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UMA HISTÓRIA
... DA INGLATERRA
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ZAHAR

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EDITORES
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vras de Hobbes, o papado era o "fantasma do Império Romano,


sentando-se coroado sôbre a sua sepultura". No final da "idade
medieval", essa descrição não perdera ainda tôda a sua valida-
de, mas seria mais exato falar de uma sofisticação crescente, pro-
CAPITULO VII vocada pela riqueza; dos começos da indiferença religiosa, dis-
farçada sob a submissão formal à autoridade religiosa; da eman-
J cipação da plebe; da ascensão de uma classe média e da expan-
são do capitalismo na indústria medieval e na exploração da
terra.
Acresce o fato de haver certos arranjos estruturais comuns
no período medieval. O camponês fôra, através dos séculos, o ho-
o FIM DA "IDADE MEDIEVAL" mem médio. O cidadão era excepcional. Tanto os camponeses
como os burgueses viviam menos da iniciativa individual do que
dos antigos hábitos, regulados pelas associações autogovernadas.
O panorama físico da vida camponesa mudou muito pouco entre
os séculosXII e XV. Na maior parte dos midlands,>I<tendo York
,
I como seu limite norte, e nos mais próximos condados ociden-
tais, as pequenas casas de dois e três quartos, dos camponeses,
I E lugar-comum dos historiadores afir-
marem que, por trás dessas lutas entre os egoístas e todo-poderosos
agrupavam-se em aldeias. 60 Essas casas, construídas com pedra,
cal, argamassa e canas, com os telhados de côlmo, não tinham
nobres, havia novas fôrças trabalhando na sociedade inglêsa para chaminés; as janelas com vidros ainda eram raras, mesmo no
minar os alicerces da monarquia feudal na Idade Medieval. Essa des- século XV. A criação estava separada das casas por uma peque-
crição é assaz justa se não fôr tomada apenas como significando que na passagem. A maioria das aldeias tinha a sua mansão senho-
uma forma de vida que atingiu a sua mais nobre forma externa no rial, ou "sobrado", 61 possivelmente a casa de um bailio e uma
século XIII possuía algo de estático, e que os dois séculos se- igreja. Teriam pomares de maçãs, pêras ou cerejas, um Jago
guintes foram períodos de decadência, nos quais a "cultura me- com patos e peixes. Ao redor da aldeia existiriam atalhos e ve-
dieval" estava desintegrando-se.
O têrmo "idade medieval" é uma expressão conveniente para >I<Midlands é a designação da área geográfica central da Inglater-
nos referirmos a quinhentos anos da História moderna, durante ra ou "terras do meio". (N. do T.)
60 As condições no norte e oeste, bem como na East Anglia, eram
os quais, como sempre, houve mutações contínuas. A muitos diferentes. Até na área central, mais uniforme, aE. tapadas florestais do
respeitos, a Inglaterra do século XV teria parecido tão pouco rei tinham as suas leis próprias, especiais e severas. Essas florestas cobriam
familiar e bizarra a Henrique 11 como a nós próprios. A Ingla- grande parte do país. Exceto por uma dis.tância relativamente curta, no
terra de Henrique 11 não pareceria menos estranha a Alfredo e Oxfordshire, podia atravessar-se a Inglaterra desde o Solent até ao Wash
caminhando por florestas. reais. Essa áreas florestais não eram conserva-
ainda mais estranha a Beda. Quase todos os pormenores da vida das apenas. para os veados: ~las se criava gado, produzindo-se também
medieval se alteraram durante as guerras contra os dinamarque- laticínios.
ses e até à batalha de Bosworth. Além disso, nos seus primór- 61 Um manor (mansão, solar ou sobrado) era, na sua origem, a
dios, êsses pormenores têm de ser vistos contra um fundo de casa de alguém de importância local. Como ocorreu a muitas expressões
medievais, as definições dos advogados e o procesw de evolução econô-
costumes bárbaros e pagãos, cedendo lentamente à influência da mica, entre o livro Domesday e o século XV, deram-lhe um significado
civilização cristã, centralizada na Itália, onde, segundo as pala- técnico específico.

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redas, e dois ou três campos abertos, um dos quais por arar. era um escravo; compartilhava os encargos que incumbiam aos
No verão, êsses campos eram tôscamente vedados, para impedir homens livres, embora êsse privilégio não lhe acarretasse grandes
a incursão dos gados. Para além dêles, segundo a natureza da regalias. Já no século XIII a distinção entre livre e não-livre
região, estender-se-ia a terra inculta e desperdiçada. A "terra des- começou a ser mais aplicada às terras do que às pessoas; re-
perdiçada", numa economia agrária, não era terra perdida. Os sumia-se agora a uma questão de serviço, mais do que a qual-
porcos aí se alimentavam e a lenha era nela recolhida. O gado quer sentido da classe de sêres inadequados para a cidadania.
pastava nas clareiras das florestas. Os campos eram divididos em A mudança na posição dos camponeses resultou de uma
faixas e arados por bois, mais possantes, embora mais lentos do "comutação" gradual dêsses trabalhos e outros serviços por pa.
que os cavalos, e de manutenção menos dispendiosa. De qualquer gamentos em dinheiro. :este processo, que não foi uniforme, teve
maneira, os cavalos só foram atrelados ao arado no século X, lugar por muitas e diversas razões. O proprietário medieval, como
pois antes disso não fôra possível um jugo adequado. a maioria dos de sua espécie, antes e depois, estava sempre pre-
Essas faixas de terreno arável eram confusas e não econô- cisando de dinheiro. As exigências do lorde aumentavam à me-
micas; pertenciam aos lordes e aos seus inquilinos, livres ou não, dida que o nível de vida subia; o mesmo sucedendo com a sua
e apresentavam-se intercaladas, com pouca simetria na distribui- falta de dinheiro. Os serviços laborais nunca eram econômicos;
ção entre umas e outras. Tal confusão servia de desculpa para a a maioria dos lordes verificou ser mais conveniente aceitar di-
consolidação das faixas, mas, para os homens que conheciam nheiro em vez de serviços e alugar a mão-de-obra ou deixar até
cada polegada de terrero em que êles e seus pais haviam traba- de cultivar os seus terrenos. Os camponeses podiam poupar quan-
lhado, as divisões pareciam menos confusas do que poderíamos tias reduzidas, porque havia sempre mercados nas vilas; com o
julgar. Os senhorios efam tão misturados como os seus terrenos. crescimento dêsses mercados, tornou-se mais fácil dispor dos pro-
Poderia haver diversos senhorios numa aldeia, cada um com a .'1 dutos excedentes. Uma vez que ocorreu a mudança do serviço
sua mansão; os aldeões de um sítio podiam ter terra noutro sí- da mão-de-obra para rendas em dinheiro, o lorde começou a ter
tio; podiam, assim, "pertencer" a mais de um lorde. mais interêsse em assegurar-se dos pagamentos das rendas do
As faixas dos lordes eram cultivadas, principalmente, pelos que em conservar os aldeões inquilinos prêsos à terra. À medida
aldeões, que também lhes dev.iam prestar outras espécies de ser- til que o valor do dinheiro declinava, os camponeses que pagavam
viços. Uma vez mais se torna difícil distinguir nitidamente entre uma renda fixa, em vez da prestação de serviços, ganharam à
os aldeões livres e não-livres, apesar das lucubrações dos advo- custa do lorde.
gados sôbre as condições da servidão. No século XIII, os lordes Calcula-se que, em 1300, cêrca de metade dos camponeses
exerciam, em teoria, direitos quase ilimitados sôbre os seus al- era livre. No meio do século XIV, êsse lento movimentopara es-
deões. :estes não podiam abandonar a sua terra e, pelo menos capar à servidão foi afetado pelo terrível acidente da peste. Aci.
até 1300, o aldeão comum nunca pensaria sequer em deixá-Ia. dente é uma expressão pouco exata para descrever as freqüen-
Os serviços que tinha de cumprir eram mais importantes para tes visitas da Peste Negra, pois essa catástrofe era uma conse-
êle próprio do que qualquer questão de condição social. Além qüência direta das condições medievais: imundície e insetos no-
disso, o aldeão só não era livre em relação ao seu lorde. 62 Não civos, ignorância dos resultados fatais da imundície e da podri-
dão. A causa imediata da pe~te que atingiu a Inglaterra em 1348
foi a disseminação do rato negro em tôda a Europa; êsse roedor
62 Uma das características da condição de "não-livre", considerada
como degradante, era o pagamento de uma multa no casamento de uma
filha. Outros inCidentes de servidão podem explicar-se em relação à eco- que faria concorrência ao moinho do lorde. Não podia mandar seu filho
nomia senhorial. Assim, um aldeão não podia vender um boi ou um ca- à escola ou fazê-Io aprendiz de qualquer artesanato, sem o prévio con-
valo (pelo menos até ao século XIV) porque a venda diminuía a ri- sentimento do lorde, pois isso significava desfalcar a propriedade de mão-
queza da propriedade. Não podia instalar pedras de mó em sua casa, por- de-obra.

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parece ter vindo do Oriente, dois séculos antes, nos barcos dos como os Cotswolds, nas fronteiras do País de Gales e em partes
cruzados. Os ratos deslocaram-se para o ocidente, pelos canais, do Lincolnshire.
e atravessaram mares estreitos em navios e barcaças. A Peste Ne- A reação dos camponeses ao estado de coisas que resultara
gra assolou a Europa ocidental de uma ponta a outra. Era mais na maior valia dos seus serviços foi necessàriamente o desejo
mortífera para os jovens e pessoas de meia-idade do que para natural de se libertarem de tais ,serviços para obterem o benefício
os velhos; embora a incidência da peste variasse localmente, cêrca de salários mais altos. Pela primeira vez na Inglaterra, e não só
de um têrço da população morreu dela. na Inglaterra, houve um movimento de configuração realmente
,O)
Os efeitos sociais dessa praga são difíceis de calcular. Podem, revolucionário; um desejo de algo melhor e não o regresso, ape-
até certo ponto, ser descritos como desintegradores, sem um re- nas, aos "bons costumes" de antigamente. Em adição a essa in-
fluxo imediato de atividade criadora. Provocou, ou pareceu pro- quietude, os encargos tributários resultaram noutra causa de des-
vocar, muitos dos mais febris e atormentados sintomas da cul- contentamento; o custo da guerra com a França teve de ser
tura no final da Idade Medieval. ~ possível que o efeito geral pago por um pequeno número de contribuintes. Daí que houves-
fôsse menos desmoralizador do que a disseminação da sífilis, no se insurreições de camponeses em tôda a Inglaterra, após a im-
século XVI. Uma das conseqüências econômicas da súbita dimi- posição de um mal equilibrado tributo geral. Essas revoltas fo-
nuição da população foi um aumento do valor da mão-de-obra, ram especialmente violentas no sudeste, onde a comutação se
que dobrou de preço, embora as rendas fixas em dinheiro con- operara menos ràpidamente. A supressão das revoltas não foi di-
fícil, mas as mudanças, precipitadas pela Peste Negra, continua-
tinuassem iguais. O Con~elho do rei, em representação dos inte- ram durante os cem anos seguintes. A mudança significou o fim
rêsses dos lordes, tentou, fixar escalas de salários e preços. Essas
escalas entraram em vigor, mas a administração medieval núnca do velho sistema de senhorios e o desaparecimento da servidão
foi capaz de assegurar a sua uniformidade. Os lordes concorriam da gleba. 64
A agitação popular, de uma espécie niveladora, incluiu um
entre êles para obter o serviço alugado de trabalhadores livres; ataque às distinções de classes, o que era contrário aos ensina-
os aldeões tinham mais incentivo para sair de suas terras e tra- mentos cristãos. Embora êsse ataque não fôsse dirigido contra a
balhar noutros lugares por salários mais elevados. Nos anos con-
doutrina cristã, pode ser interpretado como um sinal dos tempos
fusos que se seguiram à peste, era mais fácil fugir sem perigo; que a ordem estabelecida, tanto na Igreja como no Estado, não
muitas das propriedades, por exemplo, estavam nas mãos de fôsse agora aceita sem discussão. O clero inferior, mais perto dos
menores. Os lordes também aumentaram a proporção de terras camponeses, simpatizava com as suas queixas e tinha inveja das
que alugavam e a área destinada aos rebanhos. 63 O aumento riquezas e privilégios auferidos pelas ordens religiosas. Os frades,
da criação de gado lanar não deve ser exagerado; durante ano~ que tinham abandonado a prática da pobreza apostólica, eram
e mesmo séculos idos, a produção de lã fôra uma das princi- especialmente antipáticos, pois estavam fora da jurisdição dos
pais fontes de riqueza. A abadia de Ely já possuía 13.000 ove- bispos diocesanos e podiam interpor-se entre o cura paroquial e
lhas antes da conquista normanda e, a partir do século XIII, os as almas - e as dádivas - da sua congregação. Além disso,
grandes lordes possuíam grandes rebanhos nas áreas de pastoreio, as dúvidas sôbre certos aspectos da ordem eclesiástica eram gerai~
entre os leigos. As fontes de descontentamento eram, sobretudo,
63 Isso não significa que o negócio da lã fôsse menos lucrativo no as exações financeiras da côrte romana e o uso pelo papa de be-
século XV. Pelo contrãrio, com a diminuição da população houve durante
algum tempo uma subida de preços e de lucros, mas os cultivos por ara-
do foram mais afetados que a produção lanígera. A exportação de lã 64 A servidão prosseguiu em pequena escala durante todo o século
declinou, aumentando a de tecidos. O creEcimento do capitalismo nas in- XVI. Jã em 1586 o Conselho Privado intervinha em nome de um prefeito
dústrias de lã e tecidos merece um estudo para corrigir muitas das gene- de Bristol, a quem Lorde Strafford queria obrigar a ser seu subordi.
ralizações inconsistentes da economia medieval. nado.

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nefícios inglêses para enriquecimento dos seus representantes. O que estivera disposto a financiar o desmembramento parcial da
escândalo dessas provisões era exagerado; de tôdas as formas, o Igreja. As críticas de Wiclif também eram demasiado fortes para
rei era tão pernicioso quanto o papa. Promulgaram-se estatutos a universidade de Oxford. Foi proibido de realizar qualquer ato
para evitar abusos papais, mas a repetição de tais leis mostra a acadêmico, embora continuasse a viver em Lutterworth, até à
pouca disposição de tôdas as partes interessadas na sua obser- sua morte. Quarenta e quatro anos mais tarde, seus ossos foram
vância. O cativeiro papal em Avinhão aumentou consideràvelmen- exumados do terreno sagrado e lançados ao rio Swift.
te a indignação inglêsa, pois pensava-se, não muito razoàvelmen- Wiclif não era nem santo nem humanista. Seria difícil clas-
te, que o dinheiro inglês era remetido para o continente para sificá-Io de pensador claro. Era um erudito, segundo os conhe-
servir a causa dos inimigos do rei da França. O cisma papal e cimentos da época. ~le minou, mais do que atacou, o conteúdo
o fracasso dos concílios da grande Igreja, ao tentar corrigir os dogmático dêsses conhecimentos. A tradução da Bíblia, realizada
abusos, foram muito perturbadores para a consciência dos ho- sob o seu incentivo (provàvelmente, não por êle próprio), teve
mens sérios. um efeito igualmente desintegrador. Wiclif nunca disse que a dou-
Assim, por múltiplas razões, verificava-se um lento mas trina da Igreja não podia ser encontrada na Bíblia; convidou os
efetivo recrudescimento dos sentimentos anticlericais. Até o re- cristãos a encontrá-Ia. Também não disse que a autoridade papal
duto maciço da doutrina escolástica não se livrou de todo de al- era inválida; afirmou apenas que só um bom cristão podia exer-
guns abalos. A carreira de Wiclif demonstra a transição de um cer essa soberania. Quem poderia decidir, nesse caso, se êste
ataque à organização daI Igreja para o terreno das dúvidas sôbre ou aquêle papa era bom cristão, ou formar um juízo sôbre as
os dogmas de fé. John Wiclif (circa 1330-1384) era oriundo do diferentes interpretações dos textos bíblicos?
Yorkshire 65 e fôra pa,a Oxford, onde, por algum tempo, foi Os ensinamentos de Wiclif, popularizados e desvirtuados por
professor de Balliol. * A sua carreira não estava na linha daque- pregadores sinceros, mas mal instruídos, foram os principais res-
la descrita por Chaucer para os curas de paróquia. Wiclif teve ponsáveis da única heresia importante do período medieval in-
três habitações e não residia nelas por largos períodos. Em 1362 glês. Com efeito, a "lolardia" 67 prosseguiu, também, na crítica
tlcrescentou uma prebenda 66 numa igreja colegiada. Obteve êsse da ordem social existente, ao tempo da revolta dos camponeses.
privilégio por uma provisão papal e conservou-o até à morte. O govêrno tinha tanto mêdo dela como da Igreja. Os reis lan-
Teria obtido nova prebenda, mas o papa deu-a ao filho bastardo castrianos eram ortodoxos e mesmo fanáticos; estavam dispos-
de um soldado inglês que desejava manter ao seu serviço. tos a suprimir a "lolardia", tanto por motivos políticos como por
Embora Wiclif não fôsse constante na sua atitude em rela- razões de fé. Tal como no caso da rebelião dos camponeses,
ção aos abusos papais, seus ataques eram muito populares. "Não a supressão da heresia aberta não era difícil, mas a Igreja que
começou discutindo a doutrina da Igreja e a exprimir opiniões recorre à arma secular para suprimir a opinião coloca-se ela pró-
heréticas sôbre o Sacramento do Altar senão depois do cisma pria em perigo. A tradição lolarda sobreviveu de uma forma um
papal. Essas opiniões fizeram-no perder o apoio de John of Gaunt, tanto vaga, mas radical, especialmente entre as classes mais po-
bres das cidades. O sentimento anticlerical subsistiu, embora o
65 ~ curioso notar o fato de que a família yorkista de Wiclif se domínio geral da observância da Igreja fôsse tão sólido como
conservou católica romana após a Reforma. sempre e os novos-ricos, na cidade ou no campo, ainda gastas-
* Balliol é o nome de um dos mais antigos Colégios ou Fundações sem vastas somas na reconstrução, ampliação ou decoração das
da Universidade de Oxford. (N. do T.)
66 As "prebendas" (do latim, significando "algo concedido") eram
doações em terra ou dinheiro, para a manutenção de um padre numa 67 Lollen: cantar suavemente ou sussurrar. A palavra foi usada pri-
Colegiada ou uma igreja catedral, isto é, uma igreja onde um corpo go- meiramente na Holanda e os "Pregadores Pobres", que espalhavam a dou-
vernativo de cônegos era presidido por um deão. (N. do T.: em têrmos trina de Wiclif, também eram importados, tendo surgido na Inglaterra em
modernos, a "prebenda" corresponde à "bôlsa" de estudos.) conseqüência do cisma da ordem franciscana.

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VanderleiAmboni
Diretor. RG. N°3.102.914-7
Res. N° 4.354/03 . DOE de 23/01/04
1"
,
suas igrejas paroquiais. Os reis yorkistas estavam demasiado pre- e a Cambridge, nem êle nem nenhum dos grandes patronos po-
ocupados com a tarefa de estabelecer uma administração forte dem considerar-se, de fato, como reformadores educacionais, ou
para pensarem em atacar a Igreja, mesmo que o quisessem fazer, ainda menos como entusiastas morais. Por outro lado, a maior
se bem que não seja certo que a monarquia ficasse sempre ao figura do Renascimento italiano, Leonardo da Vinci, era tanto
lado da Igreja e da ortodoxia católica. cientista como artista, e o interêsse dos inglêses pela cultura ita-
Segundo o nível europeu ou, pelo menos, o italiano, os en- liana não se limitava à literatura. Linacre (11460-1524), por
sinamentos de Wiclif e a escolástica de Oxford já estavam um exemplo, foi à Itália estudar Medicina.
pouco antiquados. Houve uma alteração na atitude dos pensado- O estudo do Grego era ainda de uma importância bastante
res e artistas, quanto aos modos tradicionais de expressão e re- secundária na Inglaterra, durante o século XV. Erasmo, em 1505,
gras filosóficas. Os têrmos "renascimento" e "restauração do co- só encontrou cinco ou seis homens, em Londres, cuja erudição
nhecimento" têm sido usados para descrever essa mudança de era tão boa tanto no latim como no grego; onze anos mais tar-
opiniões, mas não deixam de ser um tanto enganadores. A cha- de, quando Richard Fox, bispo de Winchester, fundou o Colé-
mada restauração do conhecimento foi, principalmente, um aban- gio Corpus Christi, em Oxford, houve certa oposição da Univer-
dono de tipos desatualizados de ensino. Não foi de modo algum sidade ao pretender criar uma disciplina de Grego. Só quase
o descarte total de superfluidades; houve muito de substituição meio século depois da morte de Humphrey é que se imprimiu o
do pedantismo retórico e argumentativo por um pedantismo de primeiro livro grego na Inglaterra. Até os mais recentes huma-
tipo etimológico e estiJístico. nistas não se consideravam revolucionários. Dedicavam-se a ex-
Entretanto, uma xiludança de atitude para com o conheci- purgar abusos e a recuperar ensinamentos que haviam sido es-
mento recebido significa um esfôrço intelectual na seleção dos di- quecidos. Apesar de tudo, o seu trabalho era, de fato, revolu-
versos fatos e o emprêgo de uma nova intensidade de expressão. cionário; os gramáticos, lutando com a "enclítica 8f", abriam
Houve, também, uma verdadeira restauração: o estudo da lite- um nôvo mundo.
ratura grega na língua original. 68 ~ses novos interêsses só muito ~se mundo ficou fechado, durante muito tempo, à grande
lentamente chegaram à Inglaterra. Os mosteiros tinham deixado maioria do povo. Há um sentido em que a cultura crescente das
de ser centros de erudição; os novos ensinamentos ainda não ti- classes mercadoras ricas 69 e de um setor da nobreza alargou
nham entrado nas universidades porque os mandarins escolásticos ainda mais o abismo entre êles e a plebe ou o proletariado das
rejeitavam tudo o que pudesse diminuir o prestígio ou o valor cidades. O sistema .dessa separação foi o aparecimento do leigo
econômico do seu repertório. educado. No comêço da Idade Medieval, a educação era prer-
Assim, a introdução de novos ensinamentos e de uma nova rogativa do clero. Seria um engano supor, porém, que a maioria
arte foi devida, em grande parte, a uns tantos homens ricos, do clero era educada e que todos os leigos eram analfabetos. Só
mais diletantes do que eruditos, de espírito cosmopolita. Hum- uma pequena elite de cada uma das classes considerava a edu-
phrey, duque de Gloucester (1391-1447), e lohn Tiptoft, conde cação como um fim em si; a mudança de atitude, nesse parti-
de Worcester (11427-1470), eram muito diferentes dos últimos cular, foi, talvez, a maior inovação dos humanistas. O estudo de
humanistas. O duque era um príncipe maquiavélico; Tiptoft era livros, na Idade Medieval, era o meio de aquisição da técnica
um dos homens mais cruéis de tôda a Inglaterra. Embora o du- para realizar certas obrigações. Um advogado tinha de conhecer
que Humphrey tivesse deixado uma coleção de livros a Oxford
69 A complexidade crescente dos seus próprios negócios coagiu o mer-
68 Embora Aristóteles fôsse uma das maiores fontes da cultura me- cador rico a obter uma educação mais genérica e, assim, no século XVI,
dieval, as suas obras eram estudadas nas traduções latinas, algumas delas os comerciantes ingIêses adotaram a prática italiana da contabilização por
feitas na base de textos arábicos, os quais já eram, por seu turno, tra- partidas dobradas. Começaram a usar também os símbolos italianos ;J;., 8.,
duções das versões siríacas. d. (Librae, solidi, denarii).

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a lei; um padre tinha de saber recitar a missa. O estudo dava de contas. A principal finalidade da escola secundária era en-
vantagens econômicas, mas não prestígio social. A única educa- sinar a língua comercial, que foi, durante muito tempo, o latim.
ção com prestígio social pouco tinha a ver com livros. O trei- Assim, êste era mais falado do que lido. Os jovens das escolas
no de cavalaria separava os filhos dos senhores - os maiores secundárias liam pouco, por não terem livros próprios. Os úni-
e menores magnatas do reino - da educação administrada nas cos livros de estudo - e êsses eram trabalhos em circulação ge-
universidades ou escolas. ~se treino da cavalaria estava relacio- ral por tôda a Europa do norte - eram propriedade do mestre,
nado com a profissão das armas e com as fantasias da etiquêta que os ditava para que as lições fôssem decoradas.
e do porte. O número de escolas começou a aumentar do século XIV
Semelhante treino dos infantes não éra apenas um esnobis- em diante. Muitos dos padres a serviço de chantrias 71 aumenta-
mo. Incluía canto, arte de rimar, falar francês e umas luzes de vam os seus magros rendimentos por meio de lições privadas. Os
latim. Numa era de maneiras rudes, essa aprendizagem tinha leigos começaram então a fundar escolas. Havia também certa
certo valor civilizante e exercia a sua influência na boa opinião relação direta entre as escolas e as universidades. 72 Os colégios
das damas. Tem sido descrita como uma contraparte do merca'n- de William of Wykeham, em Winchester e Oxford, e as funda-
tilismo dos casamentos medievais. De tôdas as formas, a apren- ções reais de Eton e King's College, Cambridge, são exemplos
dizagem era mais elaborada e completa do que a educação mé- proeminentes. Eton e Winchester não tinham por objetivo dar
dia nas escolas da Igreja. A Igreja não negligenciava completa- admissão aos mais pobres, mas apenas às classes médias da socie-
mente os ensinamento$ elementares e merece louvor por ter feito dade - os filhos dos pequenos proprietários e dos comerciantes.
durante muito tempo o que ninguém mais sonhara fazer. Quase As universidades eram, predominantemente, para o clero. Isso não
tôdas as catedrais inglêsas tinham - como ainda algumas têm significava predominância da teologia; a lei canônica era, em mui-
- uma escola secundária e uma escola de canto coral. Esta, como tos aspectos, mais atraente como estudo só pelo fato de abrir
o seu nome implica, tinha por objetivo treinar um côro musi- caminho a certas promoções. Os estudantes eram muito jovens;
cal e ensinar os rudimentos da música religiosa. O mestre de só uma minoria chegava a terminar os cursos. A organização de
canto podia aceitar alunos externos; a reputação inglêsa de boa uma universidade era muito semelhante à de qualquer outro ofí-
música e canto, na Idade Medieval, deve-se em grande parte cio. Sete anos de internato, correspondentes à aprendizagem, da-
a essa simples disciplina. vam o direito a um diploma de Master e ao privilégio de ensi-
A escola secundária estava num grau mais elevado. O en- nar: o doutorado 'requeria outros sete anos.
sino medieval dividia-se em sete artes; as escolas secundárias en- Tal como nas outras escolas, o ensino era oral. Pràticamen-
sinavam (em latim) as três artes menores: Retórica, Dialética te não havia exames; pagar as taxas escolares e assistir às aulas
(i.e., a argumentação segundo a regra lógica) e Gramática. As era mais importante. A duração das férias "grandes" não era para
melhores escolas ensinavam também os rudimentos das quatro ar- permitir o estudo em casa; êsse período correspondia às colhei-
tes maiores: Aritmética, Geometria, Astrologia 70 e Música. Os tas de trigo e de cevada. Era impossível estudar em casa sem
níveis de ensino eram baixos; a Aritmética, por exemplo, não pas- livros.
sava do cálculo em algarismos romanos, com a ajuda da tábua A invenção da imprensa e o uso crescente do inglês como
língua de estudo e comercial mudaram a atitude tanto do homem
70 A importância dada à Astrologia não parecerá tão estranha se nos
recordarmos de que, do ponto de vista da cultura medieval, a Terra era 71 Uma "chantria" era uma capela ou altar onde as missas se de-
o centro do universo, mas inferior em "essência" às estrêlas. A influên- dicavam ao repouso eterno da alma do seu fundador.
cia dos mais altos elementos sôbre os mais baixos era uma dedução na- 72 O têrmo implica uma associação ou universitas de pessoas, não
tural da relação observada entre o Sol, a Lua e as estrêlas, além das um local onde qualquer assunto fôsse estudado. O têrmo medieval que
estações, marés, etc. se aplicava às disciplinas era studium generale.

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de instrução corrente como do verdadeiro estudante. A história o estudo fora das poucas bibliotecas existentes; os livros teriam
da língua inglêsa é só por si um conto. O inglês "literário", tal tido menos uso se as casas particulares não possuíssem local ade-
como era, quase desapareceu (exceto na homilética popular) de- quado à leitura. O lazer e as oportunidades de leitura passaram
pois da conquista, quando a língua ficou restrita apenas aos cam- a ser parte, pois, de um nível de vida em ascensão. ~se cres-
poneses e a outras pessoas analfabetas. De tôdas as formas, a cente nível permitia aos leitores recuperar, mais fàcilmente, um
língua, em seus vários dialetos, alterou-se com o uso; as tradu- mundo de cultura eminentemente individual, no qual os clássi-
ções inglêsas das homílias de Aelfric, escritas cêrca de mil anos cos gregos e latinos tinham escrito. Nesse particular, o melhora-
depois de Cristo, foram "modernizadas" duas vêzes, no século mento nas condições habitacionais, pelo menos, nas classes mais
XII, para que pudessem ser melhor entendidas. Por outro lado, ricas, pode ser tomado como um índice do grau de evasão das
o inglês poderia ter-se divulgado mais cedo nas altas esferas se condições espirituais e materiais da Idade Média. Do século VI
não tivesse havido um refôrço de funcionários de fala france- ao XIV quase não havia casas na Inglaterra comparáveis, em
sa, com a chegada dos reis angevinos. Apesar dessa segunda confôrto e propósito civilizado, às vil/as romanas.
onda invasora, dois séculos depois da morte de Henrique II ainda Depois de 1350, pode dizer-se que êsse propósito civilizado
o francês, mesmo o de Stratford-atte-Bowe, não era muito conhe- regressou à arquitetura. A casa do homem rico deixou de ser
cido na Inglaterra. Em 1362-63, o inglês tomou o lugar do construída apenas com a preocupação da defesa. O número de
francês, embora não do latim, nos tribunais de justiça. quartos aumentou consideràvelmente; êsses quartos eram bem ilu-
~se inglês não er~ o dialeto saxônico ocidental, falado e minados, 75 com janelas de vidro fôsco e lareiras. Havia certo
escrito por Alfredo, mas sim o dos Midlands. O "inglês médio" confôrto no mobiliário. A introdução de talheres, no século XV,
só começou a ser usado de uma forma geral por se tratar de melhorou muito as maneiras do comportamento à mesa. A ali-
um dialeto intermediárib e, por conseguinte, mais ou menos com- mentação medieval continuava pesada e monótona; daí o uso de
preensível tanto no norte como no sul, mas, sobretudo, por ser especiarias como um luxo. O mel era um pobre substituto para
o dialeto de Londres e da côrte. Mesmo assim, Caxton encon- o açúcar; 76 o chá, o café e as batatas ainda eram desconheci-
trou certa dificuldade em escolher palavras que todos os seus dos. A matança de animais era feita no outono, para prevenir
leitores compreendessem. A tal respeito, o livro impresso, que contra a escassez do inverno; o peixe de mar (e o peixe era
fêz da vista, mais que do ouvido, o árbitro da língua, tendeu uma necessidade incidental da observância religiosa) tinha de ser
para a uniformidade do vocabulário. 73 salgado para se póder transportar ao interior. As laranjas e os
A imprensa, instalada por Caxton 74 em Westminster, em limões eram raros e os demais frutos dependiam inteiramente da
1477, tornou mais barata a multiplicação de livros e possibilitou
torze anos, êle e os seus poucos assistentes imprimiram mais de dezoito
mil pâginas, quase tôdas em formato de fólio, e cêrca de oitenta livros
73 Caxton, em 1490, escreveu a história de um inglês cujo barco fôra separados. CaxtoD também se dedicou à realização de grande número
detido por ventos contrârios no Tâmi~.a e que desembarcou para pedir de traduções.
carne e ovos em certa casa, falando, aparentemente, um dialeto do norte. 75 A melhoria teve importância especial, devido ao carãter rudimen-
A senhora da casa respondeu que "não falava francês". O mercador re- tar dos óculos, na correção de vista defeituosa. A ciência dentâria era
torquiu, então, que não estava falando francês, mas que pedira ovos e ainda mais rudimentar.
carne no inglês da sua terra. em transeunte interrompeu para explicar 76 A cana-de-açúcar foi introduzida pelos ârabes na Andaluzia, na
que o forasteiro quisera apenas. dizer eyren (perdido), querendo saber onde Sicília e em partes do Marrocos. A primeira referência de que hâ me-
se encontrava. mória sôbre a chegada de um carregamento de açúcar à Inglaterra data
74 Caxton (o nome era pronunciado como Cauxton ou Causton) nasceu de 1319. O açúcar foi, de início, um luxo muito dispendioso e foi prin-
em Tenterden, no condado de Kent. Aprendeu a impressão em Colônia, cipalmente usado, durante muito tempo, como um ingrediente para medi-
na Alemanha, com o fito de poder multiplicar os exemplares da sua tra- camentos. (Tão tarde como 1700, a importação anual de açúcar, na In-
dução do romance popular Le Recuei[ des Hisloi/'es de T/'oye. Em qua- glaterra, não ultrapa~ava ainda as 10.000 toneladas.)

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estação inglêsa. À medida que aumentava o comércio marítimo, ~ ero trabalhador manual, bem como o fim de 'um sistema de
os luxos da minoria passaram a estar ao alcance de cada vez :e~enos grupos de produtores, que controlavam as manufaturas
maiores números, e mais altos níveis de confôrto foram ficando e a destruição do seu trabalho.
acessíveis a muitas camadas da sociedade. Apesar da imundície b desaparecimento das regras tradicionais e as restrições
e mau cheiro da cidade medieval, 77 os mercadores que nego- permitiram um surto de novos tipos de homens de negócio, sem
ciavam com Eduardo IV viviam em condições que teriam pas- escrúpulos e impiedosos. Seria absurdo supor que a vida econô-
mado os reis anglo-normandos. mica medieval fôsse uma camaradagem idílica de mestres do mes-
:Bsse recrudescimento de riqueza, resultante de uma grande mo ofício, em condições de igualdade -
os registros citadinos
estão cheios de regulamentos contra tôda espécie de ludibríos e
variedade de procura, tinha as suas desvantagens. As idéias me-
dievais de bem e mal, nas relações econômicas, haviam-se desen-
desonestidades - mas o desenvolvimento da riqueza não signifi-
volvido sob condições de escassez. As opiniões tradicionais sôbre cava riqueza para todos, e a nova liberdade não significava, ne-
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o "justo preço", ou sôbre a igualdade entre "irmãos" na parti- cessàriamente, melhores condições de trabalho. Embora a crença
lha de negócios, desintegraram-se sob as tentações mais fortes medieval de que a usura 70 -emprestar dinheiro sem risco -
da riqueza. O sistema de guildas desmoronou-se no conflito entre era um pecado mortal baseado numa análise imperfeita dos ser-
os ricos e os pobres, deixando de ser uma fôrça na vida da ci- viços econômicos, implicava, contudo, obrigações sociais e morais
dade. As guildas especializadas de ofícios fizeram tanto pela or- no emprêgo da riqueza adquirida e, desde logo, impunha limi-
ganização de uma vida bomunitária como os mercadores das guil- tes ao poder de aquisição dos indivíduos. Os nouveaux riches,
das haviam feito na consolidação da liberdade cívica. Os regula- que dominavam a Inglaterra no século seguinte à Guerra das
mentos minuciosos dos' ofícios e misteres protegiam tanto os con- Rosas, poderão surpreender-nos pel.a sua energia; os usos a que
essa energia foi aplicada incluíam a expansão do mercado de es-
sumidores como os produtores; as suas fraternidades (ou irman- cravos africanos, a busca extensiva de ouro e o início de uma
dades) eram equivalências medievais das modernas associações
exploração "corsária" dos tesouros mundiais em vidas e materiais.
ou sindicatos. As guildas mais ricas possuíam escolas próprias;
cada uma das guildas mais importantes realizava um cortejo anual Não obstante, se o nôvo individualismo fôr considerado sob
e êstes, com seus "mistérios" tradicionais, 78 abriram caminho todos os seus aspectos, bons e maus, a balança tende favoràvel-
ao drama inglês do século XVI. Não obstante, numa era de ne- mente para a liberdade de escolha e para a emancipação da vida
humana, das mais baixas servidões para as condições naturais.
gócio florescente, as guildas de mercadores e ofícios tendiam
Sem essa emancipação, a mais profunda cultura espiritual teria
para a oligarquia e para a restrição do comércio, dando como
sido impossível, salvo nas condições ocasionais e limitadas de
resultado que os próprios mercadores principiaram a abandonar
as velhas cidades, em busca de lugares onde não existissem tais
limitações à liberdade de negociar. A separação do mercador e 79 A teoria medieval sancionava o emprés.timode dinheiro a juros,
do artesão significava, freqüentemente, a redução dêste último quando o que emprestava compartilhava o risco. Havia poucas especulações
i na Idade Medieval que não representassem enorme risco. O pecado da
." usura consistia, pois, em emprestar o dinheiro a juros, sem ris.co para os
que emprestavam, os quais teriam corrido maiores perigos se investissem
77 :a justo recordar que essa imundície e mau cheiro dificilmente seriam
noutros negócios.. As taxas medievais de "juro legal" - isto é, pagamento
menos repugnantes na época do Dr. Johnson do que na de Chaucer.
78 "Mistério". como "ofício", vem do francês métier, que derivou do
de compensações se um empréstimo não fôsse resgatado no vencimento
eram muito altas: 20% não era raro. Até 1290, quando Eduardo I os
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latim millisterium. Um "mistério" teatral era um auto sôbre os mistérios
da religião, ou seja, cenas do Antigo ou do Nôvo Tes.tamento; no caso de expulsou do país, depois de os ter arruinado pelas suas. extorsões, os judeus
eram os principais emprestadores; adiantavam o dinheiro, entre outros fins,
milagres, podia ser também a representação de milagres e de martírios de
santos. O "mistério" representava a peça de "mistério", mas as duas pa- para a construção ou ampliação de catedrais e mosteiros. Os italianos, que
lavras têm origem diferente. lhes sucederam, também perderam vastas somas para Eduardo IH.

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VanderleiAmboni
Diretor. RG. N° 3.102.914- i
Res.N°4.35-4103.
DOEde 23/0';'
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uma ordem monástica, de uma universidade ou da cela de ~


eremita. Em última análise, existe alguma verdade na sen~:
de Renan sôbre a Idade Medieval, ao descrevê-Ia como "mil, anos
aI!
de tirania de padres e multidões", embora um juízo mais razoá-
vel pudesse lembrar que êsses "padres e multidões" construíram
CAPiTULO VIII
monumentos de beleza eterna, tais como a catedral de Chartres,
cultivaram milhares de quilômetros quadrados de terras abando-
nadas, elaboraram teorias de Lei e de Direito que ainda hoje
constituem a base de sociedades livres.

A MONARQUIA TUDOR E A IGREJA

A Guerra das Rosas foi um anacronis-


mo em face dos níveis ascendentes e da crescente diversidade nos in-
terêsses e ocupações da Inglaterra. Tôdas as classes da sociedade
sentiam a necessidade de uma ordem política e administrativa. A
ausência de ordem no plano mais alto - o sistema administrativo
central - era me.nos tolerável agora, à medida que a vida quoti-
diana se tornava cada vez mais sistematizada e complexa. O desen-
volvimento do mecanismo estatal atrasara-se em relação ao progresso
da sociedade; tal atraso é-nos familiar na esfera internacional e, tal
como a maioria dos nossos remédios atuais implica a criação de uma
forte autoridade supranacional, assim, no final do século XV, o
remédio para a desordem era, semelhantemente, a concentração
do poder nas mãos de uma monarquia forte. O remédio medie-
val do govêrno conciliário falhara tanto na Igreja como no Es-
tado. A desintegração da antiga ordem, longe de implicar con-
fusão, conduziu a maior segurança e maior sentido de justiça.
O estabelecimento de uma monarquia forte significou o apa-
recimento de Estados nacionais. As condições medievais, em que
a ação tendia a des.envolver-seatravés de corporações, não po-
diam produzir sentimentos nacionais "positivos", embora não seja

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