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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E


MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Autor: Pablo Coutinho Barreto


Orientador: Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Novembro – 2011
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E


MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em


Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de
Sergipe como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Autor: Pablo Coutinho Barreto


Orientador: Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa

Novembro – 2011
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
iii

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Barreto, Pablo Coutinho


B273c Conflitos ambientais, o direito à água e mediação no baixo São
Francisco : a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe /
Pablo Coutinho Barreto. – São Cristóvão, 2011.
167 f.

Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Meio


Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação em Desenvolvimento e
Meio Ambiente, Programa Regional de Desenvolvimento e Meio
Ambiente, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa,
Universidade Federal de Sergipe, 2011.

Orientador: Profª. Drª. Flávia Moreira Guimarães Pessoa.

1. Meio ambiente. 2. Bacias hidrográficas. 3. São Francisco,


Rio, Bacia. 4. Direito ambiental. I. Título.

CDU 502.51(282.281.5)
iv

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE

CONFLITOS AMBIENTAIS, O DIREITO À ÁGUA E


MEDIAÇÃO NO BAIXO SÃO FRANCISCO: A ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE

Dissertação de Mestrado defendida por Pablo Coutinho Barreto e aprovada no dia 09 de


dezembro de 2011 pela banca examinadora constituída pelos doutores:

________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS

________________________________________________
Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho
DIREITO-UFBA

________________________________________________
Profa. Dra. Maria José Nascimento Soares
PRODEMA-UFS
v

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento e


Meio Ambiente.

________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS
vi

É concedido ao Núcleo de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da


Universidade Federal de Sergipe permissão para disponibilizar e reproduzir cópias desta
dissertação.

________________________________________________
Pablo Coutinho Barreto
PRODEMA-UFS

________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS
vii

Às quatro mulheres da minha vida,


Leila, Sofia, Alice, e Maria das Graças.

Aos homens que são meus exemplos de conduta,


Adelino e Antonio.
viii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por tudo.

À minha família, sempre presente, pelo apoio, compreensão e paciência.

À minha orientadora, Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa, pelo incentivo e
aconselhamento sem os quais a conclusão desta pesquisa não teria sido possível.

Ao Prof. Dr. Antenor de Oliveira Aguiar Netto pelas suas importantes contribuições na
fase inicial desta caminhada.

Ao PRODEMA pela oportunidade de crescimento ao participar de sua incansável luta


pela construção de uma (cons) ciência ambiental.

Aos meus colegas e amigos do Ministério Público Federal em Sergipe, sem o auxílio
dos quais eu não teria conseguido compatibilizar trabalho e estudo.

À toda equipe que compõe o ofício da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão
da PR-SE, que muito me ajudou na coleta de dados.

À Coordenadoria Jurídica da Procuradoria da República em Sergipe, pela excelência


dos serviços prestados ao público interno e externo.
ix

RESUMO

A presente pesquisa se debruça sobre a forma como o Ministério Público enfrenta os conflitos
ambientais relacionados ao direito fundamental à água. Seu objetivo geral é analisar a atuação
do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos ambientais relativos à
água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os objetivos específicos são três:
i) examinar as características dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de
enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos
jurídicos e a estratégia de atuação utilizados; iii) investigar se a atuação do Ministério Público
Federal na mediação desses conflitos ambientais é efetiva. Foram selecionados todos os
dezesseis casos em que o Ministério Público Federal atuou na mediação de conflitos hídricos
no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010, e aplicados sobre eles uma ficha com a
finalidade de coletar e sistematizar as informações referentes as partes envolvidas no conflito
hídrico, as circunstâncias que originaram a atuação do Ministério Público Federal, o tipo de
conflito ambiental estabelecido, as medidas jurídicas adotadas para a resolução de tais
conflitos, e o resultado do processo de mediação. Após a análise dos dados obtidos, constatou-
se que a maior parte dos conflitos ambientais relativos ao direito à água se referem a danos à
área de preservação permanente e à poluição das águas, sendo os de maior relevância os
relacionados à restrição aos usos múltiplos. Os instrumentos mais utilizados são o inquérito
civil e o procedimento preparatório, a requisição e a notificação, não havendo registro da
utilização de recomendação ou termo de ajustamento de conduta. A estratégia utilizada pelo
Ministério Público Federal em Sergipe não tem conseguido obter resultados efetivos
extrajudicialmente de forma ágil, havendo um grande direcionamento dos conflitos hídricos
ao Poder Judiciário.

PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente, bacia hidrográfica, conflito.


x

ABSTRACT

This present study focuses on how the prosecutor faces environmental conflicts related to the
fundamental water right. Its general purpose is to analyze the performance of the Federal
Prosecutor in Sergipe in the mediation of environmental conflicts related to water down the
San Francisco between the years 2004 and 2010. The specific objectives are threefold: i)
examine the characteristics of the low water conflicts object facing San Francisco by federal
prosecutors in Sergipe ii) specify the legal instruments used and operating strategy; iii) to
investigate whether the actions of the Federal Prosecutor in the mediation of environmental
conflicts is effective. We selected all sixteen cases in which federal prosecutors acted in the
mediation of conflicts in water below San Francisco, between 2004 and 2010, and applied
them on a sheet in order to collect and systematize information about the parties involved
water in the conflict, the circumstances that led to the actions of the Federal Public Ministry,
the type of environmental conflict established the legal measures taken to resolve such
conflicts, and the result of the mediation process. After analyzing the data obtained, it was
found that most environmental conflicts related to water rights refer to damage to the area of
preservation and water pollution, the most relevant being those related to the restriction on
multiple uses. The instruments most commonly used are the civil investigation and
preparatory procedure, the request and notification, there is no record of the use of the term
recommendation or adjustment of conduct. The strategy used by federal prosecutors in
Sergipe has achieved effective results out of court swiftly, with a major reallocation of water
disputes to the courts.

KEYWORDS: Environment, watershed conflict..


xi

LISTA DE FIGURAS

Página

Figura 4.1: Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 114
Figura 4.2. Barragem de Xingó.......................................................................................... 116
Figura 5.1: Número de instaurações entre os anos de 2004 e 2010................................... 123
Figura 5.2: Origem............................................................................................................. 124
Figura 5.3: Tipologia.......................................................................................................... 127
Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco................................................................... 130
Figura 5.5: Instrumentos jurídicos utilizados..................................................................... 132
Figura 5.6: Resultado final................................................................................................. 139
Figura 5.7: Tempo de tramitação....................................................................................... 142
xii

LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 109
Tabela 4.2. Principais características socioeconômicas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 110
Tabela 5.1. Casos em que o MPF atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São
Francisco entre os anos de 2004 a 2010............................................................................. 121
xiii

LISTA DE SIGLAS

Siglas

ACP – Ação civil pública


ADEMA – Administração Estadual do Meio Ambiente
ANA – Agência Nacional das Águas
APP – Área de preservação permanente
CBH – Comitê de Bacia Hidrográfica
CBHSF – Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
CF – Constituição Federal de 1988
CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público
CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos
COORJUR – Coordenadoria Jurídica
CSMPF – Conselho Superior do Ministério Público Federal
GEF – Fundo para o Meio Ambiente Mundial
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LACP – Lei da Ação Civil Pública
LOMP – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993)
LOMPU – Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/1993)
MP – Ministério Público
MPF – Ministério Público Federal
MPU - Ministério Público da União
OEA – Organização dos Estados Americanos
PNRH – Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997)
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PR-SE – Procuradoria da República em Sergipe
SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
SRH – Superintendência de Recursos Hídricos
TAC – Termo de ajuste de conduta
ÚNICO – Sistema Integrado de Informações Institucionais do Ministério Público Federal
xiv

SUMÁRIO

Página

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 16
1.1 Problema de pesquisa, justificativa e objetivos........................................................... 19
1.2 Metodologia................................................................................................................. 20
1.3 Estrutura da pesquisa................................................................................................... 23

2. SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O DIREITO DO MEIO


AMBIENTE...................................................................................................................... 26
2.1. Entre a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental: a busca da
sustentabilidade.................................................................................................................. 27
2.2. Conflitos ambientais: a natureza em disputa ou a disputa entre a natureza?.............. 37
2.3. As éticas ambientais e a gestação de um direito do meio ambiente........................... 45

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS


AMBIENTAIS.................................................................................................................. 58
3.1. A evolução institucional do Ministério Público no Brasil: de acusador a mediador de
conflitos.............................................................................................................................. 59
3.2. A mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais pelo Ministério
Público............................................................................................................................... 69
3.3. O instrumental jurídico do Ministério Público mediador............................................ 77
3.3.1. O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório.................. 78
3.3.2. A notificação................................................................................................. 83
3.3.3. A requisição.................................................................................................. 83
3.3.4. A recomendação........................................................................................... 84
3.3.5. A audiência pública...................................................................................... 86
3.3.6. O compromisso de ajustamento de conduta................................................. 88

4. O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE


RECURSOS HÍDRICOS E OS CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO....... 92
xv

4.1 O direito à água e suas múltiplas faces......................................................................... 93


4.2 A institucionalização de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos
voltado para o arbitramento de conflitos........................................................................... 101
4.3 Os conflitos ambientais do baixo curso do rio São Francisco..................................... 107

5. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A MEDIAÇÃO DE


CONFLITOS AMBIENTAIS NO BAIXO SÃO FRANCISCO................................... 120

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES................................................................................ 146

REFERÊNCIAS............................................................................................................... 151

APÊNDICE.........….......................................................................................................... 165
16

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO
17

1. INTRODUÇÃO

A vida em sociedade é marcada pela presença constante de conflitos. Não pode ser de
outra forma, pois o conflito é uma das possíveis formas de interação social (SIMMEL, 2006),
que implica disputa no acesso e distribuição de recursos escassos (BOBBIO et. al., 1998). O
conflito é inerente à convivência humana, todavia, o seu acirramento e descontrole
contribuem para o esgarçamento do tecido social e a erosão das condições ambientais, essa
última consequência em se tratando de conflito ambiental.

Essa percepção leva os grupamentos sociais organizados a tentar diluir os conflitos,


canalizá-los dentro de formas previsíveis, submetê-los a regras precisas e explícitas, contê-los
e, às vezes, direcionar o seu potencial de mudança para um sentido preestabelecido
(BOBBIO, 1998). Não se trata, entretanto, de resolver o conflito no sentido de eliminá-lo do
meio social, porquanto impossível e indesejável. Os conflitos são processos sociais que
podem evoluir ou involuir. As soluções podem ser dadas apenas aos problemas que surgem
dos conflitos. Além disso, somente há como tratar e controlar a fase pública, externa do
conflito: a disputa (SUARES, 2005)1.

Ao longo das últimas três décadas, um novo perfil institucional do Ministério Público
foi sendo construído através de sucessivas mudanças legislativas. Esse processo histórico
convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio ambiente ganhasse
importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque na mediação de
conflitos ambientais.

O pano de fundo da presente pesquisa é a forma como o Ministério Público Federal


enfrenta os conflitos ambientais relacionados aos usos múltiplos da água, no desincumbir de
sua função institucional de proteger o meio ambiente e, por conseguinte, fazer valer o direito à
água.

1
Em razão disso, no desenvolvimento da presente pesquisa, prefere-se falar em tratamento ou equalização à
resolução do conflito.
18

Marchesan (2005) destaca a tutela da água como um dos temas que mais têm
absorvido a atuação do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul, quer pela
urgência (na área ambiental o tempo milita, como em nenhuma outra matéria, contra o êxito
da atuação institucional); pela complexidade (a transdisciplinaridade é característica desta
forma de atuação); pela abrangência (os interesses difusos envolvidos nas demandas por água
de qualidade transbordam em muito a esfera ambiental) e pela transcendência (o que hoje se
constrói em termos de prevenção e reparação de recursos hídricos se projeta para o futuro de
gerações não nascidas). Aponta, ainda, que os assuntos que se sobressaem nesse contexto pelo
envolvimento direto e/ou indireto com a tutela da água são os poços artesianos, as matas
ciliares, os esgotos, a utilização de agrotóxicos, a deposição inadequada de resíduos sólidos e
captações de água para irrigação.

A relevância da atuação do Ministério Público para a prevenção da degradação das


águas, decorre não só dos inquéritos civis instaurados e das ações civis públicas propostas,
mas dos acordos efetuados, visando ao atendimento da legislação. A simples possibilidade da
sua intervenção costuma inibir muitas atividades poluidoras (POMPEU, 2010).

Soares (2005) sustenta que os avanços na capacidade de se dar tratamento democrático


aos conflitos ambientais no Estado do Rio de Janeiro depende da aproximação e do trabalho
harmônico entre Ministério Público e os demais órgãos governamentais, do amadurecimento
dos instrumentos de atuação de procuradores e promotores, em especial da ação civil pública
(ACP) e do termo de ajustamento de conduta (TAC), bem como do aumento da participação
da população no controle público do respeito à legislação ambiental. Sugere, ainda, que o
Ministério Público apresenta-se como um ator político central para a regulação de conflitos
ambientais no Rio de Janeiro.

Debruçando-se sobre a atuação do Ministério Público na proteção da água na Região


Norte-Noroeste Fluminense, Totti et al. (2007) apontam diversos fatores que dificultam essa
atuação, tais como uma má compreensão por parte dos agentes sobre a real função do
Ministério Público, falta de entrosamento entre os agentes públicos, que inclusive fazem parte
dos agressores, falta de capacitação dos envolvidos, inclusive do próprio pessoal do
Ministério Público. Apesar das dificuldades indicadas, registram que a instituição vem se
consolidando como importante referencial para assuntos de ordem ambiental, especificamente
em relação à água.
19

Mio et. al. (2005) sustentam que a utilização do inquérito civil em conjunto com o
termo de ajustamento de conduta permite a resolução mais eficiente e mais rápida dos
conflitos ambientais, importando, inclusive, em menores custos quando comparados à
abordagem tradicional pelo Poder Judiciário. Apontam, ainda, que o emprego em conjunto
desses dois instrumentos jurídicos representa o diferencial do Ministério Público em relação à
proteção ao meio ambiente, quando comparado a outras instituições de gestão e fiscalização
também legitimadas à assinatura de termo de ajustamento de conduta.

1.1 Problema de pesquisa, justificativa e objetivos

O problema de pesquisa que se pretende esclarecer com esta investigação é a forma de


atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no tratamento dos conflitos ambientais
relativos à água no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010. Três questões de
pesquisa se mostram visíveis na presente investigação: i) Quais as características dos conflitos
hídricos do baixo São Francisco objeto de atuação do Ministério Público Federal em Sergipe?;
ii) Quais os instrumentos jurídicos que compõem a estratégia desta atuação; iii) Esses
conflitos ambientais são efetivamente mediados pelo Ministério Público Federal em Sergipe
ou são encaminhados ao Poder Judiciário?

A presente pesquisa é motivada pelo interesse em se conhecer as características dos


conflitos ambientais relacionados ao direito à água e como eles são tratados no âmbito do
Ministério Público, de forma a possibilitar uma visão estrutural da conflituosidade existente e
extrair elementos que possam orientar uma ação efetiva no enfrentamento de conflitos
ambientais.

Seguindo uma sequência lógica e sistemática, a presente pesquisa tem como objetivo
geral analisar a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos
relacionados com o direito à água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os
objetivos específicos são três, podendo ser assim enumerados: i) examinar as características
dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério
Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos jurídicos que compõe a estratégia
desta atuação; iii) investigar se esses conflitos ambientais são efetivamente mediados ou são
submetidos ao Poder Judiciário.
20

1.2. Metodologia

A presente pesquisa está voltada para a análise da atuação do Ministério Público na


mediação de conflitos ambientais relacionados à água. Debruça-se, portanto, sobre os embates
estabelecidos entre as diversas formas de apropriação da água e como o Ministério Público
busca velar para que os valores ecológicos, social, cultural, econômico e espiritual desse
elemento da natureza sejam respeitados de forma equânime, atuando como mediador de tais
conflitos.

Antes de tudo cabe revelar que o autor da pesquisa é Procurador da República, então,
membro do Ministério Público Federal. Esse fato por si não afasta a credibilidade científica da
investigação realizada. Há muito sabe-se que não se pode falar em uma objetividade científica
pura, uma vez que o objeto observado é construído na sua inter-relação com o sujeito. Cabe,
sim, ao investigador minimizar essa circunstância através do rigor técnico a ser adotada na
metodologia escolhida.

Encontrando-se em situação idêntica, Rodrigues (2006) assim justificou a honestidade


científica de sua pesquisa:

Com efeito, a relação do cientista com o fato investigado não é anódina, e


nem mesmo nas ciências exatas se pode infirmar plenamente a relação de
influência entre o investigador e o investigado. Em se tratando de ciências
sociais a “ilusão objetivista”, tão criticada por Habermas, tem, ainda, menos
força. Não chegamos a conclusões pela mera observância dos fatos. É
inevitável superar a simples faticidade para a bordagem de um dado
fenômeno social, sendo recorrente o auxílio a elemento de ordem subjetiva
para a sua compreensão. Até mesmo, com já afirmamos, a problematização
da questão ocorre a partir do contexto social e histórico em que se insere o
investigador. Seria leviano afirmar que o nosso status profissional não venha
a influir na nossa abordagem, uma vez que já partimos de algumas noções
dadas. Contudo, não podemos condenar, de antemão, ao descrédito dados
que foram objetivamente levantados, ainda que a sua análise não seja infensa
ao contesto do pesquisador. De qualquer sorte, já se indicia um grau
satisfatório de honestidade científica na revelação da posição do investigado,
o que permitirá aos que examinem o resultado da pesquisa tomar em
consideração esse fato (RODRIGUES, 2006, p. 243-244).
21

Esclarecido este importante ponto, avança-se com a descrição do método e técnica


utilizados para a coleta e a interpretação dos dados empíricos obtidos.

A investigação em tela tem natureza exploratória-descritiva (MARCONI &


LAKATOS, 2009). Trata-se de pesquisa empírica que além de levantar informações sobre um
determinado objeto de estudo, objetiva descrever completamente esse fenômeno específico
através de análises empíricas e teóricas. Dentro de uma abordagem quantitativa-qualitativa
(SEVERINO, 2007), uma vez que a presente investigação envolveu questões mensuráveis e
outras não-mensuráveis. Adotou-se como método de pesquisa o monográfico, criado por Le
Play (MARCONI & LAKATOS, 2009). Parte-se do princípio de que o estudo aprofundado
da atuação do Ministério Público Federal no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e
2010, pode servir como modelo de análise para outros casos em que o Ministério Público atue
no enfrentamento de conflitos ambientais relacionados à água.

Não se pretende, todavia, inferir uma verdade geral ou universal acerca da atuação do
Ministério Público partindo-se dos dados particulares obtidos na observação do fenômeno no
baixo São Francisco, apenas se busca a construção de um modelo de análise que possa ser útil
à compreensão de uma manifestação da realidade – o enfrentamento de conflitos hídricos pelo
Ministério Público.

Afere-se a eficiência da metodologia escolhida para a análise do objeto de estudo da


presente pesquisa em razão da circunstância da representação (ato de levar a existência de um
conflito ambiental ao conhecimento do Ministério Público) caracterizar por si só a presença
de algum grau de conflito pelo usufruto do meio ambiente, bem como a existência de
impactos indesejáveis transmitidos pelo solo, pela água ou pelo ar (SOARES, 20052).

Totti et. al. (2007) apontam que uma análise da atuação do Ministério Público no
controle do meio ambiente é uma boa estratégia metodológica, pois é onde vão se confluir as
explicitações dos conflitos ambientais e as suas soluções. Ressaltam, ainda, que “a vinculação
metodológica entre MP e recursos hídricos constitui uma estratégia organizacional de
conhecimento sistematizado, ainda pouco explorado no âmbito nacional, podendo ser
escalonado em diferentes abrangências de tempo e espaço geográfico” (TOTTI et al, 2007, p.
195).
2
Adota-se na presente pesquisa o termo representação e não denúncia, nomenclatura utilizada por Soares
(2005), em razão desta última expressão ser utilizada para nomear a petição que inicia uma ação penal
22

De forma a viabilizar a conclusão da presente pesquisa obedecendo a tempo e modo às


regras vigentes no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da
Universidade Federal de Sergipe, o objeto de estudo foi delimitado à análise dos conflitos
ambientais relativos à água ocorridos na região fisiográfica do baixo São Francisco que foram
alvo da atuação do Ministério Público Federal em Sergipe, entre os anos de 2004 e 2010.

A delimitação espacial da pesquisa ao baixo São Francisco deve-se a duas razões: a


primeira, em face da existência de conflitos ambientais de grande destaque que ainda não
foram objeto de um número representativo de estudos (ANA et. al., 2004). A segunda, tendo
em vista a importância da bacia hidrográfica do São Francisco, a maior em área e a que
apresenta a maior disponibilidade hídrica em seu território. A importância do rio São
Francisco para o desenvolvimento e a sustentabilidade do Estado de Sergipe fica evidente em
razão de ser o curso d'água responsável pelo abastecimento dos principais perímetros públicos
irrigados, da maior parcela da população e indústria sergipana (AGUIAR NETTO et. al.,
2010).

De acordo com a Constituição Federal de 19883, o rio São Francisco é um bem


público do domínio da União, portanto cabe ao Ministério Público Federal, um dos ramos do
Ministério Público da União, tratar os conflitos ambientais relacionados à bacia hidrográfica
onde está inserido esse curso d'água. Em território sergipano esta incumbência está acometida
à Procuradoria da República em Sergipe.

A abrangência temporal do estudo ficou delimitada ao período compreendido entre os


anos de 2004 e 2010, ou seja, sete anos. O marco inicial coincide com a data de implantação
de controles e registros da atuação extrajudicial do Ministério Público Federal na
Procuradoria da República em Sergipe.

A presente pesquisa foi eminentemente documental (MARCONI & LAKATOS, 2009),


com a aplicação de uma ficha para a coleta dos dados4 necessários ao alcance dos objetos
inicialmente propostos (RODRIGUES, G., 2006).

Inicialmente, foi solicitado à Coordenadoria Jurídica [COORJUR] da Procuradoria da


República em Sergipe a realização de uma pesquisa no sistema integrado de informações do

3
Artigo 20, inciso III, da Constituição Federal.
4
A ficha de coleta de dados se encontra reproduzida no apêndice da presente pesquisa.
23

Ministério Público Federal [ÚNICO], que fornecesse uma relação dos casos em que
ocorreram a atuação do Ministério Público Federal em questões relacionadas à água, no baixo
São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010. Esse levantamento de dados foi realizado
utilizando-se como parâmetro de pesquisa as expressões “rio São Francisco”, “água”, “bacia
hidrográfica”, “recursos hídricos”.

Da relação obtida a partir dos parâmetros utilizados, foram submetidos a tratamento e


análise os casos em que o Ministério Público atuou como mediador de conflitos relativos ao
direito à água. Assim, foram descartados aqueles casos em que a Instituição desempenhou o
seu papel tradicional de órgão de acusação. Com este corte metodológico, obteve-se uma
relação indicativa da existência de dezesseis casos em que o Ministério Público Federal atuou
na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 a 2010.

Após reprografia/digitalização de todos os casos selecionados, a documentação obtida


foi analisada, sendo aplicada uma ficha sobre o material empírico coletado, com a finalidade
de sistematizar as informações obtidas levando em consideração, especificamente, as partes
envolvidas no conflito hídrico, as circunstâncias que originaram a atuação do Ministério
Público Federal, o tipo de conflito ambiental estabelecido, as medidas jurídicas adotadas para
a resolução de tais conflitos, e o resultado do processo de mediação. Esse modelo
metodológico tem como referência conceitual aquele desenvolvido nos trabalhos de José Luiz
Soares (2005) e Totti et. al. (2007).

1.3 Estrutura da pesquisa

A presente pesquisa está organizada em um capítulo introdutório, três capítulos que


trazem em seu corpo o referencial teórico adotado, seguidos por outro que apresenta os
resultados obtidos a partir da investigação realizada. Ao final, um capítulo apresenta as
últimas considerações sobre o tema objeto de estudo.

Neste capítulo introdutório, são apresentados os motivos que originaram a presente


pesquisa, uma breve contextualização teórica a respeito da temática abordada, é enunciado o
problema de estudo, são formulados as questões e os objetivos da presente investigação,
expõe-se a sua relevância científica e social e os limites escolhidos para a pesquisa em
24

desenvolvimento, apresenta-se a metodologia utilizada e, por fim, são apresentados os


capítulos que a integram.

Apresentado em três breves seções, o segundo capítulo lança-se pelo tortuoso caminho
dos conceitos e categorias. Inicia-se com a abertura de um debate sobre a racionalidade
econômica que impera nos dias atuais e a proposta de uma nova racionalidade – a ambiental,
na necessária busca de uma trilha segura que conduza à sustentabilidade. Discute-se,
posteriormente, os diversos enfoques que permeiam a análise da denominada problemática
ambiental e os distintos conceitos apresentados para os conflitos ambientais. Ao fim,
apresenta-se, em resumo, as diferentes propostas de ética ambiental e como influenciaram e
influenciam na construção de um direito do meio ambiente.

No terceiro capítulo, o referencial teórico apresentado passeia pela evolução


institucional que transformou completamente o perfil do Ministério Público, deslocando-o de
sua posição tradicional de órgão estatal responsável pela acusação para se constituir em uma
instituição vocacionada para a mediação de conflitos ambientais. Em seguida, detalha-se um
pouco mais a mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais. O capítulo se
encerra com uma descrição sintética dos instrumentos utilizados pelo Ministério Público no
enfrentamento dos conflitos ambientais.

Expõe-se, no quarto capítulo, o estado da arte acerca da afirmação de um direito


fundamental à água, uma das múltiplas dimensões do direito do meio ambiente, construído
historicamente como um reflexo dos direitos à vida, à saúde e consequência direta do
princípio da dignidade da pessoa humana. Aborda-se, também, a institucionalização de um
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado com a finalidade de arbitrar
os conflitos relacionados ao uso e à apropriação das águas no Brasil. Por fim, registra-se a
literatura científica que analisa o conteúdo, as causas e as consequências dos conflitos
ambientais existentes no baixo São Francisco.

O quinto capítulo, apresentado em seguida, encontra-se dividido em duas seções. A


primeira delimita a área de estudo da presente investigação – o baixo São Francisco,
apontando ainda as suas principais características socioambientais. A segunda seção descreve
os procedimentos metodológicos utilizados para a investigação do objeto de estudo. A
pesquisa desenvolvida tem natureza exploratória-descritiva (MARCONI & LAKATOS,
25

2009), utilizando-se de uma abordagem quantitativa-qualitativa (SEVERINO, 2007),


porquanto envolve dados mensuráveis, que podem ser traduzidos em números e classificados
com a utilização de técnicas estatísticas, e, de outro lado, dados que não podem ser
mensurados.

Em seguida, o sexto capítulo retrata os resultados obtidos com o desenvolvimento da


presente pesquisa sobre a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação de
conflitos ambientais no baixo São Francisco. Apresenta-se um quadro sistemático que indica
as principais características dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de
enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe; especifica os instrumentos
jurídicos que compõem a estratégia desta atuação do MPF; e, ao cabo, esclarece se esses
conflitos ambientais são efetivamente mediados ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.

No capítulo final, são apresentadas as conclusões e sugestões sobre o tema objeto de


estudo da presente investigação, desenvolvida no intuito contribuir para o debate acerca da
efetividade da atuação do Ministério Público Federal na mediação de conflitos ambientais
relacionados com o direito à água.

O presente capítulo é metodológico. Cuida, em sua primeira parte, da delimitação e da


caracterização da área de estudo da presente pesquisa – o baixo São Francisco. A segunda
parte descreve os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento da
investigação. Traça-se a correlação entre os objetivos propostos e os métodos e as técnicas
utilizados.
26

CAPÍTULO 2

SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O


DIREITO DO MEIO AMBIENTE
27

2. SUSTENTABILIDADE, CONFLITOS AMBIENTAIS E O DIREITO DO MEIO


AMBIENTE

Este capítulo se empenha na exposição de conceitos e categorias. A abordagem


começa delineando o debate travado entre a racionalidade econômica que impera nos dias
atuais e a proposta de uma nova racionalidade – a ambiental, na necessária busca de uma
trilha segura que conduza à sustentabilidade. Discute-se, posteriormente, os diversos enfoques
que permeiam a análise da denominada problemática ambiental e os distintos conceitos
apresentados para os conflitos ambientais. Ao fim, apresenta-se, em resumo, as diferentes
propostas de ética ambiental e como influenciaram e influenciam na construção de um direito
do meio ambiente.

2.1. Entre a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental: a busca da


sustentabilidade

É na natureza que o homem se envolve e se desenvolve. O homem pertence à natureza


e deve a ela a sua sobrevivência. Ao mesmo tempo em que o homem a constrói [cultural e
materialmente], ele a destrói. O certo é que, embora essa relação seja marcada por uma tensão
permanente, seus destinos – homem e natureza – estão atados por correntes inquebrantáveis.

Para uma melhor compreensão da relação homem-natureza, faz-se necessário a


percepção de que conceito de natureza não é natural, mas histórico, uma construção cultural
de cada sociedade. Nesta direção, Porto-Gonçalves (2008) esclarece que toda sociedade, toda
cultura, cria, inventa, institui uma determinada ideia do que seja a natureza. Assim, o conceito
de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um
dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material
e espiritual, enfim a sua cultura.

Ao longo da história, diversas concepções informaram a relação homem-natureza. Nas


28

eras primitivas, a natureza era divina, sagrada, e o homem, sempre temeroso, percebia-se
subjugado pelo mundo natural, esse visto como onipotente, imprevisível e indominável
(CAMARGO, 2008).

A visão sacralizada da natureza cedeu espaço, no mundo ocidental, à concepção do ser


humano dominador, externo à natureza e seu senhor. Iniciada sob a influência do pensamento
de Sócrates e Platão, a separação e subjugação da natureza pelo homem recebeu grande
contribuição da filosofia judaico-cristã. Entretanto, a oposição homem-natureza somente
ficaria completa na obra Discurso sobre o Método de René Descartes, para quem o homem
deveria se tornar o senhor e possuidor da natureza (DESCARTES, 2002).

Para Leite (2010), a visão antropocêntrica tradicional já era verificada nos escritos dos
filósofos gregos e na própria Bíblia. O animal era visto por Aristóteles como um escravo, um
fornecedor de matéria-prima, um bem útil para a alimentação e para o uso diário. Trechos da
Bíblia, Gênesis (I 26-28), por muito tempo, foram utilizados como fundamentação para a
visão antropocêntrica5, porquanto a interpretação vigente era que Deus teria outorgado ao
homem, criado à sua imagem e semelhança, o domínio sobre todas as coisas. A visão
utilitarista da natureza também está presente na obra de Tomás de Aquino, de Kant e da
maioria dos filósofos ocidentais (VIDAL, 2010).

Na mesma linha, Antunes (2001) registra que a tradição humanista ocidental sempre
esteve enlaçada com a concepção da existência de uma contradição entre homem e natureza e
que o ser humano deveria dominar a natureza para alcançar o progresso e a felicidade.

A modernidade foi marcada fortemente pela filosofia cartesiana de sentido pragmático


e utilitarista, voltada para o antropocentrismo. O homem passou a ser visto como o centro do
mundo, o sujeito em oposição ao objeto, a natureza.

O século XIX será o do triunfo desse mundo pragmático, com a ciência e a


técnica adquirindo, como nunca um significado central na vida dos homens.
A natureza cada vez mais um objeto a ser possuído e dominado, é agora
subdividida em física, química, biologia. O homem em economia,
sociologia, antropologia, história, psicologia, etc. Qualquer tentativa de

5
“Qualquer perspectiva que aumente a importância dos seres humanos no cosmo, e. g., vendo-o como algo
que foi criado para o nosso benefício, é antropocêntrica” (BLACKBURN, 1997).
29

pensar o homem e a natureza de forma orgânica e integrada torna-se agora


mais difícil, até porque a divisão não se dá somente enquanto pensamento
(GONÇALVES, 2008, p. 34).

A natureza nada mais é do que um recurso a ser utilizado em benefício das atividades
humanas, daí falar-se em recurso natural. Instrumentaliza-se a natureza, retirando-lhe seu
valor intrínseco, sua finalidade exclusiva é servir ao atendimento das necessidades humanas.

Inicialmente, os impactos negativos decorrentes desta relação utilitarista – a


apropriação e a exploração da natureza pelo homem – eram totalmente assimilados pelo
ecossistema, em razão do uso voltado para a satisfação das necessidades humanas básicas,
centradas principalmente na sobrevivência; da pequena quantidade de seres humanos no
planeta; da ausência de conhecimento para a exploração em larga escala, enfim de uma
situação diametralmente oposta àquela dos dias atuais (COSTA, 2010).

A revolução industrial radicalizou a gravidade do impacto antrópico sobre a natureza.


O estabelecimento de uma economia industrializada centrada espacialmente na urbe e
lastreada em tecnologias de produção e consumo predatórios vem provocando grande impacto
sobre a natureza (CAMARGO, 2008). A expansão geométrica da produção e a ausência de
preocupação com a capacidade de suporte da natureza caracterizaram esse período.

A chamada sociedade industrial no século XX foi fortemente marcada pela tradição da


cultura ocidental de controlar e dominar a natureza, característica pertinente tando às
sociedades capitalistas quanto às sociedades socialistas, que, apesar de apresentarem
diferenças estruturais, são caracterizadas por um padrão profundamente agressivo de relação e
apropriação dos recursos naturais. A combinação de várias formas de exploração da natureza e
de seus respectivos efeitos sobre o meio ambiente transformou o planeta no século XX. Se
inicialmente a sociedade industrial acreditava ter à sua disposição fontes ilimitadas de energia,
em suas três últimas décadas, ficou evidente que o padrão de produção, exploração da
natureza e a consequente degradação ambiental a inviabilizariam por completo a médio e
longo prazo (ENNES, 2008).

Para Portilho (2005), o consumo total da economia humana tem excedido a capacidade
de reprodução natural e assimilação de resíduos da ecosfera, enquanto a distribuição de tais
30

rejeitos e da riqueza produzida é socialmente desigual e injusta. Essas duas dimensões,


exploração excessiva dos recursos naturais e iniquidade inter e intra geracional na distribuição
desigual dos benefícios e dos resíduos gerados conduziram à reflexão sobre a
insustentabilidade ambiental e social dos atuais padrões de consumo e seus pressupostos
éticos-normativos.

Os impactos negativos causados pela ação antrópica no meio ambiente, antes


desapercebidos ou, ao menos não levados em conta pela maioria da população, passaram a ser
objeto de preocupação da comunidade científica e de grupos sociais específicos
(ambientalistas). Isso se deveu à ocorrência, ao longo do tempo, de diversos impactos
ambientais graves, a exemplo da contaminação da baía de Minamata no Japão por mercúrio,
em 1930; as drásticas consequências do uso de DDT, relatadas na obra silent spring de Rachel
Carson, que resultou na criação da primeira agência de proteção ambiental; o acidente nuclear
da usina de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986; e a atual discussão sobre o aquecimento global
decorrente da emissão de gases do efeito estufa (COSTA, 2010).

Na visão de Daltro Filho & Soares (2010):

O cenário atual, no tocante às questões ambientais, revela uma crise sem


precedentes na história da vida humana no planeta Terra. O modelo de
desenvolvimento adotada até a primeira metade do Século XX foi
notadamente predatório, voltado para o acúmulo de riquezas com grande
usurpação dos recursos naturais, o que ocasionou impactos ambientais de
grande magnitude e muita destruição em todo o ecossistema global. Desse
modo, a temática ambiental tem sido uma preocupação em nosso dia a dia,
pois a preservação da Natureza é uma questão da sobrevivência da espécie
humana e de todas as demais espécies de nosso planeta. Uma vez que é o
próprio homem o grande responsável pela crise ambiental, pois suas ações,
por vezes, culminaram na espoliação dos recursos naturais e na geração de
resíduos de toda forma, comprometendo o equilíbrio do Meio Ambiente, é
dele a responsabilidade de tentar aplacar os impactos que vem causando
(DALTRO FILHO & SOARES, 2010, p. 7).

A inserção do debate sobre a questão ambiental6 na academia e nos demais espaços

6
Seguindo a lição de Portilho (2005), entende-se por questão ambiental o conjunto de fatores e variáveis
existentes na relação homem-natureza em seus diversos aspectos: biológicos, éticos, estéticos, territoriais,
políticos, sociais, culturais, econômicos, axiológicos, espirituais, etc.
31

públicos na atualidade, entretanto, não é orientada por uma unidade discursiva, ao revés, há
uma profusão de discursos e práticas que emergem de diferentes lugares e atores, expressando
diferentes ideologias que orientam a definição do significado da questão ambiental, bem como
as propostas e agendas políticas para o seu enfrentamento. A tentativa de se obter uma
resposta para a pergunta sobre as causas estruturais que estariam na raiz da degradação
ambiental enseja a percepção de que o tema envolve uma disputa ideológica. Não existe uma
crise ambiental única, mas uma pluralidade de formas de se problematizar a questão e uma
disputa por proposições e tentativas de solução entre diferentes campos sociais e políticos,
sendo que as diversas formas de se perceber a questão ambiental tem se alterado em razão do
aprofundamento do debate, da ampliação dos atores que dele participam, da agudização dos
problemas e do desenvolvimento de novos estudos científicos (PORTILHO, 2005).

O início do debate ecológico pode ser representado por duas grandes correntes: o
preservacionismo, amparado nas ideias de John Muir, que pregava o “culto à vida silvestre” e
tinha por base a exclusão do homem para a preservação do espaço intocado, que influenciou
fortemente as éticas ambientais contemporâneas, como o biocentrismo e o ecocentrismo; e o
conservacionismo, fundado no pensamento de Gifford Pinchot, que pregava o uso adequado e
criterioso dos recursos naturais e defendia o crescimento econômico com base na
ecoeficiência e na modernização ecológica, precursor do que hoje se chama desenvolvimento
sustentável (DIEGUES, 2008; ALIER, 2007; LARRÈRE, 2008).

O conservacionismo de Pinchot tinha por objetivo assegurar a renovação dos recursos


naturais disponíveis para o desenvolvimento nacional, através de uma gestão racional das
populações florestais, amparada em conhecimentos científicos. Sua finalidade era
eminentemente econômica e seu raciocínio utilitarista. A filosofia preservacionista de Muir
afirmava o valor intrínseco da natureza e tinha por modelo a ser protegido a wilderness. A
natureza aparece como uma alteridade radical a ser preservada ,em sua pureza original, da
nociva ação humana (LARRÈRE, 2008).

Até a década de 70, prevalecia uma definição estreita da questão ambiental, mantida
pelo poder político das nações industrializadas, que atribuía a degradação do meio ambiente e
o esgotamento da capacidade de suporte da natureza ao crescimento demográfico dos países
pobres, àquela época chamados de Países do Terceiro Mundo. É com o advento da
Conferência de das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, no ano de 1972, que se
32

inicia a progressiva mudança desta perspectiva neomalthusiana (PORTILHO, 2005).

Segundo Leff (2008), foi na Conferência de Estocolmo que se assinalaram os limites


da racionalidade econômica e os desafios da degradação ambiental ao projeto civilizatório da
modernidade. A escassez, alicerce da teoria e prática econômica, foi alçada a nível global que
já não se resolve através do progresso tecnológico, pela substituição de recursos escassos por
outros mais abundantes ou pela utilização de espaços não saturados para o depósito de rejeitos
originados do processo produtivo.

A Conferência de Estocolmo ficou marcada por acalorados debates sobre meio


ambiente e desenvolvimento. De um lado os países ricos buscando conferir ênfase à explosão
demográfica, do outro os países pobres apontando como as principais causas da crise
ambiental a iniquidade econômica entre os países e o estilo de produção, seja capitalista ou
socialista, das nações ricas, que requeria grande quantidade de recursos e energia do planeta,
causando grande parte dos problemas ambientais, especialmente os de impacto global
(PORTILHO, 2005). Neste evento da Organização das Nações Unidas ficou famosa a frase a
então primeira ministra da Índia, Indira Gandhi, “a pobreza é a maior das poluições” que bem
simboliza o conteúdo das discussões ali travadas.

A partir dos debates travados em Estocolmo72, surgem diversos questionamentos ao


conceito tradicional de desenvolvimento, que, amparado na concepção de que o lucro gera o
progresso, busca o crescimento da produção na certeza de que isso trará o bem-estar coletivo
(CAMARGO, 2008). Como se percebe, não se diferenciava a ideia de crescimento econômico
do conceito de desenvolvimento. Como bem ilustra Veiga (2006, p. 161)

Na verdade, até meados dos anos 70 praticamente todo mundo identificava o


desenvolvimento apenas com progresso material. Para alguns, esse progresso
levaria espontaneamente à melhoria dos padrões sociais. Para outros, a
relação aprecia mais complexa, pois o jogo político intervinha, fazendo com
que o crescimento tomasse rumos diferenciados, com efeitos heterogêneos
na estrutura social. Mas todos ainda viam o desenvolvimento como sinônimo
de crescimento econômico.

No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, resultado da


33

Conferência de Estocolmo, surgiu a estratégia do ecodesenvolvimento, termo utilizado


inicialmente por Maurice Strong para designar uma alternativa de política para o
desenvolvimento, cujas premissas básicas foram formuladas por Ignacy Sachs (CAMARGO,
2008).

Sachs (2007, p. 64) conceitua o ecodesenvolvimento como um “estilo de


desenvolvimento que insiste em buscar soluções específicas, em cada ecorregião, para seus
problemas particulares, tendo em vista não somente os dados ecológicos, mas também os
culturais e as necessidades imediatas e de longo prazo”. Esta nova visão integrou seis grandes
diretrizes para o desenvolvimento: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade com
as gerações futuras; a participação da população envolvida; a preservação dos recursos
naturais e do meio ambiente em geral; a elaboração de um sistema social garantindo emprego,
segurança social e o respeito a outras culturas; e programas de educação (CAMARGO, 2008).

A estratégia do ecodesenvolvimento buscava abranger, simultaneamente, cinco


dimensões de sustentabilidade: a social, que tem por objetivo a construção de uma civilização
com maior equidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo de
diferenças entre os padrões de vida dos ricos de dos pobres; a econômica, em busca de maior
eficiência na alocação e gerenciamento de recursos, da superação dos obstáculos criados pelos
países ricos para o desenvolvimento dos países pobres, devendo ser avaliada em termos
macrossocial e não da conveniência da rentabilidade empresarial; a ecológica, através da
utilização de novas tecnologias para otimizar o uso da natureza e a capacidade de suporte, da
limitação e substituição dos recursos e produtos não renováveis por outros renováveis, da
redução da produção de rejeitos poluentes, da limitação do consumo e implementação de uma
normatização ambiental sistêmica e efetiva; a espacial, que confere ênfase para uma
configuração urbano-rural mais equilibrada; e a cultural com a adoção de modelos e soluções
fundados no saber local e adequados a cada ecorregião específica (SACHS, 1993).

Leff (2008) aponta que ecodesenvolvimento teve seu potencial crítico e transformador
dissolvido pelas estratégias de resistência à mudança na ordem econômica, antes de conseguir
vencer as barreiras da gestão setorializada do desenvolvimento, reverter os processos de
planejamento centralizado e penetrar nos domínios do conhecimento tradicional. Em seu
lugar, foram buscar um conceito capaz de esverdear a economia, com o objetivo de mascarar
a contradição entre crescimento econômico e preservação da natureza. Assim, o conceito de
34

ecodesenvolvimento foi suplantado pelo discurso do desenvolvimento sustentável.

A retórica do desenvolvimento sustentável converteu o sentido crítico do


conceito de ambiente numa proclamação de políticas neoliberais que nos
levariam aos objetivos do equilíbrio ecológico e da justiça social por uma via
mais eficaz: o crescimento econômico orientado pelo livre mercado. Este
discurso promete alcançar seu propósito sem uma fundamentação sobre a
capacidade do mercado de dar o justo valor à natureza e à cultura; de
internalizar as externalidades ambientais e dissolver as desigualdades
sociais; de reverter as leis da entropia e atualizar as preferências das futuras
gerações (LEFF, 2008, p. 24).

Para Zhouri et. al. (2005), o surgimento da crítica transformadora desencadeada pela
ecologia política suscitou reações por parte dos defensores da industrialização, que
começaram a incorporar, paulatinamente, as chamadas variáveis ambientais, centrando o seu
discurso na fé irrestrita nas soluções tecnológicas como solução para a questão ambiental.
Dessa forma, na medida em que as forças hegemônicas da sociedade reconheciam e
institucionalizavam temas ambientais que não colocavam em risco as instituições da
sociedade vigente, houve uma certa despolitização do debate ecológico. Os mesmos autores
falam de uma “adequação ambiental”, que se constituiria em um verdadeiro paradigma
inserido dentro da visão desenvolvimentista que motiva ações políticas que atribuem ao
mercado a capacidade institucional de resolver a degradação ambiental, apostando na
modernização ecológica. Sendo um paradigma reformador, a adequação ambiental se coloca
como obstáculo aos discursos que visam à construção de um paradigma transformador para a
sustentabilidade.

Na mesma linha, Ennes (2008) aponta que houve uma apropriação e uma
ressignificação da questão ambiental pelo pós-industrialismo. Com isso, é o modo de
produção que passa a ter necessidade de garantia da sustentabilidade, reduzindo o alcance da
ideia de sustentabilidade e afastando o seu potencial transformador e inovador quanto às
formas de relação entre a sociedade e a natureza.

O discurso hegemônico conseguiu manter o foco do debate ambiental concentrado


“em mudanças técnicas, tecnológicas e de procedimentos dentro do mesmo modelo de
35

produção industrial, preservado-o das críticas ideológicas por parte dos ambientalistas”,
conforme relata Portilho (2005, p. 47). Houve um certo consenso político-econômico sobre a
necessidade da adoção de novas tecnologias, mais eficientes. Entretanto, conseguiu-se manter
o debate sobre a questão ambiental distante da iniquidade na distribuição, acesso e gestão dos
recursos naturais do planeta, dos valores da sociedade moderna e dos estilos de vida e padrões
de consumo desiguais (PORTILHO, 2005).

O núcleo da crise ambiental se limitaria ao desperdício de matéria e energia, que


encontraria resposta em ações da chamada modernização ecológica ou ecoeficiência inseridas
dentro da lógica econômica, que atribuem ao mercado a capacidade institucional de resolver a
degradação ambiental, através da “economia” do meio ambiente e da abertura de mercados
para novas tecnologias. Celebra-se o mercado, consagra-se o consenso político e promove-se
o progresso técnico, que seria capaz de superar a crise ambiental fazendo uso das instituições
da modernidade, sem abandonar o padrão da modernização e sem alterar o modo de produção
capitalista de modo geral. Não se vê presente no discurso da modernização ecológica a
diversidade social na construção da crise ambiental e a possibilidade de existir uma lógica
política na distribuição desigual dos problemas ambientais (ACSELRAD, 2002).

A apropriação e ressignificação da questão ambiental pelo modo de produção


capitalista, apresentando como solução para a crise a adoção de tecnologias mais eficientes,
guarda identidade com a estratégia descrita na obra-prima “O Gattopardo”, de Tomasi de
Lampedusa, quando Tancredi, príncipe de Falconeri e sobrinho de Don Fabrizio, incita seu tio
cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Bourbons do Reino das Duas Sicílias e
aliar-se com os Saboia: “Se nós não estivermos presentes, eles aprontam a república. Se
queremos que tudo continue com está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” (LAMPEDUSA,
2007, p. 69).

Da análise das críticas lançadas ao modelo de desenvolvimento propugnado pelo


discurso capitalista, percebe-se a existência de uma disputa ideológica relativas às diversas
formas que o homem se relaciona com a natureza, sendo que uma corrente privilegia o
modelo de desenvolvimento econômico atual e a outra que se preocupa com um modelo
voltado para a sustentabilidade. Há, em verdade, uma crise de paradigmas (KUHN, 2009)
representada pelo contraponto entre duas visões, uma com fundamento na racionalidade
econômica vigente e outra, ainda em construção, que busca sustentáculo em uma nova
36

racionalidade, a racionalidade ambiental.

O paradigma da racionalidade econômica está em crise. A natureza e a humanidade


sofrem com os seus efeitos perversos e, com isso, busca-se trilhar novos caminhos éticos,
epistemológicos, científicos, tecnológicos e políticos através da construção de novos
paradigmas. Dentro do contexto de crise, o princípio da sustentabilidade aparece como uma
resposta à fratura da razão modernizadora e como um pressuposto para a construção de uma
nova racionalidade produtiva, lastreada no potencial ecológico e em novos sentidos de
civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. Trata-se da reapropriação da
natureza e da reinvenção do mundo que abarca e respeita os diversos outros mundos, abrindo
o cerco da ordem econômico-ecológica globalizada (LEFF, 2008).

A racionalidade ambiental é uma categoria que aborda as relações entre instituições,


organizações, práticas e movimentos sociais, que atravessam o campo conflitivo do ambiental
e afetam as formas de percepção, acesso e usufruto dos recursos naturais, assim como a
qualidade de vida e os estilos de desenvolvimento das populações (LEFF, 2006). Opõe-se,
frontalmente, à racionalidade econômica e ao modelo de desenvolvimento predominantes nos
dias atuais. A construção de uma racionalidade ambiental, nas palavras de Leff (2006),
implica a necessidade de desconstrução não só dos conceitos e métodos de diversas ciências e
campos disciplinares do saber, assim como dos sistemas de valores e as crenças em que se
fundam e que promovem a racionalidade econômica e instrumental onde repousa uma ordem
social e produtiva insustentável. A racionalidade ambiental é aberta à diferença, à diversidade
e pluralidade de racionalidades que definem e dão sua especificidade e identidade à relação do
material e do simbólico, da cultura e da natureza.

Essa visão crítica tem motivado o desenvolvimento de uma concepção de


sustentabilidade que associa as dimensões sociais com as relacionadas à natureza, a exemplo
da sustentabilidade socioambiental citada por Leff (2008). O desenvolvimento da noção de
sustentabilidade socioambiental traz ao debate duas dimensões pouco consideradas pela
tradição do pensamento ocidental acerca da relação entre sociedade e natureza: a política e a
cultura, que ganham, de forma gradativa, mais importância com a crítica que se faz à ideia de
avanço tecnológico como única solução para os problemas ambientais. Resultando, também,
no reconhecimento da existência de relações de poder e de dominação que envolvem os
sujeitos, as comunidades, os órgãos e representantes do Estado, as universidades e a iniciativa
37

privada envolvidos em projetos “sustentáveis” (ENNES, 2008). A sustentabilidade ecológica


aparece como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma
condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento
duradouro, questionando as próprias bases da produção (LEFF, 2008).

Atualmente, o sistema jurídico brasileiro, conformado pelos princípios inseridos na


Constituição Federal de 1988 parece trilhar o caminho da racionalidade ambiental. O texto
constitucional acolheu a sustentabilidade como o princípio diretivo do modelo
socioeconômico brasileiro, ao eleger a defesa do meio ambiente como princípio da ordem
econômica vigente, como expresso no seu artigo 170, inciso VI, e inserir o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, artigo 225, dentro do título destinado à ordem social.

2.2. Conflitos ambientais: a natureza em disputa ou disputa entre a natureza?

A palavra conflito tem origem latina, conflictu, significando choque, embate, combate,
luta (HOUAISS, 2009). O conflito é uma das possíveis formas de interação entre indivíduos,
grupos, organizações e coletividades, que implica disputa no acesso e distribuição de recursos
escassos (BOBBIO et. al., 1998). O conflito é inerente à convivência humana. As aspirações
do ser humano, materiais ou espirituais, além dos limites impostos pela natureza das coisas,
operam em fronteiras delimitadas por desejos ou necessidades de outro indivíduo ou da
própria coletividade. Naquele primeiro caso, o conflito tem uma conotação eminentemente
individual ou, quando muito plural. Neste, diversamente, o conflito adquire ares de
supraindividualidade (BENJAMIN, 2003).

Para Alonso & Costa (2002), a definição de um conflito supõe considerar a interação
entre diversos grupos de agentes em choque pelo controle de bens e recursos ou do poder de
gerar e impor certas definições da realidade. Os conflitos se estruturam em torno de interesses
e de valores.

Prevalece no senso comum ocidental a noção de conflito como um dado negativo, um


obstáculo para a coesão do tecido social, motivo de desordem e desarmonia, e por isso deveria
ser evitado ou eliminado (NASCIMENTO, 2001). Todavia, não se pode emprestar ao conflito
uma significação essencialmente negativa. O conflito é intrínseco à condição humana e
38

próprio da vida em sociedade, não sendo, a princípio, positivo ou negativo, apenas indicativo
da existência de diferenças intersubjetivas. Na China, isso é bem visualizado a partir do
símbolo utilizado para a representação da ideia de conflito, composto por dois ideogramas
superpostos: risco e oportunidade (SOARES, S., 2008).

As abordagens teóricas sobre os conflitos podem ser agrupadas em duas grandes


enfoques, um primeiro que aceita a existência do conflito como elemento inerente à estrutura
social, e outro que foca em questões como o consenso e ordem social (BARBANTI JR, 2002;
BOBBIO et. al., 1998; MACIEL, M., 2011). O primeiro entende que qualquer grupo ou
sistema social é constantemente marcado pelo conflito e que em nenhuma sociedade a
harmonia ou o equilíbrio foram normais. Ao revés, a desarmonia e o desequilíbrio constitui a
regra e isso é um bem para a sociedade. Aqui se alinham Marx, Sorel, John Stuart Mill,
Simmel, Dahrendorf e Touraine, dentre outros. A segunda abordagem percebe qualquer grupo
social, qualquer sociedade ou organização como um todo harmônico e equilibrado. A
harmonia e o equilíbrio constituiriam a normalidade e o conflito uma perturbação, uma
patologia social que deve ser reprimida e eliminada. São dela partidários Comte, Spencer,
Pareto, Durkheim, Talcott Parsons, dentre outros (BOBBIO et. al., 1998).

Um dos grandes teóricos da sociologia, Georg Simmel, aponta que o conflito se dá


entre o indivíduo, na tentativa de realização plena de seu “eu”, e a sociedade em busca de se
tornar uma totalidade e unidade orgânica (SIMMEL, 2006). Para Nascimento (2001), o
melhor desenvolvimento do conceito de conflito encontra-se em Simmel, para o qual os
conflitos são uma das formas de interação social, portanto, constituintes das relações sociais
na sociedade moderna. Eles não são apenas presentes mas indispensáveis, são fatores de
coesão social e não de distúrbio, pois a sociedade é construída através de conflitos.

As sociedades organizadas buscam diluir o conflito, canalizá-lo dentro de formas


previsíveis, submetê-lo a regras precisas e explícitas, controlá-lo e, às vezes, orientar o seu
potencial de mudança para um sentido preestabelecido. A ligação entre conflito e mudanças,
sejam elas sociais ou políticas, é clara e indiscutível. Não se pode concluir daí que todas as
mudanças decorrentes do conflito sejam positivas, indiquem melhoramentos e produzam
maior adesão aos valores da liberdade, justiça e da igualdade. Todavia, onde os conflitos são
suprimidos ou desviados ou não chegam a se realizar, a sociedade estagna e enfraquece e sua
decadência se torna inevitável (BOBBIO et. al., 1998).
39

A análise e a compreensão de conflitos demandam aportes teóricos da sociologia, do


direito, da ciência política, da psicologia e da psicanálise, dentre outras disciplinas (SOARES,
S., 2008), não sendo suficiente a utilização de uma única disciplina do conhecimento humano
(BARBANTI JR, 2002; SOARES, S., 2008). Surge como solução viável para o entendimento
dos conflitos o estudo interdisciplinar, marcado pela complexidade7. Redorta (2004) aponta
uma nova forma de pensar o conflito dentro do paradigma da complexidade, onde está
inserido o pensamento não linear ou não determinista. Segundo o autor, são características do
conflito não poder ser rotulado ou definido, ele não “é”, mas deve ser entendido como uma
“tendência a”, afastando-se da lógica binária e assumindo a existência de “zonas cinzentas”.

Sendo o enfoque da presente pesquisa limitado à análise de conflitos que gravitam em


torno do meio ambiente, cumpre apresentar a sua conceituação. O meio ambiente é uma rede
complexa de interações e conexões entre os elementos bióticos [o ser humano incluído] e
abióticos que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Sua compreensão abrange
tanto o todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial, quanto os elementos que integram
essa totalidade, a exemplo do ar, da água, do solo, do próprio ser humano, da fauna, da flora
etc.

A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, conceitua o meio ambiente


como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, encarando-o sob o ponto
de vista imaterial e dinâmico.

Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p. 42) compreende o meio ambiente como “o


conjunto de elementos bióticos e abióticos que, interagindo entre si, abrigam e permitem todas
as formas de vida”, destaca, ainda, que o homem é parte indissociável deste ecossistema. Para
Silva (2010, p. 18), o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais,
artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”.

A Constituição Federal de 1988 consagrou essa visão integrada homem-natureza no


conceito de meio ambiente, tanto o é que o capítulo acerca do meio ambiente está inserido

7
“Pode-se dizer que o que é complexo, diz respeito, por um lado, a um mundo empírico, à incerteza, à
incapacidade de ter certeza de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Por outro lado diz
respeito a alguma coisa de lógico, isto é, à incapacidade de evitar contradições” (MORIN, 2011, p. 68).
40

dentro do título que disciplina a ordem social. Neste sentido, Antunes (2001, p. 46) aponta
que a Constituição Federal “modificou inteiramente a compreensão que se deve ter sobre o
assunto, pois inseriu, de forma bastante incisiva, o conteúdo humano e social no interior do
conceito” de meio ambiente.

A questão ambiental, até pouco tempo atrás, era analisada apenas dentro do enfoque
consensual. Assim, não haveria conflitos ambientais, a não ser como embates de valor
transitório que tenderiam a se converter em práticas sustentáveis (ALONSO & COSTA,
2002). Esta visão é criticada por Acselrad (2004b) para quem as forças hegemônicas buscam
consagrar na agenda pública as tecnologias do consenso, constitutivas do modelo de “pós-
democracia consensual”, que é caracterizado pelo encobrimento dos conflitos e o
esvaziamento da política.

Não se pode limitar a percepção do meio ambiente apenas a uma relação de


cooperação entre os homens. Ao revés, deve ser percebido principalmente através da
contestação e do conflito, uma vez que não é composto somente por elementos materiais
ameaçados de esgotamento, mas também é atravessado por sentidos socioculturais e
interesses diferenciados. A mata pode ser ao mesmo tempo espaço de vida de seringueiros e
espaço de acumulação e reserva de valor para a especulação fundiária. A água dos rios pode
ser meio de subsistência de pescadores ribeirinhos e instrumento para a produção de energia
barata para as empresas eletrointensivas. O meio ambiente é um espaço comum de recursos
expostos a distintos projetos, interesses e formas de apropriação e uso material e simbólico
(ACSELRAD, 2005).

Zhouri & Zucarelli (2008) sustentam que a ideia de uma conciliação entre os
interesses econômicos, ecológicos e sociais ocupa papel chave na noção de desenvolvimento
sustentável adotada em âmbito mundial. Prevalece a crença de que os conflitos entre os
diferentes segmentos da sociedade poderiam ser resolvidos através da gestão do diálogo entre
os atores, com a finalidade de se alcançar um consenso. Nessa perspectiva, os problemas
ambientais e sociais são entendidos como meras questões técnicas e administrativas,
passíveis, portanto, de medidas mitigadoras e compensatórias. Desta maneira, os impactos da
espacialização do processo de acumulação de capital sobre os territórios, suas condições
naturais e populações são percebidos como solucionáveis por meio da utilização de novas
tecnologias e de um planejamento racional. O que subjaz a essa visão é a concepção do meio
41

ambiente como uma realidade objetiva, instância separada e externa às dinâmicas sociais e
políticas da sociedade.

O enfoque objeto da crítica formulada por Zhouri & Zucarelli (2008) pode ser
percebido nas entrelinhas de artigo de autoria de Mio et. al. (2005), para quem a resolução de
conflitos ambientais, mediante negociação, visando implementar o desenvolvimento
sustentável, é uma proposta que vem sendo desenvolvida em vários países e considera a
construção do desenvolvimento sustentável como um processo gradual e embasado na
construção do consenso.

Nas últimas décadas, tem se desenvolvido um enfoque crítico que reconfigura a


questão ambiental, colocando em seu centro a noção de conflitos ambientais (CARNEIRO,
2006; BARBANTI JR, 2002). Todavia, não há uma unidade de conceitos acerca de conflitos
que se referem ao meio ambiente, cada autor analisa e conceitua o conflito ambiental segundo
sua posição frente à relação homem-natureza (SOARES, S., 2008).

Agra Filho (2008) afirma que a origem da problemática ambiental decorre dos usos
conflitantes provocados tanto pela diversas demandas da sociedade em relação a um
determinado recurso ou sistema ambiental quanto pelas próprias alterações das condições
ambientais. Os conflitos ocorreriam ainda quanto uma determinada atividade econômica
ameça determinadas áreas que contêm importantes atributos ecológicos ou ecossistemas
sensíveis que são protegidos legalmente.

Nesses casos é indispensável salientar que, entre outros usos sociais ou


econômicos a que um recurso ou sistema ambiental pode se destinar, deve-se
considerar o uso de existência como fundamental para preservar a
integridade do próprio recurso ou ecossistema. O uso de existência
representa o uso de preservação de determinadas espécies, sítios com
atributos ecológicos ou ecossistemas determinantes para a manutenção dos
biomas e se constitui um valor fundamental da ética de sustentabilidade
ambiental. Negligenciar o uso de existência significaria um reducionismo no
equacionamento dos conflitos (AGRA FILHO, 2008, p. 129-130).

A análise dos conflitos ambientais deve partir da premissa que o meio ambiente não
42

pode ser reduzido apenas a matéria e energia, pois também é constituído por elementos
históricos e culturais (ACSELRAD, 2004a), devendo sempre ser levado em conta a escolha de
“o que” e “como” utilizar os elementos da natureza, inclusive a possibilidade da existência de
uma articulação entre degradação e injustiça social (ACSELRAD, 2002).

A definição de Acselrad (2004b) sobre conflitos ambientais abrange os embates entre


grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território,
tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de
apropriação do meio que desenvolve ameaçada por impactos indesejáveis - transmitidos pelo
solo, água, ar ou sistemas vivos - decorrentes do exercício das práticas de outros grupos.
Segundo o mesmo autor, essa abordagem teórica pretende explorar as possibilidades do
desenvolvimento de um olhar sobre a questão ambiental que se faça sensível ao papel da
diversidade sociocultural e ao conflito entre os distintos projetos de apropriação e significação
do mundo material.

Nesta mesma linha, José Luiz Soares (2005) assevera que os conflitos ambientais
podem ser entendidos como aqueles que irrompem quando alguma atividade e/ou instalação
afeta a estabilidade de outras formas de ocupação (ambientes residenciais ou de trabalho)
desenvolvidas em espaços conexos, mediante impactos indesejáveis transmitidos pelo solo,
pela água ou pelo ar. Estes impactos indesejáveis podem provir tanto da omissão do poder
público – por exemplo, nos casos de ausência de implantação de sistemas de saneamento –
como de atividades ou instalações degradantes ao meio ambiente.

Para Carneiro (2006), os conflitos ambientais são concebidos como disputas que são
inerentes às estruturas das sociedades de dominação e colocam em oposição grupos sociais
que lutam pela atribuição de significados e usos às condições naturais em condições
assimétricas de poder. Denomina tais conflitos de ambientais no sentido de que põem em jogo
usos concorrentes de um mesmo “ambiente” específico, ou seja, de condições naturais
territorializadas, apropriadas por agentes determinados para usos determinados.

Zhouri & Zucarelli (2008) conceituam o conflito ambiental como inerente às práticas
sociais de uso e significação do espaço, tendo em vista a pluralidade de segmentos sociais
envolvidos na construção de seus respectivos projetos sociais que dão sentido e destino aos
territórios. As interações entre esses grupos sociais, no que diz respeito à apropriação social
43

da natureza, são historicamente assimétricas. Os conflitos se reproduzem e se multiplicam na


medida em que são mantidos os mesmos mecanismos desiguais de distribuição do acesso ao
meio ambiente e da divisão dos custos, riscos e impactos resultantes das práticas dominantes
de apropriação dos recursos naturais.

Segundo Zhouri et. al. (2005), o conflito eclode quando o sentido e a utilização de um
espaço ambiental por um determinado grupo ocorre em detrimento dos significados e usos
que outros segmentos sociais possam fazer de seu território para assegurar a reprodução de
seu modo de vida. Assim, pode-se afirmar que os conflitos ambientais ocorrem quando há
uma disputa entre grupos sociais sobre as diversas formas de significação, utilização,
exploração e em relação ao próprio acesso desigual à natureza.

Little (2001), preferindo utilizar a terminologia conflito socioambiental, define-o


como a disputa entre grupos sociais derivadas dos distintos tipos de relação que eles mantêm
com o seu meio natural. Esse enfoque englobaria três dimensões básicas: o mundo biofísico e
seus múltiplos ciclos naturais, o mundo humano e suas estruturas sociais, e o relacionamento
dinâmico e interdependente entre os dois mundos.

Para um melhor entendimento de sua concepção sobre conflitos ambientais, Little


(2001) desenvolve uma tipologia própria, distinguindo-os em: conflitos em torno do controle
sobre os recursos naturais, que possui uma dimensão política atinente à distribuição dos
recursos, uma dimensão social relacionada ao acesso aos recursos, e uma jurídica, que é a
disputa formal pelo recurso; conflitos em torno dos impactos ambientais e sociais gerados
pela ação humana que provocam a contaminação do meio ambiente, o esgotamento dos
recursos naturais e a degradação dos ecossistemas e, por fim, conflitos em torno do uso dos
conhecimentos ambientais, que se dão entre grupos sociais ao redor da percepção dos riscos,
envolvem o controle formal dos conhecimentos ambientais e o respeito a lugares sagrados.

Na percepção de Samira Soares (2008), a definição de conflito ambiental determina a


natureza como objeto da disputa seja quanto ao uso, controle ou acesso. Também pode ser
objeto de disputa o conhecimento a respeito dos riscos, dos conhecimentos tradicionais ou de
bens sagrados, sendo que alguns autores ainda incluem a desigualdade na distribuição dos
impactos negativos das ações humanas (problemas ambientais) e destacam a importância dos
sentidos culturais, marcados pelas diferenças no modo de viver e relacionar com os outros
44

seres humanos ou não humanos.

As diversas concepções sobre conflito ambiental apresentadas até agora estão inseridas
dentro de uma lógica antropocêntrica. A natureza aparece como o objeto de disputa entre
grupos humanos, os sujeitos que se confrontam para fazer prevalecer, cada qual, os seus
modos de apropriação, uso e significação do mundo natural. O homem está fora da natureza e
o conflito a ela é extrínseco.

Outra forma de se conceber o conflito ambiental leva em conta que o homem é parte
integrante da natureza, da mesma forma que os elementos físico e biótico, concepção
consentânea com os paradigmas de uma ecologia integral8. As interações entre esse conjunto
de elementos constituem o meio ambiente, um espaço essencialmente dinâmico e conflituoso.
O conflito é interno e próprio da natureza, da mesma forma que também o é a relação
cooperativa. A natureza é sujeito e não simples objeto. A sua complexidade permite que os
seus elementos integrantes (físico, biótico e social) se relacionem ora de forma antagônica ora
de forma harmoniosa.

Sobre uma visão dinâmica da natureza, que não busca a exclusão do ser humano e não
se fundamenta na ideia de um equilíbrio ecológico estático, Larrère (2010, p. 48) aponta que a
partir dos anos 90:

Desligando-se da ecologia odumiana, focalizada nos “equilíbrios da


natureza”, os cientistas tendem a adotar uma concepção dinâmica da
ecologia e integram as perturbações como fatores de estruturação das
comunidades bióticas. Admite-se doravante que os meios que nos rodeiam
são o produto de uma história: a das perturbações que eles sofreram ou que
sofreram os meios com os quais eles interagem.

O conflito, então, pode ser qualificado como ambiental quando o meio ambiente9 é o

8
“Ecologia integral é aquela que concebe o ambiente como um todo composto da fusão de homem e natureza”
(Bello Filho, 2004, p. 94).
9
Entendido o meio ambiente como a rede dinâmica de interações e conexões entre os elementos físicos,
bióticos e sociais que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
45

palco do embate. O conflito ambiental é uma disputa interna na teia da vida10, na qual se faz
presente algum impacto negativo ao meio ambiente, efetivo [dano] ou potencial [risco]. É
constituído por duas importantes dimensões, uma social, representada pela disputa entre
grupos humanos acerca da forma de apropriação material e simbólica dos elementos naturais;
e outra ecológica, representada pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza,
decorrente de uma ação antrópica que causa um dano ou incrementa um risco para o
ecossistema como um todo e para os elementos que o integram.

Ressalte-se que a adoção de uma concepção holística de meio ambiente e de conflito


ambiental não esvazia o conteúdo político desse e sim o amplia, para expressar que as
relações de exploração e as formas injustiça e iniquidade não atingem somente os seres
humanos, especialmente os pobres, situação que se reconhece e que é bem destacada pelos
defensores do movimento de justiça ambiental11. No enfoque adotado, dá-se um passo ético
adiante, afirmando-se que a opressão, alem de ser praticada pelo homem contra o homem,
também é praticada pelo homem em detrimento dos demais elementos da natureza e do
ecossistema planetário como um todo.

2.3 As éticas12 ambientais e a gestação de um direito do meio ambiente

Ao lado da evolução do discurso ambientalista, é gestado um novo direito


10
A teia da vida consiste em redes dentro de redes. Em cada escala, sob estreito e minucioso exame, os nodos
da rede se revelam como redes menores. Tendemos a arranjar esses sistemas, todos eles aninhados dentro de
sistemas maiores, num sistema hierárquico colocando os maiores acima dos menores, à maneira de uma
pirâmide. Mas isso é uma projeção humana. Na natureza, não há "acima" ou "abaixo", e não há hierarquias.
Há somente redes aninhadas dentro de outras redes (CAPRA, 1996, p. 51).
11
Pode-se designar por justiça ambiental o conjunto de princípios e práticas que: i) asseguram que nenhum
grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências
ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais,
assim como da ausência ou omissão de tais políticas; ii) asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto,
aos recursos ambientais do país; iii) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos
recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como
processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos programas e projetos que lhes dizem
respeito; iv) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações
populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento que
assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD
et. al., 2009). A noção de justiça ambiental associa o reconhecimento das limitações físicas da Terra ao
reconhecimento do princípio universal da equidade na distribuição e acesso aos recursos indispensáveis à
vida humana, associando a insustentabilidade ambiental aos conflitos distributivos e sociais (PORTILHO,
2005).
12
“A palavra ética provém do grego éthos e se refere ao que recebemos ativamente, com nosso próprio esforço.
Logo, a ética pode ser definida como caráter ou índole, ou seja, como uma disposição fundamental de uma
pessoa diante da vida” (ANDRADE & SOARES, 2010).
46

fundamental, o direito ao meio ambiente. Na sociedade pós-industrialista, fala-se em uma era


de direitos, na qual as reivindicações sociais se ampliam e buscam estabilidade na positivação
de seus interesses pelo ordenamento jurídico. O Direito, assim, afasta-se de seu caráter de
instrumento de dominação para se constituir em instrumento de consolidação de conquistas
sociais (BOBBIO, 1992).

A afirmação de novos direitos a cada dia ressalta o caráter histórico e cultural dos
direitos fundamentais. A extensão e o conteúdo dos direitos fundamentais não é atemporal,
mas construída dialeticamente em cada cultura e cada tempo através de lutas, embates e
conflitos.

Sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo
terá que travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura
século e cuja intensidade se torna maior quando o s interesses constituídos se
tenham corporificado em forma de direitos adquiridos. Sempre que isto
acontece, cada uma das partes que se defrontam ostenta em seus estandartes
a divisa da majestade do direito. Uma invoca o direito histórico, o direito do
passado, e a outra, o direito sempre em formação e constantemente
rejuvenescido, o direito inato da humanidade à contínua renovação.
Encontramo-nos diante de um conflito intrínseco, contido na própria ideia do
direito. (IHERING, 2001, p. 31)

Dentro do enfoque da cultura ocidental, destaca-se a construção histórica de três


gerações, ou dimensões, de direitos fundamentais, que não se opõem, se sobrepõem, apenas se
compõem e se complexificam. Piovesan (1998) explica que uma geração de direitos não
substitui a outra, ma com ela interage. Com isso, destaca Pessoa (2008, p. 42), “afasta-se a
ideia de gerações sucessivas de direitos fundamentais, na medida em que se acolhe a ideia da
expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos como um todo”.

A primeira dimensão dos direitos fundamentais historicamente afirmada sofreu forte


influência do pensamento liberal-burgês do século XVIII, possuindo cunho eminentemente
individualista. Caracteriza-se por ter seu exercício voltado contra o Estado, “demarcando uma
zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu
poder” (SARLET, 2009, p. 46-47). São exemplos desta dimensão o direito à vida, à liberdade,
à propriedade, à igualdade perante a lei, a liberdade de crença, de expressão etc. São os
47

chamados direitos de liberdade, que buscam tornar o homem livre do jugo do Estado para,
assim, poder desenvolver-se em sua plenitude.

Os direitos fundamentais da segunda dimensão decorreram da mobilização social


decorrente dos graves conflitos originados pela revolução industrial, influenciada pela
ideologia socialista. O diferencial dos direitos que tiveram sua afirmação no decorrer do
século XX, especificamente, no período pós-guerra, é o seu aspecto positivo. Percebe-se que a
libertação do homem do Estado não resultou em equidade no desenvolvimento dos homens,
mas ampliou-se a exploração do homem pelo seu semelhante. Busca-se, então, a igualdade
material entre os homens através de prestações estatais. São denominados como direitos de
igualdade.

A nota distintiva dos direitos fundamentais de terceira geração é a circunstância de se


desprenderem, em princípio, do homem-indivíduo como seu titular. Destinam-se à proteção
de grupos humanos e, portanto, caracterizam-se como direitos de titularidade coletiva, difusa.
São exemplos de tais direitos o direito à paz, à autodeterminação, ao desenvolvimento, ao
meio ambiente, etc. (SARLET, 2009). Comumentemente, também são nominados como
direitos de fraternidade ou de solidariedade.

Uma outra proposta de classificação dos direitos fundamentais é adotada por Sarlet
(2009) com base em uma perspectiva funcionalista. Deste modo teríamos direitos
fundamentais como direitos de defesa e direitos fundamentais como direitos de proteção. Os
direitos de defesa “se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos,
implicando para estes um dever de respeito a determinados interesses individuais” (SARLET,
2009, p. 168). A abrangência desses direitos alcança

não somente os tradicionais direitos de liberdade e igualdade, como também


os direitos à vida, à propriedade, às liberdades fundamentais de locomoção,
de consciência, de manifestação de pensamento, de imprensa e de
associação. Acrescentem-se, ainda, os direitos que irradiam da
personalidade, da nacionalidade e da cidadania, bem como os direitos
coletivos à vida, à liberdade e à propriedade dos cidadãos (PESSOA, 2008,
p. 43-44)
48

Os direitos fundamentais como direitos a prestações, para Sarlet (2009), implicam uma
postura ativa do Estado, obrigando-o a colocar à disposição dos indivíduos prestações de
natureza jurídica e material. Pessoa (2008, p. 43) esclarece que tais direitos “se encontram
vinculados à concepção de que ao Estado incumbe colocar à disposição dos cidadãos os meios
materiais e implementar as condições que possibilitem o efetivo exercício das liberdades
fundamentais”.

Atualmente o debate mais acalorado gira em torno de uma nova geração de direitos
que transcendem a fruição individual ou por grupos determinados, como foi o caso dos
direitos individuais e dos direitos sociais. Sobre esta terceira geração [ou dimensão] de
direitos, Bobbio (1992, p. 6) ressalta que “o mais importante deles é o reivindicado pelos
movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.

Após frisar o caráter histórico dos direitos fundamentais, Pessoa (2011, p. 128) destaca
dentre eles “o referente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da
Constituição Federal como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida
e cuja preservação visa a evitar conflitos entre gerações”.

Benjamin (2010) relata que o clamor por um direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado surge no rastro da Declaração da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
adotada em Estocolmo 1972, em uma formulação marcadamente antropocêntrica, como mais
um componente da dignidade humana.

A Declaração de Estocolmo representa um marco histórico na afirmação da existência


do direito fundamental ao meio ambiente. Proclama-se que o homem é, a um só tempo,
resultado e artífice do meio que o circunda, o qual lhe confere o sustento material e o brinda
com a oportunidade de desenvolvimento intelectual, moral e espiritual; que os dois aspectos
do meio ambiente, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar da humanidade e
para que ele goze de todos os direitos humanos fundamentais, inclusive do direito à vida; que
a proteção e melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos
povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro; que a defesa e a melhora do meio
ambiente para as gerações presentes e futuras converteu-se num objetivo imperioso da
humanidade e deverá ser perseguido juntamento com a paz e o desenvolvimento econômico
social (SILVA, 2010).
49

A Declaração de Estocolmo destaca em seu primeiro princípio que o homem tem o


direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições adequadas de vida em um
meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e fruir de bem-estar, estando obrigado
solenemente a proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras (SILVA,
2010).

Bosselmann (2010) relata que a dimensão ambiental dos direitos humanos passou a ser
reconhecida no direito internacional, e em diversos países, após a Declaração das Nações
Unidas para o Meio Ambiente estabelecer uma ligação entre degradação ambiental e o gozo
de direitos humanos. Foi a partir da Convenção de Estocolmo que “o direito humano a um
meio ambiente saudável vem sendo reconhecido em numerosos documentos de soft law e
instrumentos jurídicos, bem como em constituições nacionais e decisões judiciais internas de
países” (BOSSELMANN, 2010, p. 85).

Até então, o meio ambiente não era tratado sequer como um bem jurídico passível de
ser protegido diretamente. Sua tutela ocorria apenas de forma reflexa, indireta, fruto de uma
concepção egoísta e meramente econômica” (RODRIGUES, M., 2010, p. 20). Protegia-se a
propriedade privada, a exemplo do Código Civil de 1916 que proibia, em seu artigo 584, a
execução de construção capaz de poluir ou inutilizar a água de poço ou fonte alheia. Como
bem esclarece Marcelo Abelha Rodrigues (2010), o meio ambiente não era protegido de
forma autônoma, mas de forma mediata enquanto bem privado, com a finalidade utilitarista de
resguardar o interesse econômico da propriedade pertencente ao indivíduo.

Outra forma de tutela indireta do meio ambiente comum à época, também marcada
pela “ideologia egoística e antropocêntrica pura” (RODRIGUES, M., 2010, p. 21), associava-
se à proteção do direito à saúde. Não se cogitava a proteção ao meio ambiente salvo se
houvesse algum benefício claro e imediato em favor do ser humano e havia uma aparente
confusão de que a tutela à saúde e a proteção ao meio ambiente fossem a mesma coisa.
Marcelo Abelha Rodrigues (2010) demarca esse período estendendo-se até o início da década
de 80 e indica o Código de Caça, o Código Florestal e o Código de Mineração como
exemplos.

A ética inspiradora desses normativos era o antropocentrismo tradicional, utilitarista,


que confere ao homem, de forma exclusiva, o estatuto moral, ou seja, apenas o ser humano
50

merece considerações morais ou respeito por seus próprios direitos e a natureza não tem valor
intrínseco. Na outra extremidade desse pensamento, encontramos posições filosóficas que
conferem “considerabilidade moral” aos animais, à biosfera e ao ecossistema (VIDAL, 2008).

Há, ainda, quem formule uma distinção entre antropocentrismo tradicional ou


“economicocentrismo” e antropocentrismo alargado. O primeiro preocupa-se única e
exclusivamente com o bem-estar humano e reduz o valor do meio ambiente ao proveito
econômico que possa oferecer ao homem. O segundo, embora centrando os debates na figura
humana, reconhece um valor intrínseco à natureza, não sendo vista como um simples meio de
se alcançar a riqueza material (LEITE, 2010).

O antropocentrismo, como bem enfatiza Vidal (2008), não implica necessariamente no


desrespeito à natureza, ao meio ambiente. Entretanto, a justificativa para o seu respeito e
preservação decorre dos interesses humanos de sobrevivência, de qualidade de vida, de
conservação do prazer estético contemplativo, etc. Afirmativa essa possível dentro da ótica do
antropocentrismo “alargado” referido por Leite (2010), não factível, contudo, a partir da visão
tradicionalista.

A imagem descrita por Branco (1995) representa bem a relação homem-natureza


dentro da ótica do antropocentrismo alargado ou mitigado:

O homem pertence à natureza tanto quanto – numa imagem que me aparece


apropriada – o embrião pertence ao ventre materno: originou-se dela e
canaliza todos os seus recursos para as próprias funções e desenvolvimento,
não lhe dando nada em troca. É seu dependente, mas não participa (pelo
contrário, interfere) de sua estrutura e função normais. Será um simples
embrião, se conseguir sugar a natureza, permanentemente, de forma
compatível, isto é, sem produzir desgastes significativos e irreversíveis; caso
contrário será um câncer, o qual se extinguirá com a extinção do
hospedeiro... (BRANCO, 1995, p. 213)

As concepções que conferem estatuto moral a entes não humanos podem ser
agrupadas sob a denominação de zoocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo ou holismo
ecológico.
51

Na visão zoocentrista, defendida por Peter Singer e Tom Reagan, os animais possuem
estatuto moral pois “têm a experiência de dor e do prazer como os humanos, logo, merecem
ter o mesmo nível de respeito moral”(VIDAL, 2008, p. 135).

A ética biocêntrica, pontua Vidal (2008), apoia-se no argumento de que os seres vivos
obedecem a uma teleologia e evoluem segundo uma certa finalidade, consciente ou não, que
os dirige a algum bem, o qual é merecedor de respeito. O biocentrismo “entende que a
natureza [seres não humanos, sencientes ou não sencientes] possui valor intrínseco [estatuto
moral] e mérito inerente” (CARVALHO & SANTANA, 2009). O biocentrismo é uma teoria
da ética ambiental que reconhece mérito inerente ou valor intrínseco (estatuto moral) em
todos os seres vivos e a obrigação de não ignorar este atributo, quando as nossas ações
interferem com outras formas de vida. (CALLICOTT et. al., 1995).

As concepções éticas apresentadas até agora, o antropocentrismo, o zoocentrismo e o


biocentrismo, partem de uma lógica individualista, que pressupõe ser a natureza algo distinto
homem. Os dois últimos enfoques distanciam-se do primeiro apenas por conferirem estatuto
moral a entes não humanos, mas “defendem uma ecologia individualista, já que consideram
que o fundamento da unidade moral é o sujeito” (VIDAL, 2008, p. 136). Contra essas
filosofias individualistas, posicionam-se os defensores do ecocentrismo ou holismo ecológico,
que sustentam estar o foco da ação moral no conjunto da biosfera e seus ecossistemas.

Callicott (1995) conceitua o ecocentrismo ou holismo ético como a teoria da ética


ambiental que atribui estatuto moral, valor intrínseco a um espectro de entidades ambientais
não individuais, incluindo a biosfera como um todo, espécies, água, e ar, bem como os
ecossistemas. Nas palavras de Vidal (2008, p. 136-137):

A defesa desta posição se apoia na visão de que o todo ambiental merece


nosso respeito porque se constitui como uma unidade de partes
harmoniosamente integradas e um sistema auto-regulado cuja destruição, no
todo ou em parte, causa danos, compromete as possibilidades genéticas do
planeta. […] Nesta perspectiva, o homem não é o conquistador da terra, mas
seu cidadão biótico. O conceito de moralmente correto se aplica ao que
preserva a integridade, estabilidade, beleza da terra e o errado seria o
contrário. A Ética da terra resulta de uma expansão natural da Ética geral, de
uma evolução ecológica que se inicia com a atribuição de valores morais aos
humanos considerados individualmente, que podemos exemplificar na
constituição dos 10 Mandamentos da tradição judaico-cristã, evolui para as
52

relações entre indivíduo e sociedade e chega à relação moral com a terra,


abrangendo toda a realidade aí contida, a que Leopold chama de comunidade
biótica: água, plantas, animais, seres humanos. Os homens não devem ser
vistos como os conquistadores e proprietários desta comunidade, mas
cidadãos dela”

A partir de uma visão ecocêntrica, Boff (2003) entende a Terra como um verdadeiro
macrossistema orgânico, um superorganismo vivo [Gaia], ao qual todas as instâncias devem
servir e estar subordinadas. Dentro desta concepção, a ecologia é definida como a relação,
interação e dialogação de todas as coisas existentes, viventes ou não, entre si e com tudo o que
existe, real ou potencial. A ecologia não tem a ver apenas com a natureza [ecologia natural],
mas principalmente com a sociedade e a cultura [ecologia humana, social etc.]. “Numa visão
ecológica, tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e
preexiste subsiste através de uma teia infinita de relações ominicompreensivas. Nada existe
fora de relação. Tudo se relaciona com tudo em todos os pontos” (BOFF, 1993 ,p. 15).

Em sentido semelhante, Bello Filho (2004, p. 94) conceitua a ecologia, que adjetiva
com integral, aquela que percebe o meio ambiente como “um todo composto da fusão de
homem e natureza. Esta fusão não indica a diluição do conceito de homem no universo global,
mas sim o fortalecimento da análise relacional”. Sob esta perpectiva, conceitua o direito ao
meio ambiente, ou ambiental, como uma fusão de direito com ecologia, “é a utilização do
direito como técnica de emancipação a partir da concepção preservacionista vigente na
ecologia integral” (BELLO FILHO, 2004, p. 94).

Como se vê, o debate ético contemporâneo foca-se, essencialmente, nos valores


intrínsecos como o fundamento das considerações morais e jurídicas (BOSSELMANN,
2010). O conteúdo e a extensão do âmbito de proteção do direito fundamental ao meio
ambiente dependerá do paradigma ético-filosófico adotado, se relacionado com uma ética
antropocêntrica, uma ética zoocêntrica, uma ética biocêntrica ou uma ética ecocêntrica. Vale
dizer que diversos normativos internacionais e nacionais que versam sobre o direito ao meio
ambiente não podem ser automaticamente alinhados a qualquer um deles, havendo uma ampla
margem para a interpretação pelo operador do direito, o campo próprio da hermenêutica
jurídica. A par disso, percebe-se uma franca evolução das normas jurídicas em direção a novas
axiologias, afastando-se da visão antropocêntrica tradicional.
53

Ost (1995) traça um quadro sintético sobre a evolução axiológica que permeou o
pensamento jurídico-ambiental:

Passo a passo, o direito faz, assim a aprendizagem do ponto de vista global.


Num século, a evolução é significativa, conduzindo de uma posição
estreitamente antropocêntrica a uma maior tomada de consideração da lógica
natural em si mesma; evolução que é, também, a do ponto de vista local para
o ponto de vista planetário, e do ponto de vista concreto e particular (tal flor,
tal animal) par a exigência abstrata e global (por detrás da flor ou do animal,
o patrimônio genético). Se nos primeiros tempos da proteção da natureza, o
legislador se preocupava exclusivamente com tal espécie ou tal espaço,
beneficiado dos favores do público (critério simultaneamente
antropocêntrico, local e particular), chegamos hoje à proteção de objetos
infinitamente mais abstratos e mais englobantes, como o clima e a
biodiversidade (OST, 1995, p. 112).

O direito fundamental ao meio ambiente causa uma ruptura na ordem jurídica vigente,
afetando em cheio o antropocentrismo tradicional. Isso ocorre porque toda a doutrina jurídica
tem por base o sujeito de direito, o homem, enquanto as normas de direito ambiental,
nacionais e internacionais, cada vez mais, vêm reconhecendo direitos próprios da natureza,
independentemente do valor que ela possua para o ser humano, em busca da afirmação do
homem como parte integrante da natureza (ANTUNES, 2001).

O início desta mudança paradigmática no ordenamento jurídico brasileiro é marcado


pela edição da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Esse texto
legal definiu conceitos gerais, estabeleceu diretrizes, objetivos e fins para a proteção
ambiental. Abandou o paradigma ético antropocêntrico e adotou uma visão holística
[ecossistêmica] do meio ambiente, na qual o ser humano é uma das partes integrantes.

Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p. 23) sustenta que a Lei nº 6.938/81 promoveu um
rompimento com o antropocentrismo, alterando-se o eixo central de proteção do meio
ambiente para todas as formas de vida, passando a adotar uma “inegável concepção
biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo)”. Essa
aparente confusão entre duas concepções ético-filosóficas distintas é melhor esclarecida por
Benjamin (1998, p. 132), para quem “o conceito normativo de meio ambiente é
54

teleologicamente biocêntrico (permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas), mas
ontologicamente ecocêntrico (o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica)”.

As normas jurídico-ambientais que se seguiram à Lei nº 6.938/81 cuidaram de trilhar


o mesmo caminho, sempre buscando um distanciamento da visão antropocêntrica tradicional.
A principal delas, há de se ressaltar, é a Constituição Federal de 1988, que reconheceu o
direito ao meio ambiente como um direito fundamental de titularidade difusa, ao dispor, em
seu artigo 225, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Machado (2009) defende que o artigo 225 da Constituição Federal é antropocêntrico,


concepção ratificada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, adotada no Rio de Janeiro, em 1992, que em seu artigo 1º dispôs que os
seres humanos estão no centro das preocupações como o desenvolvimento sustentável.
Entretanto, ressalta que “nos parágrafos do art. 225, equilibra-se o antropocentrismo com o
biocentrismo (nos §§ 4º e 5º e nos incisos I, II, III e VII do §1º), havendo a preocupação de
harmonizar e integrar seres humanos e biota” (MACHADO, 2009, p. 129).

Leite (2010) ressalta que o atual modo de vida humano ainda não consegue abandonar
a ideia de que o meio ambiente lhe é servil e, portanto:

“não se poderia esperar que a Constituição da República, em que pese a sua


avançada concepção de ambiente e a sua busca pela formação de um Estado
de Direito do Ambiente, não se direcionasse também por uma visão
antropocêntrica de matiz economicocêntrica de meio ambiente. Assim, não
contemplou o ambiente como mero instrumento para o proveito econômico e
a geração de riquezas” (LEITE, 2010, p. 160)

A concepção de meio ambiente na ordem jurídica brasileira, afirma Leite (2010),


transcende a visão antropocêntrica economicista, em que a preservação ambiental seria apenas
meio de se garantir o estoque de capital natural como condição de sustentabilidade. Para o
55

autor, a Constituição Federal de 1988 adotou um antropocentrismo alargado13.

Esse alargamento do antropocentrismo coloca o homem como integrante da


comunidade biota, impondo, ainda, uma verdadeira solidariedade e comunhão de interesses
entre o homem e a natureza, como condição imprescindível a assegurar o futuro de ambos e
dependente, de forma indiscutível, da ação humana, como verdadeiro guardião da biosfera.
Assim, há uma ruptura com a existência de dois universos distantes - o humano e o natural - e
avança no sentido da interação destes. Abandonam-se as ideias de separação, dominação e
submissão e busca-se uma interação entre os universos distintos e a ação humana (LEITE &
AYALA, 2001).

Dentro desta ótica antropocêntrica alargada, Leite et. al. (2004) chegam a relacionar o
meio ambiente com os direitos da personalidade14, uma vez que não é possível o
desenvolvimento da personalidade sem um meio ambiente equilibrado.

Não se trata de um direito “interno” da personalidade, pelo contrário, é


externo, porém, irremediavelmente necessário à formação da personalidade.
O simples fato de “existirmos” significa uma interação como o ambiente que
nos circunda, e não se faz possível um desenvolvimento sadio da
personalidade do sujeito. Portanto, o direito da personalidade ao meio
ambiente salubre ecologicamente equilibrado representa uma condição
especial para um completo desenvolvimento da vida do homem. Com efeito,
se a personalidade humana se desenvolve em formações sociais e depende
do meio ambiente para a sua sobrevivência, não há como negar um direito
análogo a este. ( Leite et. al., 2004, p. 363-364).

As transformações trazidas pela Constituição Federal de 1988, na lição de Benjamin


(2010), não se limitaram aos aspectos estritamente jurídicos, pois esses se entrelaçam com a
dimensão ética, biológica e econômica dos problemas ambientais, além de apresentarem uma
compreensão mais ampla da Terra e da natureza. Apesar disso, ressalta que a ampliação dos
fundamentos éticos da proteção do meio ambiente ainda não logrou referendar,
expressamente, no patamar constitucional, a superação do antropocentrismo, conseguindo

13
Leite (2010) se utiliza do conceito de antropocentrismo alargado, enquanto Benjamin (2010) fala de um
antropocentrismo mitigado.
14
Os direitos à personalidade “tem por objeto as projeções, físicas, psíquicas e morais do homem, considerado
em si mesmo, e em sociedade” (GAGLIANO & PAMPLONA FILHO, 2002, p. 146).
56

adotar formas mais discretas e diluídas, mas nem por isso menos efetivas, de incorporação de
um biocentrismo mitigado.

Benjamin (2010, p. 130) afirma que a Constituição Federal de 1988 traçou um regime
de direitos de filiação antropocêntrica temporalmente mitigada, com a titularidade conferida
também às gerações futuras, atrelado a um feixe de obrigações cujos beneficiários vão muito
além da “reduzida esfera daquilo que se chama humanidade”. Neste sentido, conclui que:

Se é certo que não se chega, pela via direta, a atribuir direitos à natureza, o
legislador constitucional não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco,
estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor dos
elementos bióticos e abióticos que compõem as bases da vida. De uma forma
ou de outra, o paradigma do homem como prius é irreversivelmente trincado
(BENJAMIN, 2010, p. 130-131).

A partir de uma perspectiva histórica, percebe-se que houve uma evolução do direito
sobre o meio ambiente, marcadamente influenciado pela visão utilitarista do antropocentrismo
tradicional, para a afirmação de um direito fundamental ao meio ambiente, que reconhece o
valor intrínseco da natureza e lhe confere considerabilidade moral, concepção predominante
nos dias atuais. Constrói-se, dia a dia, os fundamentos para um direito do meio ambiente, que
é gestado dentro de um paradigma holístico15 ou ecocêntrico, que reconhece o valor intrínseco
de todos os seres vivos, suas relações e conexões.

Destaque-se que não há uma relação antagônica entre o direito do meio ambiente e o
direito fundamental [humano] ao meio ambiente, existe sim uma relação de continência,
sendo aquele o continente, o mais amplo. O direito ao meio ambiente, nada mais é do que
uma faceta do direito do meio ambiente, visto sob a ótica de um de seus elementos
integrantes, o homem.

Após se apresentar o debate travado entre a racionalidade econômica e a

15
“O holismo oferece outra visão de mundo, diferente daquele que a ciência tradicional apresenta, baseada na
falsa crença de que a natureza deve ser fragmentada para ser mais bem compreendida. Para resolução dos
problemas, a visão de integridade não se satisfaz com as respostas prontas, e nem com os caminhos
previamente traçados pela ciência tradicional” (FAGUNDES, 2000, p. 14).
57

racionalidade ambiental, explicitar os diversos conceitos de conflito ambiental, e abordar as


diferentes propostas de ética ambiental que influenciam na construção de um direito do meio
ambiente, segue o referencial teórico, no capítulo seguinte, com a exposição da evolução do
perfil institucional do Ministério Público, com o detalhamento da mediação como técnica de
enfrentamento de conflitos ambientais e com a descrição dos instrumentos jurídicos utilizados
pelo Ministério Público na mediação destas disputas.
58

CAPÍTULO 3

O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS


AMBIENTAIS
59

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS AMBIENTAIS

Neste terceiro capítulo, o referencial teórico apresentado passeia pela evolução


institucional que transformou completamente o perfil do Ministério Público, deslocando-o de
sua posição tradicional de órgão estatal responsável pela acusação para se constituir em uma
instituição vocacionada para a mediação de conflitos ambientais. Em seguida, detalha-se um
pouco mais a mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais. O capítulo se
encerra com uma descrição sintética dos instrumentos jurídicos utilizados pelo Ministério
Público na mediação dos conflitos ambientais.

3.1 A evolução institucional do Ministério Público no Brasil: de acusador a mediador de


conflitos

O Ministério Público está presente na história jurídico-institucional brasileira desde o


Brasil-Colônia. Em 7 de março de 1609, foi criada a Relação da Bahia, dispondo o seu
regimento sobre a criação do cargo de procurador dos feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e
promotor da justiça (SAUWEN FILHO, 1999), embora não se pudesse, ainda, falar em uma
instituição, pois havia a centralização do ofício em torno do procurador-geral e se desconhecia
qualquer garantia ou independência (MAZZILLI, 1989). O tratamento institucional do
Ministério Público somente adveio no período republicano, com a edição do Decreto nº 848,
de 11 de outubro de 1890, que tratava da organização da Justiça Federal, especificamente em
seu Capítulo VI, e do Decreto nº 1.030, de 14 de novembro de 1890, que organizava a Justiça
no Distrito Federal. Este último diploma legal, em seu Título III, referia-se de forma expressa
ao Ministério Público como o advogado da lei, o fiscal de sua execução, o procurador dos
interesses gerais do Distrito Federal e o promotor da ação pública contra todas as violações do
direito, requerendo o que fosse a bem da Justiça e dos deveres de humanidade (LYRA, 2001).

Durante todo o período republicano, é nítido o desenvolvimento institucional do


Ministério Público, sua presença passa a ser uma constante nos textos legais e nas
60

Constituições. Em que pese o retrocesso ocorrido na Constituição ditatorial de 1937, que


apenas fazia breves referências à Instituição no título destinado ao Poder Judiciário
(MORAES, 2003), o Ministério Público se fortaleceu no Estado Novo com a edição do
Código de Processo Penal de 1941, quando lhe foi conferido o poder de requisição de
inquérito policial e diligências investigatórias, passando a ser regra sua titularidade na
promoção da ação penal, somando-se a sua função de promover e fiscalizar a execução da lei,
que lhe fora atribuída pelo Código de Processo Civil de 1939 (MAZZILLI, 1989).

Nesse período, o Ministério Público acumulava as funções de promotor da ação penal


“órgão de acusação”, fiscal da lei em determinados processos judiciais e a representação
judicial da União, que era atribuição constitucional dos Procuradores da República, podendo a
lei atribuir tal encargos aos Promotores de Justiça nas comarcas do interior (MORAES, 2003).
O Ministério Público, até então, não possuía autonomia funcional, financeira e administrativa,
tampouco se falava em independência funcional, o que importava na possibilidade de
interferência do Poder Executivo no desempenho das funções ministeriais. Os problemas
decorrentes da vinculação do Ministério Público ao Poder Executivo, entretanto, já eram
percebido pelos membros da Instituição, que buscavam se mobilizar para a proposição de
mudanças legislativas.

No I Congresso Interamericano do Ministério Público, realizado em 1954, na cidade


de São Paulo, proclamou-se, de forma unânime, que a autonomia e a independência do
Ministério Público, quando aja como representante da sociedade, constituem uma aspiração
dos povos livres, em defesa da legalidade, e são uma garantia democrática para os cidadãos
(ZENKNER, 2006). Esse movimento interno clamando por mudanças institucionais ampliou-
se ao longo do final dos anos 70 e início dos anos 80, quando foram realizadas diversas
conferências nacionais do Ministério Público, nas quais eram expostas o desejo de que a
Instituição representasse o interesse público, da sociedade, em detrimento das funções de
representação judicial do Estado, não considerada como uma verdadeira vocação institucional
(ROS, 2009).

A mobilização institucional e os humores políticos da época confluíram na direção de


um grande avanço institucional, a edição da Lei Complementar nº 40/81, que estabeleceu
normas gerais para a organização do Ministério Público, conferindo-lhe um estatuto dotado de
amplas prerrogativas e garantias (MAZZILLI, 1989). Para Ros (2009), o ano de 1981 pode ser
61

identificado como o início do processo que levaria o Ministério Público brasileiro a exercer a
função de representar os interesses públicos e difusos, aliada à função tradicional de
promoção da ação penal.

Neste mesmo ano de 1981, entrou em vigência a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente, Lei nº 6.938/1981, normativo que, pela primeira vez, conferiu ao Ministério
Público um instrumento processual – ação de responsabilidade civil e criminal16 – a ser
utilizado na defesa do meio ambiente, ou seja, na defesa de um interesse propriamente
público, não confundido com o interesse do Estado (ROS, 2009). Para Benjamin (2001), a Lei
nº 6.938/1981 incluiu o Ministério Público no centro da problemática ambiental ao lhe
conferir legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados a meio ambiente. Atribuiu-se à Instituição “a base legal clara de que carecia para
melhor agir, em particular na esfera cível” (BENJAMIN, 2001, p. 392).

Outro avanço sensível nas funções institucionais conferidas ao Ministério Público


ocorreu com a edição da Lei da Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/1985, que disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Além de regular a
ação civil pública, a Lei nº 7.347/1985 incorporou a defesa de outros interesses como objeto
desse instrumento processual à disposição do Ministério Público. A referida lei também
previu a possibilidade da instauração de inquérito civil pelo Ministério Público com o
objetivo de realizar diligências para fundamentar a propositura de ação civil pública17.

Com a edição da Lei nº 7.347/1985, o Ministério Público brasileiro, que


originariamente atuava como o braço do poder estatal na punição de crimes (agindo na
garantia do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, no exercício do
monopólio da ação penal e na defesa do devido processo legal), passou a ter atribuição para

16
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
17
Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e
informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer
organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual
não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
62

defender interesses coletivos e difusos, atuando como verdadeiro advogado da sociedade, ao


lado das demais entidades co-legitimadas (como as associações civis ou organizações não
governamentais). (FRISCHEISEN, 2000)

Entretanto, é somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que o


Ministério Público brasileiro adquire o perfil que possui atualmente, sendo que o seu
crescimento institucional sequer pode ser comparado ao de outros países, ainda que de
semelhante tradição cultural (MAZZILLI, 1989).

A Constituição Federal de 1988 alçou o Ministério Público à categoria de instituição


permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis18. Além da
tradicional missão de promover a ação penal pública; incumbiu-se ao Ministério Público,
dentre outras funções, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
promover a ação de inconstitucionalidade; defender judicialmente os direitos e interesses das
populações indígenas19.

Não é por outra razão que Macedo Júnior (1997) afirma que o Promotor de Justiça
passou a ser definido como um órgão agente em favor dos interesses sociais, uma espécie de

18
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
19
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos
Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e
documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo
anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos
jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe
vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
63

ombudsman não eleito da sociedade brasileira. O Ministério Público evoluiu da condição de


órgão de representação judicial dos interesses do Estado e promotor da ação penal perante o
Poder Judiciário para o patamar de instituição independente, inserindo-se na democracia
brasileira como um novo ator político. Sua missão atual é a defesa da sociedade – não mais a
defesa do governo – em seus interesses mais caros: a democracia, a ordem jurídica, os
interesses sociais e individuais indisponíveis, o patrimônio público e social, o meio ambiente
e os demais interesses difusos e coletivos.

De forma a se afastar qualquer liame de subordinação ou dependência orgânico-


institucional, fortalecendo-se o novo perfil delineado para o Ministério Público, a
Constituição Federal de 1988 vedou-lhe o exercício da representação judicial e da consultoria
jurídica de entidades públicas e mais, conferiu-lhe autonomia funcional, administrativa e
financeira20, de forma que aparecesse juridicamente desvinculado dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Para Pertence, citado por Moraes (2003), o Ministério Público
desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Estado e dos atos de
governo, está agora cercado de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo
desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática,
dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania.

Os membros do Ministério Público, por sua vez, passaram a gozar de uma série de
garantias para que os seus integrantes desempenhassem seu mister sem a interferência de
pressões externas e até mesmo de eventual ingerência interna. Após dois anos no exercício do
cargo, o promotor de Justiça ou o Procurador da República não pode perder o cargo, salvo
decisão definitiva em processo judicial, somente pode ser removido de seu local de atuação ou
de suas funções com a sua anuência, ou mediante decisão da maioria do Conselho Superior do
Ministério Público, presente motivo de interesse público, e é remunerado através de subsídio
fixo e irredutível21.

Como não podia deixar de ser, a Constituição Federal de 1988 também impôs aos
membros do Ministério Público um rol de vedações com o intuito de minimizar a ocorrência
de conflitos de interesses individuais quando do exercício das suas funções institucionais.
Assim, não podem receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens

20
Artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal.
21
Artigo 128, §5º, inciso I, alíneas “a” a “c”, da Constituição Federal.
64

ou custas processuais; exercer a advocacia; participar de sociedade comercial, na forma da lei;


exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério; exercer atividade político-partidária; receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as
exceções previstas em lei22.

A execução das importantes funções confiadas ao Ministério Público foi repartida pela
Constituição Federal de 1988 entre dois ramos distintos, em consonância ao pacto federativo
vigente. Ao Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o
Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, coube a tutela de direitos e interesses relacionados, de alguma forma,
aos bens e às competências materiais da União23. A atribuição dos Ministérios Públicos dos
Estados, por sua vez, é residual, cabendo-lhe a defesa dos direitos e interesses não tutelados
pelo Ministério Público da União.

Na sequência da evolução legislativa, a Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de


Defesa do Consumidor, além de melhor detalhar os conceitos de direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos, introduziu a possibilidade dos entes legitimados a ajuizar a ação
civil pública [entre eles o Ministério Público] colherem dos interessados o compromisso de
ajustarem sua conduta à ordem jurídica, com força de título executivo extrajudicial. A
importância deste instrumento decorre do fato de viabilizar ao Ministério Público a solução de
um conflito de interesse sem a necessidade de submissão ao Poder Judiciário, evitando-se o
tempo e o custo de um processo judicial, e conferindo maior ênfase no caráter preventivo e
pedagógico da intervenção ministerial. (GHERSEL, 2003).

A afirmação institucional do Ministério Público continua no ano de 1993 com a edição


da Lei nº 8.625, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre
normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, e a edição da Lei
Complementar nº 75, que dispôs sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério
Público da União. Ambos os normativos trataram da estruturação interna do Ministério
Público, criando órgãos de revisão e coordenação; regulamentaram as disposições
constitucionais referentes à Instituição, tais como princípios, garantias, deveres, funções; e

22
Artigo 128, §5º, inciso II, alíneas “a” a “f”, da Constituição Federal.
23
Artigos 20 e 21 da Constituição Federal.
65

especificaram o alcance de alguns dos seus instrumentos de atuação, a exemplo da requisição,


da recomendação etc.

Esse processo histórico importou não somente na ampliação das funções institucionais
do Ministério Público, mas seu posicionamento na ordem jurídico-constitucional como um
novo e importante ator político na democracia brasileira. Das funções que tradicionalmente
exercia, poucas se perderam ao longo do tempo, limitando-se as baixas àquelas funções
incompatíveis com o novo perfil que se afirmava, a exemplo da representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas. Houve, sim, um enorme crescimento institucional,
que passou de órgão de acusação para se tornar uma instituição voltada para a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, sejam coletivos ou difusos, e
individuais indisponíveis. Nas palavras de Ros (2009, p. 32), “do j'accuse à retórica da defesa
do interesse público”.

Ros (2009) ressalta que os grupos cuja titularidade de proteção jurisdicional pertence
ao Ministério Público são tipicamente grupos detentores do que se poderia chamar de direitos
especiais, isto é, grupos cujas situações envolvem o reconhecimento pelos outros indivíduos
da necessidade de tratamento diferenciado. A defesa jurisdicional dos interesses de portadores
de deficiência, de crianças, de adolescentes, de idosos e de minorias étnicas seriam exemplos
claros dessa tendência. Pamplona Filho (2005) destaca também a atuação do Ministério
Público como mediador de conflitos direitos trabalhistas.

Na busca de apresentar um retrato histórico resumido da evolução institucional do


Ministério Público, Arantes (2000, p. 19) registra que:

A história de reconstrução institucional do Ministério Público brasileiro é


uma história de sucesso. Em menso de vinte anos, a instituição conseguiu
passar de mero apêndice do Poder Executivo para a condição de órgão
independente e, nesse processo que alterou sua estrutura, funções e
privilégios, o Ministério Público também abandonou seu papel de advogado
dos interesses do estado para arvorar-se em defensor público da sociedade.

Assim, ao lado das antigas funções penais e civis, o Ministério Público brasileiro
66

passou a exercer uma gama extensa de novas atribuições, fruto das inovações legislativas
advindas nos anos 80. O Ministério Público foi autorizado a ajuizar ações de natureza cível na
defesa dos chamados interesses difusos e coletivos, tais como o meio ambiente e a proteção
dos consumidores. A Constituição Federal de 1988 confirmou o Ministério Público nessas
atribuições e o erigiu numa espécie de ombudsman encarregado dos interesses coletivos em
geral. Essa atuação de ombudsman situa-se num contexto mais político, uma vez que não
possui o poder de mudar as decisões administrativas, intervir diretamente na realidade dos
fatos, mas de criticá-la, deflagrando com isso os processos capazes de acarretar as mudanças
desejáveis. Sua eficácia depende de muitos fatores, entre os quais a independência, a
credibilidade, o acesso às informações governamentais, a capacidade técnica. De fato, uma
das mais proeminentes características da instituição é sua aparente efetividade apesar de um
mínimo de capacidade coercitiva (FONTES, P., 2006).

Sobre a nova importância política dessa antiga Instituição, Macedo Júnior (1993)
escreve:

O desempenho das novas atribuições não tardou a gerar um impacto político


direto na atuação do Ministério Público. Por um lado, o Ministério Público
assumia definitivamente uma atuação marcadamente política em relação a
suas atribuições tradicionais. A sua atividade criminal não se alterara
substancialmente a não ser pelo fato de que a partir de então, o Procurador-
Geral de Justiça a quem compete processar criminalmente as maiores
autoridades políticas como prefeitos, secretários de Estado, governadores e
magistrados, passava a ter uma grau de independência bastante maior para o
exercício de seu dever. Entretanto, na esfera cível sua atuação assumira
função e natureza completamente diversas. O resultado de sua atuação
deixava de ser sentido apenas para as partes de um processo envolvendo
interesses individuais, como em regra ocorria na maioria dos casos em que
atuava como custos legis, passava a ser sentido diretamente pela sociedade.
Por meio dos inúmeros inquéritos civis e ações civis públicas passava-se a
questionar uma série de práticas de extrema relevância envolvendo grandes
interesses econômicos de grupos privados e também do próprio Estado. A
atuação ministerial passava a afetar diretamente uma série de políticas
públicas e direitos sociais. A repercussão disto foi sendo sentida de maneira
crescente, sendo certo que notícias sobre a ação do Ministério Público que
eram bastante raras 10 anos atrás passaram a ser rotineiras nos principais
meios de comunicação social. A tal ponto que hoje é praticamente
impossível abrir algum dos principais jornais de São Paulo sem nele
encontrar ao menos uma notícia sobre a atuação do Parquet. Em períodos
eleitorais, frequentemente, na vida política democrática brasileira, a presença
da ação do Ministério Público na mídia tende a aumentar em face do
frequente envolvimento dos atores políticos com as investigações do Parquet
(MACEDO JUNIOR, 1993, p. 109-110).
67

O crescimento institucional do Ministério Público, como sói ocorrer, não passou alheio
a criticas. Embora os críticos reconheçam que o Ministério Público tem sido o agente mais
importante da defesa de direitos coletivos, censura-se a existência de fortes traços de
voluntarismo político na atuação de parte dos seus integrantes, que se dedicariam
enfaticamente “à sua transformação em instrumento de luta pela construção da cidadania”
(ARANTES, 1999, p. 84), sob a justificativa de uma suposta hipossuficiência da sociedade
civil em lutar por seus direitos. Essa a atuação política do Ministério Público seria nociva
tanto por dificultar iniciativas emancipadoras por parte da sociedade civil, quanto por
comprometer, em médio e longo prazo, a própria autonomia institucional (ARANTES, 2000;
ROS, 2009).

Em sentido oposto, alguns autores louvam a nova configuração institucional do


Ministério Público e advogam a existência de um potencial transformador da realidade social
a partir da sua atuação institucional, que seria legitimada pelas denúncias e representações que
lhe são encaminhadas. É dessa interação sociedade civil com o Ministério Público que
emergiriam as possibilidades de transformação social (VIANNA & BURGOS, 2002; ROS,
2009).

Uma outra análise que se faz do novo perfil institucional do Ministério Público, essa
mais próxima da atual realidade da Instituição, caracteriza-o como um mediador entre vários
setores da sociedade civil e do Estado, sendo capaz de promover a mediação e coordenação
entre órgãos públicos, grupos de interesses diversos e movimentos sociais sem se tornar,
contudo, insensível a eles, devido a sua posição estratégica na arquitetura institucional
(MACIEL & KOERNER, 2002; ROS, 2009).

Os órgãos públicos muitas vezes dirigem-se ao MP para acionar outros


órgãos públicos (na Promotoria de Cidadania este é o caso de mais da
metade das ações civis públicas). Este perfil dos autores também foi
encontrado em nossa própria pesquisa empírica sobre a atuação do MP em
conflitos ambientais no Estado de SP (Maciel, 2002). Isso reforça a hipótese
de que o MP tem desempenhado o papel de coordenação e mediação entre as
diversas agências estatais, valendo-se de maneira significativa de
instrumentos extrajudiciais na resolução de disputas. Esses resultados
colocam em questão a tese do substitucionismo da sociedade civil operado
pelo MP, defendida por Arantes. Os autores rejeitam também as críticas de
68

que o MP estaria substituindo o Poder Judiciário, ao usar seus poderes


extrajudiciais para resolver conflitos coletivos. Para os autores, a ação do
MP faz como parte da constituição de um complexo sistema de
complementaridade e interdependência entre os poderes do Estado, a mídia,
a cidadania organizada e os indivíduos. Assim,“... mais do que transferência,
prevalece o compartilhamento de responsabilidades entre os diferentes atores
envolvidos...". A solução dos conflitos coletivos tem demandado “a
construção de redes institucionais que abarcam, além do MP e entidades
sociais, o próprio poder público”. O MP não substituiria o Judiciário, mas
funcionaria muitas vezes “como uma instância que agrega esforços, visando
construir uma base institucional para o cumprimento do direito”. O MP
atuaria preventivamente, “o que lhe confere um papel complementar e não
concorrente em relação ao Poder Judiciário” (id., p. 444). O MP teria
também o papel de superar problemas de coordenação entre esferas da
administração pública. […] Aparece aqui a figura do MP mais como um
agente de mediação entre agentes sociais e poderes políticos do que um
agente de judicialização, que provoca a intervenção de um poder externo e
supostamente despolitizado a fim de solucionar de forma tutelar os conflitos.
Poder-se-ia considerá-lo um mediador institucionalizado que dispõe de
legitimidade jurídica e recursos organizacionais para a proposição de ações
judiciais. Mas esta não é sua característica específica, pois outros agentes
(fiscais) do Executivo podem fazê-lo. Em comparação com estes, o MP
dispõe de menos recursos, pois não tem meios imediatos e efetivos de ação
para obter a aquiescência e punir aqueles aos quais visa a sua ação (como
poder de determinar ações emitir multas e fechar estabelecimentos).
(MACIEL & KOERNER, 2002, p. 126-127)

Frischeisen (2000) destaca que o papel do Ministério Público como órgão de mediação
cresce na medida em que a sociedade civil lhe reconhece como uma instituição independente
e autônoma que, por estar legitimada pela Constituição Federal, pode negociar em patamar de
igualdade com o Poder Público e com entes privados, bem como atuar frente ao Poder
Judiciário ultrapassando os obstáculos existentes, como custas, honorários advocatícios,
preparo técnico, etc, o que muito dificilmente ocorreria com a sociedade civil organizada, em
especial, aquelas dedicadas à defesa dos direitos sociais.

A percepção do Ministério Público como um importante ator na mediação de conflitos


é compartilhada por Débora Maciel (2002), para quem a posição ocupada no sistema de
Justiça, aliada às suas novas atribuições, têm constituído o Ministério Público em um espaço
estratégico na construção e resolução de conflitos, devido à autonomia dos membros de
transformar conflitos sociais em litígios judiciais ou de impor acordos. Sobre a atividade de
mediação do Ministério Público, Geisa Rodrigues (2006) relata que:
69

O Ministério Público sempre gozou de um certo reconhecimento nas


comunidades interioranas, o que de há muito o legitimava para a mediação
de conflitos de natureza individual. Ainda que não seja a sua atribuição
tutelar direitos individuais24 é até certo ponto comum que nas comarcas
menores o Ministério Público também ature como um terceiro imparcial que
pode contribuir para a solução dos dissídios individuais entre partes capazes,
versando sobre direitos disponíveis. O instrumento de transação referendado
pelo Ministério Público tem, inclusive, eficácia executiva. […] O Ministério
Público também tem funcionado como mediador em conflitos
transindividuais, como no caso da desocupação de prédios públicos por
integrantes do “movimento dos sem-terra”, na libertação de reféns mantidos
em áreas indígenas e em ouras situações em que a intervenção do Ministério
Público é necessariamente no sentido de mediar o conflito, promovendo o
diálogo entre as partes envolvidas na contenda para se chegar a uma solução
negociada, quase sempre a mais adequada para essas situações-limite. A
habilidade de mediação está sendo aos poucos adquirida, mas o fato de ser
eleita como mediadora representa um reconhecimento do valor da Instituição
pelas partes do conflito (RODRIGUES, G., 2006, p. 95).

Todo esse processo histórico, que importou em uma radical mudança de perfil
jurídico-institucional, convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio
ambiente ganhasse importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque
na mediação de conflitos ambientais e na promoção da justiça ambiental. Neste mesmo
sentido, destacando o perfil do Ministério Público como órgão mediador de conflitos
ambientais, os trabalhos de Débora Maciel (2002), Débora Maciel & Andrei Koerner (2002),
Agripa Alexandre (2004), Chélen Lemos (2005), Geisa Mio et. al. (2005), José Luiz Soares
(2005), Maria Eugênia Totti et. al. (2007), Luciano da Ros (2009), Pablo Barreto (2011a).

3.2 A mediação como técnica de enfrentamento de conflitos ambientais pelo Ministério


Público

Todos os grupamentos sociais organizados procuram diluir os conflitos, canalizá-los


dentro de formas previsíveis, submetê-los a regras precisas e explícitas, contê-los e, às vezes,
direcionar o seu potencial de mudança para um sentido preestabelecido (BOBBIO, 1998). Isso
acontece porque, se é certo que o conflito é uma das formas de interação, o seu acirramento e
descontrole contribuem para o esgarçamento do tecido social e a erosão das condições

24
Leia-se direitos individuais disponíveis.
70

ambientais, essa última consequência em se tratando de conflito ambiental.

Não se trata, entretanto, de resolver o conflito no sentido de eliminá-lo do meio social,


porquanto impossível e indesejável. Os conflitos são processos sociais que podem evoluir ou
involuir. As soluções podem ser dadas apenas aos problemas que surgem dos conflitos. Além
disso, somente há como tratar e controlar a fase pública, externa do conflito: a disputa
(SUARES, 2005).

Os conflitos ambientais, portanto, não devem ser negados ou desprezados, mas


compreendidos, regulados e mediados. A integridade do meio ambiente demanda o
estabelecimento de princípios e regras ambientais explícitos, que respeitem a alteridade e
sejam compatíveis com mecanismos de contenção e composição de conflitos, de forma a
evitar a sua autofagia e a autodestruição, ou seja, é imprescindível a afirmação de um direito
ambiental a servir de baliza para a mediação de conflitos ambientais.

A gestão de conflitos, sejam individuais ou transindividuais, como são os conflitos


ambientais, impõe ao Estado o uso de duas técnicas correlatas e independentes, a regulação ou
normatização de condutas [regulation] e a implementação legal [enforcement], que visa a
assegurar o respeito, obediência, o cumprimento da lei [compliance]. “O Estado legisla e
organiza um sistema de implementação em reação a um dos fenômenos mais evidentes e
desafiantes do nosso século, o conflito ambiental” (BENJAMIN, 2003, p. 340).

Grinover et. al. (1997) ressaltam que a tarefa da ordem jurídica é justamente a
harmonização das relações sociais, estando direcionada para ensejar a máxima realização de
valores humanos25 com o minimo de sacrifício e desgaste. Destacam, ainda, que o direito
exerce uma função ordenadora na sociedade, promovendo a “coordenação dos interesses que
se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os
conflitos que se verificarem entre os seus membros” (GRINOVER et. al., 1997, p. 19) . Para
Moura Junior (2010), a função essencial do direito seria mediar as complexas relações
humanas e sua atuação social, inclusive sobre os recursos naturais, tanto para organizar as
pessoas e estabelecer responsabilidades claramente definidas, como para firmar referenciais
limite, para serem utilizados quanto for necessário solucionar conflitos de uso dos recursos
entre os indivíduos e as estruturas sociais. Sob outra perspectiva, Bello Filho (2004) aponta

25
Isso dentro de um enfoque evidentemente antropocêntrico.
71

que o direito é um instrumento de libertação, de emancipação e de defesa da sociedade contra


a era do risco. É forma e instrumento de construção de uma política do ambiente que conduz à
uma sociedade do bem-estar ambiental coletivo.

O direito é uma criação cultural que tem como pretensão regular a conduta humana, ou
seja, é uma forma de controle social, um autocontrole. Atualmente, não se pode restringir sua
finalidade a servir como um instrumento de dominação de uma classe social sobre outra. O
direito também possui um caráter libertário e emancipador, desde que seja construído a partir
de uma técnica discursiva e procedimental, dentro de uma lógica democrática e multicultural
(BELLO FILHO, 2004).

Assim o é que o direito ambiental busca estabelecer limites ético-jurídicos para a ação
humana sobre os demais elementos da natureza, que servirão como balizas para o
enfrentamento dos conflitos ambientais que afloram a cada dia. Seu intento não é apresentar
soluções previamente definidas para tais embates, mas esquadrinhar os contornos mínimos de
um processo discursivo de composição [autocomposição ou heterocomposição] com vista a
promover a proteção de todas as formas de vida e o ecossistema como um todo. Deste modo,
é mais realista falar em tratamento ou enfrentamento de conflitos ambientais do que em
resolução dos mesmos.

A existência do direito regulador da ação humana não é, porém, suficiente para manter
sob controle os conflitos que podem surgir em suas relações. Assim, o direito também deve se
preocupar com os meios de conferir efetividade a essas normas, com os instrumentos
necessários para o enfrentamento dos conflitos.

Os conflitos se caracterizam por situações em que um indivíduo ou um grupo não


consegue satisfazer um determinado interesse seja porque aquele que poderia satisfazer a
pretensão não o faz, seja porque o próprio direito, por uma questão ética, proíbe a satisfação
da pretensão (GRINOVER et. al.,1997).

Assim, é que se afirma ser o conflito ambiental constituído por duas importantes
dimensões, uma social, representada pela disputa entre grupos humanos acerca da forma de
apropriação material e simbólica dos elementos naturais26; e outra ecológica, representada

26
A constatação da desigualdade ambiental, tanto em relação à proteção desigual quanto ao acesso desigual,
72

pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza, decorrente de uma ação antrópica que
causa um dano ou incrementa um risco para o ecossistema como um todo e para os elementos
que o integram.

Grinover et. al. (1997) sustentam que a eliminação dos conflitos que ocorrem na vida
em sociedade pode se dar através de obra de um ou de ambas as partes envolvidas no conflito,
ou por ato de terceiro. Na primeira categoria se enquadrariam a autocomposição, pela qual um
dos sujeitos do conflito, ou todos eles, consentem no sacrifício total ou parcial do interesse em
disputa, estando aqui incluídas a desistência ou renúncia, a submissão e a transação; e a
autotutela, quando a pacificação é alcançada através do sacrifício do interesse alheio,
normalmente com o uso da força27. Na segunda categoria, figurariam a mediação, o processo
e a defesa de terceiro.

Adotando um entendimento semelhante, Samira Soares (2008) distingue as formas de


se lidar com os conflitos em técnicas de autotutela, autocomposição, de heterocomposição. A
primeira importaria na imposição da vontade de umas das partes que compõe a relação
conflituosa às demais, através da utilização de suas próprias forças, sem a intervenção de um
terceiro, normalmente com o emprego de violência ou coação. A autocomposição ocorreria
quando as próprias partes equalizam a disputa existente, sem a utilização de meios
coercitivos, a exemplo da negociação, mediação e conciliação. Na heterocomposição, um
terceiro estranho ao conflito impõe um comportamento a ser adotado pelas partes como sendo
a solução justa, aqui figuram o exercício da atividade jurisdicional e a arbitragem.

Little (2001), por sua vez, agrupa o tratamento dos conflitos em cinco tipos básicos:
confrontação; repressão; manipulação política; negociação/mediação; e diálogo/cooperação.
Destaca, ainda, que nem sempre se pode concluir que os tipos menos conflituosos podem ser a
forma mais adequada de tratamento no caso concreto. Schellemberg (1996) também destaca
cinco formas de se abordar os conflitos: fuga; submissão; reforma gradual; confronto violento
e confronto não violento.

indica que está em jogo não somente a sustentabilidade do meio ambiente, mas as próprias formas de
apropriação, uso e mau uso da natureza. É nesse sentido que os mecanismos de produção da desigualdade
ambiental se assemelham muito aos mecanismos que produzem a desigualdade social. Ao revés do discurso
da escassez, que pressupõe uma distribuição homogênea das partes do meio ambiente, o discurso que clama
por justiça ambiental denuncia o caráter fortemente desigual da apropriação do meio ambiente e dos recursos
naturais (ACSELRAD et. al., 2009).
27
Advirta-se que paz sem voz, não é paz, é medo! (YUKA, 2000)
73

A abordagem institucional dos conflitos ambientais, nas palavras de Mio et. al. (2005),
pode ocorrer de duas formas diferentes, a tradicional realizada pelo Poder Judiciário, uma
forma de heterocomposição, e a alternativa, “realizada pelo Ministério Público com base na
construção do consenso” (MIO et. al., 2005, p. 93). Cabe destacar, entretanto, que esta última
forma de se lidar com um conflito ambiental, a autocomposição, não tem o Ministério Público
como mediador e negociador exclusivo, uma vez que a Instituição figura apenas como um dos
possíveis interlocutores entre as partes envolvidas na disputa ambiental, ainda que possua
destaque inegável dada a sua configuração institucional. Da mesma forma, necessário
ressaltar que a finalidade a ser buscada é a equalização do conflito, observando-se o devido
respeito à alteridade, tendo em vista a impossibilidade de se alcançar a uniformidade de ideias
e ações dos seres humanos e, portanto, uma resolução definitiva para o conflito ambiental.

Mio et. al. (2005) traçam um interessante quadro comparativo entre as duas
abordagens, indicando como as principais características da tradicional o desencorajamento, o
sofrimento, a morosidade, os custos elevados, a grande resistência na resolução do conflito,
ausência de antecipação ao dano e ineficiência comprovada. Em relação à abordagem
alternativa, destaca o comprometimento, a conscientização, a agilidade, os custos menos
elevados, a pequena resistência na resolução de conflitos, a possibilidade de antecipação ao
dano e eficiência comprovada.

Azevedo (2006) afirma que o crescimento da utilização de métodos alternativos de


resolução de conflitos se deve a dois fatores: de um lado cresce a percepção de que o Estado
tem falhado no tratamento de conflitos, devido à sobrecarga dos tribunais, aos altos custos e
ao excesso de formalismo; do outro, a percepção de que a efetividade do tratamento de
conflitos pode ser melhorada com as oportunidades de usar mais processos construtivos, que
conservam e fortalecem os vínculos entre as partes. Uma das formas de se realizar processos
construtivos é através da autocomposição, que permite ir além dos direitos tutelados
juridicamente e pode lidar com os interesses e necessidades das partes em conflito.

As soluções extrajudiciais de conflitos, segundo Gavronski (2010), tanto podem


privilegiar a autocomposição, em que as próprias partes encontram a solução de sua
controvérsia, como depender de um terceiro imparcial diverso do juiz. A primeira pode se dar
por desistência, submissão ou negociação. Um exemplo claro para a segunda espécie é a
arbitragem. A mediação estaria situada entre ambos os modelos, uma vez que o mediador –
74

um terceiro estranho ao conflito – tem como missão estimular as partes à sua autocomposição.

Além de representar um alívio para o afogamento do Poder Judiciário, economizando


tempo e recursos públicos, a mediação aumenta a criatividade das soluções, aumenta o
protagonismo das partes e sua responsabilidade. Quando se chega a entabular um acordo, sua
durabilidade é grande e ainda serve como parâmetro de atuação em conflitos futuros, um
importante resultado indireto da mediação. Dentro do processo de mediação de conflitos é
possível lidar com as diferenças de forma não binária, como ocorre no Poder Judiciário,
criando-se laços entre os polos do conflito, e abrindo-se a possibilidade do reconhecimento da
alteridade e do co-protagonismo no tratamento da relação conflituosa (SOARES, S., 2008).

Os mecanismos processuais de controle dos conflitos não mais exerçam o papel de


absorver as tensões, dirimir conflitos, administrar disputas e neutralizar a violência. Ao revés,
em muitas hipóteses, a intervenção do Poder Judiciário acirra ainda mais as divergências
(ALVES, 2006). Para Gravonski (2006), o Poder Judiciário ainda se mostra refratário à tutela
jurisdicional coletiva e à nova posição que a sociedade espera dele em um mundo com
crescentes demandas sociais, o que motiva a atuação extrajudicial do Ministério Público.

A crescente atuação extrajudicial do Ministério Público na defesa do meio ambiente


decorre não somente do conservadorismo jurídico com o qual a matéria, via de regra, é tratada
pelo Poder Judiciário – não logrando a mesma sorte que a judicialização da defesa de outros
direitos fundamentais, a exemplo do direito à saúde – mas também da necessidade que a tutela
ambiental possui de obter uma solução urgente, sob pena da ocorrência de danos irreversíveis
(BARRETO, 2011a).

Como bem assevera Totti et. al. (2007), a prevenção do dano ambiental deve preceder
a remediação deste ou a eventual sanção penal do poluidor, por consequência, o Ministério
Público deve atuar também como agente conscientizador na tentativa de evitar o dano
ambiental. Nasce aí a figura do Ministério Público como mediador entre agentes sociais e
poderes políticos, perfil percebido por Maciel & Koerner (2002), por Lemos (2005) e por Da
Ros (2009).

A priorização dessa atuação extrajudicial do Ministério Público tem sido reconhecida


em diversas pesquisas empíricas que foram realizadas no Brasil nos últimos anos. Tem-se
percebido que diante do rol de instrumentos jurídicos postos à disposição do Ministério
75

Público pela Constituição Federal de 1988 e diante da sua própria configuração institucional,
sobrelevam vantagens em se evitar a judicialização das politicas públicas, preferindo-se que a
Instituição atue na mediação do conflito ambiental. (BARRETO, 2011a).

Ao analisar os resultados de uma pesquisa realizada sobre a judicialização da política e


das relações sociais no Brasil, Werneck Vianna et al. (1999) afirma que o Ministério Público
tem evitado judicializar os conflitos relacionados aos direitos de cidadania preferindo
direcionar esforços para a construção de acordos políticos na arena dos inquéritos civis. Na
mesma linha, José Luiz Soares (2005) sustenta a morosidade na produção de sentenças por
parte do Poder Judiciário tem feito com que os membros do Ministério Público prefiram a
mediar soluções para os problemas de caráter ambiental através de procedimentos
extrajudiciais, a se destacar o termo de ajuste de conduta.

A atuação do Ministério Público na defesa do direito à água através da mediação é


destacada por Barreto (2011a):

O Ministério Público atua na defesa do direito fundamental à água, velando


para que os valores ecológicos, social, cultural, econômico e espiritual desse
elemento da natureza sejam respeitados de forma equânime, de forma a
impedir que a utilização da água para alguma finalidade venha a inviabilizar
ou restringir de forma excessiva o uso para outros fins. Essa atuação,
todavia, não se resume ao papel de protagonista da judicialização de
políticas públicas na busca da concretização do direito à água, através do
ajuizamento de ações civis públicas perante o Poder Judiciário, sendo
destacada e vigorosa a atuação do Ministério Público na indução, articulação
e mediação de políticas públicas ambientais, atuando em todas as suas fases,
desde a formulação, passando pela implementação, até a sua avaliação.
(BARRETO, 2011a, p. 185)

Dentre as diversas vantagens apontadas para a mediação das questões ambientais,


enumera-se o fato de ser um processo informal, permitindo a construção conjunta da solução
pelas pessoas dentro de suas possibilidades; os envolvidos reconhecem suas responsabilidades
quanto aos direitos e deveres ambientais; a busca de uma solução conjunta fortalece as
relações de confiança e credibilidade; a interação entre os envolvidos possibilita desenvolver
e praticar princípios como respeito, solidariedade e cooperação; o diálogo direto entre os
76

envolvidos pode evitar manipulações autoritárias, paternalistas e clientelistas (SOARES, S.


2008).

Um dos principais obstáculos à mediação de conflitos ambientais é o fato de que


muitas vezes as partes envolvidas no conflito emprestam significados diversos para o meio
ambiente, ou para um de seus elementos. Marcela Maciel (2011) cita como exemplo de um
mesmo rio, que para um empreendedor, que pretende construir uma usina hidrelétrica, é um
potencial energético, para uma comunidade ribeirinha um meio de vida, e para uma
comunidade indígena pode representar simbolicamente um deus. A percepção do objeto em
disputa pode ser, assim, muito diversa para cada um dos atores, o que faz com que assumam
configurações diferenciadas, ainda que de forma inconsciente ou implícita, especialmente ao
envolver elementos simbólicos de maior significação social para uma das partes. Para que seja
possível o diálogo, é necessário, assim, que tais percepções sejam consideradas e não
ignoradas, a exemplo das disputas envolvendo as comunidades ribeirinhas e indígenas e os
empreendedores e órgãos públicos, no extensamente noticiado licenciamento ambiental da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no Rio Xingu, Estado do Pará.

Na mediação de conflitos ambientais, quando se busca a implementação da norma


jurídico-ambiental [enforcement]28, a concretização efetiva do direito do meio ambiente, de
forma discursiva e procedimental com as partes envolvidas, é mister uma visão ampla das
circunstâncias históricas e estruturais que envolvem a relação conflituosa. É preciso ter em
conta que determinados grupos sociais estão mais vulneráveis aos riscos ambientais em razão
de possuírem menos recursos financeiros, políticos e informacionais. Enquanto as classes
sociais privilegiadas conseguem, em certa medida, evitar ou reduzir significativamente sua
exposição a certos riscos, os custos ambientais do desenvolvimento recaem de modo
desproporcional sobre a população carente, onerando-a de forma injusta. (SARLET &
FENSTERSEIFER, 2010).

Em face da dinâmica da estratificação socioespacial, a aplicação da lei ambiental pode


implicar em grave prejuízo às camadas pobres, submetidas às externalidades negativas de
atividades consideradas poluidoras, a exemplo da desocupação de área ambientalmente
protegida pela população de baixa renda que ali se alojou à falta de melhores condições de

28
Sobre o papel do Ministério Público na implementação das leis, enforcement, conferir Ferraz & Ferraz
(1997).
77

moradia, ou da criação de unidades de conservação com a respectiva expulsão de populações


tradicionais (MACIEL, D., 2002). Em tais situações, o conflito ambiental estabelecido tem
que ser analisado com cautela, pois o estado de ilegalidade conferido à ocupação do solo
tende a tornar inoperantes outros direitos fundamentais, como o direito à moradia, o direito à
terra, o direito ao trabalho.

A percepção da injustiça na distribuição dos riscos de degradação ambiental e do


acesso desigual ao meio ambiente é um marco conceitual importante na mediação de conflitos
ambientais. Isso porque a desigualdade social e de poder está na raiz da degradação
ambiental: quando poucas pessoas concentram os benefícios de uso do meio ambiente e a
capacidade de transferir os custos ambientais para os mais fracos, o nível geral de pressão
sobre ele não se reduz. Portanto, a proteção do meio ambiente também depende do combate à
desigualdade ambiental. Não se pode enfrentar a crise ambiental sem buscar a justiça social
(ACSELRAD et al., 2009).

3.3 O instrumental jurídico do Ministério Público mediador

Ao Ministério Público foi conferido uma série de instrumentos jurídicos para o bom
desempenho de suas funções institucionais, seja através da provocação do Poder Judiciário,
seja extrajudicialmente. Interessam ao desenvolvimento da presente pesquisa a análise dos
instrumentos utilizados na mediação de conflitos ambientais, ou seja, aqueles pertinentes à
atuação do extrajudicial do Ministério Público.

Podem ser destacados, dentre outros, o inquérito civil, o procedimento administrativo


preparatório, a notificação, a recomendação, a requisição, as audiências públicas e o
compromisso de ajuste de conduta. Esses instrumentos jurídicos podem ser utilizados pelo
Ministério Público no enfrentamento de conflitos ambientais, tanto de forma preventiva ao
dano, quando presente o risco ambiental, quanto depois de ocorrido o dano.

Quando ainda não ocorrido o dano, a utilização do instrumental jurídico do Ministério


Público estará voltado para a sua prevenção, no intuito de eliminar o risco ambiental ou, ao
menos, reduzi-lo ao nível permitido pela legislação ambiental. Presente a degradação
ambiental, o objetivo a ser alcançado é, primeiro, a restauração ecológica, com a
78

recomposição ou recuperação integral do elemento natural lesado. Sendo impossível a


restauração ecológica, deve ser perseguida a compensação ecológica, substituindo-se o bem
ambiental lesado por outro funcionalmente equivalente, de forma que o meio ambiente
permaneça, em seu conjunto, qualitativa e quantitativamente inalterado29.

A relevância da atuação do Ministério Público para a prevenção da degradação das


águas, decorre não só dos inquéritos civis instaurados e das ações civis públicas propostas,
mas dos acordos efetuados, visando ao atendimento da legislação. A simples possibilidade da
sua intervenção costuma inibir muitas atividades poluidoras (POMPEU, 2010).

3.3.1 O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório

O inquérito civil é um procedimento investigatório, instaurado e presidido pelo


Ministério Público, destinado a apurar a ocorrência de fatos que possam autorizar a tutela de
interesses ou direitos relacionados aos interesses cuja proteção seja de sua incumbência,
servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções
institucionais. Será instaurado para apurar fato a cargo do Ministério Público nos termos da
legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às
suas funções institucionais.

O inquérito civil é uma investigação administrativa instaurada, de forma exclusiva,


pelo Ministério Público com a finalidade de colher elementos de convicção para direcionar a
sua atuação institucional. Para Almeida (2001), trata-se de procedimento administrativo
instaurado pelo Ministério Público com o objetivo de colher elementos de convicção que
possibilitem o ajuizamento de ação civil pública ou a assinatura de termos de ajustamento de
conduta.

A possibilidade de instauração do inquérito civil pelo Ministério Público está prevista


na Constituição Federal30, na Lei Orgânica do Ministério Público da União31, na Lei Orgânica

29
O artigo 225 da Constituição Federal estabelece os deveres de defesa e preservação do meio ambiente e
controle do risco, de caráter preventivo, e os deveres de restauração dos processos ecológicos, recuperação do
meio ambiente e reparação dos danos causados.
30
Artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
31
Artigos 6º, inciso VII; 7º, inciso I; 38, inciso I; 84, inciso II; e 150, inciso I, da Lei Complementar nº
79

Nacional do Ministério Público32, e na Lei da Ação Civil Pública33. A sua regulamentação


atual se encontra na Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público nº 23/2007 e na
Resolução Conselho Superior do Ministério Público Federal nº 87/2010. Ambas as resoluções
dispõem que o inquérito civil é um procedimento investigatório instaurado com a finalidade
de apurar fatos que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Ministério
Público, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções
institucionais34.

O inquérito civil constitui procedimento administrativo exclusivo do Ministério


Público Federal ou do Ministério Público Estadual. Os demais entes legitimados a propor
ação civil pública podem colher informações e provas, mas não através de um inquérito civil
(MACHADO, 2009).

Inicialmente pensado apenas como um meio eficaz para o Ministério Público colher as
informações necessárias para a instrução da ação civil pública, com a possibilidade de
celebração de compromisso de ajustamento de conduta, com a edição do Código de Defesa do
Consumidor, o inquérito civil passou a ser o veículo de formalização da mediação de
conflitos. Via de regra, é dentro do inquérito civil que o Ministério Público celebra
compromissos de ajuste de conduta, realiza audiências públicas, expede recomendações e
encaminha requisições.

A prévia instauração de inquérito civil, entretanto, não é obrigatória para o Ministério


Público desempenhar suas funções institucionais. Ao se deparar com fato que possa se
caracterizar em violação potencial ou efetiva a algum direito ou interesse que lhe caiba zelar,
o Ministério Público pode, desde logo, promover a ação cabível, expedir recomendação,
celebrar compromisso de ajustamento de conduta ou determinar a abertura de procedimento
administrativo preparatório. Esse último deverá ser concluído no prazo de 90 dias,
prorrogável uma única vez por mais 90 dias. Caso não haja uma solução para os fatos que
motivaram a sua instauração dentro desse prazo, o procedimento deverá ser convertido em
inquérito civil35.

75/1993.
32
Artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/1993.
33
Artigo 8º, §1º, da Lei nº 7.347/1985.
34
Artigo 1º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 1º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
35
Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 4º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
80

Salvo as restrições relativas ao tempo máximo de tramitação e quanto à exigência de


publicação da portaria de instauração em Diário Oficial, todas as disposições referentes ao
inquérito civil são aplicáveis ao procedimento administrativo preparatório36. Assim, o
membro do Ministério Público que conduz a investigação poderá expedir notificações,
recomendações, requisições, celebrar compromisso de ajustamento de conduta e ajuizar ação
civil pública a partir do procedimento administrativo preparatório.

A instauração do inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório pode


decorrer de ato do próprio membro do Ministério Público, ou seja, de ofício; em razão de
designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público,
Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos
cabíveis; ou em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou
comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade37.

A possibilidade de qualquer pessoa provocar a instauração de inquérito civil o


transforma em um verdadeiro instrumento de cidadania. Geisa Rodrigues (2006) esclarece
que:

A instauração do inquérito pode ocorrer a partir de representação de qualquer


pessoa, de associação, de pessoa jurídica de direito público ou de direito
privado, ou de ofício. A participação da sociedade tem sido relevante na
provocação dos inquéritos civis, sendo considerada uma verdadeira forma de
participação política mais ampla, mesmo porque não é necessário o status de
eleitor para que se possa deflagrar a investigação (RODRIGUES, G., 2006,
p. 87).

Moreira Neto (1992), nesta mesma direção, sustenta que a provocação do inquérito
civil é um instituto de participação administrativa aberto às pessoas físicas e jurídicas, visando
à legalidade e à legitimidade da ação administrativa, formalmente estabelecido, com o objeto
de submeter à apreciação do Ministério Público provas ou indícios de violações de interesses
difusos.
36
“Não importa o nome que se dê à investigação, se dossiê, peças de informação - PA, representação,
procedimento administrativo ou inquérito civil, existem sempre os mesmos poderes, as mesmas limitações e
a mesma necessidade de controle por parte de órgãos superiores da Instituição” (RODRIGUES, G., 2006, p.
86-87).
37
Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 2º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
81

A instauração de inquérito civil ou procedimento administrativo preparatório,


relacionado com questões ambientais, em decorrência de representação ou requerimento do
cidadão, além de representar uma forma de participação política, indica a existência de algum
grau de conflito ambiental (SOARES, J. L., 2006; TOTTI et. al., 2007).

O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório podem ser instaurados,


por exemplo, para investigar as causas mediatas e imediatas de um conflito ambiental,
inclusive, com o acompanhamento e monitoramento do planejamento de políticas públicas
ambientais. Esse monitoramento prévio feito pelo Ministério Público, muitas vezes, já induz
que as partes envolvidas adotem condutas consentâneas com as normas ambientais.

Como registra Frischeisen (2000), a própria instauração de inquérito civil ou de


procedimento administrativo correlato, muitas vezes, mostra-se suficiente para o
enfrentamento do conflito, sem que haja a necessidade do ajuizamento de ação civil pública.

Por outro lado, no Inquérito Civil Público ou procedimentos correlatos


podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias pares envolvidas,
que não necessariamente poderão ser acionadas em uma ação civil pública,
ou que nesse procedimento gerariam inúmeras contestações, sem que uma
sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias de vários
entes públicos envolvidos em um a política pública. É ainda na esfera do
Inquérito Civil Público que poderão ser negociadas mudanças em
procedimentos da administração, que não são necessariamente ilegais, mas
demonstram ser ineficazes para o alcance de seus objetivos. O Ministério
Público funciona, então, como órgão mediador e indutor de mudanças
(FRISCHEISEN, 2000, p. 134-135).

Compartilhando o mesmo entendimento, Gavronski (2010) esclarece que o inquérito


civil pode contribuir para a efetividade da tutela coletiva de duas formas, a primeira, inibindo,
só com a sua instauração, a prática, a reiteração ou a continuidade da conduta ilícita,quando
essa é tão flagrante que a sua explicitação pelo Ministério Público é o bastante para que os
responsáveis, cientes da atuação ministerial, adotem as medidas necessárias para cessar a
prática objeto da investigação; a segunda, permitindo a construção de um consenso com o
responsável pela lesão ou ameaça a direitos e interesses coletivos, direcionado à proteção
adequada dos mesmos.
82

Assim, muitas vezes a própria instauração do inquérito civil aborta a possibilidade do


conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera
pública. A par disso, o adequado manejo do inquérito civil evita a propositura de ações
temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação do Poder Judiciário, porquanto
importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo podem ser adotadas
durante sua tramitação (RODRIGUES, G., 2006).

Ao final de seu trâmite, o inquérito civil e os procedimentos preparatórios podem ter


dois destinos, o ajuizamento de ação civil pública, quando inviabilizada por algum motivo a
composição do conflito, ou o seu arquivamento em razão de se ter alcançado a equalização do
conflito, quando o Ministério Público Federal constata qualquer ausência de violação aos
direitos e interesses em disputa, ou quando a defesa desses não sejam atribuição do Ministério
Público.

Sobre as hipóteses de arquivamento do inquérito civil e do procedimento


administrativo preparatório, Cazzeta (2005) explica que:

O arquivamento poderá decorre da perda do objeto da atuação (pela


composição do dano ambiental, por exemplo), da formação de juízo de valor
quanto à inexistência de ilicitude nos atos investigados ( o que implicaria a
decisão de não propor a ação civil pública) ou da falta de atribuição do
membro do Ministério Público que o instaurou (hipóteses de atribuição
originária de outro órgão do Ministério Público ou da incompetência da
instância perante a qual atue, por exemplo, o reconhecimento de
competência estadual em inquérito civil público instaurado no âmbito do
Ministério Público Federal) ou da inexistência de direito coletivo a ser
tutelado (reconhecimento de que a hipótese constituiria direito individual
disponível não caracterizado como socialmente relevante) (CAZZETA,
2005, p. 351).

O arquivamento do inquérito civil, então, somente deve ocorrer quando não se


vislumbrar a existência de elementos que indiquem a necessidade da adoção de alguma
medida judicial ou extrajudicial, quando não existam outras iniciativas a serem adotadas
(RODRIGUES, G., 2006). Em outras palavras, quando não mais se mostre necessário que o
Ministério Público adote qualquer medida para o enfrentamento do conflito, já estando esse
arrefecido, equalizado.
83

3.3.2 A notificação

A possibilidade do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos de sua


competência está prevista na Constituição Federal de 1988, na Lei Complementar nº 75/1993
e na Lei nº 8.625/199338.

As notificações são expedidas pelo Ministério Público com a finalidade de convocar


pessoas para prestar depoimentos ou esclarecimentos sobre determinada questão, assim como
para dar início ao processo de mediação com a presença dos envolvidos em reuniões, cujo
conteúdo deve ficar registrado em atas ou termos.

Em caso de não comparecimento injustificado, o Ministério Público pode requisitar o


auxílio de força policial para a condução coercitiva, “o que, sem dúvida, constitui um
instrumento poderosíssimo nas mãos do órgão ministerial para desenvolver a atividade
investigatória que lhe está afeta” (ALMEIDA, 2003, p. 365).

A possibilidade de condução coercitiva é um instrumento de grande importância para o


bom desempenho das funções institucionais do Ministério Público à medida que confere
coercitividade às suas convocações. Todavia, deve ser utilizada com cautela e parcimônia nos
processos de mediação, a fim de se evitar a criação de obstáculos intransponíveis à
equalização negociada do conflito.

3.3.3 A requisição

Com a finalidade de instruir os seus procedimentos, o Ministério Público está


autorizado a requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades públicas;
requisitar informações e documentos a entidades privadas; requisitar serviços temporários dos
servidores da Administração Pública e os meios materiais necessários para a realização de
atividades específicas39.

38
Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos I e VII, da Lei Complementar nº 75/1993 e
artigo 26, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8.625/1993.
39
Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos II, III e IV, da Lei Complementar nº
75/1993; artigo 26, incisos I e II, da Lei nº 8.625/1993 e artigo 8º da Lei nº 7.347/1985.
84

Pode o Ministério Público, por exemplo, requisitar aos órgãos ambientais competentes
a realização de fiscalização ou vistoria em uma determinada área onde está ocorrendo o
conflito ambiental, bem como requisitar a realização de perícia e a elaboração de laudos e
notas técnicas, podendo, ainda, requisitar, temporariamente, os serviços dos servidores deste
mesmo órgão ambiental, que passarão a receber orientações diretamente do próprio membro
do Ministério Público.

A requisição encaminhada pelo Ministério Público é uma ordem encaminhada


diretamente a quem pode cumpri-la, sendo que a falta injustificada ou o retardamento
indevido do seu cumprimento implicam na responsabilização de quem lhe der causa, inclusive
na esfera criminal40.

Em termos semelhantes, Mazzili (1999) expressa que as requisições não são pedidos,
requerimentos, mas uma ordem legal para que se entregue, apresente ou forneça algo, motivo
pelo qual o seu desatendimento doloso pode configurar uma infração penal. A criminalização
da recusa, retardamento ou omissão de dados técnicos ao Ministério Público se constitui em
um importante incremento à efetividade do seu poder requisitório (GAVRONSKI, 2010).

3.3.4 A recomendação

A recomendação é um instrumento previsto na Lei Complementar nº 75/1993 e na Lei


nº 8.625/199341. Cabe ao Ministério Público expedir recomendações, visando à melhoria dos
serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e
bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências
cabíveis. As recomendações são correspondências oficiais expedidas pelo Ministério Público
com a finalidade de cientificar alguém [órgão público, empresa ou cidadão] da ocorrência ou
iminência de uma violação às regras jurídicas, orientando o destinatário a corrigir o seu
comportamento.

A recomendação é expedida quando o Ministério Público conclui ser necessário

40
Artigo 8º, §1º, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 10 da Lei nº 7.347/1985..
41
Artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº
8.625/1993.
85

alertar, advertir sobre a inadequação, falha em um serviço público ou de relevância pública,


de forma que possa ser corrigida sem a necessidade de recurso à via judicial. Também pode
ser objeto de recomendação o desrespeito, ainda que potencial, a direito, interesses e bens cuja
proteção seja sua função institucional (ALMEIDA, 2001).

A recomendação não é uma ordem, uma requisição ou uma imposição de


conduta. Tem a natureza jurídica de alerta, advertência, pedido de
providência, indicação de um problema identificado (falhas nos serviços
públicos ou desrespeito a direitos do cidadão, p. ex.), com sugestão dos
meios para a respectiva correção. Já que não é ordem, não está a autoridade
destinatária obrigada a cumpri-la, mas deverá decidir assumindo as
responsabilidades legais, divulgando a recomendação e oferecendo resposta
por escrito sobre aquilo que foi proposto. Desse modo, a autoridade
explicitará as razões políticas ou jurídicas de sua decisão, o que fornecerá ao
Parquet elementos para submeter a questão ao Poder Judiciário, se for o caso
(ALMEIDA, 2001, p. 144).

Machado (2009) exemplifica que o Ministério Público pode expedir recomendação


para a elaboração de estudo de impacto ambiental ou para a sua reformulação, para a
realização ou adequação de horário, local ou forma de divulgação de audiência pública, para a
não emissão de licença ambiental. O Ministério Público também pode expedir recomendação
com o intuito de dar ciência aos potenciais infratores do direito ambiental sobre o modo
adequado a se portar diante da situação conflituosa, de modo a evitar a ocorrência do dano
ambiental.

A legislação brasileira não limita quem pode ser destinatário de recomendação,


expedidas pelo Ministério Público. Além dos entes públicos ou prestadores de serviços
relevância pública, particulares ser destinatários de recomendações ministeriais (GHERSEL,
2003; GAVRONSKI, 2010).
86

[...] podendo a recomendação versar sobre qualquer direito ou interesse sob a


tutela do Ministério Público, é intuitivo que as violações podem ser
provocadas por particulares, havendo a possibilidade de que a eles seja
dirigida a recomendação. […] Não há vedação a que se dirija recomendação,
por exemplo, ao executor de obra ou atividade particular, a respeito de
providências que devam ser adotadas para evitar lesões ambientais, ou a
cessação da atividade de forma permanente ou até que seja obtida licença
ambiental. (GHERSEL, 2003, p. 80-81).

Embora não seja uma ordem, é inegável a força moral e política ínsita às
recomendações (MAZZILI, 1999). As recomendações não possuem a mesma força coercitiva
das decisões judiciais, mas colocam o recomendado em posição de inegável ciência da
violação ao direito em curso (MACHADO, 2009). Para Geisa Rodrigues (2006), “a
recomendação não obriga o recomendado a cumprir os seus termos, mas serve como
advertência a respeito das sanções cabíveis pela sua inobservância”.

Esse é o efeito produzido quando, por exemplo, o Ministério Público expede


recomendação à autoridade competente para que conduza o licenciamento ambiental
respeitando os parâmetros legais aplicáveis ao caso concreto, em razão de fundada suspeita da
possibilidade de sua concessão irregular (GOMES, 2003).

3.3.5 A audiência pública

As audiências públicas são assembleias convocadas e presididas pelo Ministério


Público, com a participação de autoridades, representantes de entidades civis e interessados
em geral, com o objetivo de promover a discussão de temas de interesse da coletividade
(ALMEIDA, 2001).

A sua realização é o instrumento mais democrático que o Ministério Público dispõe,


uma vez que busca obter os elementos necessários à sua atuação institucional através do
diálogo direto com os interessados. Como bem salientado por Geisa Rodrigues (2006), se para
a solução de um litígio se deve sempre tentar ouvir o indivíduo diretamente interessado, a
mesma lógica deve ser utilizada na solução de conflitos coletivos, viabilizando-se que este
público tenha ciência e se manifeste sobre as medidas que lhe dizem respeito.
87

No entendimento de Gravonski (2010), as audiências públicas representam:

[…] um importante instrumento de transição de uma democracia


representativa para a participativa, na medida em que integram a população
na solução dos interesses que lhe digam respeito direto, permitindo que o
pluralismo que caracteriza a sociedade contemporânea seja levado em
consideração na tomada das decisões de interesse coletivo e que a solução
construída seja mais adequada à realidade e às necessidades do caso concreto
(GAVRONSKI, 2010, p. 330).

A possibilidade do Ministério Público convocar e presidir audiências públicas está


prevista na Lei nº 8.625/199342 e está regulamentada na Resolução CSMPF nº 87/2006 da
seguinte forma:

Art. 22 - Os órgãos de execução do Ministério Público, no âmbito do


inquérito civil, poderão realizar audiências públicas, com a finalidade de
defender a obediência, pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância
pública e social, dos direitos e garantias constitucionais.
§ 1° - As audiências serão precedidas da expedição de edital de convocação,
a que se dará publicidade, bem como de convites, nos quais constarão:
I - a data e o local da reunião;
II - o objetivo;
III - a disciplina e a agenda da audiência.
§ 2° - Poderá ser disponibilizado material para consulta dos interessados na
participação da audiência.
§ 3º - Da audiência será lavrada ata, a que se dará publicidade.

Almeida (2001) adverte que não se trata de assembleia popular para decidir o que o
Ministério Público deve fazer, mas um mecanismo para auxiliar na formação da convicção
ministerial. É um instrumento de participação da cidadania no processo decisório da melhor
forma de gestão dos interesses públicos e, assim, de grande valia para o regime democrático.

Quando se tratar de audiência pública relacionada à questão ambiental, o local de


realização não deve distanciar-se da área onde o conflito está estabelecido, de forma a

42
Artigo 27, IV, da Lei nº 8.625/1993.
88

viabilizar a presença do maior número de interessados diretamente no tratamento do conflito


(GRAVRONSKI, 2010).

É um dos principais instrumentos para a construção de um entendimento mínimo entre


as partes em conflito que possa desembocar na sua equalização. Como nenhuma outra técnica,
presta-se “a mobilizar a integração de um grande número de interessados diretos na
construção de soluções que assegurem efetividade dos direitos e interesses coletivos em
sintonia com as necessidades da respectiva realidade” (GRAVRONSKI, 2010, p. 339).

3.3.6 O compromisso de ajustamento de conduta

O compromisso de ajustamento de conduta ou termo de ajustamento de conduta [TAC]


não estava previsto no texto original da Lei da Ação Civil Pública, sendo incorporado ao
ordenamento jurídico brasileiro a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor43.

Através dele, os órgãos públicos legitimados a propor a ação civil pública podem
colher dos interessados o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais,
estabelecendo uma série de cominações em caso de descumprimento, que podem ser
executadas diretamente perante o Poder Judiciário, pois o TAC se constitui em um título
executivo extrajudicial.

Para Gavronski (2010), o compromisso de ajustamento de conduta alia todas as


vantagens relacionadas à informalidade e ao consenso, com a eficácia de um título executivo,
ou seja, com possibilidade de execução judicial das obrigações pactuadas, tanto as principais,
quanto as sanções previstas no corpo do TAC para o caso de descumprimento.

43
O artigo 113 da Lei 8.078/1990 acrescentou o parágrafo sexto ao artigo 5º da Lei nº 7.347/1985, com a
seguinte redação: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial”.
89

Embora não seja um instrumento privativo do Ministério Público, o compromisso de


ajustamento de conduta é uma das ferramentas mais importantes para a atuação da Instituição
na mediação de conflitos. Atualmente, compromissos de ajustamento de conduta são firmados
em larga escala pelo Ministério Público com o intuito de proteger os direitos e interesses cuja
defesa lhe fora confiada. Sua regulamentação no âmbito do Ministério Público está
disciplinada na Resolução CNMP nº 23/200744 e na Resolução CSMPF nº 87/200645.

Gavronski (2010) ressalta que a regulamentação do Conselho Nacional do Ministério


Público explicitou, de forma acertada, que a compensação ou a indenização somente podem
ser pactuadas quando inviável a recuperação dos bens e direitos lesados, harmonizando o
instrumento aos princípios que informa a tutela coletiva, centrada na tutela específica.

O Ministério Público pode, então, firmar compromisso para o ajustamento de conduta


às exigências legais ou normativas, visando à prevenção do ilícito ou a reparação do dano,
seja através recuperação ou restauração, seja através da compensação ou indenização. Dessa
forma, busca alcançar uma solução negociada para os problemas decorrentes de um conflito
transindividual, seja ambiental ou de qualquer outra espécie.

Ao revés da transação regulamentada pelo direito civil, onde se negocia o conteúdo do


direito [disponível], os interesses e direitos negociados em um compromisso de ajustamento
de conduta são indisponíveis, não havendo a possibilidade do Ministério Público – ou
qualquer outro ente legitimado – dispor desses direitos, porquanto são indisponíveis. O objeto
da negociação limita-se às condições para a adequação da conduta à ordem jurídica, a
exemplo do modo, lugar e do tempo necessários para o ajustamento. Neste mesmo sentido, os
trabalhos de José Rubens Morato Leite (2003), Hugo Nigro Mazzili (2003), Geisa Assis
Rodrigues (2006) e Alexandre Amaral Gavronski (2010).

Os limites do compromisso de ajustamento de conduta, ínsitos à natureza dos direitos


envolvidos na negociação, são assim delineados por Mazzili (2003):

44
O artigo 14 da Resolução CNMP nº 23/2007 dispõe que “ O Ministério Público poderá firmar compromisso
de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses
ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta
às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam
ser recuperados”.
45
O artigo 20 da Resolução CSMPF nº 87/2006 estabelece que “O órgão do Ministério Público poderá tomar,
em qualquer fase da investigação ou no curso da ação judicial, compromisso do interessado quanto ao
ajustamento de sua conduta às exigências legais, impondo-lhe o cumprimento das obrigações necessárias à
reparação do dano ou prevenção do ilícito”.
90

[…] não podem os órgãos públicos legitimados dispensar direitos ou


obrigações, nem renunciar a direitos, mas devem limitar-se a tomar , do
causador do dano, uma obrigação de fazer ou não fazer (ou seja, a obrigação
de que este torne sua conduta adequada às exigências da lei). Podem tais
compromissos conter obrigações pecuniárias, mas, dados os contornos que a
lei lhes deu, não serão estas o objeto principal do compromisso, mas sim
devem ter o caráter de sanção, para o caso de descumprimento da obrigação
de comportamento assumida. (MAZZILI, 2003, p. 573).

Machado (2009) adverte que o Ministério Público não pode fazer concessões diante de
interesses sociais e individuais indisponíveis. Dispor ou renunciar às obrigações legais é
inadmissível ao Ministério Público, devendo o conteúdo do compromisso firmado com o
interessado restringir-se às condições de cumprimento das obrigações [modo, tempo, lugar,
etc.] e às penalidades para o caso de descumprimento.

Ainda, assim, é ampla a possibilidade de negociação em um compromisso de


ajustamento de conduta. O Ministério Público pode se valer deste instrumento para enfrentar
o conflito, tanto de forma preventiva ao dano, quando visualizado a existência de um risco
não permitido pela ordem jurídica, quanto de forma repressiva, com vista à reparação do
dano.

A relevância do compromisso de ajustamento de conduta para o tratamento de


conflitos ambientais é reconhecida por Samira Soares (2008), ao destacar que o histórico de
sua utilização tem demonstrado a eficácia da negociação e dos acordos para a proteção efetiva
do meio ambiente. Através dele o Ministério Público tem alcançado seu objetivo de tutelar o
meio ambiente sem precisar recorrer ao Poder judiciário, o que economiza tempo, recursos
públicos, desgaste emocional e evita a degradação intermitente.

Tratando-se de compromisso de ajustamento de conduta que tenha por objeto conflitos


ambientais, o Ministério Público deve conferir ênfase à prevenção do dano e à minimização
do risco a limites toleráveis pelo direito ambiental. Quando não seja possível faticamente uma
negociação voltada para a prevenção e para a precaução, deve se buscar a restauração dos
processos ecológicos degradados, e, por fim, sendo esta inviável, as atenções devem ser
direcionadas para a compensação ambiental.
91

Ao fim deste capítulo, concluiu-se a exposição da evolução do perfil institucional do


Ministério Público, o detalhamento da mediação como técnica de enfrentamento de conflitos
ambientais e a descrição dos instrumentos jurídicos utilizados pelo Ministério Público no
enfrentamento destas disputas. No capítulo que se segue será apresentado o referencial teórico
acerca do direito à água, abordar-se-á a criação do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos e será exposta a literatura científica a respeito dos conflitos ambientais
recorrentes no baixo São Francisco.
92

CAPÍTULO 4

O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE


GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS E OS
CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO
93

4. O DIREITO À ÁGUA, O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE


RECURSOS HÍDRICOS E OS CONFLITOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO

Neste capítulo que se inicia, apresenta-se referencial teórico que trata sobre o direito à
água, uma das múltiplas dimensões do direito do meio ambiente, construído historicamente
como um reflexo dos direitos à vida, à saúde e consequência direta do princípio da dignidade
da pessoa humana. Aborda-se, também, a institucionalização de um Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado com a finalidade de arbitrar os conflitos
relacionados ao uso e à apropriação das águas no Brasil. Por fim, registra-se a literatura
científica que analisa o conteúdo, as causas e as consequências dos conflitos ambientais
existentes no baixo São Francisco.

4.1 O direito à água e suas múltiplas faces

O meio ambiente é uma rede complexa de interações e conexões entre os elementos


bióticos [o ser humano incluído] e abióticos que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas. Sua compreensão pode abranger tanto o todo unitário, indivisível, incorpóreo e
imaterial, quanto os elementos que integram essa totalidade, o ar, a água, o solo, o ser
humano, etc.

Em sentido próximo, mas dentro de uma ótica antropocêntrica46, Leite et. al. (2004)
denominam de macrobem esse todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial, e de
microbem cada um dos elementos da natureza que compõem o macrobem. O meio ambiente
seria entendido, então, como uma categoria difusa, de natureza pública e imaterial, não se
confundindo com os bens ambientais, que são partes integrantes do meio ambiente
(BENATTI, 2005).

46
Nas palavras do próprio autor, um antropocentrismo alargado (LEITE et. al., 2004).
94

Sob qualquer uma dessas perspectivas, ecocentrismo ou antropocentrismo alargado47,


é certo que a proteção conferida ao meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro abrange
a sua dimensão macro, relacional, imaterial e a sua dimensão micro, elementar, corpórea. Ou
seja, o direito ambiental brasileiro protege as interações, conexões e os processos relacionais
per se, bem como tutela os seus elementos constitutivos, o ar, o homem, a água, o solo, a
fauna, a flora, etc.

Levando em conta a diversidade das dimensões macro e micro do meio ambiente, a


Constituição Federal de 1988 distingue o meio ambiente, bem jurídico de uso comum do
povo, um bem difuso de titularidade coletiva48 (POMPEU, 2011; LEITE et. al., 2004), da
água, um bem do domínio público de titularidade da União ou dos Estados49 (POMPEU,
2011, MACHADO, 2010), estabelecendo distintas formas de dominialidade, de titularidade
do bem jurídico protegido constitucionalmente.

A água é a substância constituinte fundamental da matéria viva e do meio ambiente


que a condiciona. Suas propriedades determinam a natureza terrestre (FACHIN & SILVA,
2011). Qualquer forma de vida depende de água para a sua existência, sobrevivência e
desenvolvimento. A água nutre as colheitas e florestas, mantém a biodiversidade e os ciclos
no planeta. Onde não há água não há vida (TUNDISI, 2005). A água é um elemento
indispensável a toda e qualquer forma de vida. Sem a água é impossível a vida (ANTUNES,
2001). Em suma, a presença de água define a existência ou não de vida em um ambiente.

A denominação Terra para o nosso planeta é claramente equívoca. Mais


adequado seria se o seu nome fosse Água. Assim é porque da superfície
global da Terra , mais de 2/3 pertencem aos oceanos. É, também, nos
oceanos que se localizam mais de 94% de toda a água existente no planeta. A
qualidade tanto da água doce como da água salina estão fortemente
ameaçadas. O problema da escassez e da qualidade das águas, em
determinadas regiões do mundo, é simplesmente alarmante (ANTUNES,
2001, p. 411).
47
Benjamin (2010) utiliza a expressão antropocentrismo mitigado.
48
O artigo 225 da Constituição Federal dispõe que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.
49
O artigo 20, inciso III, da Constituição Federal dispõe ser bem da União os lagos, rios e quaisquer correntes
de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países,
ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, enquanto o seu artigo 26, inciso I, estabelece ser
bem dos Estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste
caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.
95

Água e recursos hídricos são conceitos distintos, cada um representando uma das
possíveis percepções acerca do elemento natural, a primeira lhe conferindo valor intrínseco e
a segunda valor utilitário. O conceito de recurso é cultural e histórico. É o resultado do
reconhecimento da potencialidade econômica da natureza pela sociedade. O que hoje é um
recurso, ontem não era, e amanhã alguns não serão mais utilizados no processo produtivo em
virtude do progresso tecnológico (SACHS, 2009). Os elementos naturais somente se tornam
recursos quando um grupo social define-os como tal, atribuindo-lhes um uso específico, o
econômico (LITTLE, 2001). Os recursos naturais “são elementos da natureza a que o homem
atribui determinado valor ou confere determinada utilidade, objeto de apropriação humana”
(LEUZINGER, 2005, p. 246).

Então, é de todo conveniente distinguir de forma clara o significado das expressões


água e recurso hídrico. Água é o elemento natural, descomprometido com qualquer uso ou
utilização. Já o termo recurso hídrico representa a água como bem econômico, passível de
utilização no sistema produtivo (POMPEU, 2006; 2011).

Em sentido idêntico, Rebouças (2006), defende que o termo água refere-se, regra
geral, ao elemento natural, desvinculado de qualquer uso ou utilização, enquanto a expressão
recurso hídrico é a consideração da água como bem econômico, passível de utilização com tal
fim. Ressalta, ainda, que nem toda água da Terra é, necessariamente, recurso hídrico, na
medida em que seu uso ou utilização pode ser inviável economicamente. Fachin & Silva
(2011) também diferenciam ambas as expressões, sustentando que a água é o elemento
formador da paisagem natural, do qual o homem dos tempos remotos usufruía, em pequena
monta, apenas para subsistência. Recurso hídrico refere-se ao mesmo líquido destinado a usos
diversos, porém, em quantidade significativa.

A distinção conceitual entre água e recurso hídrico não é mero capricho acadêmico. É
importante ter em conta que, no Brasil, atribui-se à água enquanto elemento da natureza
essencial à vida um tratamento jurídico distinto daquele conferido à água enquanto bem
dotado de valor econômico (recurso hídrico), sendo certo que este regramento jurídico
diferenciado enseja grande repercussão nas relações socioeconômicas. Atenta a esta distinção,
a Constituição Federal de 1988 utiliza os dois conceitos de forma adequada, reservando ao
96

termo recurso hídrico o seu sentido próprio, de bem econômico que pode ser objeto de
aproveitamento e exploração no sistema produtivo, reservando ao vocábulo água o significado
de elemento da natureza (BARRETO, 2011b).

Atualmente convivem no ordenamento jurídico brasileiro o Código de Águas, que


disciplina o elemento líquido mesmo quando não há aproveitamento econômico ou utilitário,
como são os casos de uso para as primeiras necessidades da vida, da obrigatoriedade dos
prédios inferiores receberem as águas que correm naturalmente dos superiores, das águas
pluviais, etc. (POMPEU, 2006), e a Lei nº 9.433/1997, que institui a Política Nacional de
Recursos Hídricos, que disciplina as formas de apropriação e exploração econômica da água
para os seus múltiplos usos.

A água, encarada como elemento da natureza, é “vida para as pessoas e para o planeta”
e a “água doce é, por si só, o elemento mais precioso da vida na Terra”, sendo essencial para a
satisfação das necessidades humanas básicas, para a saúde, a produção de alimentos, a energia
e a manutenção dos ecossistemas regionais e mundiais (CASTRO & SCARIOT, 2005). Como
bem expressado por Marchesan (2005), a água é o bem mais precioso do milênio,
constituindo um bem de valor essencial à vida, à produção, à preservação dos processos
biológicos, geológicos e químicos que garantem o equilíbrio dos ecossistemas, sem
mencionar o seu valor cultural enquanto associado à paisagem e cultos religiosos, bem como a
sua crescente utilização como elemento de atividades turísticas e recreativas.

Petrella (2002) recorda que o acesso à água não é uma questão de escolha, todos
precisam dela. O próprio fato de que a água não pode ser substituída por qualquer outro
elemento, faz dela um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial
de regulamentação, legitimação e valorização, ela se enquadra nos princípios de
funcionamento da sociedade como um todo, sendo precisamente aquilo que se chama um bem
social, um bem comum, básico a qualquer comunidade humana.

A essencialidade da água para a existência de todas as formas de vida implica no


necessário reconhecimento de um direito fundamental à água. A afirmação de tal direito
ocorre dentro de um processo histórico marcado pela crise da escassez. A necessidade de se
assegurar o acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente é o móvel da afirmação
histórica do direito água.
97

Ayala (2010) retrata o desenvolvimento de uma “nova cultura da água”, um processo


histórico que implica em uma radical modificação na própria natureza jurídica da água,
importando no reconhecimento da existência de um direito fundamental à água. Direito que
somente pode ser concretizado mediante a cooperação solidária e intergeracional entre os
Estados e a sociedade e que tem como beneficiários as presentes e futuras gerações.

O direito fundamental à água é um direito de significado múltiplo, porque expressa


uma diversidade de valores, envolvendo aspectos ambientais, econômicos, proteção da vida,
da saúde, de condições básicas de dignidade, do acesso aos recursos naturais e até mesmo a
proteção ao patrimônio cultural (AYALA, 2010). Isso se deve ao fato de que a água é um
elemento da natureza essencial para a existência de todas as as formas de vida, possuindo
múltiplos valores. A percepção destes valores não é uma circunstância dada, mas decorrente
do processo histórico-cultural no qual está inserido a sociedade, podendo falar-se em valor
ecológico, social, cultural, econômico e espiritual. Atualmente, entretanto, transparece uma
sobreposição do valor econômico da água sobre os demais, sendo, inclusive, comum tanto no
meio técnico como no meio acadêmico a utilização equivocada do termo recurso hídrico
como sinônimo de água.

O direito à água se fundamenta sob duas perspectivas que se superpõem. Pela


primeira, ecocêntrica, o reconhecimento do direito água impõe-se em razão da
imprescindibilidade desse elemento natural para a viabilidade e a sanidade do ecossistema
como um todo, suas interações e conexões. Pela segunda, de caráter antropocêntrico, o direito
à água se afirma em razão da absoluta dependência que a existência da vida humana, sua
saúde e dignidade, tem com a presença de água em quantidade e qualidade suficientes.
Afirma-se, portanto que o direito ao acesso à água em quantidade e qualidade adequadas
possui fundamento axiológico tanto nos direitos fundamentais à vida, à saúde e no próprio
sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, quanto no direito fundamental ao meio
ambiente (BARRETO, 2011b).

Neste mesmo sentido, Irigaray (2003) pontua que o direito à água é um direito
fundamental na medida em que decorre do direito à vida e do necessário respeito à dignidade
da pessoa humana. Isso porque não existe vida sem água e o acesso à água em quantidade e
qualidade suficientes para o atendimento das necessidades humanas é um dos requisitos
essenciais para uma vida digna. Decorre, também, do direito à saúde, porquanto a falta de
98

saneamento básico é fator determinante para o aumento da mortalidade infantil, atingindo


sobretudo as crianças das camadas sociais mais pobres. A par disso, é reflexo do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental reconhecido expressamente
no artigo 225 da Constituição Federal, uma vez que a água é um elemento vital indispensável
para a sanidade do equilíbrio ecológico do meio ambiente.

Viegas (2008) destaca a inserção do direito à água no direito ao meio ambiente


qualificado – direito de terceira geração, embora também seja um direito de primeira geração,
pois sem água potável em volume suficiente não se concebe direitos primordiais como a vida
e a liberdade, e seja um direito de segunda geração, sem a água de qualidade não há saúde,
assistência social, educação, trabalho. Cabe ressaltar, com Pessoa & Rocha (2009), que
atualmente a doutrina enfatiza que qualquer direito fundamental contém, ao mesmo tempo,
componentes de obrigações positivas e negativas para o Estado e que a diferenciação
tradicional entre os direitos da primeira e os da segunda geração seria meramente gradual,
mas não substancial, uma vez que muitos dos direitos fundamentais tradicionais seriam
reinterpretados como sociais, perdendo sentido, assim, as distinções rígidas.

Viegas (2008) também realça que a dignidade da vida humana está intrinsecamente
ligada à disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes à satisfação das
necessidades básicas dos seres vivos, e o direito à vida está enquadrado no sistema jurídico
brasileiro como um direito fundamental. Afirma, ainda, que o fornecimento de água potável
em quantidade suficiente é uma necessidade para a garantia de que as pessoas gozem uma
vida compatível com a dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil expresso no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Conclui o seu pensamento,
apontando que, em razão do acesso à água ter estreita sintonia com direitos fundamentais
como a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana, assume inegável contorno também de
direito fundamental, que reside no direito de utilização de água em quantidade e qualidade
adequadas.

Para Irigaray (2003), o direito à água enquanto direito fundamental é inalienável e


irrenunciável, e o exercício da cidadania ensejará, ao longo do tempo, uma ampliação desse
direito, tornando-o incompatível com a gestão meramente econômica da água. Acrescenta,
ainda, não ser possível a concretização da democracia sem a implementação dos direitos
fundamentais. Aqui se destaca a ocorrência de uma evidente e crescente conflituosidade entre
99

a percepção da água enquanto valor ecológico, social, cultural e espiritual – motivo pelo qual
juridicamente se reconhece um direito fundamental à água – e a sua percepção apenas como
um bem econômico.

Atentas à complexidade que envolve as questões relacionadas à água, Goldenstein &


Salvador (2005) revelam que os problemas relativos à gestão da água espelham algumas
questões mais amplas e complexas de cada sociedade, não tendo origem apenas nas definições
hidrológicas, ecológicas ou da engenharia. Espelham os conflitos de interesses, os jogos e a
dinâmica de forças políticas e econômicas, bem como a própria legitimidade dos governos e
das instituições diante das populações por elas governadas.

A preocupação com os conflitos relacionados ao acesso e o uso das águas se avulta ao


se tomar conhecimento dos dados trazidos no Relatório de Desenvolvimento Humano de
2006, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, onde se afirma que uma em
cada cinco pessoas residentes em países em desenvolvimento – cerca de 1,1 bilhão de pessoas
– não tem acesso a água potável. Estimativas sugerem que, em 25 anos, aproximadamente 5,5
bilhões de pessoas estarão vivendo em locais de moderada ou considerável falta d'água
(VIEGAS, 2008).

É preciso levar em conta a falsidade da aparente percepção da abundância da água


doce na Terra. Apesar do planeta Terra ser composto por 2/3 de água, somente 3% está
disponível como água doce, sendo que, desses 3%, cerca de 75% estão congelados nas calotas
polares e cerca de 10% estão reservados em aquíferos. Ou seja, apenas 15% dos 3% de água
doce do planeta estão disponíveis. Pior, o suprimento global de água tem-se reduzido com o
aumento da população e dos usos múltiplos e com a perda dos mecanismos de retenção de
água, tais como a remoção de áreas alagadas, desmatamento, perda de volume por
sedimentação de lagos e represas (TUNDISI, 2005).

O principal problema em relação à utilização da água é que o volume de água doce


disponível é fixo (TUNDISI, 2005), embora se perceba um contínuo crescimento da
população mundial e, consequentemente, do consumo de água. Ressalte-se, todavia, que a
questão não pode ser limitada apenas ao aumento da população, devendo ampliar sua visão
para compreender a forma e a intensidade com que as sociedades apropriam-se da água como
um recurso econômico ao longo do tempo com a finalidade de reproduzir um determinado
100

modelo de desenvolvimento.

Os usos da água geram conflitos em razão de sua multiplicidade e finalidades diversas,


as quais demandam quantidades e qualidades diferentes (TUNDISI, 2005). A utilização da
água como um recurso para atender às demandas industriais, agrícolas, à expansão urbana e
ao crescimento da população e para sustentar o próprio desenvolvimento do modelo
econômico vigente está relacionada diretamente com a sua escassez, quantitativa e qualitativa.

O modelo de desenvolvimento vigente privilegia o crescimento econômico e,


consequentemente, a utilização da água como recurso destinado a alimentar o sistema
produtivo. Todavia, há limites físicos e jurídicos para a apropriação da água como recurso
econômico. Sabe-se que o volume de água doce disponível é fixo, embora haja uma crescente
demanda pela sua utilização, especialmente para o uso agrícola, que se apropria de
aproximadamente 70% desta disponibilidade (CLARKE & KING, 2005). De outro lado, os
limites jurídicos ao crescimento estão presentes no necessário respeito ao meio ambiente,
direito fundamental cuja responsabilidade pela defesa e preservação compete ao Poder
Público e à coletividade, conforme disposto no artigo 225 da Constituição Federal.

A compreensão da problemática relacionada à água e, consequentemente, à mediação


dos conflitos relacionados ao acesso das pessoas a este elemento natural, exige a superação do
paradigma econômico-científico vigente e a adoção de uma racionalidade complexa, que
perceba a questão ambiental como um problema eminentemente social, gerado por um
conjunto de processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais e culturais, e que internalize a
necessidade de se analisar os conflitos sociais e as relações de poder que se plasmam e se
manifestam em torno de estratégias de apropriação social da natureza. A degradação
entrópica, a concentração de poder e a desigualdade social geradas pela racionalidade
econômica somente podem ser superadas através de uma nova racionalidade, capaz de
integrar os valores da diversidade cultural, os potenciais da natureza, a equidade e a
democracia como valores que sustentam a convivência social e como princípios de uma nova
racionalidade produtiva, em sintonia com os propósitos da sustentabilidade (LEFF, 2006).

Atualmente, o tratamento jurídico conferido à água no Brasil aproxima-se da


racionalidade ambiental proposta por Leff (2006). A Constituição Federal de 1988 adotou a
sustentabilidade como critério normativo orientador da ordem econômica do país e a equidade
101

intergeracional como critério ético nas relações homem/natureza (AYALA, 2004). Para
Bodnar (2009):

Nos termos em que o meio ambiente foi positivado na Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988, o atendimento pleno deste dever
fundamental incumbe principalmente ao Poder Público e deve ser
materializado por intermédio de um conjunto de políticas públicas, previstas
principalmente no artigo 225, § 1º. Dentre as principais políticas públicas
ambientais merecem especial destaque: a educação ambiental; a prevenção a
danos, inclusive futuros; a criação e gestão de espaços territoriais
especialmente protegidos, dentre outras.

Os princípios constitucionais e os direitos fundamentais relacionados ao meio


ambiente ecologicamente equilibrado possuem densidade normativa suficiente para a sua
concretização independentemente da superveniência de interposição legislativa. No artigo
225, § 1º, da Constituição Federal há uma extensa lista de tarefas que devem ser cumpridas
pelo Estado. Trata-se de norma de eficácia plena que estabelece um enorme catálogo de
políticas públicas que devem ser implementadas em prol da defesa e proteção do meio
ambiente. Assim, há um mínimo exigível do poder público em termos de implementação de
políticas públicas ambientais (BODNAR, 2009) e oponível a toda e qualquer ação antrópica
que possa ensejar o incremento do risco ou causar um dano ambiental.

A concretização do direito fundamental à água exige um enfoque interdisciplinar do


gestor de recursos hídricos (NACIF, et al., 2003) e também uma visão holística do mediador
de conflitos (SOARES, S., 2008), atenta à complexidade dos interesses envolvidos. É essa
visão ampla, aliada a uma racionalidade ambiental, que supere a racionalidade econômica
atualmente vigente, que devem servir como paradigmas para a concretização do direito
fundamental à água.

4.2 A institucionalização de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos


Hídricos voltado para o arbitramento de conflitos
102

Após cerca quatorze anos de gestação, que envolveram a realização de inúmeros


debates na comunidade científica, na sociedade civil e no Congresso Nacional, nasceu a
Política Nacional de Recursos Hídricos (MUÑOZ, 2000). A Lei nº 9.433/1997 surge com os
objetivos de assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em
padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilizar os recursos hídricos de forma
racional e integrada, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento
sustentável; buscar a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem
natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais50.

A partir de sua própria nomenclatura, percebe-se que a Política Nacional de Recursos


Hídricos tem em mira a regulação da água enquanto recurso econômico, o seu aproveitamento
e a exploração de seus usos múltiplos no sistema produtivo. Não é por outra razão que, logo
em seu artigo primeiro, a PNRH aponta que um de seus fundamentos é a percepção da água
como um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. Todavia, não é um recurso
natural à livre disposição do mercado, pois é considerada um bem público, na esteira do
quanto firmado no texto da Constituição Federal de 1988.

A normatização dos usos econômicos da água pela Política Nacional de Recursos


Hídricos tem como finalidade precípua a regulação de condutas humanas, estabelecendo
balizamentos para o enfrentamento dos conflitos surgidos na apropriação e significação deste
elemento da natureza. É o temor que a diversidade de usos da água gerem embates que se
desdobrem em violência interna ou guerras que motiva o surgimento de políticas públicas,
regras de controle e planejamento (GRANZIERA, 2006).

Uma boa representação do móvel dos conflitos hídricos encontra-se nas palavras de
Ayala (2010), que sintetiza a irracionalidade na exploração do patrimônio comum a partir de
uma única referência semântica, o abuso. Segundo o autor, o abuso se refere a usos não
prioritários, ao desperdício, ao aproveitamento deficitário das capacidades hídricas de água
doce existentes, que é um comportamento ético e juridicamente reprovável, porque importa
em restrições não autorizadas à capacidade de decisão e na limitação das próprias condições
de vida das gerações futuras, subtraindo-lhes o direito de gerir e de decidir acerca de suas
próprias necessidades.

50
Artigo 2º da Lei nº 9.433/1997.
103

Na visão de Lanna (1995), os conflitos hídricos decorrem de falhas nas instâncias de


negociação social, devendo ter um tratamento institucionalizado de forma a evitar que a
conflituosidade chegue aos Tribunais ou se converta em violência. Esta ótica é compartilhada
por Samira Soares (2008):

O discurso dominante sobre a governança da água considera que a melhor


forma para resolver as disputas é evitando os Tribunais, devendo ser rápida,
pacífica e não adversarial. A PNRH acolheu esse discurso dominante em
vários outros aspectos, adotando a descentralização, a participação,
envolvimento e negociação dos diversos usuários e a unidade de festão como
a bacia hidrográfica. E, coerentemente, portanto, prevê a competência legal
para resolver as disputas que por ventura ocorrerem, dentro do próprio
SIGRH [sic], evitando os processos judiciais. A criação de um procedimento
alternativo ao Judiciário e, de preferência não adversarial visa à manutenção
dos vínculos sociais de confiança mútua e facilitar as ações coletivas, que no
caso estão relacionadas à gestão de um dos recursos mais vitais para a
humanidade. Essa opção por compreender os conflitos e tratá-los são
condizentes com a sociedade atual, que convive com dilemas complexos e
necessita de soluções jurídicas eficazes, que tenham repercussão social
prática e rápida. O direito deixa de ser um mero instrumento formal para seu
um agente de transformação social (SOARES, S., 2008, p. 142).

Para a implementação legal [enforcement] da Política Nacional de Recursos Hídricos,


a Lei nº 9.433/1997 criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos com os
objetivos de coordenar a gestão integrada das águas; arbitrar administrativamente os conflitos
relacionados com os recursos hídricos; implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; e
promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos51. Destaque-se a Constituição Federal de
1988 já previa em seu artigo 21, inciso XIX, competir à União a instituição de um sistema
nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de
seu uso.

O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, além de ser uma


estrutura política para debates e deliberação entre os diversos usuários, visa ao arbitramento
administrativo dos conflitos relacionados com os recursos hídricos. Explicitar essa função é
uma novidade no Brasil, que tem por tradição deixar nas mãos do Poder Judiciário a missão
51
Artigo 32 da Lei nº 94.33/1997.
104

de enfrentar os conflitos de toda espécie, inclusive os ambientais. Entretanto, apesar da


novidade, não se tem notícia do uso de qualquer procedimento para decidir conflitos dentro
dos Comitês de Bacia Hidrográfica, devendo, portanto ser feita uma leitura cautelosa da Lei
nº 9.433/1997 (SOARES, S., 2008).

Integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos o Conselho


Nacional de Recursos Hídricos; a Agência Nacional de Águas; os Conselhos de Recursos
Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os Comitês de Bacia Hidrográfica; os órgãos dos
poderes públicos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais cujas competências se
relacionem com a gestão de recursos hídricos; as Agências de Água52.

A arbitragem administrativa dos conflitos relacionados ao uso da água, em primeira


instância, é de competência dos Comitês de Bacia Hidrográfica53, com a possibilidade de
recurso para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos ou para os Conselhos Estaduais de
Recursos Hídricos54, os quais devem levar em conta a necessidade de uma atuação integrada
com a gestão do uso do solo e dos demais elementos naturais, uma vez que a gestão das águas
e a gestão ambientais são atividades inter-relacionadas (LANNA, 2000). O gerenciamento
desses conflitos deve adequar-se, ainda, às diversidades físicas, bióticas, demográficas,
econômicas, sociais e culturais desta região fisiográfica.

A Lei nº9.433/1997 previu como instrumentos para a implementação da Política


Nacional de Recursos Hídricos pelo SINGREH os planos de recursos hídricos; o
enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; a
outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a cobrança pelo uso de recursos hídricos; a
compensação a municípios; e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos55. É através
da utilização instrumental que os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento
de Recursos Hídricos devem enfrentar os conflitos de interesses relacionados aos múltiplos
usos econômicos da água.

Atualmente, o gerenciamento das águas é planejado por bacia hidrográfica, por Estado
e para o País56. A edição da Lei nº 9.433/1997 importou na descentralização da administração

52
Artigo 33 da Lei nº 9.433/1997.
53
Artigo 38, inciso II, da Lei nº 9.433/1997.
54
Artigo 35, inciso IV, da Lei nº 9.433/1997 c/c artigo 38, §1º, da mesma Lei.
55
Artigo 5º da Lei nº 9.433/1997.
56
Artigo 8º da Lei n º 9.433/1997.
105

das águas, seguindo a tendência europeia de resolução dos problemas na bacia hidrográfica, já
que é nela que a maioria dos conflitos surgem (VIEGAS, 2008). A unidade básica de
planejamento e regulação dos usos múltiplos das águas é a bacia hidrográfica. Nos termos da
Lei 9.433/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos57. Tal definição segue o parâmetro firmado na Lei de Política Agrícola58, que já
apontava ser a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento do uso, da conservação e
da recuperação dos recursos naturais.

A bacia hidrográfica é área de drenagem de um curso de água ou de um lago


(LANNA, 1995). Para Tucci (1993), a bacia hidrográfica é uma área de captação natural da
água da precipitação que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu
exutório. A bacia hidrográfica compõe-se de um conjunto de superfícies vertentes e de uma
rede de drenagem formada por cursos de água que confluem até resultar até resultar em um
leito único no seu exutório. A bacia hidrográfica é um sistema físico onde a entrada é o
volume de água precipitado e a saída é o volume de água escoado pelo exutório. O conceito
hidrológico, então, leva em conta as características sistêmicas da bacia hidrográfica,
considerada como elemento fundamental de análise do ciclo hidrológico, em que interagem as
águas pluviais, superficiais e subterrâneas (CALASANS et. al., 2003).

É no âmbito da bacia hidrográfica que os instrumentos da Política Nacional de


Recursos Hídricos serão aplicados, efetivando, com isso, a gestão integrada dos recursos
hídricos (CALASANS et. al., 2003). Assim, por força da sistemática adotada pela Lei nº
9.433/1997, a negociação dos conflitos hídricos se dá, inicialmente, por bacia hidrográfica, na
esfera de competência dos Comitês de Bacia Hidrográfica. Caso as partes envolvidas no
conflito hídrico não se satisfaçam com a resposta arbitrada pelos Comitês de Bacia
Hidrográfica, existe a possibilidade de se submeter essa decisão ao Conselho Nacional de
Recursos Hídricos ou aos Conselhos Estaduais, a depender da vinculação administrativa do
Comitê cuja decisão se recorre59. Machado (2009) ressalta que todos os usos das águas podem
ser questionados, assim como todos os usuários podem ser sujeitos ativos ou passivos perante
os Comitês de Bacia Hidrográfica, que irão arbitrar administrativamente os conflitos hídricos.

57
Artigo 1º, V, da Lei 9.433/1997.
58
Artigo 20 da Lei nº 8.171/1991.
59
O artigo 1º, §2º, da Resolução CNRH nº 5/2000 dispõe que “Os Comitês de Bacia Hidrográfica, cujo curso
de água principal seja de domínio da União, serão vinculados ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos”.
106

Além da missão de enfrentar a conflituosidade relacionada aos usos da água, compete,


ainda, aos Comitês de Bacia Hidrográfica- promover o debate das questões relacionadas a
recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes;aprovar o Plano de
Recursos Hídricos da bacia; acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia
e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; propor ao Conselho
Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações,
captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de
outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; estabelecer
os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem
cobrados; estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de
interesse comum ou coletivo60.

A definição de usos prioritários, o planejamento, a concessão de outorga e


principalmente o arbitramento dos conflitos ambientais indicam que a atuação dos Comitês de
Bacia Hidrográfica tem uma face política. Suas decisões são fundamentadas em dados
técnicos, todavia, a opção do modelo de desenvolvimento econômico, as formas de
apropriação do recurso hídrico da bacia hidrográfica respectiva são deliberações políticas.
Viegas (2008) se posiciona no mesmo sentido:

As deliberações do Comitê têm caráter predominantemente político, mas


devem estar lastreadas em dados técnicos, que possibilitem ampla pré-
compreensão das consequências de dada escolha, cabendo à Agência de
Bacia a função de prestar esse suporte. É por isso que não tem funções
tipicamente deliberativas, sendo que seus atos, resultantes da atuação técnica
de seus membros, como regra vão embasar decisões do Comitê de Bacia
(VIEGAS, 2008, p. 99).

A mediação de conflitos relacionados ao direito fundamental à água deve levar em


conta as múltiplas dimensões deste direito, adotando como paradigmas o conteúdo axiológico
da dignidade da pessoa humana, do respeito ao direito à vida, da promoção da saúde, da
defesa e preservação do meio ambiente. Direitos fundamentais que encontram integração na
legislação infraconstitucional, a exemplo da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº

60
Artigo 38 da Lei nº 9.433/1997.
107

9.433/1997), da Politica Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), da Politica


Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), da Lei do Sistema Único de Saúde (Lei nº
8.080/1990), dentre outros diplomas legais (BARRETO, 2011b). Entende-se que a
sustentabilidade do uso da água depende de uma gestão integrada à gestão do uso do solo e
dos demais elementos da natureza. Da mesma forma, a gestão da água deve adequar-se às
diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais de cada bacia
hidrográfica.

Os conflitos resultantes das diversas formas de apropriação da água pelos atores


sociais deveriam encontrar uma solução racional dentro dos órgãos que integram o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Muitas vezes, porém, isso não ocorre, seja
porque falta uma atuação mais pujante do SINGREH, seja porque boa parte dos conflitos são
provocados por ações governamentais diretas, ou por ações de particulares incentivadas pelo
Poder Público. A perenização dos conflitos ambientais importa em degradação ecológica e na
disseminação da injustiça ambiental, que nada mais é do que a imposição desproporcional dos
riscos ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, políticos e
informacionais (ACSERALD et al., 2009).

A existência de conflitos ambientais de grande relevo, que não encontram solução


racional no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, também é uma
realidade no baixo São Francisco, área de estudo da presente pesquisa.

4.3 Os conflitos ambientais do baixo curso do rio São Francisco

O rio São Francisco nasce na Serra da Canastra no Estado de Minas Gerais,


aproximadamente a 1.200m de altitude, sua extensão é de 2.863 km, enquanto a área de
drenagem da bacia corresponde a 636.920km² (8% do território nacional), abrangendo 503
municípios e sete Unidades da Federação, a saber: Bahia, Minas Gerais, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Goiás e Distrito Federal (ANA et al, 2004a). É considerado pela
Constituição Federal (artigo 20, inciso II) um curso d'água pertencente ao domínio da União,
em razão de banhar mais de um Estado da Federação.

A bacia hidrográfica do rio São Francisco está dividida em quatro regiões


108

fisiográficas, alto, médio, submédio e baixo São Francisco que, por sua vez, estão subdividas,
para fins de planejamento, em trinta e quatro sub-bacias (ANA et. al., 2004a). O alto São
Franciso possui uma área de 99.387km² e se estende por 1.003km entre a nascente, na Serra
da Canastra, até Pirapora, em Minas Gerais; o médio segue de Pirapora (MG) até a barragem
de Sobradinho, no Estado da Bahia, com área de 401.559km² e extensão de 1.152km; o
submédio cobre uma superfície de 115.987km², percorrendo um trecho de 568km, da
barragem de Sobradinho até o Município de Paulo Afonso, também na Bahia; o baixo curso
do rio São Francisco estende-se de Paulo Afonso até sua foz, no Oceano Atlântico, entre os
municípios de Piaçabuçu/AL e Brejo Grande/SE, perpassando por uma área de 19.987km², e
com extensão de 140km (ANA et. al., 2004b).

A vazão natural média anual do rio São Francisco é de 2.850m/s, sendo que, entre
1931 e 2001, esta vazão oscilou entre 1.461m³/s e 4.999m3/s. Ao longo do ano, a vazão média
mensal pode variar entre 1.077m³/s e 5.290m3/s e as descargas costumam ter seus menores
valores entre os meses de setembro e outubro. Em 95% do tempo, a vazão natural na foz do
São Francisco é maior ou igual a 854m³/s, sendo que as maiores descargas são observadas em
março (ANA et. al., 2004a).

Há uma grande diversidade de áreas irrigáveis, cobertura vegetal e fauna aquática na


bacia do rio São Francisco. No alto, médio e submédio São Francisco, predominam solos com
aptidão para a agricultura irrigada, o que não se reflete nas demais regiões fisiográficas. Em
relação à cobertura vegetal, a bacia do rio São Francisco contempla fragmentos de diversos
biomas, salientando-se a floresta atlântica em suas cabeceiras, o cerrado (alto e médio São
Francisco) e a caatinga (médio e submédio São Francisco). Com relação à fauna aquática,
observa-se que o rio São Francisco apresenta a maior biomassa e diversidade de peixes de
água doce da região Nordeste (ANA et al, 2004a). A vegetação do baixo São Francisco
abrange a caatinga em sua parte mais alta, mata atlântica e restinga em sua região costeira
(GOMES, 2005).

Na tabela 4.1, podem ser observadas as características físicas e hidroclimáticas das


quatro regiões fisiográficas da bacia hidrográfica do rio São Francisco.
109

Regiões Fisiográficas
Características Alto Médio Submédio Baixo
Área (km²) 99.387 401.559 115.987 19.987
Altitudes (m) 1.600 a 600 1.400 a 500 800 a 200 480 a 0
Trecho Principal 1.003 1.152 568 140
(km)
Declividade do rio 0,70 a 0,20 0,10 0,10 a 3,10 0,10
principal (m/km)
Contribuição da 41,7 54,6 1,9 1,8
vazão natural
média (%)
Vazão média anual Pirapora Juazeiro Pão de Açúcar Foz
máxima (m³/s) 1.303 4.393 4.660 4.680
Vazão média anual Pirapora Juazeiro Pão de Açúcar Foz
mínima (m³/s) 637 1.419 1.507 1.536
Sedimentos (106 Pirapora Morpará Juazeiro Propriá
t/ano) e área (km²) 8,3 21,5 12,9 0,41
Clima Tropical úmido e Tropical semiárido e Semiárido e árido Subúmido
predominante temperado de subúmido e seco
altitude
Faixa de 2.000 a 1.100 1.400 a 600 800 a 350 1.500 a 350
precipitação anual
(mm)
Precipitação média 1.372 1.052 693 957
anual (mm)
Temperatura 23 24 27 25
média (ºC)
Insolação média 2.400 2.600 a 3.300 2.801 2.800
anual (h)
Evapotranspiração 1.000 1.300 1.550 1.500
média anual (mm)
Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco.
Fonte: Adaptado de ANA et al (2004a).

O clima do baixo curso do rio São Francisco parte inicialmente de uma faixa semiárida
que gradualmente passa para subúmida a partir de Propriá até a foz. No trecho compreendido
entre Propriá e a foz, a temperatura média anual compensada é de 25º, apresentando como o
mês mais quente dezembro, com temperaturas que variam entre 26º a 27ºC, e o mês mais frio
junho, com temperatura em torno de 23ºC (ANA et. al., 2003).

A população total na bacia hidrográfica do rio São Francisco é de 13.297.955


habitantes, sendo 74,4% população urbana e 25,6% população rural. A densidade demográfica
110

média na bacia hidrográfica é de 20,0 hab/km². Do total de 503 municípios, 456 têm sede na
bacia. Essa população não se encontra distribuída de forma uniforme nas suas quatro regiões
fisiográficas, ficando evidente o menor número de habitantes no baixo São Francisco: alto
São Francisco (48,8%) médio São Francisco (25,3%), submédio São Francisco (15,2%) e
baixo São Francisco (10,7%), segundo levantamento realizado por ANA et. al. (2004a).

Na área de abrangência da bacia hidrográfica do rio São Francisco destaca-se que a


população é predominantemente urbana: 50% da população vive em 14 municípios com
população urbana maior que 100.000 habitantes, a maior parte localizados no Estado de
Minas Gerais (Belo Horizonte, Contagem, Betim, Montes Claros, Ribeirão das Neves, Santa
Luzia, Sete Lagoas, Divinópolis, Ibirité e Sabará), dois municípios no Estado da Bahia
(Juazeiro e Barreiras), um município em Alagoas (Arapiraca) e outro em Pernambuco
(Petrolina). Percebe-se que a maior parte da população da bacia hidrográfica do rio São
Francisco encontra-se localizada no alto São Francisco e apenas uma pequena parte está
inserida na região fisiográfica do baixo São Francisco, onde nenhum município possui
população acima dos 100.000 habitantes. A tabela 4.2 aponta as suas principais características
socioeconômicas.
Regiões Fisiográficas
Características Alto Médio Submédio Baixo
População (hab) 6.489.402 3.364.383 2.021.289 1.422.881
Urbanização (%) 93 57 54 51
Municípios (*) 167 167 83 86
Densidade 62,9 8,0 16,8 68,7
Demográfica
(hab/km²)
IDH 0,549 a 0,802 0,343 a 0,724 0,438 a 0,664 0,364 a 0,534
Principais Indústria, Agricultura, Agricultura, Agricultura,
atividades mineração, pecuária pecuária, indústria e pecuária, pecuária,
econômicas e geração de energia aquicultura agroindústria, pesca e
geração de energia e aquicultura
mineração
Tabela 4.2. Principais características socioeconômicas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco61.
Fonte: ANA et. al. (2004a).

61
O total soma 538 municípios em vez de 503, pois, alguns municípios estão computados em mais de uma
região fisiográfica.
111

Em relação aos aspectos socioeconômicos da bacia hidrográfica do rio São Francisco,


fica evidente a existência de acentuados contrastes socioeconômicos, abrangendo áreas de
acentuada riqueza e alta densidade demográfica e áreas de pobreza crítica e população
bastante dispersa. Vale destacar que o maior IDH apresentado no baixo São Francisco é menor
que o IDH mais baixo do detectado no Alto São Francisco, possuindo, ainda, a maior
densidade demográfica dentre as demais regiões fisiográficas da bacia do rio São Francisco.

O saneamento ambiental no baixo São Francisco está abaixo da média brasileira, o


abastecimento de água atinge 54,10% da população, a rede de esgoto alcança 18,70% e o
tratamento dos efluentes apenas atinge o percentual de 1,10%, enquanto os percentuais
médios do Brasil são, respectivamente, 86,50%, 59% e 21,20% (ANA et. al., 2004b)Uma das
principais características da bacia do rio São Francisco é a presença de todos os tipos de usos
hídricos possíveis, destacando-se a geração de energia, navegação, irrigação, pesca, turismo e
lazer, diluição de efluentes, abastecimento doméstico e industrial, dentre outros (ANA et. al.,
2004b). A multiplicidade nas formas de utilização, exploração e no próprio acesso à água
representa um grande desafio para uma adequada gestão hídrica, e, principalmente, um grande
obstáculo para a mediação dos conflitos ambientais decorrentes das diversas formas de
apropriação da natureza – e da água.

Os conflitos ambientais atualmente existentes no baixo São Francisco são


consequências do modelo de desenvolvimento que tem comprometido a bacia hidrográfica
como um todo durante décadas, isso porque o modelo adotado tem provocado inúmeros
impactos ambientais negativos, não somente ao meio físico, como modificações climáticas,
inundações de jazidas minerais, inundações de áreas férteis, modificação nos usos do solo,
alterações na qualidade da água, eutrofização e erosão das margens, como também ao meio
antrópico e biótico, comprometendo a qualidade de todo o ecossistema. Os projetos de
desenvolvimento executados não contemplam a conservação da natureza nem possuem uma
preocupação com a qualidade de vida das populações da região. O que ocorre é o
aproveitamento econômico dos recursos do solo, da vegetação e da água para um
desenvolvimento econômico que não está aliado a uma melhor distribuição de renda para a
população que sofre com os impactos ambientais negativos ocorridos (GUIMARÃES, 2004).

Inúmeros relatórios técnicos, trabalhos acadêmicos e matérias jornalísticas delineiam


um preocupante quadro de degradação ambiental do ecossistema fluvial do baixo curso do rio
112

São Francisco e suas áreas marginais inundáveis, bem como destacam as graves
consequências socioeconômicas e culturais advindas das ações antrópicas. Destaca-se como
ponto comum entre esses trabalhos a circunstância de atribuírem a responsabilidade maior por
esses impactos negativos às políticas públicas de desenvolvimento regional e em especial à
opção pelo modelo de desenvolvimento que prioriza o uso do rio como gerador de energia
elétrica e fornecedor de água para a irrigação, em detrimento dos demais usos de suas águas
(ANA et. al., 2003).

De forma geral, esses conflitos ambientais envolvem a a geração de energia (instalação


das barragens e operação de reservatórios), agricultura irrigada, o uso da água para o
abastecimento humano, a diluição de efluentes sem o devido tratamento e a manutenção dos
ecossistemas (ANA et. al., 2004a). Aponta-se, também, como alguns dos principais problemas
ambientais no baixo São Francisco os impactos decorrentes dos reservatórios a montante na
ictiofauna e perda de biodiversidade em razão da redução de nutrientes e do controle de cheias
que permitiam a ocorrência da piracema; erosão das margens e do leito do rio São Francisco e
a quebra do equilíbrio sedimentológico e de cheias na foz (ANA et. al., 2004b).

A construção de usinas hidrelétricas sempre aparece na literatura científica como um


fator de agravamento dos conflitos ambientais em uma bacia hidrográfica. Bermann (2007),
destaca dentre os principais problemas ambientais a alteração do regime hidrológico,
comprometendo as atividades a jusante do reservatório; o comprometimento da qualidade das
águas, em razão do caráter lêntico do reservatório, dificultando a decomposição dos rejeitos e
efluentes; assoreamento dos reservatórios, em virtude do descontrole no padrão de ocupação
territorial nas cabeceiras dos reservatórios, submetidos a processos de desmatamento e
retirada da mata ciliar; emissão de gases de efeito estufa, particularmente o metano,
decorrente da decomposição da cobertura vegetal submersa definitivamente nos reservatórios;
aumento do volume de água no reservatório formado, com consequente sobrepressão sobre o
solo e subsolo pelo peso da massa de água represada, em áreas com condições geológicas
desfavoráveis (por exemplo, terrenos cársticos), provocando sismos induzidos; problemas de
saúde pública, pela formação dos remansos nos reservatórios e a decorrente proliferação de
vetores transmissores de doenças endêmicas; dificuldades para assegurar o uso múltiplo das
águas, em razão do caráter histórico de priorização da geração elétrica em detrimento dos
outros possíveis usos como irrigação, lazer, piscicultura, entre outros.
113

No caso do baixo São Francisco, Oliveira (2006) indica como os impactos ambientais
de maior gravidade a construção de barragens a montante do rio, prejudicando a piracema,
modificando as estruturas das comunidades aquáticas, reduzindo as cheias à jusante das
barragens, impedindo a inundação das várzeas e, consequentemente, o transporte de ovos e
pequenos peixes nesses ambientes; a retirada de grande volume de água para irrigação da
agricultura; o lançamento de esgotos domiciliares no rio; a drenagem de fertilizantes da
agroindústria; mudança no regime fluvial, a partir de barramentos construídos para melhorar a
exploração do potencial energético pela CHESF; assoreamento do rio, prejudicando a
navegação e causando perda de produção pesqueira; a proliferação de algas em pontos rasos
do rio o que dificulta a pesca com redes e tarrafas; o agravamento da erosão dos taludes
marginais em razão da construção da barragem de Xingó em 1994; a devastação de matas
ciliares, causando a perda de proteção das margens, facilitando os processos erosivos, perda
de produção agrícola e problemas de assoreamento.

Aponta, ainda, o grave problema da diminuição do quantitativo de água doce por


conta da modificação da vazão hídrica, poluição das fontes de abastecimento e alterações no
lençol freático; a perda do uso recreativo e de valores estéticos do rio São Francisco devido à
modificação da paisagem gerada pelo assoreamento e erosão das margens; mudanças de
oportunidade trabalho para as populações locais; redução da produção de pescado para
consumo e perdas de terras agricultáveis devido à erosão (OLIVEIRA, 2006).

O Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco


para os anos de 2004 a 2013, elaborado dentro do Projeto de gerenciamento integrado das
atividades desenvolvidas em terra na Bacia do São Francisco, mapeou as principais áreas
onde ocorrem conflitos ambientais na bacia hidrográfica do rio São Francisco, classificando-
os quanto a sua relevância. De uma simples visualização da Figura 4.1, pode-se perceber que
toda a região fisiográfica do baixo São Francisco está inserida em uma área conflituosa de
grande relevância (ANA et. al., 2004a).
114

Figura 4.1. Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Fonte:
(ANA et al, 2004a)

O conflito ambiental de maior destaque no baixo São Francisco é resultante dos


diversos barramentos construídos ao longo de toda a bacia hidrográfica para a geração de
hidreletricidade. Para Aguiar Netto et. al. (2010) a problemática ambiental do rio São
Francisco em seu baixo curso decorre dos sucessivos barramentos realizados pelo programa
energético dos governos federais de 1950-1960, que acarretaram problemas sociais para a
população ribeirinha sobretudo os relacionados à pesca e à erosão marginal. Afirmam,
taxativamente, que:
115

A aquicultura se não está em extinção, vem alcançando índices mínimos,


insustentáveis para a subsistência de uma população representativa e a
erosão marginal, devido à diminuição da vazão, decorrente das barragens,
vem causando prejuízos até mesmo nos perímetros irrigados, com perda de
terras. Os afluentes do São Francisco, na margem direita, apresentam-se com
inúmeros problemas […] (AGUIAR NETTO et. al., 2010, p. 64).

Na mesma direção, Rieper (2001) destaca que os anos setenta foram um marco na
relação entre sociedade e natureza no baixo São Francisco. Com o fechamento da barragem de
Sobradinho, em 1972, o fluxo do rio foi regularizado e, consequentemente, alteradas as
formas de convivência do ribeirinho com o São Francisco, a importância material, simbólica e
afetiva que os envolviam, mudando de vez a história íntima e coletiva dos moradores de sua
beirada. A tradição e a cultura daqueles que viviam há gerações em interações com o
ecossistema do rio São francisco foram tratadas como empecilho à eficiência e ao
desenvolvimento.

Um estudo sobre o processo erosivo das margens do baixo São Francisco elaborado
por ANA et. al. (2003) destaca os problemas ambientais mais citados em publicações como
decorrência direta da construção dos barramentos rio acima, a exemplo da diminuição da
intensidade e frequência das cheias; assoreamento do leito do rio; proliferação de focos de
erosão nas margens; diminuição do teor de nutrientes e partículas finas em suspensão no rio;
erosão acelerada na margem direita da foz; alterações na quantidade e qualidade do pescado;
mudança das relações socioeconômicas da população; inviabilização da agricultura tradicional
nas lagoas e várzea; extinção das lagoas. Esse mesmo estudo ressalta que a interação homem-
meio passou a se alterar na região fisiográfica do baixo São Francisco a partir do momento em
que o ciclo natural do rio passou a ser interrompido pelas grandes barragens, que afetaram
diretamente, por exemplo, a forma como os ribeirinhos ou barranqueiros desenvolviam a
atividade pesqueira tradicional, alterando os códigos de pescaria, os utensílios e o período de
pesca que abandonaram os costumes definidos pelas forças cosmológicas da natureza e
transportaram-se para os relatos do passado (ANA et. al., 2003).

De acordo com o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio


São Francisco (ANA et. al., 2004a), os aproveitamentos da água para geração de energia,
desencadeados a partir da construção da barragem de Sobradinho, modificaram as condições
de escoamento no baixo São Francisco, onde a navegação comercial praticamente
116

desapareceu. Além disso, a construção da barragem de Sobradinho também provocou


mudanças na atividade econômica no baixo São Francisco, a qual era função das oscilações
do nível do rio, entre o período de cheias e vazantes, e da coincidência com a estação
chuvosa, para exploração da rizicultura e para procriação dos peixes. Mesmo com a adoção de
medidas artificiais para tentar restabelecer as condições anteriores à construção do
reservatório, por meio de proteção das grandes várzeas com diques e bombeamento, ora para
levar água do rio para elas, ora para drená-las, a base econômica não foi restabelecida.
Posteriormente, com a construção da barragem de Xingó, pela falta de carreamento de
sedimentos, a situação da ictiofauna se agravou, e praticamente extinguiu a pesca como
atividade econômica sustentável.

Figura 4.2. Barragem de Xingó. Fonte: (Arquivo pessoal, 2010)

Segundo Luiz Carlos Fontes (2002), o encadeamento de problemas econômico-sociais,


advindos das grandes barragens construídas ao longo do rio São Francisco, assume
proporções significativas na região fisiográfica do baixo São Francisco, sendo esta,
provavelmente, a mais atingida pelas intervenções antrópicas rio acima, bem como é aquela
117

que possui a maior vulnerabilidade hidroambiental de toda a bacia hidrográfica. Guimarães


(2004), na mesma linha de conclusão, também aponta as consequências socioambientais
desastrosas verificadas no baixo São Francisco em razão dos sucessivos barramentos
construídos desde 1950, como a crescente diminuição do pescado, prejudicando a subsistência
da população local, a erosão marginal devido à diminuição da vazão do rio prejuízos aos
perímetros irrigados com perda de terras.

A erosão das margens do baixo curso do rio São Francisco assume proporções mais
graves em dois trechos do lado direito, onde estão localizados os perímetros irrigados de
Continguiba-Pindoba e do Betume, implantados pela CODEVASF no final da década de 70.
Em tais trechos, o recuo das margens destruiu casas, obras de engenharia do perímetro
irrigado, estradas, além de ensejar a perda de áreas agrícolas e gerar grave prejuízo financeiro
para a citada empresa pública federal, que se viu obrigada a reconstruir, por diversas vezes, os
riques de proteção contra cheias e executar obras para protegê-los da erosão (ANA et. al.,
2003).

A manifestação mais drástica do processo erosivo ocorreu na região da foz do rio São
Francisco, na margem sul, onde o recuo da linha da costa levou à destruição do povoado do
Cabeço, localizado no Estado de Sergipe. Mais de 100 casas, escola, igreja, cemitério e uma
grande área de praia foram atingidas pelos efeitos da erosão, desaparecendo por completo,
restando apenas um farol, agora localizado cerca de 200 metros dentro do Oceano Atlântico
(ANA et. al., 2003; FONTES, L. C., 2011).

A percepção da comunidade ribeirinha do baixo São Francisco não destoa das


conclusões dos relatórios técnicos e trabalhos acadêmicos. De acordo com depoimentos de
moradores ribeirinhos do baixo São Francisco apresentados por Rieper (2001), praticava-se a
agricultura de subsistência com o cultivo de arroz em várzeas e em lagoas marginais, o regime
sazonal da vazão possibilitava a pesca e o plantio em áreas férteis deixadas pelas águas em
épocas de vazante. Atualmente, entretanto, o pescado está escasso devido à falta de
inundações sazonais das lagoas marginais que serviam de locais para desova de peixes.

Outros exemplos de conflitos recorrentes na bacia hidrográfica do rio São Francisco,


facilmente encontrados também na região fisiográfica do baixo São Francisco, decorrem do
lançamento de esgotos sem tratamento adequado, da destruição da vegetação em área de
118

preservação permanente62, da utilização de agrotóxicos que são drenados para o rio, da


deposição inadequada de resíduos sólidos, da perfuração de poços artesianos e das captações
de água para a agricultura intensiva.

Danificar a vegetação marginal ao rio63 significa a retirar a sua proteção. Sem essa
vegetação as margens do rio ficam suscetíveis à erosão, o que implica na perda de solo
agricultável e problemas de assoreamento. Alguns problemas decorrentes do assoreamento do
rio são a proliferação de algas e a dificuldade criada para a navegabilidade no canal do rio que
diminui a locomoção e o acesso a serviços pela população ribeirinha. As algas macrófitas têm
facilidade de proliferação em pontos rasos do rio, onde a energia solar penetra com maior
intensidade, causado prejuízos para a pesca com rede e tarrafas (GUIMARÃES, 2004).

Todos esses conflitos ambientais relacionados com os múltiplos usos da água no baixo
São Francisco deveriam ser inicialmente arbitrados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio
São Francisco [CBHSF] com possibilidade de nova apreciação pelo Conselho Nacional de
Recursos Hídricos. Entretanto, muitas vezes, a conflituosidade não encontra uma solução
racional dentro do SINGREH, o que acaba por carrear esses conflitos ambientais para o
Ministério Público. Como bem esclarece Agra Filho (2008), a decisão governamental
flagrantemente desprovida de seu papel mediador, quando o governo atua como parte
interessada na viabilização de um projeto, motiva a crescente atuação do Ministério Público.

Atualmente, um conflito ambiental que emerge com grande destaque é o denominado


Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional ou, simplesmente, o projeto de transposição do rio São Francisco. Novamente um
grandioso empreendimento do Governo Federal interfere na bacia hidrográfica do rio São
Francisco podendo causar danos irreparáveis ao meio ambiente. Neste caso concreto, o
CBHSF deliberou contrariamente ao uso externo das águas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco64, cumprindo sua missão institucional de arbitramento de conflitos hídricos.
Todavia, essa decisão foi solenemente desrespeitada pelo Governo Federal e pela Agência
Nacional de Águas, que decidiram levar a termo o projeto de transposição, o que motivou o

62
Segundo o artigo 1º, §2º, inciso II, do Código Florestal, considera-se área de preservação permanente aquela
coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas.
63
A vegetação marginal ao longo dos rios ou qualquer curso d'água é protegida nos termos do artigo 2º, alínea
a, do Código Florestal.
64
Deliberação CBHSF nº 18, de 27 de outubro de 2004.
119

questionamento do projeto de transposição frente ao Poder Judiciário65.

A defesa do direito à água figura com um dos temas mais frequentes que exigem a
atuação do Ministério Público, quer pela urgência [na área ambiental, o tempo milita contra o
êxito da atuação institucional como em nenhuma outra matéria]; pela complexidade [a
transdisciplinaridade é característica desta forma de atuação]; pela abrangência [os interesses
difusos envolvidos nas demandas por água de qualidade transbordam em muito a esfera
ambiental] e pela transcendência [o que hoje se constrói em termos de prevenção e reparação
de recursos hídricos se projeta para o futuro de gerações não nascidas] (MARCHESAN,
2005). A presente pesquisa tem por objeto justamente a forma como o Ministério Público
Federal enfrenta os conflitos ambientais relacionados aos usos múltiplos da água, no
desincumbir de sua função institucional de proteger o meio ambiente e, por conseguinte, fazer
valer o direito à água no baixo São Francisco.

Concluiu-se neste capítulo a exposição do referencial teórico relacionado ao objeto da


presente pesquisa. Abordou-se o estado da arte acerca do direito fundamental à água, a
institucionalização do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos através da
Lei nº9.433/1997, e a literatura científica referente aos conflitos ambientais recorrentes no
baixo São Francisco. Na sequência, apresenta-se os resultados obtidos, expondo-se um quadro
sistemático que delineia as principais características dos conflitos hídricos do baixo São
Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe, especifica os
instrumentos jurídicos que compõem a estratégia desta atuação do MPF e esclarece se esses
conflitos são efetivamente mediados ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.

65
ACO nº 876 que tramita conjuntamente com as ACOs 820, 857, 858, 870, 872, 873, 886, 953, 996, 1003,
1052, 1209 e com as RCLs nº 3883, 3945, 4062 e 4409, todas no Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria
do Ministro Ricardo Lewandowski (PESSOA, 2011)
120

CAPÍTULO 5

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A


DEFESA DO DIREITO À ÁGUA NO BAIXO SÃO FRANCISCO
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5. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM SERGIPE E A DEFESA DO DIREITO À


ÁGUA NO BAIXO SÃO FRANCISCO

Este capítulo dedica-se à exposição dos resultados obtidos com o desenvolvimento da


presente pesquisa. Delineia-se um quadro sistemático que indica as principais características
dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério
Público Federal em Sergipe; especifica os instrumentos jurídicos que compõem a estratégia de
atuação utilizada; e, por fim, esclarece se esses conflitos são efetivamente mediados ou são
levados ao crivo do Poder Judiciário.

O Ministério Público Federal desenvolve suas atividades em Sergipe desde o final do


século XIX, época da organização da Justiça Federal no Brasil. Atualmente, a Procuradoria da
República em Sergipe, localizada em Aracaju, é a única unidade do MPF neste Estado da
Federação, motivo pelo qual os Procuradores da República nela lotados desempenham suas
funções institucionais em todo o território sergipano. Assim, a defesa do meio ambiente e,
consequentemente, do direito à água em relação à região fisiográfica do baixo São Francisco é
de incumbência desta unidade do MPF.

A partir dos limites metodológicos fixados previamente, a pesquisa documental


realizada junto à Coordenadoria Jurídica da Procuradoria da República em Sergipe, a quem
cabe o registro de toda a atuação do MPF em Sergipe, conseguiu levantar 16 casos em que o
Ministério Público Federal atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco,
entre os anos de 2004 a 2010, que são expostos na tabela abaixo:

Nº dos autos Objeto


1.35.000.000256/2004-88 acompanhar o plano de recursos hídricos da bacia do rio São Francisco
1.35.000.001139/2006-01 apurar despejo de dejetos no rio que corta o Povoado Malhadas por usina
de cana-de-açúcar no Município de Japoatã/SE.
1.35.000.000269/2007-08 apurar grande quantidade de sargaço trazido do rio São Francisco
1.35.000.000352/2007-79 apurar notícia de suposto dano ambiental em virtude de contaminação das
122

águas do açude do DENOCS


1.35.000.000972/2007-16 apurar a responsabilidade da Chesf pelos danos causados pelo aumento da
vazão da hidrelétrica de Xingó no período de cheias do rio São Francisco
1.35.000.001097/2007-81 apurar eventual agressão ambiental - drenagem de áreas de mangues para
construção de viveiros de criação de camarão - na região de ponta dos
mangues, nas proximidades da foz do rio São Francisco
1.35.000.000222/2009-06 apurar a ocorrência de possível dano ambiental decorrente da eventual
instalação de uma usina nuclear às margens do rio São Francisco, no
Estado de Sergipe
1.35.000.001228/2009-92 apurar ausência de acesso à água pela comunidade remanescente de
quilombo Caraíbas, no Município de Canhoba.
1.35.000.001413/2009-87 apurar irregularidade em supressão e construção na área de preservação
permanente localizada na ilha de Arambipe, no rio São Francisco.
1.35.000.001415/2009-76 apurar a situação de edificações localizadas nas margens do rio São
Francisco, em local conhecido como "região dos bagres", entre o riacho
bagres e o riacho mutuca
1.35.000.001637/2009-99 apurar irregularidade em lançamento de esgoto do
município de Propriá, incluindo o esgoto do hospital São Vicente de
Paulo, em área da CODEVASF, no riacho Jacaré, importante afluente do
rio São Francisco.
1.35.000.001961/2009-15 apurar extração de argila (barro) para uso em cerâmicas na lagoa natural
do assentamento Morro dos Chaves, no povoado Padre Cícero, em
Propriá, às margens do rio São Francisco
1.35.000.001962/2009-51 apurar dano ambiental perpetrado na lagoa do fogo em área de
preservação permanente do rio São Francisco, no Município de Neópolis.
1.35.000.001964/2009-41 apurar possível uso irregular de ilhas existentes no rio São Francisco entre
os municípios de Neópolis/SE e Penedo/AL para o cultivo de cana-de-
açúcar
1.35.000.000086/2010-80 apurar os impactos ambientais causados pela hidrelétrica de Xingó na
região da bacia do São Francisco, situada no Município de Porto da
Folha/SE
1.35.000.000303/2010-31 apurar irregularidade em lançamento de esgoto não tratado nas águas do
rio São Francisco pelo Município de Gararu
Tabela 5.1. Casos em que o MPF atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São Francisco entre
os anos de 2004 a 2010.

A partir de uma análise do total de inquéritos civis e procedimentos administrativos


preparatórios levantados, percebe-se que há uma nítida concentração das instaurações no ano
de 2009. Nesse ano, destaca-se a ocorrência de oito casos, o equivalente a 50% de toda a
atuação do Ministério Público Federal na defesa do direito água no baixo São Francisco.

Ressalte-se que, embora se constate um crescimento do número de instaurações ao


123

longo do tempo, não se trata de um processo evolutivo contínuo, mas dinâmico, com
evoluções e involuções. Essas intermitências são visualizadas facilmente na figura 5.1, onde
se verifica que os anos com crescimento do número de instaurações são permeados por anos
de retração da atuação do Ministério Público Federal na questão.

8
7
6
5
4
3
2
1
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Figura 5.1: Número de instaurações entre os anos de 2004 a 2010.

A princípio, pode-se atribuir o incremento do número de instaurações em 2009 a dois


motivos aparentes, que são as notas distintivas em relação aos outros seis anos que foram
incluídos na pesquisa realizada. O primeiro motivo a ser destacado foi a realização de
inspeção in loco em um trecho do baixo curso do rio São Francisco, pelo próprio Ministério
Público Federal. Essa inspeção resultou na instauração de dois procedimentos administrativos
preparatórios de ofício, para apurar danos a áreas de preservação permanente. Uma segunda
razão aparente foi a maior aproximação entre as associações locais com o Ministério Público
Federal, que resultou em outras quatro instaurações.

Tais circunstâncias indicam que há um forte incremento da atuação do Ministério


Público Federal na defesa do meio ambiente quando existe um contato mais próximo com o
local do dano ou do risco ambiental, seja através de inspeções e fiscalizações realizadas
diretamente pelo MPF, seja através de sua aproximação com as associações locais, que
passam a encaminhar com representações com maior frequência, noticiando a ocorrência de
124

conflitos ambientais. Essa constatação é relevante, especialmente em razão de que a única


unidade do Ministério Público Federal em Sergipe está localizada em Aracaju, distante cerca
de 100km da região fisiográfica do baixo São Francisco.

A figura 5.2, por sua vez, destaca, de forma mais detalhada, a origem dos casos em
que o Ministério Público Federal em Sergipe atuou no enfrentamento de conflitos hídricos no
baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010.

de ofício

representação de cidadão

representação de associação

representação de ente público municipal

representação de ente público estadual

representação de ente público federal

0 1 2 3 4 5

Figura 5.2: Origem

De plano, percebe-se que a atuação do Ministério Público Federal no enfrentamento de


conflitos relacionados ao direito à água é dependente em grande parte das representações que
lhe são encaminhadas pelo público externo, noticiando a existência de algum dano ou risco ao
meio ambiente.

Em 68,75% dos casos selecionados, a atuação do Ministério Público Federal em


Sergipe decorreu de provocação externa. Apenas em cinco casos, o MPF atuou de forma pró-
ativa. Dois deles se originaram a partir de observação direta do dano ambiental em inspeção
in loco realizado pelo próprio MPF e os outros três se originaram a partir de notícias
divulgadas na imprensa escrita do Estado de Sergipe.

Há um certo equilíbrio entre o número de representações encaminhadas ao Ministério


Público Federal por agentes externos, caso esses sejam categorizados apenas em entes
públicos, associações e cidadãos. Todavia, ao se detalhar quem são esses agentes externos,
125

percebe-se uma maior presença das associações no encaminhamento de representações, quatro


no total, vindo logo em seguida o agrupamento representado pelos cidadãos, com três
representações. O Ministério Público do Estado de Sergipe, classificado para os fins desta
pesquisa como um ente público estadual, enviou dois casos ao MPF, a Controladoria Geral da
União remeteu uma questão e uma Câmara de Vereadores enviou uma representação.

Chama atenção a ausência de qualquer provocação do Ministério Público Federal por


parte dos entes públicos incumbidos do gerenciamento dos recursos hídricos no baixo São
Francisco, a exemplo do CBHSF, do CNRH e da ANA, bem como daqueles com competência
administrativa para o licenciamento e a fiscalização de atividades potencialmente poluidoras,
como o IBAMA, a ADEMA e o Pelotão de Polícia Ambiental. Esta constatação destoa dos
resultados obtidos por Débora Maciel (2002) e José Luiz Soares (2005), Chélen Lemos (2005)
e Totti et. al. (2007), cujos trabalhos apontam a relevância numérica de tais entes públicos no
encaminhamento de representações sobre a prática de danos ambientais ao Ministério Público.

A ausência de uma única provocação por parte dos entes públicos encarregados da
gestão de recursos hídricos, do processo de licenciamento ambiental e da fiscalização do meio
ambiente indica a necessidade do Ministério Público Federal em Sergipe desempenhar o seu
papel de articulador entre as diversas instituições públicas com um afinco ainda maior,
alinhando as suas estratégias de atuação com a desses entes administrativos, com o intuito de
superar este hiato de comunicação institucional existente. Como bem ressaltado por Lemos
(2005, p. 22), “o MP age como mediador não apenas entre as partes conflitantes
(denunciante/vítima x denunciado), mas também entre as instituições, chamando a anteção
para suas responsabilidades em cada caso”.

De outro lado, a constatação da preponderância de uma atuação mais reativa do


Ministério Público no enfrentamento de conflitos ambientais alinha-se aos resultados obtidos
por Débora Maciel (2002) e por José Luiz Soares (2005). “O conjunto das iniciativas dos
agentes externos, quando comparadas às do Ministério Público, indicam, portanto, a posição
reagente da instituição no campo dos conflitos sociais, conforme o gráfico que se segue”
(MACIEL, D. 2002, p. 85). Uma das circunstâncias que conduzem o Ministério Público a ser
reativo na maioria das vezes é que não possui dentre a suas funções institucionais a
participação direta em processos de licenciamento ambiental ou em fiscalizações rotineiras
das atividades que impactam o meio ambiente (SOARES, J. L., 2005).
126

A percepção da necessidade de uma maior presença do MP junto à comunidade local e


na realização de fiscalizações preventivas para uma melhor atuação na defesa do direito à
água tem levado os Ministérios Públicos Estaduais a se organizarem, espacial e
funcionalmente, em torno de bacias hidrográficas, inclusive em relação àquelas cujo rio
principal é do domínio da União, em busca de uma maior eficiência no desempenho de suas
funções institucionais66.

Nesta linha, vale destacar a prática do Ministério Público do Estado de Sergipe, que
criou o Núcleo de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do rio São Francisco67 para
prestar apoio à atuação das Promotorias de Justiça das Comarcas inseridas na bacia
hidrográfica do rio São Francisco e, principalmente, a recente experiência do Ministério
Público do Estado da Bahia, que instituiu o Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco68,
com a competência expressa de estimular a efetiva participação da sociedade civil nas
discussões e ações voltadas à proteção da Bacia do São Francisco, promovendo as
articulações necessárias com movimentos sociais e outros fóruns que tenham essa finalidade;
promover, em conjunto com organizações governamentais e não governamentais, o Programa
de Fiscalização Preventiva Integrada - FPI, nas áreas da Bacia do São Francisco,
estabelecendo as parcerias necessárias;e participar, estimular ou promover ações preventivas e
de fiscalização voltadas ao monitoramento da Bacia do São Francisco, acompanhando a
execução das medidas decorrentes.

Em sua atuação no enfrentamento de conflitos ambientais relacionados com o direito à


água no baixo São Francisco, o Ministério Público Federal em Sergipe se deparou com
situações de risco e de danos ambientais que podem ser agrupados em quatro categorias
distintas69, conforme se vê na figura 5.3:

66
Neste sentido, Moreira (2006) propõe a reorganização espacial do Ministério Público do Estado do Paraná.
67
Resolução nº 002/2002 do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe.
68
Ato nº 517/2009 do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.
69
Ressalte-se que a tipologia apresentada tem finalidade eminentemente didática. Os conflitos ambientais
devem ser enfrentados dentro do paradigma da complexidade, onde está inserido o pensamento não linear ou
não determinista. Segundo Redorta (2004), são características do conflito não poder ser rotulado ou definido,
ele não é, mas deve ser entendido como uma tendência a, afastando-se da lógica binária e assumindo a
existência de zonas cinzentas.
127

6,25%
18,75%

restrição aos usos múltiplos


37,50% poluição da água
dano à APP
acesso à água

37,50%

Figura 5.3: Tipologia

A maior parte dos conflitos ambientais relacionados com o direito à água no baixo São
Francisco que chegam ao conhecimento do Ministério Público Federal em Sergipe se referem
a danos causados às áreas de preservação permanente, seis casos, o equivalente a 37,50% do
total de procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados, e também à poluição
efetiva ou potencial das águas, que somam outros seis casos. Uma menor parte dos embates
dizem respeito à restrição aos usos múltiplos, três casos, e há apenas o registro de um único
caso referente à disputa pelo acesso à água potável.

A área de preservação permanente é aquela coberta ou não por vegetação nativa que
tem por função preservar as águas, proteger o solo da erosão e conservar a biodiversidade,
conforme definição expressa no Código Florestal. A vegetação localizada em APP constitui
um fator expressivo na proteção das águas, na medida em que regularizam as bacias
hidrográficas, seja na precipitação de chuvas, seja na prevenção do solo. Sua destruição é
preocupação de âmbito mundial, pois gera profundo impacto no equilíbrio dos ecossistemas
(GRANZIERA, 2006). A proteção jurídico-ambiental abrange tanto a vegetação nativa ou
não, quanto a própria área em si. Se não existir vegetação na área de preservação permanente
o proprietário deverá plantá-la, pois “nem por isso a área perderá sua normal vocação
florestal” (MACHADO, 2009, p. 741).

Os casos de dano à APP recorrentes no baixo São Francisco que foram analisados não
representam individualmente um conflito ambiental de relevo, digno de afetar gravemente o
direito fundamental à água em quantidade e qualidade suficientes. Todavia, a avaliação do
conjunto demonstra que vige na área de estudo um modelo predatório de desenvolvimento de
128

atividades econômicas e também de atividades de lazer, que em seu conjunto causa graves
danos à bacia hidrográfica rio São Francisco e a todos os seres que dela dependem para
existir.

Um aspecto desta espécie de conflito ambiental que merece destaque é a circunstância


de que em todos os casos de dano à área de preservação permanente selecionados [seis] o
agente degradador do meio ambiente é uma empresa ou um cidadão. Em três dos casos, a
vegetação foi suprimida para o desenvolvimento de atividades econômicas, dois relacionados
ao cultivo de cana-de-açúcar e um referente à extração de argila. Em dois casos, o dano foi
produzido pela construção de casas de veraneio e suas benfeitorias às margens do rio São
Francisco, e em um caso, houve supressão da vegetação de preservação permanente para a
aquicultura de subsistência.

A poluição potencial ou efetiva das águas do baixo São Francisco surgiu como o outro
conflito hídrico que apresentou um percentual expressivo de casos [37,50%]. Qualquer
alteração das propriedades químicas, físicas ou biológicas das águas que possa importar em
prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar de todas as formas de vida é entendida como
poluição. Essas alterações resultam do lançamento, descarga ou emissão de substâncias
líquidas, gasosas ou sólidas nas águas, depositando nelas matérias orgânicas, resíduos não-
biodegradáveis e substâncias tóxicas (MACHADO, 2009).

Dos casos de poluição das águas, quatro se relacionam com o desenvolvimento de


atividades econômicas e os outros dois com o lançamento de efluentes sem tratamento no rio
São Francisco por Municípios que não possuem o serviço de saneamento ambiental. Dos
conflitos hídricos originados de atividades econômicas propriamente ditas, um se refere à
poluição resultante da produção de energia elétrica, um segundo questionava os riscos de
possível instalação de usina de geração de energia nuclear. Os outros dois casos de poluição
hídrica tiveram origem no despejo de dejetos por empresas do ramo da agroindústria.

Os conflitos ambientais relativos à restrição dos usos múltiplos das águas no baixo São
Francisco, apesar de numericamente inferiores em relação àqueles já relatados, são de grande
relevo e causam vultosos impactos ambientais. Dois dos conflitos hídricos estudados se
referem diretamente aos danos ambientais causados pela construção de diversas barragens no
rio São Francisco com a finalidade de geração de energia elétrica. O terceiro caso encontrado
129

é relativo ao conflito estabelecido em razão da execução do projeto de transposição do rio São


Francisco70, cujas águas serão transferidas para uso externo à bacia hidrográfica do rio São
Francisco, mesmo contando com deliberação contrária emitida pelo CBHSF.

É de se notar que todos os casos relacionados à restrição dos usos múltiplos da água
que foram analisados tiveram origem a partir de empreendimentos levados a termo pelo
próprio Governo Federal, justamente quem deveria velar pela observância das normas
ambientais em um curso d'água do seu domínio. A utilização da água como um recurso para o
desenvolvimento de atividades econômicas encontra limites bem definidos na ordem jurídico-
ambiental. O domínio das águas conferido à União e aos Estados pela Constituição Federal
não lhe faculta a possibilidade de usar e dispor deste elemento natural da forma que desejar,
há que se respeitar fielmente a dimensão ecológica e a dimensão social do direito fundamental
à água.

A execução de programas governamentais que utilizem a água como recurso produtivo


tem que necessariamente estar alinhada aos objetivos traçados na Política Nacional de
Recursos Hídricos, quais sejam: assegurar à atual e às futuras gerações a necessária
disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a
utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com
vistas ao desenvolvimento sustentável; e a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos
críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Um último tipo de conflito ambiental, agora relacionado ao acesso à água, apareceu


uma única vez no período compreendido entre 2004 a 2010, especificamente no ano de 2009,
sendo caracterizado pelo pleito de uma associação quilombola em ter assegurado o acesso à
água potável em sua comunidade.

A Lei nº 11.445/2007 definiu as diretrizes nacionais para a prestação dos serviços


públicos de saneamento básico, incluindo dentre os seus princípios fundamentais a
universalização do acesso ao abastecimento à água potável. Tendo em vista a recente vigência
da Lei do Saneamento Básico e a circunstância de existirem diversas comunidades na região
fisiográfica do baixo São Francisco em situação idêntica àquela que teve seu direito tutelado
pelo MPF, é provável que este tipo de conflito venha a se tornar mais frequente, demandando
70
O denominado Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste
Setentrional empreendido pelo Governo Federal.
130

uma maior atuação do Ministério Público Federal em Sergipe.

Percebe-se que os casos de maior impacto ambiental no baixo São Francisco resultam
da execução de políticas públicas pelo Governo Federal que priorizam o uso do rio São
Francisco para a geração de energia elétrica em detrimento dos demais usos. Essa observação
guarda relação de identidade com aquelas apresentadas em estudos desenvolvidos por ANA
et. al. (2003; 2004a), Guimarães (2004), Oliveira (2006) e Aguiar Netto et. al. (2010). Além
da construção de barragens a montante do rio, visualizou-se a poluição das águas por
lançamento de efluentes, a drenagem de resíduos e de fertilizantes da agroindústria e a
devastação da vegetação em áreas marginais de preservação permanente, danos ambientais
idênticos aos destacados por Oliveira (2006).

Ao mesmo tempo em que os dados já apresentados apontaram uma pequena


participação de entes públicos na provocação da atuação do Ministério Público Federal no
enfrentamento de conflitos hídricos, a figura 5.4 indica graficamente serem eles os que
figuram com maior frequência entre os agentes causadores do dano ou do risco ambiental.

3
5
ente público federal
ente público estadual
ente público municipal
empresa privada
cidadão

1 5
2
Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco

O Poder Público como um todo é o maior responsável direto pela prática de danos ao
meio ambiente no baixo São Francisco71, figurando como agente causador do dano ou risco

71
Constatação idêntica àquela exposta no trabalho de Chélen Lemos (2005), tendo como objeto de estudo o
Mapa dos Conflitos Ambientais do Rio de Janeiro.
131

ambiental na metade dos casos observados. Tais ações danosas ao meio hídrico decorrem de
atividades diretamente desenvolvidas por entes públicos, a exemplo da geração de energia
elétrica e de serviços públicos prestados de forma deficitária, como o saneamento básico e
abastecimento de água potável. Cabe destacar, que os entes públicos federais ocupam papel
destacado na degradação das águas, aparecendo como agente causador do dano em cinco
casos, três deles relacionados com a geração de energia elétrica. Os entes públicos municipais
vêm em seguida, sendo responsáveis por dois conflitos relativos ao despejo de esgoto sem
tratamento no rio São Francisco. A administração pública estadual apenas apareceu em um
único caso, referente ao acesso à água potável.

As atividades econômicas desenvolvidas por empresas privadas respondem por outros


cinco conflitos ambientais, relacionados com a poluição das águas e danos a áreas de
preservação permanente. O setor empresarial que mais se destaca na degradação ambiental do
baixo São Francisco é a agroindústria, que figura em quatro casos como agente do dano
ambiental. No outro caso observado, a empresa causadora do impacto ambiental desempenha
a atividade de indústria de cerâmica.

Três conflitos ambientais tem como agente causador o cidadão, todos eles
relacionados com a destruição de área de preservação permanente, dois deles em razão da
construção de casas de veraneio e suas benfeitorias e outro decorrente de desmatamento para
a aquicultura de subsistência.

Como se pode constatar em 81,25% dos conflitos ambientais estudados, o impacto


ambiental é causado por atividades ou serviços desenvolvidos diretamente pelo próprio Poder
Público ou por atividades econômicas incentivadas, subsidiadas e financiadas por entes
públicos, como é o caso da agroindústria e da indústria de cerâmica no baixo São Francisco.
Há uma clara opção governamental por um modelo de desenvolvimento econômico que
utiliza a natureza de forma predatória, o que motiva uma maior atuação do Ministério Público.

A estratégia de atuação adotada pelo Ministério Público Federal em Sergipe no


enfrentamento de conflitos ambientais no baixo São Francisco segue um padrão evidente em
sua fase inicial de levantamento de informações. Esta constatação pode ser claramente
observada na figura 5.5, que expõe graficamente os instrumentos jurídicos utilizados pelo
MPF nos casos objeto de estudo da presente pesquisa:
132

termo de ajustamento de conduta 0

recomendação 0

audiência pública 1

notificação 7

requisição 13

procedimento preparatório 15

inquérito civil 10

Figura 5.5: Instrumentos jurídicos utilizados

Toda investigação é iniciada com a instauração de procedimento administrativo


preparatório72 ou de inquérito civil, sendo o mais comum que a atuação do Ministério Público
Federal se inicie através de um procedimento preparatório que posteriormente é transformado
em inquérito civil, situação detectada em nove dos casos estudados. Somente em um único
caso houve a instauração prima facie de inquérito civil, nas outras quinze oportunidades
foram instaurados procedimentos preparatórios.

A análise dos procedimentos administrativos preparatórios e os inquéritos civis


selecionados indicou que foram instaurados, majoritariamente, com a finalidade repressiva, ou
seja, com o escopo de fazer cessar e reparar a ocorrência de um dano. A atuação repressiva do
Ministério Público Federal em Sergipe ocorreu em catorze dos dezesseis conflitos ambientais
relacionados ao direito à água analisados.

72
Na presente pesquisa adotou-se a nomenclatura procedimento administrativo preparatório, a mesma utilizada
pela Resolução CNMP 23/2007 e pela Resolução CSMPF nº 87/2006, para agrupar todos os autos
administrativos distintos do inquérito civil. Assim, foram agrupados nesta categoria autos intitulados
procedimento administrativo, peças de informação, representação da tutela coletiva e auto administrativo.
133

Apenas em duas situações, detectou-se a atuação preventiva do Ministério Público


Federal em Sergipe, direcionada à cessação de um possível risco ambiental. O primeiro caso
de atuação preventiva é resultado da instauração de um procedimento administrativo
preparatório, de ofício, para acompanhar a elaboração do Plano de Recursos Hídricos da bacia
hidrográfica do rio São Francisco que, posteriormente, teve seu objeto de investigação
modificado para abarcar a análise do projeto de transposição hídrica levado a termo pelo
Governo Federal. Este procedimento preparatório foi arquivado ao final de seis anos, tendo
em vista a judicialização da questão perante o Supremo Tribunal Federal. O segundo caso
decorreu de representação sobre a possível instalação de uma usina nuclear no baixo São
Francisco que foi arquivada em menos de um mês sob o fundamento de não existirem fatos
concretos acerca da definição da implantação da referida usina no Estado de Sergipe.

Após a instauração do procedimento administrativo preparatório ou do inquérito civil,


via de regra, o Ministério Público Federal requisita informações, documentos e a realização de
fiscalizações aos órgãos públicos com competência para a gestão administrativa do microbem
ambiental envolvido no conflito, situação que ocorreu em treze dos casos estudados73.

Essas requisições de informações, documentos e de realização de fiscalizações, em sua


grande maioria, onze dos dezesseis casos estudados, foram dirigidas ao IBAMA e à ADEMA.
Em apenas um único caso, relativo ao acesso à água, as autarquias ambientais não foram
acionadas. Expediu-se requisição em face da Superintendência do Patrimônio da União em
duas situações relativas a danos à área de preservação permanente.

O Ministério Público Federal em Sergipe também expediu requisições, uma única vez,
à Agência Nacional de Águas, à Superintendência de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe,
à Fundação Nacional de Saúde, ao Departamento Nacional de Produção Mineral, ao
Departamento Nacional de Obras contra as Secas e ao Pelotão de Polícia Ambiental do Estado
de Sergipe.

Somente foi observada a não expedição de requisição pelo Ministério Público Federal
em Sergipe em três procedimentos administrativos preparatórios. Nesses casos, não houve a
utilização de qualquer um dos instrumentos jurídicos categorizados acima. Dois deles

73
A utilização, como regra, da expedição de requisições com o objetivo de colher informações sobre os
conflitos ambientais que chegam ao conhecimento do Ministério Público é detectada nos trabalhos de José
Luiz Soares (2005), Lemos (2005), Carneiro (2005) e Totti et. al. (2007).
134

resultaram no ajuizamento de ações civis públicas perante a Justiça Federal, a primeira


movida pelo Ministério Público Federal em Sergipe, e a segunda por um terceiro legitimado.
O outro caso foi arquivado liminarmente por não se vislumbrar a presença de elementos
concretos que pudessem resultar em um dano ou risco ambiental.

É perceptível que o Ministério Público Federal em Sergipe, por não possuir, em seu
quadro próprio de servidores, técnicos aptos à realização de vistorias e fiscalizações, mantém
uma relação de extrema dependência com o corpo técnico do IBAMA e da ADEMA, que é
prejudicial ao tratamento dos conflitos ambientais. Isso porque a adoção de medidas concretas
para fazer cessar o risco e reparar o dano ambiental em questão fica dependente da agilidade
do envio das informações, documentos e dos relatórios das fiscalizações requisitados a essas
duas autarquias ambientais.

Machado (2009) já alertava que, apesar do Ministério Público Federal ter constituído
um corpo de especialistas, para auxiliar em todo território nacional na formação das provas,
esta atitude ainda se mostra insuficiente para fazer frente ao número de solicitações. “Para o
sucesso do inquérito civil ambiental é preciso que os Ministérios Públicos tenham recursos
financeiros para contratar especialistas” (MACHADO, 2009, p. 377).

A análise dos casos selecionados confirma ser frequente o atraso do IBAMA e da


ADEMA no encaminhamento das respostas requisitadas pelo Ministério Público Federal,
sendo necessário que lhes sejam enviados, diversas vezes, ofícios reiterando a requisição já
formulada e alertando que constitui crime o retardamento ou a omissão de dados técnicos
indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público74.

A morosidade dos órgãos ambientais no atendimento das requisições do Ministério


Público não é uma questão particular aos casos estudados na presente pesquisa, mas é uma
constatação frequente na maioria dos trabalhos que se debruçam sobre a atuação do MP na
defesa do meio ambiente. Após analisar a trajetória institucional das denúncias de conflitos
ambientais, Lemos (2005) constatou que75:

74
Artigo 10 da Lei nº 7.347/1985.
75
A constatação da morosidade dos órgãos ambientais no atendimento das requisições do Ministério Público
também é relatada nos trabalhos de José Luiz Soares (2005), Caneiro (2005) e Totti et. al.(2007).
135

É importante destacar que a relação entre as instituições nos processos


jurídico-ambientais (e também administrativos) nem sempre é harmoniosa.
Há conflitos interinstitucionais que por vezes se sobrepujam aos conflitos
ambientais originais. Os principais conflitos ocorrem em função de
problemas de comunicação entre os órgãos, especialmente entre o MP
Estadual e a Feema. A demora na prestação de informações relevantes para
um caso e/ou o não atendimento a uma solicitação de vistoria são as
principais razões desses conflitos (LEMOS, 2005, p. 23).

Constata-se, então, que o Ministério Público atua tanto em face dos agentes da
degradação buscando a prevenção e a reparação do dano ambiental, quanto gasta suas
energias cobrando dos órgãos públicos encarregados pela fiscalização e regulação de
atividades potencialmente danosas ao meio ambiente que se desincumbam de suas funções de
forma satisfatória.

Outro instrumento utilizado pelo Ministério Público Federal em Sergipe é a


notificação. Este instrumento convocatório pode ter por destinatário qualquer pessoa, seja ela
uma das partes envolvidas no conflito ou um terceiro, cujo depoimento seja importante para a
formação do convencimento do MP sobre a questão controvertida.

Apesar da sua aparente falta de relevância frente a outros instrumentos jurídicos como
o termo de ajustamento de conduta, a recomendação e a audiência pública, é através da
notificação que o Ministério Público convoca as partes envolvidas no conflito ambiental para,
além de colher as informações e os esclarecimentos necessários, oportunizar que um acordo
seja construído de forma participativa76. É com ela que se inicia efetivamente o processo de
mediação com o contato direto do Ministério Público com os envolvidos, ficando registrado o
conteúdo destes encontros em atas ou termos de reunião.

Quando a notificação é dirigida às partes envolvidas no conflito ambiental tem por


objetivo, basicamente, duas finalidades, dar início ao processo de negociação, ou colher
elementos de prova para a instrução de ação civil pública a ser ajuizada, nada impedindo que
uma única notificação seja utilizada para alcançar os dois objetivos ao mesmo tempo.

Houve a expedição de notificação para as partes envolvidas no conflito hídrico em

76
Geisa Rorigues (2006) apresenta como conclusão de sua pesquisa de doutorado a importância do Ministério
Público solicitar a presença do responsável pela conduta investigada para tentar se obter a conciliação.
136

37,50% dos casos objeto de estudo77, nos demais, não houve o contato direto do Ministério
Público Federal com os envolvidos na disputa. Há uma ocorrência maior das notificações
quando o agente causador do dano ou risco ambiental é um ente público, circunstância
verificada em quatro das seis oportunidades em que foi expedida a convocação.

Dos quatros casos em que o Ministério Público Federal em Sergipe não notificou o
ente público a se fazer presente para o início do processo de mediação, três foram encerrados
rapidamente, ou com o ajuizamento de ação civil pública logo em seguida à instauração do
procedimento preparatório, ou com o arquivamento liminar da representação encaminhada ao
MP. O outro caso que se encontrava em trâmite na data de 31/12/2010.

Como regra, a notificação expedida pelo Ministério Público Federal teve por
finalidade dar início ao processo de mediação através do contato direto com as partes
envolvidas no conflito ambiental. Essa situação foi detectada em cinco dos seis casos em que
a notificação foi expedida, sendo que em quatro deles o agente causador do dano era um ente
público. Em um dos casos em que o MPF manteve contato direto, a parte envolvida era um
cidadão. Na única situação em que o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se
a colher o depoimento para instruir a ação civil pública posteriormente ajuizada, o agente
causador do dano era uma empresa privada.

Ressalte-se que em nenhum dos casos analisados houve a necessidade do Ministério


Público Federal em Sergipe requisitar a condução coercitiva do notificado pela força policial.
Todas as notificações expedidas foram atendidas com o comparecimento da parte envolvida
no conflito ambiental. Não há uma resistência ao atendimento da notificação expedida pelo
Ministério Público, ao contrário daquilo que ocorre em relação ao cumprimento das suas
requisições, sendo ampla a possibilidade de se aumentar o uso deste eficiente instrumento
convocatório.

Uma outra forma de se concretizar o contato direto com as partes envolvidas no


conflito ambiental, além das reuniões comumentemente realizadas com a presença do
Ministério Público e do agente causador do dano ou risco ambiental, é através da realização
de audiências públicas. Por meio delas, busca-se ampliar a discussão sobre o conflito
ambiental, convocando-se além das partes envolvidas, autoridades, representantes de
77
Em um dos casos a notificação foi expedida para um terceiro não envolvido no conflito ambiental em análise
com a finalidade de prestar esclarecimentos técnicos na sede do Ministério Público Federal em Sergipe.
137

entidades civis e interessados em geral, para viabilizar a construção democrática do processo


de mediação.

Obviamente, a audiência pública não é um instrumento eficiente para a mediação de


todos os casos de conflitos ambientais, até mesmo porque a sua concretização demanda uma
publicização antecipada dos fatos a serem discutidos, deve ser realizada no local do dano ou
risco ambiental ou em suas proximidades, de forma a viabilizar a amplitude possível da
participação da comunidade. Todavia, deve ser realizada em quando se estiver presente um
conflito ambiental grande repercussão social, quando presente um dano ou risco ambiental de
destaque, e sempre que a discussão envolver os reflexos para o meio ambiente da implantação
de políticas públicas e programas governamentais, até mesmo para promover uma maior
accountability dos agentes públicos por eles responsáveis.

Em relação aos casos objeto de estudo da presente pesquisa, somente em uma situação
conflituosa foi realizada audiência pública. Tratava-se de conflito ambiental de relevo, com
grande repercussão social e decorrente da execução de políticas públicas, a saber os danos
decorrentes do controle da vazão do rio São Francisco pelos barramentos construídos pelo
programa federal de geração de energia elétrica. Na audiência pública convocada estiveram
presentes representantes da sociedade civil, do ente público causador do dano ambiental, da
Universidade Federal de Sergipe, do IBAMA, da ADEMA, do CBHSF, do Estado de Sergipe,
da União, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.

Percebe-se, claramente, que há um canal de diálogo melhor entre o Ministério Público


Federal em Sergipe e o Poder Público, sendo raras as oportunidades em que empresas
privadas e o cidadão são notificadas com a finalidade de comparecerem à Procuradoria da
República em Sergipe para se iniciar o processo de mediação, através do contato direto com o
agente causador do dano ou risco ambiental. A audiência pública realizada também estava
relacionada com um conflito ambiental cujo agente causador do dano era um ente público.

Há uma clara necessidade de se ampliar o contato direto do Ministério Público Federal


em Sergipe com as partes envolvidas no conflito hídrico, principalmente quando a situação
envolva empresas privadas ou cidadãos como agentes causadores do dano ou risco ambiental.
A eficiência do instrumento convocatório – a notificação – justifica o esforço no sentido de se
viabilizar o contado direto no processo de mediação dos conflitos ambientais.
138

A falta de um contato direto com as partes envolvidas no conflito ambiental dificulta


sobremaneira o processo de mediação. Esta constatação é percebida claramente quando se
visualiza que em nenhum dos casos estudados houve a equalização do conflito hídrico, seja
com a regularização da conduta ilícita de forma espontânea pelo agente causador do dano ou
risco ambiental, seja através do acatamento de recomendação ou da celebração de
compromisso de ajustamento de conduta.

Constatou-se que a expedição de recomendações e a celebração de compromissos de


ajustamento de conduta são preteridas pelo Ministério Público Federal em Sergipe em favor
do ajuizamento de ações civis públicas, o que indica a preferência por uma estratégia que
prioriza mais a coercitividade no enfrentamento dos conflitos ambientais relacionados com o
direito à água.

Embora tenha havido o contato direto do Ministério Público Federal com as partes
envolvidas no conflito hídrico em seis dos casos analisados, não se chegou à assinatura de um
compromisso de ajustamento de conduta em qualquer deles. Em duas dessas situações, houve
o ajuizamento de ação civil pública, transferindo-se a equalização do conflito para o Poder
Judiciário. Os outros quatro casos ainda estavam em trâmite na data delimitada previamente
para a realização do corte metodológico, 31/12/2010, podendo, ainda, haver a construção de
acordos em cada uma das disputas.

A constatação da ausência de celebração de compromisso de ajustamento de conduta,


nos procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados entre os anos de 2004 e 2010,
destoa do padrão encontrado nos trabalhos de Débora Maciel (2002), Débora Maciel &
Andrei Koerner (2002), Chélen Lemos (2005), Geisa Mio et. al. (2005), José Luiz Soares
(2005), Maria Eugênia Totti et. al. (2007), Luciano da Ros (2009), que detectaram em suas
pesquisas haver uma preferência do Ministério Público na utilização de TACs em detrimento
do ajuizamento de ações civis públicas.

A figura 5.6 detalha o resultado final dos conflitos ambientais relacionados com o
direito fundamental à água que foram objeto de enfrentamento pelo Ministério Público
Federal em Sergipe entre os anos de 2004 e 2010. O encerramento do trâmite de um
procedimento administrativo preparatório ou de um inquérito civil no âmbito no Ministério
Público Federal pode ocorrer em razão de três motivos: o arquivamento, com a equalização do
139

conflito ou em face da inexistência de dano ou risco ambiental; o declínio de atribuição,


quando se verificar a atribuição de outro ramo do Ministério Público para atuar na questão; e
o ajuizamento de ação civil pública, transferindo-se o tratamento do conflito para o Poder
Judiciário.

em trâmite em 31/12/2010 10

declínio de atribuição 0

arquivamento 3

ação civil pública 3

Figura 5.6: Resultado final

De plano, percebe-se que a maioria dos casos encontrava-se em trâmite no dia


31/12/2010. Nesta data, dez conflitos ambientais relacionados com o direito à água ainda
estavam em análise no Ministério Público Federal em Sergipe. Três conflitos hídricos foram
judicializados pelo Ministério Público Federal em Sergipe e outros três casos foram objeto de
arquivamento.

Das três ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal em Sergipe
duas foram contra entes públicos, um estadual e outro federal, e uma em face de uma
agroindústria privada. As ações civis públicas ajuizadas contra o Poder Público estadual e
federal estavam relacionadas com o acesso à água e com a poluição hídrica, respectivamente,
a terceira, ajuizada contra a empresa privada, busca a reparação de dano ambiental causado
pela poluição das águas.

É importante destacar que o único conflito ambiental relacionado ao acesso à água


140

potável foi judicializado. A ação civil pública foi movida após o insucesso das tratativas com
o ente público responsável pelo abastecimento de água potável para a comunidade
prejudicada, negociação que durou cerca de sete meses. Mesmo com o contato direto com a
parte envolvida no conflito hídrico o Ministério Público Federal em Sergipe não logrou por
termo na conduta ilícita. A rápida judicialização da questão indica a existência de uma maior
preocupação do Ministério Público Federal com a agilidade no tratamento da controvérsia em
torno do direito à água quando a dimensão social do conflito ambiental está presente com
mais vigor, não ocorrendo o mesmo quando há uma predominância do aspecto ecológico no
litígio em questão.

A poluição das águas foi o segundo tipo de dano ambiental enfrentado pelo Ministério
Público Federal em Sergipe através do ajuizamento de ação civil pública, representando dois
dos três casos em que houve a judicialização do conflito hídrico. A maior judicialização das
questões referentes à poluição hídrica não pode ser explicada somente pelo fato de refletir a
circunstância deste tipo de conflito apresentar um maior número de casos submetidos ao crivo
do MPF, uma vez que o dano à área de preservação permanente está presente em idêntica
quantidade. Transparece, portanto, existir um interesse maior do Ministério Público Federal
em Sergipe em conferir rapidez à equalização do conflito ambiental relativo à poluição da
água, judicializando a questão.

Destaque-se que, nos dois conflitos ambientais relativos à poluição das águas que
foram judicializados, não houve o início do processo de mediação propriamente dito. Na
primeira situação, a ação civil pública foi ajuizada imediatamente após a instauração, de
ofício, do procedimento administrativo preparatório. No segundo caso, houve a notificação do
agente causador do dano ambiental, todavia o contato direto com o Ministério Público Federal
em Sergipe foi direcionado para a tomada de declarações que instruíram a ação civil pública,
não havendo registro da existência de uma tentativa de equalização negociada do conflito
ambiental.

De outro lado, a análise mais detalhada dos três arquivamentos promovidos pelo
Ministério Público Federal em Sergipe esclarece que apenas em um dos casos a motivação foi
a circunstância de não se visualizar a ocorrência de dano ou risco ambiental. Tratava-se da
notícia da existência de discussões sobre a possibilidade de instalação de uma usina nuclear
no baixo São Francisco, sendo arquivado o procedimento preparatório em vista de não existir
141

uma decisão concreta do Poder Público no sentido de se implantar a referida usina no Estado
de Sergipe.

Os outros dois arquivamentos detectados foram motivados pelo ajuizamento de ações


civis públicas por outros legitimados, o que inviabilizou a continuidade do processo de
mediação extrajudicialmente em curso até então. O primeiro caso era relativo à poluição das
águas por empresa da agroindústria que foi judicializado pelo Ministério Público do Estado de
Sergipe. A outra promoção de arquivamento se referia ao projeto governamental de
transposição do rio São Francisco. Este conflito ambiental de grandes proporções foi objeto
de diversas ações civis públicas, que se encontram atualmente em trâmite no Supremo
Tribunal Federal, reunidas em torno da ação cível originária nº 876, ajuizada pelo Ministério
Público do Estado da Bahia, pelo Ministério Público Federal na Bahia e por organizações não
governamentais (PESSOA, 2011).

Constata-se, então, que, em cinco dos seis procedimentos preparatórios e inquéritos


civis finalizados pelo Ministério Público Federal em Sergipe, o conflito ambiental em torno
do direito à água foi deslocado para o Poder Judiciário, três deles por iniciativa própria e os
outros dois por iniciativa de terceiros legitimados à propositura de ação civil pública.

Um outro ponto a ser realçado, em relação ao resultado dos inquéritos civis e dos
procedimentos administrativos preparatórios instaurados, é que no curso dos sete anos objeto
de estudo o Ministério Público Federal afirmou a sua atribuição em todos os conflitos hídricos
localizados no baixo São Francisco que foram trazidos ao seu conhecimento, não havendo
qualquer declínio de atribuição. A circunstância de se tratar de bacia hidrográfica
inquestionavelmente do domínio da União afastou qualquer controvérsia acerca da definição
do ramo do Ministério Público que deveria atuar na matéria.

Merece, ainda, ser destacado um último aspecto da atuação do Ministério Público


Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos hídricos no baixo São Francisco: o tempo
de tramitação dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis
instaurados entre os anos de 2004 e 2010.

Até o mês de abril de 2006, os procedimentos administrativos preparatórios e os


inquéritos civis instaurados no âmbito do Ministério Público Federal não tinham uma
regulamentação adequada, sendo disciplinados exclusivamente pela Lei nº 7.347/1985, que
142

não estabelecia qualquer prazo para sua finalização. No dia 6 de abril de 2006, o Conselho
Superior do Ministério Público Federal editou a Resolução CSMPF nº 87/2006, que foi
seguida pela edição da Resolução CNMP nº 23/2007 de lavra do Conselho Nacional do
Ministério Público, ambas regulamentando a instauração e o trâmite do inquérito civil.

As duas resoluções editadas estabeleceram o prazo de 1 ano para o encerramento do


inquérito civil, com a possibilidade de prorrogações, tantas vezes quanto necessárias, pelo
mesmo prazo78. O procedimento administrativo preparatório, por sua vez, deve ser concluído
em 90 dias, prorrogáveis uma única vez. Ultrapassado o prazo da prorrogação do
procedimento administrativo preparatório, deve ser proposta a ação civil pública, promovido o
arquivamento, ou se deve convertê-lo em inquérito civil para a continuidade das investigações
e negociações79.

Adotando-se o prazo fixado na Resolução CSMPF nº 87/2006 e na Resolução CNMP


nº 23/2007 para o encerramento do inquérito civil, traçou-se um gráfico representativo do
tempo de tramitação dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis
instaurados pelo Ministério Público Federal em Sergipe visualizado na figura 5.7:

Até 1 ano

Acima de 1 ano até 2 anos


casos em trâmite
Acima de 2 até 3 anos casos encerrados

Acima de 3 anos

0 1 2 3 4 5 6

Figura 5.7: Tempo de tramitação

78
Artigo 15 da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 9º da Resolução CNMP nº 23/2007.
79
Artigo 4º, §§ 1º e 4º, da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 2º, §§ 6º e 7º, da Resolução CNMP nº
23/2007.
143

A franca maioria dos casos encerrados não ultrapassou o prazo de dois anos de
tramitação, sendo objeto de ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal
em Sergipe ou por terceiros legitimados. Apenas em uma situação, relacionada ao conflito
ambiental da transposição do rio São Francisco, o procedimento administrativo foi finalizado
em um prazo mais dilatado, seis anos. Ressalte-se que, neste caso, houve o ajuizamento de
diversas ações civis públicas por terceiros legitimados quando o procedimento preparatório
ainda contava com menos de dois anos de tramitação, permanecendo ativo somente para fins
de acompanhamento das medidas judiciais tomadas nos processos em curso. Seu
arquivamento ocorreu quando se percebeu a desnecessidade de se manter em instrução um
procedimento administrativo estando a questão judicializada no Supremo Tribunal Federal.

Em 83,33% dos casos encerrados a tramitação do procedimento administrativo


preparatório ou do inquérito civil não alcançou dois anos. Desses cinco casos finalizados em
até dois anos, somente em uma situação houve o contato direto com as partes envolvidas com
a finalidade de se iniciar o processo de mediação propriamente dito80.

A análise dos conflitos hídricos, que se encontravam em tramitação na data de


31/12/2010, aponta que o percentual de 80% deles também tinha sido instaurado há menos de
dois anos. Somente em duas situações o procedimento administrativo preparatório ou
inquérito civil tinha se iniciado há mais tempo, ultrapassando três anos de instauração.

O primeiro dos casos com tramitação alongada se refere ao conflito ambiental


caracterizado pela restrição aos usos múltiplos das águas do rio São Francisco. Os danos
ambientais noticiados decorrem do controle da vazão de defluência das barragens construídas
pelo programa federal de geração de energia elétrica. O segundo caso tem por objeto o dano à
área de preservação permanente causado pela prática de aquicultura de subsistência por um
ribeirinho. Em todas as duas situações, foi instalado o processo de mediação, com o contato
direto com as partes envolvidas, em busca da equalização do conflito hídrico de forma
negociada.

Constatou-se, também, que o Ministério Público Federal ainda não tinha mantido
contato direto com as partes envolvidas no conflito ambiental em seis dos procedimentos
administrativos preparatórios e inquéritos civis que tramitavam em 31/12/2010, sendo que
80
Em uma das situações analisadas o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se a colher o
depoimento para instruir a ação civil pública ajuizada em seguida.
144

cinco deles tinham como agente causador do dano ou risco ambiental empresas privadas ou
cidadãos. Nas duas situações em que o processo de mediação já tinha sido estabelecido
através do contato direto, o agente causador do dano ou risco ambiental era o Poder Público.

Como se vê, o processo de mediação dos conflitos ambientais relacionados com o


direito à água no baixo São Francisco pelo Ministério Público Federal não tem conseguido
obter sucesso dentro do prazo de um ano fixado na Resolução CSMPF nº 87/2006 e na
Resolução CNMP nº 23/2007. Quando os procedimentos administrativos preparatórios e os
inquéritos civis não são arquivados ou judicializados dentro desse prazo, o Ministério Público
Federal em Sergipe tem prorrogado a sua tramitação em busca de angariar mais elementos de
prova para o ajuizamento de ação civil pública ou dar continuidade ao processo de mediação
com o contato direto com as partes envolvidas no conflito hídrico.

A judicialização dos conflitos ambientais relacionados com o direito à água em


83,33% dos casos enfrentados pelo Ministério Público Federal em Sergipe, parte por sua
iniciativa própria e parte em razão do ajuizamento de ações civis públicas por terceiros
legitimados, indica que o processo de mediação destas disputas não tem sido exitoso, em
curto prazo, no âmbito dos procedimentos administrativos preparatórios e dos inquéritos civis.

A formalidade e a demora inerentes ao processo judicial não tem se mostrado um


obstáculo à transferência do enfrentamento dos conflitos hídricos, constatados no baixo São
Francisco entre os anos de 2004 e 2010, para o Poder Judiciário. O próprio Ministério Público
Federal em Sergipe tem buscado com frequência a judicialização desses conflitos ambientais,
sempre pleiteando a concessão de medida liminar para fazer cessar, de imediato, o dano
ambiental constatado.

Os dados coletados na presente pesquisa, todavia, não se mostram suficientes para a


formulação de uma conclusão segura acerca da eficácia da mediação dos conflitos hídricos
pelo Ministério Público Federal em Sergipe a médio prazo, uma vez que oito casos, metade da
amostra selecionada, estavam pendentes de finalização em 31/12/2010.

Apresentou-se, neste capítulo, as principais características dos conflitos hídricos do


baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe, os
instrumentos jurídicos e a estratégia de atuação utilizados, e, por fim, diagnosticou-se se esses
conflitos são efetivamente mediados pelo MPF ou são levados ao crivo do Poder Judiciário.
145

No capítulo que segue – o último da presente pesquisa – são expostas as conclusões


decorrentes do desenvolvimento desta investigação e indicadas as sugestões pertinentes.
146

CAPÍTULO 6

CONCLUSÕES E SUGESTÕES
147

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

O presente capítulo destaca, de forma breve, as conclusões decorrentes do


desenvolvimento da pesquisa realizada e apresenta sugestões sobre a atuação do Ministério
Público Federal na mediação de conflitos ambientais relacionados com o direito à água.

As conclusões obtidas sobre as características dos conflitos hídricos recorrentes no


baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe
referem-se à sua tipologia, à quantidade e frequência dos casos detectados, à forma como
chegaram ao conhecimento do MPF e à identificação do agente causador do dano ou risco
ambiental.

A grande maioria dos conflitos ambientais relativos ao direito à água recorrentes no


baixo São Francisco se referem a danos à área de preservação permanente e à poluição das
águas, detectando-se seis ocorrências de cada espécie. Todavia, os três casos relativos à
restrição aos usos múltiplos se destacaram em razão do grande impacto social e ecológico
causado.

Há um incremento do número de instaurações de procedimentos administrativos


preparatórios e inquéritos civis relacionado com a matéria em estudo quando existe um
contato mais próximo com o local do dano ou do risco ambiental, seja através de inspeções e
fiscalizações realizadas diretamente pelo Ministério Público Federal, seja através de sua
aproximação com as associações locais.

A atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos


ambientais relativos ao direito à água é dependente em grande parte das representações que
lhe são encaminhadas pelo público externo, noticiando a existência de algum dano ou risco ao
meio ambiente. Entretanto, há um perceptível distanciamento em relação aos entes públicos
encarregados da fiscalização do meio ambiente e do gerenciamento de recursos hídricos, que
não provocaram o MPF uma única vez no período estudado.
148

O Poder Público é o maior responsável pela prática de danos ao meio ambiente no


baixo curso do rio São Francisco, seja em razão de atividades ou serviços desenvolvidos por
ele diretamente, seja em razão de atividades econômicas desempenhadas pela iniciativa
privada, porém incentivadas, subsidiadas e financiadas com recursos públicos.

As conclusões relacionadas aos instrumentos jurídicos que compõe a estratégia de


atuação do Ministério Público Federal em Sergipe no enfrentamento dos conflitos hídricos
presentes no baixo São Francisco são as seguintes:

Os inquéritos civis e os procedimentos administrativos preparatórios são instaurados,


majoritariamente, com o objetivo de fazer cessar e reparar a ocorrência de um dano, sendo
raras as instaurações com a finalidade preventiva, voltada para o risco ambiental. Não há, via
de regra, a participação do Ministério Público Federal nas discussões sobre a gestão das águas
do baixo São Francisco.

As requisições de informações, documentos e fiscalizações são amplamente utilizadas


pelo Ministério Público Federal em Sergipe, todavia os seus principais destinatários, IBAMA
e ADEMA, são responsáveis por frequentes atrasos no cumprimento de tais determinações, o
que retarda a tramitação dos inquéritos civis e procedimentos administrativos preparatórios.

Com menor frequência, o Ministério Público Federal em Sergipe utiliza a notificação


das partes envolvidas no conflito para se iniciar o processo de mediação, através do contato
direto com o agente causador do dano ou do risco ambiental. O diálogo direto entre o MPF e
os responsáveis pela violação ao direito à água é muito mais frequente com o Poder Público,
do que em relação a empresas privadas e aos cidadãos.

O Ministério Público Federal em Sergipe prioriza o ajuizamento de ações civis


públicas em detrimento da expedição de recomendações e da celebração de compromissos de
ajustamento de conduta, que não foram detectados em qualquer dos casos estudados.

A análise dos dados coletados também permite inferir algumas constatações


relacionadas à efetividade do processo de mediação dos conflitos hídricos do baixo São
Francisco conduzido pelo Ministério Público Federal em Sergipe.

A estratégia de atuação utilizada pelo Ministério Público Federal em Sergipe para


149

mediar extrajudicialmente os conflitos hídricos não tem conseguido obter resultados efetivos
em um prazo curto, resultando na sua judicialização, seja pelo próprio MPF, seja por terceiros
legitimados.

A formalidade e a demora inerentes ao processo judicial não tem se mostrado um


obstáculo à transferência do enfrentamento dos conflitos ambientais relacionados com o
direito à água para o Poder Judiciário.

Cabe, neste momento, apresentar as sugestões acerca da atuação do Ministério Público


Federal em Sergipe na mediação de conflitos ambientais relacionados com o direito à água.

O Ministério Público Federal pode valer-se da experiência proveitosa iniciada pelos


Ministérios Públicos Estaduais, organizando-se espacial e funcionalmente em torno de bacias
hidrográficas, bem como criando núcleos operacionais para uma maior articulação com a
sociedade civil, associações, movimentos sociais e entes públicos e o consequente incremento
quantitativo e qualitativo de sua atuação.

A realização de fiscalizações diretamente pelo Ministério Público Federal de forma


mais frequente, aliadas a uma maior aproximação com as associações locais e com os
cidadãos residentes no baixo São Francisco podem aumentar, de forma considerável, a
atuação ministerial na defesa do direito à água.

Sugere-se, também, o estreitamento das relações institucionais com o Ministério


Público do Estado de Sergipe, aproveitando-se da maior capilaridade de sua estrutura e da
existência de um Núcleo de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do rio São Francisco
para a realização de fiscalizações preventivas em conjunto, em moldes similares aos do
Programa de Fiscalização Preventiva Integrada – FPI, desenvolvido pelo Ministério Público
do Estado da Bahia.

O Ministério Público Federal deve ser fazer mais presente nas discussões sobre o
gerenciamento das águas do rio São Francisco, aproximando-se dos órgãos públicos
integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, especificamente
em relação ao CBHSF, ao CNRH e à ANA, de forma a ampliar a sua atuação preventiva.

Nesta mesma direção, sugere-se uma maior articulação do Ministério Público Federal
150

em Sergipe com os órgãos responsáveis pelo licenciamento e fiscalização ambiental [IBAMA,


ADEMA, Pelotão de Polícia Ambiental, etc.), com o intuito de superar o hiato de
comunicação institucional existente.

Para uma maior agilidade no trâmite dos procedimentos administrativos preparatórios


e dos inquéritos civis, é conveniente a formação de um corpo técnico próprio do Ministério
Público Federal em Sergipe, além da descentralização de recursos para a contratação de
especialistas para casos específicos, cessando a relação de extrema dependência existente
entre o MPF, o IBAMA e ADEMA.

Sugere-se, também, que o Ministério Público Federal em Sergipe busque o contato


direto com as partes envolvidas no conflito ambiental em todos os procedimentos
administrativos preparatórios e inquéritos civis, logo após a sua instauração, de forma a
imprimir uma maior agilidade no início do processo de mediação propriamente dito.

Por último, mas não menos importante, é a incrementação do uso de instrumentos


jurídicos não coercitivos, como a recomendação e o compromisso de ajustamento de conduta,
deixando o ajuizamento da ação civil pública para os casos em que não se consiga alcançar a
equalização do conflito ambiental através da mediação ou naqueles em que a urgência na
cessação da conduta ilícita exija tal iniciativa.
151

REFERÊNCIAS
152

REFERÊNCIAS

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165

APÊNDICE
166

APÊNDICE A

FICHA DE COLETA DE DADOS

1. Nº. dos autos: ____________________________Data de instauração________________


2. Tipologia: ( ) restrições aos usos múltiplos ( ) poluição das águas
( ) dano à APP ( ) acesso à água
( ) outros especificar: ____________________________________________
3. Origem: ( ) representação ( ) atuação de ofício
4. Representante: ( ) órgão público federal ( ) órgão público estadual
( ) órgão público municipal ( ) associação
( ) cidadão
Especificar órgão público: ______________________________________________________
5. Representado: ( ) ente público federal ( ) ente público estadual
( ) ente público municipal ( ) empresa privada ( ) cidadão
Especificar órgão público: ______________________________________________________
6. Instrumentos jurídicos utilizados:
( ) inquérito civil ( ) procedimento administrativo preparatório
( ) requisição ( ) audiência pública
( ) notificação ( ) recomendação
( ) termo de ajustamento de conduta notificação
7. Estratégia de negociação: ( ) houve contato direto com as partes envolvidas
( ) não houve contato direto com as partes envolvidas
8. Órgão(s) público(s) interveniente(s):
( ) CBHSF ( ) ANA ( ) SRH ( ) CNRH ( ) IBAMA
( ) ADEMA ( ) outros, especificar ___________________________
9. Foco da atuação: ( ) preventiva ( ) repressiva
10. Resultado final: ( ) arquivamento ( ) declínio de atribuição
( ) ação civil pública ( ) em trâmite em 31/12/2010
11. Motivo do arquivamento
( ) ausência de infração ambiental ( ) equalização do conflito
( ) outro, especificar______________________________________________
12. Tempo de tramitação: ( ) anos ( ) meses ( ) dias

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