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Trabalho apresentado no GT Historiografia da Mídia integrante do 11º Encontro Nacional de História da
Mídia.
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Doutoranda em História e Culturas Políticas na Fafich/UFMG. Bolsista Capes/INTC. Email:
gabisgalvao@gmail.com
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pareceres emitidos pelo órgão a respeito de três telenovelas produzidas e exibidas pela
Rede Globo: Um Sonho a mais (1985), Mandala (1987) e Vale Tudo (1988).
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biografia, embora Neves tenha sempre feito oposição à Ditadura Militar, era tido como
um político moderado e com boas relações com o congresso e suas forças
conservadoras.
Para muitos brasileiros, o novo governo que teria início em abril de 1985 traria à
população garantias de liberdades individuais, marcando, o fim da Ditadura Militar e de
muitos dos seus órgãos de repressão como o Serviço Nacional de Informação (SNI) e o
Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP). A morte de Tancredo Neves,
poucos dias antes de assumir o poder, e a posse de José Sarney como Presidente da
República não minaram essas esperanças.
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A nova divisão, no entanto, estaria diretamente subordinada ao Ministério da Justiça e
passaria a não ter mais qualquer relação com a Polícia Federal, como ocorria até então.
Sendo assim, os antigos agentes de censura deixariam de ser parte do corpo policial e
seriam realocados como analistas de espetáculos.
O que seria o novo órgão, no entanto, nunca saiu do papel e até a promulgação
da nova constituição, em outubro de 1988, a censura às diversões públicas se manteve
tal como ocorria durante a Ditadura Militar. Beatriz Kushnir afirma, a título de exemplo
da atuação do DCDP, que entre março de 1985 e formação da Assembleia Nacional
Constituinte, no início do ano de 1987, 261 músicas brasileiras sofreram algum tipo de
corte imposto pelo DCDP, sendo que 25 delas tiveram as execuções inteiramente
vetadas. Além disso, em 1986, ocorreu um novo concurso público para o cargo de
agente de censura, aumentando de 150 para 200 o número de profissionais na ativa.
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Programada para ir ao ar em 1975, como parte das comemorações do décimo aniversário da Rede
Globo, Roque Santeiro não foi ao ar. No entanto, dez anos mais tarde, a emissora produziu novamente a
telenovela, ainda que com o elenco quase completamente reformulado.
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Tratando especificamente das telenovelas abordadas por este trabalho,
começaremos a problematização a partir de Um Sonho a mais exibida às 19 horas pela
Rede Globo entre fevereiro e agosto de 1985. A história, de autoria de Daniel Más e
Lauro César Muniz, é baseada na peça Volpone escrita por Ben Johnson no século XVI
e adaptada ao Brasil da década de 1980, retrata a vida do milionário Antônio Carlos
Volpone, vivido por Ney Latorraca, que abandonara o país cerca de vinte anos antes ao
ser acusado de assassinar o ex-sogro.
Vinte e cinco anos mais tarde, Jocasta e Laio estão casados e o homem é um
contraventor ligado ao Jogo do Bicho. Em uma viagem, após uma briga de trânsito, ele
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acaba caindo de um precipício e morre. No entanto, a pessoa com quem Laio se
desentendeu, e que acabou indiretamente envolvido em sua morte, era seu filho Édipo
(Felipe Camargo) que fora criado em Brasília por uma família adotiva. O jovem muda-
se para o Rio de Janeiro e se apaixona por Jocasta sem saber que ela é sua mãe
biológica.
Para tratarmos sobre as práticas do DCDP4 durante o período entre 1964 e 1988,
devemos estar atentos a uma polêmica acerca da censura imposta às diversões públicas
que passa pela discussão sobre o seu caráter moral e/ou político. Muitos autores têm,
nos últimos anos, feito um intenso e produtivo debate historiográfico sobre o tema.
Beatriz Kushnir se ampara em uma série de leis brasileiras para expor seus
argumentos. A autora entende que parte da sociedade demandava por um rigor na
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Até 1972 o órgão de censura no Brasil chamava-se Serviço de Censura e Diversões públicas (SCDP).
Optou-se nessa pesquisa, no entanto, por chama-lo de DCDP, uma vez que seu foco principal é o período
entre 1985 e 1988.
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Censura. Ela entende, entretanto, que as supostas vítimas da prática, os jornalistas e
veículos de mídia, em muitos casos cooperavam com os órgãos governamentais de
censura.
Havia, desse modo, uma grande preocupação por parte dos setores mais
conservadores da sociedade para que houvesse um maior controle às artes, sobretudo ao
cinema, ao teatro e à televisão. O objetivo seria a não contaminação dos jovens por
ideais que contestassem os valores morais vigentes. Sendo assim, o DCDP seria um
órgão de suma importância nesse combate contra os valores que se opunham, pelo
menos em teoria, à tradicional e conservadora família brasileira.
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KUSHNIR, 2004 p.65
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podemos concluir que de fato existia uma predominância das intervenções de caráter
moral. Há, no entanto, que se fazer algumas ponderações.
A telenovela Um Sonho a Mais teve sua sinopse encaminhada para análise pelo
DCDP em 1984. Os pareceristas não encontraram qualquer problema na trama que
pudesse acarretar em um veto e ela foi liberada para a exibição às 19 horas. No entanto,
a partir do momento que a telenovela foi ao ar, a partir de 1985, os embates entre o
autor, Daniel Más, a diretoria da Rede Globo, representada pelo seu vice-presidente de
operações, José Bonifácio Oliveira, o Boni, e o DCDP ficaram latentes.
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As irmãs Anabela, Clarabela e Floribela Freire, vividas, respectivamente, por Ney Latorraca, Antônio
Pedro e Marco Nanini são caracterizadas por Fernanda Nascimento da Silva em Bicha (nem tão) má:
representações da homossexualidade na Telenovela Amor à Vida como travestis/camp. Por ser a única
descrição de gênero existente das personagens, optou-se usar essa terminologia como referência, embora
seja sabido que ela pode ser considerada controversa.
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Um ponto interessante nesses cortes é que, diferentemente do que ocorreu com
as outras telenovelas analisadas, não foram emitidos pareceres pelos censores. Os
comentários estavam no corpo dos textos e não existiam assinaturas que nos
demonstrem quais agentes atuaram nos vetos.
Em Mandala destaca-se também uma trama política, vista com ressalva por
alguns censores. Na primeira fase da história, ambientada em agosto de 1961, Dias
Gomes retrata a renúncia do presidente Jânio Quadros e a dificuldade imposta por
correntes conservadoras, como parte das Forças Armadas brasileiras, para a posse de
seu vice, João Goulart. A jovem Jocasta, vivida nesse momento por Giulia Gam, era
filha de um líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e neta de um espanhol
anarquista. Dessa forma, a estudante de Ciências Sociais se engajou na Campanha da
Legalidade e lutou para garantir a posse de Jango.
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A sinopse de Mandala não foi aprovada para a veiculação às 20 horas, podendo
ser exibida somente a partir das 22 horas. Esse fato inviabilizaria a trama, uma vez que
no horário imposto pelo DCDP não havia, desde o início da década de 1980, exibição de
telenovelas, apenas séries e minisséries. Dessa forma, a Rede Globo se viu obrigada a
recorrer ao Conselho Superior de Censura, que possuía um membro indicado pelas
emissoras de TV, para que a telenovela fosse liberada. Ela estreou em outubro de 1987,
porém, sofreu vários cortes ao logo da exibição, o que fez com que a trama fosse
severamente prejudicada.
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a personagem de Lala, sabia que ela morreria. Isso eu sempre
planejei.(Jornal O Globo 23/03/2014)
Mesmo o DCDP não tendo impedido essa trama de ir ao ar, houve vários cortes
em diálogos que deixavam claro a orientação sexual das personagens. Isso demonstra
que, mesmo a poucos dias do seu fim, a censura ainda era atuante nas telenovelas
brasileiras.
Outro ponto importante a ser observado passa pelas relações entre autores de
telenovelas, a Rede Globo e o DCDP. Embora os dois primeiros aleguem terem sido
combativos em relação ao cerceamento de ideias, podemos ver que, no caso das tramas
estudadas, houve uma certa acomodação e até mesmo colaboração com o órgão estatal.
Dessa forma, podemos entender que ao censura às telenovelas no início da Nova
República contribui para o estudo sobre o período, mostrando como foram os avanços e
retrocessos na construção de um país, em tese, mais democrático.
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