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Ismail Xavier O olhar e acena Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues Cosac & Naify —cinamateca taste Cinema: revelagio e engano A TESTEMUNHA DE MccARTHY Hi quem tome o cinema eomo lugar de revelagiio, de acesso a uma ver- por outros meios inatingivel. H4 quem assuma tal poder revelatsrio ‘como uma simula de acesso a verdade, engano que no resulta de aci- dente mas de estratégia. E preciso discutir essa questo a0 especificar determinadas eondigbes de leitura de imagens para tanto, fago uma recs pitulagao histérica, pois 0 bindmio revelagio-engano projeta-se no tem- po, referido a dois momentos da reflexdo sobre cinema: o da promessa maior, na aurora do século xx, ¢ 0 do desencanto, 0s an0s 70-80. Comento, de inicio, uma situagdo extraida do dacumentério Poin of Order [1963], de Emilio de Antonio, filme que focaliza 0s processos as segs de tribunal no periodo do macarthismo nos Estados Unidos. Trata- sc detuma remontagem da documentacio colhida ao vivo nos interrogaté= rios. Em determinado momento, uma testermunha de acusagio ¢ inguirida pelo advogado de defesa de um militar acusado de atividades antiame: se advogado mostra uma foto a testemunha. Nessa foto se ve, numa tomada relativamente proxima, dus figuras: 0 réu-e, ao seu lado, alguém ja compromerido, jf indexado n: mostrar os dois conversando em tom de certaintimidade, é assumvida pela ccanas. aca is beuxas. A imagem, a0 promotoria como pesa importante da acusagia, O advogado pergunta i testemunha se considera foto verdadeira. A resposta é “sim”. O advogs- ito ampla, rupo de pessoas ~ dentre elas, algumas insuspeitas ~ e que trax nun dos cantos a dupa anteriormente vista na foro menor. Entenclemos sem demora que a primeira imagem 6 um recorte da segunda, ou seja,é parte ontexto maior, com muita gente envolvida, uma situago piblica aS ade entre 0 réu e seu interlocutor. que no denota nenhuma eumpli ev in : © cerioso no fato & que, ao ser reiterada a pergunta — “voce continua achando esta foto [menor] verdadeira2” -, a resposta & * arte Chaegamos aqui ao dado significative. A resposta surpre ilustra muito bem uma certa nogio de verdade, nogo muito mais presen 1 senso comum de uma sociedad como a nossa do que talvez gosta ie a verdade estava em cada mos, A testemunha trazia a conviegao de que pedaciaho da foto, como também da realidade, Aquele cant da insen uc eget extra do Sao ms, fo odo sem que se ale terase cada poato da for, sem maquiagem, em ateraso das rl ae quelhe sio interns. Logo, “conte verdade. ua imagem “eaptada”s as duas figuras estiveram efetivamente juntas diante da cimera (no ingest) © ne, ni alr oem ranha, para quem a verdade & soma, esti em cada parte. a crrnoscaler crore gato rnd pe bres conviegdes desse tipo de observador, asim embalado pela evidéncia ‘empiien trazida pela imagem. Mais até do que a acuidade a (es seta), imager oo (e ienaogecn) eh suede pore correspond um ero ami: limps ‘me na emulsao sensivel por um processo objetivo sustentado na eausali- sncontto entre o olhar do sistema dade foroquimiea. Como resultado do eneo met de lentes (a objetiva da chimera) e 0 “acontecimento” ea ee a A imagem dese que funciona como um docunento, Quando se eq revalecendo a fé na evidéncia da imagem isolada, i por mais fungio do recone, hs temos um syjeito totalmente eativo do processo de simul parega. Caso tipico €0 dessa testemuha de MeCarthy, 8 simples que ele ° eonsagrar 0 engodo de uina promotor. oe Diante de tal na imagem, nossa primeira operagio & revert roxesso e charnar @acengo para a molehiea, para a rela entre a foto € erreur, par fae de que o semi seca paras eles nte o visivel eo invisivel de cada siruagla. Vou aqui um pouco adiante, para ressaltaro quanto, além da foto ede sex context, li que se inserir no jogo » turihéi o universo do observador eo tipo de pergunts que cle enderega i Imagem, Ou sea, dentro de que sinuaglo se da leiturne a6 longo de que «hk optonse verdade © mentira, revelagio e engano, Voltando & foro mionor apresentada pelo-advogado, constatamos, num nivel mais elemen- ‘ard inverrogzgio, que ela produ um residuo de documento na imagem dovinterlocutores (sia postura e suas roupas indieam certo estilo ete). No nano, ailegitimidade da foro € Nagrante quando fabrico o ato “conver 1 Inolada” ¢ 0 fago evidencin da culpabilidade, interessado na dimen: Politica da imagem. Quando pergunto pela autenticidade de uma imagem, Ilo estou, porranto, discutindo sua verdade em semtido absoluto,incondl- tionido Nao diseuto a existéncia das figiras dadas a0 olhar. Pergunto Peli significagio do que & dado a ver, numa interrogacio euja resposta Imobiliza dois referenciais: oda foto (enquadre e moldura), que define um apo visive e seus limites, ean abservador, que define tim campo de uestbes e seu estamto, seu lugar na experié No cinema, as relagdes entre visivele in individual e coletiva, vel, a eragio entre 0 Udo imediato sua significagao,tornam-se mais intrncadas. A sucesso Ue imagens criada pela montagem produ relagdes nowasa todo instante ¢ somos sempre levados a estabelecer ligages propriamente ni existentes fnatela, A montagem sugere, nds deduzimos. As signifieagses engendram- menos por forga de isolamentos (como na foto comentada) e mais por forga de contextualizagdes para as quaiso cinema possui uma liberdade in- ‘vel. sabido que a combinasio de imagens cria significados nfo pre- fenies em cada uma isoladamente, & célebre 0 experimento do cineasta {so Kulechoy, primero yrande rerico da montagem. Selecionando uma Une tomada do rosto de um ator ¢inserindo-a em contextos diferentes, ‘Hhogou a conclusses radicas: a cada combinagio orosto parecia expressar algo bem diferent, num espectro que ineluiaternura, fome, alegria. A clasticidade admitida por Kulechioy num prime momento (anos 410) foi depois atemuada por ele priprio ¢ teria hoje inggnuo supor oiler absoluto da montagem nesses casos. Dentro de determinados 10 no periodo do cinema mado era como a tl io da diferenga en- teas circunstineias da filmagem e asda imagem na tela para sugerir um acomtecimento ow dar significado particular a um rosto em close-up. Pudovkin, 20 realizar 4 mae [1926], queria uma expressio particular de alegsia no rosto do hers numa cena em «que, na prisio, ele recebe wina rensagem de sta mle trazendo esperangas de liberdade, © jovem atoz ‘nfo conseguiu a expressto pedida 0 cineasta buscou outra solo. Sur- preendew 0 ator num momento desevisado, numa circunstincia de ris, ¢ a um estimulo completamente estra- iemaem registrada com as cenas filmou seu rosto que, ent¥o, re nho a cena do her6i. Combinou depois viinas no filme ejulgou satistatério o feito obtido, Se cada imagem do ator €um material no qual a montagem pode inocular um sentido, esse foi ‘e ainda hoje € um dado de desconforto para muita gente, Os atores cém rario em desconfiar dessa distincia entee sew trabalho e a pereepgio de sua imagem na tela. Operagoes euinu tana de Pudévkin desde cedo entra am na rotina do trabalho. Muitostericostém se imesessado pela diseus- sio de di io que iustra com bastante cevidéncia a relatividade das “expresses” e ds performances no cinema ‘Comparando a questio dos atores a servigo da fiegio coma da foro observa no tribunal, ganhs toda énfase a importincia da pergunta que ‘ovobservador ditige a imagem em fungio de sua propria circunstincia inceesse. Afinal, na condigio de espectador de um filme de feglo, esto erentes aspectos dess# manipul ro papel de quem aceta 0 jogo do far-e-conta, de quem sabe estar dn- te de representagies e, portanto, no de legitimidade ou autemticidade nv nivel da testemunha de tribunal [Aceito e até acho bem-vindo o antficio do diretor que muda o sign do de um gesto —o.essencial &a imagem ser convincente dentro dos pro- pésitos do filme que procura instaurar um mundo imag : s, fachadias e avenidis, o cinema cria ‘coxpos, um novo cor- mento em discutir questBes A partir de imagens de esqui uma nova geografia; com fragmentos de diferent pos com segmentos de agdes €reagbes, un Fat qu x6 existe na tla. NBO {questiono a cidade imaginsia ~o que vejo na tela no correspond, por exemplo, a0 Rio ou i Sao Paulo que conhego. Nao eabe penguntar de quem 0 corpo imaginio on qual aesrutua real de um espago visto na tela em fragmentos. Se assim o fier, 0 espectator rompe 0 pacto que assina 30 u entrar na sala escura para assistira um filme que tem titulo, direto,ato= ‘es, Diamte da imagem apresentada como prova em tribunal, a circuns- Xncia €o compromisso so outros, o cio da verdade eda mentirarequer ‘itérios proprios. Para iudir, convencer, & necessirio competéncia ¢ faz parte dessa saber antecipar com precisio a moldura do observador, a ci cunstincias da recepedo da imagem, os eédigos em joge. Embora paresa, a leitura da imagem nao é imediata. “4 la resulta de um processo em que » s6.as mediagdes que estio na esfera do ollar que produz a imagem, mas também aquelas presentesnaesfera do olhar queas reeebe Este nio ¢ inert, pois, armado, participa do jogo. intervém n 1 OLHAR 00 CINEMA coMO MEDIAGAD. Hii entre o aparato -matogrifico eo olho natural uma série de elemen- {ose operagées comuns que favorecem uma idenificagio do meu olhar © da camera, resultando dai um forte sentimento da presensa do ‘mundo emoldurado na tela, simultaneo ao meu saber de sua auséncia (trata-se de imagens, endo das proprias coisas). Discutir essa identificagio «ssa presenga do mundo em minha consciéncia é, em primeiro Ingan, eentuar as agbes do aparato que consti 0 olkar do cinema. A imagem | {ue recebo compe un mundo filrado por um olhar exterior ‘me organiza uma aparéacia das cists, amim, que tabelecendo uma ponte mastam= | ‘hem se interpondo entre mim eo mundo. Trata-se de um olhar anterior a0} met, cu circunstancia nfo se confide coma minha na sila de projesa0. © encontro cimera /objeto (a produgdo do acontecimento que me é dado er) € 0 encontro espectador/aparato. de projegao e Inentos dstintos,separados por todo um processo, Na filmagerm esto \implieados uma co-presenga, um compromisso, um rsco, um prazer eum poder de quem rem possibilidade © escolhe Filmar. Como espectador, bho acesso 3 aparéncia registrada pela cimera sem o mesmo pose Sem a cicunstincia, Contemplo una imagem sem tee par- elpalo de sua produgio sem escolheringul,distincia, sem defini uma perpectiva propria pata observagio, Ao contro das situagdes de vida * ‘em que estou presente ao acontecimento, na sala de espetientos, jf semta- do, nto tenho o trabalho de buscar diferentes posigies para observar 0 rmiindo, pois tudo se faz em meu nome, antes de mew olhar intervi, num processo que franqueia 0 que talvez de outro modo ser para mim, de impossivel acesso. Espectador de cinema, tenlio meus privilégios. Mas simultaneamente algo me é roubado: 0 privikigio da escolha esse compromisso de ganhos ¢ perdas, acto e walorizo o olhar mediador do cinema porque as imagens que ele me oferece tém algo de prodigiaso —hoje talver banalizado ~advindo de sua liberdade ao inva- dira intimidade (uma liberdade da qual tisufruo sem siseos), de sua pre- cisio-e destrexa nos maiores desafios. No cinema, posso ver mdo de perto, e bem visto, ampliado na tela, de modo a surpreender detalhes no Fluo dos acontecimentos e dos estos. A imagem na tela tem sua dura- lo: ela persist, pulsa, eserva surpresas. Se é continua, posse acompa- nar um movimento enquanto esse se faz. diante da cimera; se a mont 1, vejo uma sucesso de imagens tomadas de diferentes Jngulos, acompanho a evolugio de um acontecimento a partir de uma gem incer ‘colegio de pontos de vista, via de rogra privilegiados, especialmente cui- dados para que 0 espetéculo do. mando se faga para rim com clareza, dramaticidade, beleza. As possbilidades abertas pela temporalidade pro- pria da imagem so infinita: hd o movimento do mundo observado & 0 movimento do olhar do aparato que observa, Quando aimagem é de os- tos, tenho a interagao dos olhares que se confrontam, verdadeira orques- tragio o olho que vé-e 0 que é visto tém ambos sua dinimica prépria © cada um de nds teve ocasites de avaliar, com maior on menor conscign cia, intensidade dos efeitos extraidos dessa orquestrasa0. (© usufruto desse olhar privilegiado, no a sua an éalgo queo cinema tern n08 garamtido, propiciando essa condigio prazerosa de ver ‘omundo eestara salvo, cupar0 centro sem assumir encargos. Eston pre- sente, sem partiipar do mundo observado. Puro olhar,insinuo-me invi- sivel nos espagos a interceptar os olhares de dois interlocutor, eserati- nar reagoes e gestos, explorar ambiente, de Tonge, de perto, Salto com velocidade infinita de um ponto a outro, de umn tempo # outro, Ocapo w posigdes do olhiar sem comprometer 6 coepa, sem os limites do meu cor po Na flegio cinematogrifica, junto com a cémera, estou em toda parte {em nenum lugar; em todos os cantos, ao lado das personagens, mas sem preencher espago, sem ter presenga reconhecida. Em sunia, 0 olhar do. cinema & um olhar sem corpo, Por isso mesmo ubiquo, onividente. Iden- tifcado com esse olhar, eu espectador tenho.o prazer do olhar que no ‘et siuad, no esti ancorado — vejo muito mais e melhor. Observando a experiéncia por esse Angulo, como entio nao exaltar ‘cinema? Como nao pensar sua téenica de base em termos de cong ide progresso? Reromemos um clima tipico do inicio do século a, 0 PRIMGIRO ELOGIO As PaTENCIAS OD OLNAR CiNEMATOGRATICO, OMOMENTO DA PROMESSA Alguns cineasta ¢estetas dos anos 1o-20 deixaram regisiradas as duas rea- {ies a ese lado prodigioso da imagem oferecida pela entio nova tenica de reprodugio, Pensaram o cinema quando sua mediagao era um dado inau- ral que gerava certs descobestas, uma constelagio de sentiments e per ‘epses novos, ainda nao bem equacionados, que exigiam novos coneeitos, ‘um tcabalho coma linguagem eserita para expres ‘ 1 olado mais peculiar da ova experigncia, Hoje, € praticamente impossivel recuperar vivamente ujuele momento, nds que crescemos sturads de imagens e nos movemos um round em © que era antes promessa de revolugo se faz agora Udo banal do cotidiano, experiénciareiterads, De uma pluraidade Ses se, elogios, desconfiangas, destaco dois tipos de recepgo a0 advento do cinema. Na primeira, ele € observado como coroamento de um projeto ji Alefinido na esfera da representaglos na sequne , vislumbri-se o cinema ‘quanto inauguragio de um universo de expressio sem precedente, dest- ‘hada provocar uma ruprara na esfera da representasdo, Aaueles que o véem, com simpatia, como um corosmenta, inserem 1 cinema na tradigao do espeticulo dramético mais popular, d is popular, de grande Mialldade no séeulo x1x, Avaliam que, ‘ imprindo os mesmos objetivos, ‘cinoma vai mais longe, pois multplica os recursos da representacio, fz 0 7 spectador mergulha no drama som mas intesidade, © “oho sem cor pa? ceeaaencenao tora ado mas claro efitenexpresive 49 n> rium historia, 0 cinema fax Fair as agBes, no espago © n0 tempo, €.0 mundo vorna-sepalpavel as olbos da plata com uma forga impensivel vm otras formas de represeniagao, Ou seji,em seu “eornar visi”, ame> dingo do olharcinematogritico otra o feito da feo, eamprindo com truita competéncia uma arefa que, naesfera da cultura, considera‘ como coulos. Ao exalar esse salto na efir propria da arte e,em especial, dos espe ‘Géneia dentro da continuidade de prineipios e fungies, os crticos,ciness- feqgas do mereado cultural da época celebram tase produtoresafinados& ¢ dais, na produgio industrial do século xX, de um projeto qe vem do séeulo wnt que se definiu, na origem, para a represeatagao tear mera fitexgrifiea cons ££ comum sermos lembradlos do quanto ia sui uma objetivaglo tecnologica recente de principios da representa ‘conhecidos, cujasstematizagio vem do Renaseimento italiano (efmara veeia,o método da perspestiva, os efeitos de profundidade na superficie dda tela). Com aimagem em movimento, o representae 335 a encenagio tal e qual 0 dos homens se di coma franca hegemonis do ilusionismo plana no cinema industrial desde os tempos de D. W. Griffith Faro que ristalza uma heranga menos tematizada pea crtess ade oar tal como constituldo no drama burgués. Aqui, a refe Gal é Diderot. No momento em que esereve suas pesas ¢ formula ateoria Tenovadora do teatro, definindo o drama sério burgués do século svn ia tebriea essen vam elemento central no seu idedsio € a critica ao teatro vineulado 208 gferos clissicos —principalmente ao tipo de encenagso qn tradi clssicas francesa do século xu. Ese eat, por demas aco fora poética do texto, desdenhan- incapstz de elabo- te se dava is ‘ado na palavea, depende da exclusiva do o aspeero visual da experiémcia do paleo. Ou sey cena propriamente dit, tal come 0 fildvofo a onende, explorando a txpresvidade do gesto «a composigso visual da cena (os lan cons truidos pela poss reefproca dos atorese da eonograti). ‘Diderot queria um teatro dicigido’& sensibilidade por meio da re- produgdo integral das aparéncias do mundo, queria um mévodo de "dar ro yer” as situagies, 08 gests, as emogies. © ilusionismo, fonte do en- volvimento da platéia, 6 entio assumido como a ponte privilegiads no caminho da compreensio da experigneia humana, da assimilagao de valores, da explicitagao de movimentos do coragio, Tal demanda, propria do universo da Llustragio do séeulo xv1 tem seus desdobramentos. depin-dn Revolign ances, ein cute simone sil poe Coie as pope dernoe alwe conclu e loero dna i assexpon seca melo Bsse tem sido, por meio do tea- tro (séoulo x1x), do cinema (século xx) e da-Tv (desde 1950), a manifes- a ee contundente de uma busca de expressividade (psicolégica, al) em que tudo se quer ver estampado na superficie do mundo, na @nfase do gesto, no trejeity do rosto, na clog} capt toe sidney eae en am inp Fae eles ee ee uimero de mist # iio wpe Cm nts nel dren itt tuido o melodrama teatral na satis a 7 io de uma demand de feyo na s0- eile Qu etn pron dpe dadle que advém do conilito de Forgas que se expressam e se revelam pelo olbar, estou afiemandbo prineipios da represertagio aos quais o cinema vem se ajustar como uma hava. Como brago da in stra cultural, ele participa ‘do movimento de objetivagio institucional da Tustraglo, Sua orimizagio do “olhir melodramitico” é 0 ponto-limite de um projeto de expressio oe isis replaces attr an eal te lxalrio's oot Je daaparéncia como sinal de “conhecimento da naturera”, 1m ideal que pecs art como espe peda que equer a competncia tcno- \spica de “eriar uso” e, por essa via atingira sensibilidade: a passagem das tevas luz se faz de efeitos sobre o olhar. » Dentro do projeto de revelagao do mundo para o olhar, os efeitos do close-up logo adquirem a condigio de emblema das virwdes da nova arte Mais do que a montagem ~ sua condigdo prévia ~ 0 close-up, na Franga e ‘nos Estados Unidos, atrai 0 elogio dos cinéfilos como ponto de conden sagdo de um drama que se faz pelo movin que é vist —e pea tram formada pela sucessio de detalhes enganadores into dos olhos ~o que ve eo dade, é visto com € reveladores. Como movimento em diregio in poténeia maior do cinema que, muito cedo, impressionow a todos pl das intengBes ocultas, do pequeno gesto fora do ‘capaci alcance dos interlocutores, do movimento facial que trai um sentimento. [Nao foi preciso a manifestagio da critica: cineastas e produtores conduti- ram as experigncias reveladoras da forga dtamitica do rosto isolado na tcl e Grittith, usando a tradicional metdfora, muito antes de 1920 jim Jmportincia dos cllos —“janela da alma” — tru seus ores par dos para perto no close-up, disponiveis para o exame. n 1920, também Foco das atengSes dos elogios, 0 close-up estar ro centro das reflexdes de quem, afsstado dos valores promovides pela indstria do cinema, observa seus prodigios com outra moldura de inte= esses ¢ julga os filmes do mereado por demais “domesticados” pela demand de fiegio que induz o.novo meio a seguir 0s passos do teatro € dla literatura popular. Encontramos aqui quem v@ 0 cinema como rupru- ray espectadores avessos aos cbdigos do filme de ago corrente,cinéfilos no interessados na fluéncia dos acontetimentos, no pulsar da narrativa, has tensbes dramiticas usual. Por interinédio deles,o cinema ganha uma recepgio mais empenliada em surpreender aspectos da plistica da ima- «gem, do traballio da cimera e da presenga peculiar do mundo na tela que permanecem recalcados na visio dominante. Para esse olla diferencia- do, por meio do:cinema roda uma esfera nova de percepgdes abre-se & nossa experiéncia desde que sejamos capazes de entender a expressivida- ddeda nova imagem em outros terms, elogiando sim o close-up, mas den tro de um outa dtica: a de quem entende o cinema no como eoroamen- to do ihusionismo teatral, mas como ruptura, inauguragio de um novo, idlogo coma natureza € 0s homens. 4 Sto os intelectuis € artistas ligados arte moderna que lideram essa nova leitura do cinema de uma perspestiva que, na Franga, traduzit-se no cinéma avant-garde, nas experigncias dos surrealistas e nas polémicas «jue tiveram como pawta a superagio da moldura melodramatiea, a liber- tag do olbae sem corpo das amarras da continuidade narrativa, a ade- quaglo da nova arte & sua técnica moderna. A conviegdo que retine os di Ferentes grupos, postos de lado os conflitos que os dividem, é. de que «cinema desi se cumprir uma tarefa de redengao. A tradigio cultural do Ocidente europeu estaria falida, 0 poder criador preso a convengdes obsolets, saturado de referencias que o desvigoram, Enredado em formas He pensar e sent desyastadas, o homem culto se vé separado da nature 4a, reprimido, cercado de mentias, de clichés da linguagem, de méscaras. © cinema & radicalmente nove, inace! Ble pode e deve romper essa grade, devolvendo aos homen: ‘uma natureza alienada pelos artificios de uma cult trade piorigin ds teinlogtn 0 acesso a hipéerta ‘A vanguarda se estabelece como eultura de oposigao, separando 0 ‘espago ut6pico da verdade (cinema, vida futura) e 0 espago da mentia, da ‘onvengio (tradigio litera, weatro,cotidiano burgués). Sua féno cinema tncora-te numa iia de “expresso” que rambém se apdia na acuidade de reprodusio da aparéncia propria da nova téeniea, mas com um trago peen- Jiar que afasta a vanguardla do pensamento gerado na esfera da indstia Germaine Dulac e Jean Epstein, prineipais porta-vozes da avant-garde, ‘oneebem o cinema como “expressvidade do mundo” num sentido radi- cal! Combatem « nogéo vaga que nos levaa dizer, sob qualquer pretext, jo expressa aquilo”, de um modo que equivale a “isto significa aquilo”, \lenteo dos variados eaminhos pelos quais vamos de um pélo a outro, do wig esse determinado, impelido por forgas naturas, no qual a eomposigio de forya ante ao significado, Reservam “expresso” para designar um pro jeri a um organist deixa marcas na supeuticie do mesmo ~ “expresso” Go movimento pelo qual o que esti no interior vem forgosa~ nent ona, aflora moldando a superficie, engendrando a forma (muté- 100 Xavi t, Série art: um clto moderne (St Paulo: Peespectiva, 1978). ” vel) que o cinema vem “captae” com exclusividade, pots fixa os movimen- tos na pelicula sem as atrapalhagdes do ollo nareral. © cinema tem seu co, regular, implacivel, objetivo, ‘no maculado pelos preconceitos culturais, peas viissitdes da subj dade, £ irdnico que, justamente porque nao tem “interioridade”, o olhar «da miquina possi atingit principio interior dos movimentos, revelar a ‘vigor, proprio de um olhar mais auton ‘verdade que, orgunicamente, expressa-se em sentido pleno, imprime-se ‘numa textura do mundo que s6 a cimera & capaz de registrar. O proprio instantineo fotogeafico, em sua estrutura mais simples, ji nos mostra 0 quanto a imagem revelada faz emergir dados ocultos que nio estavam na mira do forigrafo, No cinema, 0 movimento potencialia tal dexoculta- mento, qual pode tornar-se mais efeive quando os cineastas forem etm plices da nova técnica, em vex de tentar adapti-la & tradigio, como no melodrama, Neste, a expressividade do close-up fica arrelada a toda uma cadeia de imagens cujaLigiea é tomada de empréstimo a tradigio do naru~ ralismo, em que o tornar visivel resulta do céleulo, de uma retdrica que simula 0 espontdneo, Para Epstein, o que era adequado ao teatro ~ como ilusionismo do século x1x ~ ni0.0 é para o cinema do século Xx, pois imitagdo dos gestos, antes oferecida aolhos desarmados, no resisted and- ade. Com 0 cinema, a percepsdo humana ganhou lise da nova sers ws uum acesso especial intimidade dos processos —nele, a apargneia €j uma anilise. O clase-ep nfo & o lngar do fingimento, & uma presenga que reve- lao que seé ni 0 que se pretende ser (initeis as caretas dos atores). ‘A aposta da vanguarda esti no poder analitico do registro einemaro- tgrifieo, no que vessalta nido apenas o clase-up (ampliagio da imagem no espago), mas também as alveragBes de velocidade da cera, prineipal- mente a cfmera lena (ampliagio da imagem no exo do tempo), que reve lo mundo em outra escala e descobre-nos a vida secreta que se tece @ i instiveis, fora da nossa volta ¢ em nés, gankando expresso nas forn nossa vonsciéncia, que agora temos fxadas pela téeniea? Eps i ct 1 versio radical maquele mo- 2. Essa aposta no poder salto do einema tem im 4 ‘mento'na Unido Sovidiea, enearnak no projeto do Cine-Ciho, de Daiga Vertow, > 2 filmes, experimenta 0 poder expressive das diferentes velocidades; Dulac ‘nalisa as imagens do movimento animal ¢ dos fendmenos natura, Fer- ‘nated Léger explora as relagées ¢ a forma dos objetos fora de sua insersa0 wilitéria ne cotidiano. Embora nao totalmente afinado ao cinéma davant- ord, 0 surrealismo torna-se 0 movimento de contestagio ao cinema ir dustrial de maior impacto, com sui exploragio da moniagem como reve- Iago ds pulses, anatomia do desejo. Em diferentes diregies busca-se a texperiéncia fora do senso.comum, o olhar em sintonia com ~ impulsionan- do~a sensbilidade ef i da maquina” (Wpitein) surge entio como nova pedagogia —demoniaca, em contraposie ‘i040 condrio piedoso do melodrama - pois o cinema teria como destino {naer-nos de volta uma cosmologia ¢ um encantamento do mundo para ‘bs quais 0 eartesianismo ea filosofia da Ilstragio permaneceriain ceyos. Ohio umente movderna, A “inteligén we dease rensschinenco sera a “explosto do universo carceririo a existéneia amal” (para usar a expresso de Walter Benjamin em seu (lebte ensaio de 1936, a0 falar de reprodugtio técnica, arte cine). A formulagio de Epstein-Dulac é questionavel quando examinada a pittr de sua idéia-matrz de expressia, pois essa torna absoluto o poder naltico (inegavel) da imagem cinematografica, projetando ai uma f@inte- {pr 00 dado visivel, na eapacidade de a imagem, pela forga exclusiva de sin relagies interna, trazer a verdade& cona (de novo, trata-se da desa- {nngo & moldura, ao contexto ce cada imagem). Sua intervengi0 mais de- thhiva, no entanto, est no impuiso uropi nela presente eno salto te6rico que oferece so busear um pensamento &alura dos aspectos radicalmente ovo da experiéneia do cinema no inicio do séeulo, Benjamin, 0 filésofo Itento as transformagies da sensibilidade yeradas pelas novas tenicas, dia ‘0M 1936: “A natureza que se dirige &cimera no é a mesma que a que se dinige o olhae”. Essase outras observagbes suas ~ sobre o ator, o poder ® que procura realizar no cinema documenta a verdade que desnascar: {wr binges tradicional A especificidade de Verto diate dos frances &aligae leestabelee ene desmascaramento «expos 0 dos procestoseletivos 0 social, das relagdes de clase através da montagem cinematogrifies, 6 analitco da imagem —retomam muito do repertério da vanguarda dos anos 20, inserindo a caracterzagio do olhar do cinema numa tflexio mais am- pla sobre técnica ¢ cultura, Nessa reflexio, moldura é outra mas prevalece ‘9 mesmo movimento de ressaltar 0 papel subversivo,revelado, da foto grafia edo cinema dentro da cultura européia. A promessa eno se reafi- ima, sem as premissas de “expressividade total” e de retorho & natured ass Dexjnin Es wou oe ais a ada forrmulada por um pensamento mais sensivel A contradigio ¢ ao caréter das forgas sociais em eonilito, Pensamento que nos trouxe uma avaliagio da ‘questi da arte dentro de uma articulagio mais Kicida com a conjuntura politi ea propria narweza das posts em jogp na Europa ds anos 30, polarizada por uma confrontagio decisiva entre revolugio e reago. ‘A.ORITICA 00 OLMAK SEM CORFO No seu elogio ao aspecto revelador do olhar no cinema, 0 pensamento dos anos 20 colocou 0 debate em termos de verdade (cinema) ¢ mentira (ago extra, ede toda fave camplicidade care cinema ent ea, solidérios enquanto um organismo e sua expressdo visual, prontosa expusarasimlasio desde que nova tenia Fosse salva desu adulters ‘530 promovida pelo universo da mercadoria. Por esse eaminho, a oposi «io entre umm cinema desejado, objeto do recalque social, aquele que realmente impera (a pedagogia da indlsteia cultural) orienta-se por uma teleologia: « presente é 0 momento dos entraves que impedem o desen- volvimento na diregao correta, capaz de realizar as promessis da nova sécicaofuro&o preenchimento dea promessas que, desde, a5 van- guardas anunciam e preparam. Entre 1920 e 1960, 0s poderes reais in- sm em repor 6 mesmo cinema dominante, o que trouxe em linhas .gerais a reiterago da mesma matriz de contestagdo. O conflito dominan- te/dominado, traduzido em termos de verdade € mentira, refez-se a0 longo de eixos diversos. Quando prevaleceu um eixo politico, o pio da verdade futur) identficon-se 3 ealtura revolucionitia, 0 da mentra (presente); is mistfieagbes da reagla, Quando prevalecen um eixnestéti- 9, verdad foi poesia, originalidide, espesimentagio; mentia foi a roxi- thu do comércio, o Aitsch industralizado, Nilo cae agora a recapitulagio do que foram as diferentes verses sve conflito vanggnards /eulsura de massa em cada pais e época. N3o.o Poderia fazer nem quero, pois meu objetivo é saltar dessa primeira tefle- ‘lo dos anos 20 para uma mais proxima de nés, gerada no contexto fran- ts pos-68, reflex que abandonow a tradigio de opor verdade e menti- Fa deslocando a discussio sobre'a técnica do cinema. No grande intervalo que saltamos, a ertica avangou na caracetiza- ‘io do olhar sem corpo e suas implicagses, notadamente na avaligo de pita estrutura mais comunicativa c sedutora: 0 cinema clissico, olhar da indsra,expressio da ideologis dominante nos meios. Extensio do que shimei “olhar melodram ico" o cinema clisieo é sua modernizagto, Fax ue cle abandon us excessos maiores do passado, wane em sutileza, rofundidade dramitica, amplitude tematica, coneretizando 0 ver mais ¢ melhor do einema na dizey3o de um ilusionismo sis completo ~ 0 cine- Ima clissico & 0 olhar sem corpo atuando em sentido pleno, conforie a ‘aractcrizasio dos seus poderes apresemtada em minha primeiea descrgio, ‘ue, dle Fato,ajusta-se mais precisamente a esse estilo particular, dominan- {0 mercado, ¢ nto a todo o cinema possivel. E ele, mais do que em « ‘iualquer outra proposta, que vemos realizado o projet de intensificar a0 fmtremo nossa rlagao com 0 mundo-objet, fazer tal mundo parecer attd= ‘Homo, existente em seu préprio direita, no encorajando perguntas na ileeso do proprio olhar mediador, sua estrutura e comportamento. So- ‘os ai convidados a tomar o olhar sem corpo como dado natura. rea Segunda Guerra Mundial de rellexio condusiram a os anos 60, dois grandes pélos ica a essa naturalidade postulada pelo cine Ins clissico: tori radical do cinema-discurso haseao nas operagis da Montagem (o Eisenstein dos anos 20-30 permaneceu aqui a referéneia ‘entral) ea critica francesa inspirada na fenomenlogia, tendo.como foco Intlor André Bazin? Cl: Razin, Cinema: encio, trad, Eloisa Ribeiro (Sto Paulo: Braslens, 1991), 4 Falar de Eisenstein exigiria uma abordagem radicalmente distints da ‘que fago agora, pois sua critica a0 ilusionismo eomeya com a adverténcia de que a imagem cinematografica nao deve se lida como produto de unt “ofhar. Baca ee, a suposigao de que houve um encontco, uma eontigidade bjeto no & o dado central eimpres- espacial e temporal, entre cimera ¢ cindivel da leita da imagem. Sua presenca na tela plistica que deve ser observado em seu valor simbéico, avaliadas 25 ccaracteristicas de sua composigio e sua funga0 no contesto de um diseur~ 0 que & exposigio de ideas, nto sucessio natural de fatos “eaptados” 1m fato de natureza sntre um plano geral e um e/ase-up, porexemplo, pelo olhar. A diferensa imuitas vezes nio pode ser entendida como “olhar 3 distincia” versus *olhar de perto”, mesmo quando se focaliza o mesmo objeto, mas como on A diforonga le i ageits de valores dis valor, aio de posigio no espago, pois pode no haver continuidade & homogeneidade espacial para que se possa falar um “chegar mais perto” — tudo depende do contexto do disenrso por imagens. 10s inspirados na fenomenologa sma, toda imagem & pro- a como tal ~€ a sucesso ‘Ao contririo de Kisenstein, 08 ex enddossam e defendem a premissa de qu duto de um olhar ~€ essencial que ela se define sempre a atitude do observador diamte de tum mundo homogéneo [A imagem-signo de Eisenstein, eles opdem a imagem-acontecimento; 3 defesa da descontinuidade, prspria do cineasta russ, respondem com uma defesa até mais radical do principio de conrinuidade ja presente na nnarracio elssica fazendo a cla um reparo fundamental: sea imagem em movimento nos taz a percepyio privilegiada do homem como ser langa- do no mundo, como ser-em-situagio, a falsitade do cinema classico esti tna manipulago implicta em sua montagem, pois 0 lls sem corpo ¢ 2 onividéneia eriam, na te, tim mundo abstraro, de sentido fechado, pre- julgado e onganizado pelo cinema, Toda montagem & diseurse, manipula: lo, seja de Bisenstein, de Griffith ou de Bufiuel. Em oposigao, im c co como Bazin soicita um olhar inematogeifico mais afinado a0 olho de tum sujeito cireunstanciado, que possui limites, aceita a abertura do mundo, convive com ambigiidades. Quando pede realismo, ele no se 6 detém em consideragies de contetido (0 tipo de universo fiecional ou do- ‘umentirio). Sublinha a postura do olhar em sua interagio com o munda, tanto mais legitima quanto mais reproduzie as condigdes de nosso olhiar ancorado no corpo, vivenciando uma duragio ¢ uma circunstincia em sus continuidade, trabalhando as incestezas de uma percepsdo incompleta, tltrapassada pelo mundo. Dai sua minimizagio da montagem (istanc construrora da onividéncia), sua defesa do plano-seyiéacia (olhae tnico, sem cortes, observando uma ago em seu desenrolar, um acontecimento em seu ur integeal), Numa visio mais atual, prestamos atengio especial ao que aproxima fe nllo apenas ao que afasta o cinema-diseurso de Eisenstein € 0 realism existencial de Bazin: hi em ambos, novament, a alribuigio de um poder de verdade e de um poder ce mentiea encarnadlos om detarminados est hd um estilo eapae de dizer o mundo sovial- histor «9, colocando o cinema como poténeia maior no plano do conhecimento, uma especie de “tereciro estado da criaglo” eexise tum estilo auténtico, exclusiva, na captagio da vivéncia humana em sua abernira no tempo, Contra esse pano de fundo da tradigao te6riea, a imtervengio de Jean-Louis Baudry, em 1969-70, poe em questio a constante promessa de Jum estilo mais verdadero edirige sew atague as premissas do cinema em (eri, examinando mais a fundo as eondigies do espectador (seu racioei- fio std: munieciado para analisar © espectador do 1 clissico, mas Niidry fala er cinema rou court). © horizonte de seu exame é ressalar ‘modo pelo qual a recepgio da imagem possui uma éstrurura que, a seu ver, solupa o reiterado erédito ~ de Bazin, Kisenstein, Griffith, Epstein — na reyelagio da yerdadle como destinagio fundamental do cinema, Ele inver- (ew tradiglo e vé na simulagio, na produgi0 de efeitos (jlusérios) de conhesimenta, © destine maior da nova arte (visko que jul confirmada 4 © mais importante do textos de Jean-Lous Raudry esa pcs, em torno de 199, "Os efetonideolbgcos do aparcho de base", exté publiado em Ismail Navler (om), A expetncia do inems (Rio de Jancio: Graal/Eiballe, 1983) pela permanéncia do ilusionismo do cinema industrial). Isso se di por sniteza ca técnica cinematogrifica, herdera das iusbes forge da pedip da perspectiva, da persisténcia retiniana (no vemos os fotogramas, vernos 6 que nio ocorre na tela, ou seja, o movimento da imagem, ¢ temas a pressio de continnidide), da falsa autenticidade documental da fotograt sonhecidos, Baudry nos traz uma interpreta- Reartculando elementos 0 radical que questiona no estilos particulars de fazer cinema, mas 0 fandamento mesmo de sua objtividade como técnica, essi mesma objti- vidade que tem sido a susteataglo maior das esperangas de verdade. Na nova perspectiva, as diferentes posigBes tebrieas, desde 1920, definem umn pensar o cinema «priori capturado pelasiusbes da téenieae desatent is do olhar da eimera tal eomo se implicagdes contidas na propria estrutura «para nbs na plaéia. A técnica tem suas inclinagbes, seus efeitos ideold- gicos e, nesse sentido, é ela mesma qué impele o cinema industrial a desen- volver seu ilusionismo e trazero espectador para dentro do mundo fieeio- nal. A forga de encantamento desse cinema persiste na histéria porque © dado crucial em jogo nfo € tanto a imitagio do real na cla ~ a repro integral das aparéncias ~, mas a simulagto de um certo tipo de sujeito-do- olhar pelas operagies do aparaio cinematogrfico. Avaliar a poténcia do olhar sem corpo nao é entio inventariar as imagens que ele ofereces éfocalizar 0 seu movimento proprio, sua forma cia no espectador que analisar sua incid de mediagao, 0 que impli vivencia o poder de elarividéncia, a pereepgao total. Na sala eseura, iden- represento como tificado com 0 movimento do olhar da cimera, et m sujeito dessa percepgio total, capaz de doae sentido 2s coisss, sobrevoaras aparéneas, fazer a sitese do mundo. Minha emogio esti com os *(atos” que oolhar segue, mas a condigio desse envolvimento & eu me colocar no lugar do aparato, sintonizado com suas operagdes. Com isso, incorporo Glusoriamente) seus poderes e encontro nessa sintonia —solo do entencl- mento cinematogrifico ~ 0 maior censrio de simulagio de ums onipotén- agem que confirma minha condi- cia imagindria, No cinema, fago uma ‘io de sujeito tal como a desejo, Miquina de efeitos, a realizagio maior do, cinema seria entio esse efeito-sujeito: « simulago de uma consci 4 ‘tunscendente que descortina o mundo e se vé no centro das coisas, a0 ‘mesmo tempo que radicalmente separada delas, a observar 0 mundo co- ‘mo puro olhitr, Nessa apropriagto ilusSria da estou, portant ompeténcia ideal do ol no centro, mas €o aparato que aime coloca, pois é dele movimento da percepgia, monitor da minka fantasia, Para Baudry, uma filosofia idealsta que postula um sujeitotrans- «eidente em oposigio a0 mundo objetivo que se dispde ao conhecimento na téenica do cinema, sua tradusio visivel. Toda sua énfase Fecal sobre a produgso simultinea da imagem e do sujeito-observador onividente, A engenharia simuladora do cinema define, com o efeito- fujelto, seu teatro da percepgo total cujo protagonista sou eu-espectador Identificado com o olhar da cdmera. Nesses termos, 0 que: ulta a consolidagdo de linguagens alterna se pecado original inserito na téenie. Esta {emma iusio seu sustenticulo eos percalgos das vanguardas devem-se a que livas “mais verdadeiras” é e ‘sua aposta € reverter a fungio daquilo que ja nascew para eumprie ‘ito destino. Digo destino porque a ligica dessa teoria transforma ma = Trace de uma andlise particular no nivel da engenharia da sinwlag305 ecessiio assumir as 0g srawura dos anos $0. caracterizagio de um efeito na qual mio & tom a mesma ressonncia que elas adguiriram 1 Tite Techo a exposgio com a considerago dem novo exerplo que sere to, eaclaregaalgumas observagies feitas até aqui sobre sidura do sujeito” na letara. nples para explicar como o interagiio entre ceapectadore imagem, sobre o papel a feu primeiro exemplo mais feito de uma imagem depende de sua celaglo com o aujeto em determi> pada condigies. Da situagio da tesiemunha de McC: examine! dois momen arthy, passei a uma caracterizagio mais detida do olhar do cinema tos opostos dentro do conflito de perspetivas que marcos reflexio eti= eee rorao de que hi de engano e revelagio ness oar. pati de ve dieussio mais geral sobre a simulagto do fato— na fotografia, no “ cheggmos a uma questio mais especifiea: a simulagao do suiel> fico, Dentro da discussio ‘complicada do to na estrutura mesma do olhar cinematogral mais geral, o exemplo a seguir enwvolve uma stwagio ma — estaremos no cinema. Como inspiragio, aque a das foros do tribunal tigbes de Baudry sein no entano incorporar 0 movi= vo torouazador de sua ertca ao oThar do cinema, Seu amp diagnss- fato de saber- tico, mobilizando a psicandlise, em como pressuposto 0 f revel presentes ‘mos 0 bastante sobre a natureza do espe eae pectador, de modo a prevero car’ nde su denieago com 0 apart, a quam uma dimesto ‘ adesio imagem por forga do efeto-sujita, Como eonhecedo- res do desejo do expectador, cenunciamos 0 conluio desse dese program dain deine doles do ined pi a Nao ten ges de endear a greed deme aber peito do espectador; 0 em dete rego, mi aparato atua em determinada di nes liregdo, masa expe colours oar oope gue ten ise rsd yeni a faites ej dn cso de deere programitico da. ci ee nerd ese cota eee lir © processo que efeti- orre com a légica ideal do sister i ‘icical Focalizo uma situagio particular, diditica nesse contexto, em que é perfeito o funcioname = Aparato, em que podemos verificar © mecanismo da simulagio do, digamos, de laboratorio, Gita SIMULAGAO € PONTO DE visTA oda leitura de imagem & stn é produgio de um ponto de vista: v do sujet observador, nio 0 da “objetividade” da i feta Be an be gem. A eondigio dos efeitos igem & essa. Em particular, o efeito da simulagio apdia-se construgio que inelui 0 ple name ru gulo do observador’ © simubcro que nfo éa partirde um ponto de vista; 0 nee preston ° esti af pressuposto, Por SOP de simulagdo no & o da imagem em si, mas.o da sua relagao com o sujeito, Num plano elementar, podemos tomar como modelo do processo. O que é ‘ cesso. © que é a filmagem senio a orgunizagao ‘acontecimento” pa a = im Angulo de observago (o que se confunde com terrier ak fey M3, Maisejum. 19 ) horizonte de Audo ak {34 emi Onde oma hen yortant, dina, € mew empréstimo mia impli= ‘tual identificagao sua peempectiva de anilise oda cdmerae nenhum outro mais)? © queé a fachada de prédio de esti- teens a {pio da fachada “de rua” que su- io sede a duplcagio do mesmo principio da fachad "ee . r mente quando observada de um certo ngulo e dis- gere o que ni é ju f m tincia jd pressupostos em sua composigio? O que & clissico sendo uma simulagio de mundo para o espectador identificado jegio do cinema NG ci (a cap oc, oil Soh lado Bo pitched rip unaeiea Tomelecrte ob bptemee yaa cares crepe ciclivoa ye eee 0 ee eee io mn pp imi = a 10 nesta anilise’a mecdnica da simulagio, 0 ressado nessa metifora, acen a incionamento exterior do aparato, niio o que, nas personagens, & desejo do estratagema e disposicio para a vertigem da imagem. Signmos passo a passo a narrativa, atéo ponto qui . Vertgem, tl orginal, a palavra que condensa 9s idas-forg do filme em sua tematizagao do olhar e do ponto de vista. A apresentayio de Fenrigo, vaso de Saul Bass, nostra image do oso feminino em satado como miscara enigmiética, imével. Uma aprosimagio ae dai rata a a Sn de maior e um passeio da edmera examina H até que, isolado, 0 lho oferega os sinais de vida. Os seus movimentos m io criam uma expresso definida, uma intencionalidade do olhar. centanto, ni p eae rio para um movimento em espiral, Preparam apenas o cendirio para um n a dade, cujo fundo inatingivel esti sempre em dade, Mexgulho na interioridade, cu recesso. Aproximagio e recuo, atragao e fuga ~ a ambigilidade do movi- rmatriz de todo o filme cujo eixo é 0 1, detetive, personificagio da mento da espial figura a experiénei reurso de Scottie, profissional do ol ; nista: numa perseguigio pelos tethados de Sao Francisco, a vertigem de ‘i rte de um guarda que cai no vazio a0 Scottie o faz responsivel pela mo " " lo. Sentimento de culpa, aposentadoria compuls6ria. Estabe- levi a disponibildade total de Scot, sitsagio-chave de Fertgodesee nha-se quands ele stende ao chamalo de Elster, ex-coega de escola qi, 10 reencontro,surpreende-o com o pedido para que siga sua mulher, Madeleine. Ester mostra-se apreensivo com as manifestagdes de austn- cia que ela apresenta, com os periods de eomportamento estranho em sie la parece ser outra pessoa, vingens de que retorna sem lembrangas © ex-detetive ensaia um ce m0 apenas aparente e dobra-se ao enigma Propesto, Passa a scompanhar os tajetos de Madceine, pesquisa pela cidade, recolhe dados essen ® Um primeico quadro se compa figue ‘aque dels spose em seus transes éCadota Valder, mulher que viveu em San Francisco no século x1x e que se Tanedlieas: Novamente com Elster, Seotie rela as escoberts, © mari- do intent novo dato: Madeleine esi em peng de vida, pois desrende de Carlota, outras mulheres da linhagem cometeram sui ‘ora aidade de Carlota ao morser. rimeira sri de paseios de Madeleine, fase em que se compe 0 quadiro, vemos uma ostensiva duplicago: sum primeiro plan, Sotie ‘observa Made icidon em cireunstincias me- que no reconhece sua presenga (lees fora do ter- Titirio dela) ese pe disponivel so olhar movimentandosse como numa ena; num segundo plano, av longo do mesmo exo, a cémera observa Scowie que vigia Madeleine. Sao dusseferas, uma demtro da ours que ‘30 setocam. Ela enquadrada pelo ponto de visa dele, ambos enquadea- dos por nés no lugar da came Madeleine nunca devolve o olhara Scot- mera (regra do filme clissieo). Mas & ta eas passividade, pois 6 0 movimento dela que dixige 6 olhar dde ambos que ditige o nosso olhar, sempre na esteira do ‘ingle de observagdo de Scottie, com quem partlhamos a ignorancia, furosidade, a descoberta ApSs » segunda conversa win Elster, o tema do suici yguém devolve o olhar & engendea neste esquema de perfeita simetria, Madeleine/Carlota mirage nas iguas da bata de San Francisco; Scontearesgata, Permanec {nos puro alhar; ele passa ao plano da intervengioe do ddlogo, Com os lois juntos, ganha certa concretude 0 que, em Scot ima ruptu € isonho romine 8 tico, tonalidade de experiéneia ironicamente mimetizada pela textura do urandio um desfile de clichés filme, projerada nos espagos, no som, config do melodrama ida de detetive, apaixonado e terapeuta, Scottie permeia cada encontro de inquitigdes, procura devas- sar o imagintio de Madeleine/Carlota, decifrar a esfinge, provocar a catarse reveladora, curar a mulher por quem esta apaixonado, Nada nos nearnando a figura investigagio. vem quando Seottie conduz Madeleine a uma Mis- so Catilica perto de Sto Francisco, procurando explorar um sonko dela cle ulga revelador, sinal de que a solugo do enigma esti proxima e, de morte que a domina. Li che- Jneabandona suas reeapitulagées igteja, procurando livear 2 coloca adiante del A nova ruptu q com esta, a salvaglo, superada a puls gando, tudo se precipita quando Mad ¢ insiste em caminhar sozil - io consegue enfim reté-la e percebe, em pinico, a torre de Scottie, que alta do sino. A montagem alternada nos tra a pressa de Madel e que, como suspeitamos, dirigir & capela e a torre, seguida de Soom jamais chegard ao topo da escada, retido pela vertigem —e sons retidos com ele. Ouve-se o grito, Por uma das aberturas da torre vishumbra-se 0 corpo que cai. Oexcdetetive vivea ren julgamento em que € absolvido porém psicologicamente massacrado; ter despede-se climpicamente, no sem antes também absolvé-lo, Seotie entra em colapso, éinternado, Quando retorna ds ras de San Francisco, destila sua fixago no passado, volta aos mesmos lugares, quer encontrar ‘em cada mulher a figira perdida movido por qualquer semelhangs. Um. dia, depara com Judy (Kim Novak, novamente), diferente nos maneiras, no cabelo; distante em termos de classe. Em tndo o mais a réplica de Madeleine. Ele a segue, bate & porta do sen quarto de hotel, explica seus rmotivos, convida-a para jantar, Ela desconta, ei provas de sa densidad (sou Judy, nfo. conhego), tentaa rejeigio, mas Finalmente aceita. Satis ‘la primeira ver em todo o filme 10 da culpa, a humilhagao pablica de um ls toy ele diza hora do encontro ¢ ret nao 0 acompanhamos, nos separamos de seu ponto de vista. De repente, ‘io & mais dele a moldura que define os eontornos do nosso ollat. Reti~ or 4s no quart, ficamos ao lad de Judy, ieee nova baliza, e emos a revelagio hats sem delong, qu no exper al udy€ Madeline, ovinha no quarto, hesitate, nervosa, precisando decidir se og ou ‘issume o rsco do reencontro com nova idenidade, judy/Madeleine re.

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