disponível em: coletivodar.word-
20 FOUCAUL, M. Em deesa da sociedade. São Paulo: press.com. Violência – Abril/2010.
Martins Fontes, 2002(1). OBSERVAÓRIO NOÍCIAS E ANÁLISES – Até
10 _____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. quando? Disponível em: w ww.observatoriodea-
3,96 4,57 4,43
26 ed. Petrópolis: Vozes, 2002(2).  velas.org.br. Editorial – Abril/2009.
3,29 3,71 3,45 _____________. Microísica do poder. Rio de Janeiro: SILVEIRA, Raael. Michel Foucault: poder e análise das
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1999 2002 2005 Graal, 2005. organizações. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
_______. “O que é a crítica?” IN: BIROLI, Flávia; AL- VEIGA-NEO, Alredo. Foucault & a educação. Belo
Homens negros e pardos Homens brancos Mulheres negras e pardas Mulheres brancas VAREZ, Marcos César (orgs.). Michel Foucault: Horizonte: Autêntica, 2007.
histórias e destinos de um pensamento. Cadernos WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência no Bra-
Fonte: Datasus / Min. Saúde, microdados SIM. IBGE, microdados PNAD da Faculdade de Filosoa e Ciências , Vol.9, n.1. Ma- sil. Disponível em: www.institutosangari.org.br e
Tabulações: LAESER – Fichário das DesigualdadesRaciais rília: Unesp-Marília-Publicações, 2000. terratv.terra.com.br. Violência – Fevereiro/2011.
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dossiê temático

corpos nEgros
Educados:
notas acErca do
movimEnto nEgro
dE basE acadêmica ResuMo
Neste ensaio, abordo a ormação do movimento negro de base
ResuMÉ
Dans cet essai, j’aborde la ormation du mouvement noir acadé-
acadêmica na década de 1970. Em seguida, discuto brevemente mique dans la décennie de 1970. Ensuite, je discute brèvement la
a constituição dos Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros entre os constituition des Noyaux d’Études Aro-Brésiliennes entre les années
alex Ratts anos 1980 e 1990 e aço reerência à criação dos Coletivos de 1980 et 1990 et ais de la réérence à la création des Collectis d’Étu-
Antropólogo. Professor dos cursos de Estudantes Negros/as na década seguinte, período concomitante diants Noirs dans la décennie suivante, période concomitante à la
graduação e pós-graduação em Geograa à discussão e implementação de Ações Armativas e das cotas discussion et mise en oeuvre d’Actions Armatives et des quotas
e do mestrado em Antropologia da Uni- raciais. Na conclusão, trato da entrada de “corpos negros educa- raciales. Dans la conclusion je reète concernant l’entrée de « corps
versidade Federal de Gois. Coordenador dos” no espaço acadêmico, com signicativa atuação individual noirs instruits » dans l’espace académique, avec signicative peror-
do Laboratório de Estudos de Gênero, e coletiva. mance individuelle et collective.
Étnico-Raciais e Espacialidades do Ins-
tituto de Estudos Sócio-Ambientais da
Universidade Federal de Gois. Palavras chave: negros, movimento negro acadêmico, intelec- Les Mots Clé: mouvement noir académique, intellectuels noirs,
tuais negros, corpos educados. corps instruits.

1974 e 1975, e para a Quinzena do Negro , organizada era religiosa com grupos como os Agentes de Pastoral
iNtRoduÇÃo na Universidade de São Paulo, em 1977, pelo sociólogo Negros e o Movimento Negro Evangélico.
Eduardo Oliveira e Oliveira. Este enômeno exige algumas considerações acerca
Depois discorro brevemente acerca da ormação da pluralidade interna do movimento negro. Nos pri-
O debate público acerca das ações airmativas para de grupos acadêmicos nos anos 1980 e 1990, os cha- meiros anos da reorganização do movimento neg ro, Lé-
grupos sociais historicamente discriminados com oco mados Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) lia Gonzalez (1982) chama a atenção para a pluralidade
para as cotas raciais pode ser inserido numa discussão e, por m, aço reerência à criação de Coletivos de de organizações e para a sua unidade. Posteriormente,
acerca da relação entre educação e corporeidade. Há Estudantes Negros/as (CENs) nos anos 2000, período Joel Runo dos Santos amplia para o passado e o pre-
um notório incômodo com os corpos negros, corpos concomitante à discussão e implementação de Ações sente a gama de entidades com base em levantamento
que pensam, que propõem esse debate, e com as cor- Armativas e das cotas raciais. A conclusão aponta para de Paulo Roberto dos Santos (1984):
poreidades negras que estão adentrando a universidade a entrada e permanência de corpos negros discentes
brasileira de orma coletiva e organizada. e docentes no espaço acadêmico, com signiicativa (...) a melhor denição de movimento negro é: todas
Os anos 1970, período considerado de surgimento atuação individual e coletiva, como portadores de um as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de
do movimento negro contemporâneo, são, para mim, projeto político acadêmico que tem memória e história. qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que
também a época de ormação do que denomino de  visavam à autodeesa ísica e cultural do negro], un-
movimento negro de base acadêmica (RAS, 2009). dadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades
Ele se caracteriza pela ação organizada de docentes e
discentes, por vezes de técnicos administrativos, que
a MoviMeNtaÇÃo NegRa religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo],
assistenciais [como as conrarias coloniais], recreativas
se armam negros/as no espaço acadêmico e, na con- No espaÇo acadêMico [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúme-
temporaneidade, constituem grupos de atuação como ros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], cultu-
os Núcleos d e Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) e os Desde a criação das universidades brasileiras, voltadas rais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas
Coletivos de Estudantes Negros, dentre outros. para uma elite social, até o último quartel do século XX, [como o Movimento Negro Unicado]; e ações de mo-
Neste ensaio, que advém de pesquisas e obser- a presença de acadêmicos/as negros/as é uma exceção bilização política, de protesto anti-discriminatório, de
 vações que ten ho real izado i ndividualmente ou em que conrma a regra. Nos anos 1970, podemos dizer aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos
conjunto com outros/as pesquisadores/as acerca das que alguns/umas ativistas que participam da reorgani- artísticos, literários e ‘olclóricos’ – toda essa complexa
trajetórias de intelectuais ativistas negros (RAS, zação do movimento negro contemporâneo, também se dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou
2007, 2009; RAS & RIOS, 2010), primeiramente situam no interior de algumas universidades públicas cotidiana, constitui movimento negro. (SANOS, J.
apontamos aquele que consideramos um momento e privadas e chegam a constituir grupos de estudo e de 1994b: p. 157).
inicial de constituição deste campo. Os destaques vãos intervenção neste âmbito, o que me leva a armar a Ampliar este quadro não aponta necessariamen-
para o Grupo de rabalho André Rebouças ormado existência de um movimento negro de base acadêmica te para uma compreensão, pois nem todos os grupos
pela historiadora Beatriz Nascimento e por estudantes ou mais simplesmente um movimento negro acadêmi- negros (ou de maioria negra) culturais, recreativos e
negros/as na Universidade Federal Fluminense entre co para o período, a exemplo do que se observa na es- religiosos conhecidos se identicam como movimento
29
dossiê temático

corpos nEgros
Educados:
notas acErca do
movimEnto nEgro
dE basE acadêmica ResuMo
Neste ensaio, abordo a ormação do movimento negro de base
ResuMÉ
Dans cet essai, j’aborde la ormation du mouvement noir acadé-
acadêmica na década de 1970. Em seguida, discuto brevemente mique dans la décennie de 1970. Ensuite, je discute brèvement la
a constituição dos Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros entre os constituition des Noyaux d’Études Aro-Brésiliennes entre les années
alex Ratts anos 1980 e 1990 e aço reerência à criação dos Coletivos de 1980 et 1990 et ais de la réérence à la création des Collectis d’Étu-
Antropólogo. Professor dos cursos de Estudantes Negros/as na década seguinte, período concomitante diants Noirs dans la décennie suivante, période concomitante à la
graduação e pós-graduação em Geograa à discussão e implementação de Ações Armativas e das cotas discussion et mise en oeuvre d’Actions Armatives et des quotas
e do mestrado em Antropologia da Uni- raciais. Na conclusão, trato da entrada de “corpos negros educa- raciales. Dans la conclusion je reète concernant l’entrée de « corps
versidade Federal de Gois. Coordenador dos” no espaço acadêmico, com signicativa atuação individual noirs instruits » dans l’espace académique, avec signicative peror-
do Laboratório de Estudos de Gênero, e coletiva. mance individuelle et collective.
Étnico-Raciais e Espacialidades do Ins-
tituto de Estudos Sócio-Ambientais da
Universidade Federal de Gois. Palavras chave: negros, movimento negro acadêmico, intelec- Les Mots Clé: mouvement noir académique, intellectuels noirs,
tuais negros, corpos educados. corps instruits.

1974 e 1975, e para a Quinzena do Negro , organizada era religiosa com grupos como os Agentes de Pastoral
iNtRoduÇÃo na Universidade de São Paulo, em 1977, pelo sociólogo Negros e o Movimento Negro Evangélico.
Eduardo Oliveira e Oliveira. Este enômeno exige algumas considerações acerca
Depois discorro brevemente acerca da ormação da pluralidade interna do movimento negro. Nos pri-
O debate público acerca das ações airmativas para de grupos acadêmicos nos anos 1980 e 1990, os cha- meiros anos da reorganização do movimento neg ro, Lé-
grupos sociais historicamente discriminados com oco mados Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) lia Gonzalez (1982) chama a atenção para a pluralidade
para as cotas raciais pode ser inserido numa discussão e, por m, aço reerência à criação de Coletivos de de organizações e para a sua unidade. Posteriormente,
acerca da relação entre educação e corporeidade. Há Estudantes Negros/as (CENs) nos anos 2000, período Joel Runo dos Santos amplia para o passado e o pre-
um notório incômodo com os corpos negros, corpos concomitante à discussão e implementação de Ações sente a gama de entidades com base em levantamento
que pensam, que propõem esse debate, e com as cor- Armativas e das cotas raciais. A conclusão aponta para de Paulo Roberto dos Santos (1984):
poreidades negras que estão adentrando a universidade a entrada e permanência de corpos negros discentes
brasileira de orma coletiva e organizada. e docentes no espaço acadêmico, com signiicativa (...) a melhor denição de movimento negro é: todas
Os anos 1970, período considerado de surgimento atuação individual e coletiva, como portadores de um as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de
do movimento negro contemporâneo, são, para mim, projeto político acadêmico que tem memória e história. qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que
também a época de ormação do que denomino de  visavam à autodeesa ísica e cultural do negro], un-
movimento negro de base acadêmica (RAS, 2009). dadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades
Ele se caracteriza pela ação organizada de docentes e
discentes, por vezes de técnicos administrativos, que
a MoviMeNtaÇÃo NegRa religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo],
assistenciais [como as conrarias coloniais], recreativas
se armam negros/as no espaço acadêmico e, na con- No espaÇo acadêMico [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúme-
temporaneidade, constituem grupos de atuação como ros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], cultu-
os Núcleos d e Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) e os Desde a criação das universidades brasileiras, voltadas rais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas
Coletivos de Estudantes Negros, dentre outros. para uma elite social, até o último quartel do século XX, [como o Movimento Negro Unicado]; e ações de mo-
Neste ensaio, que advém de pesquisas e obser- a presença de acadêmicos/as negros/as é uma exceção bilização política, de protesto anti-discriminatório, de
 vações que ten ho real izado i ndividualmente ou em que conrma a regra. Nos anos 1970, podemos dizer aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos
conjunto com outros/as pesquisadores/as acerca das que alguns/umas ativistas que participam da reorgani- artísticos, literários e ‘olclóricos’ – toda essa complexa
trajetórias de intelectuais ativistas negros (RAS, zação do movimento negro contemporâneo, também se dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou
2007, 2009; RAS & RIOS, 2010), primeiramente situam no interior de algumas universidades públicas cotidiana, constitui movimento negro. (SANOS, J.
apontamos aquele que consideramos um momento e privadas e chegam a constituir grupos de estudo e de 1994b: p. 157).
inicial de constituição deste campo. Os destaques vãos intervenção neste âmbito, o que me leva a armar a Ampliar este quadro não aponta necessariamen-
para o Grupo de rabalho André Rebouças ormado existência de um movimento negro de base acadêmica te para uma compreensão, pois nem todos os grupos
pela historiadora Beatriz Nascimento e por estudantes ou mais simplesmente um movimento negro acadêmi- negros (ou de maioria negra) culturais, recreativos e
negros/as na Universidade Federal Fluminense entre co para o período, a exemplo do que se observa na es- religiosos conhecidos se identicam como movimento
29

dossiê temático

deste processo e ministrou cursos em vários estados ou seja, a pessoa negra passa a ter voz própria no mun-
brasileiros. É diícil estimar a proporção de pessoas gra- do acadêmico, como sujeito coletivo e como individua-
duadas entre os/a undadores das entidades negras nos lidade orte (SANOS, M. 1999). No contexto de uma
estados no período em oco. Parte signicativa dos/as discussão acerca da noção de quilombo, estes novos
ativistas negros/as que undaram as reeridas entidades sujeitos são chamados de “ideólogos negros, teorica-
não tinham passagem pela universidade, tanto que em mente liados às ciências sociais ou por elas inuen-
algumas situações se instaura uma tensão em torno do ciados, preocupados em criar bandeiras de combate,
risco de embranquecimento dos/as acadêmicos/as ne- pontas de lança de ação, ideias arregimentadoras de
negro ou são reconhecidos pelos óruns políticos ne- Esta citação é interessante por três razões: 1) capta a gros/as (RAS, 2007; 2009). consciências e atuações políticas” (BORGES PEREIRA,
gros. O dilema entre cultura e política se instaura par- noção consensual do que signica movimento negro; No caso do movimento negro de base acadêmica, 1983b: XIV) 1.
ticularmente aí, porém, no meu entendimento, trata-se 2) descreve em linhas gerais seus tipos organizativos e, nos anos 1970 e 1980, poucos grupos se identicaram Este é o período em que alguns/umas mestres e
de voltar-se para os critérios de identicação e para o 3) estabelece uma periodização para um movimento ou oram identicados como tal. É o caso do Grupo doutores/as que hoje são reerência dos estudos de re-
campo e orma de atuação de cada grupo. Alguns auto- negro de tipo mais “político”. De ato, boa parte da lite- de rabalho André Rebouças, criado na Universidade lações raciais e das culturas negras, se inseriam nas uni-
res como Márcio André O. dos Santos (2009) preerem ratura sobre este movimento social ala de uma “reno- Federal Fluminense, bem como do GPLUN (Grupo  versidades, sobretudo públicas, a exemplo de Kabengele
a expressão no plural – movimentos negros – como se  vação” ou “retomada” dos movimentos negros no nal de rabalho de Prossionais Liberais e Universitários Munanga, Muniz Sodré e Joel Runo dos Santos, pos-
o singular previsse uma harmonia, assertiva com a qual dos anos 70. No entanto, outros trabalhos apontam que Negros) de São Paulo e do Grupo Negro da PUC-SP teriormente de Leda Maria Martins, Maria de Lourdes
não concordo, optando pela denominação de Gonzalez o “movimento negro moderno” data do início dos anos (SANOS, I. 2006). Siqueira, Helena Teodoro Lopes, Henrique Cunha Jr.,
e Runo e, mais recentemente, de Rios (2009). 30, transormando-se continuamente (...). (SANOS, A transormação provocada no momento da atu- Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Outros/as inte-
J. Santos sintetiza o quadro do período: M. 2009: p. 237). ação relativamente conjunta de intelectuais ativistas lectuais negros/as ativistas traçam caminhos distintos,
negros/as ou de negros/as intelectuais como preere como é o caso de Clóvis Moura, reconhecido pelos seus
Foi nos anos setenta que a luta organizada contra o ra- O autor provavelmente está tratando de entidades Sales Augusto dos Santos (2007), é pontuada por Rios pares nas universidades.
cismo desembocou, enm, num movimento negro de como Frente Negra Brasileira (FNB), União dos Ho- (2009), que indica que este quadro se verica em outros O movimento negro de base acadêmica se sinto-
amplitude nacional e claramente destacado de outros mens de Cor (UHC) e eatro Experimental do Negro movimentos sociais na América Latina: niza com as outras organizações no enunciado da exis-
movimentos sociais e políticos. Aquilo que os próprios (EN), que atuam na primeira metade de século XX tência do racismo no Brasil, no repensar a nação em
militantes negros convencionaram chamar de movimen- (DOMINGUES, 2007), período durante o qual não (...) os estudos que engrossam a produção sobre mo- plena ditadura militar, e pela busca de uma narrativa
to negro, no entanto, são na verdade cerca de 400 enti- identico uma articulação negra de base acadêmica.  vimento negro a p artir dos a nos 7 0 são eitos, em própria, de histórias e memórias negras. O cenário traz
dades, de diversos tipos, rouxamente articuladas entre Uma citação a mais de J. Santos contribui para a grande medida, por intelectuais negros, nacionais e também o quadro das relações entre pesquisadores/as
si – há quem prera mesmo designá-lo por “movimen- percepção da entrada, ainda que reduzida e por vezes estrangeiros, engajados na luta anti-racista. Isso não brancos/as e negros/as que merece levantamentos e
tos negros”, no plural. Há desde organizações políticas superestimada, de jovens negros/as no meio acadêmico: oge, pois, a uma tendência da geração desse período: estudos mais aproundados no que se reere a grupos
rígidas (como o Movimento Negro Unicado, o MNU, muitos militantes e simpatizantes de diversos movi- e eventos, a exemplo do G “emas e problemas da
a mais notória), até instituições semi-acadêmicas (como É preciso lembrar, em seguida, que os movimentos ne- mentos sociais tornam-se pesquisadores dessa orma população negra” da Associação Nacional de Pesquisa
o Grupo André Rebouças, na Universidade Federal Flu- gros são lhos do “boom” educacional dos anos setenta de ação coletiva em toda a América Latina, como oi e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e no
minense), passando por centros autônomos de pesquisa – prolieração de aculdades particulares estimulada muito bem notado por Cardoso (1989) e Gohn (2004). tocante à relação entre orientadores/as brancos/as e
histórica e cultural do negro (como o Centro de Cultura pelo estado como solução para a “crise de vagas no ensi- No caso do movimento negro, esse ato torna-se mais orientandos/as negros/as.
Negra do Maranhão, por exemplo). (1994a: p. 94). no superior”, considerado, geralmente, um ponto crít ico decisivo nos anos 80 em diante, pois na década ante- A trama das trajetórias pessoais e coletivas ca a
das relações sociedade-governo desde 1960. rior ainda podemos vericar uma transição, um mo- merecer maiores reexões. Flávia Rios (2009), ao cote-
J. Santos se reere a um momento em que há pou- De ato, os jovens que undam, nos anos setenta, enti- mento ainda mesclado pelos padrões de pesquisadores  jar artigos de Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e
cas entidades nacionais como o MNU, mas também a dades negras de luta contra o racismo, são invariavel- e perspectivas analíticas antigos, juntamente com as Hamilton Cardoso da primeira metade dos anos 1980,
União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), o Grupo mente desta geração universitária. Geração, primeiro, novas tendências tidas como críticas que ameaçavam deixa uma indagação e az uma armação acerca destes
de União e Consciência Negra (undado entre 1978 e do Rio e de São Paulo, onde a prolieração de aculda- aparecer. (p. 266-267) sujeitos: “Quem são eles? O que mais chama a atenção
1980, no seio da igreja católica, com a qual rompe logo des privadas oi maior, mas também dos estados, em nessa produção é o ato dos negros deslocarem-se do
depois) e os Agentes de Pastoral Negros (APNs), orga- que a uga de candidatos brancos para centros mais Para o período em oco, na literatura especíca, lugar de inormantes dos p esquisadores estabelecidos
nização criada em 1983 (SANCHIS, 1999: p. 63-64). No adiantados de ensino abria vagas para negros – é o caso são conhecidos os nomes de Beatriz Nascimento, Lé- para a posição de ensaístas e intelectuais” (p. 266).
entanto, desde meados dos anos 1980, pode-se dizer por exemplo do Maranhão e do Rio Grande do Sul, lia Gonzalez, Eduardo Oliveira e Oliveira e Hamilton
que a ação em escala nacional do MNU e das orga- onde o grande número de “negros doutores” causa es- Cardoso. É preciso ressaltar que Abdias Nascimento,
nizações mencionadas é seguida pela regionalização e panto e gera atritos peculiares (1994a, p. 96). Guerreiro Ramos e Clóvis Moura são pensadores que
nacionalização de outras coletividades, a exemplo dos têm produção escrita desde décadas anteriores. odos 1. João Batista Borges Pereira foi o orientador de Kabengele Mu-
encontros de negros Norte e Nordeste e dos encontros Além da irônica expressão “negros doutores”, que estes/as intelectuais, que acabam por se aproximar e, nanga, Marlene de Oliveira Cunha e Eduardo Oliveira e Oliveira,
nacionais de mulheres negras. remete à presença de licenciados/as e bacharéis no muitas vezes, atuar em conjunto, produziram um ponto que não concluiu a dissertação em virtude de sua morte. A dis-
Márcio André dos Santos comenta o trecho acima movimento, merece relativização esta armação de J. de inexão em que o sujeito negro não deseja ter sua cussão racializada e ideologizada em torno da noção de quilombo
de J. Santos: Santos que, como intelectual reconhecido participou  voz suplantada ou inantilizada (GONZALEZ, 1983), é abordada em Ratts (2003).
30 31
dossiê temático

deste processo e ministrou cursos em vários estados ou seja, a pessoa negra passa a ter voz própria no mun-
brasileiros. É diícil estimar a proporção de pessoas gra- do acadêmico, como sujeito coletivo e como individua-
duadas entre os/a undadores das entidades negras nos lidade orte (SANOS, M. 1999). No contexto de uma
estados no período em oco. Parte signicativa dos/as discussão acerca da noção de quilombo, estes novos
ativistas negros/as que undaram as reeridas entidades sujeitos são chamados de “ideólogos negros, teorica-
não tinham passagem pela universidade, tanto que em mente liados às ciências sociais ou por elas inuen-
algumas situações se instaura uma tensão em torno do ciados, preocupados em criar bandeiras de combate,
risco de embranquecimento dos/as acadêmicos/as ne- pontas de lança de ação, ideias arregimentadoras de
negro ou são reconhecidos pelos óruns políticos ne- Esta citação é interessante por três razões: 1) capta a gros/as (RAS, 2007; 2009). consciências e atuações políticas” (BORGES PEREIRA,
gros. O dilema entre cultura e política se instaura par- noção consensual do que signica movimento negro; No caso do movimento negro de base acadêmica, 1983b: XIV) 1.
ticularmente aí, porém, no meu entendimento, trata-se 2) descreve em linhas gerais seus tipos organizativos e, nos anos 1970 e 1980, poucos grupos se identicaram Este é o período em que alguns/umas mestres e
de voltar-se para os critérios de identicação e para o 3) estabelece uma periodização para um movimento ou oram identicados como tal. É o caso do Grupo doutores/as que hoje são reerência dos estudos de re-
campo e orma de atuação de cada grupo. Alguns auto- negro de tipo mais “político”. De ato, boa parte da lite- de rabalho André Rebouças, criado na Universidade lações raciais e das culturas negras, se inseriam nas uni-
res como Márcio André O. dos Santos (2009) preerem ratura sobre este movimento social ala de uma “reno- Federal Fluminense, bem como do GPLUN (Grupo  versidades, sobretudo públicas, a exemplo de Kabengele
a expressão no plural – movimentos negros – como se  vação” ou “retomada” dos movimentos negros no nal de rabalho de Prossionais Liberais e Universitários Munanga, Muniz Sodré e Joel Runo dos Santos, pos-
o singular previsse uma harmonia, assertiva com a qual dos anos 70. No entanto, outros trabalhos apontam que Negros) de São Paulo e do Grupo Negro da PUC-SP teriormente de Leda Maria Martins, Maria de Lourdes
não concordo, optando pela denominação de Gonzalez o “movimento negro moderno” data do início dos anos (SANOS, I. 2006). Siqueira, Helena Teodoro Lopes, Henrique Cunha Jr.,
e Runo e, mais recentemente, de Rios (2009). 30, transormando-se continuamente (...). (SANOS, A transormação provocada no momento da atu- Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Outros/as inte-
J. Santos sintetiza o quadro do período: M. 2009: p. 237). ação relativamente conjunta de intelectuais ativistas lectuais negros/as ativistas traçam caminhos distintos,
negros/as ou de negros/as intelectuais como preere como é o caso de Clóvis Moura, reconhecido pelos seus
Foi nos anos setenta que a luta organizada contra o ra- O autor provavelmente está tratando de entidades Sales Augusto dos Santos (2007), é pontuada por Rios pares nas universidades.
cismo desembocou, enm, num movimento negro de como Frente Negra Brasileira (FNB), União dos Ho- (2009), que indica que este quadro se verica em outros O movimento negro de base acadêmica se sinto-
amplitude nacional e claramente destacado de outros mens de Cor (UHC) e eatro Experimental do Negro movimentos sociais na América Latina: niza com as outras organizações no enunciado da exis-
movimentos sociais e políticos. Aquilo que os próprios (EN), que atuam na primeira metade de século XX tência do racismo no Brasil, no repensar a nação em
militantes negros convencionaram chamar de movimen- (DOMINGUES, 2007), período durante o qual não (...) os estudos que engrossam a produção sobre mo- plena ditadura militar, e pela busca de uma narrativa
to negro, no entanto, são na verdade cerca de 400 enti- identico uma articulação negra de base acadêmica.  vimento negro a p artir dos a nos 7 0 são eitos, em própria, de histórias e memórias negras. O cenário traz
dades, de diversos tipos, rouxamente articuladas entre Uma citação a mais de J. Santos contribui para a grande medida, por intelectuais negros, nacionais e também o quadro das relações entre pesquisadores/as
si – há quem prera mesmo designá-lo por “movimen- percepção da entrada, ainda que reduzida e por vezes estrangeiros, engajados na luta anti-racista. Isso não brancos/as e negros/as que merece levantamentos e
tos negros”, no plural. Há desde organizações políticas superestimada, de jovens negros/as no meio acadêmico: oge, pois, a uma tendência da geração desse período: estudos mais aproundados no que se reere a grupos
rígidas (como o Movimento Negro Unicado, o MNU, muitos militantes e simpatizantes de diversos movi- e eventos, a exemplo do G “emas e problemas da
a mais notória), até instituições semi-acadêmicas (como É preciso lembrar, em seguida, que os movimentos ne- mentos sociais tornam-se pesquisadores dessa orma população negra” da Associação Nacional de Pesquisa
o Grupo André Rebouças, na Universidade Federal Flu- gros são lhos do “boom” educacional dos anos setenta de ação coletiva em toda a América Latina, como oi e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e no
minense), passando por centros autônomos de pesquisa – prolieração de aculdades particulares estimulada muito bem notado por Cardoso (1989) e Gohn (2004). tocante à relação entre orientadores/as brancos/as e
histórica e cultural do negro (como o Centro de Cultura pelo estado como solução para a “crise de vagas no ensi- No caso do movimento negro, esse ato torna-se mais orientandos/as negros/as.
Negra do Maranhão, por exemplo). (1994a: p. 94). no superior”, considerado, geralmente, um ponto crít ico decisivo nos anos 80 em diante, pois na década ante- A trama das trajetórias pessoais e coletivas ca a
das relações sociedade-governo desde 1960. rior ainda podemos vericar uma transição, um mo- merecer maiores reexões. Flávia Rios (2009), ao cote-
J. Santos se reere a um momento em que há pou- De ato, os jovens que undam, nos anos setenta, enti- mento ainda mesclado pelos padrões de pesquisadores  jar artigos de Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e
cas entidades nacionais como o MNU, mas também a dades negras de luta contra o racismo, são invariavel- e perspectivas analíticas antigos, juntamente com as Hamilton Cardoso da primeira metade dos anos 1980,
União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), o Grupo mente desta geração universitária. Geração, primeiro, novas tendências tidas como críticas que ameaçavam deixa uma indagação e az uma armação acerca destes
de União e Consciência Negra (undado entre 1978 e do Rio e de São Paulo, onde a prolieração de aculda- aparecer. (p. 266-267) sujeitos: “Quem são eles? O que mais chama a atenção
1980, no seio da igreja católica, com a qual rompe logo des privadas oi maior, mas também dos estados, em nessa produção é o ato dos negros deslocarem-se do
depois) e os Agentes de Pastoral Negros (APNs), orga- que a uga de candidatos brancos para centros mais Para o período em oco, na literatura especíca, lugar de inormantes dos p esquisadores estabelecidos
nização criada em 1983 (SANCHIS, 1999: p. 63-64). No adiantados de ensino abria vagas para negros – é o caso são conhecidos os nomes de Beatriz Nascimento, Lé- para a posição de ensaístas e intelectuais” (p. 266).
entanto, desde meados dos anos 1980, pode-se dizer por exemplo do Maranhão e do Rio Grande do Sul, lia Gonzalez, Eduardo Oliveira e Oliveira e Hamilton
que a ação em escala nacional do MNU e das orga- onde o grande número de “negros doutores” causa es- Cardoso. É preciso ressaltar que Abdias Nascimento,
nizações mencionadas é seguida pela regionalização e panto e gera atritos peculiares (1994a, p. 96). Guerreiro Ramos e Clóvis Moura são pensadores que
nacionalização de outras coletividades, a exemplo dos têm produção escrita desde décadas anteriores. odos 1. João Batista Borges Pereira foi o orientador de Kabengele Mu-
encontros de negros Norte e Nordeste e dos encontros Além da irônica expressão “negros doutores”, que estes/as intelectuais, que acabam por se aproximar e, nanga, Marlene de Oliveira Cunha e Eduardo Oliveira e Oliveira,
nacionais de mulheres negras. remete à presença de licenciados/as e bacharéis no muitas vezes, atuar em conjunto, produziram um ponto que não concluiu a dissertação em virtude de sua morte. A dis-
Márcio André dos Santos comenta o trecho acima movimento, merece relativização esta armação de J. de inexão em que o sujeito negro não deseja ter sua cussão racializada e ideologizada em torno da noção de quilombo
de J. Santos: Santos que, como intelectual reconhecido participou  voz suplantada ou inantilizada (GONZALEZ, 1983), é abordada em Ratts (2003).
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dossiê temático

para que compreendamos na diversicação dos temas


Qr 1 – cbrr/  gr quais são as preocupações do grupo: história do negro
 trb anré Rbç (1976 – 1978) nas Américas e no Brasil, relações raciais, desigualdades
raciais, cultura negra e religiões aro-brasileiras.
Carlos A. Hasenbalg Sociólogo É relevante destacar, por meio das palavras do
Décio Freitas Historiador próprio Grupo de rabalho André Rebouças, detalhes
Eduardo de Oliveira e Oliveira Sociólogo do contexto que aproxima a entidade da mobilização
a Contribuição do Negro na Formação Social Brasi- João Baptista Borges Pereira Antropólogo política negra de então, a exemplo da eleição do dia 20
uM pRojeto de leira”. Neste encontro o grupo convida autoridades e José Boniácio Rodrigues Historiador de novembro como data de reerência positiva, pro-
NegRitude acadêMica: especialistas na área das Ciências Humanas ligadas às
questões relativas ao Negro brasileiro atual, dentro de
Juana Elbein
Leni Silverstein
Antropóloga
Antropóloga
posta pelo Grupo Palmares de Porto Alegre e adotada
consensualmente depois de 1978: “No ano de 1977, a
o gtaR Na uff uma abordagem das relações raciais. Manuel Nunes Pereira Antropólogo 3ª. Semana de Estudos Sobre a Contribuição do Negro
A tentativa de realizar este trabalho oi iniciado [sic] em Maria Beatriz Nascimento Historiadora na Formação Social Brasileira oi organizada e trans-
Na cidade do Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, 1973 no Centro de Estudos Aro-Asiáticos pela proes- Maria Maia de Oliveira Berriel Antropóloga erida para novembro em homenagem a ZUMBI, Rei
um grupo de pessoas se reúne aos sábados no Centro sora Maria Beatriz Nascimento e alguns jovens negros Michael urner Historiador dos Palmares, tendo por objetivos os mesmos do ano
de Estudos Aro-Asiáticos da Universidade Cândido interessados em ormar um grupo de estudos. Peter Fry Antropólogo anterior” (p. 01).
Mendes e no eatro Opinião, em Ipanema. Deste co- (...) O grupo tem por preocupação quanto aos temas Reginaldo Guimarães Historiador Cabe ressaltar a vontade de reconhecimento e o
letivo ormam-se 3 grupos uminenses: o Grupo de apresentados no decorrer das semanas de estudos a de Roy Glasgow Historiador processo de institucionalização da Semana de Estudos
rabalho André Rebouças (GAR), a Sociedade Inter- mostrar uma nova orma de abordar as Relações Raciais Vicente Salles Antropólogo e do próprio Grupo de rabalho André Rebouças que
nacional Brasil Árica (SINBA) e o Instituto de Pesqui- concernentes ao negro brasileiro enquanto raça e de sua Yvone Maggie Alves Velho Antropóloga  vem por intermédio de uma portaria do Ministério de
sas das Culturas Negras (IPCN). 2 Hanchard (2001: p. implicação no seu todo social (GAR, 1978: p. 01). Fonte: GTAR, 1976, 1977, 1978. Educação e Cultura de setembro de 1978:
110), que não menciona o GAR, entra no mérito das Devido a este reconhecimento, o grupo de alunos ne-
divergências entre IPCN e SINBA - que ele traduz como Estando situado no espaço acadêmico, chama a Naquele período, além de estudiosos renomados gros sentiu necessidade de organizar-se juridicamente
americanistas e aricanistas - e registra a continuidade atenção a precisão do propósito teórico e político do como João Baptista Borges Pereira, Nunes Pereira e Vi- com o nome de “Grupo de rabalho André Rebouças”
da primeira entidade até os dias de hoje. GAR, nem sempre nítido aos olhos contemporâneos. cente Salles, aparecem dois intelectuais com perspectiva aglutinando intelectuais, ex-alunos e alunos negros que
Participante das reeridas reuniões, Beatriz Nasci- negra que se tornam reerências para os/as jovens do participam das semanas de estudos sobre a contribui-
mento conclui sua graduação em História na Univer- Na realização das semanas de estudos o grupo de alunos GAR: Beatriz Nascimento (1974a, 1974b), que pensa ção do Negro na Formação social Brasileira.
sidade Federal do Rio de Janeiro e se dedica pesquisar negros universitários tiveram como propósitos [sic]: in- o estudo das relações raciais e a produção historiográ- A proposta do de “Grupo de rabalho André Rebouças”
elementos de continuidade na organização social da troduzir gradualmente na Universidade créditos especí- ca; e Eduardo Oliveira e Oliveira (1974, 1977), que é a de manter uma continuidade do trabalho desenvol-
população negra dos quilombos do período escravista, cos sobre as Relações Raciais no Brasil, principalmente pesquisa acerca da ideologia racial e dos movimentos  vido na universidade, cujos resultados ortaleceram os
como parte de sua especialização também em história nos cursos que abrangem a área das Ciências Humanas; negros, além de escrever sobre a necessidade de uma objetivos destes alunos negros de continuar mantendo
na Universidade Federal Fluminense. Participando das tentar uma reormulação do programa de Antropologia produção acadêmica. São dois dos/as intelectuais mais uma linha de atuação acadêmica que os beneciou du-
reuniões acima mencionadas, ela estimula a criação de do Negro brasileiro no Instituto de Ciências Humanas reconhecidos/as pelo movimento negro emergente nos plamente, ou seja, por um lado, no sentido de conhe-
um grupo de estudos do qual participam sua irmã Rosa e Filosoa (já oi reormulado); atualizar a bibliograa estados de Rio de Janeiro e São Paulo (CUNHA JR., cimento cientíco, e por outro lado no sentido de se
Virgínia Nascimento, estudante de Geograa, sua amiga no que diz respeito ao assunto adotado pelo corpo do- 2002: p. 22). preparar para uma ação voltada para a comunidade de
e companheira de trabalho de campo, Marlene de Oli- cente e discente da Universidade e estabelecer contato Alguns intelectuais brancos/as (ou não negros/as) onde procedem (GAR, 1978: p. 2).
 veira Cunha, que cursa Ciências Sociais, e outros colegas entre proessores que desenvolvem teses sobre Relações iniciam sua carreira acadêmica naquele momento, a
das áreas de Humanidades, mas também das Exatas. raciais ora da UFF com o corpo docente do Instituto exemplo de Maria Maia de Oliveira Berriel, então di- O GAR se constituiu como um projeto de ne-
Nos seus documentos, os membros do GAR nar- de Ciências Humanas e Filosoa (GAR, 1978: p. 01). retora do ICFH-UFF, que reaz uma bibliograa sobre gritude acadêmica, ormando acadêmicos ativistas,
ram seu processo de ormação e deixam explícitos seus o negro para uma das “semanas de estudos” (BERRIEL, alguns/umas dos/as quais se tornaram pesquisadores/
objetivos acadêmicos: Denido como um “grupo de alunos negros uni- 1977) e desenvolve sua dissertação acerca de preconcei- as das relações raciais, a exemplo de Marlene de Oli-
 versitários”, o GAR estava, na expressão do próprio to e ideologia racial no Brasil (BERRIEL, 1975). Desta-  veira Cunha e posteriormente Andrelino de Oliveira
Atualmente, um grupo de alunos negros dos cursos de grupo, “em busca de espaço” (GAR, 1982). Para co também Carlos Hasenbalg cujos estudos de desig ual- Campos. Na dissertação de Cunha (1986) acerca da
História, Geograa, Ciências Sociais, Química e Física tanto, ez articulações internas na UFF e com pesqui- dades raciais despontam àquela época 3. A bibliograa linguagem gestual no candomblé Angola, ela indica
da Universidade Federal Fluminense organiza um en- sadores/as sobretudo do Sudeste. Cabe ressaltar que dos/as colaboradores/as do GAR também contribui que a escolha do tema se dá em meio a seu curso de
contro que denominou de “Semana de Estudos Sobre cada convidado/a colaborava com a produção de uma Ciências Sociais na UFF, o que a leva à organização das
comunicação que era publicada em apostila, distribu- 3. Como contraponto deste quadro merece comentário a postura “Semana de Estudos” e à criação do GAR com colegas
ída a quem participava do evento. Um quadro dos/as atual de Yvonne Maggie e Peter Fry contrários à adoção da variá- e amigos/as. Na introdução do seu trabalho, ela reete
2. Este processo está em relatos de ativistas negros/as fluminen- intelectuais nacionais e estrangeiros/as que colabora- vel raça nas políticas identitárias e nas políticas públicas, particu- a situação de pesquisadora negra com um orientador
ses do período (CONTINS, 2005; ALBERTI & PEREIRA, 2007). ram com o GAR entre 1976 e 1978 contribui para que larmente na implementação de ações afirmativas para a população branco, tensão que em grande parte se dissolve na ami-
Acerca da SINBA, ver o artigo de Joselina da Silva (2009) aquilatemos a amplitude do projeto acadêmico. negra, sobretudo da reserva de vagas para estudantes negros/as. zade construída ao longo da pesquisa (p. 11-12).
32 33
dossiê temático

para que compreendamos na diversicação dos temas


Qr 1 – cbrr/  gr quais são as preocupações do grupo: história do negro
 trb anré Rbç (1976 – 1978) nas Américas e no Brasil, relações raciais, desigualdades
raciais, cultura negra e religiões aro-brasileiras.
Carlos A. Hasenbalg Sociólogo É relevante destacar, por meio das palavras do
Décio Freitas Historiador próprio Grupo de rabalho André Rebouças, detalhes
Eduardo de Oliveira e Oliveira Sociólogo do contexto que aproxima a entidade da mobilização
a Contribuição do Negro na Formação Social Brasi- João Baptista Borges Pereira Antropólogo política negra de então, a exemplo da eleição do dia 20
uM pRojeto de leira”. Neste encontro o grupo convida autoridades e José Boniácio Rodrigues Historiador de novembro como data de reerência positiva, pro-
NegRitude acadêMica: especialistas na área das Ciências Humanas ligadas às
questões relativas ao Negro brasileiro atual, dentro de
Juana Elbein
Leni Silverstein
Antropóloga
Antropóloga
posta pelo Grupo Palmares de Porto Alegre e adotada
consensualmente depois de 1978: “No ano de 1977, a
o gtaR Na uff uma abordagem das relações raciais. Manuel Nunes Pereira Antropólogo 3ª. Semana de Estudos Sobre a Contribuição do Negro
A tentativa de realizar este trabalho oi iniciado [sic] em Maria Beatriz Nascimento Historiadora na Formação Social Brasileira oi organizada e trans-
Na cidade do Rio de Janeiro, no início dos anos 1970, 1973 no Centro de Estudos Aro-Asiáticos pela proes- Maria Maia de Oliveira Berriel Antropóloga erida para novembro em homenagem a ZUMBI, Rei
um grupo de pessoas se reúne aos sábados no Centro sora Maria Beatriz Nascimento e alguns jovens negros Michael urner Historiador dos Palmares, tendo por objetivos os mesmos do ano
de Estudos Aro-Asiáticos da Universidade Cândido interessados em ormar um grupo de estudos. Peter Fry Antropólogo anterior” (p. 01).
Mendes e no eatro Opinião, em Ipanema. Deste co- (...) O grupo tem por preocupação quanto aos temas Reginaldo Guimarães Historiador Cabe ressaltar a vontade de reconhecimento e o
letivo ormam-se 3 grupos uminenses: o Grupo de apresentados no decorrer das semanas de estudos a de Roy Glasgow Historiador processo de institucionalização da Semana de Estudos
rabalho André Rebouças (GAR), a Sociedade Inter- mostrar uma nova orma de abordar as Relações Raciais Vicente Salles Antropólogo e do próprio Grupo de rabalho André Rebouças que
nacional Brasil Árica (SINBA) e o Instituto de Pesqui- concernentes ao negro brasileiro enquanto raça e de sua Yvone Maggie Alves Velho Antropóloga  vem por intermédio de uma portaria do Ministério de
sas das Culturas Negras (IPCN). 2 Hanchard (2001: p. implicação no seu todo social (GAR, 1978: p. 01). Fonte: GTAR, 1976, 1977, 1978. Educação e Cultura de setembro de 1978:
110), que não menciona o GAR, entra no mérito das Devido a este reconhecimento, o grupo de alunos ne-
divergências entre IPCN e SINBA - que ele traduz como Estando situado no espaço acadêmico, chama a Naquele período, além de estudiosos renomados gros sentiu necessidade de organizar-se juridicamente
americanistas e aricanistas - e registra a continuidade atenção a precisão do propósito teórico e político do como João Baptista Borges Pereira, Nunes Pereira e Vi- com o nome de “Grupo de rabalho André Rebouças”
da primeira entidade até os dias de hoje. GAR, nem sempre nítido aos olhos contemporâneos. cente Salles, aparecem dois intelectuais com perspectiva aglutinando intelectuais, ex-alunos e alunos negros que
Participante das reeridas reuniões, Beatriz Nasci- negra que se tornam reerências para os/as jovens do participam das semanas de estudos sobre a contribui-
mento conclui sua graduação em História na Univer- Na realização das semanas de estudos o grupo de alunos GAR: Beatriz Nascimento (1974a, 1974b), que pensa ção do Negro na Formação social Brasileira.
sidade Federal do Rio de Janeiro e se dedica pesquisar negros universitários tiveram como propósitos [sic]: in- o estudo das relações raciais e a produção historiográ- A proposta do de “Grupo de rabalho André Rebouças”
elementos de continuidade na organização social da troduzir gradualmente na Universidade créditos especí- ca; e Eduardo Oliveira e Oliveira (1974, 1977), que é a de manter uma continuidade do trabalho desenvol-
população negra dos quilombos do período escravista, cos sobre as Relações Raciais no Brasil, principalmente pesquisa acerca da ideologia racial e dos movimentos  vido na universidade, cujos resultados ortaleceram os
como parte de sua especialização também em história nos cursos que abrangem a área das Ciências Humanas; negros, além de escrever sobre a necessidade de uma objetivos destes alunos negros de continuar mantendo
na Universidade Federal Fluminense. Participando das tentar uma reormulação do programa de Antropologia produção acadêmica. São dois dos/as intelectuais mais uma linha de atuação acadêmica que os beneciou du-
reuniões acima mencionadas, ela estimula a criação de do Negro brasileiro no Instituto de Ciências Humanas reconhecidos/as pelo movimento negro emergente nos plamente, ou seja, por um lado, no sentido de conhe-
um grupo de estudos do qual participam sua irmã Rosa e Filosoa (já oi reormulado); atualizar a bibliograa estados de Rio de Janeiro e São Paulo (CUNHA JR., cimento cientíco, e por outro lado no sentido de se
Virgínia Nascimento, estudante de Geograa, sua amiga no que diz respeito ao assunto adotado pelo corpo do- 2002: p. 22). preparar para uma ação voltada para a comunidade de
e companheira de trabalho de campo, Marlene de Oli- cente e discente da Universidade e estabelecer contato Alguns intelectuais brancos/as (ou não negros/as) onde procedem (GAR, 1978: p. 2).
 veira Cunha, que cursa Ciências Sociais, e outros colegas entre proessores que desenvolvem teses sobre Relações iniciam sua carreira acadêmica naquele momento, a
das áreas de Humanidades, mas também das Exatas. raciais ora da UFF com o corpo docente do Instituto exemplo de Maria Maia de Oliveira Berriel, então di- O GAR se constituiu como um projeto de ne-
Nos seus documentos, os membros do GAR nar- de Ciências Humanas e Filosoa (GAR, 1978: p. 01). retora do ICFH-UFF, que reaz uma bibliograa sobre gritude acadêmica, ormando acadêmicos ativistas,
ram seu processo de ormação e deixam explícitos seus o negro para uma das “semanas de estudos” (BERRIEL, alguns/umas dos/as quais se tornaram pesquisadores/
objetivos acadêmicos: Denido como um “grupo de alunos negros uni- 1977) e desenvolve sua dissertação acerca de preconcei- as das relações raciais, a exemplo de Marlene de Oli-
 versitários”, o GAR estava, na expressão do próprio to e ideologia racial no Brasil (BERRIEL, 1975). Desta-  veira Cunha e posteriormente Andrelino de Oliveira
Atualmente, um grupo de alunos negros dos cursos de grupo, “em busca de espaço” (GAR, 1982). Para co também Carlos Hasenbalg cujos estudos de desig ual- Campos. Na dissertação de Cunha (1986) acerca da
História, Geograa, Ciências Sociais, Química e Física tanto, ez articulações internas na UFF e com pesqui- dades raciais despontam àquela época 3. A bibliograa linguagem gestual no candomblé Angola, ela indica
da Universidade Federal Fluminense organiza um en- sadores/as sobretudo do Sudeste. Cabe ressaltar que dos/as colaboradores/as do GAR também contribui que a escolha do tema se dá em meio a seu curso de
contro que denominou de “Semana de Estudos Sobre cada convidado/a colaborava com a produção de uma Ciências Sociais na UFF, o que a leva à organização das
comunicação que era publicada em apostila, distribu- 3. Como contraponto deste quadro merece comentário a postura “Semana de Estudos” e à criação do GAR com colegas
ída a quem participava do evento. Um quadro dos/as atual de Yvonne Maggie e Peter Fry contrários à adoção da variá- e amigos/as. Na introdução do seu trabalho, ela reete
2. Este processo está em relatos de ativistas negros/as fluminen- intelectuais nacionais e estrangeiros/as que colabora- vel raça nas políticas identitárias e nas políticas públicas, particu- a situação de pesquisadora negra com um orientador
ses do período (CONTINS, 2005; ALBERTI & PEREIRA, 2007). ram com o GAR entre 1976 e 1978 contribui para que larmente na implementação de ações afirmativas para a população branco, tensão que em grande parte se dissolve na ami-
Acerca da SINBA, ver o artigo de Joselina da Silva (2009) aquilatemos a amplitude do projeto acadêmico. negra, sobretudo da reserva de vagas para estudantes negros/as. zade construída ao longo da pesquisa (p. 11-12).
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dossiê temático

O seu ponto de partida com o “objeto de estudo” é proposta por quem era objeto de estudo de médicos, Para ele e para ela os/as estudantes e intelectuais particular ao cientista negro), manter uma neutralidade
 vem de um circuito próximo, de seu ambiente amiliar olcloristas, antropólogos, sociólogos e que ora objeto negros/as não devem se distanciar das coletividades ne-  valorativa” (OLIVEIRA, 1977, p. 26).
com parentes e amigos/as que são lideranças religiosas: de intervenção de mercadores, latiundiários, religio- gras, quaisquer que sejam e onde quer que estejam: bai- Para o autor a experiência deve balizar a constru-
“percebi que havia uma orte identicação entre mim sos, senhoras e senhores de toda ordem. les Black, escolas de samba, terreiros, avelas. Para ele, ção de uma ciência para e não tanto sobre o negro, ou,
e o grupo que pesquisava. Sentia que azia parte do Cabe destacar que na Quinzena do Negro aconte- o nome construído e a titulação são i mportantes, mas por exemplo, de uma sociologia, historiograa, eco-
mesmo processo” (p. 18). Os escritos de Beatriz Nas- ce uma mesa redonda com estudantes aro-brasileiros deve-se ter o cuidado de não se submeter ao segmento nomia ou antropologia negras, como reação e como
cimento e o estudo de Marlene Oliveira Cunha – que com a participação de Raael Pinto, que cursava Ci- racialmente hegemônico: “Hoje, depois de dez anos ou construção ace ao quadro das ciências humanas no
aborda corpo e linguagem – exemplicam uma parte ências Sociais na USP, Hamilton Cardoso, estudante doze de trabalho, já me mandam entrar e sentar, porque tocante aos estudos de relações raciais 7. O autor pros-
do projeto político acadêmico do Grupo de rabalho de jornalismo, e mais dois nomes mencionados como eu sou Eduardo Oliveira e Oliveira que tenho um título, segue propugnando a ideia de uma “ciência negra” e,
André Rebouças. Márcio e Andrada. Na plateia há militantes de uma que não pretende ser doutor, que não se branqueou, por conseguinte, de “cientistas negros”:
geração anterior, pesquisadoras e pesquisadores das mas que usa disso como instrumento de trabalho para
culturas negras e das relações raciais. se armar como negro e ajudar outros negros a se ar- Os cientistas negros, inuenciados pessoalmente por
“Nós teMos diReito a essa Como parte do evento, Beatriz Nascimento proere
a conerência Historiograa do Quilombo. Ela era ami-
marem como tal”6.
Em termos de aixa etária, estes/as intelectuais não
sua experiência de negros, devem estabelecer uma in-
 vestida “perceptiva”, tentando conhecer os enômenos a
iNstituiÇÃo”: a QuiNZeNa ga de Eduardo Oliveira e Oliveira com quem já havia são tão jovens: Beatriz está com 33 anos, Eduardo tem serem estudados como sujeito/objetos que são de suas
do NegRo Na usp trabalhado nas “semanas de estudos” do GAR na UFF. 49 e Hamilton 24 anos. êm artigos e ensaios publicados abordagens. Convém também lembrar que a ciência
Na conerência a pesquisadora e ativista demarca sua e participam de circuitos intelectuais e políticos de rela- que ez do negro um objeto de estudo, jamais pensou
Em outubro de 1977, o então mestrando em Antro- posição ace ao que se discutia e produzia na historio- tiva visibilidade para o período. Nos estados de Rio de que este objeto questionaria sua suposta “objetivida-
pologia na USP, Eduardo Oliveira e Oliveira, organiza graa brasileira: “Quando cheguei na universidade a Janeiro e São Paulo organizam debates e outros eventos de” quando detivesse os instrumentos necessários para
a Quinzena do Negro naquela instituição. O evento, coisa que mais me chocava era o eterno estudo sobre o em que acadêmicos/as e ativistas problematizam suas avaliá-la (1977, p. 26).
do qual existem registros impressos e audiovisuais, é escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da demandas de ormação e de atuação social. São questio-
composto por mesas, conerências e exposição, com nação como mão de obra escrava, como mão de obra nadores/as qualicados/as do racismo brasileiro. Con- O interesse do sociólogo e ativista, neste caso, é
divulgação na imprensa paulista. 4 É necessário lembrar pra azenda e pra mineração” (NASCIMEN O, 1989). tudo, não alavam em uníssono, têm individualidade. a ormação e o posicionamento do intelectual negro:
que o evento ocorre durante a ditadura militar. O que ela propõe não é uma simples troca de termos, Em artigo de 1974, Beatriz Nascimento propugna
No texto/maniesto do evento, Oliveira indica que de “escravo” por “negro”. A escravidão de aricanos e “uma história do homem negro” em que osse colocada Em que medida o “intelectual negro” deve se libertar
um dos propósitos é “revelar alguns brasileiros que têm aricanas por sua extensão espacial e temporal mar- também a subjetividade do pesquisador/a: “Devemos dos clichês relativos ao problema negro? O intelectual
contribuído para a história pátria (...) – e que têm per- cou indelevelmente a experiência negra na Árica, na azer a nossa História, buscando nós mesmos, jogando lato-sensu é um homem que contribui com idéias ori-
manecido à margem desta história, porque seus cro- América, na Europa. Mas a interpretação do “indivíduo nosso inconsciente, nossas rustrações, nossos comple- ginais, novas descobertas e inormações no conjunto
nistas, aqueles que com ela se identicam, não tiveram escravizado” como um ser coisicado é um ônus ex- xos, estudando-os, não os enganando” (NASCIMEN-  já existente do conhecimento. Um “intelectual negro”
até agora os meios exigidos para que se tornem arautos cessivamente pesado, que diculta a compreensão do O, 1974b, p.44). Por seus escritos, presumo que não é uma espécie à parte. Nos ombros dele recai uma ou-
dessas verdades” (OLIVEIRA, 2001, p. 287). O autor e indivíduo negro como pessoa. se trata de azer uma auto-análise em todos os textos e tra tarea, a de descolonizar sua mente de maneira que
ativista identica as diíceis condições da ormação de A ênase na dierença questiona a subsunção do sim trazer elementos da reexividade. possa guiar outros intelectuais e estudantes na procura
um pensamento negro: a alta de meios para produção “negro” ou da “raça” na variável classe ou no rol de No mesmo ano, Eduardo Oliveira e Oliveira pu- da liberdade. (IDEM, p. 26, grio do autor).
da verdade. Por verdade, entendo não “A Verdade” ab- outras identidades, perspectiva com a qual ainda nos blica uma resenha crítica do livro de Carl Degler ( Nem
soluta que paira acima dos seres humanos, mas a vonta- debatemos. À semelhança de Oliveira, o propósito de  preto nem branco: escravidão e relações raciais no Brasil  O autor segue apontando o que seriam para ele os
de de verdade, posicionada, voz própria que emerge em Nascimento é o reposicionamento da pessoa negra e nos Estados Unidos ), apontando a diculdade de en- elementos deste processo que deve levar a uma trans-
territórios discursivos. Voz de p ensadores/as negros/ como sujeito na ocupação de espaços sociais, no caso, tendimento da desigualdade preto/branco pelo “mu- ormação social: “O cientista negro precisa se tornar
as. “Voz que vem do interior”, como indico em outro o acadêmico. Na intervenção, após a conerência de Be- lato” ace ao mito da democracia racial (OLIVEIRA, um teórico e precursor da mudança social, a partir de
artigo (RAS, 2003). atriz Nascimento, Eduardo Oliveira e Oliveira enuncia 1974). Na comunicação intitulada Etnia e compromisso seu próprio grupo, para o que necessita, além de enga-
Nesse sentido, Eduardo Oliveira e Oliveira sinte- mais um aspecto do projeto político: “Nós temos direito intelectual , datada do mesmo ano da Quinzena do Ne-  jamento pessoal, desenvolver novas técnicas e perspec-
tiza o propósito maior do evento: “um aspecto que nos a essa instituição. Sobretudo essa aqui [a USP] que é  gro , o autor az algumas indagações acerca de quem tivas” (IDEM, p. 26).
parece da maior relevância – revelar o negro como cria- pública. E o ato de azer [a Quinzena do Negro ] den- é (e de quem pode ser) intelectual no Brasil e da ne-
dor e criatura. Numa palavra: Sujeito” (IDEM). Vemos tro dessa universidade é porque a universidade assume cessidade de armação do intelectual negro, sem ne- 7. Oliveira relata que defendera esta proposição em vários eventos,
que a constituição de um lugar de ala enquanto sujeito a sua possibilidade de universidade para ormar mais gar sua condição social: “Vivemos num mundo onde inclusive na 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
negros”5. a cor, a etnicidade e a classe social são de primordial Progresso da Ciência (realizada em São Paulo, de 6 a 13 de julho
4. Fez parte da semana uma exposição organizada por Marian- importância, sendo assim impossível ao cientista (e em de 1977), no simpósio “Brasil Negro” por ele coordenado, por meio
no Carneiro da Cunha, então diretor do Museu de Arqueologia e 5. Transcrição do filme Ori . Direção de R aquel Gerber. Angra fil- de uma comunicação intitulada “De uma ciência Para e não tanto
Etnologia da USP. mes, 1989. 6. Idem. Sobre o negro” (IDEM: p. 22).

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O seu ponto de partida com o “objeto de estudo” é proposta por quem era objeto de estudo de médicos, Para ele e para ela os/as estudantes e intelectuais particular ao cientista negro), manter uma neutralidade
 vem de um circuito próximo, de seu ambiente amiliar olcloristas, antropólogos, sociólogos e que ora objeto negros/as não devem se distanciar das coletividades ne-  valorativa” (OLIVEIRA, 1977, p. 26).
com parentes e amigos/as que são lideranças religiosas: de intervenção de mercadores, latiundiários, religio- gras, quaisquer que sejam e onde quer que estejam: bai- Para o autor a experiência deve balizar a constru-
“percebi que havia uma orte identicação entre mim sos, senhoras e senhores de toda ordem. les Black, escolas de samba, terreiros, avelas. Para ele, ção de uma ciência para e não tanto sobre o negro, ou,
e o grupo que pesquisava. Sentia que azia parte do Cabe destacar que na Quinzena do Negro aconte- o nome construído e a titulação são i mportantes, mas por exemplo, de uma sociologia, historiograa, eco-
mesmo processo” (p. 18). Os escritos de Beatriz Nas- ce uma mesa redonda com estudantes aro-brasileiros deve-se ter o cuidado de não se submeter ao segmento nomia ou antropologia negras, como reação e como
cimento e o estudo de Marlene Oliveira Cunha – que com a participação de Raael Pinto, que cursava Ci- racialmente hegemônico: “Hoje, depois de dez anos ou construção ace ao quadro das ciências humanas no
aborda corpo e linguagem – exemplicam uma parte ências Sociais na USP, Hamilton Cardoso, estudante doze de trabalho, já me mandam entrar e sentar, porque tocante aos estudos de relações raciais 7. O autor pros-
do projeto político acadêmico do Grupo de rabalho de jornalismo, e mais dois nomes mencionados como eu sou Eduardo Oliveira e Oliveira que tenho um título, segue propugnando a ideia de uma “ciência negra” e,
André Rebouças. Márcio e Andrada. Na plateia há militantes de uma que não pretende ser doutor, que não se branqueou, por conseguinte, de “cientistas negros”:
geração anterior, pesquisadoras e pesquisadores das mas que usa disso como instrumento de trabalho para
culturas negras e das relações raciais. se armar como negro e ajudar outros negros a se ar- Os cientistas negros, inuenciados pessoalmente por
“Nós teMos diReito a essa Como parte do evento, Beatriz Nascimento proere
a conerência Historiograa do Quilombo. Ela era ami-
marem como tal”6.
Em termos de aixa etária, estes/as intelectuais não
sua experiência de negros, devem estabelecer uma in-
 vestida “perceptiva”, tentando conhecer os enômenos a
iNstituiÇÃo”: a QuiNZeNa ga de Eduardo Oliveira e Oliveira com quem já havia são tão jovens: Beatriz está com 33 anos, Eduardo tem serem estudados como sujeito/objetos que são de suas
do NegRo Na usp trabalhado nas “semanas de estudos” do GAR na UFF. 49 e Hamilton 24 anos. êm artigos e ensaios publicados abordagens. Convém também lembrar que a ciência
Na conerência a pesquisadora e ativista demarca sua e participam de circuitos intelectuais e políticos de rela- que ez do negro um objeto de estudo, jamais pensou
Em outubro de 1977, o então mestrando em Antro- posição ace ao que se discutia e produzia na historio- tiva visibilidade para o período. Nos estados de Rio de que este objeto questionaria sua suposta “objetivida-
pologia na USP, Eduardo Oliveira e Oliveira, organiza graa brasileira: “Quando cheguei na universidade a Janeiro e São Paulo organizam debates e outros eventos de” quando detivesse os instrumentos necessários para
a Quinzena do Negro naquela instituição. O evento, coisa que mais me chocava era o eterno estudo sobre o em que acadêmicos/as e ativistas problematizam suas avaliá-la (1977, p. 26).
do qual existem registros impressos e audiovisuais, é escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da demandas de ormação e de atuação social. São questio-
composto por mesas, conerências e exposição, com nação como mão de obra escrava, como mão de obra nadores/as qualicados/as do racismo brasileiro. Con- O interesse do sociólogo e ativista, neste caso, é
divulgação na imprensa paulista. 4 É necessário lembrar pra azenda e pra mineração” (NASCIMEN O, 1989). tudo, não alavam em uníssono, têm individualidade. a ormação e o posicionamento do intelectual negro:
que o evento ocorre durante a ditadura militar. O que ela propõe não é uma simples troca de termos, Em artigo de 1974, Beatriz Nascimento propugna
No texto/maniesto do evento, Oliveira indica que de “escravo” por “negro”. A escravidão de aricanos e “uma história do homem negro” em que osse colocada Em que medida o “intelectual negro” deve se libertar
um dos propósitos é “revelar alguns brasileiros que têm aricanas por sua extensão espacial e temporal mar- também a subjetividade do pesquisador/a: “Devemos dos clichês relativos ao problema negro? O intelectual
contribuído para a história pátria (...) – e que têm per- cou indelevelmente a experiência negra na Árica, na azer a nossa História, buscando nós mesmos, jogando lato-sensu é um homem que contribui com idéias ori-
manecido à margem desta história, porque seus cro- América, na Europa. Mas a interpretação do “indivíduo nosso inconsciente, nossas rustrações, nossos comple- ginais, novas descobertas e inormações no conjunto
nistas, aqueles que com ela se identicam, não tiveram escravizado” como um ser coisicado é um ônus ex- xos, estudando-os, não os enganando” (NASCIMEN-  já existente do conhecimento. Um “intelectual negro”
até agora os meios exigidos para que se tornem arautos cessivamente pesado, que diculta a compreensão do O, 1974b, p.44). Por seus escritos, presumo que não é uma espécie à parte. Nos ombros dele recai uma ou-
dessas verdades” (OLIVEIRA, 2001, p. 287). O autor e indivíduo negro como pessoa. se trata de azer uma auto-análise em todos os textos e tra tarea, a de descolonizar sua mente de maneira que
ativista identica as diíceis condições da ormação de A ênase na dierença questiona a subsunção do sim trazer elementos da reexividade. possa guiar outros intelectuais e estudantes na procura
um pensamento negro: a alta de meios para produção “negro” ou da “raça” na variável classe ou no rol de No mesmo ano, Eduardo Oliveira e Oliveira pu- da liberdade. (IDEM, p. 26, grio do autor).
da verdade. Por verdade, entendo não “A Verdade” ab- outras identidades, perspectiva com a qual ainda nos blica uma resenha crítica do livro de Carl Degler ( Nem
soluta que paira acima dos seres humanos, mas a vonta- debatemos. À semelhança de Oliveira, o propósito de  preto nem branco: escravidão e relações raciais no Brasil  O autor segue apontando o que seriam para ele os
de de verdade, posicionada, voz própria que emerge em Nascimento é o reposicionamento da pessoa negra e nos Estados Unidos ), apontando a diculdade de en- elementos deste processo que deve levar a uma trans-
territórios discursivos. Voz de p ensadores/as negros/ como sujeito na ocupação de espaços sociais, no caso, tendimento da desigualdade preto/branco pelo “mu- ormação social: “O cientista negro precisa se tornar
as. “Voz que vem do interior”, como indico em outro o acadêmico. Na intervenção, após a conerência de Be- lato” ace ao mito da democracia racial (OLIVEIRA, um teórico e precursor da mudança social, a partir de
artigo (RAS, 2003). atriz Nascimento, Eduardo Oliveira e Oliveira enuncia 1974). Na comunicação intitulada Etnia e compromisso seu próprio grupo, para o que necessita, além de enga-
Nesse sentido, Eduardo Oliveira e Oliveira sinte- mais um aspecto do projeto político: “Nós temos direito intelectual , datada do mesmo ano da Quinzena do Ne-  jamento pessoal, desenvolver novas técnicas e perspec-
tiza o propósito maior do evento: “um aspecto que nos a essa instituição. Sobretudo essa aqui [a USP] que é  gro , o autor az algumas indagações acerca de quem tivas” (IDEM, p. 26).
parece da maior relevância – revelar o negro como cria- pública. E o ato de azer [a Quinzena do Negro ] den- é (e de quem pode ser) intelectual no Brasil e da ne-
dor e criatura. Numa palavra: Sujeito” (IDEM). Vemos tro dessa universidade é porque a universidade assume cessidade de armação do intelectual negro, sem ne- 7. Oliveira relata que defendera esta proposição em vários eventos,
que a constituição de um lugar de ala enquanto sujeito a sua possibilidade de universidade para ormar mais gar sua condição social: “Vivemos num mundo onde inclusive na 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
negros”5. a cor, a etnicidade e a classe social são de primordial Progresso da Ciência (realizada em São Paulo, de 6 a 13 de julho
4. Fez parte da semana uma exposição organizada por Marian- importância, sendo assim impossível ao cientista (e em de 1977), no simpósio “Brasil Negro” por ele coordenado, por meio
no Carneiro da Cunha, então diretor do Museu de Arqueologia e 5. Transcrição do filme Ori . Direção de R aquel Gerber. Angra fil- de uma comunicação intitulada “De uma ciência Para e não tanto
Etnologia da USP. mes, 1989. 6. Idem. Sobre o negro” (IDEM: p. 22).

34 35

dossiê temático

Oliveira se reerencia em uma assertiva de Roger realizam projetos de extensão e de qualicação de pro- tem para a população negra e também porque podem anulado, tem que passar despercebido” (2001, p. 115).
Bastide que merece citação: de que “o sábio que se de- essores/as para a educação das relações étnico-raciais abrigar discentes de outras universidades, do ensino Para a autora, este aastamento do corpo como assunto
bruçar sobre os problemas aro-brasileiros encontra- (no espírito da lei 10639/03) e elaboram propostas de médio ou não se circunscrever ao público estudantil. escolar e acadêmico, implica, de certo modo, no dis-
-se, pois, implicado, queira ou não em um problema ações armativas para a população negra. Desde 2001 surgem: Enegreser, na UnB em Brasília; tanciamento de temas que remetem à subjetividade, à
angustiante” e que deve proceder “no decorrer de sua A presença de proessores/as e estudantes negros/ Coletivo de Estudantes Negros e Negras Beatriz Nasci- emoção, à paixão:
pesquisa, uma outra pesquisa, paralela, sobre ele mes- as se torna mais organizada e articulada. São reali- mento (CANBENAS), na UFG em Goiânia; na Bahia,
mo; uma espécie de auto-psicanálise intelectual, e isto, zados eventos como o I Encontro de Docentes, Pes- o Núcleo de Estudantes Negras e Negros na UFBA e o Não há muito ensino ou aprendizagem apaixonada
seja ele branco ou negro” (BASIDE apud OLIVEIRA, quisadores e Pós-Graduandos Negros , na Faculdade de UBUNU – Núcleo de Estudantes Negros e Negras na na educação superior hoje em dia. Mesmo onde estu-
1977, p. 27). O autor conclui: “O negro ‘intelectual’, en- Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista UNEB, o Coletivo Denegrir na UERJ, Rio de Janeiro. dantes estão desesperadamente desejando ser tocados
curralado na sua condição primeira e primeva de raça, (UNESP) - Campus Marília, em 1989, e o Seminário Neste sentido, ainda que contem com o apoio de um/a pelo conhecimento, proessoras e proessores ainda têm
sujeito/objeto de seu trabalho, não tem outra opção. Nacional de Universitários Negros, em Salvador, no ou outro/a docente, os Coletivos de Estudantes Negros medo do desao, ainda deixam que suas preocupações
Não está lidando com um assunto (é preciso que ele ano de 1993, que tem como tema “A universidade que marcam com expressão própria o cenário de algumas sobre perda de controle prevaleçam sobre seus desejos
saiba), mas uma causa” (IDEM, p. 27, grios do autor). o povo negro quer”. Este processo culmina em 2000, instituições de ensino superior, particularmente as uni- de ensinar.
Para o/a intelectual negro/a ativista a escolha do em Recie, na UFPE, com a organização do I Con-  versidades públicas. Em 2004, no III Congresso Brasi- Ao mesmo tempo, aqueles e aquelas de nós que ensina-
campo de estudos e pesquisas vem acompanhada da gresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, no qual é leiro de Estudantes Negros há a tentativa de criação de mos os mesmos velhos assuntos das mesmas velhas ma-
reexividade de suas condições e de seus posiciona- criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Ne- uma Associação Nacional de Estudantes Negros que neiras estamos, muitas vezes, intimamente aborrecidos
mentos. O sujeito “az parte da matéria investigada” gros (ABPN), proposição do engenheiro e educador não logra eeito. – incapazes de reacender paixões que um dia podíamos
(NASCIMENO, 1978, p. 41). Armar-se racialmente Henrique Cunha Jr.. Como participantes deste cená- Os NEABs, presentes em todo o território nacio- ter sentido (hooks, 2001, p.122-123)
na academia não implica em ter certezas inquestioná- rio, estão graduandos/as e p ós-graduandos/as que nal, em instituições de ensino superior, públicas e pri-
 veis ou acilidades no estudo das relações raciais. Este posteriormente assumem a docência e participam da  vadas, marcados pela presença de intelectuais negros/as emas ligados à questão étnico-racial, mas tam-
é um complexo processo de orientação, balizamento consolidação e criação de NEABs, situação na qual me ativistas e qualicados como núcleos de ensino, pesqui- bém ao gênero e à sexualidade, por exemplo, remetem
e ormação. incluo, o que me permite tecer considerações como sa e extensão, nem sempre se denem e são reconheci- ao campo da subjetividade, e, para alguns/umas pes-
observador participante. dos como grupos negros, posto que podem contar em quisadores/as negros/as são apaixonantes, comoventes,
Criado em 2004, no III Congresso Brasileiro de maior ou menor grau com a presença de pesquisadores sem necessariamente incorrer em sentimentalismo.
coRpos doceNtes Pesquisadores Negros, realizado na UFMA em São Luís
do Maranhão, o Consórcio de NEABs e grupos correla-
e proessores/as de outros segmentos étnico-raciais. Os
Coletivos de Estudantes são i denticados prontamen-
Sem essencialismo, o corpo é uma das principais
reerências da raça (mas também do gênero e da sexu-
e disceNtes NegRos: tos conta inicialmente com a participação de 16 grupos te como grupos negros e demonstram a preocupação alidade). O corpo é “educado” e na educação ormal
os NeaB e os ceN e hoje soma 76 núcleos 8. Alguns/umas pesquisadores/ com sua qualicação prossional e o ativismo, posto temos corpos – docentes e discentes, mais usados como
as dos NEABs, concentrados/as na área das Humani- que muitos/as realizam seus trabalhos de conclusão de metáoras, distantes do signicante corpóreo. Proesso-
dades, tornam-se reerência no campo dos estudos das curso no campo das relações raciais, encaminhando-se ras/es e estudantes têm corpo (hooks, 2001), são corpos
O quadro desenhado por ativistas negros/as no espaço relações raciais, muitas vezes abordados na perspectiva para a pós-graduação, derontando-se por vezes com a em processo de educação, são corpos educados. Corpos
acadêmico nos anos 1970 reverbera no Rio de Janeiro da interseccionalidade com as variáveis classe, gênero alta de orientação nas suas áreas de ormação. Ambas docentes e discentes.
e em São Paulo, como é o caso da inuência de Beatriz e outras. Um processo de internacionalização dos/as as coletividades estão a merecer uma observação de Nas escolas e nas universidades transitam, se en-
Nascimento e Eduardo Oliveira e Oliveira e também de pesquisadores/as negros brasileiros/as está em curso. maior acuidade. contram e se conrontam corpos emininos e masculi-
Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e outros/as que Iniciativas dos/as ativistas preocupados/as com o nos, negros e brancos, heterossexuais e homossexuais
também percorriam o país num processo de ormação acesso à universidade se inserem neste quadro, a exem- em construção e, em algumas situações, sem denição
para além dos espaços educação ormal contando com
intelectuais “locais”.
plo da Cooperativa Stive Biko de Salvador e dos Cur-
sinhos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (SAN-
coRpos NegRos educados: de raça, gênero ou orientação sexual. Nem sempre
acontece o necessário e adequado reconhecimento das
Nos anos 1980, são criados alguns Núcleos de Es- OS, R., 2006). Neste sentido, observa-se por todo o uMa digRessÃo a tÍtulo identidades, das dierenças, das culturas, dos corpos
tudos Aro-Brasileiros, protagonizados por mestres e país um processo de discussão e implementação das de coNclusÃo dierenciados (racializados, etnicizados e genericados)
doutores negros/as e com a colaboração de intelectuais Ações Armativas para a população negra e particu- e também das incertezas, das indenições, das trans-
brancos/as e outros. É o caso do NEAB-UFAL, NEAB- larmente das cotas raciais, a partir sobretudo de 2001. ormaçõescorpóreas.
-UFMA, CEAB-UCG (PUC-GO). Outros são criados Neste contexto surgem Coletivos de Estudantes A expressão que dá título a este artigo advém da relei- Os corpos racializados estão no currículo, nos li-
na década seguinte: NEAB/UFSCar, PENESB-UFF, Negros (CENs) que se estendem por vários estados, tura do título e do conteúdo do livro organizado por  vros didáticos e paradidáticos (tanto nos textos quanto
NUPE-UNESP e NEN-SC. mantendo uma posição de crítica e de participação Louro (2001): O corpo educado. Nos espaços escolares nas ilustrações), nos vídeos, nas músicas, na educação
ais coletivos podem ter sido ormados por uma em relação às instituições de ensino superior nas quais e acadêmicos é rara a discussão acerca da corporeida- ísica, nas apresentações artísticas. Neste âmbito, é pos-
quase totalidade de pesquisadores/as negros/as ou se situam, posto que azem pressão pelas Ações Ar- de dos segmentos que os compõem, pois p arecem ser sível identicar e conrontar estereótipos ou imagens
contar com a colaboração de estudiosos/as de outros mativas e por políticas do conhecimento que se vol- a-corporais e, por extensão, sem lugar para as subjeti- ardilosas acerca das pessoas negras que permeiam toda
pertencimentos étnico-raciais. Vários NEABs se cons-  vidades e para as trajetórias pessoais e coletivas, como a sociedade, segundo Edimilson de Almeida Pereira e
tituem como “territórios negros no espaço branco” 8. http://br.groups.yahoo.com/group/consorcio_neabs/attach- arma bell hooks: “o mundo público da aprendiza- Núbia Pereira Gomes (2001). Os corpos racializados de
acadêmico, se tornam grupos de estudos e pesquisas, ments/folder/1036087237/item/list gem institucional é um lugar onde o corpo tem de ser proessores/as, gestores, uncionários/as e estudantes
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Oliveira se reerencia em uma assertiva de Roger realizam projetos de extensão e de qualicação de pro- tem para a população negra e também porque podem anulado, tem que passar despercebido” (2001, p. 115).
Bastide que merece citação: de que “o sábio que se de- essores/as para a educação das relações étnico-raciais abrigar discentes de outras universidades, do ensino Para a autora, este aastamento do corpo como assunto
bruçar sobre os problemas aro-brasileiros encontra- (no espírito da lei 10639/03) e elaboram propostas de médio ou não se circunscrever ao público estudantil. escolar e acadêmico, implica, de certo modo, no dis-
-se, pois, implicado, queira ou não em um problema ações armativas para a população negra. Desde 2001 surgem: Enegreser, na UnB em Brasília; tanciamento de temas que remetem à subjetividade, à
angustiante” e que deve proceder “no decorrer de sua A presença de proessores/as e estudantes negros/ Coletivo de Estudantes Negros e Negras Beatriz Nasci- emoção, à paixão:
pesquisa, uma outra pesquisa, paralela, sobre ele mes- as se torna mais organizada e articulada. São reali- mento (CANBENAS), na UFG em Goiânia; na Bahia,
mo; uma espécie de auto-psicanálise intelectual, e isto, zados eventos como o I Encontro de Docentes, Pes- o Núcleo de Estudantes Negras e Negros na UFBA e o Não há muito ensino ou aprendizagem apaixonada
seja ele branco ou negro” (BASIDE apud OLIVEIRA, quisadores e Pós-Graduandos Negros , na Faculdade de UBUNU – Núcleo de Estudantes Negros e Negras na na educação superior hoje em dia. Mesmo onde estu-
1977, p. 27). O autor conclui: “O negro ‘intelectual’, en- Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista UNEB, o Coletivo Denegrir na UERJ, Rio de Janeiro. dantes estão desesperadamente desejando ser tocados
curralado na sua condição primeira e primeva de raça, (UNESP) - Campus Marília, em 1989, e o Seminário Neste sentido, ainda que contem com o apoio de um/a pelo conhecimento, proessoras e proessores ainda têm
sujeito/objeto de seu trabalho, não tem outra opção. Nacional de Universitários Negros, em Salvador, no ou outro/a docente, os Coletivos de Estudantes Negros medo do desao, ainda deixam que suas preocupações
Não está lidando com um assunto (é preciso que ele ano de 1993, que tem como tema “A universidade que marcam com expressão própria o cenário de algumas sobre perda de controle prevaleçam sobre seus desejos
saiba), mas uma causa” (IDEM, p. 27, grios do autor). o povo negro quer”. Este processo culmina em 2000, instituições de ensino superior, particularmente as uni- de ensinar.
Para o/a intelectual negro/a ativista a escolha do em Recie, na UFPE, com a organização do I Con-  versidades públicas. Em 2004, no III Congresso Brasi- Ao mesmo tempo, aqueles e aquelas de nós que ensina-
campo de estudos e pesquisas vem acompanhada da gresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, no qual é leiro de Estudantes Negros há a tentativa de criação de mos os mesmos velhos assuntos das mesmas velhas ma-
reexividade de suas condições e de seus posiciona- criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Ne- uma Associação Nacional de Estudantes Negros que neiras estamos, muitas vezes, intimamente aborrecidos
mentos. O sujeito “az parte da matéria investigada” gros (ABPN), proposição do engenheiro e educador não logra eeito. – incapazes de reacender paixões que um dia podíamos
(NASCIMENO, 1978, p. 41). Armar-se racialmente Henrique Cunha Jr.. Como participantes deste cená- Os NEABs, presentes em todo o território nacio- ter sentido (hooks, 2001, p.122-123)
na academia não implica em ter certezas inquestioná- rio, estão graduandos/as e p ós-graduandos/as que nal, em instituições de ensino superior, públicas e pri-
 veis ou acilidades no estudo das relações raciais. Este posteriormente assumem a docência e participam da  vadas, marcados pela presença de intelectuais negros/as emas ligados à questão étnico-racial, mas tam-
é um complexo processo de orientação, balizamento consolidação e criação de NEABs, situação na qual me ativistas e qualicados como núcleos de ensino, pesqui- bém ao gênero e à sexualidade, por exemplo, remetem
e ormação. incluo, o que me permite tecer considerações como sa e extensão, nem sempre se denem e são reconheci- ao campo da subjetividade, e, para alguns/umas pes-
observador participante. dos como grupos negros, posto que podem contar em quisadores/as negros/as são apaixonantes, comoventes,
Criado em 2004, no III Congresso Brasileiro de maior ou menor grau com a presença de pesquisadores sem necessariamente incorrer em sentimentalismo.
coRpos doceNtes Pesquisadores Negros, realizado na UFMA em São Luís
do Maranhão, o Consórcio de NEABs e grupos correla-
e proessores/as de outros segmentos étnico-raciais. Os
Coletivos de Estudantes são i denticados prontamen-
Sem essencialismo, o corpo é uma das principais
reerências da raça (mas também do gênero e da sexu-
e disceNtes NegRos: tos conta inicialmente com a participação de 16 grupos te como grupos negros e demonstram a preocupação alidade). O corpo é “educado” e na educação ormal
os NeaB e os ceN e hoje soma 76 núcleos 8. Alguns/umas pesquisadores/ com sua qualicação prossional e o ativismo, posto temos corpos – docentes e discentes, mais usados como
as dos NEABs, concentrados/as na área das Humani- que muitos/as realizam seus trabalhos de conclusão de metáoras, distantes do signicante corpóreo. Proesso-
dades, tornam-se reerência no campo dos estudos das curso no campo das relações raciais, encaminhando-se ras/es e estudantes têm corpo (hooks, 2001), são corpos
O quadro desenhado por ativistas negros/as no espaço relações raciais, muitas vezes abordados na perspectiva para a pós-graduação, derontando-se por vezes com a em processo de educação, são corpos educados. Corpos
acadêmico nos anos 1970 reverbera no Rio de Janeiro da interseccionalidade com as variáveis classe, gênero alta de orientação nas suas áreas de ormação. Ambas docentes e discentes.
e em São Paulo, como é o caso da inuência de Beatriz e outras. Um processo de internacionalização dos/as as coletividades estão a merecer uma observação de Nas escolas e nas universidades transitam, se en-
Nascimento e Eduardo Oliveira e Oliveira e também de pesquisadores/as negros brasileiros/as está em curso. maior acuidade. contram e se conrontam corpos emininos e masculi-
Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e outros/as que Iniciativas dos/as ativistas preocupados/as com o nos, negros e brancos, heterossexuais e homossexuais
também percorriam o país num processo de ormação acesso à universidade se inserem neste quadro, a exem- em construção e, em algumas situações, sem denição
para além dos espaços educação ormal contando com
intelectuais “locais”.
plo da Cooperativa Stive Biko de Salvador e dos Cur-
sinhos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (SAN-
coRpos NegRos educados: de raça, gênero ou orientação sexual. Nem sempre
acontece o necessário e adequado reconhecimento das
Nos anos 1980, são criados alguns Núcleos de Es- OS, R., 2006). Neste sentido, observa-se por todo o uMa digRessÃo a tÍtulo identidades, das dierenças, das culturas, dos corpos
tudos Aro-Brasileiros, protagonizados por mestres e país um processo de discussão e implementação das de coNclusÃo dierenciados (racializados, etnicizados e genericados)
doutores negros/as e com a colaboração de intelectuais Ações Armativas para a população negra e particu- e também das incertezas, das indenições, das trans-
brancos/as e outros. É o caso do NEAB-UFAL, NEAB- larmente das cotas raciais, a partir sobretudo de 2001. ormaçõescorpóreas.
-UFMA, CEAB-UCG (PUC-GO). Outros são criados Neste contexto surgem Coletivos de Estudantes A expressão que dá título a este artigo advém da relei- Os corpos racializados estão no currículo, nos li-
na década seguinte: NEAB/UFSCar, PENESB-UFF, Negros (CENs) que se estendem por vários estados, tura do título e do conteúdo do livro organizado por  vros didáticos e paradidáticos (tanto nos textos quanto
NUPE-UNESP e NEN-SC. mantendo uma posição de crítica e de participação Louro (2001): O corpo educado. Nos espaços escolares nas ilustrações), nos vídeos, nas músicas, na educação
ais coletivos podem ter sido ormados por uma em relação às instituições de ensino superior nas quais e acadêmicos é rara a discussão acerca da corporeida- ísica, nas apresentações artísticas. Neste âmbito, é pos-
quase totalidade de pesquisadores/as negros/as ou se situam, posto que azem pressão pelas Ações Ar- de dos segmentos que os compõem, pois p arecem ser sível identicar e conrontar estereótipos ou imagens
contar com a colaboração de estudiosos/as de outros mativas e por políticas do conhecimento que se vol- a-corporais e, por extensão, sem lugar para as subjeti- ardilosas acerca das pessoas negras que permeiam toda
pertencimentos étnico-raciais. Vários NEABs se cons-  vidades e para as trajetórias pessoais e coletivas, como a sociedade, segundo Edimilson de Almeida Pereira e
tituem como “territórios negros no espaço branco” 8. http://br.groups.yahoo.com/group/consorcio_neabs/attach- arma bell hooks: “o mundo público da aprendiza- Núbia Pereira Gomes (2001). Os corpos racializados de
acadêmico, se tornam grupos de estudos e pesquisas, ments/folder/1036087237/item/list gem institucional é um lugar onde o corpo tem de ser proessores/as, gestores, uncionários/as e estudantes
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estão presentes nos vários ambientes da escola: nos cor- CUNHA, Marilene Oliveira. Em busca de um espaço:
redores, nos pátios, nas copas e cozinhas, mas, sobretu- a linguagem gestual no candomblé de Angola . Dis-
do, e de maneira requente e demorada na sala de aula. sertação de mestrado em Antropologia Social. São
Na sociedade brasileira, de passado escravista e Paulo, USP, 1986.
presente racista, o corpo negro é interpretado total- CUNHA JR. Henrique. Contexto, antecedente e prece- PEREIRA. Amauri Mendes & SILVA, Joselina da RAS, Alex. & RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Pau-
mente subdividido, como nos indica Nelson Inocêncio dente: o curso pré-vestibular do Núcleo de Cons- (org’s). Movimento Negro Brasileiro: escritos sobre lo: Selo Negro, 2010.
(2001): cabeça, cor, cabelo, torso, nádegas, genitália, ciência negra na USP. In: ANDRADE, Rosa Maria os sentidos de democracia e justiça no Brasil . Belo RIOS, Flávia Mateus.  Movimento negro brasileiro nas
pés. Na sala de aula o corpo da proessora e do proes-  & FONSECA, Eduardo (org’s).  Aprovados! Cur- Horizonte: Nandyala, 2009. p. 184-205. Ciências Sociais (1950-2000). Sociedade e Cultura.
sor está em total evidência, sendo interpretado, durante sinho pré-vestibular e população negra. São Paulo: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo educado: peda- Goiânia, v. 12, n. 2, jul./dez. 2009, p. 263-274.
todo o ano letivo e por toda sua trajetória. Os corpos Selo Negro, 2002, p. 17-33.  gogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, SANCHIS, Pierre. Inculturação? Da cultura à i denti-
dos/as estudantes também estão em observação. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: 2001. dade, um itinerário político no campo religioso:
São estes corpos docentes e discentes que têm alguns apontamentos históricos. empo No. 23, Ni- NASCIMENO, Abdias. O Genocídio do Negro Bra- o caso dos agentes de pastoral negros. Revista Re-
adentrado e se encontrado no espaço universitário, na terói, 2007, p. 100-122. sileiro: processo de um racismo mascarado . Rio de ligião e Sociedade, Rio de Janeiro, 20(2), 1999, p.
ormação de territórios acadêmicos e políticos. Ain- GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura bra- Janeiro: Paz e erra. 1978. 55-72.
da que tenham individualidade, vêm de um terreno sileira. São Paulo, ANPOCS, Ciências Sociais Hoje, NASCIMENO, Beatriz. extos e narração de Ori . SANOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro
comum, como indica o sobrenome Santos de tantos 2. ANPOCS, 1983, p. 223-244. ranscrição (mimeo), 1989. e o Estado (1983-1987): o caso do Conselho de Par-
autores aqui citados. A ormação de um movimento ne- _________. O movimento negro na última década. __________ Negro e racismo. Revista de Cultura Vozes . ticipação e Desenvolvimento da Comunidade Negra
gro de base acadêmica representa a entrada em cena de In: GONZALEZ, Lélia & HASENBALG, Carlos 68 (7), 1974b, p. 65-68. no Governo de São Paulo . São Paulo: CONE/Pre-
corpos educados, corpos que pensam e agem individual (org’s). Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, __________ Por uma história do homem negro. Revis- eitura da Cidade de São Paulo, 2006.
e coletivamente, que são vistos e se veem como negros 1982, p. 09-66. ta de Cultura Vozes . 68(1), 1974a, p. 41-45. SANOS, Joel Runo. A luta organizada contra o ra-
neste espaço e que tem um projeto político que conta Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de OLIVEIRA, Eduardo Oliveira e. Uma quinzena do ne- cismo. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
com uma história e memória de cerca de quarenta anos. estudos sobre a contribuição do negro na ormação gro. In: ARAÚJO, Emanoel (Curadoria) Para nun- Wilson do Nascimento (org’s).  Atrás do muro da
social brasileira, 3 Niterói: UFF, 1978. ca esquecer: negras memórias, memórias de negros. noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Brasília, Ministério da Cultura/Fundação Cultural sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
RefeRêNcias estudos sobre a contribuição do negro na ormação
social brasileira, 2. Niterói: UFF, 1977.
Palmares, 2001, p. 287.
_________ Etnia e compromisso intelectual. In: GAR,
Palmares, 1994a, p. 87-146.
SANOS, Joel Runo. Movimento negro e crise bra-
BiBliogRáficas Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Caderno de estudos sobre a contribuição do negro sileira. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
estudos sobre a contribuição do negro na ormação na ormação social brasileira . Rio de Janeiro, Insti- Wilson do Nascimento (org’s).  Atrás do muro da
ALBERI, Verena & PEREIRA, Amilcar Araújo (Org.). social brasileira, 1 Niterói: UFF, 1976. tuto de Ciências Humanas e Filosoa/Universida- noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Histórias do movimento negro no Brasil: depoimen- Grupo de rabalho André Rebouças. Em busca de um de Federal Fluminense, 1977, p. 22-28. sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
tos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas/CPDOC- espaço. Encontro Nacional Aro-Brasileiro - Rio __________ O mulato: um obstáculo epistemológico. Palmares, 1994b, p. 147-160.
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BERRIEL, Maria Maia de Oliveira. Uma bibliograa so- áticos. Cadernos Cândido Mendes . Rio de Janeiro: 65-74. mocracia no Brasil contemporâneo: reexões sobre
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UFF, 1977, p. 45-49. mento negro no Rio e São Paulo (1945-1988) . Rio rizonte: Mazza Edições/Editora PUCMinas, 2001. de Janeiro: Fundação Heinrich Boll/ActionAid,
___________. Preconceito e percepção: um estudo sobre de Janeiro: EdUERJ, 2001. RAS, Alex (Alecsandro J. P.). Encruzilhadas por todo 2009, p. 227-258.
a ideologia racial brasileira. Dissertação (Mestrado HOOKS, bell. Eros, erotismo e a processo pedagógico. percurso: individualidade e coletividade - movi- SANOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. In: SAN-
em Antropologia) - Instituto de Ciências Huma- In: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo edu- mento negro de base acadêmica. In: PEREIRA, OS, Milton. O país distorcido: o Brasil, a globali-
nas e Filosoa, Universidade Federal Fluminense, cado: pedagogias da sexualidade . Belo Horizonte: Amauri Mendes; SILVA, Joselina da (Org.).  Movi- zação e a cidadania . São Paulo: Publiolha, 2002,
Niterói, RJ. 1975. Autêntica, 2001, p. 113-123. mento Negro Brasileiro: escritos sobre os sentidos de p.157-161.
BORGES PEREIRA, João Baptista. Preácio. In: INOCENCIO, Nelson. Representação visual do cor- democracia e justiça social no Brasil . Belo Horizon- SANOS, Paulo Roberto dos. Instituiçõesaro-brasilei-
BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Negros de Cedro: um po aro-descendente. In: PANOJA, Selma et al te: Nandyala Editora, 2009, p. 81-108. ras: a prática da contemporaneidade. Rio de Janei-
estudo antropológico de um bairro rural de Goiás . (orgs.) Entre Áricas e Brasis . Brasília: Paralelo 15; ____________. A voz que vem do i nterior: intelectu- ro: Centro de Estudos Aro-Asiáticos/ Universida-
São Paulo, Ática, 1983b. p. XIII-XV. São Paulo: Marco Zero, 2001. p. 191-208. alidade negra e quilombo. In: BARBOSA, Lucia de Candido Mendes. 1984. Mimeo.
CONINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: SILVA, Joselina da. Jornal SINBA: a Árica na cons- Maria de Assunção; SILVA, Petronilha Beatriz SANOS, Renato Emerson dos.  Agendas e agências: a
Aeroplano, 2005. trução identitária brasileira dos anos 1970. In: Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto (Org.). De espacialidade dos movimentos sociais a partir do
 preto a aro-d escendente: trajetóri as de pes quisas  pré-vestibular para negros e carentes . ese (Dou-
sobre relações étnico-raciais no Brasil . São Carlos, torado em Geograa). Rio de Janeiro, IGC-UFF,
2003, v. 1, p. 89-108. 2006.
____________. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de SANOS, Sales Augusto dos.  Movimentos negros, edu-
vida de Beatriz Nascimento . São Paulo: Imprensa cação e ações airmativas . ese (Doutorado em
Ocial / Instituto Kuanza. 2007. Sociologia). Brasília, UnB: 2007.
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dossiê temático

estão presentes nos vários ambientes da escola: nos cor- CUNHA, Marilene Oliveira. Em busca de um espaço:
redores, nos pátios, nas copas e cozinhas, mas, sobretu- a linguagem gestual no candomblé de Angola . Dis-
do, e de maneira requente e demorada na sala de aula. sertação de mestrado em Antropologia Social. São
Na sociedade brasileira, de passado escravista e Paulo, USP, 1986.
presente racista, o corpo negro é interpretado total- CUNHA JR. Henrique. Contexto, antecedente e prece- PEREIRA. Amauri Mendes & SILVA, Joselina da RAS, Alex. & RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Pau-
mente subdividido, como nos indica Nelson Inocêncio dente: o curso pré-vestibular do Núcleo de Cons- (org’s). Movimento Negro Brasileiro: escritos sobre lo: Selo Negro, 2010.
(2001): cabeça, cor, cabelo, torso, nádegas, genitália, ciência negra na USP. In: ANDRADE, Rosa Maria os sentidos de democracia e justiça no Brasil . Belo RIOS, Flávia Mateus.  Movimento negro brasileiro nas
pés. Na sala de aula o corpo da proessora e do proes-  & FONSECA, Eduardo (org’s).  Aprovados! Cur- Horizonte: Nandyala, 2009. p. 184-205. Ciências Sociais (1950-2000). Sociedade e Cultura.
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todo o ano letivo e por toda sua trajetória. Os corpos Selo Negro, 2002, p. 17-33.  gogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, SANCHIS, Pierre. Inculturação? Da cultura à i denti-
dos/as estudantes também estão em observação. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: 2001. dade, um itinerário político no campo religioso:
São estes corpos docentes e discentes que têm alguns apontamentos históricos. empo No. 23, Ni- NASCIMENO, Abdias. O Genocídio do Negro Bra- o caso dos agentes de pastoral negros. Revista Re-
adentrado e se encontrado no espaço universitário, na terói, 2007, p. 100-122. sileiro: processo de um racismo mascarado . Rio de ligião e Sociedade, Rio de Janeiro, 20(2), 1999, p.
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comum, como indica o sobrenome Santos de tantos 2. ANPOCS, 1983, p. 223-244. ranscrição (mimeo), 1989. e o Estado (1983-1987): o caso do Conselho de Par-
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Niterói, RJ. 1975. Autêntica, 2001, p. 113-123. mento Negro Brasileiro: escritos sobre os sentidos de p.157-161.
BORGES PEREIRA, João Baptista. Preácio. In: INOCENCIO, Nelson. Representação visual do cor- democracia e justiça social no Brasil . Belo Horizon- SANOS, Paulo Roberto dos. Instituiçõesaro-brasilei-
BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Negros de Cedro: um po aro-descendente. In: PANOJA, Selma et al te: Nandyala Editora, 2009, p. 81-108. ras: a prática da contemporaneidade. Rio de Janei-
estudo antropológico de um bairro rural de Goiás . (orgs.) Entre Áricas e Brasis . Brasília: Paralelo 15; ____________. A voz que vem do i nterior: intelectu- ro: Centro de Estudos Aro-Asiáticos/ Universida-
São Paulo, Ática, 1983b. p. XIII-XV. São Paulo: Marco Zero, 2001. p. 191-208. alidade negra e quilombo. In: BARBOSA, Lucia de Candido Mendes. 1984. Mimeo.
CONINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: SILVA, Joselina da. Jornal SINBA: a Árica na cons- Maria de Assunção; SILVA, Petronilha Beatriz SANOS, Renato Emerson dos.  Agendas e agências: a
Aeroplano, 2005. trução identitária brasileira dos anos 1970. In: Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto (Org.). De espacialidade dos movimentos sociais a partir do
 preto a aro-d escendente: trajetóri as de pes quisas  pré-vestibular para negros e carentes . ese (Dou-
sobre relações étnico-raciais no Brasil . São Carlos, torado em Geograa). Rio de Janeiro, IGC-UFF,
2003, v. 1, p. 89-108. 2006.
____________. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de SANOS, Sales Augusto dos.  Movimentos negros, edu-
vida de Beatriz Nascimento . São Paulo: Imprensa cação e ações airmativas . ese (Doutorado em
Ocial / Instituto Kuanza. 2007. Sociologia). Brasília, UnB: 2007.
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dossiê temático

rElaçõEs étnico-
-raciais no brasil:
prEtinho (a) Eu? ResuMo aBstRact
discutindo o No presente artigo, começaremos por expor os elementos teóri-
cos mais gerais sobre per tencimento étnico, cor/raça nos censos
brasileiros, a classicação de “cor ou raça” do Instituto Brasileiro
In this paper, we will begin by exposing some theoretical general ele-
ments about ethnical belongness, color/race in the Brazilian census,

pErtEncimEnto étnico RaliMe NuNes RaiM


de Geograa e Estatística - IBGE, através de uma ressignica-
ção crítica dos conceitos presentes nas discussões sobre relações
the classication o “color or race” o the Instituto Brasileiro de Geo-
 graa e Estatística – IBGE, through o a critical reinterpretation o 
those concepts present in the discussions about relationships ethnic-
étnico-ra ciais no Brasil. Discutiremos ainda sobre dierença, pre- race in Brazil. Still, on this research, we will discuss about diferences,
Especialista em Desenvolvimento Social conceito e discriminação no espaço escolar. Pretendemos que esse  preconception and discrimination in school area. It’s intended that 
“Eu acordo e vou dormir todos os dias tendo consciência de que sou e em Sociologia. Bacharela e licenciada texto se torne objeto de discussão e análise da questão de raça no this article represents a discuss and analysis’s object o question o 
negro. Vivo num grande estado de alerta”. Bukassa Kabengele1 em Ciências Sociais. Professora de His- Brasil, que, não podemos negar, envolve elementos de identidade, race in Brazil, that, we can’t deny, involve elements o identity, ap-
tória e Sociologia na Educação Bsica; pertencimento e percepção. O reerencial teórico adotado para  pertain and perception. Te theoritical used to review bibliography,
coordenadora do Programa Diversidade revisão bibliográca, como veremos, constituiu-se dos estudos de as we will see the long in the text, it constituted to studies by: Fúlvia
Étnico-Racial na Educação, da Secretaria Fúlvia Rosemberg, Raael Guerreiro Osório, Stuart Hall, Antônio Rosemberg, Raael Guerreiro Osório, Stuart Hall, Antônio Sérgio
Municipal de Educação de Montes Claros/ Sérgio Alredo Guimarães, Kabengele Munanga, dentre outros.  Alredo Guimarães, Kabengele Munanga, among others.
MG. Experiência em Educação para as
Relações Étnico-Raciais (leis 10.639/03
1. O ator e bailarino Bukassa Kabengele é filho de Kabengele e 11.645/08). Como pesquisadora, desen- Palavras chave: relações étnico-raciais, pertencimento étnico, Keywords: relationships ethnic-race, belong ethnical, identity,
Munanga - antropólogo e intelectual negro do Zaire (Congo) volve estudos desde 2005, sobre a Ques- identidade, classifcação racial, cor/raça. race classication, color/race.
que atualmente trabalha na USP. tão Cor/Raça no Censo Escolar do MEC.

ainda não conseguimos ter uma resposta satisatória à Não há, portanto, uma identidade natural , inata,
iNtRoduÇÃo pergunta: o que é identidade?” mas sim, um conjunto de signicados baseados nas di-
Sendo assim, compreender o termo identidade em erenças. “Do ponto de vista antropológico ou socioló-
seus multiacetados aspectos, é, na realidade, uma tare- gico, as identidades são todas construídas” (PAULA,
A discussão da questão de raça no Brasil envolve ele- a diícil, por isso trataremos do termo aqui, de maneira 2005, p.191) e essa construção identitária é marcada
mentos de atribuição de identidade, pertencimento e sucinta, remetendo-o à ideia de percepção e pertenci- pelos traços culturais, como a língua, a religião, os
percepção. Quem ratica a armativa acima é o próprio mento coletivo. rituais, os comportamentos alimentares, as tradições
IBGE. De acordo com esse Instituto, em seus critérios De acordo com Jacques (1998, p.149), são vários populares.
de classicação racial, a denominação é de “cor ou raça” os sentidos atribuídos, popularmente, ao termo iden- No entanto, na construção da identidade não se
e não apenas de “cor” ou apenas “raça”, porque as cate- tidade, o que o torna “sujeito a inúmeras variações”. pode levar em conta somente o aspecto cultural. Para
gorias que englobam podem ser entendidas de orma Além disso, ele sustenta que “os estudos dessa temática entender a construção da identidade, é importante con-
bastante diversa, envolvendo elementos de atribuição costumam ser classicados como identidade pessoal siderar, também, os níveis sócio-político e histórico de
de “identidade” e de “percepção”. (atributos especícos do indivíduo) e/ou identidade so- cada sociedade. A identidade vista de uma orma mais
orna-se, então, necessário discutir relações iden- cial (atributos que assinalam a pertença a um grupo ou ampla e genérica é invocada quando um “grupo reivin-
titárias, no presente trabalho. categoria)” (Jacques, 1998, p.161). A identidade, assim dica uma maior visibilidade social ace ao apagamento
pensada, tem relação tanto com a i ndividualidade do a que oi, historicamente, submetido” (Novaes, 1993,
Em uma primeira aproximação, parece ser ácil denir sujeito, quanto com o grupo de reerência desse sujeito, p. 25).
“identidade”. A identidade é simplesmente aquilo que armando sua identidade coletiva. Se acrescentarmos ao termo identidade, os adjeti-
se é: “sou brasileiro”, “sou negro” “sou heterossexual”, Por isso, ao alarmos sobre identidade neste tra-  vos étnica, negra, de gênero, entre outros, socialmente
“sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim conce- balho, não estamos nos reerindo a identidade de um isolados e, na maioria das vezes, vistos por nossa socie-
bida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), indivíduo isolado, único, à parte. Estamos tratando do dade como dierentes, podemos observar melhor esse
uma característica independente, um “ato autônomo”. indivíduo “como um ser social, como sujeito inserido processo. Dessa orma, evidenciar a identidade signi-
(SILVA, 2000, p.74) em um contexto de relações e, que, como tal, inuencia ca, também, evidenciar a dierença.
e é inuenciado por elas” (SOUSA, 2005, p.115). Para Hall (2003, apud PAULA, 2005, p.190), o que
Na perspectiva citada por Silva (2000), parece real- Por isso mesmo, caracteriza os seres e as sociedades humanas não é a
mente ácil denir identidade, uma vez que ela só tem a similaridade e sim a dierença. Ele arma que “é essa
si própria como reerência. De acordo com esse autor, é importante perceber que o conceito de identidade dierença que nos unica como seres humanos”. Por-
“ela é auto-contida e auto-suciente”. deve ser investigado e analisado não porque os antro- tanto, podemos armar que,
Porém, Gleason (1980, apud GOMES, 2005, p.40), pólogos decretaram sua i mportância (dierentemente
ao aproundar-se um pouco mais na discussão sobre do conceito de classe social, por exemplo), mas porque as identidades são construídas por meio da dierença
o tema, sustenta que “apesar das inúmeras produções ele é um conceito vital pra os grupos sociais contempo- e não ora dela. Isso implica o reconhecimento radi-
existentes e apesar de todos os esorços empenhados, râneos que o reivindicam (NOVAES, 1993, p.24) calmente perturbador de que é apenas por meio da
41
dossiê temático

rElaçõEs étnico-
-raciais no brasil:
prEtinho (a) Eu? ResuMo aBstRact
discutindo o No presente artigo, começaremos por expor os elementos teóri-
cos mais gerais sobre per tencimento étnico, cor/raça nos censos
brasileiros, a classicação de “cor ou raça” do Instituto Brasileiro
In this paper, we will begin by exposing some theoretical general ele-
ments about ethnical belongness, color/race in the Brazilian census,

pErtEncimEnto étnico RaliMe NuNes RaiM


de Geograa e Estatística - IBGE, através de uma ressignica-
ção crítica dos conceitos presentes nas discussões sobre relações
the classication o “color or race” o the Instituto Brasileiro de Geo-
 graa e Estatística – IBGE, through o a critical reinterpretation o 
those concepts present in the discussions about relationships ethnic-
étnico-ra ciais no Brasil. Discutiremos ainda sobre dierença, pre- race in Brazil. Still, on this research, we will discuss about diferences,
Especialista em Desenvolvimento Social conceito e discriminação no espaço escolar. Pretendemos que esse  preconception and discrimination in school area. It’s intended that 
“Eu acordo e vou dormir todos os dias tendo consciência de que sou e em Sociologia. Bacharela e licenciada texto se torne objeto de discussão e análise da questão de raça no this article represents a discuss and analysis’s object o question o 
negro. Vivo num grande estado de alerta”. Bukassa Kabengele1 em Ciências Sociais. Professora de His- Brasil, que, não podemos negar, envolve elementos de identidade, race in Brazil, that, we can’t deny, involve elements o identity, ap-
tória e Sociologia na Educação Bsica; pertencimento e percepção. O reerencial teórico adotado para  pertain and perception. Te theoritical used to review bibliography,
coordenadora do Programa Diversidade revisão bibliográca, como veremos, constituiu-se dos estudos de as we will see the long in the text, it constituted to studies by: Fúlvia
Étnico-Racial na Educação, da Secretaria Fúlvia Rosemberg, Raael Guerreiro Osório, Stuart Hall, Antônio Rosemberg, Raael Guerreiro Osório, Stuart Hall, Antônio Sérgio
Municipal de Educação de Montes Claros/ Sérgio Alredo Guimarães, Kabengele Munanga, dentre outros.  Alredo Guimarães, Kabengele Munanga, among others.
MG. Experiência em Educação para as
Relações Étnico-Raciais (leis 10.639/03
1. O ator e bailarino Bukassa Kabengele é filho de Kabengele e 11.645/08). Como pesquisadora, desen- Palavras chave: relações étnico-raciais, pertencimento étnico, Keywords: relationships ethnic-race, belong ethnical, identity,
Munanga - antropólogo e intelectual negro do Zaire (Congo) volve estudos desde 2005, sobre a Ques- identidade, classifcação racial, cor/raça. race classication, color/race.
que atualmente trabalha na USP. tão Cor/Raça no Censo Escolar do MEC.

ainda não conseguimos ter uma resposta satisatória à Não há, portanto, uma identidade natural , inata,
iNtRoduÇÃo pergunta: o que é identidade?” mas sim, um conjunto de signicados baseados nas di-
Sendo assim, compreender o termo identidade em erenças. “Do ponto de vista antropológico ou socioló-
seus multiacetados aspectos, é, na realidade, uma tare- gico, as identidades são todas construídas” (PAULA,
A discussão da questão de raça no Brasil envolve ele- a diícil, por isso trataremos do termo aqui, de maneira 2005, p.191) e essa construção identitária é marcada
mentos de atribuição de identidade, pertencimento e sucinta, remetendo-o à ideia de percepção e pertenci- pelos traços culturais, como a língua, a religião, os
percepção. Quem ratica a armativa acima é o próprio mento coletivo. rituais, os comportamentos alimentares, as tradições
IBGE. De acordo com esse Instituto, em seus critérios De acordo com Jacques (1998, p.149), são vários populares.
de classicação racial, a denominação é de “cor ou raça” os sentidos atribuídos, popularmente, ao termo iden- No entanto, na construção da identidade não se
e não apenas de “cor” ou apenas “raça”, porque as cate- tidade, o que o torna “sujeito a inúmeras variações”. pode levar em conta somente o aspecto cultural. Para
gorias que englobam podem ser entendidas de orma Além disso, ele sustenta que “os estudos dessa temática entender a construção da identidade, é importante con-
bastante diversa, envolvendo elementos de atribuição costumam ser classicados como identidade pessoal siderar, também, os níveis sócio-político e histórico de
de “identidade” e de “percepção”. (atributos especícos do indivíduo) e/ou identidade so- cada sociedade. A identidade vista de uma orma mais
orna-se, então, necessário discutir relações iden- cial (atributos que assinalam a pertença a um grupo ou ampla e genérica é invocada quando um “grupo reivin-
titárias, no presente trabalho. categoria)” (Jacques, 1998, p.161). A identidade, assim dica uma maior visibilidade social ace ao apagamento
pensada, tem relação tanto com a i ndividualidade do a que oi, historicamente, submetido” (Novaes, 1993,
Em uma primeira aproximação, parece ser ácil denir sujeito, quanto com o grupo de reerência desse sujeito, p. 25).
“identidade”. A identidade é simplesmente aquilo que armando sua identidade coletiva. Se acrescentarmos ao termo identidade, os adjeti-
se é: “sou brasileiro”, “sou negro” “sou heterossexual”, Por isso, ao alarmos sobre identidade neste tra-  vos étnica, negra, de gênero, entre outros, socialmente
“sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim conce- balho, não estamos nos reerindo a identidade de um isolados e, na maioria das vezes, vistos por nossa socie-
bida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), indivíduo isolado, único, à parte. Estamos tratando do dade como dierentes, podemos observar melhor esse
uma característica independente, um “ato autônomo”. indivíduo “como um ser social, como sujeito inserido processo. Dessa orma, evidenciar a identidade signi-
(SILVA, 2000, p.74) em um contexto de relações e, que, como tal, inuencia ca, também, evidenciar a dierença.
e é inuenciado por elas” (SOUSA, 2005, p.115). Para Hall (2003, apud PAULA, 2005, p.190), o que
Na perspectiva citada por Silva (2000), parece real- Por isso mesmo, caracteriza os seres e as sociedades humanas não é a
mente ácil denir identidade, uma vez que ela só tem a similaridade e sim a dierença. Ele arma que “é essa
si própria como reerência. De acordo com esse autor, é importante perceber que o conceito de identidade dierença que nos unica como seres humanos”. Por-
“ela é auto-contida e auto-suciente”. deve ser investigado e analisado não porque os antro- tanto, podemos armar que,
Porém, Gleason (1980, apud GOMES, 2005, p.40), pólogos decretaram sua i mportância (dierentemente
ao aproundar-se um pouco mais na discussão sobre do conceito de classe social, por exemplo), mas porque as identidades são construídas por meio da dierença
o tema, sustenta que “apesar das inúmeras produções ele é um conceito vital pra os grupos sociais contempo- e não ora dela. Isso implica o reconhecimento radi-
existentes e apesar de todos os esorços empenhados, râneos que o reivindicam (NOVAES, 1993, p.24) calmente perturbador de que é apenas por meio da
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relação com o outro, da relação com aquilo que não é, e desinteressadas. Segundo Hall (2003, p.33), “elas são O sistema de classicação racial do Brasil é con- não “amarelas” ou “outras”). Nota-se um deslizamento
com precisamente aquilo que alta, com aquilo que tem relações de poder, nas quais os grupos agem para que siderado, pelos estudiosos do assunto, bastante enig- das categorias “negro” e “mulato” para “preto” e “pardo”
chamado de seu exterior constitutivo, que o signicado seus signicados particulares sempre prevaleçam aos mático, uma vez que “é resultante da combinação de (FRY apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.3)
“positivo” de qualquer termo – e, assim, sua “identida- dos outros grupos. O campo dessa produção de signi- elementos de aparência: cor da pele, ormato do nariz
de” – pode ser construído (DERRIDA, 1981; LACLAU, cados é, por essência, conituoso e disputado. É uma e da boca, tipo de cabelo; aliado à origem regional e elles (apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.7),
1990; BULER, 1993, apud HALL, 2003). luta por hegemonia e por predomínio”. social do sujeito” (Rosemberg & Piza apud ROCHA &  considera também três modos de classicação racial:
Nessas relações de poder, oram construídas a re- ROSEMBERG, 2007, p. 6). Ou seja, “a aparência geral, o modo ocial (IBGE), o popular múltiplo e o binário.
Nesse sentido, a identidade, enquanto pertenci- presentação e o signicado do que é ser negro. Assim, “a composta pela combinação do estilo de vida (o jeito), o “O terceiro modo é o que vem sendo utilizado pelos
mento, busca uma interação. Assim, “o meu mundo, o representação do ser negro oi criada à sombra do que grau de instrução, a renda, o estilo em matéria de moda Movimentos Negros, que, de há muito, usam um sis-
meu eu, a minha cultura, são traduzidos também através é ser branco, num processo marcado pela signicação (cabelos, roupas, carros) e até a simpatia ou antipatia tema de classicação com apenas dois termos – negro
do outro, de seu mundo e de sua cultura, do processo de quem é superior e de quem é inerior. Ser inerior do alante pela pessoa em questão” (Sansone apud RO- e branco - adotando, dessa orma, o modo binário de
de deciração desse outro, do dierente” (Gomes, 2005, implica não ter poder” (RIBEIRO, 2005, p.6). CHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). classicação racial”.
p.42). Portanto, nenhuma identidade se constrói no iso- Isso reairma que, em uma sociedade como a É da Europa Ocidental do século XVIII, o uso do Jacques D’Adesky, por sua vez, evidencia cinco mo-
lamento e “tanto a identidade pessoal quanto a iden- brasileira, as questões relacionadas à percepção e ao critério cor da pele para dierenciar as chamadas raças dos de classicação racial:
tidade socialmente derivada são ormadas em diálogo pertencimento norteiam o processo de construção da humanas. E é de Blumenbach, siologista e antropó-
aberto” (D’ADESKY, 2001, apud  GOMES, 2005, p.42). identidade negra. Ainda de acordo com Ribeiro, logo alemão (1752-1840), a ideia de classicar as ra- ... o sistema do IBGE, usado no c enso demográco, com
Esse é também o processo pelo qual passa a identi- ças humanas. Ele associou a cor da pele com a região as categorias branco, pardo, preto e amarelo; o sistema
dade negra, na sua trajetória de construção. Uma ree- (...) reconhecer-se ou assumir-se negro no Brasil é uma geográca de origem, denindo cinco tipos: branca branco, negro e índio, reerente ao mito undador da
xão sobre a construção da identidade negra não pode decisão de coragem, pois quem quer se identicar ape- ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; civilização brasileira; o sistema de classicação popular
urtar-se da discussão sobre a identidade enquanto nas com um passado de escravizado, pautado na ciência parda ou malaia; vermelha ou americana. Vários outros de 135 cores, segundo dados da Pesquisa Nacional por
processo mais amplo e complexo, pois, a justicativa biológica para tal condição? Quem quer países, inclusive o Brasil, adotaram a terminologia de Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE
ser o limite na hierarquia que divide os humanos dos classicação racial de Blumenbach. em 1976; o sistema bipolar branco e não branco, utili-
assim, como em outros processos identitários, a iden- ‘quase animais’? Quem quer ser considerado eio e por- Esse vocabulário racial, reerendado pela cor da zado por grande número de p esquisadores de ciências
tidade negra se constrói gradativamente, num movi- tador de uma cultura inerior? ( 2005, p.8).  pele, já estava presente no Brasil desde o período co- humanas; o sistema de classicação bipolar branco e
mento que envolve inúmeras variáveis, causas e eeitos, lonial e aqui az morada até os dias atuais, permane- negro proposto pelo Movimento Negro. (2001, p.135
desde as primeiras relações estabelecidas no grupo so- Dessa orma, a construção de uma identidade cendo com as mesmas categorias de cor adotadas para apud ROSEMBERG, 2007, p.7)
cial mais íntimo, no qual os contatos pessoais se esta- negra positiva, em uma sociedade que nos ensina que os inquéritos populacionais do primeiro Censo demo-
belecem permeados de sanções e aetividades e onde se “para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um de- gráco de 1872, salvo algumas poucas variações. “Isto Fúlvia Rosemberg deende que, dependendo do
elaboram os primeiros ensaios de uma utura visão de sao enrentado pelos negros e pelas negras brasileiros” não signica, porém, que o mesmo termo, por exemplo, contexto institucional, pode ser acionado um “repertó-
mundo. Geralmente este processo se inicia na amília (GOMES, 2005, p.43). branco ou preto, evoque os mesmos sentidos nos die- rio lingüístico” especíco, associado ou não a um mo-
e vai criando ramicações e desdobramentos a partir Por tudo isso, a (a)rmação da identidade, aqui rentes contextos sociais e históricos em que têm sido delo binário ou múltiplo de classicação racial. Sendo
das outras relações que o sujeito estabelece (GOMES, deendida, não está sendo pensada como  xa, acabada , empregados para dierenciar grupos humanos” (RO- assim, “mesmo em sistemas classicatórios semelhantes
2005, p.43). mas como um processo gerado no interior das repre- CHA & ROSEMBERG, 2007, p.5). ao do IBGE, podem ser empregados vocabulários die-
sentações, onde se estabelecem as relações de poder e as A maneira de lidar com o sistema de classica- renciados em instrumentos de classicação racial pro-
É preciso lembrar, também, que “o processo de posições, valorizando as diversas categorias de sujeitos ção racial, por sua vez, gera controvérsia entre os es- duzidos pelo Estado Brasileiro”. Como arma a autora:
construção da identidade negra em nosso país é muito sociais envolvidos. tudiosos: “seria ele binário (branco versus negro) ou
complexo, sendo possível que algumas pessoas com múltiplo, pressupondo um contínuo de categorias?” O modelo de denominação/classicação racial usado
traços sionômicos europeus, em virtude de ter o pai (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). em documentos do Estado brasileiro não parece ser
ou mãe negros, se declarem negros e outros com traços
ísicos aricanos se identiquem brancos” (Brasil, 2005,
coR/RaÇa Nos De acordo com Fry ( apud  ROCHA & ROSEM-
BERG, 2007), “adotaríamos ambos os modos: o modo
monolítico. Assim, os termos preto e pardo, possivel-
mente por razões dierentes, não entram no vocabulário
p.35). Não nos esqueçamos do uso do termo negro de ceNsos BRasileiRos binário seria predominante nas classes médias intelec- de leis e decretos contemporâneos, nas provas do MEC
orma pejorativa, para designar os escravos. ermo esse, tualizadas urbanas, enquanto o múltiplo, evocado de até 2003, apesar de serem vocábulos consagrados pelo
ressignicado pelo Movimento Negro, atribuindo-lhe “(...) Quase não pude acreditar no que lia. O ormulá- acordo com as situações e circunstâncias, seria encon- IBGE para a classicação racial no plano demográco
um sentido político e positivo. rio, além de minha identicação e da de minha lha, trado nas camadas populares”. E além deles, Fry assi- da população brasileira (ROSEMBERG, 2007, p.8).
A identidade negra se arma aqui, portanto, como perguntava, em orma de múltipla escolha, qual a cor/ nala um outro modo:
uma construção social. É o olhar de um grupo étnico- raça dela – amarela, branca, indígena, parda ou preta, Não podemos deixar de considerar também o em-
-racial, ou de sujeitos a ele pertencentes sobre si mes- além de uma última opção: “Opto por não declarar nes- ... uma espécie de redução do modo múltiplo, ou am- prego de dierentes vocábulos raciais em contextos so-
mos, a partir da relação estabelecida com o outro. te momento tal i normação”. O MEC estava pedindo pliado do modo bipolar , que inclui três categorias: ciais distintos. Sendo assim, a expressão aro-brasileiro,
Nesse contexto, podemos armar que as relações para uma menina de sete anos “declarar” sua cor/raça!” negro, branco e mulato. Este é também o modo ocial ou aro-descendente está mais relacionada a contextos
sociais não se constituem somente como relações puras (GOLDEZON, 2007, p.151). do censo brasileiro, que pede às pessoas que se classi- culturais e religiosos, enquanto o termo negro se asso-
quem como “pretas”, “brancas” ou “pardas” (quando cia mais à ideia de discriminação e preconceito.
42 43
dossiê temático

relação com o outro, da relação com aquilo que não é, e desinteressadas. Segundo Hall (2003, p.33), “elas são O sistema de classicação racial do Brasil é con- não “amarelas” ou “outras”). Nota-se um deslizamento
com precisamente aquilo que alta, com aquilo que tem relações de poder, nas quais os grupos agem para que siderado, pelos estudiosos do assunto, bastante enig- das categorias “negro” e “mulato” para “preto” e “pardo”
chamado de seu exterior constitutivo, que o signicado seus signicados particulares sempre prevaleçam aos mático, uma vez que “é resultante da combinação de (FRY apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.3)
“positivo” de qualquer termo – e, assim, sua “identida- dos outros grupos. O campo dessa produção de signi- elementos de aparência: cor da pele, ormato do nariz
de” – pode ser construído (DERRIDA, 1981; LACLAU, cados é, por essência, conituoso e disputado. É uma e da boca, tipo de cabelo; aliado à origem regional e elles (apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.7),
1990; BULER, 1993, apud HALL, 2003). luta por hegemonia e por predomínio”. social do sujeito” (Rosemberg & Piza apud ROCHA &  considera também três modos de classicação racial:
Nessas relações de poder, oram construídas a re- ROSEMBERG, 2007, p. 6). Ou seja, “a aparência geral, o modo ocial (IBGE), o popular múltiplo e o binário.
Nesse sentido, a identidade, enquanto pertenci- presentação e o signicado do que é ser negro. Assim, “a composta pela combinação do estilo de vida (o jeito), o “O terceiro modo é o que vem sendo utilizado pelos
mento, busca uma interação. Assim, “o meu mundo, o representação do ser negro oi criada à sombra do que grau de instrução, a renda, o estilo em matéria de moda Movimentos Negros, que, de há muito, usam um sis-
meu eu, a minha cultura, são traduzidos também através é ser branco, num processo marcado pela signicação (cabelos, roupas, carros) e até a simpatia ou antipatia tema de classicação com apenas dois termos – negro
do outro, de seu mundo e de sua cultura, do processo de quem é superior e de quem é inerior. Ser inerior do alante pela pessoa em questão” (Sansone apud RO- e branco - adotando, dessa orma, o modo binário de
de deciração desse outro, do dierente” (Gomes, 2005, implica não ter poder” (RIBEIRO, 2005, p.6). CHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). classicação racial”.
p.42). Portanto, nenhuma identidade se constrói no iso- Isso reairma que, em uma sociedade como a É da Europa Ocidental do século XVIII, o uso do Jacques D’Adesky, por sua vez, evidencia cinco mo-
lamento e “tanto a identidade pessoal quanto a iden- brasileira, as questões relacionadas à percepção e ao critério cor da pele para dierenciar as chamadas raças dos de classicação racial:
tidade socialmente derivada são ormadas em diálogo pertencimento norteiam o processo de construção da humanas. E é de Blumenbach, siologista e antropó-
aberto” (D’ADESKY, 2001, apud  GOMES, 2005, p.42). identidade negra. Ainda de acordo com Ribeiro, logo alemão (1752-1840), a ideia de classicar as ra- ... o sistema do IBGE, usado no c enso demográco, com
Esse é também o processo pelo qual passa a identi- ças humanas. Ele associou a cor da pele com a região as categorias branco, pardo, preto e amarelo; o sistema
dade negra, na sua trajetória de construção. Uma ree- (...) reconhecer-se ou assumir-se negro no Brasil é uma geográca de origem, denindo cinco tipos: branca branco, negro e índio, reerente ao mito undador da
xão sobre a construção da identidade negra não pode decisão de coragem, pois quem quer se identicar ape- ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; civilização brasileira; o sistema de classicação popular
urtar-se da discussão sobre a identidade enquanto nas com um passado de escravizado, pautado na ciência parda ou malaia; vermelha ou americana. Vários outros de 135 cores, segundo dados da Pesquisa Nacional por
processo mais amplo e complexo, pois, a justicativa biológica para tal condição? Quem quer países, inclusive o Brasil, adotaram a terminologia de Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE
ser o limite na hierarquia que divide os humanos dos classicação racial de Blumenbach. em 1976; o sistema bipolar branco e não branco, utili-
assim, como em outros processos identitários, a iden- ‘quase animais’? Quem quer ser considerado eio e por- Esse vocabulário racial, reerendado pela cor da zado por grande número de p esquisadores de ciências
tidade negra se constrói gradativamente, num movi- tador de uma cultura inerior? ( 2005, p.8).  pele, já estava presente no Brasil desde o período co- humanas; o sistema de classicação bipolar branco e
mento que envolve inúmeras variáveis, causas e eeitos, lonial e aqui az morada até os dias atuais, permane- negro proposto pelo Movimento Negro. (2001, p.135
desde as primeiras relações estabelecidas no grupo so- Dessa orma, a construção de uma identidade cendo com as mesmas categorias de cor adotadas para apud ROSEMBERG, 2007, p.7)
cial mais íntimo, no qual os contatos pessoais se esta- negra positiva, em uma sociedade que nos ensina que os inquéritos populacionais do primeiro Censo demo-
belecem permeados de sanções e aetividades e onde se “para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um de- gráco de 1872, salvo algumas poucas variações. “Isto Fúlvia Rosemberg deende que, dependendo do
elaboram os primeiros ensaios de uma utura visão de sao enrentado pelos negros e pelas negras brasileiros” não signica, porém, que o mesmo termo, por exemplo, contexto institucional, pode ser acionado um “repertó-
mundo. Geralmente este processo se inicia na amília (GOMES, 2005, p.43). branco ou preto, evoque os mesmos sentidos nos die- rio lingüístico” especíco, associado ou não a um mo-
e vai criando ramicações e desdobramentos a partir Por tudo isso, a (a)rmação da identidade, aqui rentes contextos sociais e históricos em que têm sido delo binário ou múltiplo de classicação racial. Sendo
das outras relações que o sujeito estabelece (GOMES, deendida, não está sendo pensada como  xa, acabada , empregados para dierenciar grupos humanos” (RO- assim, “mesmo em sistemas classicatórios semelhantes
2005, p.43). mas como um processo gerado no interior das repre- CHA & ROSEMBERG, 2007, p.5). ao do IBGE, podem ser empregados vocabulários die-
sentações, onde se estabelecem as relações de poder e as A maneira de lidar com o sistema de classica- renciados em instrumentos de classicação racial pro-
É preciso lembrar, também, que “o processo de posições, valorizando as diversas categorias de sujeitos ção racial, por sua vez, gera controvérsia entre os es- duzidos pelo Estado Brasileiro”. Como arma a autora:
construção da identidade negra em nosso país é muito sociais envolvidos. tudiosos: “seria ele binário (branco versus negro) ou
complexo, sendo possível que algumas pessoas com múltiplo, pressupondo um contínuo de categorias?” O modelo de denominação/classicação racial usado
traços sionômicos europeus, em virtude de ter o pai (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). em documentos do Estado brasileiro não parece ser
ou mãe negros, se declarem negros e outros com traços
ísicos aricanos se identiquem brancos” (Brasil, 2005,
coR/RaÇa Nos De acordo com Fry ( apud  ROCHA & ROSEM-
BERG, 2007), “adotaríamos ambos os modos: o modo
monolítico. Assim, os termos preto e pardo, possivel-
mente por razões dierentes, não entram no vocabulário
p.35). Não nos esqueçamos do uso do termo negro de ceNsos BRasileiRos binário seria predominante nas classes médias intelec- de leis e decretos contemporâneos, nas provas do MEC
orma pejorativa, para designar os escravos. ermo esse, tualizadas urbanas, enquanto o múltiplo, evocado de até 2003, apesar de serem vocábulos consagrados pelo
ressignicado pelo Movimento Negro, atribuindo-lhe “(...) Quase não pude acreditar no que lia. O ormulá- acordo com as situações e circunstâncias, seria encon- IBGE para a classicação racial no plano demográco
um sentido político e positivo. rio, além de minha identicação e da de minha lha, trado nas camadas populares”. E além deles, Fry assi- da população brasileira (ROSEMBERG, 2007, p.8).
A identidade negra se arma aqui, portanto, como perguntava, em orma de múltipla escolha, qual a cor/ nala um outro modo:
uma construção social. É o olhar de um grupo étnico- raça dela – amarela, branca, indígena, parda ou preta, Não podemos deixar de considerar também o em-
-racial, ou de sujeitos a ele pertencentes sobre si mes- além de uma última opção: “Opto por não declarar nes- ... uma espécie de redução do modo múltiplo, ou am- prego de dierentes vocábulos raciais em contextos so-
mos, a partir da relação estabelecida com o outro. te momento tal i normação”. O MEC estava pedindo pliado do modo bipolar , que inclui três categorias: ciais distintos. Sendo assim, a expressão aro-brasileiro,
Nesse contexto, podemos armar que as relações para uma menina de sete anos “declarar” sua cor/raça!” negro, branco e mulato. Este é também o modo ocial ou aro-descendente está mais relacionada a contextos
sociais não se constituem somente como relações puras (GOLDEZON, 2007, p.151). do censo brasileiro, que pede às pessoas que se classi- culturais e religiosos, enquanto o termo negro se asso-
quem como “pretas”, “brancas” ou “pardas” (quando cia mais à ideia de discriminação e preconceito.
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dossiê temático

Considerando que todo o Brasil participou do No entanto, é na “variação social da cor” (Osó- Justamente por isso, estudiosos do assunto con-
a classificaÇÃo de “coR Censo do IBGE/2010 e respondeu ao quesito cor/ rio, 2004, p.94) que a identicação por autoatribuição sideram que “no Brasil não se pode alar em ‘grupos
ou RaÇa” do iBge raça, ao mesmo tempo em que um número cada vez
maior de brasileiros reconhece que o recorte racial nas
encontra maior problema, pois, até mesmo a vasta li-
teratura disponível sobre classe e/ou raça insiste em
raciais’, mas, sim, em ‘grupos de cor” (Guimarães, 2005,
p.43). Desta orma, Nogueira ( apud ROCHA & RO-
pesquisas censitárias é extremamente importante, já armar, em uníssono, que a ascensão social é ator de SEMBERG, 2007, p.4), sustenta que, em nosso meio,
Marcílio (1974, p.23), propõe a existência de três perí- que representa uma maneira de se apurar, entender e embranquecimento. Conorme Osório (2004), há ocorrência, não do ‘preconceito de origem’ (raça/
odos distintos para se pensar a coleta de dados censi- melhorar a condição dos dierentes grupos étnicos que ascendência), mas, sim, do ‘preconceito de marca’.
tários no Brasil: azem parte do nosso país, reorçando o retrato do Bra- sabendo-se que, à luz do ideal de branquitude vigente, Osório (2004) arma que
sil como nação multiétnica, que o Censo IBGE/2010 é de se esperar que as pessoas que carregam menos
O primeiro,  pré-estatístic o , vai do início da coloni- cuidou muito bem de registrar. traços negros em sua aparência tendam a se considerar onde vige o preconceito racial de marca, a origem não
zação até a metade do século XVIII e caracteriza-se Sendo assim, o sistema classicatório do IBGE brancas, e que essa tendência varia de acordo com a si- importa, apenas quantos traços, ou marcas, do “enó-
pelas poucas estimativas gerais, normalmente aceitas emprega cinco categorias de “cor ou raça” na sua clas- tuação socioeconômica, com as pessoas mais abastadas tipo” do grupo discriminado são portados pela vítima
pelos demógraos, apesar de não incluírem a popula- sicação, denindo, a partir destas, “igual número de também tendendo à escolha do branco, o ato de que potencial. O preconceito racial de marca não exclui
ção de índios que vivia ora do contato com o branco. grupos raciais e a identicação racial é realizada por a classicação de cor é realizada por auto-atribuição completamente, mas desabona suas vítimas. Portar os
O segundo momento- proto-estatístico- inicia-se na intermédio do uso simultâneo dos métodos de auto- pode se agurar problemático. (OSÓRIO, 2004, p. 95). traços do grupo discriminado constitui inerioridade,
segunda metade do século XVIII e termina com o pri- -atribuição e de heteroatribuição de pertença” (OSÓ- e az com que os sujeitos ao preconceito sejam sistema-
meiro recenseamento geral, em 1872. O terceiro perí- RIO, 2004, p.86). Seria possível armar então, que heteroatribuição ticamente preteridos em relação aos demais. (OSÓRIO,
odo, chamado de era estatística, tem início em 1872 e Ainda de acordo com Osório (2004, p.86), “um da cor dos sujeitos, pelos entrevistadores ou pelos res- 2004, p. 109).
reproduz-se na série de censos realizados posterior- método de identiicação racial é um procedimento ponsáveis em ornecer a inormação, seria uma orma
mente, mantendo-se a data de 1940 para a inclusão do estabelecido para a decisão do enquadramento dos in- de contornar o problema, inclusive conerindo maior Pode-se concluir que esses grupos buscam, através
Brasil entre os países que realizam censos periódicos, divíduos em grupos denidos pelas categorias de uma objetividade à classicação? Não se tem nenhuma ga- da posse de outras características ‘armativamente’ va-
por métodos modernos de coleta e publicados sistema- classicação, sejam estas maniestas ou latentes”. rantia de que os entrevistadores não venham a branque- lorizadas, como educação, projeção social, poder polí-
ticamente por um órgão especializado – o IBGE ( apud  São três os métodos de identicação racial de que ar os entrevistados, principalmente os mais abastados. tico e bens materiais, uma orma de compensar, ainda
ROSEMBERG, 2003, p.94) se tem conhecimento: a auto-atribuição de pertença, Há menor garantia, ainda, por parte dos respon- que parcialmente, estas marcas.
onde o próprio sujeito interrogado escolhe o grupo sáveis em ornecer a inormação, que teriam maior di-
Em meio à grande variedade de termos, três vocá- do qual se considera membro; a heteroatribuição de culdade em identicar esses enótipos e, ao mesmo
bulos raciais sempre se destacaram como os principais pertença, onde outra pessoa é que dene o grupo do
designadores das categorias de classicação racial: pre- sujeito e a identicação de grandes grupos raciais “a que
tempo, motivos de ordem diversa para mudar a linha
de cor que lhes oi conerido atribuir a determinado
coNveRsa soBRe
to, pardo e branco. teriam pertencido os ancestrais de uma pessoa” (Osó- sujeito. difeReNÇa, pRecoNceito e
No primeiro Censo ocial brasileiro, realizado em rio, 2004, p.87), através do uso de técnicas biológicas, Considerando que o Ministério da Educação - discRiMiNaÇÃo Na escola
1872, além das três categorias acima citadas, utilizou-se como a análise do DNA. MEC utiliza, no censo escolar anual, a autoatribuição
a categoria “caboclo”, alusiva ao grupo dos indígenas. Buscando atingir os objetivos propostos nesta pes- para coletar os dados de cor/raça dos alunos maiores de
Sendo que as categorias preta e parda “eram as únicas quisa, analisaremos apenas os métodos de auto e de 16 anos e a heteroatribuição para os alunos abaixo desta - Posso me sentar ao seu lado? – pergunta-me uma lin-
aplicáveis à parcela escrava da população, embora pu- heteroatribuição de pertença, empregados pelo IBGE aixa etária é inequívoco considerar que pertencimento da menina negra de cabelos trançados e seus sete anos.
dessem também enquadrar pessoas livres, assim nas- na coleta de dados de cor ou raça . O método de auto- e percepção, palavras-chave deste artigo, são elementos - Claro, mas por que quer sentar-se aqui? – pergunto-
cidas ou alorriadas” (Osório, 2004, p.105). O segundo atribuição é recomendado por órgãos internacionais, de extrema relevância, quando se pensa a classicação -lhe intrigada, já que sou a única adulta na sala de aula
Censo do Brasil, de 1890, substituiu o termo pardo por quando se trata de pesquisas que realizam coleta de dos sujeitos eita por intermédio destes dois métodos da 1ª série e há vários grupos de crianças pela sala.
mestiço e os Censos seguintes, até o de 1940, ignoraram dados, com o objetivo de captar a raça ou etnia dos de identicação racial. anto assim que Osório (2004, - É que você é a única igual a mim – disse-me, voltando
a questão de raça. indivíduos. Mesmo assim, há, por parte dos estudiosos, p.96) arma: “[...] no undo, a opção pela auto ou pela seus olhos para a sua pele. (Depoimento de uma pro-
A partir do Censo de 1940, portanto, a cor da po- discordâncias com relação à adequação desse método heteroatribuição de pertença racial é uma escolha entre essora negra do estado de São Paulo/2002).
pulação brasileira voltou a ser coletada, obedecendo para o Brasil. subjetividades: a do próprio sujeito da classicação, ou
praticamente às mesmas categorias de 1872. Sendo que A polêmica desenvolve-se em torno da categoria a do observador externo”. Fatos semelhantes a esse nos permitem ilustrar
o termo pardo volta a substituir o mestiço e a categoria parda. elles e Lim ( apud OSÓRIO, 2004, p.95), pos- Finalizando, sobre a peculiaridade da classicação como não é ácil construir uma identidade negra po-
amarela é criada para atender aos imigrantes asiáticos. tulam que racial brasileira, pode-se armar que ela, bem como a sitiva no espaço escolar e nos levam a inerir algumas
Essas categorias oram empregadas também no C enso de alguns países latino-americanos, é determinada pela consequências negativas, para as crianças negras, ad-
de 1970. na América Latina os mulatos seriam menos discri- aparência e não pela ascendência, ou seja, “dierente-  vindas do preconceito e da discriminação de que são
De 1940 até 1990 a classicação era só de cor, a par- minados do que nos Estados Unidos, gozando de uma mente do que ocorreu nos Estados Unidos, o Brasil,  vítimas nesse ambiente, como: rejeição, desvalorização,
tir daí, com o emprego da categoria indígena no Censo posição intermediária entre os pretos e os brancos. após a abolição da escravidão, não adotou legislação sentimento de culpa e solidão. E ainda a produção cien-
de 1991, a classicação ganha status de “cor ou raça” e Desta orma, a dicotomia racial importante seria entre racial segregacionista, nem produziu um sistema de tíca, principalmente das décadas de 80 e 90, arma
consolida as cinco categorias empregadas pelo IBGE nos pretos e não-pretos, ao invés de brancos e não-brancos. classicação racial legal e baseado na origem ou hipo- que o preconceito racial inuencia negativamente no
dias atuais: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. (OSÓRIO, 2004, p. 95). descendência” (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.4). rendimento escolar dessas crianças.
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Considerando que todo o Brasil participou do No entanto, é na “variação social da cor” (Osó- Justamente por isso, estudiosos do assunto con-
a classificaÇÃo de “coR Censo do IBGE/2010 e respondeu ao quesito cor/ rio, 2004, p.94) que a identicação por autoatribuição sideram que “no Brasil não se pode alar em ‘grupos
ou RaÇa” do iBge raça, ao mesmo tempo em que um número cada vez
maior de brasileiros reconhece que o recorte racial nas
encontra maior problema, pois, até mesmo a vasta li-
teratura disponível sobre classe e/ou raça insiste em
raciais’, mas, sim, em ‘grupos de cor” (Guimarães, 2005,
p.43). Desta orma, Nogueira ( apud ROCHA & RO-
pesquisas censitárias é extremamente importante, já armar, em uníssono, que a ascensão social é ator de SEMBERG, 2007, p.4), sustenta que, em nosso meio,
Marcílio (1974, p.23), propõe a existência de três perí- que representa uma maneira de se apurar, entender e embranquecimento. Conorme Osório (2004), há ocorrência, não do ‘preconceito de origem’ (raça/
odos distintos para se pensar a coleta de dados censi- melhorar a condição dos dierentes grupos étnicos que ascendência), mas, sim, do ‘preconceito de marca’.
tários no Brasil: azem parte do nosso país, reorçando o retrato do Bra- sabendo-se que, à luz do ideal de branquitude vigente, Osório (2004) arma que
sil como nação multiétnica, que o Censo IBGE/2010 é de se esperar que as pessoas que carregam menos
O primeiro,  pré-estatístic o , vai do início da coloni- cuidou muito bem de registrar. traços negros em sua aparência tendam a se considerar onde vige o preconceito racial de marca, a origem não
zação até a metade do século XVIII e caracteriza-se Sendo assim, o sistema classicatório do IBGE brancas, e que essa tendência varia de acordo com a si- importa, apenas quantos traços, ou marcas, do “enó-
pelas poucas estimativas gerais, normalmente aceitas emprega cinco categorias de “cor ou raça” na sua clas- tuação socioeconômica, com as pessoas mais abastadas tipo” do grupo discriminado são portados pela vítima
pelos demógraos, apesar de não incluírem a popula- sicação, denindo, a partir destas, “igual número de também tendendo à escolha do branco, o ato de que potencial. O preconceito racial de marca não exclui
ção de índios que vivia ora do contato com o branco. grupos raciais e a identicação racial é realizada por a classicação de cor é realizada por auto-atribuição completamente, mas desabona suas vítimas. Portar os
O segundo momento- proto-estatístico- inicia-se na intermédio do uso simultâneo dos métodos de auto- pode se agurar problemático. (OSÓRIO, 2004, p. 95). traços do grupo discriminado constitui inerioridade,
segunda metade do século XVIII e termina com o pri- -atribuição e de heteroatribuição de pertença” (OSÓ- e az com que os sujeitos ao preconceito sejam sistema-
meiro recenseamento geral, em 1872. O terceiro perí- RIO, 2004, p.86). Seria possível armar então, que heteroatribuição ticamente preteridos em relação aos demais. (OSÓRIO,
odo, chamado de era estatística, tem início em 1872 e Ainda de acordo com Osório (2004, p.86), “um da cor dos sujeitos, pelos entrevistadores ou pelos res- 2004, p. 109).
reproduz-se na série de censos realizados posterior- método de identiicação racial é um procedimento ponsáveis em ornecer a inormação, seria uma orma
mente, mantendo-se a data de 1940 para a inclusão do estabelecido para a decisão do enquadramento dos in- de contornar o problema, inclusive conerindo maior Pode-se concluir que esses grupos buscam, através
Brasil entre os países que realizam censos periódicos, divíduos em grupos denidos pelas categorias de uma objetividade à classicação? Não se tem nenhuma ga- da posse de outras características ‘armativamente’ va-
por métodos modernos de coleta e publicados sistema- classicação, sejam estas maniestas ou latentes”. rantia de que os entrevistadores não venham a branque- lorizadas, como educação, projeção social, poder polí-
ticamente por um órgão especializado – o IBGE ( apud  São três os métodos de identicação racial de que ar os entrevistados, principalmente os mais abastados. tico e bens materiais, uma orma de compensar, ainda
ROSEMBERG, 2003, p.94) se tem conhecimento: a auto-atribuição de pertença, Há menor garantia, ainda, por parte dos respon- que parcialmente, estas marcas.
onde o próprio sujeito interrogado escolhe o grupo sáveis em ornecer a inormação, que teriam maior di-
Em meio à grande variedade de termos, três vocá- do qual se considera membro; a heteroatribuição de culdade em identicar esses enótipos e, ao mesmo
bulos raciais sempre se destacaram como os principais pertença, onde outra pessoa é que dene o grupo do
designadores das categorias de classicação racial: pre- sujeito e a identicação de grandes grupos raciais “a que
tempo, motivos de ordem diversa para mudar a linha
de cor que lhes oi conerido atribuir a determinado
coNveRsa soBRe
to, pardo e branco. teriam pertencido os ancestrais de uma pessoa” (Osó- sujeito. difeReNÇa, pRecoNceito e
No primeiro Censo ocial brasileiro, realizado em rio, 2004, p.87), através do uso de técnicas biológicas, Considerando que o Ministério da Educação - discRiMiNaÇÃo Na escola
1872, além das três categorias acima citadas, utilizou-se como a análise do DNA. MEC utiliza, no censo escolar anual, a autoatribuição
a categoria “caboclo”, alusiva ao grupo dos indígenas. Buscando atingir os objetivos propostos nesta pes- para coletar os dados de cor/raça dos alunos maiores de
Sendo que as categorias preta e parda “eram as únicas quisa, analisaremos apenas os métodos de auto e de 16 anos e a heteroatribuição para os alunos abaixo desta - Posso me sentar ao seu lado? – pergunta-me uma lin-
aplicáveis à parcela escrava da população, embora pu- heteroatribuição de pertença, empregados pelo IBGE aixa etária é inequívoco considerar que pertencimento da menina negra de cabelos trançados e seus sete anos.
dessem também enquadrar pessoas livres, assim nas- na coleta de dados de cor ou raça . O método de auto- e percepção, palavras-chave deste artigo, são elementos - Claro, mas por que quer sentar-se aqui? – pergunto-
cidas ou alorriadas” (Osório, 2004, p.105). O segundo atribuição é recomendado por órgãos internacionais, de extrema relevância, quando se pensa a classicação -lhe intrigada, já que sou a única adulta na sala de aula
Censo do Brasil, de 1890, substituiu o termo pardo por quando se trata de pesquisas que realizam coleta de dos sujeitos eita por intermédio destes dois métodos da 1ª série e há vários grupos de crianças pela sala.
mestiço e os Censos seguintes, até o de 1940, ignoraram dados, com o objetivo de captar a raça ou etnia dos de identicação racial. anto assim que Osório (2004, - É que você é a única igual a mim – disse-me, voltando
a questão de raça. indivíduos. Mesmo assim, há, por parte dos estudiosos, p.96) arma: “[...] no undo, a opção pela auto ou pela seus olhos para a sua pele. (Depoimento de uma pro-
A partir do Censo de 1940, portanto, a cor da po- discordâncias com relação à adequação desse método heteroatribuição de pertença racial é uma escolha entre essora negra do estado de São Paulo/2002).
pulação brasileira voltou a ser coletada, obedecendo para o Brasil. subjetividades: a do próprio sujeito da classicação, ou
praticamente às mesmas categorias de 1872. Sendo que A polêmica desenvolve-se em torno da categoria a do observador externo”. Fatos semelhantes a esse nos permitem ilustrar
o termo pardo volta a substituir o mestiço e a categoria parda. elles e Lim ( apud OSÓRIO, 2004, p.95), pos- Finalizando, sobre a peculiaridade da classicação como não é ácil construir uma identidade negra po-
amarela é criada para atender aos imigrantes asiáticos. tulam que racial brasileira, pode-se armar que ela, bem como a sitiva no espaço escolar e nos levam a inerir algumas
Essas categorias oram empregadas também no C enso de alguns países latino-americanos, é determinada pela consequências negativas, para as crianças negras, ad-
de 1970. na América Latina os mulatos seriam menos discri- aparência e não pela ascendência, ou seja, “dierente-  vindas do preconceito e da discriminação de que são
De 1940 até 1990 a classicação era só de cor, a par- minados do que nos Estados Unidos, gozando de uma mente do que ocorreu nos Estados Unidos, o Brasil,  vítimas nesse ambiente, como: rejeição, desvalorização,
tir daí, com o emprego da categoria indígena no Censo posição intermediária entre os pretos e os brancos. após a abolição da escravidão, não adotou legislação sentimento de culpa e solidão. E ainda a produção cien-
de 1991, a classicação ganha status de “cor ou raça” e Desta orma, a dicotomia racial importante seria entre racial segregacionista, nem produziu um sistema de tíca, principalmente das décadas de 80 e 90, arma
consolida as cinco categorias empregadas pelo IBGE nos pretos e não-pretos, ao invés de brancos e não-brancos. classicação racial legal e baseado na origem ou hipo- que o preconceito racial inuencia negativamente no
dias atuais: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. (OSÓRIO, 2004, p. 95). descendência” (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.4). rendimento escolar dessas crianças.
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dossiê temático

Dias (2005, p.5) argumenta que “espaços sociais temos a desvalorização da identidade negra, temos de presentes em nosso cotidiano de trabalho e, por conse- a discriminação racial é ruto do mito da democracia
como o da amília e da escola têm enorme potencial outro a valorização da identidade branca” (EIXEIRA, guinte, na prática escolar” (IANI, 1998, p.127). racial de um país que se gaba de não adotar práticas ra-
para produzirem as resistências ao racismo, ao precon- 1992). Consequentemente, a prática da dierença e as ciais preconceituosas, e, muito menos, discriminatórias.
ceito e à discriminação, mas, de uma maneira geral, Munanga (2005, p.15), arma que os privilégios atitudes de preconceito e discriminação marcam pre- A autora nos alerta que “a discriminação racial pode
ainda não estão cumprindo esse papel”. O que não deixa oram concedidos à identidade branca, porque muitos sença no espaço escolar. “Como proessores, nós os ser originada de outros processos sociais, políticos e
de ser compreensível, pois “são instituições sociais per- prossionais não receberam, em sua educação e or- praticamos e os transmitimos, mesmo quando não psicológicos que vão além do preconceito desenvolvido
meadas pela ideologia do racismo” (DIAS, 2005, p.5) mação, o preparo suciente para lidar com questões queremos ou mesmo quando proerimos o discurso pelo indivíduo” (EIXEIRA, 1992, p.23).
A ideologia racista deixa as amílias negras em problemáticas ligadas ao desao da convivência com a de que somos contra tais práticas discriminatórias” Analisar os indicadores de desigualdade entre os
extrema diculdade para melhorar seu capital social, diversidade e com as maniestações de discriminação (IANI, 1998, p.128). grupos constitui-se em uma boa maneira de tornar vi-
cultural e econômico. Segundo Dias (2005, p.6), o racis- dela resultantes. Ainda de acordo com Munanga: Considerando assim, acreditamos que é de bom sível este tipo de discriminação e de buscar superá-la.
mo, além de operar de orma individual, az parte das tom, ao nal desta conversa, denir alguns conceitos: Justamente por isso, ao lembrarmos das palavras do
estruturas da sociedade brasileira e as crianças negras Essa alta de preparo, que devemos considerar como ex “Ministro da Classicação Racial” (Magnoli, 2007,
são herdeiras da desigualdade e da exclusão social pro- reexo do nosso mito de democracia racial, compro- O preconceito é um julgamento negativo e prévio dos p.135), arso Genro, para quem “o quesito cor/raça re-
 vocadas por esse racismo institucional. mete, sem dúvida, o objetivo undamental da nossa membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia presenta um passo importante para o conhecimento de
A escola, por sua vez, tem sido um espaço de pro- missão no processo de ormação dos uturos cidadãos ou de uma religião ou de pessoas que ocupam outro situações de injustiças e discriminações e para o esta-
dução da rejeição, pois, para as crianças negras, as i nten- responsáveis de amanhã. Com eeito, sem assumir ne- papel social signicativo. Esse julgamento prévio apre- belecimento de políticas de correção das desigualdades
sas interações que ali se dão são quase sempre negativas. nhum complexo de culpa, não podemos esquecer que senta como característica principal a inexibilidade, e de promoção da cidadania” (Caderno do Censo do
Gomes (2003) chama a atenção para a crise de somos produtos de uma educação eurocêntrica e que pois tende a ser mantido sem levar em conta os atos MEC, 2005, p.1), oi-nos orçoso admitir que ao Con-
identidade que acomete muitas crianças negras, vítimas podemos, em unção desta, reproduzir consciente ou que o contestem (GOMES, 2003, p.54). versarmos sobre Dierença, Preconceito e Discriminação,
desta rejeição, armando que: inconscientemente os preconceitos que permeiam nos- não podemos nos urtar a uma análise dos indicadores
sa sociedade. (MUNANGA, 2005, p. 15). rata-se, portanto, de conceito ou opinião ormada de educação entre negros e brancos.
Geralmente a discriminação racial na escola se dá pela antecipadamente, sem maior ponderação ou conheci-
aparência: é o cabelo, a pele, o nariz, enm são os atri- Podemos compreender, então, como o preconceito mento dos atos. Inclui a relação entre pessoas e grupos “(...) as extremas desigualdades no acesso a oportuni-
butos ísicos os escolhidos pelos discriminadores para enraizado na cabeça do proessor, somado à sua dicul- humanos e a concepção que o indivíduo tem de si mes- dades socioeconômicas mantêm e intensicam dramas
depreciarem o negro. Em muitos casos a criança incor- dade de lidar prossionalmente com a dierença, além mo e também do outro. como a miséria em que vivem as comunidades indíge-
pora essa depreciação evitando sua identidade negra e do teor preconceituoso de muitos livros e materiais Bernd (1987) argumenta que o indivíduo precon- nas, a marginalização da população de cor em alguns
tudo que a remeter a ela. E as proessoras nem sempre didáticos e das relações entre os alunos, desestimulam ceituoso é aquele que se echa em uma determinada países, a subordinação da mulher, portadores de deci-
reagem pedagogicamente a essas situações discrimina- o negro e comprometem seu aprendizado. Os dados opinião, deixando de aceitar o outro lado dos atos, ências e dos idosos. De tudo isso, surge uma sociedade
tórias (GOMES, 2003, p.56). sobre repetência e evasão escolar do alunado negro sendo o preconceito, “uma posição dogmática e sec- com grandes raturas, que geram exclusão social e com
comprovam essa armativa. tária que impede nos indivíduos o desenvolvimento reqüência, ideologias intolerantes que visam justicar
Em unção disso, tornou-se muito comum ouvir- Na batalha contra o racismo, esta é a luta da da necessária e permanente abertura ao conhecimento tais raturas” (KLIKSBERG, 2001).
mos rases como “o próprio negro é racista, ele não se educação: não aceitar como pronta e acabada a lógica mais aproundado da questão, o que poderia levá-los
aceita como negro”. Convém esclarecer que introjeção apoiada na razão cientíca que diz que biologicamente à reavaliação de suas posições” (BERND, 1987, p.11). Os dados e inormações produzidos pelo IBGE e
do preconceito racial  é o termo usado para designar a somos todos iguais, nem a moral cristã que nos eleva a Sendo assim, é possível compreender que atitudes pelo IPEA reorçam as palavras, registradas na citação
pessoa que não se aceita como negra. Ou seja, a pes- todos para a mesma natureza divina. Até porque, isso preconceituosas não são inatas. São aprendidas social- acima, de um dos grandes teóricos do Desenvolvimento
soa negra aceita a ideia de inerioridade atribuída à sua não mudará as mentes de nossos alunos, a m de que mente. O ser humano não nasce preconceituoso. Ele Social, Bernardo Kliksberg, no que diz respeito às “ex-
condição racial e, para livrar-se disso, nega-se como deixem de pensar de orma preconceituosa. Munanga aprende a sê-lo. Anal, “nossa trajetória de socialização tremas desigualdades no acesso a oportunidades” da
negra. “E isso jamais pode ser considerado uma atitude (2005, p.19), arma que “como educadores, devemos se inicia na amília, vizinhança, escola, igreja, círculo de população negra, expressando, com clareza, a “perversi-
racista. Se assim o osse, estaríamos culpando a vítima saber que, apesar da lógica da razão ser importante nos amizades e se prolonga até a i nserção em instituições dade da chamada questão racial no Brasil” (JACCOUD
pelo crime. Portanto, quem tem o poder de dominar, processos ormativos e inormativos, ela não modica, prossionais ou atuando em comunidades e movimen- & HEODORO, 2005, p.104).
de comandar a situação, é que pode ser considerado ra- por si, o imaginário e as representações coletivas negati- tos sociais e políticos” (BERND, 1987, p.12). As dierenças de oportunidade de educação para
cista. E isto quem herda são as pessoas brancas”. (DIAS,  vas que se tem do negro e do índio na nossa sociedade”. É no contato com o mundo adulto que as crian- negros e brancos também são tema deste artigo. Os
2005, p.5). O preconceito, a priori, não existe. Ele é parte da ças elaboram seus primeiros julgamentos raciais. De negros, considerados nestes indicadores como o so-
Para melhor compreensão de como estão postas as atitude das pessoas em relação a alguém ou a alguma acordo com Gomes (2003, p.55), as atitudes raciais de matório dos pretos e pardos, mantêm-se, em geral, em
relações raciais no espaço escolar, eixeira (1992), tem coisa, maniestando um imaginário social. Dessa orma, caráter negativo tendem a ganhar mais orça na medida uma condição social signicativamente pior que a da
apontado a necessidade de discutir para além de como o signicado da palavra preconceito é “opinião adotada em que a criança vai convivendo em um mundo que população branca. Além dos expressivos dierenciais
a criança negra é aetada pela dierença, preconceito e sem exame nem conhecimento prévio” (LAROUSSE, a coloca constantemente diante do trato negativo dos no que diz respeito à renda, os negros são sempre os
discriminação. De acordo com a autora, “é necessário 2004, p.791). negros, dos índios, das mulheres, dos homossexuais, mais penalizados em termos de acesso e permanência
discutir o le gado branco dessa relação”. Como já oi dito Podemos armar, então, que se os seres humanos dos idosos e das pessoas de baixa renda. nos bancos escolares.
aqui, a população branca de qualquer nível social tem baseiam sua conduta num conjunto de representações São esses julgamentos raciais negativos que dão lu- Vejamos o que mostram as análises realizadas a
tido privilégios que não se quer discutir. “Se de um lado sociais, “essas noções e teorias coletivas estão também gar à discriminação racial. eixeira (1992) registra que partir dos dados da pesquisa Retrato das desigualdades
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Dias (2005, p.5) argumenta que “espaços sociais temos a desvalorização da identidade negra, temos de presentes em nosso cotidiano de trabalho e, por conse- a discriminação racial é ruto do mito da democracia
como o da amília e da escola têm enorme potencial outro a valorização da identidade branca” (EIXEIRA, guinte, na prática escolar” (IANI, 1998, p.127). racial de um país que se gaba de não adotar práticas ra-
para produzirem as resistências ao racismo, ao precon- 1992). Consequentemente, a prática da dierença e as ciais preconceituosas, e, muito menos, discriminatórias.
ceito e à discriminação, mas, de uma maneira geral, Munanga (2005, p.15), arma que os privilégios atitudes de preconceito e discriminação marcam pre- A autora nos alerta que “a discriminação racial pode
ainda não estão cumprindo esse papel”. O que não deixa oram concedidos à identidade branca, porque muitos sença no espaço escolar. “Como proessores, nós os ser originada de outros processos sociais, políticos e
de ser compreensível, pois “são instituições sociais per- prossionais não receberam, em sua educação e or- praticamos e os transmitimos, mesmo quando não psicológicos que vão além do preconceito desenvolvido
meadas pela ideologia do racismo” (DIAS, 2005, p.5) mação, o preparo suciente para lidar com questões queremos ou mesmo quando proerimos o discurso pelo indivíduo” (EIXEIRA, 1992, p.23).
A ideologia racista deixa as amílias negras em problemáticas ligadas ao desao da convivência com a de que somos contra tais práticas discriminatórias” Analisar os indicadores de desigualdade entre os
extrema diculdade para melhorar seu capital social, diversidade e com as maniestações de discriminação (IANI, 1998, p.128). grupos constitui-se em uma boa maneira de tornar vi-
cultural e econômico. Segundo Dias (2005, p.6), o racis- dela resultantes. Ainda de acordo com Munanga: Considerando assim, acreditamos que é de bom sível este tipo de discriminação e de buscar superá-la.
mo, além de operar de orma individual, az parte das tom, ao nal desta conversa, denir alguns conceitos: Justamente por isso, ao lembrarmos das palavras do
estruturas da sociedade brasileira e as crianças negras Essa alta de preparo, que devemos considerar como ex “Ministro da Classicação Racial” (Magnoli, 2007,
são herdeiras da desigualdade e da exclusão social pro- reexo do nosso mito de democracia racial, compro- O preconceito é um julgamento negativo e prévio dos p.135), arso Genro, para quem “o quesito cor/raça re-
 vocadas por esse racismo institucional. mete, sem dúvida, o objetivo undamental da nossa membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia presenta um passo importante para o conhecimento de
A escola, por sua vez, tem sido um espaço de pro- missão no processo de ormação dos uturos cidadãos ou de uma religião ou de pessoas que ocupam outro situações de injustiças e discriminações e para o esta-
dução da rejeição, pois, para as crianças negras, as i nten- responsáveis de amanhã. Com eeito, sem assumir ne- papel social signicativo. Esse julgamento prévio apre- belecimento de políticas de correção das desigualdades
sas interações que ali se dão são quase sempre negativas. nhum complexo de culpa, não podemos esquecer que senta como característica principal a inexibilidade, e de promoção da cidadania” (Caderno do Censo do
Gomes (2003) chama a atenção para a crise de somos produtos de uma educação eurocêntrica e que pois tende a ser mantido sem levar em conta os atos MEC, 2005, p.1), oi-nos orçoso admitir que ao Con-
identidade que acomete muitas crianças negras, vítimas podemos, em unção desta, reproduzir consciente ou que o contestem (GOMES, 2003, p.54). versarmos sobre Dierença, Preconceito e Discriminação,
desta rejeição, armando que: inconscientemente os preconceitos que permeiam nos- não podemos nos urtar a uma análise dos indicadores
sa sociedade. (MUNANGA, 2005, p. 15). rata-se, portanto, de conceito ou opinião ormada de educação entre negros e brancos.
Geralmente a discriminação racial na escola se dá pela antecipadamente, sem maior ponderação ou conheci-
aparência: é o cabelo, a pele, o nariz, enm são os atri- Podemos compreender, então, como o preconceito mento dos atos. Inclui a relação entre pessoas e grupos “(...) as extremas desigualdades no acesso a oportuni-
butos ísicos os escolhidos pelos discriminadores para enraizado na cabeça do proessor, somado à sua dicul- humanos e a concepção que o indivíduo tem de si mes- dades socioeconômicas mantêm e intensicam dramas
depreciarem o negro. Em muitos casos a criança incor- dade de lidar prossionalmente com a dierença, além mo e também do outro. como a miséria em que vivem as comunidades indíge-
pora essa depreciação evitando sua identidade negra e do teor preconceituoso de muitos livros e materiais Bernd (1987) argumenta que o indivíduo precon- nas, a marginalização da população de cor em alguns
tudo que a remeter a ela. E as proessoras nem sempre didáticos e das relações entre os alunos, desestimulam ceituoso é aquele que se echa em uma determinada países, a subordinação da mulher, portadores de deci-
reagem pedagogicamente a essas situações discrimina- o negro e comprometem seu aprendizado. Os dados opinião, deixando de aceitar o outro lado dos atos, ências e dos idosos. De tudo isso, surge uma sociedade
tórias (GOMES, 2003, p.56). sobre repetência e evasão escolar do alunado negro sendo o preconceito, “uma posição dogmática e sec- com grandes raturas, que geram exclusão social e com
comprovam essa armativa. tária que impede nos indivíduos o desenvolvimento reqüência, ideologias intolerantes que visam justicar
Em unção disso, tornou-se muito comum ouvir- Na batalha contra o racismo, esta é a luta da da necessária e permanente abertura ao conhecimento tais raturas” (KLIKSBERG, 2001).
mos rases como “o próprio negro é racista, ele não se educação: não aceitar como pronta e acabada a lógica mais aproundado da questão, o que poderia levá-los
aceita como negro”. Convém esclarecer que introjeção apoiada na razão cientíca que diz que biologicamente à reavaliação de suas posições” (BERND, 1987, p.11). Os dados e inormações produzidos pelo IBGE e
do preconceito racial  é o termo usado para designar a somos todos iguais, nem a moral cristã que nos eleva a Sendo assim, é possível compreender que atitudes pelo IPEA reorçam as palavras, registradas na citação
pessoa que não se aceita como negra. Ou seja, a pes- todos para a mesma natureza divina. Até porque, isso preconceituosas não são inatas. São aprendidas social- acima, de um dos grandes teóricos do Desenvolvimento
soa negra aceita a ideia de inerioridade atribuída à sua não mudará as mentes de nossos alunos, a m de que mente. O ser humano não nasce preconceituoso. Ele Social, Bernardo Kliksberg, no que diz respeito às “ex-
condição racial e, para livrar-se disso, nega-se como deixem de pensar de orma preconceituosa. Munanga aprende a sê-lo. Anal, “nossa trajetória de socialização tremas desigualdades no acesso a oportunidades” da
negra. “E isso jamais pode ser considerado uma atitude (2005, p.19), arma que “como educadores, devemos se inicia na amília, vizinhança, escola, igreja, círculo de população negra, expressando, com clareza, a “perversi-
racista. Se assim o osse, estaríamos culpando a vítima saber que, apesar da lógica da razão ser importante nos amizades e se prolonga até a i nserção em instituições dade da chamada questão racial no Brasil” (JACCOUD
pelo crime. Portanto, quem tem o poder de dominar, processos ormativos e inormativos, ela não modica, prossionais ou atuando em comunidades e movimen- & HEODORO, 2005, p.104).
de comandar a situação, é que pode ser considerado ra- por si, o imaginário e as representações coletivas negati- tos sociais e políticos” (BERND, 1987, p.12). As dierenças de oportunidade de educação para
cista. E isto quem herda são as pessoas brancas”. (DIAS,  vas que se tem do negro e do índio na nossa sociedade”. É no contato com o mundo adulto que as crian- negros e brancos também são tema deste artigo. Os
2005, p.5). O preconceito, a priori, não existe. Ele é parte da ças elaboram seus primeiros julgamentos raciais. De negros, considerados nestes indicadores como o so-
Para melhor compreensão de como estão postas as atitude das pessoas em relação a alguém ou a alguma acordo com Gomes (2003, p.55), as atitudes raciais de matório dos pretos e pardos, mantêm-se, em geral, em
relações raciais no espaço escolar, eixeira (1992), tem coisa, maniestando um imaginário social. Dessa orma, caráter negativo tendem a ganhar mais orça na medida uma condição social signicativamente pior que a da
apontado a necessidade de discutir para além de como o signicado da palavra preconceito é “opinião adotada em que a criança vai convivendo em um mundo que população branca. Além dos expressivos dierenciais
a criança negra é aetada pela dierença, preconceito e sem exame nem conhecimento prévio” (LAROUSSE, a coloca constantemente diante do trato negativo dos no que diz respeito à renda, os negros são sempre os
discriminação. De acordo com a autora, “é necessário 2004, p.791). negros, dos índios, das mulheres, dos homossexuais, mais penalizados em termos de acesso e permanência
discutir o le gado branco dessa relação”. Como já oi dito Podemos armar, então, que se os seres humanos dos idosos e das pessoas de baixa renda. nos bancos escolares.
aqui, a população branca de qualquer nível social tem baseiam sua conduta num conjunto de representações São esses julgamentos raciais negativos que dão lu- Vejamos o que mostram as análises realizadas a
tido privilégios que não se quer discutir. “Se de um lado sociais, “essas noções e teorias coletivas estão também gar à discriminação racial. eixeira (1992) registra que partir dos dados da pesquisa Retrato das desigualdades
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dossiê temático

de Gênero e Raça , estudo elaborado pelo Instituto de por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais D’ADESKY, Jacque s. Racismos e anti-racismos no Bra- NOVAES, Si lvia C aiuby. Jogo de es pelhos. São Paulo:
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pela Secretaria cedo pressionada a abandonar os estudos e ingressar sil. Pluralismo étnico e multiculturalismo. Rio de EDUSP, 1993.
Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo no mercado de trabalho. Janeiro: Pallas, 2001. OSÓRIO, Raael Guerreiro. O sistema classicatório de
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a As dierenças regionais também são signicativas DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já oram dados? “cor ou raça” do IBGE. In: BERNARDINO, Joaze;
Mulher (UNIFEM), cuja publicação da 3ª edição ocor- na reprodução dessas desigualdades. Na região Nordes- A questão de raça nas leis educacionais – da LDB GALDINO, Daniela (orgs.) Levando a raça a sério:
reu em dezembro de 2008, trazendo uma interpretação te, que apresenta as maiores taxas de analabetismo no de 1961 á Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Jeruse. ação armativa e universidade. Rio de Janeiro: Co-
dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do- país, 24,5% dos homens negros com 15 anos ou mais História da educação do negro e outras histórias. leção Políticas da Cor. 2004.
micílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geograa de idade não eram capazes de ler um bilhete simples, Brasília: Ministério da Educação Continuada, al- PAULA, Cláudia Regina de. Magistério, reinações do
e Estatística (IBGE). em 2006, ao passo que, na região Sul, essa taxa era de abetização e Diversidade. 2005. p. 49-62. (Coleção eminino e da brancura: a narrativa de um pro-
A pesquisa citada acima teve por objetivo visuali- 9,2. No caso dos homens brancos, nas mesmas regiões, Educação para todos). essor negro. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO
zar, de orma clara e compreensível, as enormes desi- tinha-se, respectivamente, 18,4% e 4,3%. GOLDENZON, Sidney. Eles deveriam pedir descul- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER-
gualdades que se maniestam entre negros e brancos e É certo que a média de anos de estudo vem au- pas, de joelhos. In: PEER, Fry. Divisões perigosas: SIDADE. História da Educação do negro e outras
entre homens e mulheres nos mais dierentes espaços mentando para os dois grupos ao longo do período Políticas raciais no Brasil contemporâneo . Rio de histórias. Brasília: 2005. p.187-200.
sociais: educação, mercado de trabalho, acesso a bens e estudado. Porém, ao observarmos os estudos eitos por Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.149-153. RIBEIRO, Eliana Marques. Cor e Raça no Censo Escolar.
serviços, entre outros. Maria Inês da Silva Barbosa, do Albenarez et alli (apud  JACCOUD & HEODORO, GOMES, Nilma Lino. Uma dupla inseparável: cabelo 2005: O que é ser preto, branco, pardo? . Disponível
UNIFEM, argumenta que “é preciso evidenciar as de- 2005, p.109), que analisam o desempenho educacional e cor de pele. In: BARBOSA, Lucia M. A. (org.) et  em: elianamrc@ig.com.br. Acesso em abril 2008.
sigualdades para que elas não existam mais, a pesquisa dos alunos brancos e negros, de 8ª série do ensino un- al . De preto a aro-descendentes: trajetos de pesquisa ROCHA, Edmar José da; ROSEMBERG, Fúlvia.
recorta e dá visibilidade à problemática, permitindo damental, a partir dos dados do Sistema de Avaliação sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais Auto declaração de cor e/ou raça entre escolares
direcion ar políticas públicas para acabar com elas”. A da Educação Básica – SAEB, podemos concluir que os no Brasil. São Carlos: EDUFScar, p.137-150, 2003. paulistanos(as). Caderno de Pesquisa, v.37, n.132,
primeira versão da pesquisa é de 2005, mas seu his- alunos negros têm desempenho inerior ao dos alunos ___________. Alguns termos e conceitos presentes no set./dez. 2007.
tórico tem origem em 1993. Os números obtidos são brancos, mesmo quando é eito o controle pelo nível debate sobre relações raciais no Brasil: Uma bre- ROSEMBERG, Fúlvia. Cor nos Censos Brasileiros. In:
disponibilizados para todo o público interessado: movi- sócio-econômico.  ve discussão. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO BENO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray 
mentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, Além disso, a média de anos de estudo das mulhe- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER- (org.) Psicologia Social do Racismo (Estudos sobre
estudantes. Nesse documento, os números se reerem res é maior que a dos homens e a dos brancos maior SIDADE. Educação anti-racista: caminhos abertos branquitude e branqueamento no Brasil). Vozes,
até a PNAD/2006. Dentre esses números, alguns apre- que a dos negros. Se associarmos os anos de estudo ao  pela L ei Federal Nº 10. 639/03. Brasília: 2005. p. 2003.
sentaram aspecto positivo em relação a anos anteriores, recorte etário da pessoa ocupada, os números impres- 39-62. SAN’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos
podendo-se citar, como exemplos, o acesso à educação sionam ainda mais: os homens negros ocupados, com GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alredo. Racismo e Anti- básicos sobre o racismo e seus derivados. In: MU-
e o aumento do número de trabalhadoras domésticas 60 anos ou mais de idade, têm em média 2,5 anos de -Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2 ed. NANGA, Kabengele. Superando o Racismo na esco-
com carteira de trabalho assinada. estudo e as mulheres negras, na mesma aixa etária, 2005. la. 2 ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação,
Ressaltamos, como já mencionado anteriormente, 2,6. Esses números podem ser explicados pelos anos HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações Secretaria de Educação Continuada, Alabetização
que atendendo à delimitação desta artigo, analisaremos de alta de acesso aos bancos escolares por parte da culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. Brasília: e Diversidades, 2005. p. 39-67.
apenas os indicadores de desigualdades de educação população negra. Representação da UNESCO no Brasil, 2003. SOUSA, Ana Beatriz Gomes. Prática Pedagógica Curri-
entre negros e brancos. O comovedor é que os dados apresentados assus- IANI, Alice. Vivendo preconceito em sala de aula. In: cular e alunos negros: um estudo de caso. In: SOU-
tam não somente pelas desigualdades entre negros e AQUINO, Júlio Groppa (org.). Dierenças e precon- SA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens
brancos, com relação aos indicadores de renda e edu- ceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São escolares e reprodução do preconceito. Educação
educaÇÃo cação, mas também por sabermos que essas desigual-
dades são gritantes em outros tantos indicadores sócio-
Paulo: Summus, 1998.
JACQUES, Maria José Corrêa et al . Psicologia Social 
anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal Nº 
10.639/03. Brasília: 2005. p. 105-120.
-econômicos estudados. Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. EIXEIRA, Maria Aparecida Silva Bento. Resgatando a
Na educação, são marcantes as dierenças raciais: os ne- JACCOUD, Luciana & HEODORO, Mário. Raça e minha bisavó: discriminação racial no trabalho e re-
gros e negras estão menos presentes nas escolas, apre- educação: os limites das políticas universalistas. In: sistência na voz dos trabalhadores negros. São Pau-
sentam médias de anos de estudo ineriores e taxas de
analabetismo bastante superiores. As desigualdades
RefeRêNcias SANOS, Sales Augusto (org.).  Ações Armativas e
Combate ao Racismo nas Américas. Brasília: MEC/
lo: Pontiícia Universidade Católica, 1992, 135p.
(Dissertação, Mestrado em Psicologia Social).
se ampliam quanto maior o nível de ensino. No ensino SECAD, 2005.
undamental, a taxa de escolarização líquida, que mede BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e Mitos do Desenvol-
a proporção da população matriculada no nível de ensi- Rio Grande do Sul: Mercado Aberto, 1987. vimento Social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
no adequado à sua idade, para a população branca era BRASIL. Congresso Nacional. Diretrizes Curriculares UNESCO, 2001.
de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Nacionais para a Educação das Relações Étnico- MAGNOLI, Demétrio. Ministério da classicação ra-
Já no ensino médio, essas taxas eram respectiva- -Raciais e para o Ensino de História e Cultura cial. In: FRY, Peter et al . Divisões perigosas. Rio de
mente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio Aro-Brasileira e Aricana. Brasília: jun./ 2005. Janeiro: Civilizações Brasileira, 2007. p. 133-136.
ainda é bastante restrito em nosso país, mas signica- CADERNO do Censo do MEC/2005. Disponível em MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na
tivamente mais limitado para a população negra, que, www.inep.gov,br. Acesso em novembro 2008. escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
48 49
dossiê temático

de Gênero e Raça , estudo elaborado pelo Instituto de por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais D’ADESKY, Jacque s. Racismos e anti-racismos no Bra- NOVAES, Si lvia C aiuby. Jogo de es pelhos. São Paulo:
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pela Secretaria cedo pressionada a abandonar os estudos e ingressar sil. Pluralismo étnico e multiculturalismo. Rio de EDUSP, 1993.
Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo no mercado de trabalho. Janeiro: Pallas, 2001. OSÓRIO, Raael Guerreiro. O sistema classicatório de
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a As dierenças regionais também são signicativas DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já oram dados? “cor ou raça” do IBGE. In: BERNARDINO, Joaze;
Mulher (UNIFEM), cuja publicação da 3ª edição ocor- na reprodução dessas desigualdades. Na região Nordes- A questão de raça nas leis educacionais – da LDB GALDINO, Daniela (orgs.) Levando a raça a sério:
reu em dezembro de 2008, trazendo uma interpretação te, que apresenta as maiores taxas de analabetismo no de 1961 á Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Jeruse. ação armativa e universidade. Rio de Janeiro: Co-
dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do- país, 24,5% dos homens negros com 15 anos ou mais História da educação do negro e outras histórias. leção Políticas da Cor. 2004.
micílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geograa de idade não eram capazes de ler um bilhete simples, Brasília: Ministério da Educação Continuada, al- PAULA, Cláudia Regina de. Magistério, reinações do
e Estatística (IBGE). em 2006, ao passo que, na região Sul, essa taxa era de abetização e Diversidade. 2005. p. 49-62. (Coleção eminino e da brancura: a narrativa de um pro-
A pesquisa citada acima teve por objetivo visuali- 9,2. No caso dos homens brancos, nas mesmas regiões, Educação para todos). essor negro. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO
zar, de orma clara e compreensível, as enormes desi- tinha-se, respectivamente, 18,4% e 4,3%. GOLDENZON, Sidney. Eles deveriam pedir descul- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER-
gualdades que se maniestam entre negros e brancos e É certo que a média de anos de estudo vem au- pas, de joelhos. In: PEER, Fry. Divisões perigosas: SIDADE. História da Educação do negro e outras
entre homens e mulheres nos mais dierentes espaços mentando para os dois grupos ao longo do período Políticas raciais no Brasil contemporâneo . Rio de histórias. Brasília: 2005. p.187-200.
sociais: educação, mercado de trabalho, acesso a bens e estudado. Porém, ao observarmos os estudos eitos por Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.149-153. RIBEIRO, Eliana Marques. Cor e Raça no Censo Escolar.
serviços, entre outros. Maria Inês da Silva Barbosa, do Albenarez et alli (apud  JACCOUD & HEODORO, GOMES, Nilma Lino. Uma dupla inseparável: cabelo 2005: O que é ser preto, branco, pardo? . Disponível
UNIFEM, argumenta que “é preciso evidenciar as de- 2005, p.109), que analisam o desempenho educacional e cor de pele. In: BARBOSA, Lucia M. A. (org.) et  em: elianamrc@ig.com.br. Acesso em abril 2008.
sigualdades para que elas não existam mais, a pesquisa dos alunos brancos e negros, de 8ª série do ensino un- al . De preto a aro-descendentes: trajetos de pesquisa ROCHA, Edmar José da; ROSEMBERG, Fúlvia.
recorta e dá visibilidade à problemática, permitindo damental, a partir dos dados do Sistema de Avaliação sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais Auto declaração de cor e/ou raça entre escolares
direcion ar políticas públicas para acabar com elas”. A da Educação Básica – SAEB, podemos concluir que os no Brasil. São Carlos: EDUFScar, p.137-150, 2003. paulistanos(as). Caderno de Pesquisa, v.37, n.132,
primeira versão da pesquisa é de 2005, mas seu his- alunos negros têm desempenho inerior ao dos alunos ___________. Alguns termos e conceitos presentes no set./dez. 2007.
tórico tem origem em 1993. Os números obtidos são brancos, mesmo quando é eito o controle pelo nível debate sobre relações raciais no Brasil: Uma bre- ROSEMBERG, Fúlvia. Cor nos Censos Brasileiros. In:
disponibilizados para todo o público interessado: movi- sócio-econômico.  ve discussão. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO BENO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray 
mentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, Além disso, a média de anos de estudo das mulhe- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER- (org.) Psicologia Social do Racismo (Estudos sobre
estudantes. Nesse documento, os números se reerem res é maior que a dos homens e a dos brancos maior SIDADE. Educação anti-racista: caminhos abertos branquitude e branqueamento no Brasil). Vozes,
até a PNAD/2006. Dentre esses números, alguns apre- que a dos negros. Se associarmos os anos de estudo ao  pela L ei Federal Nº 10. 639/03. Brasília: 2005. p. 2003.
sentaram aspecto positivo em relação a anos anteriores, recorte etário da pessoa ocupada, os números impres- 39-62. SAN’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos
podendo-se citar, como exemplos, o acesso à educação sionam ainda mais: os homens negros ocupados, com GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alredo. Racismo e Anti- básicos sobre o racismo e seus derivados. In: MU-
e o aumento do número de trabalhadoras domésticas 60 anos ou mais de idade, têm em média 2,5 anos de -Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2 ed. NANGA, Kabengele. Superando o Racismo na esco-
com carteira de trabalho assinada. estudo e as mulheres negras, na mesma aixa etária, 2005. la. 2 ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação,
Ressaltamos, como já mencionado anteriormente, 2,6. Esses números podem ser explicados pelos anos HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações Secretaria de Educação Continuada, Alabetização
que atendendo à delimitação desta artigo, analisaremos de alta de acesso aos bancos escolares por parte da culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. Brasília: e Diversidades, 2005. p. 39-67.
apenas os indicadores de desigualdades de educação população negra. Representação da UNESCO no Brasil, 2003. SOUSA, Ana Beatriz Gomes. Prática Pedagógica Curri-
entre negros e brancos. O comovedor é que os dados apresentados assus- IANI, Alice. Vivendo preconceito em sala de aula. In: cular e alunos negros: um estudo de caso. In: SOU-
tam não somente pelas desigualdades entre negros e AQUINO, Júlio Groppa (org.). Dierenças e precon- SA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens
brancos, com relação aos indicadores de renda e edu- ceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São escolares e reprodução do preconceito. Educação
educaÇÃo cação, mas também por sabermos que essas desigual-
dades são gritantes em outros tantos indicadores sócio-
Paulo: Summus, 1998.
JACQUES, Maria José Corrêa et al . Psicologia Social 
anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal Nº 
10.639/03. Brasília: 2005. p. 105-120.
-econômicos estudados. Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. EIXEIRA, Maria Aparecida Silva Bento. Resgatando a
Na educação, são marcantes as dierenças raciais: os ne- JACCOUD, Luciana & HEODORO, Mário. Raça e minha bisavó: discriminação racial no trabalho e re-
gros e negras estão menos presentes nas escolas, apre- educação: os limites das políticas universalistas. In: sistência na voz dos trabalhadores negros. São Pau-
sentam médias de anos de estudo ineriores e taxas de
analabetismo bastante superiores. As desigualdades
RefeRêNcias SANOS, Sales Augusto (org.).  Ações Armativas e
Combate ao Racismo nas Américas. Brasília: MEC/
lo: Pontiícia Universidade Católica, 1992, 135p.
(Dissertação, Mestrado em Psicologia Social).
se ampliam quanto maior o nível de ensino. No ensino SECAD, 2005.
undamental, a taxa de escolarização líquida, que mede BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e Mitos do Desenvol-
a proporção da população matriculada no nível de ensi- Rio Grande do Sul: Mercado Aberto, 1987. vimento Social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
no adequado à sua idade, para a população branca era BRASIL. Congresso Nacional. Diretrizes Curriculares UNESCO, 2001.
de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Nacionais para a Educação das Relações Étnico- MAGNOLI, Demétrio. Ministério da classicação ra-
Já no ensino médio, essas taxas eram respectiva- -Raciais e para o Ensino de História e Cultura cial. In: FRY, Peter et al . Divisões perigosas. Rio de
mente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio Aro-Brasileira e Aricana. Brasília: jun./ 2005. Janeiro: Civilizações Brasileira, 2007. p. 133-136.
ainda é bastante restrito em nosso país, mas signica- CADERNO do Censo do MEC/2005. Disponível em MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na
tivamente mais limitado para a população negra, que, www.inep.gov,br. Acesso em novembro 2008. escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
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dossiê temático

rEflEXõEs sobrE
nossas construçõEs
intElEctuais E políticas
acErca dE “raça” ResuMo aBstRact
Esse artigo procura azer uma reexão sobre a construção do Tis article attempts to discuss the construction o the concept 
conceito “raça” no Brasil republicano. «race» in Republican Brazil.
joÃo Batista Outra questão é a miscigenação, que alguns pensadores viam  Another issue is the mixing, which or some thinkers was seen as a
de jesus felix como um ator negativo a ser extirpado de nosso país. Outros negative actor, which should be excised rom our country. Others
enxergavam nela uma característica que poderia ser mais bem who saw it as a eature that could be used more, or was something 
Doutor e Mestre pela USP. Atualmente é aproveitada, ou seja, era algo positivo. Atualmente ela é vista como  positive. Currently she is seen as a way o ensuring the existence o 
Professor Adjunto II, de Antropologia So- uma orma de garantir a existência dos negros, pois passou a ser black people, because she happened to be interpreted as a darkening 
cial, na Universidade Federal do Tocantins interpretada como um escurecimento da população. o the population.
(UFT), no Curso de Ciências Sociais. É o
Diretor de Cultura do mesmo campus e
Coordenador do Núcleo de Estudos Inter- Palavras chave: Raça; Democracia Racial; Identidade; Precon- Keywords: Race, Democracy Racial Identity, Prejudice, Racism.
disciplinar da áfrica e dos Afro-Brasilei- ceito; Racismo.
ros da UFT (NEAF/UFT).

“unesto” tão evidente – aria para tentar modicar essa descartando a “raça” como ator determinante e intro-
os pioNeiRos sina terrível. Além disso, em nais do séc. XIX parecia duzindo a noção de cultura 1.
importante vericar se as opções de miscigenação eitas Nesse sentido, o primeiro desao de Freyre oi
teriam alguns eeitos benécos. considerar “undamental a dierença entre raça e cultu-
Muitos autores, tais como Sílvio Romero (1943), Nina Internamente podemos perceber a consolidação ra; a discriminar entre os eeitos de relações puramente
Rodrigues (1957), Oliveira Vianna e outros, dedicaram- de pelo menos três principais posições rente às teo- genéticas e os de inuências sociais, de herança cultural
-se à análise das relações “raciais” e da mestiçagem no rias européias: para alguns cientistas, o uturo de um e de meio” (1978; XXIII/XXIV). Ele teve contatos com
Brasil, o que p ode exemplicar a grande preocupação país “miscigenado” só poderia, de ato, ser unesto, isso modelos explicativo s anteriores, como os de Nina Ro-
que essas questões despertam em nossa sociedade. A devido, tão somente, à miscigenação (Nina Rodrigues, drigues, Sílvio Romero, João B. Lacerda, Oliveira Vian-
escravidão brasileira legou para a história do país a pro- 1957). Outros entendiam que esse mesmo enômeno na e outros, que pretendiam, por meio da determinante
blematização da desigualdade sociorracial. al situação social não era tão prejudicial assim e que o branquea- racial, denir o “real” caráter do brasileiro e as várias
ez com que muitos “homens de ciências” – como se mento se imporia (Sílvio Romero, 1949). Outros ainda tentativas de se explicar a problemática da miscigena-
autodenominavam, então, os letrados vinculados às compreenderiam que essa mesma questão era de pouca ção. Por este motivo, arma no preácio da primeira
instituições de pesquisa e ensino no país – se sentissem ou nenhuma importância, já que o problema se resumia edição de Casa-Grande & Senzala : “dos problemas bra-
na obrigação de tentar entender e explicar o destino da à educação (Manoel Bomm, 1993). As posições se di- sileiros, (não havia) nenhum que me inquietasse tanto
nação, com uma população de grande contingente de  vidiam, mas mostram, em seu conjunto, perplexidade como o da miscigenação” (idem; XXIII).
ex-escravos e de mestiços. Uma das maiores razões para em relação à questão. Foi só nos anos 30 que vimos Freyre procurou analisar as relações sociorraciais
esta preocupação baseava-se no ato de que, no nal do o tema se transormando, como mostra, entre outros, brasileiras tendo como modelo as condições de vida
século XIX e início do século XX, boa parte dos homens Schwarcz, em Espetáculo das Raças, 1993. existentes entre os habitantes da “Casa-Grande” e os
de ciências, principalmente da Europa, deendia a invia- da “Senza la”. Em Casa-Grande & Senzala, 1933, o autor
bilidade da mestiçagem. Nesse sentido, uma sociedade procurou descrever uma sociedade em que a partici-
que tivesse grande prolieração desse enômeno gené-
tico estaria irremediavelmente destinada ao racasso,
a deMocRacia pação tanto do “negro” como do “mestiço” tivesse um
destaque bastante relevante. Como a sua proposta era
tanto social como político e cultural (Cruz Costa, 1967; Racial azer um estudo culturalista das relações sociorraciais
Skidmore, 1976 e Schwarcz, 1993). brasileiras, Freyre buscou dar relevo à inuência que
O Brasil, devido à enorme taxa de miscigenação Gilberto Freyre oi um estudioso que procurou contri- esses grupos tiveram sobre o estilo de vida dos senhores
presente em sua sociedade, despertou a curiosidade de buir com a discussão sobre a identidade do brasileiro, já de engenho. al inuência, segundo ele, se ez sentir
muitos desses cientistas, dentro e ora do país, desde em outro contexto político e intelectual. No preácio do
os primeiros momentos da colonização. Em outras livro Casa-Grande & Senzala , 1933, o autor arma que,
palavras, o que esses senhores gostariam de saber era após ter tomado contato com Franz Boas, em Colúmbia 1. Uma boa obra sobre este autor é Casa-Grande & Senzala  e a
o que um país já tão miscigenado – com um destino (EUA), procurou explicar a questão da miscigenação, Obra de Gilberto Freyre , de Ricardo Benzaquem de Araújo, 1994.

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rEflEXõEs sobrE
nossas construçõEs
intElEctuais E políticas
acErca dE “raça” ResuMo aBstRact
Esse artigo procura azer uma reexão sobre a construção do Tis article attempts to discuss the construction o the concept 
conceito “raça” no Brasil republicano. «race» in Republican Brazil.
joÃo Batista Outra questão é a miscigenação, que alguns pensadores viam  Another issue is the mixing, which or some thinkers was seen as a
de jesus felix como um ator negativo a ser extirpado de nosso país. Outros negative actor, which should be excised rom our country. Others
enxergavam nela uma característica que poderia ser mais bem who saw it as a eature that could be used more, or was something 
Doutor e Mestre pela USP. Atualmente é aproveitada, ou seja, era algo positivo. Atualmente ela é vista como  positive. Currently she is seen as a way o ensuring the existence o 
Professor Adjunto II, de Antropologia So- uma orma de garantir a existência dos negros, pois passou a ser black people, because she happened to be interpreted as a darkening 
cial, na Universidade Federal do Tocantins interpretada como um escurecimento da população. o the population.
(UFT), no Curso de Ciências Sociais. É o
Diretor de Cultura do mesmo campus e
Coordenador do Núcleo de Estudos Inter- Palavras chave: Raça; Democracia Racial; Identidade; Precon- Keywords: Race, Democracy Racial Identity, Prejudice, Racism.
disciplinar da áfrica e dos Afro-Brasilei- ceito; Racismo.
ros da UFT (NEAF/UFT).

“unesto” tão evidente – aria para tentar modicar essa descartando a “raça” como ator determinante e intro-
os pioNeiRos sina terrível. Além disso, em nais do séc. XIX parecia duzindo a noção de cultura 1.
importante vericar se as opções de miscigenação eitas Nesse sentido, o primeiro desao de Freyre oi
teriam alguns eeitos benécos. considerar “undamental a dierença entre raça e cultu-
Muitos autores, tais como Sílvio Romero (1943), Nina Internamente podemos perceber a consolidação ra; a discriminar entre os eeitos de relações puramente
Rodrigues (1957), Oliveira Vianna e outros, dedicaram- de pelo menos três principais posições rente às teo- genéticas e os de inuências sociais, de herança cultural
-se à análise das relações “raciais” e da mestiçagem no rias européias: para alguns cientistas, o uturo de um e de meio” (1978; XXIII/XXIV). Ele teve contatos com
Brasil, o que p ode exemplicar a grande preocupação país “miscigenado” só poderia, de ato, ser unesto, isso modelos explicativo s anteriores, como os de Nina Ro-
que essas questões despertam em nossa sociedade. A devido, tão somente, à miscigenação (Nina Rodrigues, drigues, Sílvio Romero, João B. Lacerda, Oliveira Vian-
escravidão brasileira legou para a história do país a pro- 1957). Outros entendiam que esse mesmo enômeno na e outros, que pretendiam, por meio da determinante
blematização da desigualdade sociorracial. al situação social não era tão prejudicial assim e que o branquea- racial, denir o “real” caráter do brasileiro e as várias
ez com que muitos “homens de ciências” – como se mento se imporia (Sílvio Romero, 1949). Outros ainda tentativas de se explicar a problemática da miscigena-
autodenominavam, então, os letrados vinculados às compreenderiam que essa mesma questão era de pouca ção. Por este motivo, arma no preácio da primeira
instituições de pesquisa e ensino no país – se sentissem ou nenhuma importância, já que o problema se resumia edição de Casa-Grande & Senzala : “dos problemas bra-
na obrigação de tentar entender e explicar o destino da à educação (Manoel Bomm, 1993). As posições se di- sileiros, (não havia) nenhum que me inquietasse tanto
nação, com uma população de grande contingente de  vidiam, mas mostram, em seu conjunto, perplexidade como o da miscigenação” (idem; XXIII).
ex-escravos e de mestiços. Uma das maiores razões para em relação à questão. Foi só nos anos 30 que vimos Freyre procurou analisar as relações sociorraciais
esta preocupação baseava-se no ato de que, no nal do o tema se transormando, como mostra, entre outros, brasileiras tendo como modelo as condições de vida
século XIX e início do século XX, boa parte dos homens Schwarcz, em Espetáculo das Raças, 1993. existentes entre os habitantes da “Casa-Grande” e os
de ciências, principalmente da Europa, deendia a invia- da “Senza la”. Em Casa-Grande & Senzala, 1933, o autor
bilidade da mestiçagem. Nesse sentido, uma sociedade procurou descrever uma sociedade em que a partici-
que tivesse grande prolieração desse enômeno gené-
tico estaria irremediavelmente destinada ao racasso,
a deMocRacia pação tanto do “negro” como do “mestiço” tivesse um
destaque bastante relevante. Como a sua proposta era
tanto social como político e cultural (Cruz Costa, 1967; Racial azer um estudo culturalista das relações sociorraciais
Skidmore, 1976 e Schwarcz, 1993). brasileiras, Freyre buscou dar relevo à inuência que
O Brasil, devido à enorme taxa de miscigenação Gilberto Freyre oi um estudioso que procurou contri- esses grupos tiveram sobre o estilo de vida dos senhores
presente em sua sociedade, despertou a curiosidade de buir com a discussão sobre a identidade do brasileiro, já de engenho. al inuência, segundo ele, se ez sentir
muitos desses cientistas, dentro e ora do país, desde em outro contexto político e intelectual. No preácio do
os primeiros momentos da colonização. Em outras livro Casa-Grande & Senzala , 1933, o autor arma que,
palavras, o que esses senhores gostariam de saber era após ter tomado contato com Franz Boas, em Colúmbia 1. Uma boa obra sobre este autor é Casa-Grande & Senzala  e a
o que um país já tão miscigenado – com um destino (EUA), procurou explicar a questão da miscigenação, Obra de Gilberto Freyre , de Ricardo Benzaquem de Araújo, 1994.

51

dossiê temático

principalmente através da culinária, das vestimentas Como podemos notar Freyre, com sua obra Casa- Casa-Grande & Senzala inicia uma nova ase na menino, com grande simpatia, a abolição dos escravos’,
e da sexualidade. -Grande & Senzala , oereceu uma explicação acadêmica história intelectual do país. Após sua publicação as pois os escravos eram ‘um anexo da amília’, alguns ten-
Alguns estudiosos costumam deender a ideia de sobre uma questão que tanto incomodava os intelec- relações “raciais” brasileiras passam a ser vistas como do cado com os Modestos ‘o resto da vida, depois de
que a contribuição de Gilberto Freyre oi a de que, pela tuais e políticos brasileiros. Em novos termos, se rein- altamente positivas4. Freyre, não contente com o su- libertos’, conessa sempre ter gostado ‘mais de negro
primeira vez, alguém procurou ‘positivar’ a mestiçagem terpretava o Brasil como uma sociedade “mestiça”. É cesso alcançado, passa a ser o nosso maior divulgador, que do mulato’, considerando o mulato ‘inimigo natural
brasileira. Segundo Skidmore: “ Casa-Grande & Senzala interessante notar também que, nessa obra, Freyre des- internacionalmente alando, através de suas obras pos- do branco...” (pág. 352).
 virou de cabeça para baixo a armação de ter a misci- carta logo no primeiro capítulo os indígenas. Para ele, a teriores, de nossas relações “raciais” amistosas. Na obra “Do padre Florentino Barbosa, nascido em 1981, na
genação causado dano irreparável” (à sociedade bra- maior, quiçá a única, contribuição dada pelos nativos de Interpretação do Brasil , de 1947, que é uma coletânea Paraíba, são essas as palavras: ‘Não aprovo o casamento
sileira). “O pot-pourri étnico do Brasil, dizia Gilberto nosso contingente oi o útero materno, de onde saíram de diversas palestras proeridas por ele nos EUA, em de negro com branco pela disparidade de tendências,
Freyre, era, ao contrário, uma vantagem imensa” (1976: os primeiros brasileiros. Nada mais 2.  várias ocasiões o autor arma e rearma que o colo- costumes, etc.’. Quanto ao casamento próximo com pes-
210). Apesar da opinião de Skidmore, o que notamos A sociedade mostrada por Gilberto Freyre, nesta nizador luso não teve a mesma postura de separação soa de cor, ‘não (o) recebera bem’” (págs. 355/6).
é que a miscigenação não era entendida no Brasil pré- obra, é uma sociedade em que os p ortugueses entram e de distanciamento, com relação a seus escravos, que “Quanto ao brasileiro de Pernambuco, Adolo Faustino
-Gilberto Freyre simplesmente como um “dano irre- com o poder político, a civilização e o capital, e os ne- os colonizadores anglo-saxões na América do Norte. Porto. Nascido em Olinda, em 1887, depois de se dizer
parável”, havia também posturas que deendiam ser ela gros com parte da cultura. A miscigenação brasileira Ou seja, ele procurou divulgar para o mundo todo que livre de preconceito de raça, reage de modo dierente à
um mal necessário, ou um “ato e pronto”, como dizia é explicada histórica e culturalmente: os portugueses, no Brasil existia uma real “democracia racial”, em que pergunta especica ou concreta sobre o assunto: “Pode
Sílvio Romero. por já terem tido um longo contato com os mouros no “brancos” e “negros” conviviam raternalmente. Outro parecer uma chocante contradição com o que atrás con-
O enorme sucesso alcançado por Casa-Grande & continente europeu, não tiveram problema algum para ator que muito contribuiu para o sucesso internacional signado, acerca de minha atitude para com os negros,
Senzala – pois esta obra em muito inuenciou a visão se relacionar com as mulheres aricanas aqui no Brasil. de nossa representação de “democracia racial” oi que em resposta ao quesito 16 do inquérito, a ressalva que
de mundo da sociedade brasileira – não está somente Devido a esse p assado mestiço anterior, os lhos que Portugal, nossa ex-Metrópole, abraçou imediatamente aço, ao responder ao quesito 16ª. Devo estabelecer uma
relacionado às opiniões assumidas por seu autor, mas surgiram dessas relações oram incorporados à convi- o “luso-tropicalismo” proposto por Freyre 5. De posse graduação, ao justicar meu ponto de vista pessoal so-
sim na grande capacidade que Gilberto Freyre teve em  vência da Casa-Grande. Esta postura assumida pelos dessa teoria, Portugal tentou justicar as suas colônias bre coloração pigmentaria, o qual me parece undo, ao
conseguir dar destaque a várias teorias apresentadas portugueses oi denominada por Gilberto Freyre, anos na Árica. Em sua visão, as dierenças sociais existentes mesmo tempo, em motivos estéticos e siológicos. O
anteriormente, avoráveis à mestiçagem, mas separadas mais tarde, de luso-tropicalismo 3. no Brasil seriam “o resultado da consciência de classe branco, nessa gradação, vem em primeiro lugar, seguin-
entre si. Segundo Schwarcz, ao reuni-las, Freyre conse- Freyre destacou a contribuição cultural do arica- mais do que de qualquer preconceito e raça ou de cor” do-se-lhe o índio, o mulato e, por m, o negro. A cor
guiu oerecer “uma espécie de nova racionalidade para no, que para ele já era detentor de uma “cultura supe- (Freyre, 1947; 188). preta nunca me agradou. Ele não é uma síntese, como a
a sociedade multirracial brasileira” (1995). Além desta rior não só à dos indígenas como à da grande maioria Apesar de ser um grande deensor da “democracia branca. É a própria ausência de cor, na série prismática.
“mistura” teórica ele procurou se basear na teoria cultu- dos colonos brancos” (Freyre, 1978; 299). A violência brasileira”, Freyre tinha conhecimento das discrimina- Luto, trevas, umo se associaram na ormação de um
ralista norte-americana “sem abandonar totalmente os existente no regime escravista brasileiro era explicada ções que os negros e mestiços soriam no Brasil. No complexo que remonta, talvez, a minha meninice e a
pressupostos raciais dos mestres brasilei ros”, o que le vou por meio desta cultura i nerior dos europeus. livro Ordem e Progresso , escrito em 1957, obra em que que também não é estranha a inuência da ‘história de
a obra de Freyre a revelar uma “singularidade da mesti- No desenvolvimento do enredo de Casa-Grande se propôs azer um estudo extenso sobre a sociedade rancoso’, com personagens que eram ‘negros velhos’
çagem (brasileira), invertendo os termos da equação e & Senzala, as relações entre escravos e senhores vão brasileira (para tanto aplicou 1.500 questionários, em perversos e de hórrido aspecto. De sorte que, para ser
positivando o modelo” (Schwarcz, 1995; 54). Já Skidmore cando cada vez mais adocicadas, a ponto de o autor todo país, atingindo pessoas das mais diversas estrati- rigorosamente verdadeiro, devo armar que não rece-
(1976) arma que a postura teórica assumida por Freyre: armar que: cações sociais), podemos destacar alguns depoimen- beria bem o casamento de lho ou lha, irmão ou irmã,
tos em que as pessoas demonstram possuir prounda com pessoa de cor preta.” (1990; 357).
“... agradou aos brasileiros, pois ajudava a explicar a ori- “Os pretos e pardos no Brasil não oram apenas com- discriminação contra os “negros” e os “mestiços”. Aqui
gem da sua própria personalidade. Ao mesmo tempo, panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas-  vão alguns exemplos: É possível azer a seguinte reexão sobre a “de-
era a primeira vez que os leitores recebiam um exame -grandes e até nos colégios; houve também meninos mocracia racial”, ela pode ser entendida como um
erudito do caráter nacional brasileiro com uma desi- brancos que aprenderam a ler com proessores negros. “Já Heitor Modesto (d’Almeida) nascido em Minas “mito”6 nacional brasileiro. Mesmo aqueles que não
nibida mensagem de otimismo: os brasileiros podiam A ler e a escrever e também a contar pelo sistema de Gerais, em 1881, depois de recordar ter recebido, ‘em reconhecem a sua existência não propõem uma socie-
orgulhar-se da sua civilização tropical, original e etnica- tabuada cantada” (idem; 415). dade sem a sua presença. Isto demonstra que o ima-
mente mestiça, cujos vícios sociais – que Gilberto Freire ginário social do brasileiro, seja ele “branco”, “negro”,
4. A importância de Casa-Grande & Senzala, está em sua proposta
não subestimou – deviam atribuir-se principalmente 2. Em depoimento dado à TV Cultura de São Paulo, em um pro- teórica culturalista que se propunha a desvendar o que fazia do
“mestiço” – talvez até mesmo “indígena” – não concebe
à atmosera de monocultura escravista que dominava grama sobre o livro Casa-Grande & Senzala , exibido pela primeira Brasil uma nação multirracial. A maneira de relatar e as fontes uma sociedade em que as relações “sócio-raciais” se-
o país até a segunda metade do séc. XIX. As conse- vez, em maio de 1994, Gilberto Freyre afirma “que somente a índia utilizadas causaram bastante impacto, devido ao seu ineditismo.
qüências danosas da miscigenação provinham não da fêmea contribuiu para a colonização do Brasil”. 5. O “luso-tropicalismo” não está presente em Casa-Grande & 6. Aqui mito está sendo entendido como “um modo de significa-
mistura de raça em si, mas da relação malsã de senhor 3. Para maiores informações sobre este tema consultar Omar Ri- Senzala , mas foi sendo incorporado à teoria de Freyre ao longo ção”, como “uma fala” social . (Barthes, 1972; 131). Uma outra fonte
e escravo debaixo da qual se zera” (pág. 211). beiro, 1996, Do Saber Colonial ao Luso Tropicalismo . do desenvolvimento de seus estudos sociológicos. é Feijoada e Soul Food , Fry, 1982.

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dossiê temático

principalmente através da culinária, das vestimentas Como podemos notar Freyre, com sua obra Casa- Casa-Grande & Senzala inicia uma nova ase na menino, com grande simpatia, a abolição dos escravos’,
e da sexualidade. -Grande & Senzala , oereceu uma explicação acadêmica história intelectual do país. Após sua publicação as pois os escravos eram ‘um anexo da amília’, alguns ten-
Alguns estudiosos costumam deender a ideia de sobre uma questão que tanto incomodava os intelec- relações “raciais” brasileiras passam a ser vistas como do cado com os Modestos ‘o resto da vida, depois de
que a contribuição de Gilberto Freyre oi a de que, pela tuais e políticos brasileiros. Em novos termos, se rein- altamente positivas4. Freyre, não contente com o su- libertos’, conessa sempre ter gostado ‘mais de negro
primeira vez, alguém procurou ‘positivar’ a mestiçagem terpretava o Brasil como uma sociedade “mestiça”. É cesso alcançado, passa a ser o nosso maior divulgador, que do mulato’, considerando o mulato ‘inimigo natural
brasileira. Segundo Skidmore: “ Casa-Grande & Senzala interessante notar também que, nessa obra, Freyre des- internacionalmente alando, através de suas obras pos- do branco...” (pág. 352).
 virou de cabeça para baixo a armação de ter a misci- carta logo no primeiro capítulo os indígenas. Para ele, a teriores, de nossas relações “raciais” amistosas. Na obra “Do padre Florentino Barbosa, nascido em 1981, na
genação causado dano irreparável” (à sociedade bra- maior, quiçá a única, contribuição dada pelos nativos de Interpretação do Brasil , de 1947, que é uma coletânea Paraíba, são essas as palavras: ‘Não aprovo o casamento
sileira). “O pot-pourri étnico do Brasil, dizia Gilberto nosso contingente oi o útero materno, de onde saíram de diversas palestras proeridas por ele nos EUA, em de negro com branco pela disparidade de tendências,
Freyre, era, ao contrário, uma vantagem imensa” (1976: os primeiros brasileiros. Nada mais 2.  várias ocasiões o autor arma e rearma que o colo- costumes, etc.’. Quanto ao casamento próximo com pes-
210). Apesar da opinião de Skidmore, o que notamos A sociedade mostrada por Gilberto Freyre, nesta nizador luso não teve a mesma postura de separação soa de cor, ‘não (o) recebera bem’” (págs. 355/6).
é que a miscigenação não era entendida no Brasil pré- obra, é uma sociedade em que os p ortugueses entram e de distanciamento, com relação a seus escravos, que “Quanto ao brasileiro de Pernambuco, Adolo Faustino
-Gilberto Freyre simplesmente como um “dano irre- com o poder político, a civilização e o capital, e os ne- os colonizadores anglo-saxões na América do Norte. Porto. Nascido em Olinda, em 1887, depois de se dizer
parável”, havia também posturas que deendiam ser ela gros com parte da cultura. A miscigenação brasileira Ou seja, ele procurou divulgar para o mundo todo que livre de preconceito de raça, reage de modo dierente à
um mal necessário, ou um “ato e pronto”, como dizia é explicada histórica e culturalmente: os portugueses, no Brasil existia uma real “democracia racial”, em que pergunta especica ou concreta sobre o assunto: “Pode
Sílvio Romero. por já terem tido um longo contato com os mouros no “brancos” e “negros” conviviam raternalmente. Outro parecer uma chocante contradição com o que atrás con-
O enorme sucesso alcançado por Casa-Grande & continente europeu, não tiveram problema algum para ator que muito contribuiu para o sucesso internacional signado, acerca de minha atitude para com os negros,
Senzala – pois esta obra em muito inuenciou a visão se relacionar com as mulheres aricanas aqui no Brasil. de nossa representação de “democracia racial” oi que em resposta ao quesito 16 do inquérito, a ressalva que
de mundo da sociedade brasileira – não está somente Devido a esse p assado mestiço anterior, os lhos que Portugal, nossa ex-Metrópole, abraçou imediatamente aço, ao responder ao quesito 16ª. Devo estabelecer uma
relacionado às opiniões assumidas por seu autor, mas surgiram dessas relações oram incorporados à convi- o “luso-tropicalismo” proposto por Freyre 5. De posse graduação, ao justicar meu ponto de vista pessoal so-
sim na grande capacidade que Gilberto Freyre teve em  vência da Casa-Grande. Esta postura assumida pelos dessa teoria, Portugal tentou justicar as suas colônias bre coloração pigmentaria, o qual me parece undo, ao
conseguir dar destaque a várias teorias apresentadas portugueses oi denominada por Gilberto Freyre, anos na Árica. Em sua visão, as dierenças sociais existentes mesmo tempo, em motivos estéticos e siológicos. O
anteriormente, avoráveis à mestiçagem, mas separadas mais tarde, de luso-tropicalismo 3. no Brasil seriam “o resultado da consciência de classe branco, nessa gradação, vem em primeiro lugar, seguin-
entre si. Segundo Schwarcz, ao reuni-las, Freyre conse- Freyre destacou a contribuição cultural do arica- mais do que de qualquer preconceito e raça ou de cor” do-se-lhe o índio, o mulato e, por m, o negro. A cor
guiu oerecer “uma espécie de nova racionalidade para no, que para ele já era detentor de uma “cultura supe- (Freyre, 1947; 188). preta nunca me agradou. Ele não é uma síntese, como a
a sociedade multirracial brasileira” (1995). Além desta rior não só à dos indígenas como à da grande maioria Apesar de ser um grande deensor da “democracia branca. É a própria ausência de cor, na série prismática.
“mistura” teórica ele procurou se basear na teoria cultu- dos colonos brancos” (Freyre, 1978; 299). A violência brasileira”, Freyre tinha conhecimento das discrimina- Luto, trevas, umo se associaram na ormação de um
ralista norte-americana “sem abandonar totalmente os existente no regime escravista brasileiro era explicada ções que os negros e mestiços soriam no Brasil. No complexo que remonta, talvez, a minha meninice e a
pressupostos raciais dos mestres brasilei ros”, o que le vou por meio desta cultura i nerior dos europeus. livro Ordem e Progresso , escrito em 1957, obra em que que também não é estranha a inuência da ‘história de
a obra de Freyre a revelar uma “singularidade da mesti- No desenvolvimento do enredo de Casa-Grande se propôs azer um estudo extenso sobre a sociedade rancoso’, com personagens que eram ‘negros velhos’
çagem (brasileira), invertendo os termos da equação e & Senzala, as relações entre escravos e senhores vão brasileira (para tanto aplicou 1.500 questionários, em perversos e de hórrido aspecto. De sorte que, para ser
positivando o modelo” (Schwarcz, 1995; 54). Já Skidmore cando cada vez mais adocicadas, a ponto de o autor todo país, atingindo pessoas das mais diversas estrati- rigorosamente verdadeiro, devo armar que não rece-
(1976) arma que a postura teórica assumida por Freyre: armar que: cações sociais), podemos destacar alguns depoimen- beria bem o casamento de lho ou lha, irmão ou irmã,
tos em que as pessoas demonstram possuir prounda com pessoa de cor preta.” (1990; 357).
“... agradou aos brasileiros, pois ajudava a explicar a ori- “Os pretos e pardos no Brasil não oram apenas com- discriminação contra os “negros” e os “mestiços”. Aqui
gem da sua própria personalidade. Ao mesmo tempo, panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas-  vão alguns exemplos: É possível azer a seguinte reexão sobre a “de-
era a primeira vez que os leitores recebiam um exame -grandes e até nos colégios; houve também meninos mocracia racial”, ela pode ser entendida como um
erudito do caráter nacional brasileiro com uma desi- brancos que aprenderam a ler com proessores negros. “Já Heitor Modesto (d’Almeida) nascido em Minas “mito”6 nacional brasileiro. Mesmo aqueles que não
nibida mensagem de otimismo: os brasileiros podiam A ler e a escrever e também a contar pelo sistema de Gerais, em 1881, depois de recordar ter recebido, ‘em reconhecem a sua existência não propõem uma socie-
orgulhar-se da sua civilização tropical, original e etnica- tabuada cantada” (idem; 415). dade sem a sua presença. Isto demonstra que o ima-
mente mestiça, cujos vícios sociais – que Gilberto Freire ginário social do brasileiro, seja ele “branco”, “negro”,
4. A importância de Casa-Grande & Senzala, está em sua proposta
não subestimou – deviam atribuir-se principalmente 2. Em depoimento dado à TV Cultura de São Paulo, em um pro- teórica culturalista que se propunha a desvendar o que fazia do
“mestiço” – talvez até mesmo “indígena” – não concebe
à atmosera de monocultura escravista que dominava grama sobre o livro Casa-Grande & Senzala , exibido pela primeira Brasil uma nação multirracial. A maneira de relatar e as fontes uma sociedade em que as relações “sócio-raciais” se-
o país até a segunda metade do séc. XIX. As conse- vez, em maio de 1994, Gilberto Freyre afirma “que somente a índia utilizadas causaram bastante impacto, devido ao seu ineditismo.
qüências danosas da miscigenação provinham não da fêmea contribuiu para a colonização do Brasil”. 5. O “luso-tropicalismo” não está presente em Casa-Grande & 6. Aqui mito está sendo entendido como “um modo de significa-
mistura de raça em si, mas da relação malsã de senhor 3. Para maiores informações sobre este tema consultar Omar Ri- Senzala , mas foi sendo incorporado à teoria de Freyre ao longo ção”, como “uma fala” social . (Barthes, 1972; 131). Uma outra fonte
e escravo debaixo da qual se zera” (pág. 211). beiro, 1996, Do Saber Colonial ao Luso Tropicalismo . do desenvolvimento de seus estudos sociológicos. é Feijoada e Soul Food , Fry, 1982.

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dossiê temático

 jam conituosas. Neste sentido, podemos armar que Estado, mas também pretendem ver respeitadas a suas alunos trabalharam em estreito contato, na Bahia, com plicação de que esta posição não tinha qualquer ligação
a “democracia racial” parece ser um valor bastante caro dierenças. Tales de Azevedo (Universidade da Bahia), enquanto com o ator “racial”, nem com a cor, mas era sim um
para os brasileiros. A representação de “democracia racial” brasilei- que Bastide trabalhou com Florestan Fernandes, em reexo da situação educacional e social que o “negro”
A “democracia racial” tem para o brasileiro a mes- ra só sorerá um orte ataque na década de 1950, jus- São Paulo, também com a ajuda de undos da UNES- e o “mulato” viviam em nossa sociedade.
ma unção que o “credo americano” tem para o norte- tamente quando a UNESCO, após entender que esta CO. Uma terceira pesquisa patrocinada pela UNESCO Este racismo encoberto, disarçado, ez com que o
-americano, segundo Myrdal, ele é o “cimento na estru- orma de convivência pacíca sustentada pelo governo oi eita por René Ribeiro (Instituto Joaquim Nabuco) e “negro” e o “mulato” não conseguissem entender que
tura variegada (daquela) nação” (Rose, 1968; 41). Este brasileiro entre “raças” era bastante salutar, assumiu a no Rio de Janeiro por Luís Costa Pinto (Universidade sua condição de inerioridade social oi construída, que
“credo” deende a “dignidade essencial do i ndivíduo, posição de estudar este enômeno para poder melhor do Brasil)” (Skidmore, 1976; 236). era resultado de uma discriminação em que a “raça”
da igualdade básica de todos os homens e de certos divulgá-lo em outras sociedades racistas no mundo: era “undida” com a situação de classe social. Segundo
direitos inalienáveis à liberdade, à justiça e às mesmas Árica do Sul e Estados Unidos, principalmente. Não Depois da divulgação dos resultados obtidos, prin- Fernandes, os “brancos” deendiam a discriminação
oportunidades representam, para o povo americano, podemos esquecer que o mundo ainda tinha muito viva cipalmente, pela equipe coordenada por Roger Bastide racial para não perderem seus privilégios na sociedade
o signicado da primeira luta da nação pela indepen- na memória, neste período, as atrocidades ocorridas e Florestan Fernandes, a tão alada “democracia racial” dividida em classes. Os “negros” e os “mestiços” enten-
dência” (idem; 42). Para Myrdal, “os negro americanos na 2ª Grande Guerra Mundial, assim como estavam brasileira passou a sorer ataques cada vez mais viru- diam que, para conseguir galgar uma posição melhor,
sabem que constituem um grupo oprimido que, mais em pleno desenvolvimento as lutas anti-colonialistas lentos. Isso porque as descobertas eitas pela equipe deveriam ter a mesma postura que os “brancos”, não
que qualquer outro na nação, sorem as consequências na Árica e na Ásia. destes estudiosos levaram alguns cientistas a criticar percebendo que, ao assumir esta posição, legitimavam
de o Credo não ser ali observado. A é que nele depo- as antasias da sociedade brasileira em relação a seus os interesses dos “brancos” das classes médias e das
sitam, entretanto, não é simplesmente um meio para conceitos de relações “raciais”. Os estudos realizados elites. Com esta atitude, eles estavam ao mesmo tempo
pleitear seus direitos. Do mesmo modo que os brancos,
acreditam que, como uma parte de si próprio, o Credo
a pesQuisa da uNesco por cientistas como: Octavio Ianni,  As Metamoroses
do Escravo (1988); Oracy Nogueira, Relações Raciais no
abandonando qualquer possibilidade de combater a
discriminação e ao racismo brasileiro.
impera nos Estados Unidos” (ibidem; 41).  Município de Itapetininga (1955); Fernando Henrique Para Florestan Fernandes, o que de ato existia no
Se atentarmos para o ato de que a “democracia Após várias discussões ocorridas em colóquios in- Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional  Brasil era um paralelismo entre estraticação racial e
racial” no Brasil é pensada no campo religioso (sin- ternacionais entre intelectuais das Ciências Sociais, a (1960), dentre outros, demonstraram que o que se tinha social, resultando em uma perspectiva em que a con-
cretismo), no social (miscigenação) e no econômico UNESCO aprovou em sua 5ª Conerência Geral, ocor- no Brasil era uma sociedade em que os “negros” e os dição desvantajosa do “negro” e do “mulato” passava
(igualdade de oportunidades), apesar de sua duvidosa rida em julho de 1950, na cidade de Florença, Itália, a “mulatos” não possuíam, de ato, os mais elementares a ser entendida como natural. Este paralelismo azia
existência, poderíamos armar que ela pode ser enten- realização de uma pesquisa sobre relações raciais no direitos sociais. A relação entre os “brancos”, “negros” com que os brancos cultivassem explicitamente um
dida na mesma chave do “ato social total” maussiano, Brasil. O mentor intelectual de tal proposta oi Arthur e ”mestiços” era desigual, mas esta disparidade era vista “preconceito retroativo”, na opinião de Lilia Schwarcz
isto é, ela pode exprimir “ao mesmo tempo e de uma Ramos, cientista social brasileiro que havia alecido há como sendo “natural”, não como resultado de qualquer (1995), um “preconceito de ter preconceito” (Fernan-
só vez todas as espécies de instituições: religiosas, jurí- oito meses (Maio, 1997). discriminação racial contra os “negros” e “mestiços”. des, 1965: 299).
dicas e morais - e estas políticas e amiliares ao mesmo A proposta inicial era que se zesse pesquisa, em Florestan Fernandes, em sua obra  A Integração do Após a divulgação dos resultados das pesquisas
tempo...” (Mauss, 1988; 53). Nesse sentido, o brasilei- alguns países da América Latina, para se conhecer a re- Negro na Sociedade de Classes (1965), deende que a desenvolvidas pelas equipes coordenadas por Bastides
ro, seja ele “negro”, “mestiço”, “branco” ou “índio”, não alidade sobre as relações raciais harmoniosas existentes passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no e Fernandes, em que a “democracia racial” revelou-se
consegue propor uma sociedade em que as dierenças neste continente. Ou seja, inicialmente a UNESCO de- Brasil se deu de modo que o “negro” e o “mulato” não como um “engodo”, ou uma enorme “alácia”, a UNES-
“raciais” sejam respeitadas e garantidas; mesmo porque endia a elaboração de um estudo comparativo (Maio, ossem integrados à nova sociedade. Após esta primeira CO abandonou o projeto de divulgar todos os dados.
não conseguem, entre eles mesmos, delimitar ronteiras 1997; 51). Alguns representantes de países tais como “El ase de total desajuste do “negro” 7 e do “mulato” à nova Esta posição oi adotada não porque discordasse das
de cor. Essa situação é bastante diversa da experimenta- Salvador e da França ponderaram que a pesquisa sobre orma de produção, estes oram sendo integrados gra- conclusões, mas sim porque os resultados não se pres-
da pela sociedade americana, que se pauta em modelos contatos raciais num só país limitaria uma possível ge- dativamente, mas, inicialmente, somente em unções tavam à sua intenção inicial, que era a de combater o
biológicos de delimitação racial. neralização dos seus resultados” (Idem; 52). marginalizadas. A discriminação se deu de maneira tão racismo no mundo.
O negro brasileiro também entende que é bastante Devido à grande divulgação da “democracia ra- sutil que o “negro” e o “mulato” não tiveram como se Não podemos armar que em  A Integração do Ne-
prejudicado em nossa sociedade, mas a ideia da “demo- cial” brasileira eita, tanto por Gilberto Freyre como por colocar contra a situação que lhes oi reservada. Por ela  gro na Sociedade de Classes Florestan Fernandes tenha
cracia racial” permite-lhe exigir igualdade de tratamen- outros intelectuais, tais como: Donald Pierson, Arthur nunca ter sido assumida claramente no Brasil, as suas encontrado uma sociedade muito dierente da vista por
to e uma real integração com os “brancos”, o que não Ramos, ou mesmo pelo governo brasileiro, segundo  vítimas não tiveram condições de tomar consciência de Freyre. Porém, o que para Freyre era positivo passou
notamos na sociedade norte-americana: lá a democra- Skidmore: sua existência para combatê-la. Segundo o autor, todo a ser considerado extremamente prejudicial para os
cia social demonstrou-se possível embora a sociedade ataque preconceituoso era acompanhado por uma ex- “negros” e “mulatos” por Fernandes. Para ele, a não
seja dividida em “raças” e grupos étnicos, inconciliá- “Entre os scholars estrangeiros que realizaram exten- inclusão do “negro” e do “mulato” na nova sociedade,
 veis entre si, pelo menos no campo político-ideológico sas investigações de campo no Brasil estavam Charles 7. As aspas nos termos “negro s” e “mulatos”, nesta altura do com o m do trabalho escravo, resultou em um enorme
dominante naquele país. Apesar das divisões sociais, Wagley (Columbia University) e Roger Bastide (Éco- texto são para tentar reproduzir a mesma postura que Fernandes atraso no processo de inserção na “sociedade inclusiva”.
os negros americanos querem um tratamento igual do le Pratique dês Hautes Études – Paris). Wagley e seus assume em sua obra. O que se entendeu como uma “democracia racial” era
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dossiê temático

 jam conituosas. Neste sentido, podemos armar que Estado, mas também pretendem ver respeitadas a suas alunos trabalharam em estreito contato, na Bahia, com plicação de que esta posição não tinha qualquer ligação
a “democracia racial” parece ser um valor bastante caro dierenças. Tales de Azevedo (Universidade da Bahia), enquanto com o ator “racial”, nem com a cor, mas era sim um
para os brasileiros. A representação de “democracia racial” brasilei- que Bastide trabalhou com Florestan Fernandes, em reexo da situação educacional e social que o “negro”
A “democracia racial” tem para o brasileiro a mes- ra só sorerá um orte ataque na década de 1950, jus- São Paulo, também com a ajuda de undos da UNES- e o “mulato” viviam em nossa sociedade.
ma unção que o “credo americano” tem para o norte- tamente quando a UNESCO, após entender que esta CO. Uma terceira pesquisa patrocinada pela UNESCO Este racismo encoberto, disarçado, ez com que o
-americano, segundo Myrdal, ele é o “cimento na estru- orma de convivência pacíca sustentada pelo governo oi eita por René Ribeiro (Instituto Joaquim Nabuco) e “negro” e o “mulato” não conseguissem entender que
tura variegada (daquela) nação” (Rose, 1968; 41). Este brasileiro entre “raças” era bastante salutar, assumiu a no Rio de Janeiro por Luís Costa Pinto (Universidade sua condição de inerioridade social oi construída, que
“credo” deende a “dignidade essencial do i ndivíduo, posição de estudar este enômeno para poder melhor do Brasil)” (Skidmore, 1976; 236). era resultado de uma discriminação em que a “raça”
da igualdade básica de todos os homens e de certos divulgá-lo em outras sociedades racistas no mundo: era “undida” com a situação de classe social. Segundo
direitos inalienáveis à liberdade, à justiça e às mesmas Árica do Sul e Estados Unidos, principalmente. Não Depois da divulgação dos resultados obtidos, prin- Fernandes, os “brancos” deendiam a discriminação
oportunidades representam, para o povo americano, podemos esquecer que o mundo ainda tinha muito viva cipalmente, pela equipe coordenada por Roger Bastide racial para não perderem seus privilégios na sociedade
o signicado da primeira luta da nação pela indepen- na memória, neste período, as atrocidades ocorridas e Florestan Fernandes, a tão alada “democracia racial” dividida em classes. Os “negros” e os “mestiços” enten-
dência” (idem; 42). Para Myrdal, “os negro americanos na 2ª Grande Guerra Mundial, assim como estavam brasileira passou a sorer ataques cada vez mais viru- diam que, para conseguir galgar uma posição melhor,
sabem que constituem um grupo oprimido que, mais em pleno desenvolvimento as lutas anti-colonialistas lentos. Isso porque as descobertas eitas pela equipe deveriam ter a mesma postura que os “brancos”, não
que qualquer outro na nação, sorem as consequências na Árica e na Ásia. destes estudiosos levaram alguns cientistas a criticar percebendo que, ao assumir esta posição, legitimavam
de o Credo não ser ali observado. A é que nele depo- as antasias da sociedade brasileira em relação a seus os interesses dos “brancos” das classes médias e das
sitam, entretanto, não é simplesmente um meio para conceitos de relações “raciais”. Os estudos realizados elites. Com esta atitude, eles estavam ao mesmo tempo
pleitear seus direitos. Do mesmo modo que os brancos,
acreditam que, como uma parte de si próprio, o Credo
a pesQuisa da uNesco por cientistas como: Octavio Ianni,  As Metamoroses
do Escravo (1988); Oracy Nogueira, Relações Raciais no
abandonando qualquer possibilidade de combater a
discriminação e ao racismo brasileiro.
impera nos Estados Unidos” (ibidem; 41).  Município de Itapetininga (1955); Fernando Henrique Para Florestan Fernandes, o que de ato existia no
Se atentarmos para o ato de que a “democracia Após várias discussões ocorridas em colóquios in- Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional  Brasil era um paralelismo entre estraticação racial e
racial” no Brasil é pensada no campo religioso (sin- ternacionais entre intelectuais das Ciências Sociais, a (1960), dentre outros, demonstraram que o que se tinha social, resultando em uma perspectiva em que a con-
cretismo), no social (miscigenação) e no econômico UNESCO aprovou em sua 5ª Conerência Geral, ocor- no Brasil era uma sociedade em que os “negros” e os dição desvantajosa do “negro” e do “mulato” passava
(igualdade de oportunidades), apesar de sua duvidosa rida em julho de 1950, na cidade de Florença, Itália, a “mulatos” não possuíam, de ato, os mais elementares a ser entendida como natural. Este paralelismo azia
existência, poderíamos armar que ela pode ser enten- realização de uma pesquisa sobre relações raciais no direitos sociais. A relação entre os “brancos”, “negros” com que os brancos cultivassem explicitamente um
dida na mesma chave do “ato social total” maussiano, Brasil. O mentor intelectual de tal proposta oi Arthur e ”mestiços” era desigual, mas esta disparidade era vista “preconceito retroativo”, na opinião de Lilia Schwarcz
isto é, ela pode exprimir “ao mesmo tempo e de uma Ramos, cientista social brasileiro que havia alecido há como sendo “natural”, não como resultado de qualquer (1995), um “preconceito de ter preconceito” (Fernan-
só vez todas as espécies de instituições: religiosas, jurí- oito meses (Maio, 1997). discriminação racial contra os “negros” e “mestiços”. des, 1965: 299).
dicas e morais - e estas políticas e amiliares ao mesmo A proposta inicial era que se zesse pesquisa, em Florestan Fernandes, em sua obra  A Integração do Após a divulgação dos resultados das pesquisas
tempo...” (Mauss, 1988; 53). Nesse sentido, o brasilei- alguns países da América Latina, para se conhecer a re- Negro na Sociedade de Classes (1965), deende que a desenvolvidas pelas equipes coordenadas por Bastides
ro, seja ele “negro”, “mestiço”, “branco” ou “índio”, não alidade sobre as relações raciais harmoniosas existentes passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no e Fernandes, em que a “democracia racial” revelou-se
consegue propor uma sociedade em que as dierenças neste continente. Ou seja, inicialmente a UNESCO de- Brasil se deu de modo que o “negro” e o “mulato” não como um “engodo”, ou uma enorme “alácia”, a UNES-
“raciais” sejam respeitadas e garantidas; mesmo porque endia a elaboração de um estudo comparativo (Maio, ossem integrados à nova sociedade. Após esta primeira CO abandonou o projeto de divulgar todos os dados.
não conseguem, entre eles mesmos, delimitar ronteiras 1997; 51). Alguns representantes de países tais como “El ase de total desajuste do “negro” 7 e do “mulato” à nova Esta posição oi adotada não porque discordasse das
de cor. Essa situação é bastante diversa da experimenta- Salvador e da França ponderaram que a pesquisa sobre orma de produção, estes oram sendo integrados gra- conclusões, mas sim porque os resultados não se pres-
da pela sociedade americana, que se pauta em modelos contatos raciais num só país limitaria uma possível ge- dativamente, mas, inicialmente, somente em unções tavam à sua intenção inicial, que era a de combater o
biológicos de delimitação racial. neralização dos seus resultados” (Idem; 52). marginalizadas. A discriminação se deu de maneira tão racismo no mundo.
O negro brasileiro também entende que é bastante Devido à grande divulgação da “democracia ra- sutil que o “negro” e o “mulato” não tiveram como se Não podemos armar que em  A Integração do Ne-
prejudicado em nossa sociedade, mas a ideia da “demo- cial” brasileira eita, tanto por Gilberto Freyre como por colocar contra a situação que lhes oi reservada. Por ela  gro na Sociedade de Classes Florestan Fernandes tenha
cracia racial” permite-lhe exigir igualdade de tratamen- outros intelectuais, tais como: Donald Pierson, Arthur nunca ter sido assumida claramente no Brasil, as suas encontrado uma sociedade muito dierente da vista por
to e uma real integração com os “brancos”, o que não Ramos, ou mesmo pelo governo brasileiro, segundo  vítimas não tiveram condições de tomar consciência de Freyre. Porém, o que para Freyre era positivo passou
notamos na sociedade norte-americana: lá a democra- Skidmore: sua existência para combatê-la. Segundo o autor, todo a ser considerado extremamente prejudicial para os
cia social demonstrou-se possível embora a sociedade ataque preconceituoso era acompanhado por uma ex- “negros” e “mulatos” por Fernandes. Para ele, a não
seja dividida em “raças” e grupos étnicos, inconciliá- “Entre os scholars estrangeiros que realizaram exten- inclusão do “negro” e do “mulato” na nova sociedade,
 veis entre si, pelo menos no campo político-ideológico sas investigações de campo no Brasil estavam Charles 7. As aspas nos termos “negro s” e “mulatos”, nesta altura do com o m do trabalho escravo, resultou em um enorme
dominante naquele país. Apesar das divisões sociais, Wagley (Columbia University) e Roger Bastide (Éco- texto são para tentar reproduzir a mesma postura que Fernandes atraso no processo de inserção na “sociedade inclusiva”.
os negros americanos querem um tratamento igual do le Pratique dês Hautes Études – Paris). Wagley e seus assume em sua obra. O que se entendeu como uma “democracia racial” era
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um “preconceito retroativo” o que não permitia a essas O Movimento Unicado Contra a Discriminação que havia retornado recentemente de um auto-exílio Assim, podemos airmar que a desistência da
populações, os “negros” e os “mulatos”, deenderem-se, Racial (MUCDR) oi undado em 1978, ainda durante nos Estados Unidos 9, deendeu uma luta contra a dis- UNESCO em veicular os resultados das pesquisas so-
devido à orma “mascarada”, “dissimulada” e “disarça- a ditadura militar. Na época de sua criação nenhum criminação racial a ser assumida somente pelos negros. bre a existência da “democracia racial” no Brasil, não
da” como se maniestava. segmento social podia azer qualquer maniestação Nesse sentido, em sua opinião, o nome do grupo deve- impediu que o MNU procurasse exatamente nos pro-
Se Florestan Fernandes não via “democracia racial” pública sem o consentimento dos responsáveis pela ria ser Movimento Negro Unicado Contra a Discri- dutos desses trabalhos grande parte das premissas para
nas relações “sócio-raciais” brasileiras, também não era “segurança” do sistema político vigente. E le surge, em minação Racial (MNUCDR). Essa nova denominação a construção de seus argumentos contra as discrimi-
contra a sua existência. Somente partindo desse pressu- um primeiro momento, como orma de protesto contra prevaleceu até o Primeiro Congresso do MNUCDR, nações e preconceitos raciais existentes em nosso país.
posto é possível se entender a seguinte armação, deste a discriminação racial sorida por quatro atletas ne- ocorrido em 1980, na cidade do Rio de Janeiro, reu- Sobre este enômeno Florestan armou:
autor: “(...) seria preciso atingir esse padrão (socieda- gros no Clube de Regatas ietê, localizado no bairro nindo delegados do Rio de Janeiro, de São Paulo, da
de com uma orte democracia social), que nos protege do Bom Retiro, zona central da cidade de São Paulo. Bahia, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do “A ausência de racismo institucional, por sua vez,
contra as ameaças do racismo, mas também nos aasta Outro motivo oi a tortura, que resultou na morte do Espírito Santo. Foi discutido que o Movimento Negro contribuiu para que esses resultados (da pesquisas da
da verdadeira trilha da “democracia racial” (idem; 297). operário Robson Silveira da Luz, ocorrida no 44° Dis- deveria lutar contra todo e qualquer tipo de opressão, UNESCO): 1.º) recebessem acolhida muito avorável
Em outra parte do texto Fernandes escreve: “ou- trito Policial de Guaianazes. exploração e discriminação, e não somente garantir a por parte dos radicais e ativistas negros, que viram
 via-se, por m, o clamor da ‘gente negra’, soando, pela Quando undado, tinha a pretensão de representar oposição à discriminação racial. Assim, oi proposto neles um prolongamento e um aproundamento das
primeira vez, o clarim que convocava todos os homens a união de todas as entidades negras brasileiras, mas que o nome do grupo deveria ser Movimento Negro tentativas de desmascaramento racial encetadas pelos
a cumprirem os ideais da raternidade humana e da de- esta meta jamais oi atingida, porque alguns grupos ne- Unicado (MNU), o que oi nessa ocasião aprovado. principais mentores do ‘protesto negro’ nas décadas de
mocracia racial” (ibdem; 6). Já Ribeiro, outro autor que gros não concordaram com o lançamento do MUCDR. Este é o nome da entidade até nossos dias. 30 e de 40; 2.º) ossem aceitos com simpatia e incor-
combate o preconceito/discriminação brasileiro, num Na opinião de certas lideranças dessas organizações, Para não diminuir drasticamente a sua base, o porados pelo branco inconormista, de personalidade
texto escrito trinta anos após Fernandes, diz: “udo isso o lançamento do MUCDR estava ocorrendo sem que MNU passou a armar que negro era toda e qualquer democrática e identicado com a mudança de menta-
demonstra, claramente, que a democracia racial é possí- antes osse eito um trabalho de “conscientização de pessoa “que possui na cor, no rosto, ou nos cabelos, lidade ou de costumes” (1976; 71).
 vel, mas só é praticável conjuntamente com a democra- base” e por esse motivo optaram por não participar da sinais característicos dessa raça” (MNU, 1988; 18). Com
cia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há nova entidade. O maior representante dessa postura esta plataorma percebe-se que a opção de identidade Apesar de não ter logrado unir todas as entida-
democracia para ninguém, porque a opressão do negro política oi Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). negra deendida por esse grupo procura se utilizar da des negras, o MNU conseguiu, através das propostas
condenado à dignidade de lutador da liberdade corres- O MUCDR oi um projeto pensado ini cialmente “marca” e da “origem” (Nogueira, 1985) em sua cons- publicadas em vários de seus documentos e panetos,
ponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor por negros que se autodenominavam trotskistas e que trução. O que consolidou a postura racialista assumida inuenciar proundamente outras organizações negras,
dentro de sua própria sociedade” (id. IBID., 1995; 227). militavam na Liga Operária – depois transormada em por este grupo político. mesmo aquelas que não aceitaram participar de sua
O que podemos perceber nos dois textos é que, Convergência Socialista -, organização que editava o Abdias Nascimento não contribuiu somente para undação. As opiniões sobre “o que é ser negro no Bra-
apesar de a sociedade brasileira ser tão autoritária e  jornal Versus. O MUCDR oi resultado da somatória a alteração da denominação do grupo; inuiu também sil” assumidas pelo MNU, oram adotadas por quase
opressiva, social e politicamente alando, e também de vários grupos sociais que existiam naquele período. na construção de uma posição p olítico-ideológica do todo o conjunto do Movimento Negro.
sempre discriminar e oprimir os seus “negros” e “mes- A grande novidade trazida por ele oi a tentativa de jun- MNU: através de seus discursos, ele passou a inormar As dierenças mais destacadas entre o MNU e ou-
tiços”, a “democracia racial” é de ato um mito, antro- tar a luta dos negros brasileiros contra a discriminação as pessoas sobre as posturas racialistas assumidas pelo tras entidades do Movimento Negro estão na orma
pologicamente alando, ou seja, um valor sociológico à luta contra a Ditadura Militar. Em um Ato Público Movimento Negro americano. Além de Abdias, algu- de organização destas que, por serem municipais, não
que dá sentido e justica as relações sociais desta nação. ocorrido em 7 de julho de 1978, ocorreu o lançamento mas leituras oram de grande serventia para a ormação concordavam em se submeter a uma liderança nacio-
público do MUCDR, ocorrido nas escadarias do eatro dos primeiros quadros políticos do MNU, tais como: nal, que seria o MNU. Alguns, por serem cristãos, não
Municipal de São Paulo. Foram convidados a discursar  Alma no Exílio, de Eldridge Cleaver (1971); A Integra- apoiavam a opção religiosa aro-brasileira também de-
peQueNo históRico representantes sindicais, de grupos homossexuais, da
comunidade judaica, comunistas e lideranças estudantis.
ção do Negro na Sociedade de Classes , de Florestan Fer-
nandes (1965); Pele Negra, Máscaras Brancas , de Frantz
endida pelo MNU, outros, por terem uma postura po-
lítica conservadora, também discordavam de sua opção
do MoviMeNto NegRo Outra novidade oi o movimento assumir um Fanon, etc. A análise dessas obras, somadas à militância pela esquerda. Essas situações zeram com que o MNU
uNificado - MNu caráter nacional.8 Logo no momento de sua criação o de esquerda de boa parte de seus undadores, levaram o assumisse, pouco a pouco, a condição de mais uma or-
MUCDR contou com o apoio de grupos dos seguin- MNU a unir a luta de classes à luta anti-discriminação ganização negra entre todas as já existentes. Melhor
Como já alamos anteriormente, o mito da “demo- tes estados da União: São Paulo; Rio de Janeiro; Mi- racial. Dessa maneira, o MNU teve uma orte inuência dizendo, o MNU não conseguiu ser a “Central Geral
cracia racial” brasileira pode dar sentido, a tal ponto nas Gerais; Bahia e Pernambuco. Em sua “Primeira das plataormas dos negros norte-americanos, assim do Movimento Negro Brasilei ro”, mas acabou s e organi-
que lutar por uma sociedade mais justa e sem discri- Assembléia de Organização e Estruturação Mínima”, como das pesquisas desenvolvidas pelas equipes dos zando como mais um dos diversos grupos já existentes.
minação, sem preconceito e racismo, não é uma ação Abdias Nascimento, militante do Movimento Negro, proessores Roger Bastide e Florestan Fernandes. Uma das contribuições do MNU para a socieda-
quixotesca, muito pelo contrário. Só assim podemos de brasileira oi a tentativa de mudar a maneira de se
tentar entender a existência de grupos de negros lutan- 8. Isto só havia ocorrido anteriormente com a Frente Negra Brasi- 9. Para maiores informações consultar Memórias do Exílio , Ca- identicar um negro. Como já oi dito anteriormente,
do contra o racismo no Brasil. Senão vejamos. leira (FNB), fundada em 16 de setembro de 1931 (Pinto, 1993; 90). valcante e Ramos (1976). o MNU procurou na sociedade norte-americana esta
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um “preconceito retroativo” o que não permitia a essas O Movimento Unicado Contra a Discriminação que havia retornado recentemente de um auto-exílio Assim, podemos airmar que a desistência da
populações, os “negros” e os “mulatos”, deenderem-se, Racial (MUCDR) oi undado em 1978, ainda durante nos Estados Unidos 9, deendeu uma luta contra a dis- UNESCO em veicular os resultados das pesquisas so-
devido à orma “mascarada”, “dissimulada” e “disarça- a ditadura militar. Na época de sua criação nenhum criminação racial a ser assumida somente pelos negros. bre a existência da “democracia racial” no Brasil, não
da” como se maniestava. segmento social podia azer qualquer maniestação Nesse sentido, em sua opinião, o nome do grupo deve- impediu que o MNU procurasse exatamente nos pro-
Se Florestan Fernandes não via “democracia racial” pública sem o consentimento dos responsáveis pela ria ser Movimento Negro Unicado Contra a Discri- dutos desses trabalhos grande parte das premissas para
nas relações “sócio-raciais” brasileiras, também não era “segurança” do sistema político vigente. E le surge, em minação Racial (MNUCDR). Essa nova denominação a construção de seus argumentos contra as discrimi-
contra a sua existência. Somente partindo desse pressu- um primeiro momento, como orma de protesto contra prevaleceu até o Primeiro Congresso do MNUCDR, nações e preconceitos raciais existentes em nosso país.
posto é possível se entender a seguinte armação, deste a discriminação racial sorida por quatro atletas ne- ocorrido em 1980, na cidade do Rio de Janeiro, reu- Sobre este enômeno Florestan armou:
autor: “(...) seria preciso atingir esse padrão (socieda- gros no Clube de Regatas ietê, localizado no bairro nindo delegados do Rio de Janeiro, de São Paulo, da
de com uma orte democracia social), que nos protege do Bom Retiro, zona central da cidade de São Paulo. Bahia, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do “A ausência de racismo institucional, por sua vez,
contra as ameaças do racismo, mas também nos aasta Outro motivo oi a tortura, que resultou na morte do Espírito Santo. Foi discutido que o Movimento Negro contribuiu para que esses resultados (da pesquisas da
da verdadeira trilha da “democracia racial” (idem; 297). operário Robson Silveira da Luz, ocorrida no 44° Dis- deveria lutar contra todo e qualquer tipo de opressão, UNESCO): 1.º) recebessem acolhida muito avorável
Em outra parte do texto Fernandes escreve: “ou- trito Policial de Guaianazes. exploração e discriminação, e não somente garantir a por parte dos radicais e ativistas negros, que viram
 via-se, por m, o clamor da ‘gente negra’, soando, pela Quando undado, tinha a pretensão de representar oposição à discriminação racial. Assim, oi proposto neles um prolongamento e um aproundamento das
primeira vez, o clarim que convocava todos os homens a união de todas as entidades negras brasileiras, mas que o nome do grupo deveria ser Movimento Negro tentativas de desmascaramento racial encetadas pelos
a cumprirem os ideais da raternidade humana e da de- esta meta jamais oi atingida, porque alguns grupos ne- Unicado (MNU), o que oi nessa ocasião aprovado. principais mentores do ‘protesto negro’ nas décadas de
mocracia racial” (ibdem; 6). Já Ribeiro, outro autor que gros não concordaram com o lançamento do MUCDR. Este é o nome da entidade até nossos dias. 30 e de 40; 2.º) ossem aceitos com simpatia e incor-
combate o preconceito/discriminação brasileiro, num Na opinião de certas lideranças dessas organizações, Para não diminuir drasticamente a sua base, o porados pelo branco inconormista, de personalidade
texto escrito trinta anos após Fernandes, diz: “udo isso o lançamento do MUCDR estava ocorrendo sem que MNU passou a armar que negro era toda e qualquer democrática e identicado com a mudança de menta-
demonstra, claramente, que a democracia racial é possí- antes osse eito um trabalho de “conscientização de pessoa “que possui na cor, no rosto, ou nos cabelos, lidade ou de costumes” (1976; 71).
 vel, mas só é praticável conjuntamente com a democra- base” e por esse motivo optaram por não participar da sinais característicos dessa raça” (MNU, 1988; 18). Com
cia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há nova entidade. O maior representante dessa postura esta plataorma percebe-se que a opção de identidade Apesar de não ter logrado unir todas as entida-
democracia para ninguém, porque a opressão do negro política oi Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). negra deendida por esse grupo procura se utilizar da des negras, o MNU conseguiu, através das propostas
condenado à dignidade de lutador da liberdade corres- O MUCDR oi um projeto pensado ini cialmente “marca” e da “origem” (Nogueira, 1985) em sua cons- publicadas em vários de seus documentos e panetos,
ponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor por negros que se autodenominavam trotskistas e que trução. O que consolidou a postura racialista assumida inuenciar proundamente outras organizações negras,
dentro de sua própria sociedade” (id. IBID., 1995; 227). militavam na Liga Operária – depois transormada em por este grupo político. mesmo aquelas que não aceitaram participar de sua
O que podemos perceber nos dois textos é que, Convergência Socialista -, organização que editava o Abdias Nascimento não contribuiu somente para undação. As opiniões sobre “o que é ser negro no Bra-
apesar de a sociedade brasileira ser tão autoritária e  jornal Versus. O MUCDR oi resultado da somatória a alteração da denominação do grupo; inuiu também sil” assumidas pelo MNU, oram adotadas por quase
opressiva, social e politicamente alando, e também de vários grupos sociais que existiam naquele período. na construção de uma posição p olítico-ideológica do todo o conjunto do Movimento Negro.
sempre discriminar e oprimir os seus “negros” e “mes- A grande novidade trazida por ele oi a tentativa de jun- MNU: através de seus discursos, ele passou a inormar As dierenças mais destacadas entre o MNU e ou-
tiços”, a “democracia racial” é de ato um mito, antro- tar a luta dos negros brasileiros contra a discriminação as pessoas sobre as posturas racialistas assumidas pelo tras entidades do Movimento Negro estão na orma
pologicamente alando, ou seja, um valor sociológico à luta contra a Ditadura Militar. Em um Ato Público Movimento Negro americano. Além de Abdias, algu- de organização destas que, por serem municipais, não
que dá sentido e justica as relações sociais desta nação. ocorrido em 7 de julho de 1978, ocorreu o lançamento mas leituras oram de grande serventia para a ormação concordavam em se submeter a uma liderança nacio-
público do MUCDR, ocorrido nas escadarias do eatro dos primeiros quadros políticos do MNU, tais como: nal, que seria o MNU. Alguns, por serem cristãos, não
Municipal de São Paulo. Foram convidados a discursar  Alma no Exílio, de Eldridge Cleaver (1971); A Integra- apoiavam a opção religiosa aro-brasileira também de-
peQueNo históRico representantes sindicais, de grupos homossexuais, da
comunidade judaica, comunistas e lideranças estudantis.
ção do Negro na Sociedade de Classes , de Florestan Fer-
nandes (1965); Pele Negra, Máscaras Brancas , de Frantz
endida pelo MNU, outros, por terem uma postura po-
lítica conservadora, também discordavam de sua opção
do MoviMeNto NegRo Outra novidade oi o movimento assumir um Fanon, etc. A análise dessas obras, somadas à militância pela esquerda. Essas situações zeram com que o MNU
uNificado - MNu caráter nacional.8 Logo no momento de sua criação o de esquerda de boa parte de seus undadores, levaram o assumisse, pouco a pouco, a condição de mais uma or-
MUCDR contou com o apoio de grupos dos seguin- MNU a unir a luta de classes à luta anti-discriminação ganização negra entre todas as já existentes. Melhor
Como já alamos anteriormente, o mito da “demo- tes estados da União: São Paulo; Rio de Janeiro; Mi- racial. Dessa maneira, o MNU teve uma orte inuência dizendo, o MNU não conseguiu ser a “Central Geral
cracia racial” brasileira pode dar sentido, a tal ponto nas Gerais; Bahia e Pernambuco. Em sua “Primeira das plataormas dos negros norte-americanos, assim do Movimento Negro Brasilei ro”, mas acabou s e organi-
que lutar por uma sociedade mais justa e sem discri- Assembléia de Organização e Estruturação Mínima”, como das pesquisas desenvolvidas pelas equipes dos zando como mais um dos diversos grupos já existentes.
minação, sem preconceito e racismo, não é uma ação Abdias Nascimento, militante do Movimento Negro, proessores Roger Bastide e Florestan Fernandes. Uma das contribuições do MNU para a socieda-
quixotesca, muito pelo contrário. Só assim podemos de brasileira oi a tentativa de mudar a maneira de se
tentar entender a existência de grupos de negros lutan- 8. Isto só havia ocorrido anteriormente com a Frente Negra Brasi- 9. Para maiores informações consultar Memórias do Exílio , Ca- identicar um negro. Como já oi dito anteriormente,
do contra o racismo no Brasil. Senão vejamos. leira (FNB), fundada em 16 de setembro de 1931 (Pinto, 1993; 90). valcante e Ramos (1976). o MNU procurou na sociedade norte-americana esta
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nova orma de signicação. Para o grupo seria negro social em Florianópolis: aspectos das relações entre / Curitiba, Scientia E labor (2ª ed. rev. e aum.), nia negra. Dissertação de Mestrado deendida no
toda e qualquer pessoa que tivesse um ancestral ne- negros e brancos numa comunidade do Brasil. São 1988. departamento de Ciências S ociais da PUC/SP, 1992.
gro. Apesar de adotar a posição dos EUA, o MNU ez Paulo, Brasiliana,1960. MAIO, Marcos Chor.  A his tória d o protesto Unesco: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro:
suas adaptações com relação a essa postura, levando CAVALCANI, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino estudos raciais e ciências sociais no Brasil. ese de  jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no nal 
em conta a enotipia, o que, como vimos, não ocorre (coord.).  Memória do Exílio: Brasil 1964-19?? . São doutorado, 1997. do século XIX. São Paulo, Companhias das Letras,
naquele país. Paulo, Editora e Livraria Livramento Ltda, 1976. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: com introdução 1987.
Outra contribuição do MNU oi ter aproximado a CLEAVER, Eldridge.  Alma no ex ílio. Rio de Janeiro, de Claude Lévi-Strauss. Lisboa, Edições 70, 1988. _______. O espetáculo das raças: cientistas, instituições
luta de classes da questão “racial”. Isto é, por inuência Civilização Brasileira, 1971. MENDONÇA, Luciana Ferreira Moura.  Movimento e questão racial no Brasil. São Paulo, Companhia
dos trotskistas do jornal Versus, o MNU passou a con- CUI (org.). ...E disse o velho militante José Correia Negro: da marca da inerioridade racial à constru- das Letras, 1993.
siderar que a condição sócio-econômica da população Leite: depoimentos e artigos. São Paulo, Secretaria ção da identidade étnica. São Paulo, dissertação de _______. Complexo de Zé Carioca: sobre uma certa
negra brasileira era ruto da exploração de classe em Municipal de Cultura, 1992. Mestrado deendida no Departamento de Antro- ordem da mestiçagem e malandragem. In: Revis-
conjunto com a sua origem étnica. Ao assumir tal po- FANON, Franz. Os Condenados da terra. Rio de Janeiro, pologia da FFLCH da USP, 1996. ta Brasileira de Ciências Sociais, nº 29. São Paulo,
sição, o MNU acabou por deender a necessidade de se Editora Civilização Brasileira, 1979. MOVIMENO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988 10 1995.
nacionalizar a luta anti-discriminação. _______. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro, anos de luta contra o racismo. São Paulo, Conraria _______. Questão Racial no Brasil. In: Negras imagens:
O MNU, em sua luta contra a discriminação e Fator, 1983. do livro, 1988. ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São
preconceito racial no Brasil, também não deixa de FÉLIX, João Batista de Jesus. Pequeno Histórico do NASCIMENO, Abdias. O genocídio do negro brasi- Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
clamar, em seu Programa de Ação , “por uma autêntica Movimento Negro Contemporâneo. In: Negras leiro: processo de um racismo mascarado. Rio de _______. Nem preto nem branco, muito pelo contrário:
democracia racial” (MNU, 1978; 19). Como podemos imagens: ensaios sobre cultura e escravidão mo Janeiro, Paz e erra, 1978. cor e a raça na intimidade. In: História da vida
perceber, esta situação reorça a conclusão de que a “de- Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São _______. O negro revoltado. Rio de Janeiro, Nova Fron-  privada no Brasil: contraste da intimidade contem-
mocracia racial” é, utilizando uma expressão de Myrdal Paulo, 1996. teira, 1982.  porânea. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
(1968), “um credo brasileiro” 10. FERNANDES, Florestan.  A integração do negro na so- NASCIMENO, Maria Ercília. A estratégia da desigual- SKIDMORE, Tomaz E. Preto no branco: raça e nacio-
ciedade de classes: o legado da “raça branca”  (vo- dade: o movimento negro dos anos 70. Dissertação nalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro,
lume I). São Paulo, Dominus Editora / Editora da de Mestrado deendida na PUC/SP, São Paulo, Paz e erra, 1976.
BiBliogRafia Universidade de São Paulo, 1965.
_______. Circuito echado: quatro ensaios sobre o “poder 
1988.
NOGUEIRA, Oracy. anto preto quanto branco: estudos
_______. O Brasil visto de ora. Rio de Janeiro, Paz e
erra, 1994.
institucional” . São Paulo, Hucitec, 1976. de relações raciais. São Paulo, . A. Queiroz, 1985. VALENE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais:
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa- FREYRE, Gilberto. 1978, Casa-Grande & Senzala: or- _______. Relações Raciais no Município de Itapeti- os negros e as eleições paulistas de 1982 . São Paulo,
-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos mação da amília brasileira sob o regime da eco- ninga. In: Relações raciais entre negros e brancos FFLCH-USP, 1986.
anos 30. Rio de Janeiro, Editora 34, 1994. nomia patriarcal . 1ª edição. Rio de Janeiro, José em São Paulo. São Paulo, Unesco, Anhembi, 1955. _______. O negro e a igreja católicca: o espaço concedi-
BARBOSA, Márcio (org.). 1998, FRENE NEGRA Olympio, 1933. PINO, Regina Pahim. O movimento negro em São do, em espaço reivindicado. Campo Grande, Ceci-
BRASILEIRA: depoimentos. São Paulo, Quilom- _______. Sobrados e mocambos: decadência do patriarca- Paulo: luta e identidade. São Paulo. ese de douto- tec/UFMS, 1994.
bhoje. do rural e desenvolvimento do urbano . (1ª edição de rado deendida no Departamento de Antropologia VIANNA, Oliveira. Raça e assimilação. São Paulo,
BASIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. Brancos e 1936). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985. da aculdade de Filosoa Letras e Ciências Huma- Companhia Editora Nacional / Brasiliana (3ª edi-
Negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre as- _______. Interpretação do Brasil: aspectos da ormação nas da Universidade de São Paulo, 1993. ção aumentada), 1938.
 pectos da ormação, maniestações atuais e eeitos social brasileira como processo de amalgamento de RODRIGUES, Nina.  As raças humanas e a responsa-
do preconceito de cor na sociedade paulistana. São raça e cultura. Rio de Janeiro, Livraria José Olym- bilidade penal no Brazil . Rio de Janeiro, Editora
Paulo, Brasiliana, 1971. pio editora, 1947. Guanabara, 1957.
BONFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem. _______. Ordem e Progresso, processo de desintegração _______. Os aricanos no Brasil. São Paulo, Editora Na-
Rio de Janeiro, opbooks, 1993. das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil  cional / Brasília, Editora de Brasília, 1982.
CARDOSO, Fernando Henrique. C or e mobilidade sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira: con-
meio século de transição do trabalho escravo para o tribuições e estudos gerais para o exato conhecimen-
trabalho livre e da monarquia para a república. Rio to da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Livraria
10. Textos sobre o Movimento Negro que merecem ser consul-
tados: Maria Ercília Nascimento, A Estratégia da Desigualdade 
de Janeiro, Record, 1990. José Olympio Editora (3ª edição aumentada), 1943.
(1988); Movimentos Sociais: os negros, culturas e resistência , de FRY, Peter. Feijoada e Soul Food. In: Para inglês ver. Rio ROSE, Arnold. Negro: o dilema americano (versão con-
Neusa Gusmão e Ana Lúcia Valente (1988) e Movimento Negro: de Janeiro, Paz e erra, 1982. densada de  An American Dilemma de MYRDAL,
da marca da inferioridade racial a construção da identidade étnica, IANNI, Octávio. As metamoroses do escravo: apogeu e Gunnar). São Paulo, Ibrasa, 1968.
Luciana Ferreira M. Mendonça (1996). crise da escravatura no Brasil . São Paulo, Hucitec SANOS, Gevanilda Gomes dos. Partidos políticos e et-
58 59
dossiê temático

nova orma de signicação. Para o grupo seria negro social em Florianópolis: aspectos das relações entre / Curitiba, Scientia E labor (2ª ed. rev. e aum.), nia negra. Dissertação de Mestrado deendida no
toda e qualquer pessoa que tivesse um ancestral ne- negros e brancos numa comunidade do Brasil. São 1988. departamento de Ciências S ociais da PUC/SP, 1992.
gro. Apesar de adotar a posição dos EUA, o MNU ez Paulo, Brasiliana,1960. MAIO, Marcos Chor.  A his tória d o protesto Unesco: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro:
suas adaptações com relação a essa postura, levando CAVALCANI, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino estudos raciais e ciências sociais no Brasil. ese de  jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no nal 
em conta a enotipia, o que, como vimos, não ocorre (coord.).  Memória do Exílio: Brasil 1964-19?? . São doutorado, 1997. do século XIX. São Paulo, Companhias das Letras,
naquele país. Paulo, Editora e Livraria Livramento Ltda, 1976. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: com introdução 1987.
Outra contribuição do MNU oi ter aproximado a CLEAVER, Eldridge.  Alma no ex ílio. Rio de Janeiro, de Claude Lévi-Strauss. Lisboa, Edições 70, 1988. _______. O espetáculo das raças: cientistas, instituições
luta de classes da questão “racial”. Isto é, por inuência Civilização Brasileira, 1971. MENDONÇA, Luciana Ferreira Moura.  Movimento e questão racial no Brasil. São Paulo, Companhia
dos trotskistas do jornal Versus, o MNU passou a con- CUI (org.). ...E disse o velho militante José Correia Negro: da marca da inerioridade racial à constru- das Letras, 1993.
siderar que a condição sócio-econômica da população Leite: depoimentos e artigos. São Paulo, Secretaria ção da identidade étnica. São Paulo, dissertação de _______. Complexo de Zé Carioca: sobre uma certa
negra brasileira era ruto da exploração de classe em Municipal de Cultura, 1992. Mestrado deendida no Departamento de Antro- ordem da mestiçagem e malandragem. In: Revis-
conjunto com a sua origem étnica. Ao assumir tal po- FANON, Franz. Os Condenados da terra. Rio de Janeiro, pologia da FFLCH da USP, 1996. ta Brasileira de Ciências Sociais, nº 29. São Paulo,
sição, o MNU acabou por deender a necessidade de se Editora Civilização Brasileira, 1979. MOVIMENO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988 10 1995.
nacionalizar a luta anti-discriminação. _______. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro, anos de luta contra o racismo. São Paulo, Conraria _______. Questão Racial no Brasil. In: Negras imagens:
O MNU, em sua luta contra a discriminação e Fator, 1983. do livro, 1988. ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São
preconceito racial no Brasil, também não deixa de FÉLIX, João Batista de Jesus. Pequeno Histórico do NASCIMENO, Abdias. O genocídio do negro brasi- Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
clamar, em seu Programa de Ação , “por uma autêntica Movimento Negro Contemporâneo. In: Negras leiro: processo de um racismo mascarado. Rio de _______. Nem preto nem branco, muito pelo contrário:
democracia racial” (MNU, 1978; 19). Como podemos imagens: ensaios sobre cultura e escravidão mo Janeiro, Paz e erra, 1978. cor e a raça na intimidade. In: História da vida
perceber, esta situação reorça a conclusão de que a “de- Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São _______. O negro revoltado. Rio de Janeiro, Nova Fron-  privada no Brasil: contraste da intimidade contem-
mocracia racial” é, utilizando uma expressão de Myrdal Paulo, 1996. teira, 1982.  porânea. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
(1968), “um credo brasileiro” 10. FERNANDES, Florestan.  A integração do negro na so- NASCIMENO, Maria Ercília. A estratégia da desigual- SKIDMORE, Tomaz E. Preto no branco: raça e nacio-
ciedade de classes: o legado da “raça branca”  (vo- dade: o movimento negro dos anos 70. Dissertação nalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro,
lume I). São Paulo, Dominus Editora / Editora da de Mestrado deendida na PUC/SP, São Paulo, Paz e erra, 1976.
BiBliogRafia Universidade de São Paulo, 1965.
_______. Circuito echado: quatro ensaios sobre o “poder 
1988.
NOGUEIRA, Oracy. anto preto quanto branco: estudos
_______. O Brasil visto de ora. Rio de Janeiro, Paz e
erra, 1994.
institucional” . São Paulo, Hucitec, 1976. de relações raciais. São Paulo, . A. Queiroz, 1985. VALENE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais:
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa- FREYRE, Gilberto. 1978, Casa-Grande & Senzala: or- _______. Relações Raciais no Município de Itapeti- os negros e as eleições paulistas de 1982 . São Paulo,
-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos mação da amília brasileira sob o regime da eco- ninga. In: Relações raciais entre negros e brancos FFLCH-USP, 1986.
anos 30. Rio de Janeiro, Editora 34, 1994. nomia patriarcal . 1ª edição. Rio de Janeiro, José em São Paulo. São Paulo, Unesco, Anhembi, 1955. _______. O negro e a igreja católicca: o espaço concedi-
BARBOSA, Márcio (org.). 1998, FRENE NEGRA Olympio, 1933. PINO, Regina Pahim. O movimento negro em São do, em espaço reivindicado. Campo Grande, Ceci-
BRASILEIRA: depoimentos. São Paulo, Quilom- _______. Sobrados e mocambos: decadência do patriarca- Paulo: luta e identidade. São Paulo. ese de douto- tec/UFMS, 1994.
bhoje. do rural e desenvolvimento do urbano . (1ª edição de rado deendida no Departamento de Antropologia VIANNA, Oliveira. Raça e assimilação. São Paulo,
BASIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. Brancos e 1936). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985. da aculdade de Filosoa Letras e Ciências Huma- Companhia Editora Nacional / Brasiliana (3ª edi-
Negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre as- _______. Interpretação do Brasil: aspectos da ormação nas da Universidade de São Paulo, 1993. ção aumentada), 1938.
 pectos da ormação, maniestações atuais e eeitos social brasileira como processo de amalgamento de RODRIGUES, Nina.  As raças humanas e a responsa-
do preconceito de cor na sociedade paulistana. São raça e cultura. Rio de Janeiro, Livraria José Olym- bilidade penal no Brazil . Rio de Janeiro, Editora
Paulo, Brasiliana, 1971. pio editora, 1947. Guanabara, 1957.
BONFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem. _______. Ordem e Progresso, processo de desintegração _______. Os aricanos no Brasil. São Paulo, Editora Na-
Rio de Janeiro, opbooks, 1993. das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil  cional / Brasília, Editora de Brasília, 1982.
CARDOSO, Fernando Henrique. C or e mobilidade sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira: con-
meio século de transição do trabalho escravo para o tribuições e estudos gerais para o exato conhecimen-
trabalho livre e da monarquia para a república. Rio to da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Livraria
10. Textos sobre o Movimento Negro que merecem ser consul-
tados: Maria Ercília Nascimento, A Estratégia da Desigualdade 
de Janeiro, Record, 1990. José Olympio Editora (3ª edição aumentada), 1943.
(1988); Movimentos Sociais: os negros, culturas e resistência , de FRY, Peter. Feijoada e Soul Food. In: Para inglês ver. Rio ROSE, Arnold. Negro: o dilema americano (versão con-
Neusa Gusmão e Ana Lúcia Valente (1988) e Movimento Negro: de Janeiro, Paz e erra, 1982. densada de  An American Dilemma de MYRDAL,
da marca da inferioridade racial a construção da identidade étnica, IANNI, Octávio. As metamoroses do escravo: apogeu e Gunnar). São Paulo, Ibrasa, 1968.
Luciana Ferreira M. Mendonça (1996). crise da escravatura no Brasil . São Paulo, Hucitec SANOS, Gevanilda Gomes dos. Partidos políticos e et-
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propostas pedagógicas

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