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Luisa F. Habigzang Silvia H. Koller e colaboradores Violéncia contra criangas e adolescentes teoria, pesquisa e pratica Verséo impressa desta obra: 2012 2012 {A dimensio do trabalho central na constituigdo da subjetividade e na'constru- ‘glo da identidade. Nesse sentido, ainsergio dos adolescentese jovens no mundo do tre batho deve ser um assunto da maior rele- vincia, endo em vista que as primeiras ex: periéncias laborais slo decisivas para o de- Senvolvimento da identidade de ser tabe- ador(a) delineiam, em grande medide, ‘a trajetGria profissionalfurura (Codo, 19 Sarrira, Silva, Kabbas e Lopes, 2001). (© ingresso no mercado de trabalho po- de se dar de diferentes formas. Muitas ve- 2s, concretiza-se mediante contratos en ‘quanto adolescentes aprendizes, programas de extdgios ou de primeiro emprego. Entre- tanto, existem, ainda, outros modos de in- sergio laboral, como situagSes de trabalho informal, muitas delas na continuidade de ‘uma histéria de trabalho infantil As diver- ‘as possbiidades de entrada no mercado de trabalho assumem particularidades de Aacordo com 0 contexto socioeconémico, cultural e politico em que os jovens estio inseridos, As caractersticas desse contexto estardo relacionadas a0 acesso a trabalhos ‘mais ou menos qualificedos, em ambientes 10 Assédio moral e violéncia psicolégica riscos sutis no processo de insergdo dos jovens no mercado de trabalho ‘Mayte Raya Amazarray e Silvia H. Koller laborais mals ou menos protegidos e em di ferentes graus de respeito as condigées de desenvolvimento fisico, psicoldgic, moral social dos joven. "As dificaldades de inserio latoral ¢ a8, condigbes precirias de trabalho e emprego na juventude estio relacionadas, portanto, ‘um contexto mais amplo de vilagio de direitos e de exposicio a diferentes formas de violéncia, Essa problemdtica ¢ notada- mente relevante para 0s jovens de camadas populates, os quais se caracterzam, segun {do Romaneli (1997), por se concentrarem nos centros urbanos e, em geral, possuirem condigbes precirias de moradia ede acesso 4 servigos de educaglo e saide, além de renda familar reduzida. s jovens, em geral, constiuem um segmento da populagio especialmente vul- nerdvel 20 desemprego e & precarizacdo do trabalho, conforme reconhecido pela pré- pria Organizagio Internacional de Trabalho = OFT (Costanzi, 2009). No Brasil o desem- prego atingia 3,9 milhées de jovens entre 15 € 24 anos, em 2006, conforme estudo oordenado pela OTT (Costanzi, 2009). A taxa de desemprego dos jovens (17,886) era 138 Lua. tirng Sv Hol Beas superior a dos adukos (5,696) e havia au- rmentado em relagéo a um estudo anteris, de 1992, em que 0 indice de desoeupagio cra de 11,9%. ‘Além das difculdades relativas 2 inser- fo propriamente dita no mercado de traba- Iho, existem aspects importantes no que diz respeito & qualidade dos postos de trabalho conguistados pelos adolescentes e Jovens. Quando conseguem ingresar efetivamente ‘ho mercado de trabalho, nem sempre se de param com ambienteslaboris seguros fa vordveis ao seu desenvolvimento. Assim, al- szumes experigncias de trabalho so marea- as pela voléncia excita, como € 0 cazode cciangas e adolescentes em situagio de ex- ploragéo sexual, trfico de drogas, trabalho em lides, etc. Nesas circunstincia, a vio- {encia no trabalho é simultaneamente fica, psiclégica, moral, sociale pode ser concre- tamente consatada. Essas experiéncas séo descrtas pela OFT como algumas dentre as piores formas de trabalho infantojuven, sendo alvo de campanhas de eradicagio © de polticas piblicasassstenciais (Amazar- ‘ay, Thom, Pletoe Koller, 2007). Existem outras situagies, no entanto, nas quas a exploragdo da mio de obra in- fantojvenilndo se dé de forme to vsivel, ras que reservam potenciais de dana igual. mente preocupantes. Tatas ds casos em que se observa a exposigie& volénca ps- coldgica¢ a0 aseédio moral nas relagbes la borais; um rico sutl e, mulas vzes, mvs vel, porém reconhecidamente presente no ‘mundo do trabalho contemporéneo nacio- nal internacional ~ conforme apontam 0 relatério da Organizacio Internacional do Trabalho (Chappell e Di Martino, 2006) estudos atuais de revisio sobre tema (Freitas, Heloani e Barreto, 2008). esse sentido, tanto as dificuldades de {nsergfolaboral dos jovens como sua pos!- so em situagdes labors precérias configu am um dos prineipais componentes negati- vos da condigéo de vulnerabilidade na Juventude, Assim, a violénca psicolégica e © assédio moral no trabalho, enquanto fa totes de risco importantes d> contextolabo- ral merecem a atengio de 2esquisadores atores sociais voltados & erradicagdo e pre- vvengio da violéncia na juventude VIOLENCIA PSICOLOGICA NO TRABALHO A viléncia psicolégica no trabalho se caracteriza como uma forma sutil de agressfo, que, em geral, se institut de modo insidioso ¢ invisivel nas relagGes de tabalho e com- preende uma diversidade de comportamen- tos, entre of quais: presées psicolégicas, coagées, humithagées, intimidagbes, amea- Gas, attudes rudes e agressvas, comporta- rmentos hosts, violagbes de direitos e assé- io psicolégico (Chappell e Di Martin, 2006; OFT, 1998). Essas manifestagbes tam- bbém podem vir acompanhadas de agressBes fiscase de assédio sexual. ‘Ainda, de acordio com Soboll (2008), a violnciapsicoligica no trabalho pode ser de- scrita como uma tansgresso &s regras que {garantem a harmonia e 0 ecnvivio social no ‘contexo labora. im geral rgina-seem uma relagio de imposigéo, com © uso do poder e com a utilizagéo de insrumentos coeriivos salde fica epsiquica, bem como alteragies ro desenvolvimento pessoal social (Chappel Di Manno, 2006; Sbol, 2008). ‘A pat dessa defngéo,podemse visu: liza alguns aspectos do eatdiano laboral dos jovens que merecem steno, na medi da em que se caraterizam por exposigo a situages ou comportaments pos de vio lencis psiolgica no wabalo. Por xemplo, diferentes estudos (Campos ¢ Francischin, 20083; Oliveira e Robazzi, 2001; Sarriera et al, 2001; Thomé, 2009), eostaaram que, em gral, os empregos dos ovens se carac: terizam por precaiedade e descumprimen- to de les trabalhistas fat que se inclu na categoria de violagéo de direitos, uma das cespécies de violéncia psicolégica no tra: balho. Esse tipo de condicao laboral con- tribul para que os jovens se orientem em diregio a experiéncias profssionas desvin- culadas de sentido e em formas de trabalho egradantes, alienadoras e desprovidas de reais oportunidades de aprendizagem. ‘Outros exemplos que representam 0 {fendmeno da violéncia psicolbgica no tra balho entre os jovens sfo as exigéncas ps colégicas e de responsabilidade elevadas, incompativeis com o seu estigio de desen- volvimento. No estudo de Oliveira, Fischer, ‘Amaral, Teixeira e Sé (2005), os ado ‘cents relataram “muita responsabilidade’ sobrecarga de trabalho e, especialmente, exigéncas psicossociais geradoras de es- tresse, De modo semelhante, Fischer € co- laboradores (2005) encontraram demandas pslcoldgicas elevadas, como baixo controle sobre as tarefase alto volume de atividedes. [Neste estudo, tas condigGes de trabalho se mostraram associadas com maiores riscos de acidentes, redugio do sono, maiores jor nadas de trabalho e menos horas de estudo e lazer. Essa sfo algumas situagdes que po- deme devem ser vistas sob a perspectiva da violéncia no trabalho. Em geral, as organizagées de trabalho ressaltam a necessidade de os jovens se man- terem déceis, obedientese dispostos para 0 trabalho, o que se insere em uma logica de dominago e submissao (Oliveira e Robazzi, 2001). Esse tipo de relagéo, comumente, é ‘btida a partir da exploragio da mio de obra fe mediante 0 uso de técncas sutis de ma- nipulagio psicolégia no trabalho. O proprio contexto de desemprego ¢ de precarizagio do trabalho, somados ao processo de desen- volvimento dos ovens, os coloca em stuacio de inseguranca, medo e menor poder nas relagSes laborais. Os jovens, comumente, possuem menos conhecimentos sobre seus Gireitos enquanto cidados e trabalhadores; paticipam com menor frequéncia de enti- Gades sindicas ede classe. ‘Alm disso, em geral, os ovens possuert senor pader de baganna do que os rabalha- dores mais vlhos, por vias razes, entre tdas ofa de esta a menos tempo na orgs rizagio, poser menor famiariade com © proprio trabalho e ocuparem postos de ‘menor stanushierdrquico.Consequertement cs eomportamentos de submisso a condiqies ‘nseguras violets de trabalho acabam por smaximizaracondgio de vulnerabléade. Um dado conceto a ese respeto se refer fato de (que os adolescents com menor antordade de decsfo acaba tabalhando mas horas to que os adolescentes que possuem cargos co fungbes de maior autonomia no trabalho (Fisher etal, 2005). ‘Asubmisso 8 Idgia empresa tam- ‘bém foi spontada em um estudocealizado com adolescents aprendizes, no qual 0s participanes citaram a necessdade de ‘sa ber se pr no seu lugar de empregido", en quanto uma questo de hieraqua © obe- ditncia (Amazarray, Thomé, Souza, Pleto ¢ Koller, 2008). Mesmo em um contexto de trabalho protegio,o adolescenesrlataram sicuagbes de reproducio do modelo social vigente na orgenizagio do trabalho. Embo- ra isso nfo constua, por si s6 enecess- riamente, um situagio de violénci psiolé- ca no Wabalho,denotao posicionamento lo ertico desses jovens © a reprodueio passiva de modelos imposts pla empresa. sso coloca, por sua vez, em umestado de ‘special vulnealidade para softer eventos de volénciapiclégica no trabalto, sea na vivénea labora atul ou em futras expe riéncas de trabalho. Ressalte-se que ess lgica de submis slo foi encontrada entre adolescentes que cxerciam sua primeira experince labora e ‘que o faziam em um conteato de trabalho protegido (Amazarray etal 2069). A ne: cessidade de sueigd Bs leis do mereado de trabalho também foi cada por Aumus eco- laboradores (2005), os quai afimaram que os javens aprendem rapidamente a exigén da e al condigio para gaantir¢sustento 140 isn. Habgtng, Svs Kl col Nardi e Yates (2005) também verifcaram a {ncorporaro do dicuro gerencil ea consi- ‘uigdo de ume légice individualist em un ‘estudo com jovens empregados not setores tecnolégico (informatica, internet teleco- municagbes)e bancirio. Assim, esses etu- dos, dente outres,vém demonstrando que logic empresa organizadora do mercado de wabalh,iniuenia a formagio da ident- dade dos jovens uabalhadores desde as suas primeras incurées lores, mesmo em Setores da economia e em contexts laboras supostamente mais segures e proteyidos. [No se pode perder de vis, ainda, aquelas experiéncias laborais que se dio & margem do mercado de trabalho formal e do amparo da legislago, e que, frequentemente, se as- sociam aos jens das camadas populares, perpetuando a realidade socioecondmica de suas familias de origem © estudo de Thome (2005), com cerea e cinco mil jovens brasileiro trabalhadores fe nao trabalhadores de classes populares, demonstrouassocagéo entre trabalho © va- niveis sobre sae, qualidade de vida e vio- lencia, Nesa pesquisa, ientifconse neces dade superior de utlizacio de sevigos de saide por parte dos jovens que tabalhavam, em relago aos que no wabalhavam, ass, como maior uso de droga lic e las, maior nimero de repetcias ¢ menor fe aquéocia escolar. Outro dado interessante fot 4 malorexposigo &voléncia doméstice ema comunidade entre os jovenstrabalhadores. Esses dados refletem relidadescomplesas ddevem ser analisedos com cautela Entretan- to, sinaizam que a aividae labora, na jue ventude, pode ser fonte de vulneabilidace, assocada ou no a outros riscos presents fem outros contexts de vida dosjovens ami- lia, escola, comunidade, et). ‘Assim, o panorama do trabalho, para boa pare da joventude brasileira, nfo &necesari- mente caracttizado por ambientes seguros€ romotores de sade —sinda que pose sé, em um conten de trabalho decene digno, como preconzado pela OTT (Amazaray eta, 2007; Costanzi, 2006). Diante desse cenétio, ‘a atengio As situagBes de violéniapsicol6gica ‘no trabalho se fa imprescindlvel,pasto que o abuso emocional na relagGes de trabalho po- ‘de ser devastadar sobre asa 5 ASSEDIO MORAL NO TRABALHO ura stuaggo que merece expeca vig lincia €o asédio moral no wrabalho, que consiui em uma forma extrema eespctica de violencia psicoldgica. Difrenca-se desta pelo cardtr processale pela eperigioe du ragéo prolongade dos comporamentos. Des- sa forma situagbes ponuai ¢néo repetivas so consideradasatos de vioiéciae no de asédio moral no trabalho. Ebora o concel- to de asso moral varie segundo o pals ou 0 autor, hé certo consenso nas definises em relagio ao cardter continuo esistemétco dos comportaments, processuaidade (cardcer sgradatve) assim como aos danos fisicos, ps uicos e moras eausados as vtimas (Einar- sen, 2000; Leymann, 1996; Schatzmam, Gos ‘all Sobol e Eberle, 2009). A degradacio do ambiente labora também fe: parte do fend- mena, j que, além das viimas diets, cons tatam se implcagies entre os tabalhtloes que testemunham a violénca, podendo ser causa de insatisfago e desmotivagio no ta: ‘batho, Assim, 0 ovens poden ser tanto vit- ras dieas do assédio moral, como inte ths, presenciando events que ocortem junto a seus colegas ou chefas de wabalho. O assédio moral no trabalho pode se de natureza vertical descendente, que € 0 tp0 sais equente, ou sea, quando a viléncia parte da diego ou de um superior hierér- ‘ico; ou vertical acendente, em que a vio- Iencia¢praticada pelo grupe de rabalhado- es contra um nuperior senda espéie mais rare, Existe, ainda, o assédio horizontal, no ‘qual violénia¢ praticada 90r um ou mais colegas do mesmo nivel hierdrquic. Esse po de asséio se assemelha ao bullying, fe 2140 is. bigang Sve H fol Bt [Nardi e Yates (2005) também verficaram @ Incorporagéo do discurso gerenial ea const tuigio de uma logica individualista em um ‘estado com jovens empregados nos setores tecnolégico (informética, internet e teleco- smunicagies) e bancério. Assim, esses estu- os, dentre outros, vim demonstrando que a [igica empresarial, organizadora do mercado de trabalho, infuencia a formacéo da ident- dade dos jovens trabalhadores desde as suas primeiras incursées lnboras, mesmo em seores da economia e em contextos laborais supostamente mais seguros ¢ protegidos. [Nao se pode perder de vista, ainda, aquelas laborais que se dio a margem do mercado de trabalho formal e do amparo da legislaclo, e que, frequentemente, se as- sociam aos jovens das camadas populares, ‘perpetuando a realidade socioecondmica de suas familias de origem. (© estudo de Thomé (2009), com cerca 4e cinco mil jovens brasleros trabalhadores ¢ nio trabaihadores de classes populares, demonscrou associago entre trabalho e va- raves sobre saide, qualidade de vida evie- leneia, Nessa pesquisa, identificou-se necess- dade superior de utlzagio de servigos de sade por parte dos jovens que trabalhavam fem relagio aos que no tabalhavam, assim ‘como maior uso de drogas licitas e ilctas, ‘maior mimero de repeténcias e menor fre ‘quéncia escolar. Outro dado interessante foi ‘maior exposigo &violéncia doméstica e na comunidade entre os jovens trabalhadores. Esses dados refletem realidades complexas e

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