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de estudos
afRo-asiáticos
da uel
expedieNte sumário
Universidade Estadual de Londrina E x
Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA) Carlos Alexandre Guimarães
R
Nádina Aparecida Moreno S E
Flávio Carrança
V-
Berenice Quinzani Jordão Cp, pj gf gã
Naima Almeida e Natália udrey
udrey
6 educaÇÃo, coRpoRalidade e
C NEAA RacisMos coNteMpoRÂNeos
Rosane da Silva Borges Rã E Rosane da Silva Borges
Flávio Carrança
NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky
eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO
poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva
expedieNte sumário
Universidade Estadual de Londrina E x
Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos (NEAA) Carlos Alexandre Guimarães
R
Nádina Aparecida Moreno S E
Flávio Carrança
V-
Berenice Quinzani Jordão Cp, pj gf gã
Naima Almeida e Natália udrey
udrey
6 educaÇÃo, coRpoRalidade e
C NEAA RacisMos coNteMpoRÂNeos
Rosane da Silva Borges Rã E Rosane da Silva Borges
Flávio Carrança
NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky
eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO
poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva
76 LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
EM SALA DE AULA: UMA POSSIBILIDADE?
Claudia Vanessa Bergamini
NegRas Reflexões
94 DO DIREITO À PALAVRA AO PODER DE ENUNCIAÇÃO
DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
Jacques D’Adesky
eNtRevista
126 ANHAMONA DE BRITO
poesia
132 DEUSA DO RIO IEWá
Ricardo Nonato Almeida de Abreu Silva
Educação, plosivo e, o que é pior ainda, a vitimização entre jovens De um modo ou de outro, podemos entrever essas
negros tem índices muito altos, beirando um cenário de reexões nos textos de Isildinha Baptista, psicanalista e
“extermínio”. Após uma década (1998-2008), continua doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo;
corporalidadE praticamente inalterada a marca histórica de 92% da de Laura Guimarães Correa, proessora adjunta do cur-
masculinidade nas vítimas de homicídio. so de Comunicação Social da Universidade Federal de
Em seu número de estreia, a revista Nguzu toma, Minas Gerais; do proessor de losoa e educação da
E racismos RosaNe da silva
desse modo, o corpo como um vasto território mar- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
cador de sentidos e signicados. Convertendo-se em Renato Nogueira, e da mestranda Carla Cristina da Sil-
BoRges uma das primeiras ronteiras de violação do humano, é va, também da UFFRJ; do proessor doutor Alex Ratts,
contEmporânEos Professora Doutora, coordenadora do Nú-
pelo corpo que se circunscreve as (im)possibilidades do da Universidade Federal de Goiânia; da socióloga e co-
ser, é por ele que se classica e se categoriza as pessoas. ordenadora do Programa Diversidade Étnico-Racial na
cleo de Estudos Afro-Asiticos (NEAA) e
coordenadora editorial da revista Nguzu . Com as inormações emitidas pelo corpo, esculpimos Educação de Montes Claros/MG, Ralime Nunes Raim;
o outro, traço por traço. Muniz Sodré já nos advertira: e do proessor doutor João Batista de Jesus Félix, da
Universidade Federal do ocantins (UF).
A estética negativa do estrangeiro lastreia sempre os Além do dossiê temático, a Nguzu apresenta na
julgamentos na prática do Gesichtskontrolle (contro- seção “Propostas Pedagógicas” os textos do proessor
le de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem doutor Kabengele Munanga, do Departament o de
pode entrar em clubes, boates, restaurantes de luxo ou Antropologia da Faculdade de Filosoa Letras e Ciên-
mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome cias Humanas da USP; da pós graduanda em Letras
da prática é alemão, mas sua incidência é transnacional da UEL, Cláudia Vanessa Bergamini; das pesquisado-
(1999, p. 33). ras graduadas pela UEL, Marcia Figueiredo okita e
Maria Gisele de Alencar; e da socióloga pós-graduada
Em tempos de narrativas hipermidiáticas, onde os múltiplas aces da discriminação racial vêm denun- Como reposicionar o debate em meio às emergen- pela UEL, Crisângela de Almeida. No tópico “Negras
textos encontram abrigo preerencialmente no espaço ciando sistematicamente, pelo menos desde a década tes reexões que apontam para a superação do corpo reexões” contamos com os artigos do proessor dou-
virtual, a revista Nguzu é também manuaturada no su- de 1970, a incidência majoritária de assassinatos nessa e ascensão do pós-humano? De que maneira reinserir tor Jacques d’Adesky, pesquisador do Centro de Estu-
porte impresso. Com o tema Educação, Corporalidade aixa etária. O mencionado quadro, como sabido, não a gramática corporal como um vetor importante para dos das Américas da Universidade Cândido Mendes
e Racismos Contemporâneos, Nguzu, uma publicação constitui nenhuma novidade. O que causa espécie é pensarmos na sustentação do racismo? e proessor da UNESA; da proessora doutora Maria
do NEAA (Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos), órgão que essas estatísticas convivem, paradoxalmente, com Uma pequena mostra de artigos reerentes ao tema Anória de Jesus, da Universidade do Estado da Bahia
da Universidade Estadual de Londrina (UEL), institui- argumentos enviesados que, com verniz de seriedade, demonstra nesta publicação a diversidade de aborda- (UNEB) e do proessor Nelson Inocêncio, docente do
-se como um espaço demarcado para dar visibilidade armam solenemente ser o Brasil um país isento de gens da corporalidade e dos racismos contemporâneos, Departamento de Artes Visuais vinculado ao Instituto
às reexões e pesquisas ancoradas no campo das rela- práticas racistas. ais armações, mesmo resultando em vistos em conjugação, sob uma perspectiva educativa, de Artes da Universidade de Brasília – UnB e coordena-
ções raciais no Brasil e em outros países da diáspora. triste eloquência, ainda são sustentadas por rações da crítica e analítica. Os artigos aqui reunidos sobre o tema dor do Núcleo de Estudos Aro-Brasileiros da UnB. Na
Colhemos da língua banto o nome da publicação, que intelligentsia brasileira, agremiações políticas, orma- buscam problematizar e aproundar questões teóricas, seção “Interlocuções”, a nossa convidada é a doutora
signica energia. dores de opinião pública e apresentam-se como uma tornam públicos os resultados de investigações empí- Anhamona Silva de Brito, secretaria de Ações Arma-
A escolha desse dossiê temático oi motivada por reação conservadora à adoção de políticas públicas que ricas e estabelecem diálogos com outras áreas de co- tivas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
episódios contemporâneos que revelam a pertinácia tomam a discriminação racial como nexo prioritário nhecimento capazes de contribuir para a compreensão da Igualdade Racial (SEPPIR). E na seção “Literartes”,
do racismo em sua ação implacável de abater corpos para a superação das assimetrias no Brasil. Enleiram- das singularidades do racismo na contemporaneidade. apresentamos a poesia do escritor Raimundo Nonato,
negros, undamentada em uma leitura racial, portanto -se argumentos propugnando uma práxis p olítica que Muito se tem insistido de que o corpo e, por- da Universidade Estadual da Bahia.
educativa, do que esses corpos signicam e represen- se desvencilhe de qualquer recorte racial. tanto, a noção de sujeito e subjetividade derivada do Como qualquer iniciante, Nguzu espera manter
tam (os assassinatos do dentista negro em São Paulo Sem nos estendermos sobre essa contenda, o que cartesianismo estão, sob a chave da p ós-modernidade energias, por denição, próprias de sua concepção edi-
quando retornava para casa em Guarulhos e do oce- importa destacar das altercações são as relutâncias em e da cibernética, em ranca decadência, em constan- torial para dar continuidade ao compromisso de ser um
-boy pelos seguranças do banco Itaú integram uma lista admitir a centralidade do racismo nas ações discrimi- te interrogação. De Descartes, passando por lósoos canal diusor das pesquisas, estudos e reexões sobre
signicativa). ais episódios zeram-se razoavelmente natórias impulsionadas por um undamento racial. No como Michel Foucault e Gilles Deleuze, pelos aportes relações raciais. Oxalá cumpramos esse papel.
presentes na agenda dos suportes inormativos, espe- entanto, os exemplos aqui elencados – do dentista e do da medicina e da psicanálise, incluindo-se aí também Uma ótima leitura e até o próximo número.
cialmente de jornais impressos e televisivos com capi- oce-boy – não deixam margem a dúvida. O que pre- as contribuições do L aboratório de Inteligência Arti-
laridade nacional, e vêm estimulando a renovação do senciamos na paisagem cotidiana é desalentador: os ín- cial do MI, as concepções sobre o corpo passaram por
debate por meio de óruns concernentes ao racismo e dices exorbitantes de mortalidade de jovens negros não
à violência no Brasil. somente permanecem, como crescem vertiginosamente
radicais avaliações. Em perspectiva da epistemologia
aricana, outros contributos não menos importantes
RefeRêNcia
O assunto, como era de se esperar, alcança di- a cada ano. Segundo reportagem do jornal “O Estado ampliam o painel. Visto como um elemento vital p ara BiBliogRáfica
mensões exponenciais, e nos conduz, irremediavel- de São Paulo”, “o Mapa da Violência 2011 most ra que a equilíbrio de algumas sociedades, ponto ordenador das
mente, para os elevados índices de mortalidade entre vitimização juvenil por homicídios continua a crescer. estruturas sociais, o corpo é categoria importante na SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Rio de Janeiro: Vozes,
os jovens negros. Organizações anti-racistas atentas às O número de homicídios entre a população negra é ex- denição das relações sociais aricanas. 1999.
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Educação, plosivo e, o que é pior ainda, a vitimização entre jovens De um modo ou de outro, podemos entrever essas
negros tem índices muito altos, beirando um cenário de reexões nos textos de Isildinha Baptista, psicanalista e
“extermínio”. Após uma década (1998-2008), continua doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo;
corporalidadE praticamente inalterada a marca histórica de 92% da de Laura Guimarães Correa, proessora adjunta do cur-
masculinidade nas vítimas de homicídio. so de Comunicação Social da Universidade Federal de
Em seu número de estreia, a revista Nguzu toma, Minas Gerais; do proessor de losoa e educação da
E racismos RosaNe da silva
desse modo, o corpo como um vasto território mar- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
cador de sentidos e signicados. Convertendo-se em Renato Nogueira, e da mestranda Carla Cristina da Sil-
BoRges uma das primeiras ronteiras de violação do humano, é va, também da UFFRJ; do proessor doutor Alex Ratts,
contEmporânEos Professora Doutora, coordenadora do Nú-
pelo corpo que se circunscreve as (im)possibilidades do da Universidade Federal de Goiânia; da socióloga e co-
ser, é por ele que se classica e se categoriza as pessoas. ordenadora do Programa Diversidade Étnico-Racial na
cleo de Estudos Afro-Asiticos (NEAA) e
coordenadora editorial da revista Nguzu . Com as inormações emitidas pelo corpo, esculpimos Educação de Montes Claros/MG, Ralime Nunes Raim;
o outro, traço por traço. Muniz Sodré já nos advertira: e do proessor doutor João Batista de Jesus Félix, da
Universidade Federal do ocantins (UF).
A estética negativa do estrangeiro lastreia sempre os Além do dossiê temático, a Nguzu apresenta na
julgamentos na prática do Gesichtskontrolle (contro- seção “Propostas Pedagógicas” os textos do proessor
le de rostos), ou seja, a decisão cotidiana sobre quem doutor Kabengele Munanga, do Departament o de
pode entrar em clubes, boates, restaurantes de luxo ou Antropologia da Faculdade de Filosoa Letras e Ciên-
mesmo ser aceito para seguros de automóveis. O nome cias Humanas da USP; da pós graduanda em Letras
da prática é alemão, mas sua incidência é transnacional da UEL, Cláudia Vanessa Bergamini; das pesquisado-
(1999, p. 33). ras graduadas pela UEL, Marcia Figueiredo okita e
Maria Gisele de Alencar; e da socióloga pós-graduada
Em tempos de narrativas hipermidiáticas, onde os múltiplas aces da discriminação racial vêm denun- Como reposicionar o debate em meio às emergen- pela UEL, Crisângela de Almeida. No tópico “Negras
textos encontram abrigo preerencialmente no espaço ciando sistematicamente, pelo menos desde a década tes reexões que apontam para a superação do corpo reexões” contamos com os artigos do proessor dou-
virtual, a revista Nguzu é também manuaturada no su- de 1970, a incidência majoritária de assassinatos nessa e ascensão do pós-humano? De que maneira reinserir tor Jacques d’Adesky, pesquisador do Centro de Estu-
porte impresso. Com o tema Educação, Corporalidade aixa etária. O mencionado quadro, como sabido, não a gramática corporal como um vetor importante para dos das Américas da Universidade Cândido Mendes
e Racismos Contemporâneos, Nguzu, uma publicação constitui nenhuma novidade. O que causa espécie é pensarmos na sustentação do racismo? e proessor da UNESA; da proessora doutora Maria
do NEAA (Núcleo de Estudos Aro-Asiáticos), órgão que essas estatísticas convivem, paradoxalmente, com Uma pequena mostra de artigos reerentes ao tema Anória de Jesus, da Universidade do Estado da Bahia
da Universidade Estadual de Londrina (UEL), institui- argumentos enviesados que, com verniz de seriedade, demonstra nesta publicação a diversidade de aborda- (UNEB) e do proessor Nelson Inocêncio, docente do
-se como um espaço demarcado para dar visibilidade armam solenemente ser o Brasil um país isento de gens da corporalidade e dos racismos contemporâneos, Departamento de Artes Visuais vinculado ao Instituto
às reexões e pesquisas ancoradas no campo das rela- práticas racistas. ais armações, mesmo resultando em vistos em conjugação, sob uma perspectiva educativa, de Artes da Universidade de Brasília – UnB e coordena-
ções raciais no Brasil e em outros países da diáspora. triste eloquência, ainda são sustentadas por rações da crítica e analítica. Os artigos aqui reunidos sobre o tema dor do Núcleo de Estudos Aro-Brasileiros da UnB. Na
Colhemos da língua banto o nome da publicação, que intelligentsia brasileira, agremiações políticas, orma- buscam problematizar e aproundar questões teóricas, seção “Interlocuções”, a nossa convidada é a doutora
signica energia. dores de opinião pública e apresentam-se como uma tornam públicos os resultados de investigações empí- Anhamona Silva de Brito, secretaria de Ações Arma-
A escolha desse dossiê temático oi motivada por reação conservadora à adoção de políticas públicas que ricas e estabelecem diálogos com outras áreas de co- tivas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
episódios contemporâneos que revelam a pertinácia tomam a discriminação racial como nexo prioritário nhecimento capazes de contribuir para a compreensão da Igualdade Racial (SEPPIR). E na seção “Literartes”,
do racismo em sua ação implacável de abater corpos para a superação das assimetrias no Brasil. Enleiram- das singularidades do racismo na contemporaneidade. apresentamos a poesia do escritor Raimundo Nonato,
negros, undamentada em uma leitura racial, portanto -se argumentos propugnando uma práxis p olítica que Muito se tem insistido de que o corpo e, por- da Universidade Estadual da Bahia.
educativa, do que esses corpos signicam e represen- se desvencilhe de qualquer recorte racial. tanto, a noção de sujeito e subjetividade derivada do Como qualquer iniciante, Nguzu espera manter
tam (os assassinatos do dentista negro em São Paulo Sem nos estendermos sobre essa contenda, o que cartesianismo estão, sob a chave da p ós-modernidade energias, por denição, próprias de sua concepção edi-
quando retornava para casa em Guarulhos e do oce- importa destacar das altercações são as relutâncias em e da cibernética, em ranca decadência, em constan- torial para dar continuidade ao compromisso de ser um
-boy pelos seguranças do banco Itaú integram uma lista admitir a centralidade do racismo nas ações discrimi- te interrogação. De Descartes, passando por lósoos canal diusor das pesquisas, estudos e reexões sobre
signicativa). ais episódios zeram-se razoavelmente natórias impulsionadas por um undamento racial. No como Michel Foucault e Gilles Deleuze, pelos aportes relações raciais. Oxalá cumpramos esse papel.
presentes na agenda dos suportes inormativos, espe- entanto, os exemplos aqui elencados – do dentista e do da medicina e da psicanálise, incluindo-se aí também Uma ótima leitura e até o próximo número.
cialmente de jornais impressos e televisivos com capi- oce-boy – não deixam margem a dúvida. O que pre- as contribuições do L aboratório de Inteligência Arti-
laridade nacional, e vêm estimulando a renovação do senciamos na paisagem cotidiana é desalentador: os ín- cial do MI, as concepções sobre o corpo passaram por
debate por meio de óruns concernentes ao racismo e dices exorbitantes de mortalidade de jovens negros não
à violência no Brasil. somente permanecem, como crescem vertiginosamente
radicais avaliações. Em perspectiva da epistemologia
aricana, outros contributos não menos importantes
RefeRêNcia
O assunto, como era de se esperar, alcança di- a cada ano. Segundo reportagem do jornal “O Estado ampliam o painel. Visto como um elemento vital p ara BiBliogRáfica
mensões exponenciais, e nos conduz, irremediavel- de São Paulo”, “o Mapa da Violência 2011 most ra que a equilíbrio de algumas sociedades, ponto ordenador das
mente, para os elevados índices de mortalidade entre vitimização juvenil por homicídios continua a crescer. estruturas sociais, o corpo é categoria importante na SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Rio de Janeiro: Vozes,
os jovens negros. Organizações anti-racistas atentas às O número de homicídios entre a população negra é ex- denição das relações sociais aricanas. 1999.
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dossiê temático
dossiê temático
dossiê temático
o corpo nEgro:
sEntidos E
significados ResuMo ResuMÉ
Este artigo tem como objetivo reetir a dimensão psíquica da Ce article se propose à rééchir sur la dimension psychique du ra-
questão do racismo, partindo da hipótese de que essa realidade cisme, à partir de l’hipothèse suivante: que cette realité historique
histórico-social determina, para os negros, congurações psíqui- sociale determine, pour les noirs, des congurations psychiques
isildiNha Baptista cas peculiares. particuliéres.
NogueiRa Reetir sobre a condição do negro como produto da interação De cette réexion, j’essaye de denir la condition du noir en tant
dialética entre, de um lado, as representações sociais ideologi- que produit de l’interaction dialectique entre, d’une part, les repre-
Psicanalista. Doutora em Psicologia pelo camente estruturadas, as estruturas sócio-econômicas que as sentations sociales ideologiquement structurees sócio-economiques
Departamento de Psicologia Escolar e do produziram e as reproduzem e, de outro, as congurações que qui les ont produit et continuent à les réproduire et, d’autre part, les
Desenvolvimento Humano da Universi- ormam o universo psíquico. congurations que constituent l’univers psychiques.
dade de São Paulo, com o tema: Signi-
cações do corpo negro. Assessora do
Instituto AMMA Psique e Negritude. Palavras chave: negros, histórico social, sócio-econômica, ra- Les Mots Clé: noirs, historique sociale, sócio-economiques, ra-
cismo, universo psíquico. cisme, univers psychiques.
periências para além de um terreno anteriormente in- turação é uma consequência natural na relação entre
iNtRoduÇÃo dierenciado, e xam os limites dos comportamentos culturas dierentes, obrigadas a conviver. Ao perderem
dos indivíduos e dos grupos, que são ideologicamente suas identidades originais, ganham nova identidade,
estruturados; cada sistema cria seus teóricos que o jus- resultado da transculturação, como orma de resistir à
Como alar acerca de representações psíquicas e ex- tiquem. opressão causada pelo processo de escravização.
periências diárias e dizer que, a despeito das lutas por Vivendo em péssimas condições nas senzalas,
melhores condições de acesso à cidadania, as represen- brutalizados e animalizados pelos senhores, os negros
tações sobre o negro e o seu lugar na sociedade não
mudaram?
seR huMaNo se viam destituídos da sua condição de humanos; não
altaram estudos que os compararam aos animais, justi-
A sociedade é, undamentalmente, uma concep- e seR NegRo cando, assim, as condições em que vivi am como sendo
ção, uma construção do pensamento, uma entidade “naturais”.
com sentido e signicação. Como seres humanos, nos A noção de “ser humano” que temos hoje, teve origem A promulgação da “Lei Áurea” que supostamente
destacamos por nossa capacidade de dar signicados no Renascimento, onde se criaram novos conceitos; os libertaria do cativeiro, oi antecedi da por mudanças
às coisas. Construímos uma cultura, um conjunto de o homem passa a ser visto como centro e modelo do na ordem econômica e política, que colocavam obstá-
crenças e costumes, que criaram olhares especícos, mundo. Isto é possível porque o ser humano se “concei- culos à existência de um país escravagista no cenário
próprios de cada grupo étnico social, que demandará tualiza”, se pensa e se percebe de uma época para outra; mundial. Os abolicionistas mostravam grande indigna-
princípios de conduta, isto é, uma ética que permita e por ser histórico, consequentemente, seus valores, cos- ção pelas condições de cativeiro dos negros, mas não
garanta a cada um dos indivíduos pertencentes a um tumes e leis, mudam. puderam pensá-los como indivíduos que deveriam ser
determinado grupo, a necessidade que lhe é natural, de Por mais de três séculos, as principais atividades inseridos na sociedade. Supunham que, saindo da con-
pertencimento a essa organização. econômicas mercantes brasileiras basearam-se no tra- dição de escravo, o negro trabalharia como mão de obra
O conjunto das representações que constituem a balho do negro escravizado. Entre cativos e mortos, a remunerada para seu auto-sustento.
cultura está condicionado a uma lógica que determina Árica perdeu 70 milhões de pessoas do século XV ao
que viver em sociedade é estar “sob a dominação des- XIX1. Foram 320 anos de escravidão. Libertos, os ex-escravos vagavam desorientados,
sa lógica”; os indivíduos se comportam segundo essa razidos de dierentes regiões, alando, portanto, sem condições para seu auto-sustento e sem trabalho
lógica, sem terem consciência desse mecanismo. Em línguas dierentes, tendo cultura, tradições e religiões no campo, que começava a ser eito pelos imigrantes.
consequência, a vida coletiva, assim como a vida psíqui- diversas, os negros tinham portanto a comunicação e Dadas suas condições de vida, oram comparados a
ca dos indivíduos e dos grupos sociais constituem um a organização entre os semelhantes dicultadas, o que animais e vistos como incompetentes, preguiçosos e
complexo processo que não corresponde a uma relação avorecia o controle dos senhores de escravos. A acul- indolentes, quando comparados aos europeus que para
causal simples, mecanicista, empírica, mas depende dos cá vieram trabalhar. Restava aos negros o trabalho do-
mais diversos atores. méstico, situação que perpetuava a imagem anterior,
As representações sociais uncionam como uma 1. ALENCAR, Chico (org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: em que o negro, tal como besta era domesticada, tra-
rede onde as malhas estabelecem os domínios das ex- Garamond, 2001, pg. 24. balhava em troca de ração.
11
dossiê temático
o corpo nEgro:
sEntidos E
significados ResuMo ResuMÉ
Este artigo tem como objetivo reetir a dimensão psíquica da Ce article se propose à rééchir sur la dimension psychique du ra-
questão do racismo, partindo da hipótese de que essa realidade cisme, à partir de l’hipothèse suivante: que cette realité historique
histórico-social determina, para os negros, congurações psíqui- sociale determine, pour les noirs, des congurations psychiques
isildiNha Baptista cas peculiares. particuliéres.
NogueiRa Reetir sobre a condição do negro como produto da interação De cette réexion, j’essaye de denir la condition du noir en tant
dialética entre, de um lado, as representações sociais ideologi- que produit de l’interaction dialectique entre, d’une part, les repre-
Psicanalista. Doutora em Psicologia pelo camente estruturadas, as estruturas sócio-econômicas que as sentations sociales ideologiquement structurees sócio-economiques
Departamento de Psicologia Escolar e do produziram e as reproduzem e, de outro, as congurações que qui les ont produit et continuent à les réproduire et, d’autre part, les
Desenvolvimento Humano da Universi- ormam o universo psíquico. congurations que constituent l’univers psychiques.
dade de São Paulo, com o tema: Signi-
cações do corpo negro. Assessora do
Instituto AMMA Psique e Negritude. Palavras chave: negros, histórico social, sócio-econômica, ra- Les Mots Clé: noirs, historique sociale, sócio-economiques, ra-
cismo, universo psíquico. cisme, univers psychiques.
periências para além de um terreno anteriormente in- turação é uma consequência natural na relação entre
iNtRoduÇÃo dierenciado, e xam os limites dos comportamentos culturas dierentes, obrigadas a conviver. Ao perderem
dos indivíduos e dos grupos, que são ideologicamente suas identidades originais, ganham nova identidade,
estruturados; cada sistema cria seus teóricos que o jus- resultado da transculturação, como orma de resistir à
Como alar acerca de representações psíquicas e ex- tiquem. opressão causada pelo processo de escravização.
periências diárias e dizer que, a despeito das lutas por Vivendo em péssimas condições nas senzalas,
melhores condições de acesso à cidadania, as represen- brutalizados e animalizados pelos senhores, os negros
tações sobre o negro e o seu lugar na sociedade não
mudaram?
seR huMaNo se viam destituídos da sua condição de humanos; não
altaram estudos que os compararam aos animais, justi-
A sociedade é, undamentalmente, uma concep- e seR NegRo cando, assim, as condições em que vivi am como sendo
ção, uma construção do pensamento, uma entidade “naturais”.
com sentido e signicação. Como seres humanos, nos A noção de “ser humano” que temos hoje, teve origem A promulgação da “Lei Áurea” que supostamente
destacamos por nossa capacidade de dar signicados no Renascimento, onde se criaram novos conceitos; os libertaria do cativeiro, oi antecedi da por mudanças
às coisas. Construímos uma cultura, um conjunto de o homem passa a ser visto como centro e modelo do na ordem econômica e política, que colocavam obstá-
crenças e costumes, que criaram olhares especícos, mundo. Isto é possível porque o ser humano se “concei- culos à existência de um país escravagista no cenário
próprios de cada grupo étnico social, que demandará tualiza”, se pensa e se percebe de uma época para outra; mundial. Os abolicionistas mostravam grande indigna-
princípios de conduta, isto é, uma ética que permita e por ser histórico, consequentemente, seus valores, cos- ção pelas condições de cativeiro dos negros, mas não
garanta a cada um dos indivíduos pertencentes a um tumes e leis, mudam. puderam pensá-los como indivíduos que deveriam ser
determinado grupo, a necessidade que lhe é natural, de Por mais de três séculos, as principais atividades inseridos na sociedade. Supunham que, saindo da con-
pertencimento a essa organização. econômicas mercantes brasileiras basearam-se no tra- dição de escravo, o negro trabalharia como mão de obra
O conjunto das representações que constituem a balho do negro escravizado. Entre cativos e mortos, a remunerada para seu auto-sustento.
cultura está condicionado a uma lógica que determina Árica perdeu 70 milhões de pessoas do século XV ao
que viver em sociedade é estar “sob a dominação des- XIX1. Foram 320 anos de escravidão. Libertos, os ex-escravos vagavam desorientados,
sa lógica”; os indivíduos se comportam segundo essa razidos de dierentes regiões, alando, portanto, sem condições para seu auto-sustento e sem trabalho
lógica, sem terem consciência desse mecanismo. Em línguas dierentes, tendo cultura, tradições e religiões no campo, que começava a ser eito pelos imigrantes.
consequência, a vida coletiva, assim como a vida psíqui- diversas, os negros tinham portanto a comunicação e Dadas suas condições de vida, oram comparados a
ca dos indivíduos e dos grupos sociais constituem um a organização entre os semelhantes dicultadas, o que animais e vistos como incompetentes, preguiçosos e
complexo processo que não corresponde a uma relação avorecia o controle dos senhores de escravos. A acul- indolentes, quando comparados aos europeus que para
causal simples, mecanicista, empírica, mas depende dos cá vieram trabalhar. Restava aos negros o trabalho do-
mais diversos atores. méstico, situação que perpetuava a imagem anterior,
As representações sociais uncionam como uma 1. ALENCAR, Chico (org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: em que o negro, tal como besta era domesticada, tra-
rede onde as malhas estabelecem os domínios das ex- Garamond, 2001, pg. 24. balhava em troca de ração.
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dossiê temático
Embora juridicamente capazes de ocupar um espa- Negar e anular o próprio corpo nos torna o su-
ço na sociedade, os negros eram, de ato, dela excluídos jeito “outro”, visto que só existimos como sujeitos em
e impedidos de desrutar de qualquer beneício social; relação ao outro, à alteridade; portanto, ser sujeito é
oram marginalizados, estigmatizados, marcados pela ser outro, e ser o outro é não ser o próprio sujeito, no
cor que os dierenciava e discriminados por tudo quan- caso do negro.
to essa marca pudesse representar.
Desde essa época, livres do cativeiro, mas jamais
da condição de escravos, de um estigma, os negros têm
sorido toda sorte de discriminação que tem como base
o Que soMos
a ideia de que são seres ineriores e, portanto, não me- Nós, NegRos?
recedores de possibilidades sociais iguais.
O negro pode ser consciente de sua condição, das Ser branco signica uma condição genérica: ser branco
implicações histórico-políticas do racismo, mas isso constitui o elemento não marcado, o neutro da huma-
não impede que ele seja aetado pelas marcas que a re- nidade. Nasce em nós, portanto, o desejo de “brancu- racistas que parecem grotescas, absurdas, totalmente O preconceito é próprio da natureza humana, é
alidade sócio-cultural do racismo deixaram inscritas ra”. A brancura, vista da perspectiva do olhar do negro incabíveis legalmente − já que criminosas, em termos aquilo que me dierencia do outro; a discriminação é
em sua psique. oprimido, transcende qualquer alha do branco; a bran- de “direitos civis” − é mais orte que ele: o negro acaba aquilo que pretensamente autoriza o indivíduo à exclu-
Sabemos que as condições sócio-econômicas e a cura se contrapõe ao mito negro. A ideologia racial, sempre por sucumbir a todo um processo inconsciente são do outro, com base na biologia de conhecimento
ideologia moldam as estruturas psíquicas dos homens. portanto, se unda e se estrutura na condição univer- que, alheio à sua vontade, entrará em ação. cientíco; o racismo é a expressão violenta da discri-
al processo não é imediatamente vericável, pois as sal e essencial da brancura, como única via possível de Como seres humanos, contraditórios e instáveis, minação, onde o indivíduo se autoriza à eliminação do
representações psíquicas não são puro reexo das con- acesso ao mundo. temos a capacidade de estabelecer princípios, leis e outro. Estarmos cientes dessas dierenças é importante
dições objetivas. Suas estruturas psíquicas são contami- Embora o negro saiba que sua condição é o resul- declarações e também a capacidade de contradizê-los, para que, enquanto prossionais, não importando a
nadas pelas condições objetivas - que recebem no plano tado das atitudes racistas e irracionais dos brancos, o pois nossas reações são relativas à demanda de um dado área especíca de atuação e conhecimento, estejamos
inconsciente elaboração própria - a partir das quais são ideal de brancura permanece. A “brancura” passa a ser momento histórico e econômico. Faz parte da natureza conscientes de que nenhum de nós existe à parte das
assimiladas e incorporadas, tornando-os sujeitos cati- parâmetro de pureza artística, nobreza estética, majes- do ser humano o preconceito, sentimento ormado sem estruturas de poder e dominação.
vos e mantenedores de tais condições. tade moral, sabedoria cientíca, etc. Assim, o branco suciente conhecimento, mas orte o bastante para que,
É o que analiticamente (para a psicanálise) se dá encarna todas as virtudes, a maniestação da razão, do de maneira apaixonada, cada qual deenda sua cultura
no processo de identicação, em que o sujeito intro- espírito e das ideias: a cultura, a civilização, isto é, a pró-
jeta, parcial ou totalmente, através da imitação ou da pria “humanidade”. É evidentemente conuso esse pro-
como a melhor orma de organização social. É eviden-
te que essa deesa apaixonada se dá por comparação,
RefeRêNcias
incorporação, o objeto amado ou odiado, ou ambas cesso psicológico da ordem do inconsciente, pelo qual onde as dierenças e semelhanças são negadas, enquan- BiBliogRáficas
as coisas simultaneamente, reagindo, assim, ao amor os negros passam; ser sujeito no outro, signica não ser to diversidades e especicidades da outra cultura. E o
ou ódio pela incorporação das propriedades do obje- o real do seu próprio corpo, que deve ser negado, para critério para a compreensão passa a ser o da superio-
to. Esse mecanismo é o que a psicanálise caracteriza que se possa ser o outro. Mas esta imagem de si, orjada ridade ou inerioridade que, supostamente baseadas ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. extos de
como a identicação com o agressor, que desta orma na relação com o outro − e no ideal de brancura − não em “conhecimentos cientícos”, passam a garantir essa Frei Betto, Nilton Bonder, Jorge Werthein, Luis
é internalizado; não se az necessária a presença ísica só não guarda nenhuma semelhança com o real de seu dierença pela “desconstrução” da outra cultura. Isto, Eduardo Soares, Arthur Dapieve, D. Pedro Ca-
do agressor, o negro passa a se auto-rejeitar. corpo próprio, mas é por este negada, estabelecendo-se que a princípio seria natural no ser humano, pode e saldaliga, Graciela Rodriguez. Rio de Janeiro:
O “ser negro” corresponde a uma categoria inclu- aí uma conusão entre o real e o imaginário. na maioria das vezes acaba por atravessar os limites da Garamond.
ída em um código social que se expressa dentro de um Esse processo despersonaliza e transorma o sujei- diversidade, resultando no que seria a base do racismo, NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Signicações do corpo
campo etnossemântico onde o signicante “cor negra” to em um autômato: ele se paralisa e se coloca à mercê expressão violenta da dierença que parte da descons- negro. ese (Doutorado em Psicologia) – Univer-
encerra vários signicados. da vontade do outro. O sujeito, assim ragilizado, en- trução e da eliminação do outro, baseado na suposta sidade de São Paulo, 1998.
O signo “negro” remete não só às posições sociais vergonhado de si, se vê exposto a uma situação em que inerioridade de certas etnias. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças, cien-
ineriores mas, também, a características biológicas nada separa o real do imaginário, as antasias estão, O intuito, nesta breve reexão acerca de questões tistas, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-
supostamente aquém do valor das propriedades bioló- simultaneamente, dentro e ora, tão complexas quanto essas que envolvem a discrimina- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
gicas atribuídas aos brancos. Se o que constitui o sujeito É justamente porque o racismo não se ormula ção em relação aos negros, seus sentidos e signicados, SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Identidade, povo e
é o olhar do outro, como ca o negro que se conronta explicitamente, mas antes sobrevive em um devir in- oi o de contribuir enquanto psicanalista, com a expla- mídia no Brasil . Petrópolis: Vozes, 2000.
com o olhar do outro, que mostra reconhecer nele o terminável, enquanto uma possibilidade virtual, que o nação do modo como a realidade sócio-histórico-cultu- VENURI, Gustavo; URRA, Cleusa. (Orgs.) Racismo
signicado que a pele negra traz enquanto signicante? terror de possíveis ataques (de qualquer natureza, des- ral do racismo e da discriminação se inscreve na psique cordial, a mais completa análise sobre o preconceito
Resta ao negro, para além de seus antasmas, ine- de ísica a psíquica) por parte dos brancos, cria para o do negro. Visto que costumamos, via de regra, conun- de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
rentes ao ser humano, o desejo de recusar esse signi- negro uma angústia que se xa na realidade exterior e dir preconceito, discriminação e racismo, utilizando
cante, que representa o signicado que ele tenta negar, se impõe inexoravelmente. esses termos como se tivessem um só signicado, penso
negando-se dessa orma a si mesmo, pela negação do Ainda que lançando mão de um arsenal racio- que seja adequado nos lembrarmos que cada um desses
próprio corpo. nal lógico, o negro possa desconsiderar tais ameaças termos determina e demanda dierentes sentidos.
12 13
dossiê temático
Embora juridicamente capazes de ocupar um espa- Negar e anular o próprio corpo nos torna o su-
ço na sociedade, os negros eram, de ato, dela excluídos jeito “outro”, visto que só existimos como sujeitos em
e impedidos de desrutar de qualquer beneício social; relação ao outro, à alteridade; portanto, ser sujeito é
oram marginalizados, estigmatizados, marcados pela ser outro, e ser o outro é não ser o próprio sujeito, no
cor que os dierenciava e discriminados por tudo quan- caso do negro.
to essa marca pudesse representar.
Desde essa época, livres do cativeiro, mas jamais
da condição de escravos, de um estigma, os negros têm
sorido toda sorte de discriminação que tem como base
o Que soMos
a ideia de que são seres ineriores e, portanto, não me- Nós, NegRos?
recedores de possibilidades sociais iguais.
O negro pode ser consciente de sua condição, das Ser branco signica uma condição genérica: ser branco
implicações histórico-políticas do racismo, mas isso constitui o elemento não marcado, o neutro da huma-
não impede que ele seja aetado pelas marcas que a re- nidade. Nasce em nós, portanto, o desejo de “brancu- racistas que parecem grotescas, absurdas, totalmente O preconceito é próprio da natureza humana, é
alidade sócio-cultural do racismo deixaram inscritas ra”. A brancura, vista da perspectiva do olhar do negro incabíveis legalmente − já que criminosas, em termos aquilo que me dierencia do outro; a discriminação é
em sua psique. oprimido, transcende qualquer alha do branco; a bran- de “direitos civis” − é mais orte que ele: o negro acaba aquilo que pretensamente autoriza o indivíduo à exclu-
Sabemos que as condições sócio-econômicas e a cura se contrapõe ao mito negro. A ideologia racial, sempre por sucumbir a todo um processo inconsciente são do outro, com base na biologia de conhecimento
ideologia moldam as estruturas psíquicas dos homens. portanto, se unda e se estrutura na condição univer- que, alheio à sua vontade, entrará em ação. cientíco; o racismo é a expressão violenta da discri-
al processo não é imediatamente vericável, pois as sal e essencial da brancura, como única via possível de Como seres humanos, contraditórios e instáveis, minação, onde o indivíduo se autoriza à eliminação do
representações psíquicas não são puro reexo das con- acesso ao mundo. temos a capacidade de estabelecer princípios, leis e outro. Estarmos cientes dessas dierenças é importante
dições objetivas. Suas estruturas psíquicas são contami- Embora o negro saiba que sua condição é o resul- declarações e também a capacidade de contradizê-los, para que, enquanto prossionais, não importando a
nadas pelas condições objetivas - que recebem no plano tado das atitudes racistas e irracionais dos brancos, o pois nossas reações são relativas à demanda de um dado área especíca de atuação e conhecimento, estejamos
inconsciente elaboração própria - a partir das quais são ideal de brancura permanece. A “brancura” passa a ser momento histórico e econômico. Faz parte da natureza conscientes de que nenhum de nós existe à parte das
assimiladas e incorporadas, tornando-os sujeitos cati- parâmetro de pureza artística, nobreza estética, majes- do ser humano o preconceito, sentimento ormado sem estruturas de poder e dominação.
vos e mantenedores de tais condições. tade moral, sabedoria cientíca, etc. Assim, o branco suciente conhecimento, mas orte o bastante para que,
É o que analiticamente (para a psicanálise) se dá encarna todas as virtudes, a maniestação da razão, do de maneira apaixonada, cada qual deenda sua cultura
no processo de identicação, em que o sujeito intro- espírito e das ideias: a cultura, a civilização, isto é, a pró-
jeta, parcial ou totalmente, através da imitação ou da pria “humanidade”. É evidentemente conuso esse pro-
como a melhor orma de organização social. É eviden-
te que essa deesa apaixonada se dá por comparação,
RefeRêNcias
incorporação, o objeto amado ou odiado, ou ambas cesso psicológico da ordem do inconsciente, pelo qual onde as dierenças e semelhanças são negadas, enquan- BiBliogRáficas
as coisas simultaneamente, reagindo, assim, ao amor os negros passam; ser sujeito no outro, signica não ser to diversidades e especicidades da outra cultura. E o
ou ódio pela incorporação das propriedades do obje- o real do seu próprio corpo, que deve ser negado, para critério para a compreensão passa a ser o da superio-
to. Esse mecanismo é o que a psicanálise caracteriza que se possa ser o outro. Mas esta imagem de si, orjada ridade ou inerioridade que, supostamente baseadas ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. extos de
como a identicação com o agressor, que desta orma na relação com o outro − e no ideal de brancura − não em “conhecimentos cientícos”, passam a garantir essa Frei Betto, Nilton Bonder, Jorge Werthein, Luis
é internalizado; não se az necessária a presença ísica só não guarda nenhuma semelhança com o real de seu dierença pela “desconstrução” da outra cultura. Isto, Eduardo Soares, Arthur Dapieve, D. Pedro Ca-
do agressor, o negro passa a se auto-rejeitar. corpo próprio, mas é por este negada, estabelecendo-se que a princípio seria natural no ser humano, pode e saldaliga, Graciela Rodriguez. Rio de Janeiro:
O “ser negro” corresponde a uma categoria inclu- aí uma conusão entre o real e o imaginário. na maioria das vezes acaba por atravessar os limites da Garamond.
ída em um código social que se expressa dentro de um Esse processo despersonaliza e transorma o sujei- diversidade, resultando no que seria a base do racismo, NOGUEIRA, Isildinha Baptista. Signicações do corpo
campo etnossemântico onde o signicante “cor negra” to em um autômato: ele se paralisa e se coloca à mercê expressão violenta da dierença que parte da descons- negro. ese (Doutorado em Psicologia) – Univer-
encerra vários signicados. da vontade do outro. O sujeito, assim ragilizado, en- trução e da eliminação do outro, baseado na suposta sidade de São Paulo, 1998.
O signo “negro” remete não só às posições sociais vergonhado de si, se vê exposto a uma situação em que inerioridade de certas etnias. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças, cien-
ineriores mas, também, a características biológicas nada separa o real do imaginário, as antasias estão, O intuito, nesta breve reexão acerca de questões tistas, instituições e questões raciais no Brasil, 1870-
supostamente aquém do valor das propriedades bioló- simultaneamente, dentro e ora, tão complexas quanto essas que envolvem a discrimina- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
gicas atribuídas aos brancos. Se o que constitui o sujeito É justamente porque o racismo não se ormula ção em relação aos negros, seus sentidos e signicados, SODRÉ, Muniz. Claros e escuros. Identidade, povo e
é o olhar do outro, como ca o negro que se conronta explicitamente, mas antes sobrevive em um devir in- oi o de contribuir enquanto psicanalista, com a expla- mídia no Brasil . Petrópolis: Vozes, 2000.
com o olhar do outro, que mostra reconhecer nele o terminável, enquanto uma possibilidade virtual, que o nação do modo como a realidade sócio-histórico-cultu- VENURI, Gustavo; URRA, Cleusa. (Orgs.) Racismo
signicado que a pele negra traz enquanto signicante? terror de possíveis ataques (de qualquer natureza, des- ral do racismo e da discriminação se inscreve na psique cordial, a mais completa análise sobre o preconceito
Resta ao negro, para além de seus antasmas, ine- de ísica a psíquica) por parte dos brancos, cria para o do negro. Visto que costumamos, via de regra, conun- de cor no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
rentes ao ser humano, o desejo de recusar esse signi- negro uma angústia que se xa na realidade exterior e dir preconceito, discriminação e racismo, utilizando
cante, que representa o signicado que ele tenta negar, se impõe inexoravelmente. esses termos como se tivessem um só signicado, penso
negando-se dessa orma a si mesmo, pela negação do Ainda que lançando mão de um arsenal racio- que seja adequado nos lembrarmos que cada um desses
próprio corpo. nal lógico, o negro possa desconsiderar tais ameaças termos determina e demanda dierentes sentidos.
12 13
dossiê temático
pErsonagEns Em
posiçõEs hipotéticas:
consumo, corpo
E subjEtivação na ResuMo aBstRact
cultura das mídias Este trabalho trata das relações que três personagens emininas
colhidas da literatura estabelecem com a cultura midiática em
Tis article deals with the dialogue that three emale characters
rom literature - Pecola, Macabéa and Claudia - have with the
que estão imersas. Nos dois romances analisados, as relações que media culture in which they are immersed. In both novels chosen,
Pecola, Macabéa e Claudia travam com o mundo do consumo e the relations that these young women establish with the world o
com os discursos hegemônicos da mídia para o corpo mostram- consumption and the hegemonic discourses about the bodies are
lauRa guiMaRÃes -se centrais para a constituição de suas subjetividades e do modo central to the constitution o their subjectivities and to the way
coRRêa como se colocam diante de si mesmas, do outro e da sociedade. they see themselves in society. o reect upon these relations and
Para a discussão sobre essas relações e seus desdobramentos, são their ramications, we apply Stuart Hall’s concept o the three hy-
Professora adjunta do curso de Comu- utilizadas as três posições hipotéticas de decodicação propostas pothetical positions or the reader. We also consider Judith Butler´s
nicação Social da UFMG. Integra o GRIS por Stuart Hall, assim como as reexões de Judith Butler sobre concept o “bodies that matter” as an important approach to de-
(Grupos de Pesquisa em Imagem e Socia- os “corpos que pesam”. velop this theme.
bilidade) e o GrisPop (Grupo de pesquisa
sobre interações miditicas e prticas
culturais contemporâneas), na UFMG. Palavras chave: mídia, consumo, corpo, subjetividade. Key words: midia, consumption, body, subjectivity.
do romance O olho mais azul , escrito pela estaduni- mostra-se undamental para a reexão sobre os pro-
iNtRoduÇÃo dense oni Morrison, e Macabéa, protagonista d’ A hora cessos identitários.
da estrela, de Clarice Lispector. A relação que as três Mesmo considerando a prolieração e a complexi-
jovens estabelecem com os produtos e as guras da mí- dade dos discursos midiáticos, assim como sua natu-
Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas dia é central para a constituição de suas subjetividades reza agonística, podemos dizer que, ainda assim, estes
mim, preciso dos outros para me manter de pé, e do modo como se colocam diante de si mesmas, do tendem a ser normativos e a operar com representações
tão tonto que sou, eu enviesado (...). outro e da sociedade. hegemônicas já solidicadas, com estereótipos, com
Rodrigo S. M., o narrador d’ A Hora da Estrela situações-padrão. Para Stuart Hall, o ponto de vista
hegemônico é aquele
A edição d’ A Hora da Estrela que tenho em mãos, de
1999, traz, além do nome da autora e do título da obra,
uma imagem que não ocupa mais que um quarto da
sujeito e discuRsos (a) que dene dentro de seus termos o horizonte men-
tal, o universo de signicados possíveis e de todo um
capa. Em técnica mista, essa imagem mostra, em pri- Midiáticos setor de relações em uma sociedade ou cultura, e (b)
meiro plano, a gura de uma jovem de olhos echados que carrega consigo o selo da legitimidade – parece
que ouve rádio, com um varal de roupas e uma paisa- Partimos da premissa de que o sujeito é construído coincidir com o que é ‘natural’, ‘inevitável’ ou ‘óbvio’ a
gem urbana ao undo. O olhar mais atento vai descobrir nas relações estabelecidas com os outros sujeitos. O respeito da ordem social. (HALL, 2003, p.401)
que os prédios são eitos de colunas de jornal e que o processo de subjetivação só pode ser entendido dentro
rádio tem um inesperado nariz. Macabéa, a moça re- da sociedade, quando o indivíduo se conronta com os O autor acredita que em toda sociedade existem
presentada na capa, protagonista do romance de Clarice valores e as instituições sociais - esse sistema de sig- sentidos dominantes ou preerenciais , que organizam
Lispector, está envolta pela mídia. O rádio, na concep- nicações eito de códigos e rituais que dá sentido à domínios discursivos através de códigos sociais. As-
ção da ilustradora, tem vida. A moça aconchega-se ao vida do ser humano, que nos situa e nos constitui como sim, Hall entende que a leitura dos produtos midiá-
aparelho humanizado e quase sorri, como num namo- sujeitos e agentes da vida social. ticos pode ser classicada de acordo com o grau de
ro. Os prédios da pequena ilustração têm palavras, têm Nas interações comunicativas que se estabelecem concordância ou de adesão aos sentidos preerenciais,
sentido. As peças no varal – um vestido, um terno, um nos contatos com a mídia, cada sujeito interpreta os uma vez que, no processo comunicacional, “não existe
lençol - parecem dançar. Na capa do livro, o mundo discursos de acordo com sua história, sua cultura, sua uma necessária correspondência entre codicação e
urbano e midiático em que Macabéa se encontra tem visão de mundo. Os sujeitos produzem e reproduzem decodicação” (Hall, 2003, p. 399-400), isto é: na troca
signicados, recados e aetos, encarnados em coisas os discursos da mídia, em permanente estado de movi- comunicativa, não há garantias de que aquilo que se
antes inanimadas. mento e tensão. Na conormação discursiva da comu- diz/escreve/mostra será recebido exatamente como se
A proposta deste trabalho é pensar o diálogo que se nicação midiática, valores, corpos, ideias e padrões de esperava no momento da codicação. Há várias articu-
dá entre três personagens emininas e a cultura midiáti- comportamento são propostos, negociados, construí- lações possíveis para a combinação entre a codicação
ca na qual elas estão inseridas. As personagens literárias dos. Portanto, a atenção às interações dos indivíduos e a decodicação de produtos da comunicação. Em
escolhidas para instigar a reexão são Claudia e Pecola, e grupos da sociedade com os dispositivos da mídia sua análise de produtos jornalísticos televisivos, Hall
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dossiê temático
pErsonagEns Em
posiçõEs hipotéticas:
consumo, corpo
E subjEtivação na ResuMo aBstRact
cultura das mídias Este trabalho trata das relações que três personagens emininas
colhidas da literatura estabelecem com a cultura midiática em
Tis article deals with the dialogue that three emale characters
rom literature - Pecola, Macabéa and Claudia - have with the
que estão imersas. Nos dois romances analisados, as relações que media culture in which they are immersed. In both novels chosen,
Pecola, Macabéa e Claudia travam com o mundo do consumo e the relations that these young women establish with the world o
com os discursos hegemônicos da mídia para o corpo mostram- consumption and the hegemonic discourses about the bodies are
lauRa guiMaRÃes -se centrais para a constituição de suas subjetividades e do modo central to the constitution o their subjectivities and to the way
coRRêa como se colocam diante de si mesmas, do outro e da sociedade. they see themselves in society. o reect upon these relations and
Para a discussão sobre essas relações e seus desdobramentos, são their ramications, we apply Stuart Hall’s concept o the three hy-
Professora adjunta do curso de Comu- utilizadas as três posições hipotéticas de decodicação propostas pothetical positions or the reader. We also consider Judith Butler´s
nicação Social da UFMG. Integra o GRIS por Stuart Hall, assim como as reexões de Judith Butler sobre concept o “bodies that matter” as an important approach to de-
(Grupos de Pesquisa em Imagem e Socia- os “corpos que pesam”. velop this theme.
bilidade) e o GrisPop (Grupo de pesquisa
sobre interações miditicas e prticas
culturais contemporâneas), na UFMG. Palavras chave: mídia, consumo, corpo, subjetividade. Key words: midia, consumption, body, subjectivity.
do romance O olho mais azul , escrito pela estaduni- mostra-se undamental para a reexão sobre os pro-
iNtRoduÇÃo dense oni Morrison, e Macabéa, protagonista d’ A hora cessos identitários.
da estrela, de Clarice Lispector. A relação que as três Mesmo considerando a prolieração e a complexi-
jovens estabelecem com os produtos e as guras da mí- dade dos discursos midiáticos, assim como sua natu-
Esse eu que é vós pois não aguento ser apenas dia é central para a constituição de suas subjetividades reza agonística, podemos dizer que, ainda assim, estes
mim, preciso dos outros para me manter de pé, e do modo como se colocam diante de si mesmas, do tendem a ser normativos e a operar com representações
tão tonto que sou, eu enviesado (...). outro e da sociedade. hegemônicas já solidicadas, com estereótipos, com
Rodrigo S. M., o narrador d’ A Hora da Estrela situações-padrão. Para Stuart Hall, o ponto de vista
hegemônico é aquele
A edição d’ A Hora da Estrela que tenho em mãos, de
1999, traz, além do nome da autora e do título da obra,
uma imagem que não ocupa mais que um quarto da
sujeito e discuRsos (a) que dene dentro de seus termos o horizonte men-
tal, o universo de signicados possíveis e de todo um
capa. Em técnica mista, essa imagem mostra, em pri- Midiáticos setor de relações em uma sociedade ou cultura, e (b)
meiro plano, a gura de uma jovem de olhos echados que carrega consigo o selo da legitimidade – parece
que ouve rádio, com um varal de roupas e uma paisa- Partimos da premissa de que o sujeito é construído coincidir com o que é ‘natural’, ‘inevitável’ ou ‘óbvio’ a
gem urbana ao undo. O olhar mais atento vai descobrir nas relações estabelecidas com os outros sujeitos. O respeito da ordem social. (HALL, 2003, p.401)
que os prédios são eitos de colunas de jornal e que o processo de subjetivação só pode ser entendido dentro
rádio tem um inesperado nariz. Macabéa, a moça re- da sociedade, quando o indivíduo se conronta com os O autor acredita que em toda sociedade existem
presentada na capa, protagonista do romance de Clarice valores e as instituições sociais - esse sistema de sig- sentidos dominantes ou preerenciais , que organizam
Lispector, está envolta pela mídia. O rádio, na concep- nicações eito de códigos e rituais que dá sentido à domínios discursivos através de códigos sociais. As-
ção da ilustradora, tem vida. A moça aconchega-se ao vida do ser humano, que nos situa e nos constitui como sim, Hall entende que a leitura dos produtos midiá-
aparelho humanizado e quase sorri, como num namo- sujeitos e agentes da vida social. ticos pode ser classicada de acordo com o grau de
ro. Os prédios da pequena ilustração têm palavras, têm Nas interações comunicativas que se estabelecem concordância ou de adesão aos sentidos preerenciais,
sentido. As peças no varal – um vestido, um terno, um nos contatos com a mídia, cada sujeito interpreta os uma vez que, no processo comunicacional, “não existe
lençol - parecem dançar. Na capa do livro, o mundo discursos de acordo com sua história, sua cultura, sua uma necessária correspondência entre codicação e
urbano e midiático em que Macabéa se encontra tem visão de mundo. Os sujeitos produzem e reproduzem decodicação” (Hall, 2003, p. 399-400), isto é: na troca
signicados, recados e aetos, encarnados em coisas os discursos da mídia, em permanente estado de movi- comunicativa, não há garantias de que aquilo que se
antes inanimadas. mento e tensão. Na conormação discursiva da comu- diz/escreve/mostra será recebido exatamente como se
A proposta deste trabalho é pensar o diálogo que se nicação midiática, valores, corpos, ideias e padrões de esperava no momento da codicação. Há várias articu-
dá entre três personagens emininas e a cultura midiáti- comportamento são propostos, negociados, construí- lações possíveis para a combinação entre a codicação
ca na qual elas estão inseridas. As personagens literárias dos. Portanto, a atenção às interações dos indivíduos e a decodicação de produtos da comunicação. Em
escolhidas para instigar a reexão são Claudia e Pecola, e grupos da sociedade com os dispositivos da mídia sua análise de produtos jornalísticos televisivos, Hall
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dossiê temático
(2003) identica três posições hipotéticas de leitura. Na para a imagem de emple, para o lugar da vida pereita, saída encontrada por esse sujeito destituído de todos causa - da experiência de um cotidiano triste durante
primeira delas, há concordância rente ao sentido he- tão distante de seu cotidiano de pobreza, violência e os atributos propagandeados pelos discursos hegemô- o dia, Macabéa se apoia na vida harmoniosa do cinema
gemônico conotado. Na segunda hipótese, a do código abuso. Há uma contemplação que extrapola o mundo nicos da mídia oi a identicação e a admiração rente e da publicidade à noite:
negociado, as denições hegemônicas são aceitas, mas ísico – o leite que ela toma da xícara é o que menos às imagens idealizadas que lhe eram oerecidas: uma
o/a receptor/a cria suas próprias regras para decodi- alimenta: ela bebe simbolicamente Shirley emple e sua solução aparentemente contraditória, mas que, anco- odas as madrugadas ligava o rádio emprestado por
car a mensagem. No terceiro caso, a leitura é oposta, promessa de elicidade. Mas trata-se de um sonho que rada na esera da antasia, oerecia pouca possibilidade uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem
contestatória: reconhece o sentido hegemônico, mas tranquiliza e destrói ao mesmo tempo. Pecola deseja de negação ou de rustração, ao contrário do seu árduo baixinho para não acordar as outras, ligava invaria-
discorda deste. então deixar de ser. De que matéria-prima ela podia cotidiano. Por m, Pecola resolve ter olhos azuis e pro- velmente para a Rádio Relógio, que dava ‘hora certa
Nossa proposta neste artigo é utilizar as categorias dispor para a construção de sua subjetividade, se tudo cura o charlatão que supostamente poderia realizar tal e cultura’, e nen huma música, só pingava em som de
criadas por Hall para pensar a apreensão, a leitura e o o que era valorizado na esera midiática e na sociedade sonho: gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E
consumo, por nossas anti-heroínas, de outros tipos de em que vivia lhe era contrário? Pecola azia orça para sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos
produtos culturais: estrelas de cinema, anúncios publi- desaparecer: Aquele era o pedido mais antástico e, ao mesmo tem- entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comer-
citários, programas de rádio, objetos industrializados. po, o mais lógico que já lhe tinham eito. Ali estava uma ciais – ela adorava anúncios. (LISPEC OR, 1999, p.37)
“Por avor, Deus.”, sussurrou na palma da mão, “por menina eia pedindo beleza. (...) Uma menina negra
avor, me aça desaparecer”. Fechou os olhos com orça. que desejava alçar-se para ora do osso de sua negri- E por que Macabéa adorava anúncios? Provavel-
pecola e shiRley teMple Pequenas partes do seu corpo se apagaram. Ora lenta-
mente, ora de chore. Lentamente de novo. Sumiram os
tude e ver o mundo com olhos azuis. (MORRISON, mente pelo mundo próprio que criam, pela promessa
2003, p.175). de elicidade guardada em um produto, por interpelar
– a coNteMplaÇÃo do dedos um por um. Depois os braços até os cotovelos. a ouvinte com a intimidade e o carinho que lhe altam
oposto ideal Os pés agora. Sim, era bom aquilo. As pernas, de uma É possível azer aqui, em Pecola, uma comparação na vida real, por transportá-la para longe dali. Segundo
vez só. Acima das coxas era mais diícil. Ela precisava direta com a posição hegemônico-dominante descrita Joan Scott (1999, p. 27), “não são os indivíduos que
No romance O Olho mais Azul , oni Morrison escreve car completamente imóvel e azer orça. O estômago por Stuart Hall (2003, p. 400), “quando o telespectador têm experiência, mas os sujeitos é que são constituí-
sobre a realidade dura de personagens negros e pobres não ia. Mas, por m, também desapareceu. Depois o se apropria do sentido conotado (...) de orma direta e dos através da experiência.” Macabéa tem experiências
nos Estados Unidos dos anos 1940. No centro da histó- peito, o pescoço. O rosto também era diícil. Quase lá, integral, e decodica a mensagem nos termos do có- constituintes de sua subjetividade quando se relaciona
ria está Pecola Breedlove, menina de doze anos que se quase. Só restavam os olhos, bem, bem apertados. Eram digo reerencial no qual ela oi codicada, podemos com esses produtos midiáticos.
encontra dentro (e ora) de uma amília completamente sempre os olhos que sobravam. Por mais que tentasse, dizer que o telespectador está operando dentro do códi- Como prática social institucionalizada, a publici-
desestruturada. Para o olhar hegemônico daquela épo- nunca conseguia azer os olhos desaparecerem. (MOR- go dominante.” Pecola não questiona o ideal de beleza, dade é um sistema cultural e simbólico que organiza
ca e lugar – que não se mostra muito dierente hoje e RISON, 2003, p.52) que é lido como natural, óbvio, incontestável, absoluto. sentidos, oerece classiicações, gera identiicações,
aqui -, Pecola vale menos, de qualquer ângulo que se Ela decodica as mensagens da mídia com aceitação, constituindo-se como poder estruturante e, portanto,
olhe. Além da exclusão por ser negra, criança, pobre e Ela nem precisava azer tanta orça assim, p ois já concordância, alinhamento. Mas aceitar desse modelo como um dos sistemas de construção da realidade con-
mulher, Pecola é descrita como uma menina muito eia, era praticamente invisível. Nas palavras da narradora, requer a não aceitação de si mesma. Não há contradição temporânea. Os discursos publicitários atingem a todos
de uma eiúra que se conundia com todos os outros “como alguém poderia ver uma menina negra?” (MOR- na sua recepção das imagens da mídia, mas, dessa or- os que estão expostos a ele, tenham ou não a necessi-
motivos para que ela osse ridicularizada, desrespeitada RISON, 2003, p.52). ma, a menina negra anula seu próprio corpo. Para lidar dade ou as condições de consumir o produto ou ser-
ou simplesmente ignorada. Em sua ragilidade, Peco- De acordo com as ideias que Judith Butler (1999) com as consequências dos abusos soridos, em todas as viço anunciado. Além desse aspecto disseminador, há
la apoia-se numa antasia de admiração pela menina apresenta em Corpos que pesam, há normas no discurso eseras, Pecola cria uma imagem de si descolada da rea- ainda uma pesada carga simbólica, uma extensa gama
pereita dos musicais do cinema americano: rica, bela, de dominação que traçam a linha entre aqueles seres lidade insuportável, num processo de dessubjetivação, de signicados, representações e padrões de compor-
talentosa, loira, de olhos azuis. Ela era tudo aquilo que que interessam a uma sociedade e aqueles que podem dissolvendo-se em psicose. A literatura traz aqui uma tamento intrínsecos às imagens e textos publicitários
Pecola não podia ser, ato esse que não a protegia do ser descartados, os que são abjetos. No título original personagem impotente na relação com a amília, com (CORRÊA, 2006).
encantamento: Bodies that matter , a autora explora os dois signicados a sociedade e com os produtos da cultura midiática. As produções de sentido operadas por essa orma
do signicante matter : o verbo importar , no sentido de comunicação mostram-se abundantes e ricas para a
Frieda lhe trouxe quatro bolachas num pires e leite de ter importância, e o substantivo matéria. Assim, a investigação sobre os enômenos sociais e as ideologias
numa xícara branca e azul com a Shirley emple. Ela expressão pode ser lida também como “corpos que im-
demorou longo tempo para tomar o leite, olhando portam”. Pecola estava completamente ora da norma
MacaBÉa e os aNúNcios – que os perpassam. Jean Baudrillard (1995) sugere que
o objetivo primeiro da publicidade não é a promoção
ternamente para a silhueta do rosto com covinhas de reguladora, ela tinha um corpo que não era visto, não a astúcia de uM coNsuMo de vendas. Para o autor, a unção econômica da pu-
Shirley emple. Frieda e ela conversaram, enternecidas, era considerado, quase desmaterializado: um corpo que suBveRsivo blicidade é secundária, isto é, a adesão aos objetos é
sobre como a Shirley emple era li ndinha. (MORRI- não importava. Não importava para as outras pessoas, e apenas uma consequência - desejável, certamente - da
SON, 2003, p.22,23) é exatamente no encontro com o outro que os sujeitos No romance de Clarice Lispector, Macabéa é uma ala- unção global de integração e coesão social através da
são construídos. goana pobre que trabalha como datilógraa numa ci- gloricação da mercadoria e do mito da elicidade e do
Shirley emple habitava um domínio adorado e Os discursos cristalizados da mídia chocavam-se dade grande. em dezenove anos, não tem amília, não bem-estar coletivo na sociedade de consumo.
sacralizado pela mídia: o reino da beleza, da pureza, da contra a realidade em que vivia a personagem Pecola. tem instrução, às vezes não tem o que comer e masca A publicidade representa situações cotidianas
brancura. No romance, essa gura exerce um ascínio A discrepância evidente entre os dois mundos não era, bolinhas de papel. A moça tem uma espécie de namora- como se estas constituíssem experiências memoráveis,
acalentador sobre a personagem. Pecola sorri ao olhar para ela, motivo de revolta ou de tristeza imediata. A do, que a trata mal e a troca pela colega. Apesar - e por completas, únicas. Construídas, otograadas, lma-
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dossiê temático
(2003) identica três posições hipotéticas de leitura. Na para a imagem de emple, para o lugar da vida pereita, saída encontrada por esse sujeito destituído de todos causa - da experiência de um cotidiano triste durante
primeira delas, há concordância rente ao sentido he- tão distante de seu cotidiano de pobreza, violência e os atributos propagandeados pelos discursos hegemô- o dia, Macabéa se apoia na vida harmoniosa do cinema
gemônico conotado. Na segunda hipótese, a do código abuso. Há uma contemplação que extrapola o mundo nicos da mídia oi a identicação e a admiração rente e da publicidade à noite:
negociado, as denições hegemônicas são aceitas, mas ísico – o leite que ela toma da xícara é o que menos às imagens idealizadas que lhe eram oerecidas: uma
o/a receptor/a cria suas próprias regras para decodi- alimenta: ela bebe simbolicamente Shirley emple e sua solução aparentemente contraditória, mas que, anco- odas as madrugadas ligava o rádio emprestado por
car a mensagem. No terceiro caso, a leitura é oposta, promessa de elicidade. Mas trata-se de um sonho que rada na esera da antasia, oerecia pouca possibilidade uma colega de moradia, Maria da Penha, ligava bem
contestatória: reconhece o sentido hegemônico, mas tranquiliza e destrói ao mesmo tempo. Pecola deseja de negação ou de rustração, ao contrário do seu árduo baixinho para não acordar as outras, ligava invaria-
discorda deste. então deixar de ser. De que matéria-prima ela podia cotidiano. Por m, Pecola resolve ter olhos azuis e pro- velmente para a Rádio Relógio, que dava ‘hora certa
Nossa proposta neste artigo é utilizar as categorias dispor para a construção de sua subjetividade, se tudo cura o charlatão que supostamente poderia realizar tal e cultura’, e nen huma música, só pingava em som de
criadas por Hall para pensar a apreensão, a leitura e o o que era valorizado na esera midiática e na sociedade sonho: gotas que caem – cada gota de minuto que passava. E
consumo, por nossas anti-heroínas, de outros tipos de em que vivia lhe era contrário? Pecola azia orça para sobretudo esse canal de rádio aproveitava intervalos
produtos culturais: estrelas de cinema, anúncios publi- desaparecer: Aquele era o pedido mais antástico e, ao mesmo tem- entre as tais gotas de minuto para dar anúncios comer-
citários, programas de rádio, objetos industrializados. po, o mais lógico que já lhe tinham eito. Ali estava uma ciais – ela adorava anúncios. (LISPEC OR, 1999, p.37)
“Por avor, Deus.”, sussurrou na palma da mão, “por menina eia pedindo beleza. (...) Uma menina negra
avor, me aça desaparecer”. Fechou os olhos com orça. que desejava alçar-se para ora do osso de sua negri- E por que Macabéa adorava anúncios? Provavel-
pecola e shiRley teMple Pequenas partes do seu corpo se apagaram. Ora lenta-
mente, ora de chore. Lentamente de novo. Sumiram os
tude e ver o mundo com olhos azuis. (MORRISON, mente pelo mundo próprio que criam, pela promessa
2003, p.175). de elicidade guardada em um produto, por interpelar
– a coNteMplaÇÃo do dedos um por um. Depois os braços até os cotovelos. a ouvinte com a intimidade e o carinho que lhe altam
oposto ideal Os pés agora. Sim, era bom aquilo. As pernas, de uma É possível azer aqui, em Pecola, uma comparação na vida real, por transportá-la para longe dali. Segundo
vez só. Acima das coxas era mais diícil. Ela precisava direta com a posição hegemônico-dominante descrita Joan Scott (1999, p. 27), “não são os indivíduos que
No romance O Olho mais Azul , oni Morrison escreve car completamente imóvel e azer orça. O estômago por Stuart Hall (2003, p. 400), “quando o telespectador têm experiência, mas os sujeitos é que são constituí-
sobre a realidade dura de personagens negros e pobres não ia. Mas, por m, também desapareceu. Depois o se apropria do sentido conotado (...) de orma direta e dos através da experiência.” Macabéa tem experiências
nos Estados Unidos dos anos 1940. No centro da histó- peito, o pescoço. O rosto também era diícil. Quase lá, integral, e decodica a mensagem nos termos do có- constituintes de sua subjetividade quando se relaciona
ria está Pecola Breedlove, menina de doze anos que se quase. Só restavam os olhos, bem, bem apertados. Eram digo reerencial no qual ela oi codicada, podemos com esses produtos midiáticos.
encontra dentro (e ora) de uma amília completamente sempre os olhos que sobravam. Por mais que tentasse, dizer que o telespectador está operando dentro do códi- Como prática social institucionalizada, a publici-
desestruturada. Para o olhar hegemônico daquela épo- nunca conseguia azer os olhos desaparecerem. (MOR- go dominante.” Pecola não questiona o ideal de beleza, dade é um sistema cultural e simbólico que organiza
ca e lugar – que não se mostra muito dierente hoje e RISON, 2003, p.52) que é lido como natural, óbvio, incontestável, absoluto. sentidos, oerece classiicações, gera identiicações,
aqui -, Pecola vale menos, de qualquer ângulo que se Ela decodica as mensagens da mídia com aceitação, constituindo-se como poder estruturante e, portanto,
olhe. Além da exclusão por ser negra, criança, pobre e Ela nem precisava azer tanta orça assim, p ois já concordância, alinhamento. Mas aceitar desse modelo como um dos sistemas de construção da realidade con-
mulher, Pecola é descrita como uma menina muito eia, era praticamente invisível. Nas palavras da narradora, requer a não aceitação de si mesma. Não há contradição temporânea. Os discursos publicitários atingem a todos
de uma eiúra que se conundia com todos os outros “como alguém poderia ver uma menina negra?” (MOR- na sua recepção das imagens da mídia, mas, dessa or- os que estão expostos a ele, tenham ou não a necessi-
motivos para que ela osse ridicularizada, desrespeitada RISON, 2003, p.52). ma, a menina negra anula seu próprio corpo. Para lidar dade ou as condições de consumir o produto ou ser-
ou simplesmente ignorada. Em sua ragilidade, Peco- De acordo com as ideias que Judith Butler (1999) com as consequências dos abusos soridos, em todas as viço anunciado. Além desse aspecto disseminador, há
la apoia-se numa antasia de admiração pela menina apresenta em Corpos que pesam, há normas no discurso eseras, Pecola cria uma imagem de si descolada da rea- ainda uma pesada carga simbólica, uma extensa gama
pereita dos musicais do cinema americano: rica, bela, de dominação que traçam a linha entre aqueles seres lidade insuportável, num processo de dessubjetivação, de signicados, representações e padrões de compor-
talentosa, loira, de olhos azuis. Ela era tudo aquilo que que interessam a uma sociedade e aqueles que podem dissolvendo-se em psicose. A literatura traz aqui uma tamento intrínsecos às imagens e textos publicitários
Pecola não podia ser, ato esse que não a protegia do ser descartados, os que são abjetos. No título original personagem impotente na relação com a amília, com (CORRÊA, 2006).
encantamento: Bodies that matter , a autora explora os dois signicados a sociedade e com os produtos da cultura midiática. As produções de sentido operadas por essa orma
do signicante matter : o verbo importar , no sentido de comunicação mostram-se abundantes e ricas para a
Frieda lhe trouxe quatro bolachas num pires e leite de ter importância, e o substantivo matéria. Assim, a investigação sobre os enômenos sociais e as ideologias
numa xícara branca e azul com a Shirley emple. Ela expressão pode ser lida também como “corpos que im-
demorou longo tempo para tomar o leite, olhando portam”. Pecola estava completamente ora da norma
MacaBÉa e os aNúNcios – que os perpassam. Jean Baudrillard (1995) sugere que
o objetivo primeiro da publicidade não é a promoção
ternamente para a silhueta do rosto com covinhas de reguladora, ela tinha um corpo que não era visto, não a astúcia de uM coNsuMo de vendas. Para o autor, a unção econômica da pu-
Shirley emple. Frieda e ela conversaram, enternecidas, era considerado, quase desmaterializado: um corpo que suBveRsivo blicidade é secundária, isto é, a adesão aos objetos é
sobre como a Shirley emple era li ndinha. (MORRI- não importava. Não importava para as outras pessoas, e apenas uma consequência - desejável, certamente - da
SON, 2003, p.22,23) é exatamente no encontro com o outro que os sujeitos No romance de Clarice Lispector, Macabéa é uma ala- unção global de integração e coesão social através da
são construídos. goana pobre que trabalha como datilógraa numa ci- gloricação da mercadoria e do mito da elicidade e do
Shirley emple habitava um domínio adorado e Os discursos cristalizados da mídia chocavam-se dade grande. em dezenove anos, não tem amília, não bem-estar coletivo na sociedade de consumo.
sacralizado pela mídia: o reino da beleza, da pureza, da contra a realidade em que vivia a personagem Pecola. tem instrução, às vezes não tem o que comer e masca A publicidade representa situações cotidianas
brancura. No romance, essa gura exerce um ascínio A discrepância evidente entre os dois mundos não era, bolinhas de papel. A moça tem uma espécie de namora- como se estas constituíssem experiências memoráveis,
acalentador sobre a personagem. Pecola sorri ao olhar para ela, motivo de revolta ou de tristeza imediata. A do, que a trata mal e a troca pela colega. Apesar - e por completas, únicas. Construídas, otograadas, lma-
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ReNato
NogueiRa
racismo E biopodEr: Professor de filosofia e educação da
UFRRJ, lotado no Departamento de Edu-
um caso no cação e Sociedade do Instituto Multidisci-
plinar, coordenador do Grupo de Pesquisa
rio dE janEiro Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin) e vice-coordenador do Curso de
contEmporânEo Pós-Graduação Lato Sensu do Laborató-
rio de Estudos Afro-Brasileiros (Leafro). ResuMo
O artigo trabalha com o pensamento político de Michel Foucault
aBstRact
Te article work with the political thought o Michel Foucault.
e tem como objetivo enriquecer o debate contemporâneo sobre Aiming to enrich contemporary debate about anti-black racism
o racismo anti-negro e seus diversos dispositivos, em especial no and its various devices, especially with regard to the technologies
caRla cRistiNa que diz respeito às tecnologias de segurança pública próprias do o biopower own public saety. In order to conront the anti-black
caMpos da silva biopoder. Para problematizar essa importante questão na socie- racism in contemporary Brazilian society through biopower, our
dade brasileira contemporânea, nossa análise incide sobre ações analysis ocuses on police actions and speeches o the state. Te
Estudante de graduação do Curso de Pe- policiais e discursos do Estado. O destaque vai para uma ação highlight is a police action that occurred on September 25, 2009 in
dagogia do Departamento de Educação policial que ocorreu em 25 de setembro de 2009 na cidade do Rio the city o Rio de Janeiro. Te event ended with a black man killed
e Sociedade do Instituto Multidisciplinar, de Janeiro, evento que terminou com um homem negro morto by military police.
da UFRRJ, membro do Grupo de Pesquisa pela Polícia Militar.
Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin). Estuda e pesquisa sob orienta- Keywords: racism, biopower, violence, Rio de Janeiro.
ção do Professor Renato Noguera. Palavras chave: racismo, biopoder, violência, Rio de Janeiro.
co e político. Nesse caso, o poder intervém e interere exerce sobre a população, considerando o aumento e
iNtRoduÇÃo sobre a população, por isso vai ser preciso que o Estado diminuição dos riscos e interdições dentro de uma so-
reúna de modo articulado uma série de saberes aptos ciedade para alguns por meio de critérios raciais.
a azer medições, aerir constantes, ornecer e avaliar Com eeito, o biopoder é um modo de gestão que
Nosso artigo é resultado de uma pequena pesquisa so- dados estatísticos. Em outros termos, azer com que inclui o genocídio da própria população, exercício
bre violência e racismo no Rio de Janeiro, investigação as tecnologias que servem para controlar e gerenciar racista sustentado por critérios técnicos e cientícos.
que tem sido realizada pelo Grupo de Pesquisa Aro- a população uncionem em avor do Estado. O go- Foucault tomou como exemplo o nazismo. “em-se,
perspectivas, Saberes e Interseções (Arosin), integrante verno investido da visibilidade das relações de poder pois, na sociedade nazista (...) uma sociedade que
do Laboratório de Estudos Aro-Brasileiros (Learo) da dene o segmento populacional que deve receber um generalizou absolutamente biopoder” (FOUCAUL,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). tipo especíco de tratamento, promovendo alguns e/ 2002, p.311). Nosso objetivo é problemati zar, dentro
O trabalho reúne, dentro de uma leitura oucaultiana, ou contendo outros, visando um determinado uncio- dos pressupostos oucaultianos do biopoder, o racismo
análises do enômeno de violência urbana e racismo, namento de um sistema social, tal como a repartição anti-negro. Uma leitura cuidadosa da obra de Foucault
problematizando a racialização da violência através ou concentração de determinados beneícios. É neste não deixa dúvidas: o racismo anti-negro não esteve na
do biopoder como modo de gestão estatal contem- contexto que o conceito de raça passa a uncionar como sua pauta de pesquisa. Nosso intuito é pensar com os
porânea dominante. O objetivo do artigo é azer uma uma categoria-chave para o biopoder. Porque à medida instrumentos teóricos de Foucault. Dito de outro modo,
apresentação introdutória do conceito de biopoder e que o biopoder encerra um conjunto de tecnologias que não se trata, somente, de comentar seus textos. Mas, de
problematizá-lo no contexto do Rio de Janeiro, levando dizem respeito à vida, a segmentação da população em pensar a partir a p ertinência do biopoder oucaultiano
em consideração alguns eventos de 1993 até 2009. A raças e o racismo passa a se constituir como um “me- para a compreensão do racismo anti-negro moderno e
pesquisa tem caráter introdutório, em busca de omen- canismo undamental do poder”. contemporâneo, especicamente o racismo na socieda-
tar um debate proícuo em torno da violência urbana e Para Foucault, a emergência do biopoder é condi- de brasileira na primeira década do século 21.
racializada no Rio de Janeiro contemporâneo. ção necessária para inserção do racismo nos mecanis-
mos estatais das sociedades modernas. De tal modo que Nossos tempos, assim, têm alicerçado muitas relações
“quase não haja uncionamento moderno do Estado hegemônicas de poder undamentando-as em justica-
BiopodeR e RacisMo que, em certo momento, em certo limite e em certas
condições, não passe pelo racismo” (FOUCAUL, 2002,
tivas e metáoras de caráter biológico e médico, onde o
que está em jogo é a deesa da ordem social e da vida,
aNti-NegRo No p. 304). É importante risar que o racismo está ligado contra os perigos biológicos, desagregadores e desorde-
Rio de jaNeiRo ao uncionamento de um Estado. “A unção assassina nadores, que certos tipos de pessoas carregam consigo
do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado (CASELO BRANCO, 2009, p.32)
Michel Foucault ez uma proícua pesquisa sobre uncione no modo do biopoder, pelo racismo” (FOU-
os modos de gestão do poder nas sociedades ocidentais CAUL, 2002, p.306). Pois bem, conorme Foucault Um dos resultados do biopoder é a possibilidade
desde o século XVIII. Com os processos de instalação o que é especíco no racismo moderno é o exercício de eliminação de criminosos. Por exemplo, as chacinas
do biopoder, a população passa a ser problema cientí- do biopoder. Ou seja, o direito de morte que o Estado são, em certa medida, eeitos do biopoder. A chacina
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NogueiRa
racismo E biopodEr: Professor de filosofia e educação da
UFRRJ, lotado no Departamento de Edu-
um caso no cação e Sociedade do Instituto Multidisci-
plinar, coordenador do Grupo de Pesquisa
rio dE janEiro Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin) e vice-coordenador do Curso de
contEmporânEo Pós-Graduação Lato Sensu do Laborató-
rio de Estudos Afro-Brasileiros (Leafro). ResuMo
O artigo trabalha com o pensamento político de Michel Foucault
aBstRact
Te article work with the political thought o Michel Foucault.
e tem como objetivo enriquecer o debate contemporâneo sobre Aiming to enrich contemporary debate about anti-black racism
o racismo anti-negro e seus diversos dispositivos, em especial no and its various devices, especially with regard to the technologies
caRla cRistiNa que diz respeito às tecnologias de segurança pública próprias do o biopower own public saety. In order to conront the anti-black
caMpos da silva biopoder. Para problematizar essa importante questão na socie- racism in contemporary Brazilian society through biopower, our
dade brasileira contemporânea, nossa análise incide sobre ações analysis ocuses on police actions and speeches o the state. Te
Estudante de graduação do Curso de Pe- policiais e discursos do Estado. O destaque vai para uma ação highlight is a police action that occurred on September 25, 2009 in
dagogia do Departamento de Educação policial que ocorreu em 25 de setembro de 2009 na cidade do Rio the city o Rio de Janeiro. Te event ended with a black man killed
e Sociedade do Instituto Multidisciplinar, de Janeiro, evento que terminou com um homem negro morto by military police.
da UFRRJ, membro do Grupo de Pesquisa pela Polícia Militar.
Afroperspectivas, Saberes e Interseções
(Afrosin). Estuda e pesquisa sob orienta- Keywords: racism, biopower, violence, Rio de Janeiro.
ção do Professor Renato Noguera. Palavras chave: racismo, biopoder, violência, Rio de Janeiro.
co e político. Nesse caso, o poder intervém e interere exerce sobre a população, considerando o aumento e
iNtRoduÇÃo sobre a população, por isso vai ser preciso que o Estado diminuição dos riscos e interdições dentro de uma so-
reúna de modo articulado uma série de saberes aptos ciedade para alguns por meio de critérios raciais.
a azer medições, aerir constantes, ornecer e avaliar Com eeito, o biopoder é um modo de gestão que
Nosso artigo é resultado de uma pequena pesquisa so- dados estatísticos. Em outros termos, azer com que inclui o genocídio da própria população, exercício
bre violência e racismo no Rio de Janeiro, investigação as tecnologias que servem para controlar e gerenciar racista sustentado por critérios técnicos e cientícos.
que tem sido realizada pelo Grupo de Pesquisa Aro- a população uncionem em avor do Estado. O go- Foucault tomou como exemplo o nazismo. “em-se,
perspectivas, Saberes e Interseções (Arosin), integrante verno investido da visibilidade das relações de poder pois, na sociedade nazista (...) uma sociedade que
do Laboratório de Estudos Aro-Brasileiros (Learo) da dene o segmento populacional que deve receber um generalizou absolutamente biopoder” (FOUCAUL,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). tipo especíco de tratamento, promovendo alguns e/ 2002, p.311). Nosso objetivo é problemati zar, dentro
O trabalho reúne, dentro de uma leitura oucaultiana, ou contendo outros, visando um determinado uncio- dos pressupostos oucaultianos do biopoder, o racismo
análises do enômeno de violência urbana e racismo, namento de um sistema social, tal como a repartição anti-negro. Uma leitura cuidadosa da obra de Foucault
problematizando a racialização da violência através ou concentração de determinados beneícios. É neste não deixa dúvidas: o racismo anti-negro não esteve na
do biopoder como modo de gestão estatal contem- contexto que o conceito de raça passa a uncionar como sua pauta de pesquisa. Nosso intuito é pensar com os
porânea dominante. O objetivo do artigo é azer uma uma categoria-chave para o biopoder. Porque à medida instrumentos teóricos de Foucault. Dito de outro modo,
apresentação introdutória do conceito de biopoder e que o biopoder encerra um conjunto de tecnologias que não se trata, somente, de comentar seus textos. Mas, de
problematizá-lo no contexto do Rio de Janeiro, levando dizem respeito à vida, a segmentação da população em pensar a partir a p ertinência do biopoder oucaultiano
em consideração alguns eventos de 1993 até 2009. A raças e o racismo passa a se constituir como um “me- para a compreensão do racismo anti-negro moderno e
pesquisa tem caráter introdutório, em busca de omen- canismo undamental do poder”. contemporâneo, especicamente o racismo na socieda-
tar um debate proícuo em torno da violência urbana e Para Foucault, a emergência do biopoder é condi- de brasileira na primeira década do século 21.
racializada no Rio de Janeiro contemporâneo. ção necessária para inserção do racismo nos mecanis-
mos estatais das sociedades modernas. De tal modo que Nossos tempos, assim, têm alicerçado muitas relações
“quase não haja uncionamento moderno do Estado hegemônicas de poder undamentando-as em justica-
BiopodeR e RacisMo que, em certo momento, em certo limite e em certas
condições, não passe pelo racismo” (FOUCAUL, 2002,
tivas e metáoras de caráter biológico e médico, onde o
que está em jogo é a deesa da ordem social e da vida,
aNti-NegRo No p. 304). É importante risar que o racismo está ligado contra os perigos biológicos, desagregadores e desorde-
Rio de jaNeiRo ao uncionamento de um Estado. “A unção assassina nadores, que certos tipos de pessoas carregam consigo
do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado (CASELO BRANCO, 2009, p.32)
Michel Foucault ez uma proícua pesquisa sobre uncione no modo do biopoder, pelo racismo” (FOU-
os modos de gestão do poder nas sociedades ocidentais CAUL, 2002, p.306). Pois bem, conorme Foucault Um dos resultados do biopoder é a possibilidade
desde o século XVIII. Com os processos de instalação o que é especíco no racismo moderno é o exercício de eliminação de criminosos. Por exemplo, as chacinas
do biopoder, a população passa a ser problema cientí- do biopoder. Ou seja, o direito de morte que o Estado são, em certa medida, eeitos do biopoder. A chacina
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dossiê temático
da Candelária, na madrugada do dia 23 de julho de que raticou o exercício do biopoder numa entrevis- economist a Marcelo Paix ão (veja grácos em anexo), é um exemplo da prolaxia sociorracial na socieda-
1993, próximo às dependências da Igreja de mesmo ta. “Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na encontramos um cuidadoso estudo que identica os de brasileira, uma estratégia do biopoder. Com isso,
nome, localizada no centro da cidade: seis adolescentes Coréia (perieria) é outra. À medida que se discute eeitos assimétricos do biopoder entre negros (pretos não estamos dizendo que estelionato, porte ilegal de
e dois jovens sem teto oram brutalmente assassinados essa questão do enrentamento, isso benecia a ação e pardos). De acordo com o Mapa da Violência, em arma, urto e assalto são atividades ou opções para os
por policiais militares. Vale lembrar que eram todos do tráco de drogas” ( G1, 23/10/2007). O Secretário mais de 90% desses casos de homicídio as vítimas eram excluídos; mas, queremos problematizar a ausência de
negros. Apesar das especulações sobre o caso, e após estava deendendo a ação policial na Favela da Coréia homens e os mais atingidos oram os negros: se em titubeios, o prazo de negociações. Ou seja, a convicção
dezoito anos passados, as reais razões do desbunde de na semana anterior. A operação policial oi responsá- 2002 morriam 46% mais negros do que brancos, em de que a vida criminosa p ode ser eliminada.
crueldade não são colocadas. A história hoje contada, vel pela morte de 13 pessoas, incluindo uma criança. 2007 a proporção cresceu para 108%” (CORREIO DO O biopoder tem um postulado, “se você quer vi-
como toda a história do Brasil, é passada com mui- A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comentou BRASIL, 30/03/2010). A pesquisa Mapa da Violência ver, é preciso que o outro morra” (FOUCAUL, 2002,
tas lacunas, que a covardia dos homens os impede de que o governo do estado do Rio de Janeiro “assumiu 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil oi eita pelo p.305). O que está em jogo é que a “morte da raça ruim,
contar. Levantam-se hipóteses de vingança, por razões publicamente que, para o governo, o morador de classe sociólogo Julio Jacobo Waiselsz do Instituto Sangari. da raça inerior (...) é o que vai deixar a vida em geral
distintas, porém a mais próxima da verdade parece ser a média da Zona Sul recebe tratamento dierente e tem mais sadia” (Ibidem). Com eeito, no Rio de Janeiro,
que ainda hoje vemos nos noticiários. Policiais contra- direitos de cidadania que o trabalhador que mora na considerando as declarações do Governo no ano de
tados para azer “limpezas” em certas áreas da cidade. avela não tem” ( G1, 23/10/2007).
Sete anos depois, Sandro Barbosa do Nascimento nos O biopoder é “uma espécie de estatização do bio-
o BiopodeR No caso 2007, as ações anteriores já citadas, ao lado do caso
em oco de 2009, a raça ruim é a população que vive
relembra da atrocidade cometida naquele dia, um ato lógico ou, pelo menos, uma certa inclinação (...) que seRgiNho nas perierias/subúrbios e avelas, o que aponta para a
violento que marca mais uma vez a história do Rio de se poderia chamar de estatização do biológico” (FOU- população negra.
Janeiro. Ainda no ano de 1993, no vigésimo nono dia CAUL, 2002, p.286). As tecnologi as do biopoder e suas Em 25 de setembro de 2009, um evento na cidade Rio Serginho era o símbolo e a maniestação do que
do mês de agosto, novo massacre, agora na avela de técnicas são aplicadas conjuntamente por meio de uma de Janeiro merece especial atenção, porque se encaixa deve ser eliminado: homem, negro e jovem. Como já
Vigário Geral: cerca de cinquenta homens encapuzados gestão estatal que incide sobre a vida. Este modo de dentro do que oi proposto pelo nosso trabalho: o exer- oi dito, o Estado az uso da “eliminação das raças e
invadiram o bairro durante a madrugada, arrombando gestão impele o Estado a gerenciar “a proporção dos cício do racismo através da emergência do biopoder. O a puricação da raça para exercer seu poder sobera-
casas e alvejando vinte e um moradores. É oportuno nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a e- ápice oi vivido por três pessoas: Sérgio Ferreira Pinto no” (FOUCAUL, 2002, p.309). Serginho oi mais um
registrar que todos eram pretos e pardos (negros). A cundidade de uma população” (FOUCAUL, 2002, Júnior, o Serginho, na época com 24 anos, negro e que exemplo. Anal, “os Estados mais assassinos são, ao
motivação para os homicídios oi uma suposta vingan- p.290). Em entrevista publicada na página de notícias ugia após ter cometido o crime de assalto; Ana Cristina mesmo tempo, orçosamente os mais racistas” (Ibi-
ça pela morte de outros policiais. Em 15 de abril de do G1 em 24 de outubro de 2007, o então governador Garrido, com 48 anos em 2009, mulher branca e reém dem). A tese que o Estado racista deende é de que a
2005, no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Sérgio Cabral armou que “Você pega o número de de Serginho; major João Jaques Busnello, na ocasião preservação da ordem social estaria garantida à medida
vinte e nove pessoas oram mortas, novamente a notícia lhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, ijuca, com 39 anos, lotado no 6º BPM (ijuca), homem bran- que a orça de coerção eliminasse os criminosos. Os
oi dada e as investigações aconteceram, colocando sob Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na co que estava representando o Estado em sua extensão eliminados e elimináveis são, conorme os dados em
suspeita agentes de segurança pública. É orçoso lem- Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma ábrica coercitiva. anexo, jovens negros.
brar que mais de 80% dos mortos eram negros. de produzir marginal” ( G1, 24/10/2007). Na época, o Serginho tinha o ensino médio completo, estava Serginho representou e encerrou o signo do que
O que estamos problematizando é o aparente pa- governador estava deendendo uma política de ligadura desempregado desde o nascimento da sua lha – com deve ser combatido. Numa ação lmada e aplaudida
radoxo de que orças de segurança do Estado, de modo de trompas para mulheres de bairros como a Rocinha, três anos na época – e tinha passagem pelo sistema pela população tijucana (moradores de um bairro de
extra-ocial, azem exercícios de “limpeza sociorracial”. onde a população negra é superior a 50%. A analogia a prisional. Óbvio que não se trata de sugerir que sua classe média da zona norte), Serginho oi o vilão perei-
Vale ressaltar que todas as crianças e adolescentes as- países aricanos como contraponto a países europeus alternativa, o assalto, seja uma opção a ser considerada to. Anal, o roteiro já estava lá antes da sua chegada. As
sassinadas na Candelária eram negros(as), isto é, raça denota a racialização do enômeno da taxa de natali- diante das constantes negativas de inserção no mercado justicativas já estavam garantidas, se a opinião pública
é um critério para o genocídio autorizado ou não auto- dade. O discurso do Estado uminense, assim como de trabalho. Ele já tinha sido usuário do sistema peni- retrucasse, solicitando um prazo de negociação maior,
rizado. Ou seja, o biopoder unciona numa via dupla. o seu planejamento e suas práticas, é um exercício do tenciário durante nove meses, motivos: porte ilegal de as bases para a réplica e tréplica tinham vindo anos
Por um lado, o direito de matar do Estado está assegu- biopoder. Uma análise de discurso do governador e do arma, estelionato e urto. As dúvidas são sobre o tempo antes, nas entrevistas do governador e do secretário de
rado no combate que é denido como guerra contra o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro no de negociação. O coronel Mário Sérgio, da Polícia Mi- Segurança do Rio de Janeiro no ano de 2007. O coronel
crime. Por outro, de modo desautorizado, a violência ano de 2007 aponta para uma pereita adequação aos litar do Estado do Rio de Janeiro (PM), disse nos blogs Mário Sérgio ez questão de comparar com o caso do
é dirigida para uma parte da população que compar- mecanismos do biopoder, o que por sua vez implica http://marius-sergius.blogspot.com/ e http://pmerj.org/ ônibus 174 alguns anos antes, inormando que “pou-
tilha a ascendência aricana e um histórico de discri- numa estratégia racista. No caso do Estado do Rio de blog/: “Numa ocorrência com reém, o Est ado, que deve par o lobo signicaria sacricar a ovelha” em http://
minação. Ou seja, o monopólio da violência é exercido Janeiro signica dizer que jovens negros têm chances preservar vidas, corre o risco de sacricar a vida ino- marius-sergius.blogspot.com/. Serginho estava no meio
duplamente, dentro dos cânones legais e ora deles. Em signicativamente maiores de morrer em conitos ar- cente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de de uma ação ilegal, disso ninguém duvida. Mas, a cons-
2007, o secretário de Segurança Pública do Estado do mados do que jovens brancos. No Relatório Anual das preservá-las, todas, a qualquer custo”. O Major Busnello trução social racista que insistia em marginalizá-lo oi
Rio de Janeiro era o delegado José Mariano Beltrame Desigualdades no Brasil 2007 – 2008 , organizado pelo da PM oi o responsável pelo tiro certeiro. Essa ação decisiva para que 40 minutos ossem sucientes para
24 25
dossiê temático
da Candelária, na madrugada do dia 23 de julho de que raticou o exercício do biopoder numa entrevis- economist a Marcelo Paix ão (veja grácos em anexo), é um exemplo da prolaxia sociorracial na socieda-
1993, próximo às dependências da Igreja de mesmo ta. “Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na encontramos um cuidadoso estudo que identica os de brasileira, uma estratégia do biopoder. Com isso,
nome, localizada no centro da cidade: seis adolescentes Coréia (perieria) é outra. À medida que se discute eeitos assimétricos do biopoder entre negros (pretos não estamos dizendo que estelionato, porte ilegal de
e dois jovens sem teto oram brutalmente assassinados essa questão do enrentamento, isso benecia a ação e pardos). De acordo com o Mapa da Violência, em arma, urto e assalto são atividades ou opções para os
por policiais militares. Vale lembrar que eram todos do tráco de drogas” ( G1, 23/10/2007). O Secretário mais de 90% desses casos de homicídio as vítimas eram excluídos; mas, queremos problematizar a ausência de
negros. Apesar das especulações sobre o caso, e após estava deendendo a ação policial na Favela da Coréia homens e os mais atingidos oram os negros: se em titubeios, o prazo de negociações. Ou seja, a convicção
dezoito anos passados, as reais razões do desbunde de na semana anterior. A operação policial oi responsá- 2002 morriam 46% mais negros do que brancos, em de que a vida criminosa p ode ser eliminada.
crueldade não são colocadas. A história hoje contada, vel pela morte de 13 pessoas, incluindo uma criança. 2007 a proporção cresceu para 108%” (CORREIO DO O biopoder tem um postulado, “se você quer vi-
como toda a história do Brasil, é passada com mui- A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comentou BRASIL, 30/03/2010). A pesquisa Mapa da Violência ver, é preciso que o outro morra” (FOUCAUL, 2002,
tas lacunas, que a covardia dos homens os impede de que o governo do estado do Rio de Janeiro “assumiu 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil oi eita pelo p.305). O que está em jogo é que a “morte da raça ruim,
contar. Levantam-se hipóteses de vingança, por razões publicamente que, para o governo, o morador de classe sociólogo Julio Jacobo Waiselsz do Instituto Sangari. da raça inerior (...) é o que vai deixar a vida em geral
distintas, porém a mais próxima da verdade parece ser a média da Zona Sul recebe tratamento dierente e tem mais sadia” (Ibidem). Com eeito, no Rio de Janeiro,
que ainda hoje vemos nos noticiários. Policiais contra- direitos de cidadania que o trabalhador que mora na considerando as declarações do Governo no ano de
tados para azer “limpezas” em certas áreas da cidade. avela não tem” ( G1, 23/10/2007).
Sete anos depois, Sandro Barbosa do Nascimento nos O biopoder é “uma espécie de estatização do bio-
o BiopodeR No caso 2007, as ações anteriores já citadas, ao lado do caso
em oco de 2009, a raça ruim é a população que vive
relembra da atrocidade cometida naquele dia, um ato lógico ou, pelo menos, uma certa inclinação (...) que seRgiNho nas perierias/subúrbios e avelas, o que aponta para a
violento que marca mais uma vez a história do Rio de se poderia chamar de estatização do biológico” (FOU- população negra.
Janeiro. Ainda no ano de 1993, no vigésimo nono dia CAUL, 2002, p.286). As tecnologi as do biopoder e suas Em 25 de setembro de 2009, um evento na cidade Rio Serginho era o símbolo e a maniestação do que
do mês de agosto, novo massacre, agora na avela de técnicas são aplicadas conjuntamente por meio de uma de Janeiro merece especial atenção, porque se encaixa deve ser eliminado: homem, negro e jovem. Como já
Vigário Geral: cerca de cinquenta homens encapuzados gestão estatal que incide sobre a vida. Este modo de dentro do que oi proposto pelo nosso trabalho: o exer- oi dito, o Estado az uso da “eliminação das raças e
invadiram o bairro durante a madrugada, arrombando gestão impele o Estado a gerenciar “a proporção dos cício do racismo através da emergência do biopoder. O a puricação da raça para exercer seu poder sobera-
casas e alvejando vinte e um moradores. É oportuno nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a e- ápice oi vivido por três pessoas: Sérgio Ferreira Pinto no” (FOUCAUL, 2002, p.309). Serginho oi mais um
registrar que todos eram pretos e pardos (negros). A cundidade de uma população” (FOUCAUL, 2002, Júnior, o Serginho, na época com 24 anos, negro e que exemplo. Anal, “os Estados mais assassinos são, ao
motivação para os homicídios oi uma suposta vingan- p.290). Em entrevista publicada na página de notícias ugia após ter cometido o crime de assalto; Ana Cristina mesmo tempo, orçosamente os mais racistas” (Ibi-
ça pela morte de outros policiais. Em 15 de abril de do G1 em 24 de outubro de 2007, o então governador Garrido, com 48 anos em 2009, mulher branca e reém dem). A tese que o Estado racista deende é de que a
2005, no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Sérgio Cabral armou que “Você pega o número de de Serginho; major João Jaques Busnello, na ocasião preservação da ordem social estaria garantida à medida
vinte e nove pessoas oram mortas, novamente a notícia lhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, ijuca, com 39 anos, lotado no 6º BPM (ijuca), homem bran- que a orça de coerção eliminasse os criminosos. Os
oi dada e as investigações aconteceram, colocando sob Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na co que estava representando o Estado em sua extensão eliminados e elimináveis são, conorme os dados em
suspeita agentes de segurança pública. É orçoso lem- Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma ábrica coercitiva. anexo, jovens negros.
brar que mais de 80% dos mortos eram negros. de produzir marginal” ( G1, 24/10/2007). Na época, o Serginho tinha o ensino médio completo, estava Serginho representou e encerrou o signo do que
O que estamos problematizando é o aparente pa- governador estava deendendo uma política de ligadura desempregado desde o nascimento da sua lha – com deve ser combatido. Numa ação lmada e aplaudida
radoxo de que orças de segurança do Estado, de modo de trompas para mulheres de bairros como a Rocinha, três anos na época – e tinha passagem pelo sistema pela população tijucana (moradores de um bairro de
extra-ocial, azem exercícios de “limpeza sociorracial”. onde a população negra é superior a 50%. A analogia a prisional. Óbvio que não se trata de sugerir que sua classe média da zona norte), Serginho oi o vilão perei-
Vale ressaltar que todas as crianças e adolescentes as- países aricanos como contraponto a países europeus alternativa, o assalto, seja uma opção a ser considerada to. Anal, o roteiro já estava lá antes da sua chegada. As
sassinadas na Candelária eram negros(as), isto é, raça denota a racialização do enômeno da taxa de natali- diante das constantes negativas de inserção no mercado justicativas já estavam garantidas, se a opinião pública
é um critério para o genocídio autorizado ou não auto- dade. O discurso do Estado uminense, assim como de trabalho. Ele já tinha sido usuário do sistema peni- retrucasse, solicitando um prazo de negociação maior,
rizado. Ou seja, o biopoder unciona numa via dupla. o seu planejamento e suas práticas, é um exercício do tenciário durante nove meses, motivos: porte ilegal de as bases para a réplica e tréplica tinham vindo anos
Por um lado, o direito de matar do Estado está assegu- biopoder. Uma análise de discurso do governador e do arma, estelionato e urto. As dúvidas são sobre o tempo antes, nas entrevistas do governador e do secretário de
rado no combate que é denido como guerra contra o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro no de negociação. O coronel Mário Sérgio, da Polícia Mi- Segurança do Rio de Janeiro no ano de 2007. O coronel
crime. Por outro, de modo desautorizado, a violência ano de 2007 aponta para uma pereita adequação aos litar do Estado do Rio de Janeiro (PM), disse nos blogs Mário Sérgio ez questão de comparar com o caso do
é dirigida para uma parte da população que compar- mecanismos do biopoder, o que por sua vez implica http://marius-sergius.blogspot.com/ e http://pmerj.org/ ônibus 174 alguns anos antes, inormando que “pou-
tilha a ascendência aricana e um histórico de discri- numa estratégia racista. No caso do Estado do Rio de blog/: “Numa ocorrência com reém, o Est ado, que deve par o lobo signicaria sacricar a ovelha” em http://
minação. Ou seja, o monopólio da violência é exercido Janeiro signica dizer que jovens negros têm chances preservar vidas, corre o risco de sacricar a vida ino- marius-sergius.blogspot.com/. Serginho estava no meio
duplamente, dentro dos cânones legais e ora deles. Em signicativamente maiores de morrer em conitos ar- cente ameaçada se agir com vacilações a pretexto de de uma ação ilegal, disso ninguém duvida. Mas, a cons-
2007, o secretário de Segurança Pública do Estado do mados do que jovens brancos. No Relatório Anual das preservá-las, todas, a qualquer custo”. O Major Busnello trução social racista que insistia em marginalizá-lo oi
Rio de Janeiro era o delegado José Mariano Beltrame Desigualdades no Brasil 2007 – 2008 , organizado pelo da PM oi o responsável pelo tiro certeiro. Essa ação decisiva para que 40 minutos ossem sucientes para
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dossiê temático
que o comando da operação autorizasse o disparo. Nos- oucaultiana que opera como racismo antissemita para Razão de mortalidade por formas especicadas de homicídio da população residente acima de cinco anos de
sa observação é que o racismo oi o ator decisivo na o racismo anti-negro no Brasil. Alguns trechos de en- idade segundo os grupos de cor ou r aça (branca e preta & parda) e sexo, Brasil, 2005 (por mil habitantes)
decisão que culminou com o tiro atal do Major Bus- trevistas de representantes do poder público uminense Homens Brancos Homens Pretos & Pardos
nello. Vale registrar que não estamos tratando de ações e ações policiais oram colocadas à luz dos operadores Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
individuais; o que está em jogo não é a ação isolada do conceituais oucaultianos, propiciando um entendi- arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
disparo. Estamos tratando de uma política de Estado, mento do racismo como uma política de Estado, um 1999 22,0 3,5 10,4 33,3 6,0 12,6
de um modo de gestão que ultrapassa o ato de apertar conjunto de políticas constitutivas do Estado brasileiro,
2000 27,2 3,9 8,4 42,6 7,5 9,9
o gatilho. especialmente na sociedade uminense, em avor da
2001 29,7 4,8 7,5 46,6 8,8 8,9
maximização da vida de alguns a partir do assassina-
to direto, como em unção a ampliação de riscos. Em 2002 29,0 4,7 8,1 48,4 9,4 9,9
80
BiBliogRafia _______. A her menêutica do suje ito. 1 a Ed. Martins
Fontes - SP, 2004.
70 67,64 _____________.Resumo dos cursos do Collége de Fran-
61,48 CASELO BRANCO, Guilherme. “Racismo, indivi- ce. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
60 dualismo, biopoder”. Revista de Filosoa Aurora , MAIA, Antônio. C. Sobre a analítica do poder de Fou-
51,93 Curitiba, v. 21, n. 28, p. 29-38, jan./jun. 2009 cault. empo Social: Revista de Sociologia. USP, São
COELHO, Camilo e OLIVEIRA, Djalma. Mãe de assal- Paulo, 7(1-2): 83-103, outubro de 1995.
50
tante morto em Vila Isabel após azer comerciante MELO, Alice. 23 de julho de 1993 – A chacina da Can-
41,88
reém sai em deesa do lho. Disponível em: extra. delária. Disponível em: www.jblog.com.br. Cande-
40 35,83 globo.com. Reportagem - Setembro/2009. lária_Julho/2010.
33,82
DREYFUS, H. e RABINOW, P. Michel Foucault: beyond OBSERVAÓRIO DA IMPRENSA NO RÁDIO – Mapa
30 structuralism and hermeneutics. Chicago: Te Uni- da violência – negro tem 130 vezes mais chances de
versity Chicago Press, 1982. ser assassinado. Disponível em: coletivodar.word-
20 FOUCAUL, M. Em deesa da sociedade. São Paulo: press.com. Violência – Abril/2010.
Martins Fontes, 2002(1). OBSERVAÓRIO NOÍCIAS E ANÁLISES – Até
10 _____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. quando? Disponível em: w ww.observatoriodea-
3,96 4,57 4,43
26 ed. Petrópolis: Vozes, 2002(2). velas.org.br. Editorial – Abril/2009.
3,29 3,71 3,45 _____________. Microísica do poder. Rio de Janeiro: SILVEIRA, Raael. Michel Foucault: poder e análise das
0
1999 2002 2005 Graal, 2005. organizações. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
_______. “O que é a crítica?” IN: BIROLI, Flávia; AL- VEIGA-NEO, Alredo. Foucault & a educação. Belo
Homens negros e pardos Homens brancos Mulheres negras e pardas Mulheres brancas VAREZ, Marcos César (orgs.). Michel Foucault: Horizonte: Autêntica, 2007.
histórias e destinos de um pensamento. Cadernos WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência no Bra-
Fonte: Datasus / Min. Saúde, microdados SIM. IBGE, microdados PNAD da Faculdade de Filosoa e Ciências , Vol.9, n.1. Ma- sil. Disponível em: www.institutosangari.org.br e
Tabulações: LAESER – Fichário das DesigualdadesRaciais rília: Unesp-Marília-Publicações, 2000. terratv.terra.com.br. Violência – Fevereiro/2011.
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dossiê temático
que o comando da operação autorizasse o disparo. Nos- oucaultiana que opera como racismo antissemita para Razão de mortalidade por formas especicadas de homicídio da população residente acima de cinco anos de
sa observação é que o racismo oi o ator decisivo na o racismo anti-negro no Brasil. Alguns trechos de en- idade segundo os grupos de cor ou r aça (branca e preta & parda) e sexo, Brasil, 2005 (por mil habitantes)
decisão que culminou com o tiro atal do Major Bus- trevistas de representantes do poder público uminense Homens Brancos Homens Pretos & Pardos
nello. Vale registrar que não estamos tratando de ações e ações policiais oram colocadas à luz dos operadores Ano Homicídaios por Homicídios por Outras formas de Homicídios por Homicídios por Outras formas de
individuais; o que está em jogo não é a ação isolada do conceituais oucaultianos, propiciando um entendi- arma de fogo arma branca homicídios arma de fogo arma branca homicídios
disparo. Estamos tratando de uma política de Estado, mento do racismo como uma política de Estado, um 1999 22,0 3,5 10,4 33,3 6,0 12,6
de um modo de gestão que ultrapassa o ato de apertar conjunto de políticas constitutivas do Estado brasileiro,
2000 27,2 3,9 8,4 42,6 7,5 9,9
o gatilho. especialmente na sociedade uminense, em avor da
2001 29,7 4,8 7,5 46,6 8,8 8,9
maximização da vida de alguns a partir do assassina-
to direto, como em unção a ampliação de riscos. Em 2002 29,0 4,7 8,1 48,4 9,4 9,9
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BiBliogRafia _______. A her menêutica do suje ito. 1 a Ed. Martins
Fontes - SP, 2004.
70 67,64 _____________.Resumo dos cursos do Collége de Fran-
61,48 CASELO BRANCO, Guilherme. “Racismo, indivi- ce. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
60 dualismo, biopoder”. Revista de Filosoa Aurora , MAIA, Antônio. C. Sobre a analítica do poder de Fou-
51,93 Curitiba, v. 21, n. 28, p. 29-38, jan./jun. 2009 cault. empo Social: Revista de Sociologia. USP, São
COELHO, Camilo e OLIVEIRA, Djalma. Mãe de assal- Paulo, 7(1-2): 83-103, outubro de 1995.
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tante morto em Vila Isabel após azer comerciante MELO, Alice. 23 de julho de 1993 – A chacina da Can-
41,88
reém sai em deesa do lho. Disponível em: extra. delária. Disponível em: www.jblog.com.br. Cande-
40 35,83 globo.com. Reportagem - Setembro/2009. lária_Julho/2010.
33,82
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30 structuralism and hermeneutics. Chicago: Te Uni- da violência – negro tem 130 vezes mais chances de
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20 FOUCAUL, M. Em deesa da sociedade. São Paulo: press.com. Violência – Abril/2010.
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10 _____________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. quando? Disponível em: w ww.observatoriodea-
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26 ed. Petrópolis: Vozes, 2002(2). velas.org.br. Editorial – Abril/2009.
3,29 3,71 3,45 _____________. Microísica do poder. Rio de Janeiro: SILVEIRA, Raael. Michel Foucault: poder e análise das
0
1999 2002 2005 Graal, 2005. organizações. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
_______. “O que é a crítica?” IN: BIROLI, Flávia; AL- VEIGA-NEO, Alredo. Foucault & a educação. Belo
Homens negros e pardos Homens brancos Mulheres negras e pardas Mulheres brancas VAREZ, Marcos César (orgs.). Michel Foucault: Horizonte: Autêntica, 2007.
histórias e destinos de um pensamento. Cadernos WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência no Bra-
Fonte: Datasus / Min. Saúde, microdados SIM. IBGE, microdados PNAD da Faculdade de Filosoa e Ciências , Vol.9, n.1. Ma- sil. Disponível em: www.institutosangari.org.br e
Tabulações: LAESER – Fichário das DesigualdadesRaciais rília: Unesp-Marília-Publicações, 2000. terratv.terra.com.br. Violência – Fevereiro/2011.
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dossiê temático
corpos nEgros
Educados:
notas acErca do
movimEnto nEgro
dE basE acadêmica ResuMo
Neste ensaio, abordo a ormação do movimento negro de base
ResuMÉ
Dans cet essai, j’aborde la ormation du mouvement noir acadé-
acadêmica na década de 1970. Em seguida, discuto brevemente mique dans la décennie de 1970. Ensuite, je discute brèvement la
a constituição dos Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros entre os constituition des Noyaux d’Études Aro-Brésiliennes entre les années
alex Ratts anos 1980 e 1990 e aço reerência à criação dos Coletivos de 1980 et 1990 et ais de la réérence à la création des Collectis d’Étu-
Antropólogo. Professor dos cursos de Estudantes Negros/as na década seguinte, período concomitante diants Noirs dans la décennie suivante, période concomitante à la
graduação e pós-graduação em Geograa à discussão e implementação de Ações Armativas e das cotas discussion et mise en oeuvre d’Actions Armatives et des quotas
e do mestrado em Antropologia da Uni- raciais. Na conclusão, trato da entrada de “corpos negros educa- raciales. Dans la conclusion je reète concernant l’entrée de « corps
versidade Federal de Gois. Coordenador dos” no espaço acadêmico, com signicativa atuação individual noirs instruits » dans l’espace académique, avec signicative peror-
do Laboratório de Estudos de Gênero, e coletiva. mance individuelle et collective.
Étnico-Raciais e Espacialidades do Ins-
tituto de Estudos Sócio-Ambientais da
Universidade Federal de Gois. Palavras chave: negros, movimento negro acadêmico, intelec- Les Mots Clé: mouvement noir académique, intellectuels noirs,
tuais negros, corpos educados. corps instruits.
1974 e 1975, e para a Quinzena do Negro , organizada era religiosa com grupos como os Agentes de Pastoral
iNtRoduÇÃo na Universidade de São Paulo, em 1977, pelo sociólogo Negros e o Movimento Negro Evangélico.
Eduardo Oliveira e Oliveira. Este enômeno exige algumas considerações acerca
Depois discorro brevemente acerca da ormação da pluralidade interna do movimento negro. Nos pri-
O debate público acerca das ações airmativas para de grupos acadêmicos nos anos 1980 e 1990, os cha- meiros anos da reorganização do movimento neg ro, Lé-
grupos sociais historicamente discriminados com oco mados Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) lia Gonzalez (1982) chama a atenção para a pluralidade
para as cotas raciais pode ser inserido numa discussão e, por m, aço reerência à criação de Coletivos de de organizações e para a sua unidade. Posteriormente,
acerca da relação entre educação e corporeidade. Há Estudantes Negros/as (CENs) nos anos 2000, período Joel Runo dos Santos amplia para o passado e o pre-
um notório incômodo com os corpos negros, corpos concomitante à discussão e implementação de Ações sente a gama de entidades com base em levantamento
que pensam, que propõem esse debate, e com as cor- Armativas e das cotas raciais. A conclusão aponta para de Paulo Roberto dos Santos (1984):
poreidades negras que estão adentrando a universidade a entrada e permanência de corpos negros discentes
brasileira de orma coletiva e organizada. e docentes no espaço acadêmico, com signiicativa (...) a melhor denição de movimento negro é: todas
Os anos 1970, período considerado de surgimento atuação individual e coletiva, como portadores de um as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de
do movimento negro contemporâneo, são, para mim, projeto político acadêmico que tem memória e história. qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que
também a época de ormação do que denomino de visavam à autodeesa ísica e cultural do negro], un-
movimento negro de base acadêmica (RAS, 2009). dadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades
Ele se caracteriza pela ação organizada de docentes e
discentes, por vezes de técnicos administrativos, que
a MoviMeNtaÇÃo NegRa religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo],
assistenciais [como as conrarias coloniais], recreativas
se armam negros/as no espaço acadêmico e, na con- No espaÇo acadêMico [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúme-
temporaneidade, constituem grupos de atuação como ros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], cultu-
os Núcleos d e Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) e os Desde a criação das universidades brasileiras, voltadas rais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas
Coletivos de Estudantes Negros, dentre outros. para uma elite social, até o último quartel do século XX, [como o Movimento Negro Unicado]; e ações de mo-
Neste ensaio, que advém de pesquisas e obser- a presença de acadêmicos/as negros/as é uma exceção bilização política, de protesto anti-discriminatório, de
vações que ten ho real izado i ndividualmente ou em que conrma a regra. Nos anos 1970, podemos dizer aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos
conjunto com outros/as pesquisadores/as acerca das que alguns/umas ativistas que participam da reorgani- artísticos, literários e ‘olclóricos’ – toda essa complexa
trajetórias de intelectuais ativistas negros (RAS, zação do movimento negro contemporâneo, também se dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou
2007, 2009; RAS & RIOS, 2010), primeiramente situam no interior de algumas universidades públicas cotidiana, constitui movimento negro. (SANOS, J.
apontamos aquele que consideramos um momento e privadas e chegam a constituir grupos de estudo e de 1994b: p. 157).
inicial de constituição deste campo. Os destaques vãos intervenção neste âmbito, o que me leva a armar a Ampliar este quadro não aponta necessariamen-
para o Grupo de rabalho André Rebouças ormado existência de um movimento negro de base acadêmica te para uma compreensão, pois nem todos os grupos
pela historiadora Beatriz Nascimento e por estudantes ou mais simplesmente um movimento negro acadêmi- negros (ou de maioria negra) culturais, recreativos e
negros/as na Universidade Federal Fluminense entre co para o período, a exemplo do que se observa na es- religiosos conhecidos se identicam como movimento
29
dossiê temático
corpos nEgros
Educados:
notas acErca do
movimEnto nEgro
dE basE acadêmica ResuMo
Neste ensaio, abordo a ormação do movimento negro de base
ResuMÉ
Dans cet essai, j’aborde la ormation du mouvement noir acadé-
acadêmica na década de 1970. Em seguida, discuto brevemente mique dans la décennie de 1970. Ensuite, je discute brèvement la
a constituição dos Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros entre os constituition des Noyaux d’Études Aro-Brésiliennes entre les années
alex Ratts anos 1980 e 1990 e aço reerência à criação dos Coletivos de 1980 et 1990 et ais de la réérence à la création des Collectis d’Étu-
Antropólogo. Professor dos cursos de Estudantes Negros/as na década seguinte, período concomitante diants Noirs dans la décennie suivante, période concomitante à la
graduação e pós-graduação em Geograa à discussão e implementação de Ações Armativas e das cotas discussion et mise en oeuvre d’Actions Armatives et des quotas
e do mestrado em Antropologia da Uni- raciais. Na conclusão, trato da entrada de “corpos negros educa- raciales. Dans la conclusion je reète concernant l’entrée de « corps
versidade Federal de Gois. Coordenador dos” no espaço acadêmico, com signicativa atuação individual noirs instruits » dans l’espace académique, avec signicative peror-
do Laboratório de Estudos de Gênero, e coletiva. mance individuelle et collective.
Étnico-Raciais e Espacialidades do Ins-
tituto de Estudos Sócio-Ambientais da
Universidade Federal de Gois. Palavras chave: negros, movimento negro acadêmico, intelec- Les Mots Clé: mouvement noir académique, intellectuels noirs,
tuais negros, corpos educados. corps instruits.
1974 e 1975, e para a Quinzena do Negro , organizada era religiosa com grupos como os Agentes de Pastoral
iNtRoduÇÃo na Universidade de São Paulo, em 1977, pelo sociólogo Negros e o Movimento Negro Evangélico.
Eduardo Oliveira e Oliveira. Este enômeno exige algumas considerações acerca
Depois discorro brevemente acerca da ormação da pluralidade interna do movimento negro. Nos pri-
O debate público acerca das ações airmativas para de grupos acadêmicos nos anos 1980 e 1990, os cha- meiros anos da reorganização do movimento neg ro, Lé-
grupos sociais historicamente discriminados com oco mados Núcleos de Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) lia Gonzalez (1982) chama a atenção para a pluralidade
para as cotas raciais pode ser inserido numa discussão e, por m, aço reerência à criação de Coletivos de de organizações e para a sua unidade. Posteriormente,
acerca da relação entre educação e corporeidade. Há Estudantes Negros/as (CENs) nos anos 2000, período Joel Runo dos Santos amplia para o passado e o pre-
um notório incômodo com os corpos negros, corpos concomitante à discussão e implementação de Ações sente a gama de entidades com base em levantamento
que pensam, que propõem esse debate, e com as cor- Armativas e das cotas raciais. A conclusão aponta para de Paulo Roberto dos Santos (1984):
poreidades negras que estão adentrando a universidade a entrada e permanência de corpos negros discentes
brasileira de orma coletiva e organizada. e docentes no espaço acadêmico, com signiicativa (...) a melhor denição de movimento negro é: todas
Os anos 1970, período considerado de surgimento atuação individual e coletiva, como portadores de um as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de
do movimento negro contemporâneo, são, para mim, projeto político acadêmico que tem memória e história. qualquer tempo [aí compreendidas mesmo aquelas que
também a época de ormação do que denomino de visavam à autodeesa ísica e cultural do negro], un-
movimento negro de base acadêmica (RAS, 2009). dadas e promovidas por pretos e negros (...). Entidades
Ele se caracteriza pela ação organizada de docentes e
discentes, por vezes de técnicos administrativos, que
a MoviMeNtaÇÃo NegRa religiosas [como terreiros de candomblé, por exemplo],
assistenciais [como as conrarias coloniais], recreativas
se armam negros/as no espaço acadêmico e, na con- No espaÇo acadêMico [como “clubes de negros”], artísticas [como os inúme-
temporaneidade, constituem grupos de atuação como ros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia], cultu-
os Núcleos d e Estudos Aro-Brasileiros (NEABs) e os Desde a criação das universidades brasileiras, voltadas rais [como os diversos “centros de pesquisa”] e políticas
Coletivos de Estudantes Negros, dentre outros. para uma elite social, até o último quartel do século XX, [como o Movimento Negro Unicado]; e ações de mo-
Neste ensaio, que advém de pesquisas e obser- a presença de acadêmicos/as negros/as é uma exceção bilização política, de protesto anti-discriminatório, de
vações que ten ho real izado i ndividualmente ou em que conrma a regra. Nos anos 1970, podemos dizer aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos
conjunto com outros/as pesquisadores/as acerca das que alguns/umas ativistas que participam da reorgani- artísticos, literários e ‘olclóricos’ – toda essa complexa
trajetórias de intelectuais ativistas negros (RAS, zação do movimento negro contemporâneo, também se dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou
2007, 2009; RAS & RIOS, 2010), primeiramente situam no interior de algumas universidades públicas cotidiana, constitui movimento negro. (SANOS, J.
apontamos aquele que consideramos um momento e privadas e chegam a constituir grupos de estudo e de 1994b: p. 157).
inicial de constituição deste campo. Os destaques vãos intervenção neste âmbito, o que me leva a armar a Ampliar este quadro não aponta necessariamen-
para o Grupo de rabalho André Rebouças ormado existência de um movimento negro de base acadêmica te para uma compreensão, pois nem todos os grupos
pela historiadora Beatriz Nascimento e por estudantes ou mais simplesmente um movimento negro acadêmi- negros (ou de maioria negra) culturais, recreativos e
negros/as na Universidade Federal Fluminense entre co para o período, a exemplo do que se observa na es- religiosos conhecidos se identicam como movimento
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dossiê temático
deste processo e ministrou cursos em vários estados ou seja, a pessoa negra passa a ter voz própria no mun-
brasileiros. É diícil estimar a proporção de pessoas gra- do acadêmico, como sujeito coletivo e como individua-
duadas entre os/a undadores das entidades negras nos lidade orte (SANOS, M. 1999). No contexto de uma
estados no período em oco. Parte signicativa dos/as discussão acerca da noção de quilombo, estes novos
ativistas negros/as que undaram as reeridas entidades sujeitos são chamados de “ideólogos negros, teorica-
não tinham passagem pela universidade, tanto que em mente liados às ciências sociais ou por elas inuen-
algumas situações se instaura uma tensão em torno do ciados, preocupados em criar bandeiras de combate,
risco de embranquecimento dos/as acadêmicos/as ne- pontas de lança de ação, ideias arregimentadoras de
negro ou são reconhecidos pelos óruns políticos ne- Esta citação é interessante por três razões: 1) capta a gros/as (RAS, 2007; 2009). consciências e atuações políticas” (BORGES PEREIRA,
gros. O dilema entre cultura e política se instaura par- noção consensual do que signica movimento negro; No caso do movimento negro de base acadêmica, 1983b: XIV) 1.
ticularmente aí, porém, no meu entendimento, trata-se 2) descreve em linhas gerais seus tipos organizativos e, nos anos 1970 e 1980, poucos grupos se identicaram Este é o período em que alguns/umas mestres e
de voltar-se para os critérios de identicação e para o 3) estabelece uma periodização para um movimento ou oram identicados como tal. É o caso do Grupo doutores/as que hoje são reerência dos estudos de re-
campo e orma de atuação de cada grupo. Alguns auto- negro de tipo mais “político”. De ato, boa parte da lite- de rabalho André Rebouças, criado na Universidade lações raciais e das culturas negras, se inseriam nas uni-
res como Márcio André O. dos Santos (2009) preerem ratura sobre este movimento social ala de uma “reno- Federal Fluminense, bem como do GPLUN (Grupo versidades, sobretudo públicas, a exemplo de Kabengele
a expressão no plural – movimentos negros – como se vação” ou “retomada” dos movimentos negros no nal de rabalho de Prossionais Liberais e Universitários Munanga, Muniz Sodré e Joel Runo dos Santos, pos-
o singular previsse uma harmonia, assertiva com a qual dos anos 70. No entanto, outros trabalhos apontam que Negros) de São Paulo e do Grupo Negro da PUC-SP teriormente de Leda Maria Martins, Maria de Lourdes
não concordo, optando pela denominação de Gonzalez o “movimento negro moderno” data do início dos anos (SANOS, I. 2006). Siqueira, Helena Teodoro Lopes, Henrique Cunha Jr.,
e Runo e, mais recentemente, de Rios (2009). 30, transormando-se continuamente (...). (SANOS, A transormação provocada no momento da atu- Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Outros/as inte-
J. Santos sintetiza o quadro do período: M. 2009: p. 237). ação relativamente conjunta de intelectuais ativistas lectuais negros/as ativistas traçam caminhos distintos,
negros/as ou de negros/as intelectuais como preere como é o caso de Clóvis Moura, reconhecido pelos seus
Foi nos anos setenta que a luta organizada contra o ra- O autor provavelmente está tratando de entidades Sales Augusto dos Santos (2007), é pontuada por Rios pares nas universidades.
cismo desembocou, enm, num movimento negro de como Frente Negra Brasileira (FNB), União dos Ho- (2009), que indica que este quadro se verica em outros O movimento negro de base acadêmica se sinto-
amplitude nacional e claramente destacado de outros mens de Cor (UHC) e eatro Experimental do Negro movimentos sociais na América Latina: niza com as outras organizações no enunciado da exis-
movimentos sociais e políticos. Aquilo que os próprios (EN), que atuam na primeira metade de século XX tência do racismo no Brasil, no repensar a nação em
militantes negros convencionaram chamar de movimen- (DOMINGUES, 2007), período durante o qual não (...) os estudos que engrossam a produção sobre mo- plena ditadura militar, e pela busca de uma narrativa
to negro, no entanto, são na verdade cerca de 400 enti- identico uma articulação negra de base acadêmica. vimento negro a p artir dos a nos 7 0 são eitos, em própria, de histórias e memórias negras. O cenário traz
dades, de diversos tipos, rouxamente articuladas entre Uma citação a mais de J. Santos contribui para a grande medida, por intelectuais negros, nacionais e também o quadro das relações entre pesquisadores/as
si – há quem prera mesmo designá-lo por “movimen- percepção da entrada, ainda que reduzida e por vezes estrangeiros, engajados na luta anti-racista. Isso não brancos/as e negros/as que merece levantamentos e
tos negros”, no plural. Há desde organizações políticas superestimada, de jovens negros/as no meio acadêmico: oge, pois, a uma tendência da geração desse período: estudos mais aproundados no que se reere a grupos
rígidas (como o Movimento Negro Unicado, o MNU, muitos militantes e simpatizantes de diversos movi- e eventos, a exemplo do G “emas e problemas da
a mais notória), até instituições semi-acadêmicas (como É preciso lembrar, em seguida, que os movimentos ne- mentos sociais tornam-se pesquisadores dessa orma população negra” da Associação Nacional de Pesquisa
o Grupo André Rebouças, na Universidade Federal Flu- gros são lhos do “boom” educacional dos anos setenta de ação coletiva em toda a América Latina, como oi e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e no
minense), passando por centros autônomos de pesquisa – prolieração de aculdades particulares estimulada muito bem notado por Cardoso (1989) e Gohn (2004). tocante à relação entre orientadores/as brancos/as e
histórica e cultural do negro (como o Centro de Cultura pelo estado como solução para a “crise de vagas no ensi- No caso do movimento negro, esse ato torna-se mais orientandos/as negros/as.
Negra do Maranhão, por exemplo). (1994a: p. 94). no superior”, considerado, geralmente, um ponto crít ico decisivo nos anos 80 em diante, pois na década ante- A trama das trajetórias pessoais e coletivas ca a
das relações sociedade-governo desde 1960. rior ainda podemos vericar uma transição, um mo- merecer maiores reexões. Flávia Rios (2009), ao cote-
J. Santos se reere a um momento em que há pou- De ato, os jovens que undam, nos anos setenta, enti- mento ainda mesclado pelos padrões de pesquisadores jar artigos de Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e
cas entidades nacionais como o MNU, mas também a dades negras de luta contra o racismo, são invariavel- e perspectivas analíticas antigos, juntamente com as Hamilton Cardoso da primeira metade dos anos 1980,
União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), o Grupo mente desta geração universitária. Geração, primeiro, novas tendências tidas como críticas que ameaçavam deixa uma indagação e az uma armação acerca destes
de União e Consciência Negra (undado entre 1978 e do Rio e de São Paulo, onde a prolieração de aculda- aparecer. (p. 266-267) sujeitos: “Quem são eles? O que mais chama a atenção
1980, no seio da igreja católica, com a qual rompe logo des privadas oi maior, mas também dos estados, em nessa produção é o ato dos negros deslocarem-se do
depois) e os Agentes de Pastoral Negros (APNs), orga- que a uga de candidatos brancos para centros mais Para o período em oco, na literatura especíca, lugar de inormantes dos p esquisadores estabelecidos
nização criada em 1983 (SANCHIS, 1999: p. 63-64). No adiantados de ensino abria vagas para negros – é o caso são conhecidos os nomes de Beatriz Nascimento, Lé- para a posição de ensaístas e intelectuais” (p. 266).
entanto, desde meados dos anos 1980, pode-se dizer por exemplo do Maranhão e do Rio Grande do Sul, lia Gonzalez, Eduardo Oliveira e Oliveira e Hamilton
que a ação em escala nacional do MNU e das orga- onde o grande número de “negros doutores” causa es- Cardoso. É preciso ressaltar que Abdias Nascimento,
nizações mencionadas é seguida pela regionalização e panto e gera atritos peculiares (1994a, p. 96). Guerreiro Ramos e Clóvis Moura são pensadores que
nacionalização de outras coletividades, a exemplo dos têm produção escrita desde décadas anteriores. odos 1. João Batista Borges Pereira foi o orientador de Kabengele Mu-
encontros de negros Norte e Nordeste e dos encontros Além da irônica expressão “negros doutores”, que estes/as intelectuais, que acabam por se aproximar e, nanga, Marlene de Oliveira Cunha e Eduardo Oliveira e Oliveira,
nacionais de mulheres negras. remete à presença de licenciados/as e bacharéis no muitas vezes, atuar em conjunto, produziram um ponto que não concluiu a dissertação em virtude de sua morte. A dis-
Márcio André dos Santos comenta o trecho acima movimento, merece relativização esta armação de J. de inexão em que o sujeito negro não deseja ter sua cussão racializada e ideologizada em torno da noção de quilombo
de J. Santos: Santos que, como intelectual reconhecido participou voz suplantada ou inantilizada (GONZALEZ, 1983), é abordada em Ratts (2003).
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dossiê temático
deste processo e ministrou cursos em vários estados ou seja, a pessoa negra passa a ter voz própria no mun-
brasileiros. É diícil estimar a proporção de pessoas gra- do acadêmico, como sujeito coletivo e como individua-
duadas entre os/a undadores das entidades negras nos lidade orte (SANOS, M. 1999). No contexto de uma
estados no período em oco. Parte signicativa dos/as discussão acerca da noção de quilombo, estes novos
ativistas negros/as que undaram as reeridas entidades sujeitos são chamados de “ideólogos negros, teorica-
não tinham passagem pela universidade, tanto que em mente liados às ciências sociais ou por elas inuen-
algumas situações se instaura uma tensão em torno do ciados, preocupados em criar bandeiras de combate,
risco de embranquecimento dos/as acadêmicos/as ne- pontas de lança de ação, ideias arregimentadoras de
negro ou são reconhecidos pelos óruns políticos ne- Esta citação é interessante por três razões: 1) capta a gros/as (RAS, 2007; 2009). consciências e atuações políticas” (BORGES PEREIRA,
gros. O dilema entre cultura e política se instaura par- noção consensual do que signica movimento negro; No caso do movimento negro de base acadêmica, 1983b: XIV) 1.
ticularmente aí, porém, no meu entendimento, trata-se 2) descreve em linhas gerais seus tipos organizativos e, nos anos 1970 e 1980, poucos grupos se identicaram Este é o período em que alguns/umas mestres e
de voltar-se para os critérios de identicação e para o 3) estabelece uma periodização para um movimento ou oram identicados como tal. É o caso do Grupo doutores/as que hoje são reerência dos estudos de re-
campo e orma de atuação de cada grupo. Alguns auto- negro de tipo mais “político”. De ato, boa parte da lite- de rabalho André Rebouças, criado na Universidade lações raciais e das culturas negras, se inseriam nas uni-
res como Márcio André O. dos Santos (2009) preerem ratura sobre este movimento social ala de uma “reno- Federal Fluminense, bem como do GPLUN (Grupo versidades, sobretudo públicas, a exemplo de Kabengele
a expressão no plural – movimentos negros – como se vação” ou “retomada” dos movimentos negros no nal de rabalho de Prossionais Liberais e Universitários Munanga, Muniz Sodré e Joel Runo dos Santos, pos-
o singular previsse uma harmonia, assertiva com a qual dos anos 70. No entanto, outros trabalhos apontam que Negros) de São Paulo e do Grupo Negro da PUC-SP teriormente de Leda Maria Martins, Maria de Lourdes
não concordo, optando pela denominação de Gonzalez o “movimento negro moderno” data do início dos anos (SANOS, I. 2006). Siqueira, Helena Teodoro Lopes, Henrique Cunha Jr.,
e Runo e, mais recentemente, de Rios (2009). 30, transormando-se continuamente (...). (SANOS, A transormação provocada no momento da atu- Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Outros/as inte-
J. Santos sintetiza o quadro do período: M. 2009: p. 237). ação relativamente conjunta de intelectuais ativistas lectuais negros/as ativistas traçam caminhos distintos,
negros/as ou de negros/as intelectuais como preere como é o caso de Clóvis Moura, reconhecido pelos seus
Foi nos anos setenta que a luta organizada contra o ra- O autor provavelmente está tratando de entidades Sales Augusto dos Santos (2007), é pontuada por Rios pares nas universidades.
cismo desembocou, enm, num movimento negro de como Frente Negra Brasileira (FNB), União dos Ho- (2009), que indica que este quadro se verica em outros O movimento negro de base acadêmica se sinto-
amplitude nacional e claramente destacado de outros mens de Cor (UHC) e eatro Experimental do Negro movimentos sociais na América Latina: niza com as outras organizações no enunciado da exis-
movimentos sociais e políticos. Aquilo que os próprios (EN), que atuam na primeira metade de século XX tência do racismo no Brasil, no repensar a nação em
militantes negros convencionaram chamar de movimen- (DOMINGUES, 2007), período durante o qual não (...) os estudos que engrossam a produção sobre mo- plena ditadura militar, e pela busca de uma narrativa
to negro, no entanto, são na verdade cerca de 400 enti- identico uma articulação negra de base acadêmica. vimento negro a p artir dos a nos 7 0 são eitos, em própria, de histórias e memórias negras. O cenário traz
dades, de diversos tipos, rouxamente articuladas entre Uma citação a mais de J. Santos contribui para a grande medida, por intelectuais negros, nacionais e também o quadro das relações entre pesquisadores/as
si – há quem prera mesmo designá-lo por “movimen- percepção da entrada, ainda que reduzida e por vezes estrangeiros, engajados na luta anti-racista. Isso não brancos/as e negros/as que merece levantamentos e
tos negros”, no plural. Há desde organizações políticas superestimada, de jovens negros/as no meio acadêmico: oge, pois, a uma tendência da geração desse período: estudos mais aproundados no que se reere a grupos
rígidas (como o Movimento Negro Unicado, o MNU, muitos militantes e simpatizantes de diversos movi- e eventos, a exemplo do G “emas e problemas da
a mais notória), até instituições semi-acadêmicas (como É preciso lembrar, em seguida, que os movimentos ne- mentos sociais tornam-se pesquisadores dessa orma população negra” da Associação Nacional de Pesquisa
o Grupo André Rebouças, na Universidade Federal Flu- gros são lhos do “boom” educacional dos anos setenta de ação coletiva em toda a América Latina, como oi e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e no
minense), passando por centros autônomos de pesquisa – prolieração de aculdades particulares estimulada muito bem notado por Cardoso (1989) e Gohn (2004). tocante à relação entre orientadores/as brancos/as e
histórica e cultural do negro (como o Centro de Cultura pelo estado como solução para a “crise de vagas no ensi- No caso do movimento negro, esse ato torna-se mais orientandos/as negros/as.
Negra do Maranhão, por exemplo). (1994a: p. 94). no superior”, considerado, geralmente, um ponto crít ico decisivo nos anos 80 em diante, pois na década ante- A trama das trajetórias pessoais e coletivas ca a
das relações sociedade-governo desde 1960. rior ainda podemos vericar uma transição, um mo- merecer maiores reexões. Flávia Rios (2009), ao cote-
J. Santos se reere a um momento em que há pou- De ato, os jovens que undam, nos anos setenta, enti- mento ainda mesclado pelos padrões de pesquisadores jar artigos de Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e
cas entidades nacionais como o MNU, mas também a dades negras de luta contra o racismo, são invariavel- e perspectivas analíticas antigos, juntamente com as Hamilton Cardoso da primeira metade dos anos 1980,
União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), o Grupo mente desta geração universitária. Geração, primeiro, novas tendências tidas como críticas que ameaçavam deixa uma indagação e az uma armação acerca destes
de União e Consciência Negra (undado entre 1978 e do Rio e de São Paulo, onde a prolieração de aculda- aparecer. (p. 266-267) sujeitos: “Quem são eles? O que mais chama a atenção
1980, no seio da igreja católica, com a qual rompe logo des privadas oi maior, mas também dos estados, em nessa produção é o ato dos negros deslocarem-se do
depois) e os Agentes de Pastoral Negros (APNs), orga- que a uga de candidatos brancos para centros mais Para o período em oco, na literatura especíca, lugar de inormantes dos p esquisadores estabelecidos
nização criada em 1983 (SANCHIS, 1999: p. 63-64). No adiantados de ensino abria vagas para negros – é o caso são conhecidos os nomes de Beatriz Nascimento, Lé- para a posição de ensaístas e intelectuais” (p. 266).
entanto, desde meados dos anos 1980, pode-se dizer por exemplo do Maranhão e do Rio Grande do Sul, lia Gonzalez, Eduardo Oliveira e Oliveira e Hamilton
que a ação em escala nacional do MNU e das orga- onde o grande número de “negros doutores” causa es- Cardoso. É preciso ressaltar que Abdias Nascimento,
nizações mencionadas é seguida pela regionalização e panto e gera atritos peculiares (1994a, p. 96). Guerreiro Ramos e Clóvis Moura são pensadores que
nacionalização de outras coletividades, a exemplo dos têm produção escrita desde décadas anteriores. odos 1. João Batista Borges Pereira foi o orientador de Kabengele Mu-
encontros de negros Norte e Nordeste e dos encontros Além da irônica expressão “negros doutores”, que estes/as intelectuais, que acabam por se aproximar e, nanga, Marlene de Oliveira Cunha e Eduardo Oliveira e Oliveira,
nacionais de mulheres negras. remete à presença de licenciados/as e bacharéis no muitas vezes, atuar em conjunto, produziram um ponto que não concluiu a dissertação em virtude de sua morte. A dis-
Márcio André dos Santos comenta o trecho acima movimento, merece relativização esta armação de J. de inexão em que o sujeito negro não deseja ter sua cussão racializada e ideologizada em torno da noção de quilombo
de J. Santos: Santos que, como intelectual reconhecido participou voz suplantada ou inantilizada (GONZALEZ, 1983), é abordada em Ratts (2003).
30 31
dossiê temático
dossiê temático
O seu ponto de partida com o “objeto de estudo” é proposta por quem era objeto de estudo de médicos, Para ele e para ela os/as estudantes e intelectuais particular ao cientista negro), manter uma neutralidade
vem de um circuito próximo, de seu ambiente amiliar olcloristas, antropólogos, sociólogos e que ora objeto negros/as não devem se distanciar das coletividades ne- valorativa” (OLIVEIRA, 1977, p. 26).
com parentes e amigos/as que são lideranças religiosas: de intervenção de mercadores, latiundiários, religio- gras, quaisquer que sejam e onde quer que estejam: bai- Para o autor a experiência deve balizar a constru-
“percebi que havia uma orte identicação entre mim sos, senhoras e senhores de toda ordem. les Black, escolas de samba, terreiros, avelas. Para ele, ção de uma ciência para e não tanto sobre o negro, ou,
e o grupo que pesquisava. Sentia que azia parte do Cabe destacar que na Quinzena do Negro aconte- o nome construído e a titulação são i mportantes, mas por exemplo, de uma sociologia, historiograa, eco-
mesmo processo” (p. 18). Os escritos de Beatriz Nas- ce uma mesa redonda com estudantes aro-brasileiros deve-se ter o cuidado de não se submeter ao segmento nomia ou antropologia negras, como reação e como
cimento e o estudo de Marlene Oliveira Cunha – que com a participação de Raael Pinto, que cursava Ci- racialmente hegemônico: “Hoje, depois de dez anos ou construção ace ao quadro das ciências humanas no
aborda corpo e linguagem – exemplicam uma parte ências Sociais na USP, Hamilton Cardoso, estudante doze de trabalho, já me mandam entrar e sentar, porque tocante aos estudos de relações raciais 7. O autor pros-
do projeto político acadêmico do Grupo de rabalho de jornalismo, e mais dois nomes mencionados como eu sou Eduardo Oliveira e Oliveira que tenho um título, segue propugnando a ideia de uma “ciência negra” e,
André Rebouças. Márcio e Andrada. Na plateia há militantes de uma que não pretende ser doutor, que não se branqueou, por conseguinte, de “cientistas negros”:
geração anterior, pesquisadoras e pesquisadores das mas que usa disso como instrumento de trabalho para
culturas negras e das relações raciais. se armar como negro e ajudar outros negros a se ar- Os cientistas negros, inuenciados pessoalmente por
“Nós teMos diReito a essa Como parte do evento, Beatriz Nascimento proere
a conerência Historiograa do Quilombo. Ela era ami-
marem como tal”6.
Em termos de aixa etária, estes/as intelectuais não
sua experiência de negros, devem estabelecer uma in-
vestida “perceptiva”, tentando conhecer os enômenos a
iNstituiÇÃo”: a QuiNZeNa ga de Eduardo Oliveira e Oliveira com quem já havia são tão jovens: Beatriz está com 33 anos, Eduardo tem serem estudados como sujeito/objetos que são de suas
do NegRo Na usp trabalhado nas “semanas de estudos” do GAR na UFF. 49 e Hamilton 24 anos. êm artigos e ensaios publicados abordagens. Convém também lembrar que a ciência
Na conerência a pesquisadora e ativista demarca sua e participam de circuitos intelectuais e políticos de rela- que ez do negro um objeto de estudo, jamais pensou
Em outubro de 1977, o então mestrando em Antro- posição ace ao que se discutia e produzia na historio- tiva visibilidade para o período. Nos estados de Rio de que este objeto questionaria sua suposta “objetivida-
pologia na USP, Eduardo Oliveira e Oliveira, organiza graa brasileira: “Quando cheguei na universidade a Janeiro e São Paulo organizam debates e outros eventos de” quando detivesse os instrumentos necessários para
a Quinzena do Negro naquela instituição. O evento, coisa que mais me chocava era o eterno estudo sobre o em que acadêmicos/as e ativistas problematizam suas avaliá-la (1977, p. 26).
do qual existem registros impressos e audiovisuais, é escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da demandas de ormação e de atuação social. São questio-
composto por mesas, conerências e exposição, com nação como mão de obra escrava, como mão de obra nadores/as qualicados/as do racismo brasileiro. Con- O interesse do sociólogo e ativista, neste caso, é
divulgação na imprensa paulista. 4 É necessário lembrar pra azenda e pra mineração” (NASCIMEN O, 1989). tudo, não alavam em uníssono, têm individualidade. a ormação e o posicionamento do intelectual negro:
que o evento ocorre durante a ditadura militar. O que ela propõe não é uma simples troca de termos, Em artigo de 1974, Beatriz Nascimento propugna
No texto/maniesto do evento, Oliveira indica que de “escravo” por “negro”. A escravidão de aricanos e “uma história do homem negro” em que osse colocada Em que medida o “intelectual negro” deve se libertar
um dos propósitos é “revelar alguns brasileiros que têm aricanas por sua extensão espacial e temporal mar- também a subjetividade do pesquisador/a: “Devemos dos clichês relativos ao problema negro? O intelectual
contribuído para a história pátria (...) – e que têm per- cou indelevelmente a experiência negra na Árica, na azer a nossa História, buscando nós mesmos, jogando lato-sensu é um homem que contribui com idéias ori-
manecido à margem desta história, porque seus cro- América, na Europa. Mas a interpretação do “indivíduo nosso inconsciente, nossas rustrações, nossos comple- ginais, novas descobertas e inormações no conjunto
nistas, aqueles que com ela se identicam, não tiveram escravizado” como um ser coisicado é um ônus ex- xos, estudando-os, não os enganando” (NASCIMEN- já existente do conhecimento. Um “intelectual negro”
até agora os meios exigidos para que se tornem arautos cessivamente pesado, que diculta a compreensão do O, 1974b, p.44). Por seus escritos, presumo que não é uma espécie à parte. Nos ombros dele recai uma ou-
dessas verdades” (OLIVEIRA, 2001, p. 287). O autor e indivíduo negro como pessoa. se trata de azer uma auto-análise em todos os textos e tra tarea, a de descolonizar sua mente de maneira que
ativista identica as diíceis condições da ormação de A ênase na dierença questiona a subsunção do sim trazer elementos da reexividade. possa guiar outros intelectuais e estudantes na procura
um pensamento negro: a alta de meios para produção “negro” ou da “raça” na variável classe ou no rol de No mesmo ano, Eduardo Oliveira e Oliveira pu- da liberdade. (IDEM, p. 26, grio do autor).
da verdade. Por verdade, entendo não “A Verdade” ab- outras identidades, perspectiva com a qual ainda nos blica uma resenha crítica do livro de Carl Degler ( Nem
soluta que paira acima dos seres humanos, mas a vonta- debatemos. À semelhança de Oliveira, o propósito de preto nem branco: escravidão e relações raciais no Brasil O autor segue apontando o que seriam para ele os
de de verdade, posicionada, voz própria que emerge em Nascimento é o reposicionamento da pessoa negra e nos Estados Unidos ), apontando a diculdade de en- elementos deste processo que deve levar a uma trans-
territórios discursivos. Voz de p ensadores/as negros/ como sujeito na ocupação de espaços sociais, no caso, tendimento da desigualdade preto/branco pelo “mu- ormação social: “O cientista negro precisa se tornar
as. “Voz que vem do interior”, como indico em outro o acadêmico. Na intervenção, após a conerência de Be- lato” ace ao mito da democracia racial (OLIVEIRA, um teórico e precursor da mudança social, a partir de
artigo (RAS, 2003). atriz Nascimento, Eduardo Oliveira e Oliveira enuncia 1974). Na comunicação intitulada Etnia e compromisso seu próprio grupo, para o que necessita, além de enga-
Nesse sentido, Eduardo Oliveira e Oliveira sinte- mais um aspecto do projeto político: “Nós temos direito intelectual , datada do mesmo ano da Quinzena do Ne- jamento pessoal, desenvolver novas técnicas e perspec-
tiza o propósito maior do evento: “um aspecto que nos a essa instituição. Sobretudo essa aqui [a USP] que é gro , o autor az algumas indagações acerca de quem tivas” (IDEM, p. 26).
parece da maior relevância – revelar o negro como cria- pública. E o ato de azer [a Quinzena do Negro ] den- é (e de quem pode ser) intelectual no Brasil e da ne-
dor e criatura. Numa palavra: Sujeito” (IDEM). Vemos tro dessa universidade é porque a universidade assume cessidade de armação do intelectual negro, sem ne- 7. Oliveira relata que defendera esta proposição em vários eventos,
que a constituição de um lugar de ala enquanto sujeito a sua possibilidade de universidade para ormar mais gar sua condição social: “Vivemos num mundo onde inclusive na 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
negros”5. a cor, a etnicidade e a classe social são de primordial Progresso da Ciência (realizada em São Paulo, de 6 a 13 de julho
4. Fez parte da semana uma exposição organizada por Marian- importância, sendo assim impossível ao cientista (e em de 1977), no simpósio “Brasil Negro” por ele coordenado, por meio
no Carneiro da Cunha, então diretor do Museu de Arqueologia e 5. Transcrição do filme Ori . Direção de R aquel Gerber. Angra fil- de uma comunicação intitulada “De uma ciência Para e não tanto
Etnologia da USP. mes, 1989. 6. Idem. Sobre o negro” (IDEM: p. 22).
34 35
dossiê temático
O seu ponto de partida com o “objeto de estudo” é proposta por quem era objeto de estudo de médicos, Para ele e para ela os/as estudantes e intelectuais particular ao cientista negro), manter uma neutralidade
vem de um circuito próximo, de seu ambiente amiliar olcloristas, antropólogos, sociólogos e que ora objeto negros/as não devem se distanciar das coletividades ne- valorativa” (OLIVEIRA, 1977, p. 26).
com parentes e amigos/as que são lideranças religiosas: de intervenção de mercadores, latiundiários, religio- gras, quaisquer que sejam e onde quer que estejam: bai- Para o autor a experiência deve balizar a constru-
“percebi que havia uma orte identicação entre mim sos, senhoras e senhores de toda ordem. les Black, escolas de samba, terreiros, avelas. Para ele, ção de uma ciência para e não tanto sobre o negro, ou,
e o grupo que pesquisava. Sentia que azia parte do Cabe destacar que na Quinzena do Negro aconte- o nome construído e a titulação são i mportantes, mas por exemplo, de uma sociologia, historiograa, eco-
mesmo processo” (p. 18). Os escritos de Beatriz Nas- ce uma mesa redonda com estudantes aro-brasileiros deve-se ter o cuidado de não se submeter ao segmento nomia ou antropologia negras, como reação e como
cimento e o estudo de Marlene Oliveira Cunha – que com a participação de Raael Pinto, que cursava Ci- racialmente hegemônico: “Hoje, depois de dez anos ou construção ace ao quadro das ciências humanas no
aborda corpo e linguagem – exemplicam uma parte ências Sociais na USP, Hamilton Cardoso, estudante doze de trabalho, já me mandam entrar e sentar, porque tocante aos estudos de relações raciais 7. O autor pros-
do projeto político acadêmico do Grupo de rabalho de jornalismo, e mais dois nomes mencionados como eu sou Eduardo Oliveira e Oliveira que tenho um título, segue propugnando a ideia de uma “ciência negra” e,
André Rebouças. Márcio e Andrada. Na plateia há militantes de uma que não pretende ser doutor, que não se branqueou, por conseguinte, de “cientistas negros”:
geração anterior, pesquisadoras e pesquisadores das mas que usa disso como instrumento de trabalho para
culturas negras e das relações raciais. se armar como negro e ajudar outros negros a se ar- Os cientistas negros, inuenciados pessoalmente por
“Nós teMos diReito a essa Como parte do evento, Beatriz Nascimento proere
a conerência Historiograa do Quilombo. Ela era ami-
marem como tal”6.
Em termos de aixa etária, estes/as intelectuais não
sua experiência de negros, devem estabelecer uma in-
vestida “perceptiva”, tentando conhecer os enômenos a
iNstituiÇÃo”: a QuiNZeNa ga de Eduardo Oliveira e Oliveira com quem já havia são tão jovens: Beatriz está com 33 anos, Eduardo tem serem estudados como sujeito/objetos que são de suas
do NegRo Na usp trabalhado nas “semanas de estudos” do GAR na UFF. 49 e Hamilton 24 anos. êm artigos e ensaios publicados abordagens. Convém também lembrar que a ciência
Na conerência a pesquisadora e ativista demarca sua e participam de circuitos intelectuais e políticos de rela- que ez do negro um objeto de estudo, jamais pensou
Em outubro de 1977, o então mestrando em Antro- posição ace ao que se discutia e produzia na historio- tiva visibilidade para o período. Nos estados de Rio de que este objeto questionaria sua suposta “objetivida-
pologia na USP, Eduardo Oliveira e Oliveira, organiza graa brasileira: “Quando cheguei na universidade a Janeiro e São Paulo organizam debates e outros eventos de” quando detivesse os instrumentos necessários para
a Quinzena do Negro naquela instituição. O evento, coisa que mais me chocava era o eterno estudo sobre o em que acadêmicos/as e ativistas problematizam suas avaliá-la (1977, p. 26).
do qual existem registros impressos e audiovisuais, é escravo. Como se nós só tivéssemos existido dentro da demandas de ormação e de atuação social. São questio-
composto por mesas, conerências e exposição, com nação como mão de obra escrava, como mão de obra nadores/as qualicados/as do racismo brasileiro. Con- O interesse do sociólogo e ativista, neste caso, é
divulgação na imprensa paulista. 4 É necessário lembrar pra azenda e pra mineração” (NASCIMEN O, 1989). tudo, não alavam em uníssono, têm individualidade. a ormação e o posicionamento do intelectual negro:
que o evento ocorre durante a ditadura militar. O que ela propõe não é uma simples troca de termos, Em artigo de 1974, Beatriz Nascimento propugna
No texto/maniesto do evento, Oliveira indica que de “escravo” por “negro”. A escravidão de aricanos e “uma história do homem negro” em que osse colocada Em que medida o “intelectual negro” deve se libertar
um dos propósitos é “revelar alguns brasileiros que têm aricanas por sua extensão espacial e temporal mar- também a subjetividade do pesquisador/a: “Devemos dos clichês relativos ao problema negro? O intelectual
contribuído para a história pátria (...) – e que têm per- cou indelevelmente a experiência negra na Árica, na azer a nossa História, buscando nós mesmos, jogando lato-sensu é um homem que contribui com idéias ori-
manecido à margem desta história, porque seus cro- América, na Europa. Mas a interpretação do “indivíduo nosso inconsciente, nossas rustrações, nossos comple- ginais, novas descobertas e inormações no conjunto
nistas, aqueles que com ela se identicam, não tiveram escravizado” como um ser coisicado é um ônus ex- xos, estudando-os, não os enganando” (NASCIMEN- já existente do conhecimento. Um “intelectual negro”
até agora os meios exigidos para que se tornem arautos cessivamente pesado, que diculta a compreensão do O, 1974b, p.44). Por seus escritos, presumo que não é uma espécie à parte. Nos ombros dele recai uma ou-
dessas verdades” (OLIVEIRA, 2001, p. 287). O autor e indivíduo negro como pessoa. se trata de azer uma auto-análise em todos os textos e tra tarea, a de descolonizar sua mente de maneira que
ativista identica as diíceis condições da ormação de A ênase na dierença questiona a subsunção do sim trazer elementos da reexividade. possa guiar outros intelectuais e estudantes na procura
um pensamento negro: a alta de meios para produção “negro” ou da “raça” na variável classe ou no rol de No mesmo ano, Eduardo Oliveira e Oliveira pu- da liberdade. (IDEM, p. 26, grio do autor).
da verdade. Por verdade, entendo não “A Verdade” ab- outras identidades, perspectiva com a qual ainda nos blica uma resenha crítica do livro de Carl Degler ( Nem
soluta que paira acima dos seres humanos, mas a vonta- debatemos. À semelhança de Oliveira, o propósito de preto nem branco: escravidão e relações raciais no Brasil O autor segue apontando o que seriam para ele os
de de verdade, posicionada, voz própria que emerge em Nascimento é o reposicionamento da pessoa negra e nos Estados Unidos ), apontando a diculdade de en- elementos deste processo que deve levar a uma trans-
territórios discursivos. Voz de p ensadores/as negros/ como sujeito na ocupação de espaços sociais, no caso, tendimento da desigualdade preto/branco pelo “mu- ormação social: “O cientista negro precisa se tornar
as. “Voz que vem do interior”, como indico em outro o acadêmico. Na intervenção, após a conerência de Be- lato” ace ao mito da democracia racial (OLIVEIRA, um teórico e precursor da mudança social, a partir de
artigo (RAS, 2003). atriz Nascimento, Eduardo Oliveira e Oliveira enuncia 1974). Na comunicação intitulada Etnia e compromisso seu próprio grupo, para o que necessita, além de enga-
Nesse sentido, Eduardo Oliveira e Oliveira sinte- mais um aspecto do projeto político: “Nós temos direito intelectual , datada do mesmo ano da Quinzena do Ne- jamento pessoal, desenvolver novas técnicas e perspec-
tiza o propósito maior do evento: “um aspecto que nos a essa instituição. Sobretudo essa aqui [a USP] que é gro , o autor az algumas indagações acerca de quem tivas” (IDEM, p. 26).
parece da maior relevância – revelar o negro como cria- pública. E o ato de azer [a Quinzena do Negro ] den- é (e de quem pode ser) intelectual no Brasil e da ne-
dor e criatura. Numa palavra: Sujeito” (IDEM). Vemos tro dessa universidade é porque a universidade assume cessidade de armação do intelectual negro, sem ne- 7. Oliveira relata que defendera esta proposição em vários eventos,
que a constituição de um lugar de ala enquanto sujeito a sua possibilidade de universidade para ormar mais gar sua condição social: “Vivemos num mundo onde inclusive na 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
negros”5. a cor, a etnicidade e a classe social são de primordial Progresso da Ciência (realizada em São Paulo, de 6 a 13 de julho
4. Fez parte da semana uma exposição organizada por Marian- importância, sendo assim impossível ao cientista (e em de 1977), no simpósio “Brasil Negro” por ele coordenado, por meio
no Carneiro da Cunha, então diretor do Museu de Arqueologia e 5. Transcrição do filme Ori . Direção de R aquel Gerber. Angra fil- de uma comunicação intitulada “De uma ciência Para e não tanto
Etnologia da USP. mes, 1989. 6. Idem. Sobre o negro” (IDEM: p. 22).
34 35
dossiê temático
Oliveira se reerencia em uma assertiva de Roger realizam projetos de extensão e de qualicação de pro- tem para a população negra e também porque podem anulado, tem que passar despercebido” (2001, p. 115).
Bastide que merece citação: de que “o sábio que se de- essores/as para a educação das relações étnico-raciais abrigar discentes de outras universidades, do ensino Para a autora, este aastamento do corpo como assunto
bruçar sobre os problemas aro-brasileiros encontra- (no espírito da lei 10639/03) e elaboram propostas de médio ou não se circunscrever ao público estudantil. escolar e acadêmico, implica, de certo modo, no dis-
-se, pois, implicado, queira ou não em um problema ações armativas para a população negra. Desde 2001 surgem: Enegreser, na UnB em Brasília; tanciamento de temas que remetem à subjetividade, à
angustiante” e que deve proceder “no decorrer de sua A presença de proessores/as e estudantes negros/ Coletivo de Estudantes Negros e Negras Beatriz Nasci- emoção, à paixão:
pesquisa, uma outra pesquisa, paralela, sobre ele mes- as se torna mais organizada e articulada. São reali- mento (CANBENAS), na UFG em Goiânia; na Bahia,
mo; uma espécie de auto-psicanálise intelectual, e isto, zados eventos como o I Encontro de Docentes, Pes- o Núcleo de Estudantes Negras e Negros na UFBA e o Não há muito ensino ou aprendizagem apaixonada
seja ele branco ou negro” (BASIDE apud OLIVEIRA, quisadores e Pós-Graduandos Negros , na Faculdade de UBUNU – Núcleo de Estudantes Negros e Negras na na educação superior hoje em dia. Mesmo onde estu-
1977, p. 27). O autor conclui: “O negro ‘intelectual’, en- Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista UNEB, o Coletivo Denegrir na UERJ, Rio de Janeiro. dantes estão desesperadamente desejando ser tocados
curralado na sua condição primeira e primeva de raça, (UNESP) - Campus Marília, em 1989, e o Seminário Neste sentido, ainda que contem com o apoio de um/a pelo conhecimento, proessoras e proessores ainda têm
sujeito/objeto de seu trabalho, não tem outra opção. Nacional de Universitários Negros, em Salvador, no ou outro/a docente, os Coletivos de Estudantes Negros medo do desao, ainda deixam que suas preocupações
Não está lidando com um assunto (é preciso que ele ano de 1993, que tem como tema “A universidade que marcam com expressão própria o cenário de algumas sobre perda de controle prevaleçam sobre seus desejos
saiba), mas uma causa” (IDEM, p. 27, grios do autor). o povo negro quer”. Este processo culmina em 2000, instituições de ensino superior, particularmente as uni- de ensinar.
Para o/a intelectual negro/a ativista a escolha do em Recie, na UFPE, com a organização do I Con- versidades públicas. Em 2004, no III Congresso Brasi- Ao mesmo tempo, aqueles e aquelas de nós que ensina-
campo de estudos e pesquisas vem acompanhada da gresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, no qual é leiro de Estudantes Negros há a tentativa de criação de mos os mesmos velhos assuntos das mesmas velhas ma-
reexividade de suas condições e de seus posiciona- criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Ne- uma Associação Nacional de Estudantes Negros que neiras estamos, muitas vezes, intimamente aborrecidos
mentos. O sujeito “az parte da matéria investigada” gros (ABPN), proposição do engenheiro e educador não logra eeito. – incapazes de reacender paixões que um dia podíamos
(NASCIMENO, 1978, p. 41). Armar-se racialmente Henrique Cunha Jr.. Como participantes deste cená- Os NEABs, presentes em todo o território nacio- ter sentido (hooks, 2001, p.122-123)
na academia não implica em ter certezas inquestioná- rio, estão graduandos/as e p ós-graduandos/as que nal, em instituições de ensino superior, públicas e pri-
veis ou acilidades no estudo das relações raciais. Este posteriormente assumem a docência e participam da vadas, marcados pela presença de intelectuais negros/as emas ligados à questão étnico-racial, mas tam-
é um complexo processo de orientação, balizamento consolidação e criação de NEABs, situação na qual me ativistas e qualicados como núcleos de ensino, pesqui- bém ao gênero e à sexualidade, por exemplo, remetem
e ormação. incluo, o que me permite tecer considerações como sa e extensão, nem sempre se denem e são reconheci- ao campo da subjetividade, e, para alguns/umas pes-
observador participante. dos como grupos negros, posto que podem contar em quisadores/as negros/as são apaixonantes, comoventes,
Criado em 2004, no III Congresso Brasileiro de maior ou menor grau com a presença de pesquisadores sem necessariamente incorrer em sentimentalismo.
coRpos doceNtes Pesquisadores Negros, realizado na UFMA em São Luís
do Maranhão, o Consórcio de NEABs e grupos correla-
e proessores/as de outros segmentos étnico-raciais. Os
Coletivos de Estudantes são i denticados prontamen-
Sem essencialismo, o corpo é uma das principais
reerências da raça (mas também do gênero e da sexu-
e disceNtes NegRos: tos conta inicialmente com a participação de 16 grupos te como grupos negros e demonstram a preocupação alidade). O corpo é “educado” e na educação ormal
os NeaB e os ceN e hoje soma 76 núcleos 8. Alguns/umas pesquisadores/ com sua qualicação prossional e o ativismo, posto temos corpos – docentes e discentes, mais usados como
as dos NEABs, concentrados/as na área das Humani- que muitos/as realizam seus trabalhos de conclusão de metáoras, distantes do signicante corpóreo. Proesso-
dades, tornam-se reerência no campo dos estudos das curso no campo das relações raciais, encaminhando-se ras/es e estudantes têm corpo (hooks, 2001), são corpos
O quadro desenhado por ativistas negros/as no espaço relações raciais, muitas vezes abordados na perspectiva para a pós-graduação, derontando-se por vezes com a em processo de educação, são corpos educados. Corpos
acadêmico nos anos 1970 reverbera no Rio de Janeiro da interseccionalidade com as variáveis classe, gênero alta de orientação nas suas áreas de ormação. Ambas docentes e discentes.
e em São Paulo, como é o caso da inuência de Beatriz e outras. Um processo de internacionalização dos/as as coletividades estão a merecer uma observação de Nas escolas e nas universidades transitam, se en-
Nascimento e Eduardo Oliveira e Oliveira e também de pesquisadores/as negros brasileiros/as está em curso. maior acuidade. contram e se conrontam corpos emininos e masculi-
Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e outros/as que Iniciativas dos/as ativistas preocupados/as com o nos, negros e brancos, heterossexuais e homossexuais
também percorriam o país num processo de ormação acesso à universidade se inserem neste quadro, a exem- em construção e, em algumas situações, sem denição
para além dos espaços educação ormal contando com
intelectuais “locais”.
plo da Cooperativa Stive Biko de Salvador e dos Cur-
sinhos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (SAN-
coRpos NegRos educados: de raça, gênero ou orientação sexual. Nem sempre
acontece o necessário e adequado reconhecimento das
Nos anos 1980, são criados alguns Núcleos de Es- OS, R., 2006). Neste sentido, observa-se por todo o uMa digRessÃo a tÍtulo identidades, das dierenças, das culturas, dos corpos
tudos Aro-Brasileiros, protagonizados por mestres e país um processo de discussão e implementação das de coNclusÃo dierenciados (racializados, etnicizados e genericados)
doutores negros/as e com a colaboração de intelectuais Ações Armativas para a população negra e particu- e também das incertezas, das indenições, das trans-
brancos/as e outros. É o caso do NEAB-UFAL, NEAB- larmente das cotas raciais, a partir sobretudo de 2001. ormaçõescorpóreas.
-UFMA, CEAB-UCG (PUC-GO). Outros são criados Neste contexto surgem Coletivos de Estudantes A expressão que dá título a este artigo advém da relei- Os corpos racializados estão no currículo, nos li-
na década seguinte: NEAB/UFSCar, PENESB-UFF, Negros (CENs) que se estendem por vários estados, tura do título e do conteúdo do livro organizado por vros didáticos e paradidáticos (tanto nos textos quanto
NUPE-UNESP e NEN-SC. mantendo uma posição de crítica e de participação Louro (2001): O corpo educado. Nos espaços escolares nas ilustrações), nos vídeos, nas músicas, na educação
ais coletivos podem ter sido ormados por uma em relação às instituições de ensino superior nas quais e acadêmicos é rara a discussão acerca da corporeida- ísica, nas apresentações artísticas. Neste âmbito, é pos-
quase totalidade de pesquisadores/as negros/as ou se situam, posto que azem pressão pelas Ações Ar- de dos segmentos que os compõem, pois p arecem ser sível identicar e conrontar estereótipos ou imagens
contar com a colaboração de estudiosos/as de outros mativas e por políticas do conhecimento que se vol- a-corporais e, por extensão, sem lugar para as subjeti- ardilosas acerca das pessoas negras que permeiam toda
pertencimentos étnico-raciais. Vários NEABs se cons- vidades e para as trajetórias pessoais e coletivas, como a sociedade, segundo Edimilson de Almeida Pereira e
tituem como “territórios negros no espaço branco” 8. http://br.groups.yahoo.com/group/consorcio_neabs/attach- arma bell hooks: “o mundo público da aprendiza- Núbia Pereira Gomes (2001). Os corpos racializados de
acadêmico, se tornam grupos de estudos e pesquisas, ments/folder/1036087237/item/list gem institucional é um lugar onde o corpo tem de ser proessores/as, gestores, uncionários/as e estudantes
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Oliveira se reerencia em uma assertiva de Roger realizam projetos de extensão e de qualicação de pro- tem para a população negra e também porque podem anulado, tem que passar despercebido” (2001, p. 115).
Bastide que merece citação: de que “o sábio que se de- essores/as para a educação das relações étnico-raciais abrigar discentes de outras universidades, do ensino Para a autora, este aastamento do corpo como assunto
bruçar sobre os problemas aro-brasileiros encontra- (no espírito da lei 10639/03) e elaboram propostas de médio ou não se circunscrever ao público estudantil. escolar e acadêmico, implica, de certo modo, no dis-
-se, pois, implicado, queira ou não em um problema ações armativas para a população negra. Desde 2001 surgem: Enegreser, na UnB em Brasília; tanciamento de temas que remetem à subjetividade, à
angustiante” e que deve proceder “no decorrer de sua A presença de proessores/as e estudantes negros/ Coletivo de Estudantes Negros e Negras Beatriz Nasci- emoção, à paixão:
pesquisa, uma outra pesquisa, paralela, sobre ele mes- as se torna mais organizada e articulada. São reali- mento (CANBENAS), na UFG em Goiânia; na Bahia,
mo; uma espécie de auto-psicanálise intelectual, e isto, zados eventos como o I Encontro de Docentes, Pes- o Núcleo de Estudantes Negras e Negros na UFBA e o Não há muito ensino ou aprendizagem apaixonada
seja ele branco ou negro” (BASIDE apud OLIVEIRA, quisadores e Pós-Graduandos Negros , na Faculdade de UBUNU – Núcleo de Estudantes Negros e Negras na na educação superior hoje em dia. Mesmo onde estu-
1977, p. 27). O autor conclui: “O negro ‘intelectual’, en- Filosoa e Ciências da Universidade Estadual Paulista UNEB, o Coletivo Denegrir na UERJ, Rio de Janeiro. dantes estão desesperadamente desejando ser tocados
curralado na sua condição primeira e primeva de raça, (UNESP) - Campus Marília, em 1989, e o Seminário Neste sentido, ainda que contem com o apoio de um/a pelo conhecimento, proessoras e proessores ainda têm
sujeito/objeto de seu trabalho, não tem outra opção. Nacional de Universitários Negros, em Salvador, no ou outro/a docente, os Coletivos de Estudantes Negros medo do desao, ainda deixam que suas preocupações
Não está lidando com um assunto (é preciso que ele ano de 1993, que tem como tema “A universidade que marcam com expressão própria o cenário de algumas sobre perda de controle prevaleçam sobre seus desejos
saiba), mas uma causa” (IDEM, p. 27, grios do autor). o povo negro quer”. Este processo culmina em 2000, instituições de ensino superior, particularmente as uni- de ensinar.
Para o/a intelectual negro/a ativista a escolha do em Recie, na UFPE, com a organização do I Con- versidades públicas. Em 2004, no III Congresso Brasi- Ao mesmo tempo, aqueles e aquelas de nós que ensina-
campo de estudos e pesquisas vem acompanhada da gresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, no qual é leiro de Estudantes Negros há a tentativa de criação de mos os mesmos velhos assuntos das mesmas velhas ma-
reexividade de suas condições e de seus posiciona- criada a Associação Brasileira de Pesquisadores Ne- uma Associação Nacional de Estudantes Negros que neiras estamos, muitas vezes, intimamente aborrecidos
mentos. O sujeito “az parte da matéria investigada” gros (ABPN), proposição do engenheiro e educador não logra eeito. – incapazes de reacender paixões que um dia podíamos
(NASCIMENO, 1978, p. 41). Armar-se racialmente Henrique Cunha Jr.. Como participantes deste cená- Os NEABs, presentes em todo o território nacio- ter sentido (hooks, 2001, p.122-123)
na academia não implica em ter certezas inquestioná- rio, estão graduandos/as e p ós-graduandos/as que nal, em instituições de ensino superior, públicas e pri-
veis ou acilidades no estudo das relações raciais. Este posteriormente assumem a docência e participam da vadas, marcados pela presença de intelectuais negros/as emas ligados à questão étnico-racial, mas tam-
é um complexo processo de orientação, balizamento consolidação e criação de NEABs, situação na qual me ativistas e qualicados como núcleos de ensino, pesqui- bém ao gênero e à sexualidade, por exemplo, remetem
e ormação. incluo, o que me permite tecer considerações como sa e extensão, nem sempre se denem e são reconheci- ao campo da subjetividade, e, para alguns/umas pes-
observador participante. dos como grupos negros, posto que podem contar em quisadores/as negros/as são apaixonantes, comoventes,
Criado em 2004, no III Congresso Brasileiro de maior ou menor grau com a presença de pesquisadores sem necessariamente incorrer em sentimentalismo.
coRpos doceNtes Pesquisadores Negros, realizado na UFMA em São Luís
do Maranhão, o Consórcio de NEABs e grupos correla-
e proessores/as de outros segmentos étnico-raciais. Os
Coletivos de Estudantes são i denticados prontamen-
Sem essencialismo, o corpo é uma das principais
reerências da raça (mas também do gênero e da sexu-
e disceNtes NegRos: tos conta inicialmente com a participação de 16 grupos te como grupos negros e demonstram a preocupação alidade). O corpo é “educado” e na educação ormal
os NeaB e os ceN e hoje soma 76 núcleos 8. Alguns/umas pesquisadores/ com sua qualicação prossional e o ativismo, posto temos corpos – docentes e discentes, mais usados como
as dos NEABs, concentrados/as na área das Humani- que muitos/as realizam seus trabalhos de conclusão de metáoras, distantes do signicante corpóreo. Proesso-
dades, tornam-se reerência no campo dos estudos das curso no campo das relações raciais, encaminhando-se ras/es e estudantes têm corpo (hooks, 2001), são corpos
O quadro desenhado por ativistas negros/as no espaço relações raciais, muitas vezes abordados na perspectiva para a pós-graduação, derontando-se por vezes com a em processo de educação, são corpos educados. Corpos
acadêmico nos anos 1970 reverbera no Rio de Janeiro da interseccionalidade com as variáveis classe, gênero alta de orientação nas suas áreas de ormação. Ambas docentes e discentes.
e em São Paulo, como é o caso da inuência de Beatriz e outras. Um processo de internacionalização dos/as as coletividades estão a merecer uma observação de Nas escolas e nas universidades transitam, se en-
Nascimento e Eduardo Oliveira e Oliveira e também de pesquisadores/as negros brasileiros/as está em curso. maior acuidade. contram e se conrontam corpos emininos e masculi-
Lélia Gonzalez, Joel Runo dos Santos e outros/as que Iniciativas dos/as ativistas preocupados/as com o nos, negros e brancos, heterossexuais e homossexuais
também percorriam o país num processo de ormação acesso à universidade se inserem neste quadro, a exem- em construção e, em algumas situações, sem denição
para além dos espaços educação ormal contando com
intelectuais “locais”.
plo da Cooperativa Stive Biko de Salvador e dos Cur-
sinhos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes (SAN-
coRpos NegRos educados: de raça, gênero ou orientação sexual. Nem sempre
acontece o necessário e adequado reconhecimento das
Nos anos 1980, são criados alguns Núcleos de Es- OS, R., 2006). Neste sentido, observa-se por todo o uMa digRessÃo a tÍtulo identidades, das dierenças, das culturas, dos corpos
tudos Aro-Brasileiros, protagonizados por mestres e país um processo de discussão e implementação das de coNclusÃo dierenciados (racializados, etnicizados e genericados)
doutores negros/as e com a colaboração de intelectuais Ações Armativas para a população negra e particu- e também das incertezas, das indenições, das trans-
brancos/as e outros. É o caso do NEAB-UFAL, NEAB- larmente das cotas raciais, a partir sobretudo de 2001. ormaçõescorpóreas.
-UFMA, CEAB-UCG (PUC-GO). Outros são criados Neste contexto surgem Coletivos de Estudantes A expressão que dá título a este artigo advém da relei- Os corpos racializados estão no currículo, nos li-
na década seguinte: NEAB/UFSCar, PENESB-UFF, Negros (CENs) que se estendem por vários estados, tura do título e do conteúdo do livro organizado por vros didáticos e paradidáticos (tanto nos textos quanto
NUPE-UNESP e NEN-SC. mantendo uma posição de crítica e de participação Louro (2001): O corpo educado. Nos espaços escolares nas ilustrações), nos vídeos, nas músicas, na educação
ais coletivos podem ter sido ormados por uma em relação às instituições de ensino superior nas quais e acadêmicos é rara a discussão acerca da corporeida- ísica, nas apresentações artísticas. Neste âmbito, é pos-
quase totalidade de pesquisadores/as negros/as ou se situam, posto que azem pressão pelas Ações Ar- de dos segmentos que os compõem, pois p arecem ser sível identicar e conrontar estereótipos ou imagens
contar com a colaboração de estudiosos/as de outros mativas e por políticas do conhecimento que se vol- a-corporais e, por extensão, sem lugar para as subjeti- ardilosas acerca das pessoas negras que permeiam toda
pertencimentos étnico-raciais. Vários NEABs se cons- vidades e para as trajetórias pessoais e coletivas, como a sociedade, segundo Edimilson de Almeida Pereira e
tituem como “territórios negros no espaço branco” 8. http://br.groups.yahoo.com/group/consorcio_neabs/attach- arma bell hooks: “o mundo público da aprendiza- Núbia Pereira Gomes (2001). Os corpos racializados de
acadêmico, se tornam grupos de estudos e pesquisas, ments/folder/1036087237/item/list gem institucional é um lugar onde o corpo tem de ser proessores/as, gestores, uncionários/as e estudantes
36 37
dossiê temático
estão presentes nos vários ambientes da escola: nos cor- CUNHA, Marilene Oliveira. Em busca de um espaço:
redores, nos pátios, nas copas e cozinhas, mas, sobretu- a linguagem gestual no candomblé de Angola . Dis-
do, e de maneira requente e demorada na sala de aula. sertação de mestrado em Antropologia Social. São
Na sociedade brasileira, de passado escravista e Paulo, USP, 1986.
presente racista, o corpo negro é interpretado total- CUNHA JR. Henrique. Contexto, antecedente e prece- PEREIRA. Amauri Mendes & SILVA, Joselina da RAS, Alex. & RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Pau-
mente subdividido, como nos indica Nelson Inocêncio dente: o curso pré-vestibular do Núcleo de Cons- (org’s). Movimento Negro Brasileiro: escritos sobre lo: Selo Negro, 2010.
(2001): cabeça, cor, cabelo, torso, nádegas, genitália, ciência negra na USP. In: ANDRADE, Rosa Maria os sentidos de democracia e justiça no Brasil . Belo RIOS, Flávia Mateus. Movimento negro brasileiro nas
pés. Na sala de aula o corpo da proessora e do proes- & FONSECA, Eduardo (org’s). Aprovados! Cur- Horizonte: Nandyala, 2009. p. 184-205. Ciências Sociais (1950-2000). Sociedade e Cultura.
sor está em total evidência, sendo interpretado, durante sinho pré-vestibular e população negra. São Paulo: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo educado: peda- Goiânia, v. 12, n. 2, jul./dez. 2009, p. 263-274.
todo o ano letivo e por toda sua trajetória. Os corpos Selo Negro, 2002, p. 17-33. gogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, SANCHIS, Pierre. Inculturação? Da cultura à i denti-
dos/as estudantes também estão em observação. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: 2001. dade, um itinerário político no campo religioso:
São estes corpos docentes e discentes que têm alguns apontamentos históricos. empo No. 23, Ni- NASCIMENO, Abdias. O Genocídio do Negro Bra- o caso dos agentes de pastoral negros. Revista Re-
adentrado e se encontrado no espaço universitário, na terói, 2007, p. 100-122. sileiro: processo de um racismo mascarado . Rio de ligião e Sociedade, Rio de Janeiro, 20(2), 1999, p.
ormação de territórios acadêmicos e políticos. Ain- GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura bra- Janeiro: Paz e erra. 1978. 55-72.
da que tenham individualidade, vêm de um terreno sileira. São Paulo, ANPOCS, Ciências Sociais Hoje, NASCIMENO, Beatriz. extos e narração de Ori . SANOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro
comum, como indica o sobrenome Santos de tantos 2. ANPOCS, 1983, p. 223-244. ranscrição (mimeo), 1989. e o Estado (1983-1987): o caso do Conselho de Par-
autores aqui citados. A ormação de um movimento ne- _________. O movimento negro na última década. __________ Negro e racismo. Revista de Cultura Vozes . ticipação e Desenvolvimento da Comunidade Negra
gro de base acadêmica representa a entrada em cena de In: GONZALEZ, Lélia & HASENBALG, Carlos 68 (7), 1974b, p. 65-68. no Governo de São Paulo . São Paulo: CONE/Pre-
corpos educados, corpos que pensam e agem individual (org’s). Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, __________ Por uma história do homem negro. Revis- eitura da Cidade de São Paulo, 2006.
e coletivamente, que são vistos e se veem como negros 1982, p. 09-66. ta de Cultura Vozes . 68(1), 1974a, p. 41-45. SANOS, Joel Runo. A luta organizada contra o ra-
neste espaço e que tem um projeto político que conta Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de OLIVEIRA, Eduardo Oliveira e. Uma quinzena do ne- cismo. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
com uma história e memória de cerca de quarenta anos. estudos sobre a contribuição do negro na ormação gro. In: ARAÚJO, Emanoel (Curadoria) Para nun- Wilson do Nascimento (org’s). Atrás do muro da
social brasileira, 3 Niterói: UFF, 1978. ca esquecer: negras memórias, memórias de negros. noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Brasília, Ministério da Cultura/Fundação Cultural sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
RefeRêNcias estudos sobre a contribuição do negro na ormação
social brasileira, 2. Niterói: UFF, 1977.
Palmares, 2001, p. 287.
_________ Etnia e compromisso intelectual. In: GAR,
Palmares, 1994a, p. 87-146.
SANOS, Joel Runo. Movimento negro e crise bra-
BiBliogRáficas Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Caderno de estudos sobre a contribuição do negro sileira. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
estudos sobre a contribuição do negro na ormação na ormação social brasileira . Rio de Janeiro, Insti- Wilson do Nascimento (org’s). Atrás do muro da
ALBERI, Verena & PEREIRA, Amilcar Araújo (Org.). social brasileira, 1 Niterói: UFF, 1976. tuto de Ciências Humanas e Filosoa/Universida- noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Histórias do movimento negro no Brasil: depoimen- Grupo de rabalho André Rebouças. Em busca de um de Federal Fluminense, 1977, p. 22-28. sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
tos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas/CPDOC- espaço. Encontro Nacional Aro-Brasileiro - Rio __________ O mulato: um obstáculo epistemológico. Palmares, 1994b, p. 147-160.
-FGV, 2007. de Janeiro, 29/07 a 1º/08/82. In: Estudos Aro-Asi- Revista Argumento. Ano I, nº. 3, janeiro, 1974, p. SANOS, Marcio André de O. dos. Política negra e de-
BERRIEL, Maria Maia de Oliveira. Uma bibliograa so- áticos. Cadernos Cândido Mendes . Rio de Janeiro: 65-74. mocracia no Brasil contemporâneo: reexões sobre
bre o negro. In: Grupo de rabalho André Rebou- Centro de Estudos Aro-Asiáticos, (8-9):64-66, PEREIRA, Edimilson de Almeida & GOMES, Núbia Pe- os movimentos negros. In: PAULA, Marilene de &
ças (org.). Semana de estudos sobre a contribuição 1983. reira de M. Ardis da imagem: exclusão étnica e vio- HERINGER, Rosana (Org.) Estado e sociedade na
do negro na ormação social brasileira, 2. Niterói: HANCHARD, Michael. Oreu negro e o poder: movi- lência nos discursos da cultura brasileira. Belo Ho- superação das desigualdades raciais no Brasil . Rio
UFF, 1977, p. 45-49. mento negro no Rio e São Paulo (1945-1988) . Rio rizonte: Mazza Edições/Editora PUCMinas, 2001. de Janeiro: Fundação Heinrich Boll/ActionAid,
___________. Preconceito e percepção: um estudo sobre de Janeiro: EdUERJ, 2001. RAS, Alex (Alecsandro J. P.). Encruzilhadas por todo 2009, p. 227-258.
a ideologia racial brasileira. Dissertação (Mestrado HOOKS, bell. Eros, erotismo e a processo pedagógico. percurso: individualidade e coletividade - movi- SANOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. In: SAN-
em Antropologia) - Instituto de Ciências Huma- In: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo edu- mento negro de base acadêmica. In: PEREIRA, OS, Milton. O país distorcido: o Brasil, a globali-
nas e Filosoa, Universidade Federal Fluminense, cado: pedagogias da sexualidade . Belo Horizonte: Amauri Mendes; SILVA, Joselina da (Org.). Movi- zação e a cidadania . São Paulo: Publiolha, 2002,
Niterói, RJ. 1975. Autêntica, 2001, p. 113-123. mento Negro Brasileiro: escritos sobre os sentidos de p.157-161.
BORGES PEREIRA, João Baptista. Preácio. In: INOCENCIO, Nelson. Representação visual do cor- democracia e justiça social no Brasil . Belo Horizon- SANOS, Paulo Roberto dos. Instituiçõesaro-brasilei-
BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Negros de Cedro: um po aro-descendente. In: PANOJA, Selma et al te: Nandyala Editora, 2009, p. 81-108. ras: a prática da contemporaneidade. Rio de Janei-
estudo antropológico de um bairro rural de Goiás . (orgs.) Entre Áricas e Brasis . Brasília: Paralelo 15; ____________. A voz que vem do i nterior: intelectu- ro: Centro de Estudos Aro-Asiáticos/ Universida-
São Paulo, Ática, 1983b. p. XIII-XV. São Paulo: Marco Zero, 2001. p. 191-208. alidade negra e quilombo. In: BARBOSA, Lucia de Candido Mendes. 1984. Mimeo.
CONINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: SILVA, Joselina da. Jornal SINBA: a Árica na cons- Maria de Assunção; SILVA, Petronilha Beatriz SANOS, Renato Emerson dos. Agendas e agências: a
Aeroplano, 2005. trução identitária brasileira dos anos 1970. In: Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto (Org.). De espacialidade dos movimentos sociais a partir do
preto a aro-d escendente: trajetóri as de pes quisas pré-vestibular para negros e carentes . ese (Dou-
sobre relações étnico-raciais no Brasil . São Carlos, torado em Geograa). Rio de Janeiro, IGC-UFF,
2003, v. 1, p. 89-108. 2006.
____________. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de SANOS, Sales Augusto dos. Movimentos negros, edu-
vida de Beatriz Nascimento . São Paulo: Imprensa cação e ações airmativas . ese (Doutorado em
Ocial / Instituto Kuanza. 2007. Sociologia). Brasília, UnB: 2007.
38 39
dossiê temático
estão presentes nos vários ambientes da escola: nos cor- CUNHA, Marilene Oliveira. Em busca de um espaço:
redores, nos pátios, nas copas e cozinhas, mas, sobretu- a linguagem gestual no candomblé de Angola . Dis-
do, e de maneira requente e demorada na sala de aula. sertação de mestrado em Antropologia Social. São
Na sociedade brasileira, de passado escravista e Paulo, USP, 1986.
presente racista, o corpo negro é interpretado total- CUNHA JR. Henrique. Contexto, antecedente e prece- PEREIRA. Amauri Mendes & SILVA, Joselina da RAS, Alex. & RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez. São Pau-
mente subdividido, como nos indica Nelson Inocêncio dente: o curso pré-vestibular do Núcleo de Cons- (org’s). Movimento Negro Brasileiro: escritos sobre lo: Selo Negro, 2010.
(2001): cabeça, cor, cabelo, torso, nádegas, genitália, ciência negra na USP. In: ANDRADE, Rosa Maria os sentidos de democracia e justiça no Brasil . Belo RIOS, Flávia Mateus. Movimento negro brasileiro nas
pés. Na sala de aula o corpo da proessora e do proes- & FONSECA, Eduardo (org’s). Aprovados! Cur- Horizonte: Nandyala, 2009. p. 184-205. Ciências Sociais (1950-2000). Sociedade e Cultura.
sor está em total evidência, sendo interpretado, durante sinho pré-vestibular e população negra. São Paulo: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo educado: peda- Goiânia, v. 12, n. 2, jul./dez. 2009, p. 263-274.
todo o ano letivo e por toda sua trajetória. Os corpos Selo Negro, 2002, p. 17-33. gogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, SANCHIS, Pierre. Inculturação? Da cultura à i denti-
dos/as estudantes também estão em observação. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: 2001. dade, um itinerário político no campo religioso:
São estes corpos docentes e discentes que têm alguns apontamentos históricos. empo No. 23, Ni- NASCIMENO, Abdias. O Genocídio do Negro Bra- o caso dos agentes de pastoral negros. Revista Re-
adentrado e se encontrado no espaço universitário, na terói, 2007, p. 100-122. sileiro: processo de um racismo mascarado . Rio de ligião e Sociedade, Rio de Janeiro, 20(2), 1999, p.
ormação de territórios acadêmicos e políticos. Ain- GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura bra- Janeiro: Paz e erra. 1978. 55-72.
da que tenham individualidade, vêm de um terreno sileira. São Paulo, ANPOCS, Ciências Sociais Hoje, NASCIMENO, Beatriz. extos e narração de Ori . SANOS, Ivair Augusto Alves dos. O movimento negro
comum, como indica o sobrenome Santos de tantos 2. ANPOCS, 1983, p. 223-244. ranscrição (mimeo), 1989. e o Estado (1983-1987): o caso do Conselho de Par-
autores aqui citados. A ormação de um movimento ne- _________. O movimento negro na última década. __________ Negro e racismo. Revista de Cultura Vozes . ticipação e Desenvolvimento da Comunidade Negra
gro de base acadêmica representa a entrada em cena de In: GONZALEZ, Lélia & HASENBALG, Carlos 68 (7), 1974b, p. 65-68. no Governo de São Paulo . São Paulo: CONE/Pre-
corpos educados, corpos que pensam e agem individual (org’s). Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, __________ Por uma história do homem negro. Revis- eitura da Cidade de São Paulo, 2006.
e coletivamente, que são vistos e se veem como negros 1982, p. 09-66. ta de Cultura Vozes . 68(1), 1974a, p. 41-45. SANOS, Joel Runo. A luta organizada contra o ra-
neste espaço e que tem um projeto político que conta Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de OLIVEIRA, Eduardo Oliveira e. Uma quinzena do ne- cismo. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
com uma história e memória de cerca de quarenta anos. estudos sobre a contribuição do negro na ormação gro. In: ARAÚJO, Emanoel (Curadoria) Para nun- Wilson do Nascimento (org’s). Atrás do muro da
social brasileira, 3 Niterói: UFF, 1978. ca esquecer: negras memórias, memórias de negros. noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Brasília, Ministério da Cultura/Fundação Cultural sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
RefeRêNcias estudos sobre a contribuição do negro na ormação
social brasileira, 2. Niterói: UFF, 1977.
Palmares, 2001, p. 287.
_________ Etnia e compromisso intelectual. In: GAR,
Palmares, 1994a, p. 87-146.
SANOS, Joel Runo. Movimento negro e crise bra-
BiBliogRáficas Grupo de rabalho André Rebouças (org.). Semana de Caderno de estudos sobre a contribuição do negro sileira. In: SANOS, Joel Runo & BARBOSA,
estudos sobre a contribuição do negro na ormação na ormação social brasileira . Rio de Janeiro, Insti- Wilson do Nascimento (org’s). Atrás do muro da
ALBERI, Verena & PEREIRA, Amilcar Araújo (Org.). social brasileira, 1 Niterói: UFF, 1976. tuto de Ciências Humanas e Filosoa/Universida- noite: dinâmica das culturas aro-brasileiras . Bra-
Histórias do movimento negro no Brasil: depoimen- Grupo de rabalho André Rebouças. Em busca de um de Federal Fluminense, 1977, p. 22-28. sília: Ministério da Cultura / Fundação Cultural
tos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas/CPDOC- espaço. Encontro Nacional Aro-Brasileiro - Rio __________ O mulato: um obstáculo epistemológico. Palmares, 1994b, p. 147-160.
-FGV, 2007. de Janeiro, 29/07 a 1º/08/82. In: Estudos Aro-Asi- Revista Argumento. Ano I, nº. 3, janeiro, 1974, p. SANOS, Marcio André de O. dos. Política negra e de-
BERRIEL, Maria Maia de Oliveira. Uma bibliograa so- áticos. Cadernos Cândido Mendes . Rio de Janeiro: 65-74. mocracia no Brasil contemporâneo: reexões sobre
bre o negro. In: Grupo de rabalho André Rebou- Centro de Estudos Aro-Asiáticos, (8-9):64-66, PEREIRA, Edimilson de Almeida & GOMES, Núbia Pe- os movimentos negros. In: PAULA, Marilene de &
ças (org.). Semana de estudos sobre a contribuição 1983. reira de M. Ardis da imagem: exclusão étnica e vio- HERINGER, Rosana (Org.) Estado e sociedade na
do negro na ormação social brasileira, 2. Niterói: HANCHARD, Michael. Oreu negro e o poder: movi- lência nos discursos da cultura brasileira. Belo Ho- superação das desigualdades raciais no Brasil . Rio
UFF, 1977, p. 45-49. mento negro no Rio e São Paulo (1945-1988) . Rio rizonte: Mazza Edições/Editora PUCMinas, 2001. de Janeiro: Fundação Heinrich Boll/ActionAid,
___________. Preconceito e percepção: um estudo sobre de Janeiro: EdUERJ, 2001. RAS, Alex (Alecsandro J. P.). Encruzilhadas por todo 2009, p. 227-258.
a ideologia racial brasileira. Dissertação (Mestrado HOOKS, bell. Eros, erotismo e a processo pedagógico. percurso: individualidade e coletividade - movi- SANOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje. In: SAN-
em Antropologia) - Instituto de Ciências Huma- In: LOURO, Guacira Lopes (Org.) O corpo edu- mento negro de base acadêmica. In: PEREIRA, OS, Milton. O país distorcido: o Brasil, a globali-
nas e Filosoa, Universidade Federal Fluminense, cado: pedagogias da sexualidade . Belo Horizonte: Amauri Mendes; SILVA, Joselina da (Org.). Movi- zação e a cidadania . São Paulo: Publiolha, 2002,
Niterói, RJ. 1975. Autêntica, 2001, p. 113-123. mento Negro Brasileiro: escritos sobre os sentidos de p.157-161.
BORGES PEREIRA, João Baptista. Preácio. In: INOCENCIO, Nelson. Representação visual do cor- democracia e justiça social no Brasil . Belo Horizon- SANOS, Paulo Roberto dos. Instituiçõesaro-brasilei-
BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Negros de Cedro: um po aro-descendente. In: PANOJA, Selma et al te: Nandyala Editora, 2009, p. 81-108. ras: a prática da contemporaneidade. Rio de Janei-
estudo antropológico de um bairro rural de Goiás . (orgs.) Entre Áricas e Brasis . Brasília: Paralelo 15; ____________. A voz que vem do i nterior: intelectu- ro: Centro de Estudos Aro-Asiáticos/ Universida-
São Paulo, Ática, 1983b. p. XIII-XV. São Paulo: Marco Zero, 2001. p. 191-208. alidade negra e quilombo. In: BARBOSA, Lucia de Candido Mendes. 1984. Mimeo.
CONINS, Márcia. Lideranças negras. Rio de Janeiro: SILVA, Joselina da. Jornal SINBA: a Árica na cons- Maria de Assunção; SILVA, Petronilha Beatriz SANOS, Renato Emerson dos. Agendas e agências: a
Aeroplano, 2005. trução identitária brasileira dos anos 1970. In: Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto (Org.). De espacialidade dos movimentos sociais a partir do
preto a aro-d escendente: trajetóri as de pes quisas pré-vestibular para negros e carentes . ese (Dou-
sobre relações étnico-raciais no Brasil . São Carlos, torado em Geograa). Rio de Janeiro, IGC-UFF,
2003, v. 1, p. 89-108. 2006.
____________. Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de SANOS, Sales Augusto dos. Movimentos negros, edu-
vida de Beatriz Nascimento . São Paulo: Imprensa cação e ações airmativas . ese (Doutorado em
Ocial / Instituto Kuanza. 2007. Sociologia). Brasília, UnB: 2007.
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dossiê temático
rElaçõEs étnico-
-raciais no brasil:
prEtinho (a) Eu? ResuMo aBstRact
discutindo o No presente artigo, começaremos por expor os elementos teóri-
cos mais gerais sobre per tencimento étnico, cor/raça nos censos
brasileiros, a classicação de “cor ou raça” do Instituto Brasileiro
In this paper, we will begin by exposing some theoretical general ele-
ments about ethnical belongness, color/race in the Brazilian census,
ainda não conseguimos ter uma resposta satisatória à Não há, portanto, uma identidade natural , inata,
iNtRoduÇÃo pergunta: o que é identidade?” mas sim, um conjunto de signicados baseados nas di-
Sendo assim, compreender o termo identidade em erenças. “Do ponto de vista antropológico ou socioló-
seus multiacetados aspectos, é, na realidade, uma tare- gico, as identidades são todas construídas” (PAULA,
A discussão da questão de raça no Brasil envolve ele- a diícil, por isso trataremos do termo aqui, de maneira 2005, p.191) e essa construção identitária é marcada
mentos de atribuição de identidade, pertencimento e sucinta, remetendo-o à ideia de percepção e pertenci- pelos traços culturais, como a língua, a religião, os
percepção. Quem ratica a armativa acima é o próprio mento coletivo. rituais, os comportamentos alimentares, as tradições
IBGE. De acordo com esse Instituto, em seus critérios De acordo com Jacques (1998, p.149), são vários populares.
de classicação racial, a denominação é de “cor ou raça” os sentidos atribuídos, popularmente, ao termo iden- No entanto, na construção da identidade não se
e não apenas de “cor” ou apenas “raça”, porque as cate- tidade, o que o torna “sujeito a inúmeras variações”. pode levar em conta somente o aspecto cultural. Para
gorias que englobam podem ser entendidas de orma Além disso, ele sustenta que “os estudos dessa temática entender a construção da identidade, é importante con-
bastante diversa, envolvendo elementos de atribuição costumam ser classicados como identidade pessoal siderar, também, os níveis sócio-político e histórico de
de “identidade” e de “percepção”. (atributos especícos do indivíduo) e/ou identidade so- cada sociedade. A identidade vista de uma orma mais
orna-se, então, necessário discutir relações iden- cial (atributos que assinalam a pertença a um grupo ou ampla e genérica é invocada quando um “grupo reivin-
titárias, no presente trabalho. categoria)” (Jacques, 1998, p.161). A identidade, assim dica uma maior visibilidade social ace ao apagamento
pensada, tem relação tanto com a i ndividualidade do a que oi, historicamente, submetido” (Novaes, 1993,
Em uma primeira aproximação, parece ser ácil denir sujeito, quanto com o grupo de reerência desse sujeito, p. 25).
“identidade”. A identidade é simplesmente aquilo que armando sua identidade coletiva. Se acrescentarmos ao termo identidade, os adjeti-
se é: “sou brasileiro”, “sou negro” “sou heterossexual”, Por isso, ao alarmos sobre identidade neste tra- vos étnica, negra, de gênero, entre outros, socialmente
“sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim conce- balho, não estamos nos reerindo a identidade de um isolados e, na maioria das vezes, vistos por nossa socie-
bida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), indivíduo isolado, único, à parte. Estamos tratando do dade como dierentes, podemos observar melhor esse
uma característica independente, um “ato autônomo”. indivíduo “como um ser social, como sujeito inserido processo. Dessa orma, evidenciar a identidade signi-
(SILVA, 2000, p.74) em um contexto de relações e, que, como tal, inuencia ca, também, evidenciar a dierença.
e é inuenciado por elas” (SOUSA, 2005, p.115). Para Hall (2003, apud PAULA, 2005, p.190), o que
Na perspectiva citada por Silva (2000), parece real- Por isso mesmo, caracteriza os seres e as sociedades humanas não é a
mente ácil denir identidade, uma vez que ela só tem a similaridade e sim a dierença. Ele arma que “é essa
si própria como reerência. De acordo com esse autor, é importante perceber que o conceito de identidade dierença que nos unica como seres humanos”. Por-
“ela é auto-contida e auto-suciente”. deve ser investigado e analisado não porque os antro- tanto, podemos armar que,
Porém, Gleason (1980, apud GOMES, 2005, p.40), pólogos decretaram sua i mportância (dierentemente
ao aproundar-se um pouco mais na discussão sobre do conceito de classe social, por exemplo), mas porque as identidades são construídas por meio da dierença
o tema, sustenta que “apesar das inúmeras produções ele é um conceito vital pra os grupos sociais contempo- e não ora dela. Isso implica o reconhecimento radi-
existentes e apesar de todos os esorços empenhados, râneos que o reivindicam (NOVAES, 1993, p.24) calmente perturbador de que é apenas por meio da
41
dossiê temático
rElaçõEs étnico-
-raciais no brasil:
prEtinho (a) Eu? ResuMo aBstRact
discutindo o No presente artigo, começaremos por expor os elementos teóri-
cos mais gerais sobre per tencimento étnico, cor/raça nos censos
brasileiros, a classicação de “cor ou raça” do Instituto Brasileiro
In this paper, we will begin by exposing some theoretical general ele-
ments about ethnical belongness, color/race in the Brazilian census,
ainda não conseguimos ter uma resposta satisatória à Não há, portanto, uma identidade natural , inata,
iNtRoduÇÃo pergunta: o que é identidade?” mas sim, um conjunto de signicados baseados nas di-
Sendo assim, compreender o termo identidade em erenças. “Do ponto de vista antropológico ou socioló-
seus multiacetados aspectos, é, na realidade, uma tare- gico, as identidades são todas construídas” (PAULA,
A discussão da questão de raça no Brasil envolve ele- a diícil, por isso trataremos do termo aqui, de maneira 2005, p.191) e essa construção identitária é marcada
mentos de atribuição de identidade, pertencimento e sucinta, remetendo-o à ideia de percepção e pertenci- pelos traços culturais, como a língua, a religião, os
percepção. Quem ratica a armativa acima é o próprio mento coletivo. rituais, os comportamentos alimentares, as tradições
IBGE. De acordo com esse Instituto, em seus critérios De acordo com Jacques (1998, p.149), são vários populares.
de classicação racial, a denominação é de “cor ou raça” os sentidos atribuídos, popularmente, ao termo iden- No entanto, na construção da identidade não se
e não apenas de “cor” ou apenas “raça”, porque as cate- tidade, o que o torna “sujeito a inúmeras variações”. pode levar em conta somente o aspecto cultural. Para
gorias que englobam podem ser entendidas de orma Além disso, ele sustenta que “os estudos dessa temática entender a construção da identidade, é importante con-
bastante diversa, envolvendo elementos de atribuição costumam ser classicados como identidade pessoal siderar, também, os níveis sócio-político e histórico de
de “identidade” e de “percepção”. (atributos especícos do indivíduo) e/ou identidade so- cada sociedade. A identidade vista de uma orma mais
orna-se, então, necessário discutir relações iden- cial (atributos que assinalam a pertença a um grupo ou ampla e genérica é invocada quando um “grupo reivin-
titárias, no presente trabalho. categoria)” (Jacques, 1998, p.161). A identidade, assim dica uma maior visibilidade social ace ao apagamento
pensada, tem relação tanto com a i ndividualidade do a que oi, historicamente, submetido” (Novaes, 1993,
Em uma primeira aproximação, parece ser ácil denir sujeito, quanto com o grupo de reerência desse sujeito, p. 25).
“identidade”. A identidade é simplesmente aquilo que armando sua identidade coletiva. Se acrescentarmos ao termo identidade, os adjeti-
se é: “sou brasileiro”, “sou negro” “sou heterossexual”, Por isso, ao alarmos sobre identidade neste tra- vos étnica, negra, de gênero, entre outros, socialmente
“sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim conce- balho, não estamos nos reerindo a identidade de um isolados e, na maioria das vezes, vistos por nossa socie-
bida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”), indivíduo isolado, único, à parte. Estamos tratando do dade como dierentes, podemos observar melhor esse
uma característica independente, um “ato autônomo”. indivíduo “como um ser social, como sujeito inserido processo. Dessa orma, evidenciar a identidade signi-
(SILVA, 2000, p.74) em um contexto de relações e, que, como tal, inuencia ca, também, evidenciar a dierença.
e é inuenciado por elas” (SOUSA, 2005, p.115). Para Hall (2003, apud PAULA, 2005, p.190), o que
Na perspectiva citada por Silva (2000), parece real- Por isso mesmo, caracteriza os seres e as sociedades humanas não é a
mente ácil denir identidade, uma vez que ela só tem a similaridade e sim a dierença. Ele arma que “é essa
si própria como reerência. De acordo com esse autor, é importante perceber que o conceito de identidade dierença que nos unica como seres humanos”. Por-
“ela é auto-contida e auto-suciente”. deve ser investigado e analisado não porque os antro- tanto, podemos armar que,
Porém, Gleason (1980, apud GOMES, 2005, p.40), pólogos decretaram sua i mportância (dierentemente
ao aproundar-se um pouco mais na discussão sobre do conceito de classe social, por exemplo), mas porque as identidades são construídas por meio da dierença
o tema, sustenta que “apesar das inúmeras produções ele é um conceito vital pra os grupos sociais contempo- e não ora dela. Isso implica o reconhecimento radi-
existentes e apesar de todos os esorços empenhados, râneos que o reivindicam (NOVAES, 1993, p.24) calmente perturbador de que é apenas por meio da
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dossiê temático
relação com o outro, da relação com aquilo que não é, e desinteressadas. Segundo Hall (2003, p.33), “elas são O sistema de classicação racial do Brasil é con- não “amarelas” ou “outras”). Nota-se um deslizamento
com precisamente aquilo que alta, com aquilo que tem relações de poder, nas quais os grupos agem para que siderado, pelos estudiosos do assunto, bastante enig- das categorias “negro” e “mulato” para “preto” e “pardo”
chamado de seu exterior constitutivo, que o signicado seus signicados particulares sempre prevaleçam aos mático, uma vez que “é resultante da combinação de (FRY apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.3)
“positivo” de qualquer termo – e, assim, sua “identida- dos outros grupos. O campo dessa produção de signi- elementos de aparência: cor da pele, ormato do nariz
de” – pode ser construído (DERRIDA, 1981; LACLAU, cados é, por essência, conituoso e disputado. É uma e da boca, tipo de cabelo; aliado à origem regional e elles (apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.7),
1990; BULER, 1993, apud HALL, 2003). luta por hegemonia e por predomínio”. social do sujeito” (Rosemberg & Piza apud ROCHA & considera também três modos de classicação racial:
Nessas relações de poder, oram construídas a re- ROSEMBERG, 2007, p. 6). Ou seja, “a aparência geral, o modo ocial (IBGE), o popular múltiplo e o binário.
Nesse sentido, a identidade, enquanto pertenci- presentação e o signicado do que é ser negro. Assim, “a composta pela combinação do estilo de vida (o jeito), o “O terceiro modo é o que vem sendo utilizado pelos
mento, busca uma interação. Assim, “o meu mundo, o representação do ser negro oi criada à sombra do que grau de instrução, a renda, o estilo em matéria de moda Movimentos Negros, que, de há muito, usam um sis-
meu eu, a minha cultura, são traduzidos também através é ser branco, num processo marcado pela signicação (cabelos, roupas, carros) e até a simpatia ou antipatia tema de classicação com apenas dois termos – negro
do outro, de seu mundo e de sua cultura, do processo de quem é superior e de quem é inerior. Ser inerior do alante pela pessoa em questão” (Sansone apud RO- e branco - adotando, dessa orma, o modo binário de
de deciração desse outro, do dierente” (Gomes, 2005, implica não ter poder” (RIBEIRO, 2005, p.6). CHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). classicação racial”.
p.42). Portanto, nenhuma identidade se constrói no iso- Isso reairma que, em uma sociedade como a É da Europa Ocidental do século XVIII, o uso do Jacques D’Adesky, por sua vez, evidencia cinco mo-
lamento e “tanto a identidade pessoal quanto a iden- brasileira, as questões relacionadas à percepção e ao critério cor da pele para dierenciar as chamadas raças dos de classicação racial:
tidade socialmente derivada são ormadas em diálogo pertencimento norteiam o processo de construção da humanas. E é de Blumenbach, siologista e antropó-
aberto” (D’ADESKY, 2001, apud GOMES, 2005, p.42). identidade negra. Ainda de acordo com Ribeiro, logo alemão (1752-1840), a ideia de classicar as ra- ... o sistema do IBGE, usado no c enso demográco, com
Esse é também o processo pelo qual passa a identi- ças humanas. Ele associou a cor da pele com a região as categorias branco, pardo, preto e amarelo; o sistema
dade negra, na sua trajetória de construção. Uma ree- (...) reconhecer-se ou assumir-se negro no Brasil é uma geográca de origem, denindo cinco tipos: branca branco, negro e índio, reerente ao mito undador da
xão sobre a construção da identidade negra não pode decisão de coragem, pois quem quer se identicar ape- ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; civilização brasileira; o sistema de classicação popular
urtar-se da discussão sobre a identidade enquanto nas com um passado de escravizado, pautado na ciência parda ou malaia; vermelha ou americana. Vários outros de 135 cores, segundo dados da Pesquisa Nacional por
processo mais amplo e complexo, pois, a justicativa biológica para tal condição? Quem quer países, inclusive o Brasil, adotaram a terminologia de Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE
ser o limite na hierarquia que divide os humanos dos classicação racial de Blumenbach. em 1976; o sistema bipolar branco e não branco, utili-
assim, como em outros processos identitários, a iden- ‘quase animais’? Quem quer ser considerado eio e por- Esse vocabulário racial, reerendado pela cor da zado por grande número de p esquisadores de ciências
tidade negra se constrói gradativamente, num movi- tador de uma cultura inerior? ( 2005, p.8). pele, já estava presente no Brasil desde o período co- humanas; o sistema de classicação bipolar branco e
mento que envolve inúmeras variáveis, causas e eeitos, lonial e aqui az morada até os dias atuais, permane- negro proposto pelo Movimento Negro. (2001, p.135
desde as primeiras relações estabelecidas no grupo so- Dessa orma, a construção de uma identidade cendo com as mesmas categorias de cor adotadas para apud ROSEMBERG, 2007, p.7)
cial mais íntimo, no qual os contatos pessoais se esta- negra positiva, em uma sociedade que nos ensina que os inquéritos populacionais do primeiro Censo demo-
belecem permeados de sanções e aetividades e onde se “para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um de- gráco de 1872, salvo algumas poucas variações. “Isto Fúlvia Rosemberg deende que, dependendo do
elaboram os primeiros ensaios de uma utura visão de sao enrentado pelos negros e pelas negras brasileiros” não signica, porém, que o mesmo termo, por exemplo, contexto institucional, pode ser acionado um “repertó-
mundo. Geralmente este processo se inicia na amília (GOMES, 2005, p.43). branco ou preto, evoque os mesmos sentidos nos die- rio lingüístico” especíco, associado ou não a um mo-
e vai criando ramicações e desdobramentos a partir Por tudo isso, a (a)rmação da identidade, aqui rentes contextos sociais e históricos em que têm sido delo binário ou múltiplo de classicação racial. Sendo
das outras relações que o sujeito estabelece (GOMES, deendida, não está sendo pensada como xa, acabada , empregados para dierenciar grupos humanos” (RO- assim, “mesmo em sistemas classicatórios semelhantes
2005, p.43). mas como um processo gerado no interior das repre- CHA & ROSEMBERG, 2007, p.5). ao do IBGE, podem ser empregados vocabulários die-
sentações, onde se estabelecem as relações de poder e as A maneira de lidar com o sistema de classica- renciados em instrumentos de classicação racial pro-
É preciso lembrar, também, que “o processo de posições, valorizando as diversas categorias de sujeitos ção racial, por sua vez, gera controvérsia entre os es- duzidos pelo Estado Brasileiro”. Como arma a autora:
construção da identidade negra em nosso país é muito sociais envolvidos. tudiosos: “seria ele binário (branco versus negro) ou
complexo, sendo possível que algumas pessoas com múltiplo, pressupondo um contínuo de categorias?” O modelo de denominação/classicação racial usado
traços sionômicos europeus, em virtude de ter o pai (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). em documentos do Estado brasileiro não parece ser
ou mãe negros, se declarem negros e outros com traços
ísicos aricanos se identiquem brancos” (Brasil, 2005,
coR/RaÇa Nos De acordo com Fry ( apud ROCHA & ROSEM-
BERG, 2007), “adotaríamos ambos os modos: o modo
monolítico. Assim, os termos preto e pardo, possivel-
mente por razões dierentes, não entram no vocabulário
p.35). Não nos esqueçamos do uso do termo negro de ceNsos BRasileiRos binário seria predominante nas classes médias intelec- de leis e decretos contemporâneos, nas provas do MEC
orma pejorativa, para designar os escravos. ermo esse, tualizadas urbanas, enquanto o múltiplo, evocado de até 2003, apesar de serem vocábulos consagrados pelo
ressignicado pelo Movimento Negro, atribuindo-lhe “(...) Quase não pude acreditar no que lia. O ormulá- acordo com as situações e circunstâncias, seria encon- IBGE para a classicação racial no plano demográco
um sentido político e positivo. rio, além de minha identicação e da de minha lha, trado nas camadas populares”. E além deles, Fry assi- da população brasileira (ROSEMBERG, 2007, p.8).
A identidade negra se arma aqui, portanto, como perguntava, em orma de múltipla escolha, qual a cor/ nala um outro modo:
uma construção social. É o olhar de um grupo étnico- raça dela – amarela, branca, indígena, parda ou preta, Não podemos deixar de considerar também o em-
-racial, ou de sujeitos a ele pertencentes sobre si mes- além de uma última opção: “Opto por não declarar nes- ... uma espécie de redução do modo múltiplo, ou am- prego de dierentes vocábulos raciais em contextos so-
mos, a partir da relação estabelecida com o outro. te momento tal i normação”. O MEC estava pedindo pliado do modo bipolar , que inclui três categorias: ciais distintos. Sendo assim, a expressão aro-brasileiro,
Nesse contexto, podemos armar que as relações para uma menina de sete anos “declarar” sua cor/raça!” negro, branco e mulato. Este é também o modo ocial ou aro-descendente está mais relacionada a contextos
sociais não se constituem somente como relações puras (GOLDEZON, 2007, p.151). do censo brasileiro, que pede às pessoas que se classi- culturais e religiosos, enquanto o termo negro se asso-
quem como “pretas”, “brancas” ou “pardas” (quando cia mais à ideia de discriminação e preconceito.
42 43
dossiê temático
relação com o outro, da relação com aquilo que não é, e desinteressadas. Segundo Hall (2003, p.33), “elas são O sistema de classicação racial do Brasil é con- não “amarelas” ou “outras”). Nota-se um deslizamento
com precisamente aquilo que alta, com aquilo que tem relações de poder, nas quais os grupos agem para que siderado, pelos estudiosos do assunto, bastante enig- das categorias “negro” e “mulato” para “preto” e “pardo”
chamado de seu exterior constitutivo, que o signicado seus signicados particulares sempre prevaleçam aos mático, uma vez que “é resultante da combinação de (FRY apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.3)
“positivo” de qualquer termo – e, assim, sua “identida- dos outros grupos. O campo dessa produção de signi- elementos de aparência: cor da pele, ormato do nariz
de” – pode ser construído (DERRIDA, 1981; LACLAU, cados é, por essência, conituoso e disputado. É uma e da boca, tipo de cabelo; aliado à origem regional e elles (apud ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.7),
1990; BULER, 1993, apud HALL, 2003). luta por hegemonia e por predomínio”. social do sujeito” (Rosemberg & Piza apud ROCHA & considera também três modos de classicação racial:
Nessas relações de poder, oram construídas a re- ROSEMBERG, 2007, p. 6). Ou seja, “a aparência geral, o modo ocial (IBGE), o popular múltiplo e o binário.
Nesse sentido, a identidade, enquanto pertenci- presentação e o signicado do que é ser negro. Assim, “a composta pela combinação do estilo de vida (o jeito), o “O terceiro modo é o que vem sendo utilizado pelos
mento, busca uma interação. Assim, “o meu mundo, o representação do ser negro oi criada à sombra do que grau de instrução, a renda, o estilo em matéria de moda Movimentos Negros, que, de há muito, usam um sis-
meu eu, a minha cultura, são traduzidos também através é ser branco, num processo marcado pela signicação (cabelos, roupas, carros) e até a simpatia ou antipatia tema de classicação com apenas dois termos – negro
do outro, de seu mundo e de sua cultura, do processo de quem é superior e de quem é inerior. Ser inerior do alante pela pessoa em questão” (Sansone apud RO- e branco - adotando, dessa orma, o modo binário de
de deciração desse outro, do dierente” (Gomes, 2005, implica não ter poder” (RIBEIRO, 2005, p.6). CHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). classicação racial”.
p.42). Portanto, nenhuma identidade se constrói no iso- Isso reairma que, em uma sociedade como a É da Europa Ocidental do século XVIII, o uso do Jacques D’Adesky, por sua vez, evidencia cinco mo-
lamento e “tanto a identidade pessoal quanto a iden- brasileira, as questões relacionadas à percepção e ao critério cor da pele para dierenciar as chamadas raças dos de classicação racial:
tidade socialmente derivada são ormadas em diálogo pertencimento norteiam o processo de construção da humanas. E é de Blumenbach, siologista e antropó-
aberto” (D’ADESKY, 2001, apud GOMES, 2005, p.42). identidade negra. Ainda de acordo com Ribeiro, logo alemão (1752-1840), a ideia de classicar as ra- ... o sistema do IBGE, usado no c enso demográco, com
Esse é também o processo pelo qual passa a identi- ças humanas. Ele associou a cor da pele com a região as categorias branco, pardo, preto e amarelo; o sistema
dade negra, na sua trajetória de construção. Uma ree- (...) reconhecer-se ou assumir-se negro no Brasil é uma geográca de origem, denindo cinco tipos: branca branco, negro e índio, reerente ao mito undador da
xão sobre a construção da identidade negra não pode decisão de coragem, pois quem quer se identicar ape- ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongol; civilização brasileira; o sistema de classicação popular
urtar-se da discussão sobre a identidade enquanto nas com um passado de escravizado, pautado na ciência parda ou malaia; vermelha ou americana. Vários outros de 135 cores, segundo dados da Pesquisa Nacional por
processo mais amplo e complexo, pois, a justicativa biológica para tal condição? Quem quer países, inclusive o Brasil, adotaram a terminologia de Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE
ser o limite na hierarquia que divide os humanos dos classicação racial de Blumenbach. em 1976; o sistema bipolar branco e não branco, utili-
assim, como em outros processos identitários, a iden- ‘quase animais’? Quem quer ser considerado eio e por- Esse vocabulário racial, reerendado pela cor da zado por grande número de p esquisadores de ciências
tidade negra se constrói gradativamente, num movi- tador de uma cultura inerior? ( 2005, p.8). pele, já estava presente no Brasil desde o período co- humanas; o sistema de classicação bipolar branco e
mento que envolve inúmeras variáveis, causas e eeitos, lonial e aqui az morada até os dias atuais, permane- negro proposto pelo Movimento Negro. (2001, p.135
desde as primeiras relações estabelecidas no grupo so- Dessa orma, a construção de uma identidade cendo com as mesmas categorias de cor adotadas para apud ROSEMBERG, 2007, p.7)
cial mais íntimo, no qual os contatos pessoais se esta- negra positiva, em uma sociedade que nos ensina que os inquéritos populacionais do primeiro Censo demo-
belecem permeados de sanções e aetividades e onde se “para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um de- gráco de 1872, salvo algumas poucas variações. “Isto Fúlvia Rosemberg deende que, dependendo do
elaboram os primeiros ensaios de uma utura visão de sao enrentado pelos negros e pelas negras brasileiros” não signica, porém, que o mesmo termo, por exemplo, contexto institucional, pode ser acionado um “repertó-
mundo. Geralmente este processo se inicia na amília (GOMES, 2005, p.43). branco ou preto, evoque os mesmos sentidos nos die- rio lingüístico” especíco, associado ou não a um mo-
e vai criando ramicações e desdobramentos a partir Por tudo isso, a (a)rmação da identidade, aqui rentes contextos sociais e históricos em que têm sido delo binário ou múltiplo de classicação racial. Sendo
das outras relações que o sujeito estabelece (GOMES, deendida, não está sendo pensada como xa, acabada , empregados para dierenciar grupos humanos” (RO- assim, “mesmo em sistemas classicatórios semelhantes
2005, p.43). mas como um processo gerado no interior das repre- CHA & ROSEMBERG, 2007, p.5). ao do IBGE, podem ser empregados vocabulários die-
sentações, onde se estabelecem as relações de poder e as A maneira de lidar com o sistema de classica- renciados em instrumentos de classicação racial pro-
É preciso lembrar, também, que “o processo de posições, valorizando as diversas categorias de sujeitos ção racial, por sua vez, gera controvérsia entre os es- duzidos pelo Estado Brasileiro”. Como arma a autora:
construção da identidade negra em nosso país é muito sociais envolvidos. tudiosos: “seria ele binário (branco versus negro) ou
complexo, sendo possível que algumas pessoas com múltiplo, pressupondo um contínuo de categorias?” O modelo de denominação/classicação racial usado
traços sionômicos europeus, em virtude de ter o pai (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.6). em documentos do Estado brasileiro não parece ser
ou mãe negros, se declarem negros e outros com traços
ísicos aricanos se identiquem brancos” (Brasil, 2005,
coR/RaÇa Nos De acordo com Fry ( apud ROCHA & ROSEM-
BERG, 2007), “adotaríamos ambos os modos: o modo
monolítico. Assim, os termos preto e pardo, possivel-
mente por razões dierentes, não entram no vocabulário
p.35). Não nos esqueçamos do uso do termo negro de ceNsos BRasileiRos binário seria predominante nas classes médias intelec- de leis e decretos contemporâneos, nas provas do MEC
orma pejorativa, para designar os escravos. ermo esse, tualizadas urbanas, enquanto o múltiplo, evocado de até 2003, apesar de serem vocábulos consagrados pelo
ressignicado pelo Movimento Negro, atribuindo-lhe “(...) Quase não pude acreditar no que lia. O ormulá- acordo com as situações e circunstâncias, seria encon- IBGE para a classicação racial no plano demográco
um sentido político e positivo. rio, além de minha identicação e da de minha lha, trado nas camadas populares”. E além deles, Fry assi- da população brasileira (ROSEMBERG, 2007, p.8).
A identidade negra se arma aqui, portanto, como perguntava, em orma de múltipla escolha, qual a cor/ nala um outro modo:
uma construção social. É o olhar de um grupo étnico- raça dela – amarela, branca, indígena, parda ou preta, Não podemos deixar de considerar também o em-
-racial, ou de sujeitos a ele pertencentes sobre si mes- além de uma última opção: “Opto por não declarar nes- ... uma espécie de redução do modo múltiplo, ou am- prego de dierentes vocábulos raciais em contextos so-
mos, a partir da relação estabelecida com o outro. te momento tal i normação”. O MEC estava pedindo pliado do modo bipolar , que inclui três categorias: ciais distintos. Sendo assim, a expressão aro-brasileiro,
Nesse contexto, podemos armar que as relações para uma menina de sete anos “declarar” sua cor/raça!” negro, branco e mulato. Este é também o modo ocial ou aro-descendente está mais relacionada a contextos
sociais não se constituem somente como relações puras (GOLDEZON, 2007, p.151). do censo brasileiro, que pede às pessoas que se classi- culturais e religiosos, enquanto o termo negro se asso-
quem como “pretas”, “brancas” ou “pardas” (quando cia mais à ideia de discriminação e preconceito.
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dossiê temático
Considerando que todo o Brasil participou do No entanto, é na “variação social da cor” (Osó- Justamente por isso, estudiosos do assunto con-
a classificaÇÃo de “coR Censo do IBGE/2010 e respondeu ao quesito cor/ rio, 2004, p.94) que a identicação por autoatribuição sideram que “no Brasil não se pode alar em ‘grupos
ou RaÇa” do iBge raça, ao mesmo tempo em que um número cada vez
maior de brasileiros reconhece que o recorte racial nas
encontra maior problema, pois, até mesmo a vasta li-
teratura disponível sobre classe e/ou raça insiste em
raciais’, mas, sim, em ‘grupos de cor” (Guimarães, 2005,
p.43). Desta orma, Nogueira ( apud ROCHA & RO-
pesquisas censitárias é extremamente importante, já armar, em uníssono, que a ascensão social é ator de SEMBERG, 2007, p.4), sustenta que, em nosso meio,
Marcílio (1974, p.23), propõe a existência de três perí- que representa uma maneira de se apurar, entender e embranquecimento. Conorme Osório (2004), há ocorrência, não do ‘preconceito de origem’ (raça/
odos distintos para se pensar a coleta de dados censi- melhorar a condição dos dierentes grupos étnicos que ascendência), mas, sim, do ‘preconceito de marca’.
tários no Brasil: azem parte do nosso país, reorçando o retrato do Bra- sabendo-se que, à luz do ideal de branquitude vigente, Osório (2004) arma que
sil como nação multiétnica, que o Censo IBGE/2010 é de se esperar que as pessoas que carregam menos
O primeiro, pré-estatístic o , vai do início da coloni- cuidou muito bem de registrar. traços negros em sua aparência tendam a se considerar onde vige o preconceito racial de marca, a origem não
zação até a metade do século XVIII e caracteriza-se Sendo assim, o sistema classicatório do IBGE brancas, e que essa tendência varia de acordo com a si- importa, apenas quantos traços, ou marcas, do “enó-
pelas poucas estimativas gerais, normalmente aceitas emprega cinco categorias de “cor ou raça” na sua clas- tuação socioeconômica, com as pessoas mais abastadas tipo” do grupo discriminado são portados pela vítima
pelos demógraos, apesar de não incluírem a popula- sicação, denindo, a partir destas, “igual número de também tendendo à escolha do branco, o ato de que potencial. O preconceito racial de marca não exclui
ção de índios que vivia ora do contato com o branco. grupos raciais e a identicação racial é realizada por a classicação de cor é realizada por auto-atribuição completamente, mas desabona suas vítimas. Portar os
O segundo momento- proto-estatístico- inicia-se na intermédio do uso simultâneo dos métodos de auto- pode se agurar problemático. (OSÓRIO, 2004, p. 95). traços do grupo discriminado constitui inerioridade,
segunda metade do século XVIII e termina com o pri- -atribuição e de heteroatribuição de pertença” (OSÓ- e az com que os sujeitos ao preconceito sejam sistema-
meiro recenseamento geral, em 1872. O terceiro perí- RIO, 2004, p.86). Seria possível armar então, que heteroatribuição ticamente preteridos em relação aos demais. (OSÓRIO,
odo, chamado de era estatística, tem início em 1872 e Ainda de acordo com Osório (2004, p.86), “um da cor dos sujeitos, pelos entrevistadores ou pelos res- 2004, p. 109).
reproduz-se na série de censos realizados posterior- método de identiicação racial é um procedimento ponsáveis em ornecer a inormação, seria uma orma
mente, mantendo-se a data de 1940 para a inclusão do estabelecido para a decisão do enquadramento dos in- de contornar o problema, inclusive conerindo maior Pode-se concluir que esses grupos buscam, através
Brasil entre os países que realizam censos periódicos, divíduos em grupos denidos pelas categorias de uma objetividade à classicação? Não se tem nenhuma ga- da posse de outras características ‘armativamente’ va-
por métodos modernos de coleta e publicados sistema- classicação, sejam estas maniestas ou latentes”. rantia de que os entrevistadores não venham a branque- lorizadas, como educação, projeção social, poder polí-
ticamente por um órgão especializado – o IBGE ( apud São três os métodos de identicação racial de que ar os entrevistados, principalmente os mais abastados. tico e bens materiais, uma orma de compensar, ainda
ROSEMBERG, 2003, p.94) se tem conhecimento: a auto-atribuição de pertença, Há menor garantia, ainda, por parte dos respon- que parcialmente, estas marcas.
onde o próprio sujeito interrogado escolhe o grupo sáveis em ornecer a inormação, que teriam maior di-
Em meio à grande variedade de termos, três vocá- do qual se considera membro; a heteroatribuição de culdade em identicar esses enótipos e, ao mesmo
bulos raciais sempre se destacaram como os principais pertença, onde outra pessoa é que dene o grupo do
designadores das categorias de classicação racial: pre- sujeito e a identicação de grandes grupos raciais “a que
tempo, motivos de ordem diversa para mudar a linha
de cor que lhes oi conerido atribuir a determinado
coNveRsa soBRe
to, pardo e branco. teriam pertencido os ancestrais de uma pessoa” (Osó- sujeito. difeReNÇa, pRecoNceito e
No primeiro Censo ocial brasileiro, realizado em rio, 2004, p.87), através do uso de técnicas biológicas, Considerando que o Ministério da Educação - discRiMiNaÇÃo Na escola
1872, além das três categorias acima citadas, utilizou-se como a análise do DNA. MEC utiliza, no censo escolar anual, a autoatribuição
a categoria “caboclo”, alusiva ao grupo dos indígenas. Buscando atingir os objetivos propostos nesta pes- para coletar os dados de cor/raça dos alunos maiores de
Sendo que as categorias preta e parda “eram as únicas quisa, analisaremos apenas os métodos de auto e de 16 anos e a heteroatribuição para os alunos abaixo desta - Posso me sentar ao seu lado? – pergunta-me uma lin-
aplicáveis à parcela escrava da população, embora pu- heteroatribuição de pertença, empregados pelo IBGE aixa etária é inequívoco considerar que pertencimento da menina negra de cabelos trançados e seus sete anos.
dessem também enquadrar pessoas livres, assim nas- na coleta de dados de cor ou raça . O método de auto- e percepção, palavras-chave deste artigo, são elementos - Claro, mas por que quer sentar-se aqui? – pergunto-
cidas ou alorriadas” (Osório, 2004, p.105). O segundo atribuição é recomendado por órgãos internacionais, de extrema relevância, quando se pensa a classicação -lhe intrigada, já que sou a única adulta na sala de aula
Censo do Brasil, de 1890, substituiu o termo pardo por quando se trata de pesquisas que realizam coleta de dos sujeitos eita por intermédio destes dois métodos da 1ª série e há vários grupos de crianças pela sala.
mestiço e os Censos seguintes, até o de 1940, ignoraram dados, com o objetivo de captar a raça ou etnia dos de identicação racial. anto assim que Osório (2004, - É que você é a única igual a mim – disse-me, voltando
a questão de raça. indivíduos. Mesmo assim, há, por parte dos estudiosos, p.96) arma: “[...] no undo, a opção pela auto ou pela seus olhos para a sua pele. (Depoimento de uma pro-
A partir do Censo de 1940, portanto, a cor da po- discordâncias com relação à adequação desse método heteroatribuição de pertença racial é uma escolha entre essora negra do estado de São Paulo/2002).
pulação brasileira voltou a ser coletada, obedecendo para o Brasil. subjetividades: a do próprio sujeito da classicação, ou
praticamente às mesmas categorias de 1872. Sendo que A polêmica desenvolve-se em torno da categoria a do observador externo”. Fatos semelhantes a esse nos permitem ilustrar
o termo pardo volta a substituir o mestiço e a categoria parda. elles e Lim ( apud OSÓRIO, 2004, p.95), pos- Finalizando, sobre a peculiaridade da classicação como não é ácil construir uma identidade negra po-
amarela é criada para atender aos imigrantes asiáticos. tulam que racial brasileira, pode-se armar que ela, bem como a sitiva no espaço escolar e nos levam a inerir algumas
Essas categorias oram empregadas também no C enso de alguns países latino-americanos, é determinada pela consequências negativas, para as crianças negras, ad-
de 1970. na América Latina os mulatos seriam menos discri- aparência e não pela ascendência, ou seja, “dierente- vindas do preconceito e da discriminação de que são
De 1940 até 1990 a classicação era só de cor, a par- minados do que nos Estados Unidos, gozando de uma mente do que ocorreu nos Estados Unidos, o Brasil, vítimas nesse ambiente, como: rejeição, desvalorização,
tir daí, com o emprego da categoria indígena no Censo posição intermediária entre os pretos e os brancos. após a abolição da escravidão, não adotou legislação sentimento de culpa e solidão. E ainda a produção cien-
de 1991, a classicação ganha status de “cor ou raça” e Desta orma, a dicotomia racial importante seria entre racial segregacionista, nem produziu um sistema de tíca, principalmente das décadas de 80 e 90, arma
consolida as cinco categorias empregadas pelo IBGE nos pretos e não-pretos, ao invés de brancos e não-brancos. classicação racial legal e baseado na origem ou hipo- que o preconceito racial inuencia negativamente no
dias atuais: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. (OSÓRIO, 2004, p. 95). descendência” (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.4). rendimento escolar dessas crianças.
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dossiê temático
Considerando que todo o Brasil participou do No entanto, é na “variação social da cor” (Osó- Justamente por isso, estudiosos do assunto con-
a classificaÇÃo de “coR Censo do IBGE/2010 e respondeu ao quesito cor/ rio, 2004, p.94) que a identicação por autoatribuição sideram que “no Brasil não se pode alar em ‘grupos
ou RaÇa” do iBge raça, ao mesmo tempo em que um número cada vez
maior de brasileiros reconhece que o recorte racial nas
encontra maior problema, pois, até mesmo a vasta li-
teratura disponível sobre classe e/ou raça insiste em
raciais’, mas, sim, em ‘grupos de cor” (Guimarães, 2005,
p.43). Desta orma, Nogueira ( apud ROCHA & RO-
pesquisas censitárias é extremamente importante, já armar, em uníssono, que a ascensão social é ator de SEMBERG, 2007, p.4), sustenta que, em nosso meio,
Marcílio (1974, p.23), propõe a existência de três perí- que representa uma maneira de se apurar, entender e embranquecimento. Conorme Osório (2004), há ocorrência, não do ‘preconceito de origem’ (raça/
odos distintos para se pensar a coleta de dados censi- melhorar a condição dos dierentes grupos étnicos que ascendência), mas, sim, do ‘preconceito de marca’.
tários no Brasil: azem parte do nosso país, reorçando o retrato do Bra- sabendo-se que, à luz do ideal de branquitude vigente, Osório (2004) arma que
sil como nação multiétnica, que o Censo IBGE/2010 é de se esperar que as pessoas que carregam menos
O primeiro, pré-estatístic o , vai do início da coloni- cuidou muito bem de registrar. traços negros em sua aparência tendam a se considerar onde vige o preconceito racial de marca, a origem não
zação até a metade do século XVIII e caracteriza-se Sendo assim, o sistema classicatório do IBGE brancas, e que essa tendência varia de acordo com a si- importa, apenas quantos traços, ou marcas, do “enó-
pelas poucas estimativas gerais, normalmente aceitas emprega cinco categorias de “cor ou raça” na sua clas- tuação socioeconômica, com as pessoas mais abastadas tipo” do grupo discriminado são portados pela vítima
pelos demógraos, apesar de não incluírem a popula- sicação, denindo, a partir destas, “igual número de também tendendo à escolha do branco, o ato de que potencial. O preconceito racial de marca não exclui
ção de índios que vivia ora do contato com o branco. grupos raciais e a identicação racial é realizada por a classicação de cor é realizada por auto-atribuição completamente, mas desabona suas vítimas. Portar os
O segundo momento- proto-estatístico- inicia-se na intermédio do uso simultâneo dos métodos de auto- pode se agurar problemático. (OSÓRIO, 2004, p. 95). traços do grupo discriminado constitui inerioridade,
segunda metade do século XVIII e termina com o pri- -atribuição e de heteroatribuição de pertença” (OSÓ- e az com que os sujeitos ao preconceito sejam sistema-
meiro recenseamento geral, em 1872. O terceiro perí- RIO, 2004, p.86). Seria possível armar então, que heteroatribuição ticamente preteridos em relação aos demais. (OSÓRIO,
odo, chamado de era estatística, tem início em 1872 e Ainda de acordo com Osório (2004, p.86), “um da cor dos sujeitos, pelos entrevistadores ou pelos res- 2004, p. 109).
reproduz-se na série de censos realizados posterior- método de identiicação racial é um procedimento ponsáveis em ornecer a inormação, seria uma orma
mente, mantendo-se a data de 1940 para a inclusão do estabelecido para a decisão do enquadramento dos in- de contornar o problema, inclusive conerindo maior Pode-se concluir que esses grupos buscam, através
Brasil entre os países que realizam censos periódicos, divíduos em grupos denidos pelas categorias de uma objetividade à classicação? Não se tem nenhuma ga- da posse de outras características ‘armativamente’ va-
por métodos modernos de coleta e publicados sistema- classicação, sejam estas maniestas ou latentes”. rantia de que os entrevistadores não venham a branque- lorizadas, como educação, projeção social, poder polí-
ticamente por um órgão especializado – o IBGE ( apud São três os métodos de identicação racial de que ar os entrevistados, principalmente os mais abastados. tico e bens materiais, uma orma de compensar, ainda
ROSEMBERG, 2003, p.94) se tem conhecimento: a auto-atribuição de pertença, Há menor garantia, ainda, por parte dos respon- que parcialmente, estas marcas.
onde o próprio sujeito interrogado escolhe o grupo sáveis em ornecer a inormação, que teriam maior di-
Em meio à grande variedade de termos, três vocá- do qual se considera membro; a heteroatribuição de culdade em identicar esses enótipos e, ao mesmo
bulos raciais sempre se destacaram como os principais pertença, onde outra pessoa é que dene o grupo do
designadores das categorias de classicação racial: pre- sujeito e a identicação de grandes grupos raciais “a que
tempo, motivos de ordem diversa para mudar a linha
de cor que lhes oi conerido atribuir a determinado
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to, pardo e branco. teriam pertencido os ancestrais de uma pessoa” (Osó- sujeito. difeReNÇa, pRecoNceito e
No primeiro Censo ocial brasileiro, realizado em rio, 2004, p.87), através do uso de técnicas biológicas, Considerando que o Ministério da Educação - discRiMiNaÇÃo Na escola
1872, além das três categorias acima citadas, utilizou-se como a análise do DNA. MEC utiliza, no censo escolar anual, a autoatribuição
a categoria “caboclo”, alusiva ao grupo dos indígenas. Buscando atingir os objetivos propostos nesta pes- para coletar os dados de cor/raça dos alunos maiores de
Sendo que as categorias preta e parda “eram as únicas quisa, analisaremos apenas os métodos de auto e de 16 anos e a heteroatribuição para os alunos abaixo desta - Posso me sentar ao seu lado? – pergunta-me uma lin-
aplicáveis à parcela escrava da população, embora pu- heteroatribuição de pertença, empregados pelo IBGE aixa etária é inequívoco considerar que pertencimento da menina negra de cabelos trançados e seus sete anos.
dessem também enquadrar pessoas livres, assim nas- na coleta de dados de cor ou raça . O método de auto- e percepção, palavras-chave deste artigo, são elementos - Claro, mas por que quer sentar-se aqui? – pergunto-
cidas ou alorriadas” (Osório, 2004, p.105). O segundo atribuição é recomendado por órgãos internacionais, de extrema relevância, quando se pensa a classicação -lhe intrigada, já que sou a única adulta na sala de aula
Censo do Brasil, de 1890, substituiu o termo pardo por quando se trata de pesquisas que realizam coleta de dos sujeitos eita por intermédio destes dois métodos da 1ª série e há vários grupos de crianças pela sala.
mestiço e os Censos seguintes, até o de 1940, ignoraram dados, com o objetivo de captar a raça ou etnia dos de identicação racial. anto assim que Osório (2004, - É que você é a única igual a mim – disse-me, voltando
a questão de raça. indivíduos. Mesmo assim, há, por parte dos estudiosos, p.96) arma: “[...] no undo, a opção pela auto ou pela seus olhos para a sua pele. (Depoimento de uma pro-
A partir do Censo de 1940, portanto, a cor da po- discordâncias com relação à adequação desse método heteroatribuição de pertença racial é uma escolha entre essora negra do estado de São Paulo/2002).
pulação brasileira voltou a ser coletada, obedecendo para o Brasil. subjetividades: a do próprio sujeito da classicação, ou
praticamente às mesmas categorias de 1872. Sendo que A polêmica desenvolve-se em torno da categoria a do observador externo”. Fatos semelhantes a esse nos permitem ilustrar
o termo pardo volta a substituir o mestiço e a categoria parda. elles e Lim ( apud OSÓRIO, 2004, p.95), pos- Finalizando, sobre a peculiaridade da classicação como não é ácil construir uma identidade negra po-
amarela é criada para atender aos imigrantes asiáticos. tulam que racial brasileira, pode-se armar que ela, bem como a sitiva no espaço escolar e nos levam a inerir algumas
Essas categorias oram empregadas também no C enso de alguns países latino-americanos, é determinada pela consequências negativas, para as crianças negras, ad-
de 1970. na América Latina os mulatos seriam menos discri- aparência e não pela ascendência, ou seja, “dierente- vindas do preconceito e da discriminação de que são
De 1940 até 1990 a classicação era só de cor, a par- minados do que nos Estados Unidos, gozando de uma mente do que ocorreu nos Estados Unidos, o Brasil, vítimas nesse ambiente, como: rejeição, desvalorização,
tir daí, com o emprego da categoria indígena no Censo posição intermediária entre os pretos e os brancos. após a abolição da escravidão, não adotou legislação sentimento de culpa e solidão. E ainda a produção cien-
de 1991, a classicação ganha status de “cor ou raça” e Desta orma, a dicotomia racial importante seria entre racial segregacionista, nem produziu um sistema de tíca, principalmente das décadas de 80 e 90, arma
consolida as cinco categorias empregadas pelo IBGE nos pretos e não-pretos, ao invés de brancos e não-brancos. classicação racial legal e baseado na origem ou hipo- que o preconceito racial inuencia negativamente no
dias atuais: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. (OSÓRIO, 2004, p. 95). descendência” (ROCHA & ROSEMBERG, 2007, p.4). rendimento escolar dessas crianças.
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dossiê temático
Dias (2005, p.5) argumenta que “espaços sociais temos a desvalorização da identidade negra, temos de presentes em nosso cotidiano de trabalho e, por conse- a discriminação racial é ruto do mito da democracia
como o da amília e da escola têm enorme potencial outro a valorização da identidade branca” (EIXEIRA, guinte, na prática escolar” (IANI, 1998, p.127). racial de um país que se gaba de não adotar práticas ra-
para produzirem as resistências ao racismo, ao precon- 1992). Consequentemente, a prática da dierença e as ciais preconceituosas, e, muito menos, discriminatórias.
ceito e à discriminação, mas, de uma maneira geral, Munanga (2005, p.15), arma que os privilégios atitudes de preconceito e discriminação marcam pre- A autora nos alerta que “a discriminação racial pode
ainda não estão cumprindo esse papel”. O que não deixa oram concedidos à identidade branca, porque muitos sença no espaço escolar. “Como proessores, nós os ser originada de outros processos sociais, políticos e
de ser compreensível, pois “são instituições sociais per- prossionais não receberam, em sua educação e or- praticamos e os transmitimos, mesmo quando não psicológicos que vão além do preconceito desenvolvido
meadas pela ideologia do racismo” (DIAS, 2005, p.5) mação, o preparo suciente para lidar com questões queremos ou mesmo quando proerimos o discurso pelo indivíduo” (EIXEIRA, 1992, p.23).
A ideologia racista deixa as amílias negras em problemáticas ligadas ao desao da convivência com a de que somos contra tais práticas discriminatórias” Analisar os indicadores de desigualdade entre os
extrema diculdade para melhorar seu capital social, diversidade e com as maniestações de discriminação (IANI, 1998, p.128). grupos constitui-se em uma boa maneira de tornar vi-
cultural e econômico. Segundo Dias (2005, p.6), o racis- dela resultantes. Ainda de acordo com Munanga: Considerando assim, acreditamos que é de bom sível este tipo de discriminação e de buscar superá-la.
mo, além de operar de orma individual, az parte das tom, ao nal desta conversa, denir alguns conceitos: Justamente por isso, ao lembrarmos das palavras do
estruturas da sociedade brasileira e as crianças negras Essa alta de preparo, que devemos considerar como ex “Ministro da Classicação Racial” (Magnoli, 2007,
são herdeiras da desigualdade e da exclusão social pro- reexo do nosso mito de democracia racial, compro- O preconceito é um julgamento negativo e prévio dos p.135), arso Genro, para quem “o quesito cor/raça re-
vocadas por esse racismo institucional. mete, sem dúvida, o objetivo undamental da nossa membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia presenta um passo importante para o conhecimento de
A escola, por sua vez, tem sido um espaço de pro- missão no processo de ormação dos uturos cidadãos ou de uma religião ou de pessoas que ocupam outro situações de injustiças e discriminações e para o esta-
dução da rejeição, pois, para as crianças negras, as i nten- responsáveis de amanhã. Com eeito, sem assumir ne- papel social signicativo. Esse julgamento prévio apre- belecimento de políticas de correção das desigualdades
sas interações que ali se dão são quase sempre negativas. nhum complexo de culpa, não podemos esquecer que senta como característica principal a inexibilidade, e de promoção da cidadania” (Caderno do Censo do
Gomes (2003) chama a atenção para a crise de somos produtos de uma educação eurocêntrica e que pois tende a ser mantido sem levar em conta os atos MEC, 2005, p.1), oi-nos orçoso admitir que ao Con-
identidade que acomete muitas crianças negras, vítimas podemos, em unção desta, reproduzir consciente ou que o contestem (GOMES, 2003, p.54). versarmos sobre Dierença, Preconceito e Discriminação,
desta rejeição, armando que: inconscientemente os preconceitos que permeiam nos- não podemos nos urtar a uma análise dos indicadores
sa sociedade. (MUNANGA, 2005, p. 15). rata-se, portanto, de conceito ou opinião ormada de educação entre negros e brancos.
Geralmente a discriminação racial na escola se dá pela antecipadamente, sem maior ponderação ou conheci-
aparência: é o cabelo, a pele, o nariz, enm são os atri- Podemos compreender, então, como o preconceito mento dos atos. Inclui a relação entre pessoas e grupos “(...) as extremas desigualdades no acesso a oportuni-
butos ísicos os escolhidos pelos discriminadores para enraizado na cabeça do proessor, somado à sua dicul- humanos e a concepção que o indivíduo tem de si mes- dades socioeconômicas mantêm e intensicam dramas
depreciarem o negro. Em muitos casos a criança incor- dade de lidar prossionalmente com a dierença, além mo e também do outro. como a miséria em que vivem as comunidades indíge-
pora essa depreciação evitando sua identidade negra e do teor preconceituoso de muitos livros e materiais Bernd (1987) argumenta que o indivíduo precon- nas, a marginalização da população de cor em alguns
tudo que a remeter a ela. E as proessoras nem sempre didáticos e das relações entre os alunos, desestimulam ceituoso é aquele que se echa em uma determinada países, a subordinação da mulher, portadores de deci-
reagem pedagogicamente a essas situações discrimina- o negro e comprometem seu aprendizado. Os dados opinião, deixando de aceitar o outro lado dos atos, ências e dos idosos. De tudo isso, surge uma sociedade
tórias (GOMES, 2003, p.56). sobre repetência e evasão escolar do alunado negro sendo o preconceito, “uma posição dogmática e sec- com grandes raturas, que geram exclusão social e com
comprovam essa armativa. tária que impede nos indivíduos o desenvolvimento reqüência, ideologias intolerantes que visam justicar
Em unção disso, tornou-se muito comum ouvir- Na batalha contra o racismo, esta é a luta da da necessária e permanente abertura ao conhecimento tais raturas” (KLIKSBERG, 2001).
mos rases como “o próprio negro é racista, ele não se educação: não aceitar como pronta e acabada a lógica mais aproundado da questão, o que poderia levá-los
aceita como negro”. Convém esclarecer que introjeção apoiada na razão cientíca que diz que biologicamente à reavaliação de suas posições” (BERND, 1987, p.11). Os dados e inormações produzidos pelo IBGE e
do preconceito racial é o termo usado para designar a somos todos iguais, nem a moral cristã que nos eleva a Sendo assim, é possível compreender que atitudes pelo IPEA reorçam as palavras, registradas na citação
pessoa que não se aceita como negra. Ou seja, a pes- todos para a mesma natureza divina. Até porque, isso preconceituosas não são inatas. São aprendidas social- acima, de um dos grandes teóricos do Desenvolvimento
soa negra aceita a ideia de inerioridade atribuída à sua não mudará as mentes de nossos alunos, a m de que mente. O ser humano não nasce preconceituoso. Ele Social, Bernardo Kliksberg, no que diz respeito às “ex-
condição racial e, para livrar-se disso, nega-se como deixem de pensar de orma preconceituosa. Munanga aprende a sê-lo. Anal, “nossa trajetória de socialização tremas desigualdades no acesso a oportunidades” da
negra. “E isso jamais pode ser considerado uma atitude (2005, p.19), arma que “como educadores, devemos se inicia na amília, vizinhança, escola, igreja, círculo de população negra, expressando, com clareza, a “perversi-
racista. Se assim o osse, estaríamos culpando a vítima saber que, apesar da lógica da razão ser importante nos amizades e se prolonga até a i nserção em instituições dade da chamada questão racial no Brasil” (JACCOUD
pelo crime. Portanto, quem tem o poder de dominar, processos ormativos e inormativos, ela não modica, prossionais ou atuando em comunidades e movimen- & HEODORO, 2005, p.104).
de comandar a situação, é que pode ser considerado ra- por si, o imaginário e as representações coletivas negati- tos sociais e políticos” (BERND, 1987, p.12). As dierenças de oportunidade de educação para
cista. E isto quem herda são as pessoas brancas”. (DIAS, vas que se tem do negro e do índio na nossa sociedade”. É no contato com o mundo adulto que as crian- negros e brancos também são tema deste artigo. Os
2005, p.5). O preconceito, a priori, não existe. Ele é parte da ças elaboram seus primeiros julgamentos raciais. De negros, considerados nestes indicadores como o so-
Para melhor compreensão de como estão postas as atitude das pessoas em relação a alguém ou a alguma acordo com Gomes (2003, p.55), as atitudes raciais de matório dos pretos e pardos, mantêm-se, em geral, em
relações raciais no espaço escolar, eixeira (1992), tem coisa, maniestando um imaginário social. Dessa orma, caráter negativo tendem a ganhar mais orça na medida uma condição social signicativamente pior que a da
apontado a necessidade de discutir para além de como o signicado da palavra preconceito é “opinião adotada em que a criança vai convivendo em um mundo que população branca. Além dos expressivos dierenciais
a criança negra é aetada pela dierença, preconceito e sem exame nem conhecimento prévio” (LAROUSSE, a coloca constantemente diante do trato negativo dos no que diz respeito à renda, os negros são sempre os
discriminação. De acordo com a autora, “é necessário 2004, p.791). negros, dos índios, das mulheres, dos homossexuais, mais penalizados em termos de acesso e permanência
discutir o le gado branco dessa relação”. Como já oi dito Podemos armar, então, que se os seres humanos dos idosos e das pessoas de baixa renda. nos bancos escolares.
aqui, a população branca de qualquer nível social tem baseiam sua conduta num conjunto de representações São esses julgamentos raciais negativos que dão lu- Vejamos o que mostram as análises realizadas a
tido privilégios que não se quer discutir. “Se de um lado sociais, “essas noções e teorias coletivas estão também gar à discriminação racial. eixeira (1992) registra que partir dos dados da pesquisa Retrato das desigualdades
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Dias (2005, p.5) argumenta que “espaços sociais temos a desvalorização da identidade negra, temos de presentes em nosso cotidiano de trabalho e, por conse- a discriminação racial é ruto do mito da democracia
como o da amília e da escola têm enorme potencial outro a valorização da identidade branca” (EIXEIRA, guinte, na prática escolar” (IANI, 1998, p.127). racial de um país que se gaba de não adotar práticas ra-
para produzirem as resistências ao racismo, ao precon- 1992). Consequentemente, a prática da dierença e as ciais preconceituosas, e, muito menos, discriminatórias.
ceito e à discriminação, mas, de uma maneira geral, Munanga (2005, p.15), arma que os privilégios atitudes de preconceito e discriminação marcam pre- A autora nos alerta que “a discriminação racial pode
ainda não estão cumprindo esse papel”. O que não deixa oram concedidos à identidade branca, porque muitos sença no espaço escolar. “Como proessores, nós os ser originada de outros processos sociais, políticos e
de ser compreensível, pois “são instituições sociais per- prossionais não receberam, em sua educação e or- praticamos e os transmitimos, mesmo quando não psicológicos que vão além do preconceito desenvolvido
meadas pela ideologia do racismo” (DIAS, 2005, p.5) mação, o preparo suciente para lidar com questões queremos ou mesmo quando proerimos o discurso pelo indivíduo” (EIXEIRA, 1992, p.23).
A ideologia racista deixa as amílias negras em problemáticas ligadas ao desao da convivência com a de que somos contra tais práticas discriminatórias” Analisar os indicadores de desigualdade entre os
extrema diculdade para melhorar seu capital social, diversidade e com as maniestações de discriminação (IANI, 1998, p.128). grupos constitui-se em uma boa maneira de tornar vi-
cultural e econômico. Segundo Dias (2005, p.6), o racis- dela resultantes. Ainda de acordo com Munanga: Considerando assim, acreditamos que é de bom sível este tipo de discriminação e de buscar superá-la.
mo, além de operar de orma individual, az parte das tom, ao nal desta conversa, denir alguns conceitos: Justamente por isso, ao lembrarmos das palavras do
estruturas da sociedade brasileira e as crianças negras Essa alta de preparo, que devemos considerar como ex “Ministro da Classicação Racial” (Magnoli, 2007,
são herdeiras da desigualdade e da exclusão social pro- reexo do nosso mito de democracia racial, compro- O preconceito é um julgamento negativo e prévio dos p.135), arso Genro, para quem “o quesito cor/raça re-
vocadas por esse racismo institucional. mete, sem dúvida, o objetivo undamental da nossa membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia presenta um passo importante para o conhecimento de
A escola, por sua vez, tem sido um espaço de pro- missão no processo de ormação dos uturos cidadãos ou de uma religião ou de pessoas que ocupam outro situações de injustiças e discriminações e para o esta-
dução da rejeição, pois, para as crianças negras, as i nten- responsáveis de amanhã. Com eeito, sem assumir ne- papel social signicativo. Esse julgamento prévio apre- belecimento de políticas de correção das desigualdades
sas interações que ali se dão são quase sempre negativas. nhum complexo de culpa, não podemos esquecer que senta como característica principal a inexibilidade, e de promoção da cidadania” (Caderno do Censo do
Gomes (2003) chama a atenção para a crise de somos produtos de uma educação eurocêntrica e que pois tende a ser mantido sem levar em conta os atos MEC, 2005, p.1), oi-nos orçoso admitir que ao Con-
identidade que acomete muitas crianças negras, vítimas podemos, em unção desta, reproduzir consciente ou que o contestem (GOMES, 2003, p.54). versarmos sobre Dierença, Preconceito e Discriminação,
desta rejeição, armando que: inconscientemente os preconceitos que permeiam nos- não podemos nos urtar a uma análise dos indicadores
sa sociedade. (MUNANGA, 2005, p. 15). rata-se, portanto, de conceito ou opinião ormada de educação entre negros e brancos.
Geralmente a discriminação racial na escola se dá pela antecipadamente, sem maior ponderação ou conheci-
aparência: é o cabelo, a pele, o nariz, enm são os atri- Podemos compreender, então, como o preconceito mento dos atos. Inclui a relação entre pessoas e grupos “(...) as extremas desigualdades no acesso a oportuni-
butos ísicos os escolhidos pelos discriminadores para enraizado na cabeça do proessor, somado à sua dicul- humanos e a concepção que o indivíduo tem de si mes- dades socioeconômicas mantêm e intensicam dramas
depreciarem o negro. Em muitos casos a criança incor- dade de lidar prossionalmente com a dierença, além mo e também do outro. como a miséria em que vivem as comunidades indíge-
pora essa depreciação evitando sua identidade negra e do teor preconceituoso de muitos livros e materiais Bernd (1987) argumenta que o indivíduo precon- nas, a marginalização da população de cor em alguns
tudo que a remeter a ela. E as proessoras nem sempre didáticos e das relações entre os alunos, desestimulam ceituoso é aquele que se echa em uma determinada países, a subordinação da mulher, portadores de deci-
reagem pedagogicamente a essas situações discrimina- o negro e comprometem seu aprendizado. Os dados opinião, deixando de aceitar o outro lado dos atos, ências e dos idosos. De tudo isso, surge uma sociedade
tórias (GOMES, 2003, p.56). sobre repetência e evasão escolar do alunado negro sendo o preconceito, “uma posição dogmática e sec- com grandes raturas, que geram exclusão social e com
comprovam essa armativa. tária que impede nos indivíduos o desenvolvimento reqüência, ideologias intolerantes que visam justicar
Em unção disso, tornou-se muito comum ouvir- Na batalha contra o racismo, esta é a luta da da necessária e permanente abertura ao conhecimento tais raturas” (KLIKSBERG, 2001).
mos rases como “o próprio negro é racista, ele não se educação: não aceitar como pronta e acabada a lógica mais aproundado da questão, o que poderia levá-los
aceita como negro”. Convém esclarecer que introjeção apoiada na razão cientíca que diz que biologicamente à reavaliação de suas posições” (BERND, 1987, p.11). Os dados e inormações produzidos pelo IBGE e
do preconceito racial é o termo usado para designar a somos todos iguais, nem a moral cristã que nos eleva a Sendo assim, é possível compreender que atitudes pelo IPEA reorçam as palavras, registradas na citação
pessoa que não se aceita como negra. Ou seja, a pes- todos para a mesma natureza divina. Até porque, isso preconceituosas não são inatas. São aprendidas social- acima, de um dos grandes teóricos do Desenvolvimento
soa negra aceita a ideia de inerioridade atribuída à sua não mudará as mentes de nossos alunos, a m de que mente. O ser humano não nasce preconceituoso. Ele Social, Bernardo Kliksberg, no que diz respeito às “ex-
condição racial e, para livrar-se disso, nega-se como deixem de pensar de orma preconceituosa. Munanga aprende a sê-lo. Anal, “nossa trajetória de socialização tremas desigualdades no acesso a oportunidades” da
negra. “E isso jamais pode ser considerado uma atitude (2005, p.19), arma que “como educadores, devemos se inicia na amília, vizinhança, escola, igreja, círculo de população negra, expressando, com clareza, a “perversi-
racista. Se assim o osse, estaríamos culpando a vítima saber que, apesar da lógica da razão ser importante nos amizades e se prolonga até a i nserção em instituições dade da chamada questão racial no Brasil” (JACCOUD
pelo crime. Portanto, quem tem o poder de dominar, processos ormativos e inormativos, ela não modica, prossionais ou atuando em comunidades e movimen- & HEODORO, 2005, p.104).
de comandar a situação, é que pode ser considerado ra- por si, o imaginário e as representações coletivas negati- tos sociais e políticos” (BERND, 1987, p.12). As dierenças de oportunidade de educação para
cista. E isto quem herda são as pessoas brancas”. (DIAS, vas que se tem do negro e do índio na nossa sociedade”. É no contato com o mundo adulto que as crian- negros e brancos também são tema deste artigo. Os
2005, p.5). O preconceito, a priori, não existe. Ele é parte da ças elaboram seus primeiros julgamentos raciais. De negros, considerados nestes indicadores como o so-
Para melhor compreensão de como estão postas as atitude das pessoas em relação a alguém ou a alguma acordo com Gomes (2003, p.55), as atitudes raciais de matório dos pretos e pardos, mantêm-se, em geral, em
relações raciais no espaço escolar, eixeira (1992), tem coisa, maniestando um imaginário social. Dessa orma, caráter negativo tendem a ganhar mais orça na medida uma condição social signicativamente pior que a da
apontado a necessidade de discutir para além de como o signicado da palavra preconceito é “opinião adotada em que a criança vai convivendo em um mundo que população branca. Além dos expressivos dierenciais
a criança negra é aetada pela dierença, preconceito e sem exame nem conhecimento prévio” (LAROUSSE, a coloca constantemente diante do trato negativo dos no que diz respeito à renda, os negros são sempre os
discriminação. De acordo com a autora, “é necessário 2004, p.791). negros, dos índios, das mulheres, dos homossexuais, mais penalizados em termos de acesso e permanência
discutir o le gado branco dessa relação”. Como já oi dito Podemos armar, então, que se os seres humanos dos idosos e das pessoas de baixa renda. nos bancos escolares.
aqui, a população branca de qualquer nível social tem baseiam sua conduta num conjunto de representações São esses julgamentos raciais negativos que dão lu- Vejamos o que mostram as análises realizadas a
tido privilégios que não se quer discutir. “Se de um lado sociais, “essas noções e teorias coletivas estão também gar à discriminação racial. eixeira (1992) registra que partir dos dados da pesquisa Retrato das desigualdades
46 47
dossiê temático
de Gênero e Raça , estudo elaborado pelo Instituto de por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais D’ADESKY, Jacque s. Racismos e anti-racismos no Bra- NOVAES, Si lvia C aiuby. Jogo de es pelhos. São Paulo:
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pela Secretaria cedo pressionada a abandonar os estudos e ingressar sil. Pluralismo étnico e multiculturalismo. Rio de EDUSP, 1993.
Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo no mercado de trabalho. Janeiro: Pallas, 2001. OSÓRIO, Raael Guerreiro. O sistema classicatório de
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a As dierenças regionais também são signicativas DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já oram dados? “cor ou raça” do IBGE. In: BERNARDINO, Joaze;
Mulher (UNIFEM), cuja publicação da 3ª edição ocor- na reprodução dessas desigualdades. Na região Nordes- A questão de raça nas leis educacionais – da LDB GALDINO, Daniela (orgs.) Levando a raça a sério:
reu em dezembro de 2008, trazendo uma interpretação te, que apresenta as maiores taxas de analabetismo no de 1961 á Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Jeruse. ação armativa e universidade. Rio de Janeiro: Co-
dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do- país, 24,5% dos homens negros com 15 anos ou mais História da educação do negro e outras histórias. leção Políticas da Cor. 2004.
micílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geograa de idade não eram capazes de ler um bilhete simples, Brasília: Ministério da Educação Continuada, al- PAULA, Cláudia Regina de. Magistério, reinações do
e Estatística (IBGE). em 2006, ao passo que, na região Sul, essa taxa era de abetização e Diversidade. 2005. p. 49-62. (Coleção eminino e da brancura: a narrativa de um pro-
A pesquisa citada acima teve por objetivo visuali- 9,2. No caso dos homens brancos, nas mesmas regiões, Educação para todos). essor negro. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO
zar, de orma clara e compreensível, as enormes desi- tinha-se, respectivamente, 18,4% e 4,3%. GOLDENZON, Sidney. Eles deveriam pedir descul- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER-
gualdades que se maniestam entre negros e brancos e É certo que a média de anos de estudo vem au- pas, de joelhos. In: PEER, Fry. Divisões perigosas: SIDADE. História da Educação do negro e outras
entre homens e mulheres nos mais dierentes espaços mentando para os dois grupos ao longo do período Políticas raciais no Brasil contemporâneo . Rio de histórias. Brasília: 2005. p.187-200.
sociais: educação, mercado de trabalho, acesso a bens e estudado. Porém, ao observarmos os estudos eitos por Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.149-153. RIBEIRO, Eliana Marques. Cor e Raça no Censo Escolar.
serviços, entre outros. Maria Inês da Silva Barbosa, do Albenarez et alli (apud JACCOUD & HEODORO, GOMES, Nilma Lino. Uma dupla inseparável: cabelo 2005: O que é ser preto, branco, pardo? . Disponível
UNIFEM, argumenta que “é preciso evidenciar as de- 2005, p.109), que analisam o desempenho educacional e cor de pele. In: BARBOSA, Lucia M. A. (org.) et em: elianamrc@ig.com.br. Acesso em abril 2008.
sigualdades para que elas não existam mais, a pesquisa dos alunos brancos e negros, de 8ª série do ensino un- al . De preto a aro-descendentes: trajetos de pesquisa ROCHA, Edmar José da; ROSEMBERG, Fúlvia.
recorta e dá visibilidade à problemática, permitindo damental, a partir dos dados do Sistema de Avaliação sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais Auto declaração de cor e/ou raça entre escolares
direcion ar políticas públicas para acabar com elas”. A da Educação Básica – SAEB, podemos concluir que os no Brasil. São Carlos: EDUFScar, p.137-150, 2003. paulistanos(as). Caderno de Pesquisa, v.37, n.132,
primeira versão da pesquisa é de 2005, mas seu his- alunos negros têm desempenho inerior ao dos alunos ___________. Alguns termos e conceitos presentes no set./dez. 2007.
tórico tem origem em 1993. Os números obtidos são brancos, mesmo quando é eito o controle pelo nível debate sobre relações raciais no Brasil: Uma bre- ROSEMBERG, Fúlvia. Cor nos Censos Brasileiros. In:
disponibilizados para todo o público interessado: movi- sócio-econômico. ve discussão. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO BENO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray
mentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, Além disso, a média de anos de estudo das mulhe- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER- (org.) Psicologia Social do Racismo (Estudos sobre
estudantes. Nesse documento, os números se reerem res é maior que a dos homens e a dos brancos maior SIDADE. Educação anti-racista: caminhos abertos branquitude e branqueamento no Brasil). Vozes,
até a PNAD/2006. Dentre esses números, alguns apre- que a dos negros. Se associarmos os anos de estudo ao pela L ei Federal Nº 10. 639/03. Brasília: 2005. p. 2003.
sentaram aspecto positivo em relação a anos anteriores, recorte etário da pessoa ocupada, os números impres- 39-62. SAN’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos
podendo-se citar, como exemplos, o acesso à educação sionam ainda mais: os homens negros ocupados, com GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alredo. Racismo e Anti- básicos sobre o racismo e seus derivados. In: MU-
e o aumento do número de trabalhadoras domésticas 60 anos ou mais de idade, têm em média 2,5 anos de -Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2 ed. NANGA, Kabengele. Superando o Racismo na esco-
com carteira de trabalho assinada. estudo e as mulheres negras, na mesma aixa etária, 2005. la. 2 ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação,
Ressaltamos, como já mencionado anteriormente, 2,6. Esses números podem ser explicados pelos anos HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações Secretaria de Educação Continuada, Alabetização
que atendendo à delimitação desta artigo, analisaremos de alta de acesso aos bancos escolares por parte da culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. Brasília: e Diversidades, 2005. p. 39-67.
apenas os indicadores de desigualdades de educação população negra. Representação da UNESCO no Brasil, 2003. SOUSA, Ana Beatriz Gomes. Prática Pedagógica Curri-
entre negros e brancos. O comovedor é que os dados apresentados assus- IANI, Alice. Vivendo preconceito em sala de aula. In: cular e alunos negros: um estudo de caso. In: SOU-
tam não somente pelas desigualdades entre negros e AQUINO, Júlio Groppa (org.). Dierenças e precon- SA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens
brancos, com relação aos indicadores de renda e edu- ceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São escolares e reprodução do preconceito. Educação
educaÇÃo cação, mas também por sabermos que essas desigual-
dades são gritantes em outros tantos indicadores sócio-
Paulo: Summus, 1998.
JACQUES, Maria José Corrêa et al . Psicologia Social
anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal Nº
10.639/03. Brasília: 2005. p. 105-120.
-econômicos estudados. Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. EIXEIRA, Maria Aparecida Silva Bento. Resgatando a
Na educação, são marcantes as dierenças raciais: os ne- JACCOUD, Luciana & HEODORO, Mário. Raça e minha bisavó: discriminação racial no trabalho e re-
gros e negras estão menos presentes nas escolas, apre- educação: os limites das políticas universalistas. In: sistência na voz dos trabalhadores negros. São Pau-
sentam médias de anos de estudo ineriores e taxas de
analabetismo bastante superiores. As desigualdades
RefeRêNcias SANOS, Sales Augusto (org.). Ações Armativas e
Combate ao Racismo nas Américas. Brasília: MEC/
lo: Pontiícia Universidade Católica, 1992, 135p.
(Dissertação, Mestrado em Psicologia Social).
se ampliam quanto maior o nível de ensino. No ensino SECAD, 2005.
undamental, a taxa de escolarização líquida, que mede BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e Mitos do Desenvol-
a proporção da população matriculada no nível de ensi- Rio Grande do Sul: Mercado Aberto, 1987. vimento Social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
no adequado à sua idade, para a população branca era BRASIL. Congresso Nacional. Diretrizes Curriculares UNESCO, 2001.
de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Nacionais para a Educação das Relações Étnico- MAGNOLI, Demétrio. Ministério da classicação ra-
Já no ensino médio, essas taxas eram respectiva- -Raciais e para o Ensino de História e Cultura cial. In: FRY, Peter et al . Divisões perigosas. Rio de
mente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio Aro-Brasileira e Aricana. Brasília: jun./ 2005. Janeiro: Civilizações Brasileira, 2007. p. 133-136.
ainda é bastante restrito em nosso país, mas signica- CADERNO do Censo do MEC/2005. Disponível em MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na
tivamente mais limitado para a população negra, que, www.inep.gov,br. Acesso em novembro 2008. escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
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dossiê temático
de Gênero e Raça , estudo elaborado pelo Instituto de por se encontrar nos estratos de menor renda, é mais D’ADESKY, Jacque s. Racismos e anti-racismos no Bra- NOVAES, Si lvia C aiuby. Jogo de es pelhos. São Paulo:
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pela Secretaria cedo pressionada a abandonar os estudos e ingressar sil. Pluralismo étnico e multiculturalismo. Rio de EDUSP, 1993.
Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo no mercado de trabalho. Janeiro: Pallas, 2001. OSÓRIO, Raael Guerreiro. O sistema classicatório de
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a As dierenças regionais também são signicativas DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já oram dados? “cor ou raça” do IBGE. In: BERNARDINO, Joaze;
Mulher (UNIFEM), cuja publicação da 3ª edição ocor- na reprodução dessas desigualdades. Na região Nordes- A questão de raça nas leis educacionais – da LDB GALDINO, Daniela (orgs.) Levando a raça a sério:
reu em dezembro de 2008, trazendo uma interpretação te, que apresenta as maiores taxas de analabetismo no de 1961 á Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Jeruse. ação armativa e universidade. Rio de Janeiro: Co-
dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Do- país, 24,5% dos homens negros com 15 anos ou mais História da educação do negro e outras histórias. leção Políticas da Cor. 2004.
micílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geograa de idade não eram capazes de ler um bilhete simples, Brasília: Ministério da Educação Continuada, al- PAULA, Cláudia Regina de. Magistério, reinações do
e Estatística (IBGE). em 2006, ao passo que, na região Sul, essa taxa era de abetização e Diversidade. 2005. p. 49-62. (Coleção eminino e da brancura: a narrativa de um pro-
A pesquisa citada acima teve por objetivo visuali- 9,2. No caso dos homens brancos, nas mesmas regiões, Educação para todos). essor negro. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO
zar, de orma clara e compreensível, as enormes desi- tinha-se, respectivamente, 18,4% e 4,3%. GOLDENZON, Sidney. Eles deveriam pedir descul- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER-
gualdades que se maniestam entre negros e brancos e É certo que a média de anos de estudo vem au- pas, de joelhos. In: PEER, Fry. Divisões perigosas: SIDADE. História da Educação do negro e outras
entre homens e mulheres nos mais dierentes espaços mentando para os dois grupos ao longo do período Políticas raciais no Brasil contemporâneo . Rio de histórias. Brasília: 2005. p.187-200.
sociais: educação, mercado de trabalho, acesso a bens e estudado. Porém, ao observarmos os estudos eitos por Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.149-153. RIBEIRO, Eliana Marques. Cor e Raça no Censo Escolar.
serviços, entre outros. Maria Inês da Silva Barbosa, do Albenarez et alli (apud JACCOUD & HEODORO, GOMES, Nilma Lino. Uma dupla inseparável: cabelo 2005: O que é ser preto, branco, pardo? . Disponível
UNIFEM, argumenta que “é preciso evidenciar as de- 2005, p.109), que analisam o desempenho educacional e cor de pele. In: BARBOSA, Lucia M. A. (org.) et em: elianamrc@ig.com.br. Acesso em abril 2008.
sigualdades para que elas não existam mais, a pesquisa dos alunos brancos e negros, de 8ª série do ensino un- al . De preto a aro-descendentes: trajetos de pesquisa ROCHA, Edmar José da; ROSEMBERG, Fúlvia.
recorta e dá visibilidade à problemática, permitindo damental, a partir dos dados do Sistema de Avaliação sobre o negro, cultura negra e relações étnico-raciais Auto declaração de cor e/ou raça entre escolares
direcion ar políticas públicas para acabar com elas”. A da Educação Básica – SAEB, podemos concluir que os no Brasil. São Carlos: EDUFScar, p.137-150, 2003. paulistanos(as). Caderno de Pesquisa, v.37, n.132,
primeira versão da pesquisa é de 2005, mas seu his- alunos negros têm desempenho inerior ao dos alunos ___________. Alguns termos e conceitos presentes no set./dez. 2007.
tórico tem origem em 1993. Os números obtidos são brancos, mesmo quando é eito o controle pelo nível debate sobre relações raciais no Brasil: Uma bre- ROSEMBERG, Fúlvia. Cor nos Censos Brasileiros. In:
disponibilizados para todo o público interessado: movi- sócio-econômico. ve discussão. In: SECREARIA DE EDUCAÇÃO BENO, Maria Aparecida Silva; CARONE, Iray
mentos sociais, pesquisadores, gestores, parlamentares, Além disso, a média de anos de estudo das mulhe- CONINUADA, ALFABEIZAÇÃO E DIVER- (org.) Psicologia Social do Racismo (Estudos sobre
estudantes. Nesse documento, os números se reerem res é maior que a dos homens e a dos brancos maior SIDADE. Educação anti-racista: caminhos abertos branquitude e branqueamento no Brasil). Vozes,
até a PNAD/2006. Dentre esses números, alguns apre- que a dos negros. Se associarmos os anos de estudo ao pela L ei Federal Nº 10. 639/03. Brasília: 2005. p. 2003.
sentaram aspecto positivo em relação a anos anteriores, recorte etário da pessoa ocupada, os números impres- 39-62. SAN’ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos
podendo-se citar, como exemplos, o acesso à educação sionam ainda mais: os homens negros ocupados, com GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alredo. Racismo e Anti- básicos sobre o racismo e seus derivados. In: MU-
e o aumento do número de trabalhadoras domésticas 60 anos ou mais de idade, têm em média 2,5 anos de -Racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 2 ed. NANGA, Kabengele. Superando o Racismo na esco-
com carteira de trabalho assinada. estudo e as mulheres negras, na mesma aixa etária, 2005. la. 2 ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação,
Ressaltamos, como já mencionado anteriormente, 2,6. Esses números podem ser explicados pelos anos HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações Secretaria de Educação Continuada, Alabetização
que atendendo à delimitação desta artigo, analisaremos de alta de acesso aos bancos escolares por parte da culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG. Brasília: e Diversidades, 2005. p. 39-67.
apenas os indicadores de desigualdades de educação população negra. Representação da UNESCO no Brasil, 2003. SOUSA, Ana Beatriz Gomes. Prática Pedagógica Curri-
entre negros e brancos. O comovedor é que os dados apresentados assus- IANI, Alice. Vivendo preconceito em sala de aula. In: cular e alunos negros: um estudo de caso. In: SOU-
tam não somente pelas desigualdades entre negros e AQUINO, Júlio Groppa (org.). Dierenças e precon- SA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens
brancos, com relação aos indicadores de renda e edu- ceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São escolares e reprodução do preconceito. Educação
educaÇÃo cação, mas também por sabermos que essas desigual-
dades são gritantes em outros tantos indicadores sócio-
Paulo: Summus, 1998.
JACQUES, Maria José Corrêa et al . Psicologia Social
anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal Nº
10.639/03. Brasília: 2005. p. 105-120.
-econômicos estudados. Contemporânea. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. EIXEIRA, Maria Aparecida Silva Bento. Resgatando a
Na educação, são marcantes as dierenças raciais: os ne- JACCOUD, Luciana & HEODORO, Mário. Raça e minha bisavó: discriminação racial no trabalho e re-
gros e negras estão menos presentes nas escolas, apre- educação: os limites das políticas universalistas. In: sistência na voz dos trabalhadores negros. São Pau-
sentam médias de anos de estudo ineriores e taxas de
analabetismo bastante superiores. As desigualdades
RefeRêNcias SANOS, Sales Augusto (org.). Ações Armativas e
Combate ao Racismo nas Américas. Brasília: MEC/
lo: Pontiícia Universidade Católica, 1992, 135p.
(Dissertação, Mestrado em Psicologia Social).
se ampliam quanto maior o nível de ensino. No ensino SECAD, 2005.
undamental, a taxa de escolarização líquida, que mede BERND, Zilá. Negritude e literatura na América Latina. KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e Mitos do Desenvol-
a proporção da população matriculada no nível de ensi- Rio Grande do Sul: Mercado Aberto, 1987. vimento Social. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:
no adequado à sua idade, para a população branca era BRASIL. Congresso Nacional. Diretrizes Curriculares UNESCO, 2001.
de 95,7 em 2006; entre os negros, era de 94,2. Nacionais para a Educação das Relações Étnico- MAGNOLI, Demétrio. Ministério da classicação ra-
Já no ensino médio, essas taxas eram respectiva- -Raciais e para o Ensino de História e Cultura cial. In: FRY, Peter et al . Divisões perigosas. Rio de
mente, 58,4 e 37,4. Isto é, o acesso ao ensino médio Aro-Brasileira e Aricana. Brasília: jun./ 2005. Janeiro: Civilizações Brasileira, 2007. p. 133-136.
ainda é bastante restrito em nosso país, mas signica- CADERNO do Censo do MEC/2005. Disponível em MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o racismo na
tivamente mais limitado para a população negra, que, www.inep.gov,br. Acesso em novembro 2008. escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
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dossiê temático
rEflEXõEs sobrE
nossas construçõEs
intElEctuais E políticas
acErca dE “raça” ResuMo aBstRact
Esse artigo procura azer uma reexão sobre a construção do Tis article attempts to discuss the construction o the concept
conceito “raça” no Brasil republicano. «race» in Republican Brazil.
joÃo Batista Outra questão é a miscigenação, que alguns pensadores viam Another issue is the mixing, which or some thinkers was seen as a
de jesus felix como um ator negativo a ser extirpado de nosso país. Outros negative actor, which should be excised rom our country. Others
enxergavam nela uma característica que poderia ser mais bem who saw it as a eature that could be used more, or was something
Doutor e Mestre pela USP. Atualmente é aproveitada, ou seja, era algo positivo. Atualmente ela é vista como positive. Currently she is seen as a way o ensuring the existence o
Professor Adjunto II, de Antropologia So- uma orma de garantir a existência dos negros, pois passou a ser black people, because she happened to be interpreted as a darkening
cial, na Universidade Federal do Tocantins interpretada como um escurecimento da população. o the population.
(UFT), no Curso de Ciências Sociais. É o
Diretor de Cultura do mesmo campus e
Coordenador do Núcleo de Estudos Inter- Palavras chave: Raça; Democracia Racial; Identidade; Precon- Keywords: Race, Democracy Racial Identity, Prejudice, Racism.
disciplinar da áfrica e dos Afro-Brasilei- ceito; Racismo.
ros da UFT (NEAF/UFT).
“unesto” tão evidente – aria para tentar modicar essa descartando a “raça” como ator determinante e intro-
os pioNeiRos sina terrível. Além disso, em nais do séc. XIX parecia duzindo a noção de cultura 1.
importante vericar se as opções de miscigenação eitas Nesse sentido, o primeiro desao de Freyre oi
teriam alguns eeitos benécos. considerar “undamental a dierença entre raça e cultu-
Muitos autores, tais como Sílvio Romero (1943), Nina Internamente podemos perceber a consolidação ra; a discriminar entre os eeitos de relações puramente
Rodrigues (1957), Oliveira Vianna e outros, dedicaram- de pelo menos três principais posições rente às teo- genéticas e os de inuências sociais, de herança cultural
-se à análise das relações “raciais” e da mestiçagem no rias européias: para alguns cientistas, o uturo de um e de meio” (1978; XXIII/XXIV). Ele teve contatos com
Brasil, o que p ode exemplicar a grande preocupação país “miscigenado” só poderia, de ato, ser unesto, isso modelos explicativo s anteriores, como os de Nina Ro-
que essas questões despertam em nossa sociedade. A devido, tão somente, à miscigenação (Nina Rodrigues, drigues, Sílvio Romero, João B. Lacerda, Oliveira Vian-
escravidão brasileira legou para a história do país a pro- 1957). Outros entendiam que esse mesmo enômeno na e outros, que pretendiam, por meio da determinante
blematização da desigualdade sociorracial. al situação social não era tão prejudicial assim e que o branquea- racial, denir o “real” caráter do brasileiro e as várias
ez com que muitos “homens de ciências” – como se mento se imporia (Sílvio Romero, 1949). Outros ainda tentativas de se explicar a problemática da miscigena-
autodenominavam, então, os letrados vinculados às compreenderiam que essa mesma questão era de pouca ção. Por este motivo, arma no preácio da primeira
instituições de pesquisa e ensino no país – se sentissem ou nenhuma importância, já que o problema se resumia edição de Casa-Grande & Senzala : “dos problemas bra-
na obrigação de tentar entender e explicar o destino da à educação (Manoel Bomm, 1993). As posições se di- sileiros, (não havia) nenhum que me inquietasse tanto
nação, com uma população de grande contingente de vidiam, mas mostram, em seu conjunto, perplexidade como o da miscigenação” (idem; XXIII).
ex-escravos e de mestiços. Uma das maiores razões para em relação à questão. Foi só nos anos 30 que vimos Freyre procurou analisar as relações sociorraciais
esta preocupação baseava-se no ato de que, no nal do o tema se transormando, como mostra, entre outros, brasileiras tendo como modelo as condições de vida
século XIX e início do século XX, boa parte dos homens Schwarcz, em Espetáculo das Raças, 1993. existentes entre os habitantes da “Casa-Grande” e os
de ciências, principalmente da Europa, deendia a invia- da “Senza la”. Em Casa-Grande & Senzala, 1933, o autor
bilidade da mestiçagem. Nesse sentido, uma sociedade procurou descrever uma sociedade em que a partici-
que tivesse grande prolieração desse enômeno gené-
tico estaria irremediavelmente destinada ao racasso,
a deMocRacia pação tanto do “negro” como do “mestiço” tivesse um
destaque bastante relevante. Como a sua proposta era
tanto social como político e cultural (Cruz Costa, 1967; Racial azer um estudo culturalista das relações sociorraciais
Skidmore, 1976 e Schwarcz, 1993). brasileiras, Freyre buscou dar relevo à inuência que
O Brasil, devido à enorme taxa de miscigenação Gilberto Freyre oi um estudioso que procurou contri- esses grupos tiveram sobre o estilo de vida dos senhores
presente em sua sociedade, despertou a curiosidade de buir com a discussão sobre a identidade do brasileiro, já de engenho. al inuência, segundo ele, se ez sentir
muitos desses cientistas, dentro e ora do país, desde em outro contexto político e intelectual. No preácio do
os primeiros momentos da colonização. Em outras livro Casa-Grande & Senzala , 1933, o autor arma que,
palavras, o que esses senhores gostariam de saber era após ter tomado contato com Franz Boas, em Colúmbia 1. Uma boa obra sobre este autor é Casa-Grande & Senzala e a
o que um país já tão miscigenado – com um destino (EUA), procurou explicar a questão da miscigenação, Obra de Gilberto Freyre , de Ricardo Benzaquem de Araújo, 1994.
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dossiê temático
rEflEXõEs sobrE
nossas construçõEs
intElEctuais E políticas
acErca dE “raça” ResuMo aBstRact
Esse artigo procura azer uma reexão sobre a construção do Tis article attempts to discuss the construction o the concept
conceito “raça” no Brasil republicano. «race» in Republican Brazil.
joÃo Batista Outra questão é a miscigenação, que alguns pensadores viam Another issue is the mixing, which or some thinkers was seen as a
de jesus felix como um ator negativo a ser extirpado de nosso país. Outros negative actor, which should be excised rom our country. Others
enxergavam nela uma característica que poderia ser mais bem who saw it as a eature that could be used more, or was something
Doutor e Mestre pela USP. Atualmente é aproveitada, ou seja, era algo positivo. Atualmente ela é vista como positive. Currently she is seen as a way o ensuring the existence o
Professor Adjunto II, de Antropologia So- uma orma de garantir a existência dos negros, pois passou a ser black people, because she happened to be interpreted as a darkening
cial, na Universidade Federal do Tocantins interpretada como um escurecimento da população. o the population.
(UFT), no Curso de Ciências Sociais. É o
Diretor de Cultura do mesmo campus e
Coordenador do Núcleo de Estudos Inter- Palavras chave: Raça; Democracia Racial; Identidade; Precon- Keywords: Race, Democracy Racial Identity, Prejudice, Racism.
disciplinar da áfrica e dos Afro-Brasilei- ceito; Racismo.
ros da UFT (NEAF/UFT).
“unesto” tão evidente – aria para tentar modicar essa descartando a “raça” como ator determinante e intro-
os pioNeiRos sina terrível. Além disso, em nais do séc. XIX parecia duzindo a noção de cultura 1.
importante vericar se as opções de miscigenação eitas Nesse sentido, o primeiro desao de Freyre oi
teriam alguns eeitos benécos. considerar “undamental a dierença entre raça e cultu-
Muitos autores, tais como Sílvio Romero (1943), Nina Internamente podemos perceber a consolidação ra; a discriminar entre os eeitos de relações puramente
Rodrigues (1957), Oliveira Vianna e outros, dedicaram- de pelo menos três principais posições rente às teo- genéticas e os de inuências sociais, de herança cultural
-se à análise das relações “raciais” e da mestiçagem no rias européias: para alguns cientistas, o uturo de um e de meio” (1978; XXIII/XXIV). Ele teve contatos com
Brasil, o que p ode exemplicar a grande preocupação país “miscigenado” só poderia, de ato, ser unesto, isso modelos explicativo s anteriores, como os de Nina Ro-
que essas questões despertam em nossa sociedade. A devido, tão somente, à miscigenação (Nina Rodrigues, drigues, Sílvio Romero, João B. Lacerda, Oliveira Vian-
escravidão brasileira legou para a história do país a pro- 1957). Outros entendiam que esse mesmo enômeno na e outros, que pretendiam, por meio da determinante
blematização da desigualdade sociorracial. al situação social não era tão prejudicial assim e que o branquea- racial, denir o “real” caráter do brasileiro e as várias
ez com que muitos “homens de ciências” – como se mento se imporia (Sílvio Romero, 1949). Outros ainda tentativas de se explicar a problemática da miscigena-
autodenominavam, então, os letrados vinculados às compreenderiam que essa mesma questão era de pouca ção. Por este motivo, arma no preácio da primeira
instituições de pesquisa e ensino no país – se sentissem ou nenhuma importância, já que o problema se resumia edição de Casa-Grande & Senzala : “dos problemas bra-
na obrigação de tentar entender e explicar o destino da à educação (Manoel Bomm, 1993). As posições se di- sileiros, (não havia) nenhum que me inquietasse tanto
nação, com uma população de grande contingente de vidiam, mas mostram, em seu conjunto, perplexidade como o da miscigenação” (idem; XXIII).
ex-escravos e de mestiços. Uma das maiores razões para em relação à questão. Foi só nos anos 30 que vimos Freyre procurou analisar as relações sociorraciais
esta preocupação baseava-se no ato de que, no nal do o tema se transormando, como mostra, entre outros, brasileiras tendo como modelo as condições de vida
século XIX e início do século XX, boa parte dos homens Schwarcz, em Espetáculo das Raças, 1993. existentes entre os habitantes da “Casa-Grande” e os
de ciências, principalmente da Europa, deendia a invia- da “Senza la”. Em Casa-Grande & Senzala, 1933, o autor
bilidade da mestiçagem. Nesse sentido, uma sociedade procurou descrever uma sociedade em que a partici-
que tivesse grande prolieração desse enômeno gené-
tico estaria irremediavelmente destinada ao racasso,
a deMocRacia pação tanto do “negro” como do “mestiço” tivesse um
destaque bastante relevante. Como a sua proposta era
tanto social como político e cultural (Cruz Costa, 1967; Racial azer um estudo culturalista das relações sociorraciais
Skidmore, 1976 e Schwarcz, 1993). brasileiras, Freyre buscou dar relevo à inuência que
O Brasil, devido à enorme taxa de miscigenação Gilberto Freyre oi um estudioso que procurou contri- esses grupos tiveram sobre o estilo de vida dos senhores
presente em sua sociedade, despertou a curiosidade de buir com a discussão sobre a identidade do brasileiro, já de engenho. al inuência, segundo ele, se ez sentir
muitos desses cientistas, dentro e ora do país, desde em outro contexto político e intelectual. No preácio do
os primeiros momentos da colonização. Em outras livro Casa-Grande & Senzala , 1933, o autor arma que,
palavras, o que esses senhores gostariam de saber era após ter tomado contato com Franz Boas, em Colúmbia 1. Uma boa obra sobre este autor é Casa-Grande & Senzala e a
o que um país já tão miscigenado – com um destino (EUA), procurou explicar a questão da miscigenação, Obra de Gilberto Freyre , de Ricardo Benzaquem de Araújo, 1994.
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dossiê temático
principalmente através da culinária, das vestimentas Como podemos notar Freyre, com sua obra Casa- Casa-Grande & Senzala inicia uma nova ase na menino, com grande simpatia, a abolição dos escravos’,
e da sexualidade. -Grande & Senzala , oereceu uma explicação acadêmica história intelectual do país. Após sua publicação as pois os escravos eram ‘um anexo da amília’, alguns ten-
Alguns estudiosos costumam deender a ideia de sobre uma questão que tanto incomodava os intelec- relações “raciais” brasileiras passam a ser vistas como do cado com os Modestos ‘o resto da vida, depois de
que a contribuição de Gilberto Freyre oi a de que, pela tuais e políticos brasileiros. Em novos termos, se rein- altamente positivas4. Freyre, não contente com o su- libertos’, conessa sempre ter gostado ‘mais de negro
primeira vez, alguém procurou ‘positivar’ a mestiçagem terpretava o Brasil como uma sociedade “mestiça”. É cesso alcançado, passa a ser o nosso maior divulgador, que do mulato’, considerando o mulato ‘inimigo natural
brasileira. Segundo Skidmore: “ Casa-Grande & Senzala interessante notar também que, nessa obra, Freyre des- internacionalmente alando, através de suas obras pos- do branco...” (pág. 352).
virou de cabeça para baixo a armação de ter a misci- carta logo no primeiro capítulo os indígenas. Para ele, a teriores, de nossas relações “raciais” amistosas. Na obra “Do padre Florentino Barbosa, nascido em 1981, na
genação causado dano irreparável” (à sociedade bra- maior, quiçá a única, contribuição dada pelos nativos de Interpretação do Brasil , de 1947, que é uma coletânea Paraíba, são essas as palavras: ‘Não aprovo o casamento
sileira). “O pot-pourri étnico do Brasil, dizia Gilberto nosso contingente oi o útero materno, de onde saíram de diversas palestras proeridas por ele nos EUA, em de negro com branco pela disparidade de tendências,
Freyre, era, ao contrário, uma vantagem imensa” (1976: os primeiros brasileiros. Nada mais 2. várias ocasiões o autor arma e rearma que o colo- costumes, etc.’. Quanto ao casamento próximo com pes-
210). Apesar da opinião de Skidmore, o que notamos A sociedade mostrada por Gilberto Freyre, nesta nizador luso não teve a mesma postura de separação soa de cor, ‘não (o) recebera bem’” (págs. 355/6).
é que a miscigenação não era entendida no Brasil pré- obra, é uma sociedade em que os p ortugueses entram e de distanciamento, com relação a seus escravos, que “Quanto ao brasileiro de Pernambuco, Adolo Faustino
-Gilberto Freyre simplesmente como um “dano irre- com o poder político, a civilização e o capital, e os ne- os colonizadores anglo-saxões na América do Norte. Porto. Nascido em Olinda, em 1887, depois de se dizer
parável”, havia também posturas que deendiam ser ela gros com parte da cultura. A miscigenação brasileira Ou seja, ele procurou divulgar para o mundo todo que livre de preconceito de raça, reage de modo dierente à
um mal necessário, ou um “ato e pronto”, como dizia é explicada histórica e culturalmente: os portugueses, no Brasil existia uma real “democracia racial”, em que pergunta especica ou concreta sobre o assunto: “Pode
Sílvio Romero. por já terem tido um longo contato com os mouros no “brancos” e “negros” conviviam raternalmente. Outro parecer uma chocante contradição com o que atrás con-
O enorme sucesso alcançado por Casa-Grande & continente europeu, não tiveram problema algum para ator que muito contribuiu para o sucesso internacional signado, acerca de minha atitude para com os negros,
Senzala – pois esta obra em muito inuenciou a visão se relacionar com as mulheres aricanas aqui no Brasil. de nossa representação de “democracia racial” oi que em resposta ao quesito 16 do inquérito, a ressalva que
de mundo da sociedade brasileira – não está somente Devido a esse p assado mestiço anterior, os lhos que Portugal, nossa ex-Metrópole, abraçou imediatamente aço, ao responder ao quesito 16ª. Devo estabelecer uma
relacionado às opiniões assumidas por seu autor, mas surgiram dessas relações oram incorporados à convi- o “luso-tropicalismo” proposto por Freyre 5. De posse graduação, ao justicar meu ponto de vista pessoal so-
sim na grande capacidade que Gilberto Freyre teve em vência da Casa-Grande. Esta postura assumida pelos dessa teoria, Portugal tentou justicar as suas colônias bre coloração pigmentaria, o qual me parece undo, ao
conseguir dar destaque a várias teorias apresentadas portugueses oi denominada por Gilberto Freyre, anos na Árica. Em sua visão, as dierenças sociais existentes mesmo tempo, em motivos estéticos e siológicos. O
anteriormente, avoráveis à mestiçagem, mas separadas mais tarde, de luso-tropicalismo 3. no Brasil seriam “o resultado da consciência de classe branco, nessa gradação, vem em primeiro lugar, seguin-
entre si. Segundo Schwarcz, ao reuni-las, Freyre conse- Freyre destacou a contribuição cultural do arica- mais do que de qualquer preconceito e raça ou de cor” do-se-lhe o índio, o mulato e, por m, o negro. A cor
guiu oerecer “uma espécie de nova racionalidade para no, que para ele já era detentor de uma “cultura supe- (Freyre, 1947; 188). preta nunca me agradou. Ele não é uma síntese, como a
a sociedade multirracial brasileira” (1995). Além desta rior não só à dos indígenas como à da grande maioria Apesar de ser um grande deensor da “democracia branca. É a própria ausência de cor, na série prismática.
“mistura” teórica ele procurou se basear na teoria cultu- dos colonos brancos” (Freyre, 1978; 299). A violência brasileira”, Freyre tinha conhecimento das discrimina- Luto, trevas, umo se associaram na ormação de um
ralista norte-americana “sem abandonar totalmente os existente no regime escravista brasileiro era explicada ções que os negros e mestiços soriam no Brasil. No complexo que remonta, talvez, a minha meninice e a
pressupostos raciais dos mestres brasilei ros”, o que le vou por meio desta cultura i nerior dos europeus. livro Ordem e Progresso , escrito em 1957, obra em que que também não é estranha a inuência da ‘história de
a obra de Freyre a revelar uma “singularidade da mesti- No desenvolvimento do enredo de Casa-Grande se propôs azer um estudo extenso sobre a sociedade rancoso’, com personagens que eram ‘negros velhos’
çagem (brasileira), invertendo os termos da equação e & Senzala, as relações entre escravos e senhores vão brasileira (para tanto aplicou 1.500 questionários, em perversos e de hórrido aspecto. De sorte que, para ser
positivando o modelo” (Schwarcz, 1995; 54). Já Skidmore cando cada vez mais adocicadas, a ponto de o autor todo país, atingindo pessoas das mais diversas estrati- rigorosamente verdadeiro, devo armar que não rece-
(1976) arma que a postura teórica assumida por Freyre: armar que: cações sociais), podemos destacar alguns depoimen- beria bem o casamento de lho ou lha, irmão ou irmã,
tos em que as pessoas demonstram possuir prounda com pessoa de cor preta.” (1990; 357).
“... agradou aos brasileiros, pois ajudava a explicar a ori- “Os pretos e pardos no Brasil não oram apenas com- discriminação contra os “negros” e os “mestiços”. Aqui
gem da sua própria personalidade. Ao mesmo tempo, panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas- vão alguns exemplos: É possível azer a seguinte reexão sobre a “de-
era a primeira vez que os leitores recebiam um exame -grandes e até nos colégios; houve também meninos mocracia racial”, ela pode ser entendida como um
erudito do caráter nacional brasileiro com uma desi- brancos que aprenderam a ler com proessores negros. “Já Heitor Modesto (d’Almeida) nascido em Minas “mito”6 nacional brasileiro. Mesmo aqueles que não
nibida mensagem de otimismo: os brasileiros podiam A ler e a escrever e também a contar pelo sistema de Gerais, em 1881, depois de recordar ter recebido, ‘em reconhecem a sua existência não propõem uma socie-
orgulhar-se da sua civilização tropical, original e etnica- tabuada cantada” (idem; 415). dade sem a sua presença. Isto demonstra que o ima-
mente mestiça, cujos vícios sociais – que Gilberto Freire ginário social do brasileiro, seja ele “branco”, “negro”,
4. A importância de Casa-Grande & Senzala, está em sua proposta
não subestimou – deviam atribuir-se principalmente 2. Em depoimento dado à TV Cultura de São Paulo, em um pro- teórica culturalista que se propunha a desvendar o que fazia do
“mestiço” – talvez até mesmo “indígena” – não concebe
à atmosera de monocultura escravista que dominava grama sobre o livro Casa-Grande & Senzala , exibido pela primeira Brasil uma nação multirracial. A maneira de relatar e as fontes uma sociedade em que as relações “sócio-raciais” se-
o país até a segunda metade do séc. XIX. As conse- vez, em maio de 1994, Gilberto Freyre afirma “que somente a índia utilizadas causaram bastante impacto, devido ao seu ineditismo.
qüências danosas da miscigenação provinham não da fêmea contribuiu para a colonização do Brasil”. 5. O “luso-tropicalismo” não está presente em Casa-Grande & 6. Aqui mito está sendo entendido como “um modo de significa-
mistura de raça em si, mas da relação malsã de senhor 3. Para maiores informações sobre este tema consultar Omar Ri- Senzala , mas foi sendo incorporado à teoria de Freyre ao longo ção”, como “uma fala” social . (Barthes, 1972; 131). Uma outra fonte
e escravo debaixo da qual se zera” (pág. 211). beiro, 1996, Do Saber Colonial ao Luso Tropicalismo . do desenvolvimento de seus estudos sociológicos. é Feijoada e Soul Food , Fry, 1982.
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principalmente através da culinária, das vestimentas Como podemos notar Freyre, com sua obra Casa- Casa-Grande & Senzala inicia uma nova ase na menino, com grande simpatia, a abolição dos escravos’,
e da sexualidade. -Grande & Senzala , oereceu uma explicação acadêmica história intelectual do país. Após sua publicação as pois os escravos eram ‘um anexo da amília’, alguns ten-
Alguns estudiosos costumam deender a ideia de sobre uma questão que tanto incomodava os intelec- relações “raciais” brasileiras passam a ser vistas como do cado com os Modestos ‘o resto da vida, depois de
que a contribuição de Gilberto Freyre oi a de que, pela tuais e políticos brasileiros. Em novos termos, se rein- altamente positivas4. Freyre, não contente com o su- libertos’, conessa sempre ter gostado ‘mais de negro
primeira vez, alguém procurou ‘positivar’ a mestiçagem terpretava o Brasil como uma sociedade “mestiça”. É cesso alcançado, passa a ser o nosso maior divulgador, que do mulato’, considerando o mulato ‘inimigo natural
brasileira. Segundo Skidmore: “ Casa-Grande & Senzala interessante notar também que, nessa obra, Freyre des- internacionalmente alando, através de suas obras pos- do branco...” (pág. 352).
virou de cabeça para baixo a armação de ter a misci- carta logo no primeiro capítulo os indígenas. Para ele, a teriores, de nossas relações “raciais” amistosas. Na obra “Do padre Florentino Barbosa, nascido em 1981, na
genação causado dano irreparável” (à sociedade bra- maior, quiçá a única, contribuição dada pelos nativos de Interpretação do Brasil , de 1947, que é uma coletânea Paraíba, são essas as palavras: ‘Não aprovo o casamento
sileira). “O pot-pourri étnico do Brasil, dizia Gilberto nosso contingente oi o útero materno, de onde saíram de diversas palestras proeridas por ele nos EUA, em de negro com branco pela disparidade de tendências,
Freyre, era, ao contrário, uma vantagem imensa” (1976: os primeiros brasileiros. Nada mais 2. várias ocasiões o autor arma e rearma que o colo- costumes, etc.’. Quanto ao casamento próximo com pes-
210). Apesar da opinião de Skidmore, o que notamos A sociedade mostrada por Gilberto Freyre, nesta nizador luso não teve a mesma postura de separação soa de cor, ‘não (o) recebera bem’” (págs. 355/6).
é que a miscigenação não era entendida no Brasil pré- obra, é uma sociedade em que os p ortugueses entram e de distanciamento, com relação a seus escravos, que “Quanto ao brasileiro de Pernambuco, Adolo Faustino
-Gilberto Freyre simplesmente como um “dano irre- com o poder político, a civilização e o capital, e os ne- os colonizadores anglo-saxões na América do Norte. Porto. Nascido em Olinda, em 1887, depois de se dizer
parável”, havia também posturas que deendiam ser ela gros com parte da cultura. A miscigenação brasileira Ou seja, ele procurou divulgar para o mundo todo que livre de preconceito de raça, reage de modo dierente à
um mal necessário, ou um “ato e pronto”, como dizia é explicada histórica e culturalmente: os portugueses, no Brasil existia uma real “democracia racial”, em que pergunta especica ou concreta sobre o assunto: “Pode
Sílvio Romero. por já terem tido um longo contato com os mouros no “brancos” e “negros” conviviam raternalmente. Outro parecer uma chocante contradição com o que atrás con-
O enorme sucesso alcançado por Casa-Grande & continente europeu, não tiveram problema algum para ator que muito contribuiu para o sucesso internacional signado, acerca de minha atitude para com os negros,
Senzala – pois esta obra em muito inuenciou a visão se relacionar com as mulheres aricanas aqui no Brasil. de nossa representação de “democracia racial” oi que em resposta ao quesito 16 do inquérito, a ressalva que
de mundo da sociedade brasileira – não está somente Devido a esse p assado mestiço anterior, os lhos que Portugal, nossa ex-Metrópole, abraçou imediatamente aço, ao responder ao quesito 16ª. Devo estabelecer uma
relacionado às opiniões assumidas por seu autor, mas surgiram dessas relações oram incorporados à convi- o “luso-tropicalismo” proposto por Freyre 5. De posse graduação, ao justicar meu ponto de vista pessoal so-
sim na grande capacidade que Gilberto Freyre teve em vência da Casa-Grande. Esta postura assumida pelos dessa teoria, Portugal tentou justicar as suas colônias bre coloração pigmentaria, o qual me parece undo, ao
conseguir dar destaque a várias teorias apresentadas portugueses oi denominada por Gilberto Freyre, anos na Árica. Em sua visão, as dierenças sociais existentes mesmo tempo, em motivos estéticos e siológicos. O
anteriormente, avoráveis à mestiçagem, mas separadas mais tarde, de luso-tropicalismo 3. no Brasil seriam “o resultado da consciência de classe branco, nessa gradação, vem em primeiro lugar, seguin-
entre si. Segundo Schwarcz, ao reuni-las, Freyre conse- Freyre destacou a contribuição cultural do arica- mais do que de qualquer preconceito e raça ou de cor” do-se-lhe o índio, o mulato e, por m, o negro. A cor
guiu oerecer “uma espécie de nova racionalidade para no, que para ele já era detentor de uma “cultura supe- (Freyre, 1947; 188). preta nunca me agradou. Ele não é uma síntese, como a
a sociedade multirracial brasileira” (1995). Além desta rior não só à dos indígenas como à da grande maioria Apesar de ser um grande deensor da “democracia branca. É a própria ausência de cor, na série prismática.
“mistura” teórica ele procurou se basear na teoria cultu- dos colonos brancos” (Freyre, 1978; 299). A violência brasileira”, Freyre tinha conhecimento das discrimina- Luto, trevas, umo se associaram na ormação de um
ralista norte-americana “sem abandonar totalmente os existente no regime escravista brasileiro era explicada ções que os negros e mestiços soriam no Brasil. No complexo que remonta, talvez, a minha meninice e a
pressupostos raciais dos mestres brasilei ros”, o que le vou por meio desta cultura i nerior dos europeus. livro Ordem e Progresso , escrito em 1957, obra em que que também não é estranha a inuência da ‘história de
a obra de Freyre a revelar uma “singularidade da mesti- No desenvolvimento do enredo de Casa-Grande se propôs azer um estudo extenso sobre a sociedade rancoso’, com personagens que eram ‘negros velhos’
çagem (brasileira), invertendo os termos da equação e & Senzala, as relações entre escravos e senhores vão brasileira (para tanto aplicou 1.500 questionários, em perversos e de hórrido aspecto. De sorte que, para ser
positivando o modelo” (Schwarcz, 1995; 54). Já Skidmore cando cada vez mais adocicadas, a ponto de o autor todo país, atingindo pessoas das mais diversas estrati- rigorosamente verdadeiro, devo armar que não rece-
(1976) arma que a postura teórica assumida por Freyre: armar que: cações sociais), podemos destacar alguns depoimen- beria bem o casamento de lho ou lha, irmão ou irmã,
tos em que as pessoas demonstram possuir prounda com pessoa de cor preta.” (1990; 357).
“... agradou aos brasileiros, pois ajudava a explicar a ori- “Os pretos e pardos no Brasil não oram apenas com- discriminação contra os “negros” e os “mestiços”. Aqui
gem da sua própria personalidade. Ao mesmo tempo, panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas- vão alguns exemplos: É possível azer a seguinte reexão sobre a “de-
era a primeira vez que os leitores recebiam um exame -grandes e até nos colégios; houve também meninos mocracia racial”, ela pode ser entendida como um
erudito do caráter nacional brasileiro com uma desi- brancos que aprenderam a ler com proessores negros. “Já Heitor Modesto (d’Almeida) nascido em Minas “mito”6 nacional brasileiro. Mesmo aqueles que não
nibida mensagem de otimismo: os brasileiros podiam A ler e a escrever e também a contar pelo sistema de Gerais, em 1881, depois de recordar ter recebido, ‘em reconhecem a sua existência não propõem uma socie-
orgulhar-se da sua civilização tropical, original e etnica- tabuada cantada” (idem; 415). dade sem a sua presença. Isto demonstra que o ima-
mente mestiça, cujos vícios sociais – que Gilberto Freire ginário social do brasileiro, seja ele “branco”, “negro”,
4. A importância de Casa-Grande & Senzala, está em sua proposta
não subestimou – deviam atribuir-se principalmente 2. Em depoimento dado à TV Cultura de São Paulo, em um pro- teórica culturalista que se propunha a desvendar o que fazia do
“mestiço” – talvez até mesmo “indígena” – não concebe
à atmosera de monocultura escravista que dominava grama sobre o livro Casa-Grande & Senzala , exibido pela primeira Brasil uma nação multirracial. A maneira de relatar e as fontes uma sociedade em que as relações “sócio-raciais” se-
o país até a segunda metade do séc. XIX. As conse- vez, em maio de 1994, Gilberto Freyre afirma “que somente a índia utilizadas causaram bastante impacto, devido ao seu ineditismo.
qüências danosas da miscigenação provinham não da fêmea contribuiu para a colonização do Brasil”. 5. O “luso-tropicalismo” não está presente em Casa-Grande & 6. Aqui mito está sendo entendido como “um modo de significa-
mistura de raça em si, mas da relação malsã de senhor 3. Para maiores informações sobre este tema consultar Omar Ri- Senzala , mas foi sendo incorporado à teoria de Freyre ao longo ção”, como “uma fala” social . (Barthes, 1972; 131). Uma outra fonte
e escravo debaixo da qual se zera” (pág. 211). beiro, 1996, Do Saber Colonial ao Luso Tropicalismo . do desenvolvimento de seus estudos sociológicos. é Feijoada e Soul Food , Fry, 1982.
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jam conituosas. Neste sentido, podemos armar que Estado, mas também pretendem ver respeitadas a suas alunos trabalharam em estreito contato, na Bahia, com plicação de que esta posição não tinha qualquer ligação
a “democracia racial” parece ser um valor bastante caro dierenças. Tales de Azevedo (Universidade da Bahia), enquanto com o ator “racial”, nem com a cor, mas era sim um
para os brasileiros. A representação de “democracia racial” brasilei- que Bastide trabalhou com Florestan Fernandes, em reexo da situação educacional e social que o “negro”
A “democracia racial” tem para o brasileiro a mes- ra só sorerá um orte ataque na década de 1950, jus- São Paulo, também com a ajuda de undos da UNES- e o “mulato” viviam em nossa sociedade.
ma unção que o “credo americano” tem para o norte- tamente quando a UNESCO, após entender que esta CO. Uma terceira pesquisa patrocinada pela UNESCO Este racismo encoberto, disarçado, ez com que o
-americano, segundo Myrdal, ele é o “cimento na estru- orma de convivência pacíca sustentada pelo governo oi eita por René Ribeiro (Instituto Joaquim Nabuco) e “negro” e o “mulato” não conseguissem entender que
tura variegada (daquela) nação” (Rose, 1968; 41). Este brasileiro entre “raças” era bastante salutar, assumiu a no Rio de Janeiro por Luís Costa Pinto (Universidade sua condição de inerioridade social oi construída, que
“credo” deende a “dignidade essencial do i ndivíduo, posição de estudar este enômeno para poder melhor do Brasil)” (Skidmore, 1976; 236). era resultado de uma discriminação em que a “raça”
da igualdade básica de todos os homens e de certos divulgá-lo em outras sociedades racistas no mundo: era “undida” com a situação de classe social. Segundo
direitos inalienáveis à liberdade, à justiça e às mesmas Árica do Sul e Estados Unidos, principalmente. Não Depois da divulgação dos resultados obtidos, prin- Fernandes, os “brancos” deendiam a discriminação
oportunidades representam, para o povo americano, podemos esquecer que o mundo ainda tinha muito viva cipalmente, pela equipe coordenada por Roger Bastide racial para não perderem seus privilégios na sociedade
o signicado da primeira luta da nação pela indepen- na memória, neste período, as atrocidades ocorridas e Florestan Fernandes, a tão alada “democracia racial” dividida em classes. Os “negros” e os “mestiços” enten-
dência” (idem; 42). Para Myrdal, “os negro americanos na 2ª Grande Guerra Mundial, assim como estavam brasileira passou a sorer ataques cada vez mais viru- diam que, para conseguir galgar uma posição melhor,
sabem que constituem um grupo oprimido que, mais em pleno desenvolvimento as lutas anti-colonialistas lentos. Isso porque as descobertas eitas pela equipe deveriam ter a mesma postura que os “brancos”, não
que qualquer outro na nação, sorem as consequências na Árica e na Ásia. destes estudiosos levaram alguns cientistas a criticar percebendo que, ao assumir esta posição, legitimavam
de o Credo não ser ali observado. A é que nele depo- as antasias da sociedade brasileira em relação a seus os interesses dos “brancos” das classes médias e das
sitam, entretanto, não é simplesmente um meio para conceitos de relações “raciais”. Os estudos realizados elites. Com esta atitude, eles estavam ao mesmo tempo
pleitear seus direitos. Do mesmo modo que os brancos,
acreditam que, como uma parte de si próprio, o Credo
a pesQuisa da uNesco por cientistas como: Octavio Ianni, As Metamoroses
do Escravo (1988); Oracy Nogueira, Relações Raciais no
abandonando qualquer possibilidade de combater a
discriminação e ao racismo brasileiro.
impera nos Estados Unidos” (ibidem; 41). Município de Itapetininga (1955); Fernando Henrique Para Florestan Fernandes, o que de ato existia no
Se atentarmos para o ato de que a “democracia Após várias discussões ocorridas em colóquios in- Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional Brasil era um paralelismo entre estraticação racial e
racial” no Brasil é pensada no campo religioso (sin- ternacionais entre intelectuais das Ciências Sociais, a (1960), dentre outros, demonstraram que o que se tinha social, resultando em uma perspectiva em que a con-
cretismo), no social (miscigenação) e no econômico UNESCO aprovou em sua 5ª Conerência Geral, ocor- no Brasil era uma sociedade em que os “negros” e os dição desvantajosa do “negro” e do “mulato” passava
(igualdade de oportunidades), apesar de sua duvidosa rida em julho de 1950, na cidade de Florença, Itália, a “mulatos” não possuíam, de ato, os mais elementares a ser entendida como natural. Este paralelismo azia
existência, poderíamos armar que ela pode ser enten- realização de uma pesquisa sobre relações raciais no direitos sociais. A relação entre os “brancos”, “negros” com que os brancos cultivassem explicitamente um
dida na mesma chave do “ato social total” maussiano, Brasil. O mentor intelectual de tal proposta oi Arthur e ”mestiços” era desigual, mas esta disparidade era vista “preconceito retroativo”, na opinião de Lilia Schwarcz
isto é, ela pode exprimir “ao mesmo tempo e de uma Ramos, cientista social brasileiro que havia alecido há como sendo “natural”, não como resultado de qualquer (1995), um “preconceito de ter preconceito” (Fernan-
só vez todas as espécies de instituições: religiosas, jurí- oito meses (Maio, 1997). discriminação racial contra os “negros” e “mestiços”. des, 1965: 299).
dicas e morais - e estas políticas e amiliares ao mesmo A proposta inicial era que se zesse pesquisa, em Florestan Fernandes, em sua obra A Integração do Após a divulgação dos resultados das pesquisas
tempo...” (Mauss, 1988; 53). Nesse sentido, o brasilei- alguns países da América Latina, para se conhecer a re- Negro na Sociedade de Classes (1965), deende que a desenvolvidas pelas equipes coordenadas por Bastides
ro, seja ele “negro”, “mestiço”, “branco” ou “índio”, não alidade sobre as relações raciais harmoniosas existentes passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no e Fernandes, em que a “democracia racial” revelou-se
consegue propor uma sociedade em que as dierenças neste continente. Ou seja, inicialmente a UNESCO de- Brasil se deu de modo que o “negro” e o “mulato” não como um “engodo”, ou uma enorme “alácia”, a UNES-
“raciais” sejam respeitadas e garantidas; mesmo porque endia a elaboração de um estudo comparativo (Maio, ossem integrados à nova sociedade. Após esta primeira CO abandonou o projeto de divulgar todos os dados.
não conseguem, entre eles mesmos, delimitar ronteiras 1997; 51). Alguns representantes de países tais como “El ase de total desajuste do “negro” 7 e do “mulato” à nova Esta posição oi adotada não porque discordasse das
de cor. Essa situação é bastante diversa da experimenta- Salvador e da França ponderaram que a pesquisa sobre orma de produção, estes oram sendo integrados gra- conclusões, mas sim porque os resultados não se pres-
da pela sociedade americana, que se pauta em modelos contatos raciais num só país limitaria uma possível ge- dativamente, mas, inicialmente, somente em unções tavam à sua intenção inicial, que era a de combater o
biológicos de delimitação racial. neralização dos seus resultados” (Idem; 52). marginalizadas. A discriminação se deu de maneira tão racismo no mundo.
O negro brasileiro também entende que é bastante Devido à grande divulgação da “democracia ra- sutil que o “negro” e o “mulato” não tiveram como se Não podemos armar que em A Integração do Ne-
prejudicado em nossa sociedade, mas a ideia da “demo- cial” brasileira eita, tanto por Gilberto Freyre como por colocar contra a situação que lhes oi reservada. Por ela gro na Sociedade de Classes Florestan Fernandes tenha
cracia racial” permite-lhe exigir igualdade de tratamen- outros intelectuais, tais como: Donald Pierson, Arthur nunca ter sido assumida claramente no Brasil, as suas encontrado uma sociedade muito dierente da vista por
to e uma real integração com os “brancos”, o que não Ramos, ou mesmo pelo governo brasileiro, segundo vítimas não tiveram condições de tomar consciência de Freyre. Porém, o que para Freyre era positivo passou
notamos na sociedade norte-americana: lá a democra- Skidmore: sua existência para combatê-la. Segundo o autor, todo a ser considerado extremamente prejudicial para os
cia social demonstrou-se possível embora a sociedade ataque preconceituoso era acompanhado por uma ex- “negros” e “mulatos” por Fernandes. Para ele, a não
seja dividida em “raças” e grupos étnicos, inconciliá- “Entre os scholars estrangeiros que realizaram exten- inclusão do “negro” e do “mulato” na nova sociedade,
veis entre si, pelo menos no campo político-ideológico sas investigações de campo no Brasil estavam Charles 7. As aspas nos termos “negro s” e “mulatos”, nesta altura do com o m do trabalho escravo, resultou em um enorme
dominante naquele país. Apesar das divisões sociais, Wagley (Columbia University) e Roger Bastide (Éco- texto são para tentar reproduzir a mesma postura que Fernandes atraso no processo de inserção na “sociedade inclusiva”.
os negros americanos querem um tratamento igual do le Pratique dês Hautes Études – Paris). Wagley e seus assume em sua obra. O que se entendeu como uma “democracia racial” era
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dossiê temático
jam conituosas. Neste sentido, podemos armar que Estado, mas também pretendem ver respeitadas a suas alunos trabalharam em estreito contato, na Bahia, com plicação de que esta posição não tinha qualquer ligação
a “democracia racial” parece ser um valor bastante caro dierenças. Tales de Azevedo (Universidade da Bahia), enquanto com o ator “racial”, nem com a cor, mas era sim um
para os brasileiros. A representação de “democracia racial” brasilei- que Bastide trabalhou com Florestan Fernandes, em reexo da situação educacional e social que o “negro”
A “democracia racial” tem para o brasileiro a mes- ra só sorerá um orte ataque na década de 1950, jus- São Paulo, também com a ajuda de undos da UNES- e o “mulato” viviam em nossa sociedade.
ma unção que o “credo americano” tem para o norte- tamente quando a UNESCO, após entender que esta CO. Uma terceira pesquisa patrocinada pela UNESCO Este racismo encoberto, disarçado, ez com que o
-americano, segundo Myrdal, ele é o “cimento na estru- orma de convivência pacíca sustentada pelo governo oi eita por René Ribeiro (Instituto Joaquim Nabuco) e “negro” e o “mulato” não conseguissem entender que
tura variegada (daquela) nação” (Rose, 1968; 41). Este brasileiro entre “raças” era bastante salutar, assumiu a no Rio de Janeiro por Luís Costa Pinto (Universidade sua condição de inerioridade social oi construída, que
“credo” deende a “dignidade essencial do i ndivíduo, posição de estudar este enômeno para poder melhor do Brasil)” (Skidmore, 1976; 236). era resultado de uma discriminação em que a “raça”
da igualdade básica de todos os homens e de certos divulgá-lo em outras sociedades racistas no mundo: era “undida” com a situação de classe social. Segundo
direitos inalienáveis à liberdade, à justiça e às mesmas Árica do Sul e Estados Unidos, principalmente. Não Depois da divulgação dos resultados obtidos, prin- Fernandes, os “brancos” deendiam a discriminação
oportunidades representam, para o povo americano, podemos esquecer que o mundo ainda tinha muito viva cipalmente, pela equipe coordenada por Roger Bastide racial para não perderem seus privilégios na sociedade
o signicado da primeira luta da nação pela indepen- na memória, neste período, as atrocidades ocorridas e Florestan Fernandes, a tão alada “democracia racial” dividida em classes. Os “negros” e os “mestiços” enten-
dência” (idem; 42). Para Myrdal, “os negro americanos na 2ª Grande Guerra Mundial, assim como estavam brasileira passou a sorer ataques cada vez mais viru- diam que, para conseguir galgar uma posição melhor,
sabem que constituem um grupo oprimido que, mais em pleno desenvolvimento as lutas anti-colonialistas lentos. Isso porque as descobertas eitas pela equipe deveriam ter a mesma postura que os “brancos”, não
que qualquer outro na nação, sorem as consequências na Árica e na Ásia. destes estudiosos levaram alguns cientistas a criticar percebendo que, ao assumir esta posição, legitimavam
de o Credo não ser ali observado. A é que nele depo- as antasias da sociedade brasileira em relação a seus os interesses dos “brancos” das classes médias e das
sitam, entretanto, não é simplesmente um meio para conceitos de relações “raciais”. Os estudos realizados elites. Com esta atitude, eles estavam ao mesmo tempo
pleitear seus direitos. Do mesmo modo que os brancos,
acreditam que, como uma parte de si próprio, o Credo
a pesQuisa da uNesco por cientistas como: Octavio Ianni, As Metamoroses
do Escravo (1988); Oracy Nogueira, Relações Raciais no
abandonando qualquer possibilidade de combater a
discriminação e ao racismo brasileiro.
impera nos Estados Unidos” (ibidem; 41). Município de Itapetininga (1955); Fernando Henrique Para Florestan Fernandes, o que de ato existia no
Se atentarmos para o ato de que a “democracia Após várias discussões ocorridas em colóquios in- Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional Brasil era um paralelismo entre estraticação racial e
racial” no Brasil é pensada no campo religioso (sin- ternacionais entre intelectuais das Ciências Sociais, a (1960), dentre outros, demonstraram que o que se tinha social, resultando em uma perspectiva em que a con-
cretismo), no social (miscigenação) e no econômico UNESCO aprovou em sua 5ª Conerência Geral, ocor- no Brasil era uma sociedade em que os “negros” e os dição desvantajosa do “negro” e do “mulato” passava
(igualdade de oportunidades), apesar de sua duvidosa rida em julho de 1950, na cidade de Florença, Itália, a “mulatos” não possuíam, de ato, os mais elementares a ser entendida como natural. Este paralelismo azia
existência, poderíamos armar que ela pode ser enten- realização de uma pesquisa sobre relações raciais no direitos sociais. A relação entre os “brancos”, “negros” com que os brancos cultivassem explicitamente um
dida na mesma chave do “ato social total” maussiano, Brasil. O mentor intelectual de tal proposta oi Arthur e ”mestiços” era desigual, mas esta disparidade era vista “preconceito retroativo”, na opinião de Lilia Schwarcz
isto é, ela pode exprimir “ao mesmo tempo e de uma Ramos, cientista social brasileiro que havia alecido há como sendo “natural”, não como resultado de qualquer (1995), um “preconceito de ter preconceito” (Fernan-
só vez todas as espécies de instituições: religiosas, jurí- oito meses (Maio, 1997). discriminação racial contra os “negros” e “mestiços”. des, 1965: 299).
dicas e morais - e estas políticas e amiliares ao mesmo A proposta inicial era que se zesse pesquisa, em Florestan Fernandes, em sua obra A Integração do Após a divulgação dos resultados das pesquisas
tempo...” (Mauss, 1988; 53). Nesse sentido, o brasilei- alguns países da América Latina, para se conhecer a re- Negro na Sociedade de Classes (1965), deende que a desenvolvidas pelas equipes coordenadas por Bastides
ro, seja ele “negro”, “mestiço”, “branco” ou “índio”, não alidade sobre as relações raciais harmoniosas existentes passagem do trabalho escravo para o trabalho livre no e Fernandes, em que a “democracia racial” revelou-se
consegue propor uma sociedade em que as dierenças neste continente. Ou seja, inicialmente a UNESCO de- Brasil se deu de modo que o “negro” e o “mulato” não como um “engodo”, ou uma enorme “alácia”, a UNES-
“raciais” sejam respeitadas e garantidas; mesmo porque endia a elaboração de um estudo comparativo (Maio, ossem integrados à nova sociedade. Após esta primeira CO abandonou o projeto de divulgar todos os dados.
não conseguem, entre eles mesmos, delimitar ronteiras 1997; 51). Alguns representantes de países tais como “El ase de total desajuste do “negro” 7 e do “mulato” à nova Esta posição oi adotada não porque discordasse das
de cor. Essa situação é bastante diversa da experimenta- Salvador e da França ponderaram que a pesquisa sobre orma de produção, estes oram sendo integrados gra- conclusões, mas sim porque os resultados não se pres-
da pela sociedade americana, que se pauta em modelos contatos raciais num só país limitaria uma possível ge- dativamente, mas, inicialmente, somente em unções tavam à sua intenção inicial, que era a de combater o
biológicos de delimitação racial. neralização dos seus resultados” (Idem; 52). marginalizadas. A discriminação se deu de maneira tão racismo no mundo.
O negro brasileiro também entende que é bastante Devido à grande divulgação da “democracia ra- sutil que o “negro” e o “mulato” não tiveram como se Não podemos armar que em A Integração do Ne-
prejudicado em nossa sociedade, mas a ideia da “demo- cial” brasileira eita, tanto por Gilberto Freyre como por colocar contra a situação que lhes oi reservada. Por ela gro na Sociedade de Classes Florestan Fernandes tenha
cracia racial” permite-lhe exigir igualdade de tratamen- outros intelectuais, tais como: Donald Pierson, Arthur nunca ter sido assumida claramente no Brasil, as suas encontrado uma sociedade muito dierente da vista por
to e uma real integração com os “brancos”, o que não Ramos, ou mesmo pelo governo brasileiro, segundo vítimas não tiveram condições de tomar consciência de Freyre. Porém, o que para Freyre era positivo passou
notamos na sociedade norte-americana: lá a democra- Skidmore: sua existência para combatê-la. Segundo o autor, todo a ser considerado extremamente prejudicial para os
cia social demonstrou-se possível embora a sociedade ataque preconceituoso era acompanhado por uma ex- “negros” e “mulatos” por Fernandes. Para ele, a não
seja dividida em “raças” e grupos étnicos, inconciliá- “Entre os scholars estrangeiros que realizaram exten- inclusão do “negro” e do “mulato” na nova sociedade,
veis entre si, pelo menos no campo político-ideológico sas investigações de campo no Brasil estavam Charles 7. As aspas nos termos “negro s” e “mulatos”, nesta altura do com o m do trabalho escravo, resultou em um enorme
dominante naquele país. Apesar das divisões sociais, Wagley (Columbia University) e Roger Bastide (Éco- texto são para tentar reproduzir a mesma postura que Fernandes atraso no processo de inserção na “sociedade inclusiva”.
os negros americanos querem um tratamento igual do le Pratique dês Hautes Études – Paris). Wagley e seus assume em sua obra. O que se entendeu como uma “democracia racial” era
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um “preconceito retroativo” o que não permitia a essas O Movimento Unicado Contra a Discriminação que havia retornado recentemente de um auto-exílio Assim, podemos airmar que a desistência da
populações, os “negros” e os “mulatos”, deenderem-se, Racial (MUCDR) oi undado em 1978, ainda durante nos Estados Unidos 9, deendeu uma luta contra a dis- UNESCO em veicular os resultados das pesquisas so-
devido à orma “mascarada”, “dissimulada” e “disarça- a ditadura militar. Na época de sua criação nenhum criminação racial a ser assumida somente pelos negros. bre a existência da “democracia racial” no Brasil, não
da” como se maniestava. segmento social podia azer qualquer maniestação Nesse sentido, em sua opinião, o nome do grupo deve- impediu que o MNU procurasse exatamente nos pro-
Se Florestan Fernandes não via “democracia racial” pública sem o consentimento dos responsáveis pela ria ser Movimento Negro Unicado Contra a Discri- dutos desses trabalhos grande parte das premissas para
nas relações “sócio-raciais” brasileiras, também não era “segurança” do sistema político vigente. E le surge, em minação Racial (MNUCDR). Essa nova denominação a construção de seus argumentos contra as discrimi-
contra a sua existência. Somente partindo desse pressu- um primeiro momento, como orma de protesto contra prevaleceu até o Primeiro Congresso do MNUCDR, nações e preconceitos raciais existentes em nosso país.
posto é possível se entender a seguinte armação, deste a discriminação racial sorida por quatro atletas ne- ocorrido em 1980, na cidade do Rio de Janeiro, reu- Sobre este enômeno Florestan armou:
autor: “(...) seria preciso atingir esse padrão (socieda- gros no Clube de Regatas ietê, localizado no bairro nindo delegados do Rio de Janeiro, de São Paulo, da
de com uma orte democracia social), que nos protege do Bom Retiro, zona central da cidade de São Paulo. Bahia, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do “A ausência de racismo institucional, por sua vez,
contra as ameaças do racismo, mas também nos aasta Outro motivo oi a tortura, que resultou na morte do Espírito Santo. Foi discutido que o Movimento Negro contribuiu para que esses resultados (da pesquisas da
da verdadeira trilha da “democracia racial” (idem; 297). operário Robson Silveira da Luz, ocorrida no 44° Dis- deveria lutar contra todo e qualquer tipo de opressão, UNESCO): 1.º) recebessem acolhida muito avorável
Em outra parte do texto Fernandes escreve: “ou- trito Policial de Guaianazes. exploração e discriminação, e não somente garantir a por parte dos radicais e ativistas negros, que viram
via-se, por m, o clamor da ‘gente negra’, soando, pela Quando undado, tinha a pretensão de representar oposição à discriminação racial. Assim, oi proposto neles um prolongamento e um aproundamento das
primeira vez, o clarim que convocava todos os homens a união de todas as entidades negras brasileiras, mas que o nome do grupo deveria ser Movimento Negro tentativas de desmascaramento racial encetadas pelos
a cumprirem os ideais da raternidade humana e da de- esta meta jamais oi atingida, porque alguns grupos ne- Unicado (MNU), o que oi nessa ocasião aprovado. principais mentores do ‘protesto negro’ nas décadas de
mocracia racial” (ibdem; 6). Já Ribeiro, outro autor que gros não concordaram com o lançamento do MUCDR. Este é o nome da entidade até nossos dias. 30 e de 40; 2.º) ossem aceitos com simpatia e incor-
combate o preconceito/discriminação brasileiro, num Na opinião de certas lideranças dessas organizações, Para não diminuir drasticamente a sua base, o porados pelo branco inconormista, de personalidade
texto escrito trinta anos após Fernandes, diz: “udo isso o lançamento do MUCDR estava ocorrendo sem que MNU passou a armar que negro era toda e qualquer democrática e identicado com a mudança de menta-
demonstra, claramente, que a democracia racial é possí- antes osse eito um trabalho de “conscientização de pessoa “que possui na cor, no rosto, ou nos cabelos, lidade ou de costumes” (1976; 71).
vel, mas só é praticável conjuntamente com a democra- base” e por esse motivo optaram por não participar da sinais característicos dessa raça” (MNU, 1988; 18). Com
cia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há nova entidade. O maior representante dessa postura esta plataorma percebe-se que a opção de identidade Apesar de não ter logrado unir todas as entida-
democracia para ninguém, porque a opressão do negro política oi Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). negra deendida por esse grupo procura se utilizar da des negras, o MNU conseguiu, através das propostas
condenado à dignidade de lutador da liberdade corres- O MUCDR oi um projeto pensado ini cialmente “marca” e da “origem” (Nogueira, 1985) em sua cons- publicadas em vários de seus documentos e panetos,
ponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor por negros que se autodenominavam trotskistas e que trução. O que consolidou a postura racialista assumida inuenciar proundamente outras organizações negras,
dentro de sua própria sociedade” (id. IBID., 1995; 227). militavam na Liga Operária – depois transormada em por este grupo político. mesmo aquelas que não aceitaram participar de sua
O que podemos perceber nos dois textos é que, Convergência Socialista -, organização que editava o Abdias Nascimento não contribuiu somente para undação. As opiniões sobre “o que é ser negro no Bra-
apesar de a sociedade brasileira ser tão autoritária e jornal Versus. O MUCDR oi resultado da somatória a alteração da denominação do grupo; inuiu também sil” assumidas pelo MNU, oram adotadas por quase
opressiva, social e politicamente alando, e também de vários grupos sociais que existiam naquele período. na construção de uma posição p olítico-ideológica do todo o conjunto do Movimento Negro.
sempre discriminar e oprimir os seus “negros” e “mes- A grande novidade trazida por ele oi a tentativa de jun- MNU: através de seus discursos, ele passou a inormar As dierenças mais destacadas entre o MNU e ou-
tiços”, a “democracia racial” é de ato um mito, antro- tar a luta dos negros brasileiros contra a discriminação as pessoas sobre as posturas racialistas assumidas pelo tras entidades do Movimento Negro estão na orma
pologicamente alando, ou seja, um valor sociológico à luta contra a Ditadura Militar. Em um Ato Público Movimento Negro americano. Além de Abdias, algu- de organização destas que, por serem municipais, não
que dá sentido e justica as relações sociais desta nação. ocorrido em 7 de julho de 1978, ocorreu o lançamento mas leituras oram de grande serventia para a ormação concordavam em se submeter a uma liderança nacio-
público do MUCDR, ocorrido nas escadarias do eatro dos primeiros quadros políticos do MNU, tais como: nal, que seria o MNU. Alguns, por serem cristãos, não
Municipal de São Paulo. Foram convidados a discursar Alma no Exílio, de Eldridge Cleaver (1971); A Integra- apoiavam a opção religiosa aro-brasileira também de-
peQueNo históRico representantes sindicais, de grupos homossexuais, da
comunidade judaica, comunistas e lideranças estudantis.
ção do Negro na Sociedade de Classes , de Florestan Fer-
nandes (1965); Pele Negra, Máscaras Brancas , de Frantz
endida pelo MNU, outros, por terem uma postura po-
lítica conservadora, também discordavam de sua opção
do MoviMeNto NegRo Outra novidade oi o movimento assumir um Fanon, etc. A análise dessas obras, somadas à militância pela esquerda. Essas situações zeram com que o MNU
uNificado - MNu caráter nacional.8 Logo no momento de sua criação o de esquerda de boa parte de seus undadores, levaram o assumisse, pouco a pouco, a condição de mais uma or-
MUCDR contou com o apoio de grupos dos seguin- MNU a unir a luta de classes à luta anti-discriminação ganização negra entre todas as já existentes. Melhor
Como já alamos anteriormente, o mito da “demo- tes estados da União: São Paulo; Rio de Janeiro; Mi- racial. Dessa maneira, o MNU teve uma orte inuência dizendo, o MNU não conseguiu ser a “Central Geral
cracia racial” brasileira pode dar sentido, a tal ponto nas Gerais; Bahia e Pernambuco. Em sua “Primeira das plataormas dos negros norte-americanos, assim do Movimento Negro Brasilei ro”, mas acabou s e organi-
que lutar por uma sociedade mais justa e sem discri- Assembléia de Organização e Estruturação Mínima”, como das pesquisas desenvolvidas pelas equipes dos zando como mais um dos diversos grupos já existentes.
minação, sem preconceito e racismo, não é uma ação Abdias Nascimento, militante do Movimento Negro, proessores Roger Bastide e Florestan Fernandes. Uma das contribuições do MNU para a socieda-
quixotesca, muito pelo contrário. Só assim podemos de brasileira oi a tentativa de mudar a maneira de se
tentar entender a existência de grupos de negros lutan- 8. Isto só havia ocorrido anteriormente com a Frente Negra Brasi- 9. Para maiores informações consultar Memórias do Exílio , Ca- identicar um negro. Como já oi dito anteriormente,
do contra o racismo no Brasil. Senão vejamos. leira (FNB), fundada em 16 de setembro de 1931 (Pinto, 1993; 90). valcante e Ramos (1976). o MNU procurou na sociedade norte-americana esta
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um “preconceito retroativo” o que não permitia a essas O Movimento Unicado Contra a Discriminação que havia retornado recentemente de um auto-exílio Assim, podemos airmar que a desistência da
populações, os “negros” e os “mulatos”, deenderem-se, Racial (MUCDR) oi undado em 1978, ainda durante nos Estados Unidos 9, deendeu uma luta contra a dis- UNESCO em veicular os resultados das pesquisas so-
devido à orma “mascarada”, “dissimulada” e “disarça- a ditadura militar. Na época de sua criação nenhum criminação racial a ser assumida somente pelos negros. bre a existência da “democracia racial” no Brasil, não
da” como se maniestava. segmento social podia azer qualquer maniestação Nesse sentido, em sua opinião, o nome do grupo deve- impediu que o MNU procurasse exatamente nos pro-
Se Florestan Fernandes não via “democracia racial” pública sem o consentimento dos responsáveis pela ria ser Movimento Negro Unicado Contra a Discri- dutos desses trabalhos grande parte das premissas para
nas relações “sócio-raciais” brasileiras, também não era “segurança” do sistema político vigente. E le surge, em minação Racial (MNUCDR). Essa nova denominação a construção de seus argumentos contra as discrimi-
contra a sua existência. Somente partindo desse pressu- um primeiro momento, como orma de protesto contra prevaleceu até o Primeiro Congresso do MNUCDR, nações e preconceitos raciais existentes em nosso país.
posto é possível se entender a seguinte armação, deste a discriminação racial sorida por quatro atletas ne- ocorrido em 1980, na cidade do Rio de Janeiro, reu- Sobre este enômeno Florestan armou:
autor: “(...) seria preciso atingir esse padrão (socieda- gros no Clube de Regatas ietê, localizado no bairro nindo delegados do Rio de Janeiro, de São Paulo, da
de com uma orte democracia social), que nos protege do Bom Retiro, zona central da cidade de São Paulo. Bahia, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e do “A ausência de racismo institucional, por sua vez,
contra as ameaças do racismo, mas também nos aasta Outro motivo oi a tortura, que resultou na morte do Espírito Santo. Foi discutido que o Movimento Negro contribuiu para que esses resultados (da pesquisas da
da verdadeira trilha da “democracia racial” (idem; 297). operário Robson Silveira da Luz, ocorrida no 44° Dis- deveria lutar contra todo e qualquer tipo de opressão, UNESCO): 1.º) recebessem acolhida muito avorável
Em outra parte do texto Fernandes escreve: “ou- trito Policial de Guaianazes. exploração e discriminação, e não somente garantir a por parte dos radicais e ativistas negros, que viram
via-se, por m, o clamor da ‘gente negra’, soando, pela Quando undado, tinha a pretensão de representar oposição à discriminação racial. Assim, oi proposto neles um prolongamento e um aproundamento das
primeira vez, o clarim que convocava todos os homens a união de todas as entidades negras brasileiras, mas que o nome do grupo deveria ser Movimento Negro tentativas de desmascaramento racial encetadas pelos
a cumprirem os ideais da raternidade humana e da de- esta meta jamais oi atingida, porque alguns grupos ne- Unicado (MNU), o que oi nessa ocasião aprovado. principais mentores do ‘protesto negro’ nas décadas de
mocracia racial” (ibdem; 6). Já Ribeiro, outro autor que gros não concordaram com o lançamento do MUCDR. Este é o nome da entidade até nossos dias. 30 e de 40; 2.º) ossem aceitos com simpatia e incor-
combate o preconceito/discriminação brasileiro, num Na opinião de certas lideranças dessas organizações, Para não diminuir drasticamente a sua base, o porados pelo branco inconormista, de personalidade
texto escrito trinta anos após Fernandes, diz: “udo isso o lançamento do MUCDR estava ocorrendo sem que MNU passou a armar que negro era toda e qualquer democrática e identicado com a mudança de menta-
demonstra, claramente, que a democracia racial é possí- antes osse eito um trabalho de “conscientização de pessoa “que possui na cor, no rosto, ou nos cabelos, lidade ou de costumes” (1976; 71).
vel, mas só é praticável conjuntamente com a democra- base” e por esse motivo optaram por não participar da sinais característicos dessa raça” (MNU, 1988; 18). Com
cia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há nova entidade. O maior representante dessa postura esta plataorma percebe-se que a opção de identidade Apesar de não ter logrado unir todas as entida-
democracia para ninguém, porque a opressão do negro política oi Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN). negra deendida por esse grupo procura se utilizar da des negras, o MNU conseguiu, através das propostas
condenado à dignidade de lutador da liberdade corres- O MUCDR oi um projeto pensado ini cialmente “marca” e da “origem” (Nogueira, 1985) em sua cons- publicadas em vários de seus documentos e panetos,
ponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor por negros que se autodenominavam trotskistas e que trução. O que consolidou a postura racialista assumida inuenciar proundamente outras organizações negras,
dentro de sua própria sociedade” (id. IBID., 1995; 227). militavam na Liga Operária – depois transormada em por este grupo político. mesmo aquelas que não aceitaram participar de sua
O que podemos perceber nos dois textos é que, Convergência Socialista -, organização que editava o Abdias Nascimento não contribuiu somente para undação. As opiniões sobre “o que é ser negro no Bra-
apesar de a sociedade brasileira ser tão autoritária e jornal Versus. O MUCDR oi resultado da somatória a alteração da denominação do grupo; inuiu também sil” assumidas pelo MNU, oram adotadas por quase
opressiva, social e politicamente alando, e também de vários grupos sociais que existiam naquele período. na construção de uma posição p olítico-ideológica do todo o conjunto do Movimento Negro.
sempre discriminar e oprimir os seus “negros” e “mes- A grande novidade trazida por ele oi a tentativa de jun- MNU: através de seus discursos, ele passou a inormar As dierenças mais destacadas entre o MNU e ou-
tiços”, a “democracia racial” é de ato um mito, antro- tar a luta dos negros brasileiros contra a discriminação as pessoas sobre as posturas racialistas assumidas pelo tras entidades do Movimento Negro estão na orma
pologicamente alando, ou seja, um valor sociológico à luta contra a Ditadura Militar. Em um Ato Público Movimento Negro americano. Além de Abdias, algu- de organização destas que, por serem municipais, não
que dá sentido e justica as relações sociais desta nação. ocorrido em 7 de julho de 1978, ocorreu o lançamento mas leituras oram de grande serventia para a ormação concordavam em se submeter a uma liderança nacio-
público do MUCDR, ocorrido nas escadarias do eatro dos primeiros quadros políticos do MNU, tais como: nal, que seria o MNU. Alguns, por serem cristãos, não
Municipal de São Paulo. Foram convidados a discursar Alma no Exílio, de Eldridge Cleaver (1971); A Integra- apoiavam a opção religiosa aro-brasileira também de-
peQueNo históRico representantes sindicais, de grupos homossexuais, da
comunidade judaica, comunistas e lideranças estudantis.
ção do Negro na Sociedade de Classes , de Florestan Fer-
nandes (1965); Pele Negra, Máscaras Brancas , de Frantz
endida pelo MNU, outros, por terem uma postura po-
lítica conservadora, também discordavam de sua opção
do MoviMeNto NegRo Outra novidade oi o movimento assumir um Fanon, etc. A análise dessas obras, somadas à militância pela esquerda. Essas situações zeram com que o MNU
uNificado - MNu caráter nacional.8 Logo no momento de sua criação o de esquerda de boa parte de seus undadores, levaram o assumisse, pouco a pouco, a condição de mais uma or-
MUCDR contou com o apoio de grupos dos seguin- MNU a unir a luta de classes à luta anti-discriminação ganização negra entre todas as já existentes. Melhor
Como já alamos anteriormente, o mito da “demo- tes estados da União: São Paulo; Rio de Janeiro; Mi- racial. Dessa maneira, o MNU teve uma orte inuência dizendo, o MNU não conseguiu ser a “Central Geral
cracia racial” brasileira pode dar sentido, a tal ponto nas Gerais; Bahia e Pernambuco. Em sua “Primeira das plataormas dos negros norte-americanos, assim do Movimento Negro Brasilei ro”, mas acabou s e organi-
que lutar por uma sociedade mais justa e sem discri- Assembléia de Organização e Estruturação Mínima”, como das pesquisas desenvolvidas pelas equipes dos zando como mais um dos diversos grupos já existentes.
minação, sem preconceito e racismo, não é uma ação Abdias Nascimento, militante do Movimento Negro, proessores Roger Bastide e Florestan Fernandes. Uma das contribuições do MNU para a socieda-
quixotesca, muito pelo contrário. Só assim podemos de brasileira oi a tentativa de mudar a maneira de se
tentar entender a existência de grupos de negros lutan- 8. Isto só havia ocorrido anteriormente com a Frente Negra Brasi- 9. Para maiores informações consultar Memórias do Exílio , Ca- identicar um negro. Como já oi dito anteriormente,
do contra o racismo no Brasil. Senão vejamos. leira (FNB), fundada em 16 de setembro de 1931 (Pinto, 1993; 90). valcante e Ramos (1976). o MNU procurou na sociedade norte-americana esta
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nova orma de signicação. Para o grupo seria negro social em Florianópolis: aspectos das relações entre / Curitiba, Scientia E labor (2ª ed. rev. e aum.), nia negra. Dissertação de Mestrado deendida no
toda e qualquer pessoa que tivesse um ancestral ne- negros e brancos numa comunidade do Brasil. São 1988. departamento de Ciências S ociais da PUC/SP, 1992.
gro. Apesar de adotar a posição dos EUA, o MNU ez Paulo, Brasiliana,1960. MAIO, Marcos Chor. A his tória d o protesto Unesco: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro:
suas adaptações com relação a essa postura, levando CAVALCANI, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino estudos raciais e ciências sociais no Brasil. ese de jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no nal
em conta a enotipia, o que, como vimos, não ocorre (coord.). Memória do Exílio: Brasil 1964-19?? . São doutorado, 1997. do século XIX. São Paulo, Companhias das Letras,
naquele país. Paulo, Editora e Livraria Livramento Ltda, 1976. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: com introdução 1987.
Outra contribuição do MNU oi ter aproximado a CLEAVER, Eldridge. Alma no ex ílio. Rio de Janeiro, de Claude Lévi-Strauss. Lisboa, Edições 70, 1988. _______. O espetáculo das raças: cientistas, instituições
luta de classes da questão “racial”. Isto é, por inuência Civilização Brasileira, 1971. MENDONÇA, Luciana Ferreira Moura. Movimento e questão racial no Brasil. São Paulo, Companhia
dos trotskistas do jornal Versus, o MNU passou a con- CUI (org.). ...E disse o velho militante José Correia Negro: da marca da inerioridade racial à constru- das Letras, 1993.
siderar que a condição sócio-econômica da população Leite: depoimentos e artigos. São Paulo, Secretaria ção da identidade étnica. São Paulo, dissertação de _______. Complexo de Zé Carioca: sobre uma certa
negra brasileira era ruto da exploração de classe em Municipal de Cultura, 1992. Mestrado deendida no Departamento de Antro- ordem da mestiçagem e malandragem. In: Revis-
conjunto com a sua origem étnica. Ao assumir tal po- FANON, Franz. Os Condenados da terra. Rio de Janeiro, pologia da FFLCH da USP, 1996. ta Brasileira de Ciências Sociais, nº 29. São Paulo,
sição, o MNU acabou por deender a necessidade de se Editora Civilização Brasileira, 1979. MOVIMENO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988 10 1995.
nacionalizar a luta anti-discriminação. _______. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro, anos de luta contra o racismo. São Paulo, Conraria _______. Questão Racial no Brasil. In: Negras imagens:
O MNU, em sua luta contra a discriminação e Fator, 1983. do livro, 1988. ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São
preconceito racial no Brasil, também não deixa de FÉLIX, João Batista de Jesus. Pequeno Histórico do NASCIMENO, Abdias. O genocídio do negro brasi- Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
clamar, em seu Programa de Ação , “por uma autêntica Movimento Negro Contemporâneo. In: Negras leiro: processo de um racismo mascarado. Rio de _______. Nem preto nem branco, muito pelo contrário:
democracia racial” (MNU, 1978; 19). Como podemos imagens: ensaios sobre cultura e escravidão mo Janeiro, Paz e erra, 1978. cor e a raça na intimidade. In: História da vida
perceber, esta situação reorça a conclusão de que a “de- Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São _______. O negro revoltado. Rio de Janeiro, Nova Fron- privada no Brasil: contraste da intimidade contem-
mocracia racial” é, utilizando uma expressão de Myrdal Paulo, 1996. teira, 1982. porânea. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
(1968), “um credo brasileiro” 10. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na so- NASCIMENO, Maria Ercília. A estratégia da desigual- SKIDMORE, Tomaz E. Preto no branco: raça e nacio-
ciedade de classes: o legado da “raça branca” (vo- dade: o movimento negro dos anos 70. Dissertação nalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro,
lume I). São Paulo, Dominus Editora / Editora da de Mestrado deendida na PUC/SP, São Paulo, Paz e erra, 1976.
BiBliogRafia Universidade de São Paulo, 1965.
_______. Circuito echado: quatro ensaios sobre o “poder
1988.
NOGUEIRA, Oracy. anto preto quanto branco: estudos
_______. O Brasil visto de ora. Rio de Janeiro, Paz e
erra, 1994.
institucional” . São Paulo, Hucitec, 1976. de relações raciais. São Paulo, . A. Queiroz, 1985. VALENE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais:
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa- FREYRE, Gilberto. 1978, Casa-Grande & Senzala: or- _______. Relações Raciais no Município de Itapeti- os negros e as eleições paulistas de 1982 . São Paulo,
-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos mação da amília brasileira sob o regime da eco- ninga. In: Relações raciais entre negros e brancos FFLCH-USP, 1986.
anos 30. Rio de Janeiro, Editora 34, 1994. nomia patriarcal . 1ª edição. Rio de Janeiro, José em São Paulo. São Paulo, Unesco, Anhembi, 1955. _______. O negro e a igreja católicca: o espaço concedi-
BARBOSA, Márcio (org.). 1998, FRENE NEGRA Olympio, 1933. PINO, Regina Pahim. O movimento negro em São do, em espaço reivindicado. Campo Grande, Ceci-
BRASILEIRA: depoimentos. São Paulo, Quilom- _______. Sobrados e mocambos: decadência do patriarca- Paulo: luta e identidade. São Paulo. ese de douto- tec/UFMS, 1994.
bhoje. do rural e desenvolvimento do urbano . (1ª edição de rado deendida no Departamento de Antropologia VIANNA, Oliveira. Raça e assimilação. São Paulo,
BASIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. Brancos e 1936). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985. da aculdade de Filosoa Letras e Ciências Huma- Companhia Editora Nacional / Brasiliana (3ª edi-
Negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre as- _______. Interpretação do Brasil: aspectos da ormação nas da Universidade de São Paulo, 1993. ção aumentada), 1938.
pectos da ormação, maniestações atuais e eeitos social brasileira como processo de amalgamento de RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsa-
do preconceito de cor na sociedade paulistana. São raça e cultura. Rio de Janeiro, Livraria José Olym- bilidade penal no Brazil . Rio de Janeiro, Editora
Paulo, Brasiliana, 1971. pio editora, 1947. Guanabara, 1957.
BONFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem. _______. Ordem e Progresso, processo de desintegração _______. Os aricanos no Brasil. São Paulo, Editora Na-
Rio de Janeiro, opbooks, 1993. das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil cional / Brasília, Editora de Brasília, 1982.
CARDOSO, Fernando Henrique. C or e mobilidade sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira: con-
meio século de transição do trabalho escravo para o tribuições e estudos gerais para o exato conhecimen-
trabalho livre e da monarquia para a república. Rio to da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Livraria
10. Textos sobre o Movimento Negro que merecem ser consul-
tados: Maria Ercília Nascimento, A Estratégia da Desigualdade
de Janeiro, Record, 1990. José Olympio Editora (3ª edição aumentada), 1943.
(1988); Movimentos Sociais: os negros, culturas e resistência , de FRY, Peter. Feijoada e Soul Food. In: Para inglês ver. Rio ROSE, Arnold. Negro: o dilema americano (versão con-
Neusa Gusmão e Ana Lúcia Valente (1988) e Movimento Negro: de Janeiro, Paz e erra, 1982. densada de An American Dilemma de MYRDAL,
da marca da inferioridade racial a construção da identidade étnica, IANNI, Octávio. As metamoroses do escravo: apogeu e Gunnar). São Paulo, Ibrasa, 1968.
Luciana Ferreira M. Mendonça (1996). crise da escravatura no Brasil . São Paulo, Hucitec SANOS, Gevanilda Gomes dos. Partidos políticos e et-
58 59
dossiê temático
nova orma de signicação. Para o grupo seria negro social em Florianópolis: aspectos das relações entre / Curitiba, Scientia E labor (2ª ed. rev. e aum.), nia negra. Dissertação de Mestrado deendida no
toda e qualquer pessoa que tivesse um ancestral ne- negros e brancos numa comunidade do Brasil. São 1988. departamento de Ciências S ociais da PUC/SP, 1992.
gro. Apesar de adotar a posição dos EUA, o MNU ez Paulo, Brasiliana,1960. MAIO, Marcos Chor. A his tória d o protesto Unesco: SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em branco e negro:
suas adaptações com relação a essa postura, levando CAVALCANI, Pedro Celso Uchôa e RAMOS, Jovelino estudos raciais e ciências sociais no Brasil. ese de jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no nal
em conta a enotipia, o que, como vimos, não ocorre (coord.). Memória do Exílio: Brasil 1964-19?? . São doutorado, 1997. do século XIX. São Paulo, Companhias das Letras,
naquele país. Paulo, Editora e Livraria Livramento Ltda, 1976. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: com introdução 1987.
Outra contribuição do MNU oi ter aproximado a CLEAVER, Eldridge. Alma no ex ílio. Rio de Janeiro, de Claude Lévi-Strauss. Lisboa, Edições 70, 1988. _______. O espetáculo das raças: cientistas, instituições
luta de classes da questão “racial”. Isto é, por inuência Civilização Brasileira, 1971. MENDONÇA, Luciana Ferreira Moura. Movimento e questão racial no Brasil. São Paulo, Companhia
dos trotskistas do jornal Versus, o MNU passou a con- CUI (org.). ...E disse o velho militante José Correia Negro: da marca da inerioridade racial à constru- das Letras, 1993.
siderar que a condição sócio-econômica da população Leite: depoimentos e artigos. São Paulo, Secretaria ção da identidade étnica. São Paulo, dissertação de _______. Complexo de Zé Carioca: sobre uma certa
negra brasileira era ruto da exploração de classe em Municipal de Cultura, 1992. Mestrado deendida no Departamento de Antro- ordem da mestiçagem e malandragem. In: Revis-
conjunto com a sua origem étnica. Ao assumir tal po- FANON, Franz. Os Condenados da terra. Rio de Janeiro, pologia da FFLCH da USP, 1996. ta Brasileira de Ciências Sociais, nº 29. São Paulo,
sição, o MNU acabou por deender a necessidade de se Editora Civilização Brasileira, 1979. MOVIMENO NEGRO UNIFICADO. 1978-1988 10 1995.
nacionalizar a luta anti-discriminação. _______. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro, anos de luta contra o racismo. São Paulo, Conraria _______. Questão Racial no Brasil. In: Negras imagens:
O MNU, em sua luta contra a discriminação e Fator, 1983. do livro, 1988. ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São
preconceito racial no Brasil, também não deixa de FÉLIX, João Batista de Jesus. Pequeno Histórico do NASCIMENO, Abdias. O genocídio do negro brasi- Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
clamar, em seu Programa de Ação , “por uma autêntica Movimento Negro Contemporâneo. In: Negras leiro: processo de um racismo mascarado. Rio de _______. Nem preto nem branco, muito pelo contrário:
democracia racial” (MNU, 1978; 19). Como podemos imagens: ensaios sobre cultura e escravidão mo Janeiro, Paz e erra, 1978. cor e a raça na intimidade. In: História da vida
perceber, esta situação reorça a conclusão de que a “de- Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São _______. O negro revoltado. Rio de Janeiro, Nova Fron- privada no Brasil: contraste da intimidade contem-
mocracia racial” é, utilizando uma expressão de Myrdal Paulo, 1996. teira, 1982. porânea. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
(1968), “um credo brasileiro” 10. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na so- NASCIMENO, Maria Ercília. A estratégia da desigual- SKIDMORE, Tomaz E. Preto no branco: raça e nacio-
ciedade de classes: o legado da “raça branca” (vo- dade: o movimento negro dos anos 70. Dissertação nalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro,
lume I). São Paulo, Dominus Editora / Editora da de Mestrado deendida na PUC/SP, São Paulo, Paz e erra, 1976.
BiBliogRafia Universidade de São Paulo, 1965.
_______. Circuito echado: quatro ensaios sobre o “poder
1988.
NOGUEIRA, Oracy. anto preto quanto branco: estudos
_______. O Brasil visto de ora. Rio de Janeiro, Paz e
erra, 1994.
institucional” . São Paulo, Hucitec, 1976. de relações raciais. São Paulo, . A. Queiroz, 1985. VALENE, Ana Lúcia E. F. Política e relações raciais:
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz: Casa- FREYRE, Gilberto. 1978, Casa-Grande & Senzala: or- _______. Relações Raciais no Município de Itapeti- os negros e as eleições paulistas de 1982 . São Paulo,
-Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos mação da amília brasileira sob o regime da eco- ninga. In: Relações raciais entre negros e brancos FFLCH-USP, 1986.
anos 30. Rio de Janeiro, Editora 34, 1994. nomia patriarcal . 1ª edição. Rio de Janeiro, José em São Paulo. São Paulo, Unesco, Anhembi, 1955. _______. O negro e a igreja católicca: o espaço concedi-
BARBOSA, Márcio (org.). 1998, FRENE NEGRA Olympio, 1933. PINO, Regina Pahim. O movimento negro em São do, em espaço reivindicado. Campo Grande, Ceci-
BRASILEIRA: depoimentos. São Paulo, Quilom- _______. Sobrados e mocambos: decadência do patriarca- Paulo: luta e identidade. São Paulo. ese de douto- tec/UFMS, 1994.
bhoje. do rural e desenvolvimento do urbano . (1ª edição de rado deendida no Departamento de Antropologia VIANNA, Oliveira. Raça e assimilação. São Paulo,
BASIDE, Roger e FERNANDES, Florestan. Brancos e 1936). Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1985. da aculdade de Filosoa Letras e Ciências Huma- Companhia Editora Nacional / Brasiliana (3ª edi-
Negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre as- _______. Interpretação do Brasil: aspectos da ormação nas da Universidade de São Paulo, 1993. ção aumentada), 1938.
pectos da ormação, maniestações atuais e eeitos social brasileira como processo de amalgamento de RODRIGUES, Nina. As raças humanas e a responsa-
do preconceito de cor na sociedade paulistana. São raça e cultura. Rio de Janeiro, Livraria José Olym- bilidade penal no Brazil . Rio de Janeiro, Editora
Paulo, Brasiliana, 1971. pio editora, 1947. Guanabara, 1957.
BONFIM, Manoel. A América Latina: Males de origem. _______. Ordem e Progresso, processo de desintegração _______. Os aricanos no Brasil. São Paulo, Editora Na-
Rio de Janeiro, opbooks, 1993. das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil cional / Brasília, Editora de Brasília, 1982.
CARDOSO, Fernando Henrique. C or e mobilidade sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira: con-
meio século de transição do trabalho escravo para o tribuições e estudos gerais para o exato conhecimen-
trabalho livre e da monarquia para a república. Rio to da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Livraria
10. Textos sobre o Movimento Negro que merecem ser consul-
tados: Maria Ercília Nascimento, A Estratégia da Desigualdade
de Janeiro, Record, 1990. José Olympio Editora (3ª edição aumentada), 1943.
(1988); Movimentos Sociais: os negros, culturas e resistência , de FRY, Peter. Feijoada e Soul Food. In: Para inglês ver. Rio ROSE, Arnold. Negro: o dilema americano (versão con-
Neusa Gusmão e Ana Lúcia Valente (1988) e Movimento Negro: de Janeiro, Paz e erra, 1982. densada de An American Dilemma de MYRDAL,
da marca da inferioridade racial a construção da identidade étnica, IANNI, Octávio. As metamoroses do escravo: apogeu e Gunnar). São Paulo, Ibrasa, 1968.
Luciana Ferreira M. Mendonça (1996). crise da escravatura no Brasil . São Paulo, Hucitec SANOS, Gevanilda Gomes dos. Partidos políticos e et-
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propostas pedagógicas