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PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
E MEIO AMBIENTE
Novembro – 2011
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
ii
Novembro – 2011
São Cristóvão – Sergipe
Brasil
iii
CDU 502.51(282.281.5)
iv
________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS
________________________________________________
Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho
DIREITO-UFBA
________________________________________________
Profa. Dra. Maria José Nascimento Soares
PRODEMA-UFS
v
________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS
vi
________________________________________________
Pablo Coutinho Barreto
PRODEMA-UFS
________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa
PRODEMA-UFS
vii
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profa. Dra. Flávia Moreira Guimarães Pessoa, pelo incentivo e
aconselhamento sem os quais a conclusão desta pesquisa não teria sido possível.
Ao Prof. Dr. Antenor de Oliveira Aguiar Netto pelas suas importantes contribuições na
fase inicial desta caminhada.
Aos meus colegas e amigos do Ministério Público Federal em Sergipe, sem o auxílio
dos quais eu não teria conseguido compatibilizar trabalho e estudo.
À toda equipe que compõe o ofício da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão
da PR-SE, que muito me ajudou na coleta de dados.
RESUMO
A presente pesquisa se debruça sobre a forma como o Ministério Público enfrenta os conflitos
ambientais relacionados ao direito fundamental à água. Seu objetivo geral é analisar a atuação
do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos ambientais relativos à
água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os objetivos específicos são três:
i) examinar as características dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de
enfrentamento pelo Ministério Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos
jurídicos e a estratégia de atuação utilizados; iii) investigar se a atuação do Ministério Público
Federal na mediação desses conflitos ambientais é efetiva. Foram selecionados todos os
dezesseis casos em que o Ministério Público Federal atuou na mediação de conflitos hídricos
no baixo São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010, e aplicados sobre eles uma ficha com a
finalidade de coletar e sistematizar as informações referentes as partes envolvidas no conflito
hídrico, as circunstâncias que originaram a atuação do Ministério Público Federal, o tipo de
conflito ambiental estabelecido, as medidas jurídicas adotadas para a resolução de tais
conflitos, e o resultado do processo de mediação. Após a análise dos dados obtidos, constatou-
se que a maior parte dos conflitos ambientais relativos ao direito à água se referem a danos à
área de preservação permanente e à poluição das águas, sendo os de maior relevância os
relacionados à restrição aos usos múltiplos. Os instrumentos mais utilizados são o inquérito
civil e o procedimento preparatório, a requisição e a notificação, não havendo registro da
utilização de recomendação ou termo de ajustamento de conduta. A estratégia utilizada pelo
Ministério Público Federal em Sergipe não tem conseguido obter resultados efetivos
extrajudicialmente de forma ágil, havendo um grande direcionamento dos conflitos hídricos
ao Poder Judiciário.
ABSTRACT
This present study focuses on how the prosecutor faces environmental conflicts related to the
fundamental water right. Its general purpose is to analyze the performance of the Federal
Prosecutor in Sergipe in the mediation of environmental conflicts related to water down the
San Francisco between the years 2004 and 2010. The specific objectives are threefold: i)
examine the characteristics of the low water conflicts object facing San Francisco by federal
prosecutors in Sergipe ii) specify the legal instruments used and operating strategy; iii) to
investigate whether the actions of the Federal Prosecutor in the mediation of environmental
conflicts is effective. We selected all sixteen cases in which federal prosecutors acted in the
mediation of conflicts in water below San Francisco, between 2004 and 2010, and applied
them on a sheet in order to collect and systematize information about the parties involved
water in the conflict, the circumstances that led to the actions of the Federal Public Ministry,
the type of environmental conflict established the legal measures taken to resolve such
conflicts, and the result of the mediation process. After analyzing the data obtained, it was
found that most environmental conflicts related to water rights refer to damage to the area of
preservation and water pollution, the most relevant being those related to the restriction on
multiple uses. The instruments most commonly used are the civil investigation and
preparatory procedure, the request and notification, there is no record of the use of the term
recommendation or adjustment of conduct. The strategy used by federal prosecutors in
Sergipe has achieved effective results out of court swiftly, with a major reallocation of water
disputes to the courts.
LISTA DE FIGURAS
Página
Figura 4.1: Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 114
Figura 4.2. Barragem de Xingó.......................................................................................... 116
Figura 5.1: Número de instaurações entre os anos de 2004 e 2010................................... 123
Figura 5.2: Origem............................................................................................................. 124
Figura 5.3: Tipologia.......................................................................................................... 127
Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco................................................................... 130
Figura 5.5: Instrumentos jurídicos utilizados..................................................................... 132
Figura 5.6: Resultado final................................................................................................. 139
Figura 5.7: Tempo de tramitação....................................................................................... 142
xii
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 109
Tabela 4.2. Principais características socioeconômicas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco............................................................................................................................ 110
Tabela 5.1. Casos em que o MPF atuou na mediação de conflitos hídricos no baixo São
Francisco entre os anos de 2004 a 2010............................................................................. 121
xiii
LISTA DE SIGLAS
Siglas
SUMÁRIO
Página
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 16
1.1 Problema de pesquisa, justificativa e objetivos........................................................... 19
1.2 Metodologia................................................................................................................. 20
1.3 Estrutura da pesquisa................................................................................................... 23
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 151
APÊNDICE.........….......................................................................................................... 165
16
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
17
1. INTRODUÇÃO
A vida em sociedade é marcada pela presença constante de conflitos. Não pode ser de
outra forma, pois o conflito é uma das possíveis formas de interação social (SIMMEL, 2006),
que implica disputa no acesso e distribuição de recursos escassos (BOBBIO et. al., 1998). O
conflito é inerente à convivência humana, todavia, o seu acirramento e descontrole
contribuem para o esgarçamento do tecido social e a erosão das condições ambientais, essa
última consequência em se tratando de conflito ambiental.
Ao longo das últimas três décadas, um novo perfil institucional do Ministério Público
foi sendo construído através de sucessivas mudanças legislativas. Esse processo histórico
convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio ambiente ganhasse
importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque na mediação de
conflitos ambientais.
1
Em razão disso, no desenvolvimento da presente pesquisa, prefere-se falar em tratamento ou equalização à
resolução do conflito.
18
Marchesan (2005) destaca a tutela da água como um dos temas que mais têm
absorvido a atuação do Ministério Público no Estado do Rio Grande do Sul, quer pela
urgência (na área ambiental o tempo milita, como em nenhuma outra matéria, contra o êxito
da atuação institucional); pela complexidade (a transdisciplinaridade é característica desta
forma de atuação); pela abrangência (os interesses difusos envolvidos nas demandas por água
de qualidade transbordam em muito a esfera ambiental) e pela transcendência (o que hoje se
constrói em termos de prevenção e reparação de recursos hídricos se projeta para o futuro de
gerações não nascidas). Aponta, ainda, que os assuntos que se sobressaem nesse contexto pelo
envolvimento direto e/ou indireto com a tutela da água são os poços artesianos, as matas
ciliares, os esgotos, a utilização de agrotóxicos, a deposição inadequada de resíduos sólidos e
captações de água para irrigação.
Mio et. al. (2005) sustentam que a utilização do inquérito civil em conjunto com o
termo de ajustamento de conduta permite a resolução mais eficiente e mais rápida dos
conflitos ambientais, importando, inclusive, em menores custos quando comparados à
abordagem tradicional pelo Poder Judiciário. Apontam, ainda, que o emprego em conjunto
desses dois instrumentos jurídicos representa o diferencial do Ministério Público em relação à
proteção ao meio ambiente, quando comparado a outras instituições de gestão e fiscalização
também legitimadas à assinatura de termo de ajustamento de conduta.
Seguindo uma sequência lógica e sistemática, a presente pesquisa tem como objetivo
geral analisar a atuação do Ministério Público Federal em Sergipe na mediação dos conflitos
relacionados com o direito à água no baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010. Os
objetivos específicos são três, podendo ser assim enumerados: i) examinar as características
dos conflitos hídricos do baixo São Francisco objeto de enfrentamento pelo Ministério
Público Federal em Sergipe; ii) especificar os instrumentos jurídicos que compõe a estratégia
desta atuação; iii) investigar se esses conflitos ambientais são efetivamente mediados ou são
submetidos ao Poder Judiciário.
20
1.2. Metodologia
Antes de tudo cabe revelar que o autor da pesquisa é Procurador da República, então,
membro do Ministério Público Federal. Esse fato por si não afasta a credibilidade científica da
investigação realizada. Há muito sabe-se que não se pode falar em uma objetividade científica
pura, uma vez que o objeto observado é construído na sua inter-relação com o sujeito. Cabe,
sim, ao investigador minimizar essa circunstância através do rigor técnico a ser adotada na
metodologia escolhida.
Não se pretende, todavia, inferir uma verdade geral ou universal acerca da atuação do
Ministério Público partindo-se dos dados particulares obtidos na observação do fenômeno no
baixo São Francisco, apenas se busca a construção de um modelo de análise que possa ser útil
à compreensão de uma manifestação da realidade – o enfrentamento de conflitos hídricos pelo
Ministério Público.
Totti et. al. (2007) apontam que uma análise da atuação do Ministério Público no
controle do meio ambiente é uma boa estratégia metodológica, pois é onde vão se confluir as
explicitações dos conflitos ambientais e as suas soluções. Ressaltam, ainda, que “a vinculação
metodológica entre MP e recursos hídricos constitui uma estratégia organizacional de
conhecimento sistematizado, ainda pouco explorado no âmbito nacional, podendo ser
escalonado em diferentes abrangências de tempo e espaço geográfico” (TOTTI et al, 2007, p.
195).
2
Adota-se na presente pesquisa o termo representação e não denúncia, nomenclatura utilizada por Soares
(2005), em razão desta última expressão ser utilizada para nomear a petição que inicia uma ação penal
22
3
Artigo 20, inciso III, da Constituição Federal.
4
A ficha de coleta de dados se encontra reproduzida no apêndice da presente pesquisa.
23
Ministério Público Federal [ÚNICO], que fornecesse uma relação dos casos em que
ocorreram a atuação do Ministério Público Federal em questões relacionadas à água, no baixo
São Francisco, entre os anos de 2004 e 2010. Esse levantamento de dados foi realizado
utilizando-se como parâmetro de pesquisa as expressões “rio São Francisco”, “água”, “bacia
hidrográfica”, “recursos hídricos”.
Apresentado em três breves seções, o segundo capítulo lança-se pelo tortuoso caminho
dos conceitos e categorias. Inicia-se com a abertura de um debate sobre a racionalidade
econômica que impera nos dias atuais e a proposta de uma nova racionalidade – a ambiental,
na necessária busca de uma trilha segura que conduza à sustentabilidade. Discute-se,
posteriormente, os diversos enfoques que permeiam a análise da denominada problemática
ambiental e os distintos conceitos apresentados para os conflitos ambientais. Ao fim,
apresenta-se, em resumo, as diferentes propostas de ética ambiental e como influenciaram e
influenciam na construção de um direito do meio ambiente.
CAPÍTULO 2
eras primitivas, a natureza era divina, sagrada, e o homem, sempre temeroso, percebia-se
subjugado pelo mundo natural, esse visto como onipotente, imprevisível e indominável
(CAMARGO, 2008).
Para Leite (2010), a visão antropocêntrica tradicional já era verificada nos escritos dos
filósofos gregos e na própria Bíblia. O animal era visto por Aristóteles como um escravo, um
fornecedor de matéria-prima, um bem útil para a alimentação e para o uso diário. Trechos da
Bíblia, Gênesis (I 26-28), por muito tempo, foram utilizados como fundamentação para a
visão antropocêntrica5, porquanto a interpretação vigente era que Deus teria outorgado ao
homem, criado à sua imagem e semelhança, o domínio sobre todas as coisas. A visão
utilitarista da natureza também está presente na obra de Tomás de Aquino, de Kant e da
maioria dos filósofos ocidentais (VIDAL, 2010).
Na mesma linha, Antunes (2001) registra que a tradição humanista ocidental sempre
esteve enlaçada com a concepção da existência de uma contradição entre homem e natureza e
que o ser humano deveria dominar a natureza para alcançar o progresso e a felicidade.
5
“Qualquer perspectiva que aumente a importância dos seres humanos no cosmo, e. g., vendo-o como algo
que foi criado para o nosso benefício, é antropocêntrica” (BLACKBURN, 1997).
29
A natureza nada mais é do que um recurso a ser utilizado em benefício das atividades
humanas, daí falar-se em recurso natural. Instrumentaliza-se a natureza, retirando-lhe seu
valor intrínseco, sua finalidade exclusiva é servir ao atendimento das necessidades humanas.
Para Portilho (2005), o consumo total da economia humana tem excedido a capacidade
de reprodução natural e assimilação de resíduos da ecosfera, enquanto a distribuição de tais
30
6
Seguindo a lição de Portilho (2005), entende-se por questão ambiental o conjunto de fatores e variáveis
existentes na relação homem-natureza em seus diversos aspectos: biológicos, éticos, estéticos, territoriais,
políticos, sociais, culturais, econômicos, axiológicos, espirituais, etc.
31
públicos na atualidade, entretanto, não é orientada por uma unidade discursiva, ao revés, há
uma profusão de discursos e práticas que emergem de diferentes lugares e atores, expressando
diferentes ideologias que orientam a definição do significado da questão ambiental, bem como
as propostas e agendas políticas para o seu enfrentamento. A tentativa de se obter uma
resposta para a pergunta sobre as causas estruturais que estariam na raiz da degradação
ambiental enseja a percepção de que o tema envolve uma disputa ideológica. Não existe uma
crise ambiental única, mas uma pluralidade de formas de se problematizar a questão e uma
disputa por proposições e tentativas de solução entre diferentes campos sociais e políticos,
sendo que as diversas formas de se perceber a questão ambiental tem se alterado em razão do
aprofundamento do debate, da ampliação dos atores que dele participam, da agudização dos
problemas e do desenvolvimento de novos estudos científicos (PORTILHO, 2005).
O início do debate ecológico pode ser representado por duas grandes correntes: o
preservacionismo, amparado nas ideias de John Muir, que pregava o “culto à vida silvestre” e
tinha por base a exclusão do homem para a preservação do espaço intocado, que influenciou
fortemente as éticas ambientais contemporâneas, como o biocentrismo e o ecocentrismo; e o
conservacionismo, fundado no pensamento de Gifford Pinchot, que pregava o uso adequado e
criterioso dos recursos naturais e defendia o crescimento econômico com base na
ecoeficiência e na modernização ecológica, precursor do que hoje se chama desenvolvimento
sustentável (DIEGUES, 2008; ALIER, 2007; LARRÈRE, 2008).
Até a década de 70, prevalecia uma definição estreita da questão ambiental, mantida
pelo poder político das nações industrializadas, que atribuía a degradação do meio ambiente e
o esgotamento da capacidade de suporte da natureza ao crescimento demográfico dos países
pobres, àquela época chamados de Países do Terceiro Mundo. É com o advento da
Conferência de das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, no ano de 1972, que se
32
Leff (2008) aponta que ecodesenvolvimento teve seu potencial crítico e transformador
dissolvido pelas estratégias de resistência à mudança na ordem econômica, antes de conseguir
vencer as barreiras da gestão setorializada do desenvolvimento, reverter os processos de
planejamento centralizado e penetrar nos domínios do conhecimento tradicional. Em seu
lugar, foram buscar um conceito capaz de esverdear a economia, com o objetivo de mascarar
a contradição entre crescimento econômico e preservação da natureza. Assim, o conceito de
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Para Zhouri et. al. (2005), o surgimento da crítica transformadora desencadeada pela
ecologia política suscitou reações por parte dos defensores da industrialização, que
começaram a incorporar, paulatinamente, as chamadas variáveis ambientais, centrando o seu
discurso na fé irrestrita nas soluções tecnológicas como solução para a questão ambiental.
Dessa forma, na medida em que as forças hegemônicas da sociedade reconheciam e
institucionalizavam temas ambientais que não colocavam em risco as instituições da
sociedade vigente, houve uma certa despolitização do debate ecológico. Os mesmos autores
falam de uma “adequação ambiental”, que se constituiria em um verdadeiro paradigma
inserido dentro da visão desenvolvimentista que motiva ações políticas que atribuem ao
mercado a capacidade institucional de resolver a degradação ambiental, apostando na
modernização ecológica. Sendo um paradigma reformador, a adequação ambiental se coloca
como obstáculo aos discursos que visam à construção de um paradigma transformador para a
sustentabilidade.
Na mesma linha, Ennes (2008) aponta que houve uma apropriação e uma
ressignificação da questão ambiental pelo pós-industrialismo. Com isso, é o modo de
produção que passa a ter necessidade de garantia da sustentabilidade, reduzindo o alcance da
ideia de sustentabilidade e afastando o seu potencial transformador e inovador quanto às
formas de relação entre a sociedade e a natureza.
produção industrial, preservado-o das críticas ideológicas por parte dos ambientalistas”,
conforme relata Portilho (2005, p. 47). Houve um certo consenso político-econômico sobre a
necessidade da adoção de novas tecnologias, mais eficientes. Entretanto, conseguiu-se manter
o debate sobre a questão ambiental distante da iniquidade na distribuição, acesso e gestão dos
recursos naturais do planeta, dos valores da sociedade moderna e dos estilos de vida e padrões
de consumo desiguais (PORTILHO, 2005).
A palavra conflito tem origem latina, conflictu, significando choque, embate, combate,
luta (HOUAISS, 2009). O conflito é uma das possíveis formas de interação entre indivíduos,
grupos, organizações e coletividades, que implica disputa no acesso e distribuição de recursos
escassos (BOBBIO et. al., 1998). O conflito é inerente à convivência humana. As aspirações
do ser humano, materiais ou espirituais, além dos limites impostos pela natureza das coisas,
operam em fronteiras delimitadas por desejos ou necessidades de outro indivíduo ou da
própria coletividade. Naquele primeiro caso, o conflito tem uma conotação eminentemente
individual ou, quando muito plural. Neste, diversamente, o conflito adquire ares de
supraindividualidade (BENJAMIN, 2003).
Para Alonso & Costa (2002), a definição de um conflito supõe considerar a interação
entre diversos grupos de agentes em choque pelo controle de bens e recursos ou do poder de
gerar e impor certas definições da realidade. Os conflitos se estruturam em torno de interesses
e de valores.
próprio da vida em sociedade, não sendo, a princípio, positivo ou negativo, apenas indicativo
da existência de diferenças intersubjetivas. Na China, isso é bem visualizado a partir do
símbolo utilizado para a representação da ideia de conflito, composto por dois ideogramas
superpostos: risco e oportunidade (SOARES, S., 2008).
7
“Pode-se dizer que o que é complexo, diz respeito, por um lado, a um mundo empírico, à incerteza, à
incapacidade de ter certeza de tudo, de formular uma lei, de conceber uma ordem absoluta. Por outro lado diz
respeito a alguma coisa de lógico, isto é, à incapacidade de evitar contradições” (MORIN, 2011, p. 68).
40
dentro do título que disciplina a ordem social. Neste sentido, Antunes (2001, p. 46) aponta
que a Constituição Federal “modificou inteiramente a compreensão que se deve ter sobre o
assunto, pois inseriu, de forma bastante incisiva, o conteúdo humano e social no interior do
conceito” de meio ambiente.
A questão ambiental, até pouco tempo atrás, era analisada apenas dentro do enfoque
consensual. Assim, não haveria conflitos ambientais, a não ser como embates de valor
transitório que tenderiam a se converter em práticas sustentáveis (ALONSO & COSTA,
2002). Esta visão é criticada por Acselrad (2004b) para quem as forças hegemônicas buscam
consagrar na agenda pública as tecnologias do consenso, constitutivas do modelo de “pós-
democracia consensual”, que é caracterizado pelo encobrimento dos conflitos e o
esvaziamento da política.
Zhouri & Zucarelli (2008) sustentam que a ideia de uma conciliação entre os
interesses econômicos, ecológicos e sociais ocupa papel chave na noção de desenvolvimento
sustentável adotada em âmbito mundial. Prevalece a crença de que os conflitos entre os
diferentes segmentos da sociedade poderiam ser resolvidos através da gestão do diálogo entre
os atores, com a finalidade de se alcançar um consenso. Nessa perspectiva, os problemas
ambientais e sociais são entendidos como meras questões técnicas e administrativas,
passíveis, portanto, de medidas mitigadoras e compensatórias. Desta maneira, os impactos da
espacialização do processo de acumulação de capital sobre os territórios, suas condições
naturais e populações são percebidos como solucionáveis por meio da utilização de novas
tecnologias e de um planejamento racional. O que subjaz a essa visão é a concepção do meio
41
ambiente como uma realidade objetiva, instância separada e externa às dinâmicas sociais e
políticas da sociedade.
O enfoque objeto da crítica formulada por Zhouri & Zucarelli (2008) pode ser
percebido nas entrelinhas de artigo de autoria de Mio et. al. (2005), para quem a resolução de
conflitos ambientais, mediante negociação, visando implementar o desenvolvimento
sustentável, é uma proposta que vem sendo desenvolvida em vários países e considera a
construção do desenvolvimento sustentável como um processo gradual e embasado na
construção do consenso.
Agra Filho (2008) afirma que a origem da problemática ambiental decorre dos usos
conflitantes provocados tanto pela diversas demandas da sociedade em relação a um
determinado recurso ou sistema ambiental quanto pelas próprias alterações das condições
ambientais. Os conflitos ocorreriam ainda quanto uma determinada atividade econômica
ameça determinadas áreas que contêm importantes atributos ecológicos ou ecossistemas
sensíveis que são protegidos legalmente.
A análise dos conflitos ambientais deve partir da premissa que o meio ambiente não
42
pode ser reduzido apenas a matéria e energia, pois também é constituído por elementos
históricos e culturais (ACSELRAD, 2004a), devendo sempre ser levado em conta a escolha de
“o que” e “como” utilizar os elementos da natureza, inclusive a possibilidade da existência de
uma articulação entre degradação e injustiça social (ACSELRAD, 2002).
Nesta mesma linha, José Luiz Soares (2005) assevera que os conflitos ambientais
podem ser entendidos como aqueles que irrompem quando alguma atividade e/ou instalação
afeta a estabilidade de outras formas de ocupação (ambientes residenciais ou de trabalho)
desenvolvidas em espaços conexos, mediante impactos indesejáveis transmitidos pelo solo,
pela água ou pelo ar. Estes impactos indesejáveis podem provir tanto da omissão do poder
público – por exemplo, nos casos de ausência de implantação de sistemas de saneamento –
como de atividades ou instalações degradantes ao meio ambiente.
Para Carneiro (2006), os conflitos ambientais são concebidos como disputas que são
inerentes às estruturas das sociedades de dominação e colocam em oposição grupos sociais
que lutam pela atribuição de significados e usos às condições naturais em condições
assimétricas de poder. Denomina tais conflitos de ambientais no sentido de que põem em jogo
usos concorrentes de um mesmo “ambiente” específico, ou seja, de condições naturais
territorializadas, apropriadas por agentes determinados para usos determinados.
Zhouri & Zucarelli (2008) conceituam o conflito ambiental como inerente às práticas
sociais de uso e significação do espaço, tendo em vista a pluralidade de segmentos sociais
envolvidos na construção de seus respectivos projetos sociais que dão sentido e destino aos
territórios. As interações entre esses grupos sociais, no que diz respeito à apropriação social
43
Segundo Zhouri et. al. (2005), o conflito eclode quando o sentido e a utilização de um
espaço ambiental por um determinado grupo ocorre em detrimento dos significados e usos
que outros segmentos sociais possam fazer de seu território para assegurar a reprodução de
seu modo de vida. Assim, pode-se afirmar que os conflitos ambientais ocorrem quando há
uma disputa entre grupos sociais sobre as diversas formas de significação, utilização,
exploração e em relação ao próprio acesso desigual à natureza.
As diversas concepções sobre conflito ambiental apresentadas até agora estão inseridas
dentro de uma lógica antropocêntrica. A natureza aparece como o objeto de disputa entre
grupos humanos, os sujeitos que se confrontam para fazer prevalecer, cada qual, os seus
modos de apropriação, uso e significação do mundo natural. O homem está fora da natureza e
o conflito a ela é extrínseco.
Outra forma de se conceber o conflito ambiental leva em conta que o homem é parte
integrante da natureza, da mesma forma que os elementos físico e biótico, concepção
consentânea com os paradigmas de uma ecologia integral8. As interações entre esse conjunto
de elementos constituem o meio ambiente, um espaço essencialmente dinâmico e conflituoso.
O conflito é interno e próprio da natureza, da mesma forma que também o é a relação
cooperativa. A natureza é sujeito e não simples objeto. A sua complexidade permite que os
seus elementos integrantes (físico, biótico e social) se relacionem ora de forma antagônica ora
de forma harmoniosa.
Sobre uma visão dinâmica da natureza, que não busca a exclusão do ser humano e não
se fundamenta na ideia de um equilíbrio ecológico estático, Larrère (2010, p. 48) aponta que a
partir dos anos 90:
O conflito, então, pode ser qualificado como ambiental quando o meio ambiente9 é o
8
“Ecologia integral é aquela que concebe o ambiente como um todo composto da fusão de homem e natureza”
(Bello Filho, 2004, p. 94).
9
Entendido o meio ambiente como a rede dinâmica de interações e conexões entre os elementos físicos,
bióticos e sociais que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
45
palco do embate. O conflito ambiental é uma disputa interna na teia da vida10, na qual se faz
presente algum impacto negativo ao meio ambiente, efetivo [dano] ou potencial [risco]. É
constituído por duas importantes dimensões, uma social, representada pela disputa entre
grupos humanos acerca da forma de apropriação material e simbólica dos elementos naturais;
e outra ecológica, representada pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza,
decorrente de uma ação antrópica que causa um dano ou incrementa um risco para o
ecossistema como um todo e para os elementos que o integram.
A afirmação de novos direitos a cada dia ressalta o caráter histórico e cultural dos
direitos fundamentais. A extensão e o conteúdo dos direitos fundamentais não é atemporal,
mas construída dialeticamente em cada cultura e cada tempo através de lutas, embates e
conflitos.
Sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo
terá que travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura
século e cuja intensidade se torna maior quando o s interesses constituídos se
tenham corporificado em forma de direitos adquiridos. Sempre que isto
acontece, cada uma das partes que se defrontam ostenta em seus estandartes
a divisa da majestade do direito. Uma invoca o direito histórico, o direito do
passado, e a outra, o direito sempre em formação e constantemente
rejuvenescido, o direito inato da humanidade à contínua renovação.
Encontramo-nos diante de um conflito intrínseco, contido na própria ideia do
direito. (IHERING, 2001, p. 31)
chamados direitos de liberdade, que buscam tornar o homem livre do jugo do Estado para,
assim, poder desenvolver-se em sua plenitude.
Uma outra proposta de classificação dos direitos fundamentais é adotada por Sarlet
(2009) com base em uma perspectiva funcionalista. Deste modo teríamos direitos
fundamentais como direitos de defesa e direitos fundamentais como direitos de proteção. Os
direitos de defesa “se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos,
implicando para estes um dever de respeito a determinados interesses individuais” (SARLET,
2009, p. 168). A abrangência desses direitos alcança
Os direitos fundamentais como direitos a prestações, para Sarlet (2009), implicam uma
postura ativa do Estado, obrigando-o a colocar à disposição dos indivíduos prestações de
natureza jurídica e material. Pessoa (2008, p. 43) esclarece que tais direitos “se encontram
vinculados à concepção de que ao Estado incumbe colocar à disposição dos cidadãos os meios
materiais e implementar as condições que possibilitem o efetivo exercício das liberdades
fundamentais”.
Atualmente o debate mais acalorado gira em torno de uma nova geração de direitos
que transcendem a fruição individual ou por grupos determinados, como foi o caso dos
direitos individuais e dos direitos sociais. Sobre esta terceira geração [ou dimensão] de
direitos, Bobbio (1992, p. 6) ressalta que “o mais importante deles é o reivindicado pelos
movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.
Após frisar o caráter histórico dos direitos fundamentais, Pessoa (2011, p. 128) destaca
dentre eles “o referente ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da
Constituição Federal como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida
e cuja preservação visa a evitar conflitos entre gerações”.
Benjamin (2010) relata que o clamor por um direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado surge no rastro da Declaração da Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
adotada em Estocolmo 1972, em uma formulação marcadamente antropocêntrica, como mais
um componente da dignidade humana.
Bosselmann (2010) relata que a dimensão ambiental dos direitos humanos passou a ser
reconhecida no direito internacional, e em diversos países, após a Declaração das Nações
Unidas para o Meio Ambiente estabelecer uma ligação entre degradação ambiental e o gozo
de direitos humanos. Foi a partir da Convenção de Estocolmo que “o direito humano a um
meio ambiente saudável vem sendo reconhecido em numerosos documentos de soft law e
instrumentos jurídicos, bem como em constituições nacionais e decisões judiciais internas de
países” (BOSSELMANN, 2010, p. 85).
Até então, o meio ambiente não era tratado sequer como um bem jurídico passível de
ser protegido diretamente. Sua tutela ocorria apenas de forma reflexa, indireta, fruto de uma
concepção egoísta e meramente econômica” (RODRIGUES, M., 2010, p. 20). Protegia-se a
propriedade privada, a exemplo do Código Civil de 1916 que proibia, em seu artigo 584, a
execução de construção capaz de poluir ou inutilizar a água de poço ou fonte alheia. Como
bem esclarece Marcelo Abelha Rodrigues (2010), o meio ambiente não era protegido de
forma autônoma, mas de forma mediata enquanto bem privado, com a finalidade utilitarista de
resguardar o interesse econômico da propriedade pertencente ao indivíduo.
Outra forma de tutela indireta do meio ambiente comum à época, também marcada
pela “ideologia egoística e antropocêntrica pura” (RODRIGUES, M., 2010, p. 21), associava-
se à proteção do direito à saúde. Não se cogitava a proteção ao meio ambiente salvo se
houvesse algum benefício claro e imediato em favor do ser humano e havia uma aparente
confusão de que a tutela à saúde e a proteção ao meio ambiente fossem a mesma coisa.
Marcelo Abelha Rodrigues (2010) demarca esse período estendendo-se até o início da década
de 80 e indica o Código de Caça, o Código Florestal e o Código de Mineração como
exemplos.
merece considerações morais ou respeito por seus próprios direitos e a natureza não tem valor
intrínseco. Na outra extremidade desse pensamento, encontramos posições filosóficas que
conferem “considerabilidade moral” aos animais, à biosfera e ao ecossistema (VIDAL, 2008).
As concepções que conferem estatuto moral a entes não humanos podem ser
agrupadas sob a denominação de zoocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo ou holismo
ecológico.
51
Na visão zoocentrista, defendida por Peter Singer e Tom Reagan, os animais possuem
estatuto moral pois “têm a experiência de dor e do prazer como os humanos, logo, merecem
ter o mesmo nível de respeito moral”(VIDAL, 2008, p. 135).
A ética biocêntrica, pontua Vidal (2008), apoia-se no argumento de que os seres vivos
obedecem a uma teleologia e evoluem segundo uma certa finalidade, consciente ou não, que
os dirige a algum bem, o qual é merecedor de respeito. O biocentrismo “entende que a
natureza [seres não humanos, sencientes ou não sencientes] possui valor intrínseco [estatuto
moral] e mérito inerente” (CARVALHO & SANTANA, 2009). O biocentrismo é uma teoria
da ética ambiental que reconhece mérito inerente ou valor intrínseco (estatuto moral) em
todos os seres vivos e a obrigação de não ignorar este atributo, quando as nossas ações
interferem com outras formas de vida. (CALLICOTT et. al., 1995).
A partir de uma visão ecocêntrica, Boff (2003) entende a Terra como um verdadeiro
macrossistema orgânico, um superorganismo vivo [Gaia], ao qual todas as instâncias devem
servir e estar subordinadas. Dentro desta concepção, a ecologia é definida como a relação,
interação e dialogação de todas as coisas existentes, viventes ou não, entre si e com tudo o que
existe, real ou potencial. A ecologia não tem a ver apenas com a natureza [ecologia natural],
mas principalmente com a sociedade e a cultura [ecologia humana, social etc.]. “Numa visão
ecológica, tudo o que existe coexiste. Tudo o que coexiste preexiste. E tudo o que coexiste e
preexiste subsiste através de uma teia infinita de relações ominicompreensivas. Nada existe
fora de relação. Tudo se relaciona com tudo em todos os pontos” (BOFF, 1993 ,p. 15).
Em sentido semelhante, Bello Filho (2004, p. 94) conceitua a ecologia, que adjetiva
com integral, aquela que percebe o meio ambiente como “um todo composto da fusão de
homem e natureza. Esta fusão não indica a diluição do conceito de homem no universo global,
mas sim o fortalecimento da análise relacional”. Sob esta perpectiva, conceitua o direito ao
meio ambiente, ou ambiental, como uma fusão de direito com ecologia, “é a utilização do
direito como técnica de emancipação a partir da concepção preservacionista vigente na
ecologia integral” (BELLO FILHO, 2004, p. 94).
Ost (1995) traça um quadro sintético sobre a evolução axiológica que permeou o
pensamento jurídico-ambiental:
O direito fundamental ao meio ambiente causa uma ruptura na ordem jurídica vigente,
afetando em cheio o antropocentrismo tradicional. Isso ocorre porque toda a doutrina jurídica
tem por base o sujeito de direito, o homem, enquanto as normas de direito ambiental,
nacionais e internacionais, cada vez mais, vêm reconhecendo direitos próprios da natureza,
independentemente do valor que ela possua para o ser humano, em busca da afirmação do
homem como parte integrante da natureza (ANTUNES, 2001).
Marcelo Abelha Rodrigues (2010, p. 23) sustenta que a Lei nº 6.938/81 promoveu um
rompimento com o antropocentrismo, alterando-se o eixo central de proteção do meio
ambiente para todas as formas de vida, passando a adotar uma “inegável concepção
biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo)”. Essa
aparente confusão entre duas concepções ético-filosóficas distintas é melhor esclarecida por
Benjamin (1998, p. 132), para quem “o conceito normativo de meio ambiente é
54
teleologicamente biocêntrico (permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas), mas
ontologicamente ecocêntrico (o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica)”.
Leite (2010) ressalta que o atual modo de vida humano ainda não consegue abandonar
a ideia de que o meio ambiente lhe é servil e, portanto:
Dentro desta ótica antropocêntrica alargada, Leite et. al. (2004) chegam a relacionar o
meio ambiente com os direitos da personalidade14, uma vez que não é possível o
desenvolvimento da personalidade sem um meio ambiente equilibrado.
13
Leite (2010) se utiliza do conceito de antropocentrismo alargado, enquanto Benjamin (2010) fala de um
antropocentrismo mitigado.
14
Os direitos à personalidade “tem por objeto as projeções, físicas, psíquicas e morais do homem, considerado
em si mesmo, e em sociedade” (GAGLIANO & PAMPLONA FILHO, 2002, p. 146).
56
adotar formas mais discretas e diluídas, mas nem por isso menos efetivas, de incorporação de
um biocentrismo mitigado.
Benjamin (2010, p. 130) afirma que a Constituição Federal de 1988 traçou um regime
de direitos de filiação antropocêntrica temporalmente mitigada, com a titularidade conferida
também às gerações futuras, atrelado a um feixe de obrigações cujos beneficiários vão muito
além da “reduzida esfera daquilo que se chama humanidade”. Neste sentido, conclui que:
Se é certo que não se chega, pela via direta, a atribuir direitos à natureza, o
legislador constitucional não hesitou em nela reconhecer valor intrínseco,
estatuindo deveres a serem cobrados dos sujeitos-humanos em favor dos
elementos bióticos e abióticos que compõem as bases da vida. De uma forma
ou de outra, o paradigma do homem como prius é irreversivelmente trincado
(BENJAMIN, 2010, p. 130-131).
A partir de uma perspectiva histórica, percebe-se que houve uma evolução do direito
sobre o meio ambiente, marcadamente influenciado pela visão utilitarista do antropocentrismo
tradicional, para a afirmação de um direito fundamental ao meio ambiente, que reconhece o
valor intrínseco da natureza e lhe confere considerabilidade moral, concepção predominante
nos dias atuais. Constrói-se, dia a dia, os fundamentos para um direito do meio ambiente, que
é gestado dentro de um paradigma holístico15 ou ecocêntrico, que reconhece o valor intrínseco
de todos os seres vivos, suas relações e conexões.
Destaque-se que não há uma relação antagônica entre o direito do meio ambiente e o
direito fundamental [humano] ao meio ambiente, existe sim uma relação de continência,
sendo aquele o continente, o mais amplo. O direito ao meio ambiente, nada mais é do que
uma faceta do direito do meio ambiente, visto sob a ótica de um de seus elementos
integrantes, o homem.
15
“O holismo oferece outra visão de mundo, diferente daquele que a ciência tradicional apresenta, baseada na
falsa crença de que a natureza deve ser fragmentada para ser mais bem compreendida. Para resolução dos
problemas, a visão de integridade não se satisfaz com as respostas prontas, e nem com os caminhos
previamente traçados pela ciência tradicional” (FAGUNDES, 2000, p. 14).
57
CAPÍTULO 3
identificado como o início do processo que levaria o Ministério Público brasileiro a exercer a
função de representar os interesses públicos e difusos, aliada à função tradicional de
promoção da ação penal.
Neste mesmo ano de 1981, entrou em vigência a Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente, Lei nº 6.938/1981, normativo que, pela primeira vez, conferiu ao Ministério
Público um instrumento processual – ação de responsabilidade civil e criminal16 – a ser
utilizado na defesa do meio ambiente, ou seja, na defesa de um interesse propriamente
público, não confundido com o interesse do Estado (ROS, 2009). Para Benjamin (2001), a Lei
nº 6.938/1981 incluiu o Ministério Público no centro da problemática ambiental ao lhe
conferir legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos
causados a meio ambiente. Atribuiu-se à Instituição “a base legal clara de que carecia para
melhor agir, em particular na esfera cível” (BENJAMIN, 2001, p. 392).
16
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
17
Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e
informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer
organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual
não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
62
Não é por outra razão que Macedo Júnior (1997) afirma que o Promotor de Justiça
passou a ser definido como um órgão agente em favor dos interesses sociais, uma espécie de
18
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
19
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos
Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e
documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo
anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos
jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe
vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
63
Os membros do Ministério Público, por sua vez, passaram a gozar de uma série de
garantias para que os seus integrantes desempenhassem seu mister sem a interferência de
pressões externas e até mesmo de eventual ingerência interna. Após dois anos no exercício do
cargo, o promotor de Justiça ou o Procurador da República não pode perder o cargo, salvo
decisão definitiva em processo judicial, somente pode ser removido de seu local de atuação ou
de suas funções com a sua anuência, ou mediante decisão da maioria do Conselho Superior do
Ministério Público, presente motivo de interesse público, e é remunerado através de subsídio
fixo e irredutível21.
Como não podia deixar de ser, a Constituição Federal de 1988 também impôs aos
membros do Ministério Público um rol de vedações com o intuito de minimizar a ocorrência
de conflitos de interesses individuais quando do exercício das suas funções institucionais.
Assim, não podem receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens
20
Artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal.
21
Artigo 128, §5º, inciso I, alíneas “a” a “c”, da Constituição Federal.
64
A execução das importantes funções confiadas ao Ministério Público foi repartida pela
Constituição Federal de 1988 entre dois ramos distintos, em consonância ao pacto federativo
vigente. Ao Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o
Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, coube a tutela de direitos e interesses relacionados, de alguma forma,
aos bens e às competências materiais da União23. A atribuição dos Ministérios Públicos dos
Estados, por sua vez, é residual, cabendo-lhe a defesa dos direitos e interesses não tutelados
pelo Ministério Público da União.
22
Artigo 128, §5º, inciso II, alíneas “a” a “f”, da Constituição Federal.
23
Artigos 20 e 21 da Constituição Federal.
65
Esse processo histórico importou não somente na ampliação das funções institucionais
do Ministério Público, mas seu posicionamento na ordem jurídico-constitucional como um
novo e importante ator político na democracia brasileira. Das funções que tradicionalmente
exercia, poucas se perderam ao longo do tempo, limitando-se as baixas àquelas funções
incompatíveis com o novo perfil que se afirmava, a exemplo da representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas. Houve, sim, um enorme crescimento institucional,
que passou de órgão de acusação para se tornar uma instituição voltada para a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais, sejam coletivos ou difusos, e
individuais indisponíveis. Nas palavras de Ros (2009, p. 32), “do j'accuse à retórica da defesa
do interesse público”.
Ros (2009) ressalta que os grupos cuja titularidade de proteção jurisdicional pertence
ao Ministério Público são tipicamente grupos detentores do que se poderia chamar de direitos
especiais, isto é, grupos cujas situações envolvem o reconhecimento pelos outros indivíduos
da necessidade de tratamento diferenciado. A defesa jurisdicional dos interesses de portadores
de deficiência, de crianças, de adolescentes, de idosos e de minorias étnicas seriam exemplos
claros dessa tendência. Pamplona Filho (2005) destaca também a atuação do Ministério
Público como mediador de conflitos direitos trabalhistas.
Assim, ao lado das antigas funções penais e civis, o Ministério Público brasileiro
66
passou a exercer uma gama extensa de novas atribuições, fruto das inovações legislativas
advindas nos anos 80. O Ministério Público foi autorizado a ajuizar ações de natureza cível na
defesa dos chamados interesses difusos e coletivos, tais como o meio ambiente e a proteção
dos consumidores. A Constituição Federal de 1988 confirmou o Ministério Público nessas
atribuições e o erigiu numa espécie de ombudsman encarregado dos interesses coletivos em
geral. Essa atuação de ombudsman situa-se num contexto mais político, uma vez que não
possui o poder de mudar as decisões administrativas, intervir diretamente na realidade dos
fatos, mas de criticá-la, deflagrando com isso os processos capazes de acarretar as mudanças
desejáveis. Sua eficácia depende de muitos fatores, entre os quais a independência, a
credibilidade, o acesso às informações governamentais, a capacidade técnica. De fato, uma
das mais proeminentes características da instituição é sua aparente efetividade apesar de um
mínimo de capacidade coercitiva (FONTES, P., 2006).
Sobre a nova importância política dessa antiga Instituição, Macedo Júnior (1993)
escreve:
O crescimento institucional do Ministério Público, como sói ocorrer, não passou alheio
a criticas. Embora os críticos reconheçam que o Ministério Público tem sido o agente mais
importante da defesa de direitos coletivos, censura-se a existência de fortes traços de
voluntarismo político na atuação de parte dos seus integrantes, que se dedicariam
enfaticamente “à sua transformação em instrumento de luta pela construção da cidadania”
(ARANTES, 1999, p. 84), sob a justificativa de uma suposta hipossuficiência da sociedade
civil em lutar por seus direitos. Essa a atuação política do Ministério Público seria nociva
tanto por dificultar iniciativas emancipadoras por parte da sociedade civil, quanto por
comprometer, em médio e longo prazo, a própria autonomia institucional (ARANTES, 2000;
ROS, 2009).
Uma outra análise que se faz do novo perfil institucional do Ministério Público, essa
mais próxima da atual realidade da Instituição, caracteriza-o como um mediador entre vários
setores da sociedade civil e do Estado, sendo capaz de promover a mediação e coordenação
entre órgãos públicos, grupos de interesses diversos e movimentos sociais sem se tornar,
contudo, insensível a eles, devido a sua posição estratégica na arquitetura institucional
(MACIEL & KOERNER, 2002; ROS, 2009).
Frischeisen (2000) destaca que o papel do Ministério Público como órgão de mediação
cresce na medida em que a sociedade civil lhe reconhece como uma instituição independente
e autônoma que, por estar legitimada pela Constituição Federal, pode negociar em patamar de
igualdade com o Poder Público e com entes privados, bem como atuar frente ao Poder
Judiciário ultrapassando os obstáculos existentes, como custas, honorários advocatícios,
preparo técnico, etc, o que muito dificilmente ocorreria com a sociedade civil organizada, em
especial, aquelas dedicadas à defesa dos direitos sociais.
Todo esse processo histórico, que importou em uma radical mudança de perfil
jurídico-institucional, convergiu para que a atuação do Ministério Público na defesa do meio
ambiente ganhasse importância e relevo, transformando a Instituição em um ator de destaque
na mediação de conflitos ambientais e na promoção da justiça ambiental. Neste mesmo
sentido, destacando o perfil do Ministério Público como órgão mediador de conflitos
ambientais, os trabalhos de Débora Maciel (2002), Débora Maciel & Andrei Koerner (2002),
Agripa Alexandre (2004), Chélen Lemos (2005), Geisa Mio et. al. (2005), José Luiz Soares
(2005), Maria Eugênia Totti et. al. (2007), Luciano da Ros (2009), Pablo Barreto (2011a).
24
Leia-se direitos individuais disponíveis.
70
Grinover et. al. (1997) ressaltam que a tarefa da ordem jurídica é justamente a
harmonização das relações sociais, estando direcionada para ensejar a máxima realização de
valores humanos25 com o minimo de sacrifício e desgaste. Destacam, ainda, que o direito
exerce uma função ordenadora na sociedade, promovendo a “coordenação dos interesses que
se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os
conflitos que se verificarem entre os seus membros” (GRINOVER et. al., 1997, p. 19) . Para
Moura Junior (2010), a função essencial do direito seria mediar as complexas relações
humanas e sua atuação social, inclusive sobre os recursos naturais, tanto para organizar as
pessoas e estabelecer responsabilidades claramente definidas, como para firmar referenciais
limite, para serem utilizados quanto for necessário solucionar conflitos de uso dos recursos
entre os indivíduos e as estruturas sociais. Sob outra perspectiva, Bello Filho (2004) aponta
25
Isso dentro de um enfoque evidentemente antropocêntrico.
71
O direito é uma criação cultural que tem como pretensão regular a conduta humana, ou
seja, é uma forma de controle social, um autocontrole. Atualmente, não se pode restringir sua
finalidade a servir como um instrumento de dominação de uma classe social sobre outra. O
direito também possui um caráter libertário e emancipador, desde que seja construído a partir
de uma técnica discursiva e procedimental, dentro de uma lógica democrática e multicultural
(BELLO FILHO, 2004).
Assim o é que o direito ambiental busca estabelecer limites ético-jurídicos para a ação
humana sobre os demais elementos da natureza, que servirão como balizas para o
enfrentamento dos conflitos ambientais que afloram a cada dia. Seu intento não é apresentar
soluções previamente definidas para tais embates, mas esquadrinhar os contornos mínimos de
um processo discursivo de composição [autocomposição ou heterocomposição] com vista a
promover a proteção de todas as formas de vida e o ecossistema como um todo. Deste modo,
é mais realista falar em tratamento ou enfrentamento de conflitos ambientais do que em
resolução dos mesmos.
A existência do direito regulador da ação humana não é, porém, suficiente para manter
sob controle os conflitos que podem surgir em suas relações. Assim, o direito também deve se
preocupar com os meios de conferir efetividade a essas normas, com os instrumentos
necessários para o enfrentamento dos conflitos.
Assim, é que se afirma ser o conflito ambiental constituído por duas importantes
dimensões, uma social, representada pela disputa entre grupos humanos acerca da forma de
apropriação material e simbólica dos elementos naturais26; e outra ecológica, representada
26
A constatação da desigualdade ambiental, tanto em relação à proteção desigual quanto ao acesso desigual,
72
pelo conflito entre o ser humano e a própria natureza, decorrente de uma ação antrópica que
causa um dano ou incrementa um risco para o ecossistema como um todo e para os elementos
que o integram.
Grinover et. al. (1997) sustentam que a eliminação dos conflitos que ocorrem na vida
em sociedade pode se dar através de obra de um ou de ambas as partes envolvidas no conflito,
ou por ato de terceiro. Na primeira categoria se enquadrariam a autocomposição, pela qual um
dos sujeitos do conflito, ou todos eles, consentem no sacrifício total ou parcial do interesse em
disputa, estando aqui incluídas a desistência ou renúncia, a submissão e a transação; e a
autotutela, quando a pacificação é alcançada através do sacrifício do interesse alheio,
normalmente com o uso da força27. Na segunda categoria, figurariam a mediação, o processo
e a defesa de terceiro.
Little (2001), por sua vez, agrupa o tratamento dos conflitos em cinco tipos básicos:
confrontação; repressão; manipulação política; negociação/mediação; e diálogo/cooperação.
Destaca, ainda, que nem sempre se pode concluir que os tipos menos conflituosos podem ser a
forma mais adequada de tratamento no caso concreto. Schellemberg (1996) também destaca
cinco formas de se abordar os conflitos: fuga; submissão; reforma gradual; confronto violento
e confronto não violento.
indica que está em jogo não somente a sustentabilidade do meio ambiente, mas as próprias formas de
apropriação, uso e mau uso da natureza. É nesse sentido que os mecanismos de produção da desigualdade
ambiental se assemelham muito aos mecanismos que produzem a desigualdade social. Ao revés do discurso
da escassez, que pressupõe uma distribuição homogênea das partes do meio ambiente, o discurso que clama
por justiça ambiental denuncia o caráter fortemente desigual da apropriação do meio ambiente e dos recursos
naturais (ACSELRAD et. al., 2009).
27
Advirta-se que paz sem voz, não é paz, é medo! (YUKA, 2000)
73
A abordagem institucional dos conflitos ambientais, nas palavras de Mio et. al. (2005),
pode ocorrer de duas formas diferentes, a tradicional realizada pelo Poder Judiciário, uma
forma de heterocomposição, e a alternativa, “realizada pelo Ministério Público com base na
construção do consenso” (MIO et. al., 2005, p. 93). Cabe destacar, entretanto, que esta última
forma de se lidar com um conflito ambiental, a autocomposição, não tem o Ministério Público
como mediador e negociador exclusivo, uma vez que a Instituição figura apenas como um dos
possíveis interlocutores entre as partes envolvidas na disputa ambiental, ainda que possua
destaque inegável dada a sua configuração institucional. Da mesma forma, necessário
ressaltar que a finalidade a ser buscada é a equalização do conflito, observando-se o devido
respeito à alteridade, tendo em vista a impossibilidade de se alcançar a uniformidade de ideias
e ações dos seres humanos e, portanto, uma resolução definitiva para o conflito ambiental.
Mio et. al. (2005) traçam um interessante quadro comparativo entre as duas
abordagens, indicando como as principais características da tradicional o desencorajamento, o
sofrimento, a morosidade, os custos elevados, a grande resistência na resolução do conflito,
ausência de antecipação ao dano e ineficiência comprovada. Em relação à abordagem
alternativa, destaca o comprometimento, a conscientização, a agilidade, os custos menos
elevados, a pequena resistência na resolução de conflitos, a possibilidade de antecipação ao
dano e eficiência comprovada.
um terceiro estranho ao conflito – tem como missão estimular as partes à sua autocomposição.
Como bem assevera Totti et. al. (2007), a prevenção do dano ambiental deve preceder
a remediação deste ou a eventual sanção penal do poluidor, por consequência, o Ministério
Público deve atuar também como agente conscientizador na tentativa de evitar o dano
ambiental. Nasce aí a figura do Ministério Público como mediador entre agentes sociais e
poderes políticos, perfil percebido por Maciel & Koerner (2002), por Lemos (2005) e por Da
Ros (2009).
Público pela Constituição Federal de 1988 e diante da sua própria configuração institucional,
sobrelevam vantagens em se evitar a judicialização das politicas públicas, preferindo-se que a
Instituição atue na mediação do conflito ambiental. (BARRETO, 2011a).
28
Sobre o papel do Ministério Público na implementação das leis, enforcement, conferir Ferraz & Ferraz
(1997).
77
Ao Ministério Público foi conferido uma série de instrumentos jurídicos para o bom
desempenho de suas funções institucionais, seja através da provocação do Poder Judiciário,
seja extrajudicialmente. Interessam ao desenvolvimento da presente pesquisa a análise dos
instrumentos utilizados na mediação de conflitos ambientais, ou seja, aqueles pertinentes à
atuação do extrajudicial do Ministério Público.
29
O artigo 225 da Constituição Federal estabelece os deveres de defesa e preservação do meio ambiente e
controle do risco, de caráter preventivo, e os deveres de restauração dos processos ecológicos, recuperação do
meio ambiente e reparação dos danos causados.
30
Artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
31
Artigos 6º, inciso VII; 7º, inciso I; 38, inciso I; 84, inciso II; e 150, inciso I, da Lei Complementar nº
79
Inicialmente pensado apenas como um meio eficaz para o Ministério Público colher as
informações necessárias para a instrução da ação civil pública, com a possibilidade de
celebração de compromisso de ajustamento de conduta, com a edição do Código de Defesa do
Consumidor, o inquérito civil passou a ser o veículo de formalização da mediação de
conflitos. Via de regra, é dentro do inquérito civil que o Ministério Público celebra
compromissos de ajuste de conduta, realiza audiências públicas, expede recomendações e
encaminha requisições.
75/1993.
32
Artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/1993.
33
Artigo 8º, §1º, da Lei nº 7.347/1985.
34
Artigo 1º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 1º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
35
Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 4º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
80
Moreira Neto (1992), nesta mesma direção, sustenta que a provocação do inquérito
civil é um instituto de participação administrativa aberto às pessoas físicas e jurídicas, visando
à legalidade e à legitimidade da ação administrativa, formalmente estabelecido, com o objeto
de submeter à apreciação do Ministério Público provas ou indícios de violações de interesses
difusos.
36
“Não importa o nome que se dê à investigação, se dossiê, peças de informação - PA, representação,
procedimento administrativo ou inquérito civil, existem sempre os mesmos poderes, as mesmas limitações e
a mesma necessidade de controle por parte de órgãos superiores da Instituição” (RODRIGUES, G., 2006, p.
86-87).
37
Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 2º da Resolução CSMPF nº 87/2006.
81
3.3.2 A notificação
3.3.3 A requisição
38
Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos I e VII, da Lei Complementar nº 75/1993 e
artigo 26, inciso I, alínea “a”, da Lei nº 8.625/1993.
39
Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal; artigo 8º, incisos II, III e IV, da Lei Complementar nº
75/1993; artigo 26, incisos I e II, da Lei nº 8.625/1993 e artigo 8º da Lei nº 7.347/1985.
84
Pode o Ministério Público, por exemplo, requisitar aos órgãos ambientais competentes
a realização de fiscalização ou vistoria em uma determinada área onde está ocorrendo o
conflito ambiental, bem como requisitar a realização de perícia e a elaboração de laudos e
notas técnicas, podendo, ainda, requisitar, temporariamente, os serviços dos servidores deste
mesmo órgão ambiental, que passarão a receber orientações diretamente do próprio membro
do Ministério Público.
Em termos semelhantes, Mazzili (1999) expressa que as requisições não são pedidos,
requerimentos, mas uma ordem legal para que se entregue, apresente ou forneça algo, motivo
pelo qual o seu desatendimento doloso pode configurar uma infração penal. A criminalização
da recusa, retardamento ou omissão de dados técnicos ao Ministério Público se constitui em
um importante incremento à efetividade do seu poder requisitório (GAVRONSKI, 2010).
3.3.4 A recomendação
40
Artigo 8º, §1º, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 10 da Lei nº 7.347/1985..
41
Artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar nº 75/1993 e artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº
8.625/1993.
85
Embora não seja uma ordem, é inegável a força moral e política ínsita às
recomendações (MAZZILI, 1999). As recomendações não possuem a mesma força coercitiva
das decisões judiciais, mas colocam o recomendado em posição de inegável ciência da
violação ao direito em curso (MACHADO, 2009). Para Geisa Rodrigues (2006), “a
recomendação não obriga o recomendado a cumprir os seus termos, mas serve como
advertência a respeito das sanções cabíveis pela sua inobservância”.
Almeida (2001) adverte que não se trata de assembleia popular para decidir o que o
Ministério Público deve fazer, mas um mecanismo para auxiliar na formação da convicção
ministerial. É um instrumento de participação da cidadania no processo decisório da melhor
forma de gestão dos interesses públicos e, assim, de grande valia para o regime democrático.
42
Artigo 27, IV, da Lei nº 8.625/1993.
88
Através dele, os órgãos públicos legitimados a propor a ação civil pública podem
colher dos interessados o compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais,
estabelecendo uma série de cominações em caso de descumprimento, que podem ser
executadas diretamente perante o Poder Judiciário, pois o TAC se constitui em um título
executivo extrajudicial.
43
O artigo 113 da Lei 8.078/1990 acrescentou o parágrafo sexto ao artigo 5º da Lei nº 7.347/1985, com a
seguinte redação: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo
extrajudicial”.
89
44
O artigo 14 da Resolução CNMP nº 23/2007 dispõe que “ O Ministério Público poderá firmar compromisso
de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses
ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta
às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam
ser recuperados”.
45
O artigo 20 da Resolução CSMPF nº 87/2006 estabelece que “O órgão do Ministério Público poderá tomar,
em qualquer fase da investigação ou no curso da ação judicial, compromisso do interessado quanto ao
ajustamento de sua conduta às exigências legais, impondo-lhe o cumprimento das obrigações necessárias à
reparação do dano ou prevenção do ilícito”.
90
Machado (2009) adverte que o Ministério Público não pode fazer concessões diante de
interesses sociais e individuais indisponíveis. Dispor ou renunciar às obrigações legais é
inadmissível ao Ministério Público, devendo o conteúdo do compromisso firmado com o
interessado restringir-se às condições de cumprimento das obrigações [modo, tempo, lugar,
etc.] e às penalidades para o caso de descumprimento.
CAPÍTULO 4
Neste capítulo que se inicia, apresenta-se referencial teórico que trata sobre o direito à
água, uma das múltiplas dimensões do direito do meio ambiente, construído historicamente
como um reflexo dos direitos à vida, à saúde e consequência direta do princípio da dignidade
da pessoa humana. Aborda-se, também, a institucionalização de um Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, criado com a finalidade de arbitrar os conflitos
relacionados ao uso e à apropriação das águas no Brasil. Por fim, registra-se a literatura
científica que analisa o conteúdo, as causas e as consequências dos conflitos ambientais
existentes no baixo São Francisco.
Em sentido próximo, mas dentro de uma ótica antropocêntrica46, Leite et. al. (2004)
denominam de macrobem esse todo unitário, indivisível, incorpóreo e imaterial, e de
microbem cada um dos elementos da natureza que compõem o macrobem. O meio ambiente
seria entendido, então, como uma categoria difusa, de natureza pública e imaterial, não se
confundindo com os bens ambientais, que são partes integrantes do meio ambiente
(BENATTI, 2005).
46
Nas palavras do próprio autor, um antropocentrismo alargado (LEITE et. al., 2004).
94
Água e recursos hídricos são conceitos distintos, cada um representando uma das
possíveis percepções acerca do elemento natural, a primeira lhe conferindo valor intrínseco e
a segunda valor utilitário. O conceito de recurso é cultural e histórico. É o resultado do
reconhecimento da potencialidade econômica da natureza pela sociedade. O que hoje é um
recurso, ontem não era, e amanhã alguns não serão mais utilizados no processo produtivo em
virtude do progresso tecnológico (SACHS, 2009). Os elementos naturais somente se tornam
recursos quando um grupo social define-os como tal, atribuindo-lhes um uso específico, o
econômico (LITTLE, 2001). Os recursos naturais “são elementos da natureza a que o homem
atribui determinado valor ou confere determinada utilidade, objeto de apropriação humana”
(LEUZINGER, 2005, p. 246).
Em sentido idêntico, Rebouças (2006), defende que o termo água refere-se, regra
geral, ao elemento natural, desvinculado de qualquer uso ou utilização, enquanto a expressão
recurso hídrico é a consideração da água como bem econômico, passível de utilização com tal
fim. Ressalta, ainda, que nem toda água da Terra é, necessariamente, recurso hídrico, na
medida em que seu uso ou utilização pode ser inviável economicamente. Fachin & Silva
(2011) também diferenciam ambas as expressões, sustentando que a água é o elemento
formador da paisagem natural, do qual o homem dos tempos remotos usufruía, em pequena
monta, apenas para subsistência. Recurso hídrico refere-se ao mesmo líquido destinado a usos
diversos, porém, em quantidade significativa.
A distinção conceitual entre água e recurso hídrico não é mero capricho acadêmico. É
importante ter em conta que, no Brasil, atribui-se à água enquanto elemento da natureza
essencial à vida um tratamento jurídico distinto daquele conferido à água enquanto bem
dotado de valor econômico (recurso hídrico), sendo certo que este regramento jurídico
diferenciado enseja grande repercussão nas relações socioeconômicas. Atenta a esta distinção,
a Constituição Federal de 1988 utiliza os dois conceitos de forma adequada, reservando ao
96
termo recurso hídrico o seu sentido próprio, de bem econômico que pode ser objeto de
aproveitamento e exploração no sistema produtivo, reservando ao vocábulo água o significado
de elemento da natureza (BARRETO, 2011b).
A água, encarada como elemento da natureza, é “vida para as pessoas e para o planeta”
e a “água doce é, por si só, o elemento mais precioso da vida na Terra”, sendo essencial para a
satisfação das necessidades humanas básicas, para a saúde, a produção de alimentos, a energia
e a manutenção dos ecossistemas regionais e mundiais (CASTRO & SCARIOT, 2005). Como
bem expressado por Marchesan (2005), a água é o bem mais precioso do milênio,
constituindo um bem de valor essencial à vida, à produção, à preservação dos processos
biológicos, geológicos e químicos que garantem o equilíbrio dos ecossistemas, sem
mencionar o seu valor cultural enquanto associado à paisagem e cultos religiosos, bem como a
sua crescente utilização como elemento de atividades turísticas e recreativas.
Petrella (2002) recorda que o acesso à água não é uma questão de escolha, todos
precisam dela. O próprio fato de que a água não pode ser substituída por qualquer outro
elemento, faz dela um bem básico que não pode ser subordinado a um único princípio setorial
de regulamentação, legitimação e valorização, ela se enquadra nos princípios de
funcionamento da sociedade como um todo, sendo precisamente aquilo que se chama um bem
social, um bem comum, básico a qualquer comunidade humana.
Neste mesmo sentido, Irigaray (2003) pontua que o direito à água é um direito
fundamental na medida em que decorre do direito à vida e do necessário respeito à dignidade
da pessoa humana. Isso porque não existe vida sem água e o acesso à água em quantidade e
qualidade suficientes para o atendimento das necessidades humanas é um dos requisitos
essenciais para uma vida digna. Decorre, também, do direito à saúde, porquanto a falta de
98
Viegas (2008) também realça que a dignidade da vida humana está intrinsecamente
ligada à disponibilidade de água em quantidade e qualidade suficientes à satisfação das
necessidades básicas dos seres vivos, e o direito à vida está enquadrado no sistema jurídico
brasileiro como um direito fundamental. Afirma, ainda, que o fornecimento de água potável
em quantidade suficiente é uma necessidade para a garantia de que as pessoas gozem uma
vida compatível com a dignidade humana, um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil expresso no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Conclui o seu pensamento,
apontando que, em razão do acesso à água ter estreita sintonia com direitos fundamentais
como a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana, assume inegável contorno também de
direito fundamental, que reside no direito de utilização de água em quantidade e qualidade
adequadas.
a percepção da água enquanto valor ecológico, social, cultural e espiritual – motivo pelo qual
juridicamente se reconhece um direito fundamental à água – e a sua percepção apenas como
um bem econômico.
modelo de desenvolvimento.
intergeracional como critério ético nas relações homem/natureza (AYALA, 2004). Para
Bodnar (2009):
Uma boa representação do móvel dos conflitos hídricos encontra-se nas palavras de
Ayala (2010), que sintetiza a irracionalidade na exploração do patrimônio comum a partir de
uma única referência semântica, o abuso. Segundo o autor, o abuso se refere a usos não
prioritários, ao desperdício, ao aproveitamento deficitário das capacidades hídricas de água
doce existentes, que é um comportamento ético e juridicamente reprovável, porque importa
em restrições não autorizadas à capacidade de decisão e na limitação das próprias condições
de vida das gerações futuras, subtraindo-lhes o direito de gerir e de decidir acerca de suas
próprias necessidades.
50
Artigo 2º da Lei nº 9.433/1997.
103
Atualmente, o gerenciamento das águas é planejado por bacia hidrográfica, por Estado
e para o País56. A edição da Lei nº 9.433/1997 importou na descentralização da administração
52
Artigo 33 da Lei nº 9.433/1997.
53
Artigo 38, inciso II, da Lei nº 9.433/1997.
54
Artigo 35, inciso IV, da Lei nº 9.433/1997 c/c artigo 38, §1º, da mesma Lei.
55
Artigo 5º da Lei nº 9.433/1997.
56
Artigo 8º da Lei n º 9.433/1997.
105
das águas, seguindo a tendência europeia de resolução dos problemas na bacia hidrográfica, já
que é nela que a maioria dos conflitos surgem (VIEGAS, 2008). A unidade básica de
planejamento e regulação dos usos múltiplos das águas é a bacia hidrográfica. Nos termos da
Lei 9.433/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos57. Tal definição segue o parâmetro firmado na Lei de Política Agrícola58, que já
apontava ser a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento do uso, da conservação e
da recuperação dos recursos naturais.
57
Artigo 1º, V, da Lei 9.433/1997.
58
Artigo 20 da Lei nº 8.171/1991.
59
O artigo 1º, §2º, da Resolução CNRH nº 5/2000 dispõe que “Os Comitês de Bacia Hidrográfica, cujo curso
de água principal seja de domínio da União, serão vinculados ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos”.
106
60
Artigo 38 da Lei nº 9.433/1997.
107
fisiográficas, alto, médio, submédio e baixo São Francisco que, por sua vez, estão subdividas,
para fins de planejamento, em trinta e quatro sub-bacias (ANA et. al., 2004a). O alto São
Franciso possui uma área de 99.387km² e se estende por 1.003km entre a nascente, na Serra
da Canastra, até Pirapora, em Minas Gerais; o médio segue de Pirapora (MG) até a barragem
de Sobradinho, no Estado da Bahia, com área de 401.559km² e extensão de 1.152km; o
submédio cobre uma superfície de 115.987km², percorrendo um trecho de 568km, da
barragem de Sobradinho até o Município de Paulo Afonso, também na Bahia; o baixo curso
do rio São Francisco estende-se de Paulo Afonso até sua foz, no Oceano Atlântico, entre os
municípios de Piaçabuçu/AL e Brejo Grande/SE, perpassando por uma área de 19.987km², e
com extensão de 140km (ANA et. al., 2004b).
A vazão natural média anual do rio São Francisco é de 2.850m/s, sendo que, entre
1931 e 2001, esta vazão oscilou entre 1.461m³/s e 4.999m3/s. Ao longo do ano, a vazão média
mensal pode variar entre 1.077m³/s e 5.290m3/s e as descargas costumam ter seus menores
valores entre os meses de setembro e outubro. Em 95% do tempo, a vazão natural na foz do
São Francisco é maior ou igual a 854m³/s, sendo que as maiores descargas são observadas em
março (ANA et. al., 2004a).
Regiões Fisiográficas
Características Alto Médio Submédio Baixo
Área (km²) 99.387 401.559 115.987 19.987
Altitudes (m) 1.600 a 600 1.400 a 500 800 a 200 480 a 0
Trecho Principal 1.003 1.152 568 140
(km)
Declividade do rio 0,70 a 0,20 0,10 0,10 a 3,10 0,10
principal (m/km)
Contribuição da 41,7 54,6 1,9 1,8
vazão natural
média (%)
Vazão média anual Pirapora Juazeiro Pão de Açúcar Foz
máxima (m³/s) 1.303 4.393 4.660 4.680
Vazão média anual Pirapora Juazeiro Pão de Açúcar Foz
mínima (m³/s) 637 1.419 1.507 1.536
Sedimentos (106 Pirapora Morpará Juazeiro Propriá
t/ano) e área (km²) 8,3 21,5 12,9 0,41
Clima Tropical úmido e Tropical semiárido e Semiárido e árido Subúmido
predominante temperado de subúmido e seco
altitude
Faixa de 2.000 a 1.100 1.400 a 600 800 a 350 1.500 a 350
precipitação anual
(mm)
Precipitação média 1.372 1.052 693 957
anual (mm)
Temperatura 23 24 27 25
média (ºC)
Insolação média 2.400 2.600 a 3.300 2.801 2.800
anual (h)
Evapotranspiração 1.000 1.300 1.550 1.500
média anual (mm)
Tabela 4.1. Principais características físicas e hidroclimáticas da bacia hidrográfica do rio São
Francisco.
Fonte: Adaptado de ANA et al (2004a).
O clima do baixo curso do rio São Francisco parte inicialmente de uma faixa semiárida
que gradualmente passa para subúmida a partir de Propriá até a foz. No trecho compreendido
entre Propriá e a foz, a temperatura média anual compensada é de 25º, apresentando como o
mês mais quente dezembro, com temperaturas que variam entre 26º a 27ºC, e o mês mais frio
junho, com temperatura em torno de 23ºC (ANA et. al., 2003).
média na bacia hidrográfica é de 20,0 hab/km². Do total de 503 municípios, 456 têm sede na
bacia. Essa população não se encontra distribuída de forma uniforme nas suas quatro regiões
fisiográficas, ficando evidente o menor número de habitantes no baixo São Francisco: alto
São Francisco (48,8%) médio São Francisco (25,3%), submédio São Francisco (15,2%) e
baixo São Francisco (10,7%), segundo levantamento realizado por ANA et. al. (2004a).
61
O total soma 538 municípios em vez de 503, pois, alguns municípios estão computados em mais de uma
região fisiográfica.
111
São Francisco e suas áreas marginais inundáveis, bem como destacam as graves
consequências socioeconômicas e culturais advindas das ações antrópicas. Destaca-se como
ponto comum entre esses trabalhos a circunstância de atribuírem a responsabilidade maior por
esses impactos negativos às políticas públicas de desenvolvimento regional e em especial à
opção pelo modelo de desenvolvimento que prioriza o uso do rio como gerador de energia
elétrica e fornecedor de água para a irrigação, em detrimento dos demais usos de suas águas
(ANA et. al., 2003).
No caso do baixo São Francisco, Oliveira (2006) indica como os impactos ambientais
de maior gravidade a construção de barragens a montante do rio, prejudicando a piracema,
modificando as estruturas das comunidades aquáticas, reduzindo as cheias à jusante das
barragens, impedindo a inundação das várzeas e, consequentemente, o transporte de ovos e
pequenos peixes nesses ambientes; a retirada de grande volume de água para irrigação da
agricultura; o lançamento de esgotos domiciliares no rio; a drenagem de fertilizantes da
agroindústria; mudança no regime fluvial, a partir de barramentos construídos para melhorar a
exploração do potencial energético pela CHESF; assoreamento do rio, prejudicando a
navegação e causando perda de produção pesqueira; a proliferação de algas em pontos rasos
do rio o que dificulta a pesca com redes e tarrafas; o agravamento da erosão dos taludes
marginais em razão da construção da barragem de Xingó em 1994; a devastação de matas
ciliares, causando a perda de proteção das margens, facilitando os processos erosivos, perda
de produção agrícola e problemas de assoreamento.
Figura 4.1. Níveis de conflitos entre usos da água na bacia hidrográfica do rio São Francisco. Fonte:
(ANA et al, 2004a)
Na mesma direção, Rieper (2001) destaca que os anos setenta foram um marco na
relação entre sociedade e natureza no baixo São Francisco. Com o fechamento da barragem de
Sobradinho, em 1972, o fluxo do rio foi regularizado e, consequentemente, alteradas as
formas de convivência do ribeirinho com o São Francisco, a importância material, simbólica e
afetiva que os envolviam, mudando de vez a história íntima e coletiva dos moradores de sua
beirada. A tradição e a cultura daqueles que viviam há gerações em interações com o
ecossistema do rio São francisco foram tratadas como empecilho à eficiência e ao
desenvolvimento.
Um estudo sobre o processo erosivo das margens do baixo São Francisco elaborado
por ANA et. al. (2003) destaca os problemas ambientais mais citados em publicações como
decorrência direta da construção dos barramentos rio acima, a exemplo da diminuição da
intensidade e frequência das cheias; assoreamento do leito do rio; proliferação de focos de
erosão nas margens; diminuição do teor de nutrientes e partículas finas em suspensão no rio;
erosão acelerada na margem direita da foz; alterações na quantidade e qualidade do pescado;
mudança das relações socioeconômicas da população; inviabilização da agricultura tradicional
nas lagoas e várzea; extinção das lagoas. Esse mesmo estudo ressalta que a interação homem-
meio passou a se alterar na região fisiográfica do baixo São Francisco a partir do momento em
que o ciclo natural do rio passou a ser interrompido pelas grandes barragens, que afetaram
diretamente, por exemplo, a forma como os ribeirinhos ou barranqueiros desenvolviam a
atividade pesqueira tradicional, alterando os códigos de pescaria, os utensílios e o período de
pesca que abandonaram os costumes definidos pelas forças cosmológicas da natureza e
transportaram-se para os relatos do passado (ANA et. al., 2003).
A erosão das margens do baixo curso do rio São Francisco assume proporções mais
graves em dois trechos do lado direito, onde estão localizados os perímetros irrigados de
Continguiba-Pindoba e do Betume, implantados pela CODEVASF no final da década de 70.
Em tais trechos, o recuo das margens destruiu casas, obras de engenharia do perímetro
irrigado, estradas, além de ensejar a perda de áreas agrícolas e gerar grave prejuízo financeiro
para a citada empresa pública federal, que se viu obrigada a reconstruir, por diversas vezes, os
riques de proteção contra cheias e executar obras para protegê-los da erosão (ANA et. al.,
2003).
A manifestação mais drástica do processo erosivo ocorreu na região da foz do rio São
Francisco, na margem sul, onde o recuo da linha da costa levou à destruição do povoado do
Cabeço, localizado no Estado de Sergipe. Mais de 100 casas, escola, igreja, cemitério e uma
grande área de praia foram atingidas pelos efeitos da erosão, desaparecendo por completo,
restando apenas um farol, agora localizado cerca de 200 metros dentro do Oceano Atlântico
(ANA et. al., 2003; FONTES, L. C., 2011).
Danificar a vegetação marginal ao rio63 significa a retirar a sua proteção. Sem essa
vegetação as margens do rio ficam suscetíveis à erosão, o que implica na perda de solo
agricultável e problemas de assoreamento. Alguns problemas decorrentes do assoreamento do
rio são a proliferação de algas e a dificuldade criada para a navegabilidade no canal do rio que
diminui a locomoção e o acesso a serviços pela população ribeirinha. As algas macrófitas têm
facilidade de proliferação em pontos rasos do rio, onde a energia solar penetra com maior
intensidade, causado prejuízos para a pesca com rede e tarrafas (GUIMARÃES, 2004).
Todos esses conflitos ambientais relacionados com os múltiplos usos da água no baixo
São Francisco deveriam ser inicialmente arbitrados pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio
São Francisco [CBHSF] com possibilidade de nova apreciação pelo Conselho Nacional de
Recursos Hídricos. Entretanto, muitas vezes, a conflituosidade não encontra uma solução
racional dentro do SINGREH, o que acaba por carrear esses conflitos ambientais para o
Ministério Público. Como bem esclarece Agra Filho (2008), a decisão governamental
flagrantemente desprovida de seu papel mediador, quando o governo atua como parte
interessada na viabilização de um projeto, motiva a crescente atuação do Ministério Público.
62
Segundo o artigo 1º, §2º, inciso II, do Código Florestal, considera-se área de preservação permanente aquela
coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a
estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas.
63
A vegetação marginal ao longo dos rios ou qualquer curso d'água é protegida nos termos do artigo 2º, alínea
a, do Código Florestal.
64
Deliberação CBHSF nº 18, de 27 de outubro de 2004.
119
A defesa do direito à água figura com um dos temas mais frequentes que exigem a
atuação do Ministério Público, quer pela urgência [na área ambiental, o tempo milita contra o
êxito da atuação institucional como em nenhuma outra matéria]; pela complexidade [a
transdisciplinaridade é característica desta forma de atuação]; pela abrangência [os interesses
difusos envolvidos nas demandas por água de qualidade transbordam em muito a esfera
ambiental] e pela transcendência [o que hoje se constrói em termos de prevenção e reparação
de recursos hídricos se projeta para o futuro de gerações não nascidas] (MARCHESAN,
2005). A presente pesquisa tem por objeto justamente a forma como o Ministério Público
Federal enfrenta os conflitos ambientais relacionados aos usos múltiplos da água, no
desincumbir de sua função institucional de proteger o meio ambiente e, por conseguinte, fazer
valer o direito à água no baixo São Francisco.
65
ACO nº 876 que tramita conjuntamente com as ACOs 820, 857, 858, 870, 872, 873, 886, 953, 996, 1003,
1052, 1209 e com as RCLs nº 3883, 3945, 4062 e 4409, todas no Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria
do Ministro Ricardo Lewandowski (PESSOA, 2011)
120
CAPÍTULO 5
longo do tempo, não se trata de um processo evolutivo contínuo, mas dinâmico, com
evoluções e involuções. Essas intermitências são visualizadas facilmente na figura 5.1, onde
se verifica que os anos com crescimento do número de instaurações são permeados por anos
de retração da atuação do Ministério Público Federal na questão.
8
7
6
5
4
3
2
1
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
A figura 5.2, por sua vez, destaca, de forma mais detalhada, a origem dos casos em
que o Ministério Público Federal em Sergipe atuou no enfrentamento de conflitos hídricos no
baixo São Francisco entre os anos de 2004 e 2010.
de ofício
representação de cidadão
representação de associação
0 1 2 3 4 5
A ausência de uma única provocação por parte dos entes públicos encarregados da
gestão de recursos hídricos, do processo de licenciamento ambiental e da fiscalização do meio
ambiente indica a necessidade do Ministério Público Federal em Sergipe desempenhar o seu
papel de articulador entre as diversas instituições públicas com um afinco ainda maior,
alinhando as suas estratégias de atuação com a desses entes administrativos, com o intuito de
superar este hiato de comunicação institucional existente. Como bem ressaltado por Lemos
(2005, p. 22), “o MP age como mediador não apenas entre as partes conflitantes
(denunciante/vítima x denunciado), mas também entre as instituições, chamando a anteção
para suas responsabilidades em cada caso”.
Nesta linha, vale destacar a prática do Ministério Público do Estado de Sergipe, que
criou o Núcleo de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça do rio São Francisco67 para
prestar apoio à atuação das Promotorias de Justiça das Comarcas inseridas na bacia
hidrográfica do rio São Francisco e, principalmente, a recente experiência do Ministério
Público do Estado da Bahia, que instituiu o Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco68,
com a competência expressa de estimular a efetiva participação da sociedade civil nas
discussões e ações voltadas à proteção da Bacia do São Francisco, promovendo as
articulações necessárias com movimentos sociais e outros fóruns que tenham essa finalidade;
promover, em conjunto com organizações governamentais e não governamentais, o Programa
de Fiscalização Preventiva Integrada - FPI, nas áreas da Bacia do São Francisco,
estabelecendo as parcerias necessárias;e participar, estimular ou promover ações preventivas e
de fiscalização voltadas ao monitoramento da Bacia do São Francisco, acompanhando a
execução das medidas decorrentes.
66
Neste sentido, Moreira (2006) propõe a reorganização espacial do Ministério Público do Estado do Paraná.
67
Resolução nº 002/2002 do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe.
68
Ato nº 517/2009 do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia.
69
Ressalte-se que a tipologia apresentada tem finalidade eminentemente didática. Os conflitos ambientais
devem ser enfrentados dentro do paradigma da complexidade, onde está inserido o pensamento não linear ou
não determinista. Segundo Redorta (2004), são características do conflito não poder ser rotulado ou definido,
ele não é, mas deve ser entendido como uma tendência a, afastando-se da lógica binária e assumindo a
existência de zonas cinzentas.
127
6,25%
18,75%
37,50%
A maior parte dos conflitos ambientais relacionados com o direito à água no baixo São
Francisco que chegam ao conhecimento do Ministério Público Federal em Sergipe se referem
a danos causados às áreas de preservação permanente, seis casos, o equivalente a 37,50% do
total de procedimentos preparatórios e inquéritos civis instaurados, e também à poluição
efetiva ou potencial das águas, que somam outros seis casos. Uma menor parte dos embates
dizem respeito à restrição aos usos múltiplos, três casos, e há apenas o registro de um único
caso referente à disputa pelo acesso à água potável.
A área de preservação permanente é aquela coberta ou não por vegetação nativa que
tem por função preservar as águas, proteger o solo da erosão e conservar a biodiversidade,
conforme definição expressa no Código Florestal. A vegetação localizada em APP constitui
um fator expressivo na proteção das águas, na medida em que regularizam as bacias
hidrográficas, seja na precipitação de chuvas, seja na prevenção do solo. Sua destruição é
preocupação de âmbito mundial, pois gera profundo impacto no equilíbrio dos ecossistemas
(GRANZIERA, 2006). A proteção jurídico-ambiental abrange tanto a vegetação nativa ou
não, quanto a própria área em si. Se não existir vegetação na área de preservação permanente
o proprietário deverá plantá-la, pois “nem por isso a área perderá sua normal vocação
florestal” (MACHADO, 2009, p. 741).
Os casos de dano à APP recorrentes no baixo São Francisco que foram analisados não
representam individualmente um conflito ambiental de relevo, digno de afetar gravemente o
direito fundamental à água em quantidade e qualidade suficientes. Todavia, a avaliação do
conjunto demonstra que vige na área de estudo um modelo predatório de desenvolvimento de
128
atividades econômicas e também de atividades de lazer, que em seu conjunto causa graves
danos à bacia hidrográfica rio São Francisco e a todos os seres que dela dependem para
existir.
A poluição potencial ou efetiva das águas do baixo São Francisco surgiu como o outro
conflito hídrico que apresentou um percentual expressivo de casos [37,50%]. Qualquer
alteração das propriedades químicas, físicas ou biológicas das águas que possa importar em
prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar de todas as formas de vida é entendida como
poluição. Essas alterações resultam do lançamento, descarga ou emissão de substâncias
líquidas, gasosas ou sólidas nas águas, depositando nelas matérias orgânicas, resíduos não-
biodegradáveis e substâncias tóxicas (MACHADO, 2009).
Os conflitos ambientais relativos à restrição dos usos múltiplos das águas no baixo São
Francisco, apesar de numericamente inferiores em relação àqueles já relatados, são de grande
relevo e causam vultosos impactos ambientais. Dois dos conflitos hídricos estudados se
referem diretamente aos danos ambientais causados pela construção de diversas barragens no
rio São Francisco com a finalidade de geração de energia elétrica. O terceiro caso encontrado
129
É de se notar que todos os casos relacionados à restrição dos usos múltiplos da água
que foram analisados tiveram origem a partir de empreendimentos levados a termo pelo
próprio Governo Federal, justamente quem deveria velar pela observância das normas
ambientais em um curso d'água do seu domínio. A utilização da água como um recurso para o
desenvolvimento de atividades econômicas encontra limites bem definidos na ordem jurídico-
ambiental. O domínio das águas conferido à União e aos Estados pela Constituição Federal
não lhe faculta a possibilidade de usar e dispor deste elemento natural da forma que desejar,
há que se respeitar fielmente a dimensão ecológica e a dimensão social do direito fundamental
à água.
Percebe-se que os casos de maior impacto ambiental no baixo São Francisco resultam
da execução de políticas públicas pelo Governo Federal que priorizam o uso do rio São
Francisco para a geração de energia elétrica em detrimento dos demais usos. Essa observação
guarda relação de identidade com aquelas apresentadas em estudos desenvolvidos por ANA
et. al. (2003; 2004a), Guimarães (2004), Oliveira (2006) e Aguiar Netto et. al. (2010). Além
da construção de barragens a montante do rio, visualizou-se a poluição das águas por
lançamento de efluentes, a drenagem de resíduos e de fertilizantes da agroindústria e a
devastação da vegetação em áreas marginais de preservação permanente, danos ambientais
idênticos aos destacados por Oliveira (2006).
3
5
ente público federal
ente público estadual
ente público municipal
empresa privada
cidadão
1 5
2
Figura 5.4: Agente causador do dano ou risco
O Poder Público como um todo é o maior responsável direto pela prática de danos ao
meio ambiente no baixo São Francisco71, figurando como agente causador do dano ou risco
71
Constatação idêntica àquela exposta no trabalho de Chélen Lemos (2005), tendo como objeto de estudo o
Mapa dos Conflitos Ambientais do Rio de Janeiro.
131
ambiental na metade dos casos observados. Tais ações danosas ao meio hídrico decorrem de
atividades diretamente desenvolvidas por entes públicos, a exemplo da geração de energia
elétrica e de serviços públicos prestados de forma deficitária, como o saneamento básico e
abastecimento de água potável. Cabe destacar, que os entes públicos federais ocupam papel
destacado na degradação das águas, aparecendo como agente causador do dano em cinco
casos, três deles relacionados com a geração de energia elétrica. Os entes públicos municipais
vêm em seguida, sendo responsáveis por dois conflitos relativos ao despejo de esgoto sem
tratamento no rio São Francisco. A administração pública estadual apenas apareceu em um
único caso, referente ao acesso à água potável.
Três conflitos ambientais tem como agente causador o cidadão, todos eles
relacionados com a destruição de área de preservação permanente, dois deles em razão da
construção de casas de veraneio e suas benfeitorias e outro decorrente de desmatamento para
a aquicultura de subsistência.
recomendação 0
audiência pública 1
notificação 7
requisição 13
procedimento preparatório 15
inquérito civil 10
72
Na presente pesquisa adotou-se a nomenclatura procedimento administrativo preparatório, a mesma utilizada
pela Resolução CNMP 23/2007 e pela Resolução CSMPF nº 87/2006, para agrupar todos os autos
administrativos distintos do inquérito civil. Assim, foram agrupados nesta categoria autos intitulados
procedimento administrativo, peças de informação, representação da tutela coletiva e auto administrativo.
133
O Ministério Público Federal em Sergipe também expediu requisições, uma única vez,
à Agência Nacional de Águas, à Superintendência de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe,
à Fundação Nacional de Saúde, ao Departamento Nacional de Produção Mineral, ao
Departamento Nacional de Obras contra as Secas e ao Pelotão de Polícia Ambiental do Estado
de Sergipe.
Somente foi observada a não expedição de requisição pelo Ministério Público Federal
em Sergipe em três procedimentos administrativos preparatórios. Nesses casos, não houve a
utilização de qualquer um dos instrumentos jurídicos categorizados acima. Dois deles
73
A utilização, como regra, da expedição de requisições com o objetivo de colher informações sobre os
conflitos ambientais que chegam ao conhecimento do Ministério Público é detectada nos trabalhos de José
Luiz Soares (2005), Lemos (2005), Carneiro (2005) e Totti et. al. (2007).
134
É perceptível que o Ministério Público Federal em Sergipe, por não possuir, em seu
quadro próprio de servidores, técnicos aptos à realização de vistorias e fiscalizações, mantém
uma relação de extrema dependência com o corpo técnico do IBAMA e da ADEMA, que é
prejudicial ao tratamento dos conflitos ambientais. Isso porque a adoção de medidas concretas
para fazer cessar o risco e reparar o dano ambiental em questão fica dependente da agilidade
do envio das informações, documentos e dos relatórios das fiscalizações requisitados a essas
duas autarquias ambientais.
Machado (2009) já alertava que, apesar do Ministério Público Federal ter constituído
um corpo de especialistas, para auxiliar em todo território nacional na formação das provas,
esta atitude ainda se mostra insuficiente para fazer frente ao número de solicitações. “Para o
sucesso do inquérito civil ambiental é preciso que os Ministérios Públicos tenham recursos
financeiros para contratar especialistas” (MACHADO, 2009, p. 377).
74
Artigo 10 da Lei nº 7.347/1985.
75
A constatação da morosidade dos órgãos ambientais no atendimento das requisições do Ministério Público
também é relatada nos trabalhos de José Luiz Soares (2005), Caneiro (2005) e Totti et. al.(2007).
135
Constata-se, então, que o Ministério Público atua tanto em face dos agentes da
degradação buscando a prevenção e a reparação do dano ambiental, quanto gasta suas
energias cobrando dos órgãos públicos encarregados pela fiscalização e regulação de
atividades potencialmente danosas ao meio ambiente que se desincumbam de suas funções de
forma satisfatória.
Apesar da sua aparente falta de relevância frente a outros instrumentos jurídicos como
o termo de ajustamento de conduta, a recomendação e a audiência pública, é através da
notificação que o Ministério Público convoca as partes envolvidas no conflito ambiental para,
além de colher as informações e os esclarecimentos necessários, oportunizar que um acordo
seja construído de forma participativa76. É com ela que se inicia efetivamente o processo de
mediação com o contato direto do Ministério Público com os envolvidos, ficando registrado o
conteúdo destes encontros em atas ou termos de reunião.
76
Geisa Rorigues (2006) apresenta como conclusão de sua pesquisa de doutorado a importância do Ministério
Público solicitar a presença do responsável pela conduta investigada para tentar se obter a conciliação.
136
37,50% dos casos objeto de estudo77, nos demais, não houve o contato direto do Ministério
Público Federal com os envolvidos na disputa. Há uma ocorrência maior das notificações
quando o agente causador do dano ou risco ambiental é um ente público, circunstância
verificada em quatro das seis oportunidades em que foi expedida a convocação.
Dos quatros casos em que o Ministério Público Federal em Sergipe não notificou o
ente público a se fazer presente para o início do processo de mediação, três foram encerrados
rapidamente, ou com o ajuizamento de ação civil pública logo em seguida à instauração do
procedimento preparatório, ou com o arquivamento liminar da representação encaminhada ao
MP. O outro caso que se encontrava em trâmite na data de 31/12/2010.
Como regra, a notificação expedida pelo Ministério Público Federal teve por
finalidade dar início ao processo de mediação através do contato direto com as partes
envolvidas no conflito ambiental. Essa situação foi detectada em cinco dos seis casos em que
a notificação foi expedida, sendo que em quatro deles o agente causador do dano era um ente
público. Em um dos casos em que o MPF manteve contato direto, a parte envolvida era um
cidadão. Na única situação em que o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se
a colher o depoimento para instruir a ação civil pública posteriormente ajuizada, o agente
causador do dano era uma empresa privada.
Em relação aos casos objeto de estudo da presente pesquisa, somente em uma situação
conflituosa foi realizada audiência pública. Tratava-se de conflito ambiental de relevo, com
grande repercussão social e decorrente da execução de políticas públicas, a saber os danos
decorrentes do controle da vazão do rio São Francisco pelos barramentos construídos pelo
programa federal de geração de energia elétrica. Na audiência pública convocada estiveram
presentes representantes da sociedade civil, do ente público causador do dano ambiental, da
Universidade Federal de Sergipe, do IBAMA, da ADEMA, do CBHSF, do Estado de Sergipe,
da União, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba.
Embora tenha havido o contato direto do Ministério Público Federal com as partes
envolvidas no conflito hídrico em seis dos casos analisados, não se chegou à assinatura de um
compromisso de ajustamento de conduta em qualquer deles. Em duas dessas situações, houve
o ajuizamento de ação civil pública, transferindo-se a equalização do conflito para o Poder
Judiciário. Os outros quatro casos ainda estavam em trâmite na data delimitada previamente
para a realização do corte metodológico, 31/12/2010, podendo, ainda, haver a construção de
acordos em cada uma das disputas.
A figura 5.6 detalha o resultado final dos conflitos ambientais relacionados com o
direito fundamental à água que foram objeto de enfrentamento pelo Ministério Público
Federal em Sergipe entre os anos de 2004 e 2010. O encerramento do trâmite de um
procedimento administrativo preparatório ou de um inquérito civil no âmbito no Ministério
Público Federal pode ocorrer em razão de três motivos: o arquivamento, com a equalização do
139
em trâmite em 31/12/2010 10
declínio de atribuição 0
arquivamento 3
Das três ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal em Sergipe
duas foram contra entes públicos, um estadual e outro federal, e uma em face de uma
agroindústria privada. As ações civis públicas ajuizadas contra o Poder Público estadual e
federal estavam relacionadas com o acesso à água e com a poluição hídrica, respectivamente,
a terceira, ajuizada contra a empresa privada, busca a reparação de dano ambiental causado
pela poluição das águas.
potável foi judicializado. A ação civil pública foi movida após o insucesso das tratativas com
o ente público responsável pelo abastecimento de água potável para a comunidade
prejudicada, negociação que durou cerca de sete meses. Mesmo com o contato direto com a
parte envolvida no conflito hídrico o Ministério Público Federal em Sergipe não logrou por
termo na conduta ilícita. A rápida judicialização da questão indica a existência de uma maior
preocupação do Ministério Público Federal com a agilidade no tratamento da controvérsia em
torno do direito à água quando a dimensão social do conflito ambiental está presente com
mais vigor, não ocorrendo o mesmo quando há uma predominância do aspecto ecológico no
litígio em questão.
A poluição das águas foi o segundo tipo de dano ambiental enfrentado pelo Ministério
Público Federal em Sergipe através do ajuizamento de ação civil pública, representando dois
dos três casos em que houve a judicialização do conflito hídrico. A maior judicialização das
questões referentes à poluição hídrica não pode ser explicada somente pelo fato de refletir a
circunstância deste tipo de conflito apresentar um maior número de casos submetidos ao crivo
do MPF, uma vez que o dano à área de preservação permanente está presente em idêntica
quantidade. Transparece, portanto, existir um interesse maior do Ministério Público Federal
em Sergipe em conferir rapidez à equalização do conflito ambiental relativo à poluição da
água, judicializando a questão.
Destaque-se que, nos dois conflitos ambientais relativos à poluição das águas que
foram judicializados, não houve o início do processo de mediação propriamente dito. Na
primeira situação, a ação civil pública foi ajuizada imediatamente após a instauração, de
ofício, do procedimento administrativo preparatório. No segundo caso, houve a notificação do
agente causador do dano ambiental, todavia o contato direto com o Ministério Público Federal
em Sergipe foi direcionado para a tomada de declarações que instruíram a ação civil pública,
não havendo registro da existência de uma tentativa de equalização negociada do conflito
ambiental.
De outro lado, a análise mais detalhada dos três arquivamentos promovidos pelo
Ministério Público Federal em Sergipe esclarece que apenas em um dos casos a motivação foi
a circunstância de não se visualizar a ocorrência de dano ou risco ambiental. Tratava-se da
notícia da existência de discussões sobre a possibilidade de instalação de uma usina nuclear
no baixo São Francisco, sendo arquivado o procedimento preparatório em vista de não existir
141
uma decisão concreta do Poder Público no sentido de se implantar a referida usina no Estado
de Sergipe.
Um outro ponto a ser realçado, em relação ao resultado dos inquéritos civis e dos
procedimentos administrativos preparatórios instaurados, é que no curso dos sete anos objeto
de estudo o Ministério Público Federal afirmou a sua atribuição em todos os conflitos hídricos
localizados no baixo São Francisco que foram trazidos ao seu conhecimento, não havendo
qualquer declínio de atribuição. A circunstância de se tratar de bacia hidrográfica
inquestionavelmente do domínio da União afastou qualquer controvérsia acerca da definição
do ramo do Ministério Público que deveria atuar na matéria.
não estabelecia qualquer prazo para sua finalização. No dia 6 de abril de 2006, o Conselho
Superior do Ministério Público Federal editou a Resolução CSMPF nº 87/2006, que foi
seguida pela edição da Resolução CNMP nº 23/2007 de lavra do Conselho Nacional do
Ministério Público, ambas regulamentando a instauração e o trâmite do inquérito civil.
Até 1 ano
Acima de 3 anos
0 1 2 3 4 5 6
78
Artigo 15 da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 9º da Resolução CNMP nº 23/2007.
79
Artigo 4º, §§ 1º e 4º, da Resolução CSMPF nº 87/2006 e artigo 2º, §§ 6º e 7º, da Resolução CNMP nº
23/2007.
143
A franca maioria dos casos encerrados não ultrapassou o prazo de dois anos de
tramitação, sendo objeto de ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público Federal
em Sergipe ou por terceiros legitimados. Apenas em uma situação, relacionada ao conflito
ambiental da transposição do rio São Francisco, o procedimento administrativo foi finalizado
em um prazo mais dilatado, seis anos. Ressalte-se que, neste caso, houve o ajuizamento de
diversas ações civis públicas por terceiros legitimados quando o procedimento preparatório
ainda contava com menos de dois anos de tramitação, permanecendo ativo somente para fins
de acompanhamento das medidas judiciais tomadas nos processos em curso. Seu
arquivamento ocorreu quando se percebeu a desnecessidade de se manter em instrução um
procedimento administrativo estando a questão judicializada no Supremo Tribunal Federal.
Constatou-se, também, que o Ministério Público Federal ainda não tinha mantido
contato direto com as partes envolvidas no conflito ambiental em seis dos procedimentos
administrativos preparatórios e inquéritos civis que tramitavam em 31/12/2010, sendo que
80
Em uma das situações analisadas o contato direto do MPF com a parte envolvida limitou-se a colher o
depoimento para instruir a ação civil pública ajuizada em seguida.
144
cinco deles tinham como agente causador do dano ou risco ambiental empresas privadas ou
cidadãos. Nas duas situações em que o processo de mediação já tinha sido estabelecido
através do contato direto, o agente causador do dano ou risco ambiental era o Poder Público.
CAPÍTULO 6
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
147
6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES
mediar extrajudicialmente os conflitos hídricos não tem conseguido obter resultados efetivos
em um prazo curto, resultando na sua judicialização, seja pelo próprio MPF, seja por terceiros
legitimados.
O Ministério Público Federal deve ser fazer mais presente nas discussões sobre o
gerenciamento das águas do rio São Francisco, aproximando-se dos órgãos públicos
integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, especificamente
em relação ao CBHSF, ao CNRH e à ANA, de forma a ampliar a sua atuação preventiva.
Nesta mesma direção, sugere-se uma maior articulação do Ministério Público Federal
150
REFERÊNCIAS
152
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