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Cultura Gótica

Nos últimos anos, temos visto um grande número de informações sendo divulgadas sobre “góticos”, sem critério e
conhecimento empírico. Infelizmente, estas informações favoreceram o surgimento de inúmeros mitos e consagraram
alguns equívocos, emergindo um inesgotável acervo de rótulos, teorias e denominações, muitas vezes precipitadas e não
coerentes, tanto à Subcultura Gótica/Darkwave quanto à Cultura Obscura.

Devido a alguns fatores comuns, a cultura obscura surgida em meados da década de 90, foi associada à subcultura gótica
que se consolidou na década de 80. Os adeptos da cultura obscura foram, genericamente, denominados góticos. Partindo
deste princípio, aspectos comportamentais e artísticos da cultura obscura foram classificados como “goticismo”. Sendo
que este termo, originalmente, refere-se apenas à Literatura Gótica. Desse modo, as duas manifestações, subcultura gótica
e cultura obscura, que são significantemente distintas, mas também cultivam pontos comuns, foram erroneamente
classificadas como uma mesma manifestação.

A associação entre cultura obscura e subcultura gótica, gerou um falso conceito de que a cultura obscura seria uma
“evolução” da subcultura gótica. Esta ideia pode ter sido indiretamente fortalecida pela indústria fonográfica
especializada e suas distribuidoras, e por revistas que atuam no segmento do Metal, ao difundir o Gothic Metal, um dos
gêneros musicais mais consumidos na cultura obscura.

O rótulo Gothic Metal faz pressupor que este seria um “novo estilo que fez ressuscitar a extinta subcultura gótica”. Mas
é preciso salientar que a subcultura gótica nunca se extinguiu; pelo contrário, mantém-se ativa e renovada desde sua
origem nos anos 80. Portanto, em hipótese alguma, a cultura obscura é, nem pode ser considerada, uma evolução ou um
aprimoramento da subcultura gótica.

O termo Gótico
Originalmente, o termo gótico significa apenas relativo a Godos ou proveniente deles. Porém, é notório que o termo é
utilizado, pelo menos, desde o século XV, para designar algo que não possui relação com seu significado primitivo.
Como exemplo, no período da Renascença, o termo foi utilizado para referir-se, de forma depreciativa, à arte escolástica
medieval, classificando-a como “arte gótica”. Ainda, gótico classificou um subgênero literário surgido no século XVIII
que remetia à Idade Média sob uma visão sombria. Recentemente, a partir da década de 1980, passou a denominar a
subcultura que emergia naquele momento.

Neste caso, o termo Gótico é aplicado como “sinônimo” de imaginativo, irracional; “que ousa penetrar nas trevas da
mente e terrível condição humana”. O termo divulgado pela mídia e adotado por algumas bandas prevalece a partir de
1983/84.

Por outro lado, o termo gótico, se aplicado à cultura obscura e seus adeptos, pode fazer sentido se considerado que o
mesmo foi utilizado, no século XVIII, para classificar a Literatura (gótica), como sinônimo de obscuro ou medieval,
sendo estas características muito presentes na cultura obscura. Portanto, neste caso, gótico é utilizado com um significado
já existente, e aplicado numa outra situação.

Atualmente, o conceito brasileiro do significado do termo gótico, quando aplicado à subcultura, é muito amplo. Alguns
consideraram gótico, boa parte do que foi produzido musicalmente a partir de meados da década de 1980. Ainda,
considerando o termo gótico, quando aplicado à cultura obscura e seus adeptos, este conceito amplia-se mais.

Temas & Abordagens


O que define uma determinada corrente artística, filosófica ou sociocomportamental, por exemplo, não são apenas os
temas adotados, mas principalmente a abordagem, ou seja, a forma como estes temas são trabalhados, interpretados e
expostos. Este conceito também pode ser usado para definir com mais clareza algumas diferenças entre subcultura
gótica/darkwave e cultura obscura. Muitas vezes, ambas abordam temas comuns sob perspectivas distintas.

A expressão artística da subcultura gótica, não se baseia em temas específicos, mas principalmente, em uma abordagem
própria. Já a cultura obscura faz uso de uma variedade menor de temas. Porém, para a produção artística da cultura
obscura, os temas são, proporcionalmente, mais significativos do que na subcultura gótica; e as abordagens são feitas,
geralmente, através de uma perspectiva romântica.

Por exemplo, quando abordamos determinados temas comuns, a subcultura gótica pode interpretá-los através de uma
perspectiva vanguardista. Por outro lado, a cultura obscura os interpreta sob um ponto de vista romântico. A banda
inglesa Joy Division pode ser citada como um exemplo simplificado. Na cultura obscura, Joy Division é valorizado
principalmente pela atmosfera noturna de suas músicas; além do “mito romântico” que Ian Curtis tornou-se após o
suicídio. Na subcultura gótica, estes fatores não são tão significativos, abordando principalmente, a música da banda no
seu contexto histórico e suas referências. Em outro exemplo, agora literário, Allan Poe é valorizado, principalmente,
como poeta e contista, quando abordado na cultura obscura. No contexto da subcultura gótica, é apreciado pelo conjunto
de sua obra em todas as fases; não apenas pela sua fase romântica.

Subcultura Gótica/Darkwave
A subcultura gótica é um movimento sociocultural envolvido num contexto artístico e comportamental, que abrange
manifestações artísticas como a música, literatura, cinema, artes plásticas e vestuário (moda), entre outras expressões.
Estes elementos atuam de modo a intensificar e multiplicar os outros componentes.

A origem da subcultura gótica ocorreu nos primeiros anos da década de 1980. Porém, suas influências primitivas
encontram-se no movimento romântico do século XIX. Ainda, inclui elementos do Modernismo do século XX, como
o Impressionismo, Expressionismo, Surrealismo e Cabaret Culture. Mas a denominada Geração Beatnick é a influência
mais recente e significativa da subcultura gótica, tendo seu surgimento aproximadamente a partir de 1950, e sendo
baseada na moderna boemia francesa, com um forte apelo artístico/filosófico.
Musicalmente, a subcultura gótica traz bandas “clássicas” como Joy Division, Bauhaus, The Sisters of Mercy, Siouxsie
and The Banshees, Alien Sex Fiend entre outros do período oitentista. Na década de 90, artistas como London After
Midnight, Faith and Muse e Clan of Xymox deram continuidade no constante processo de renovação da subcultura. Há
ainda uma variação de estilos que surgem, ou são abrigados no universo da subcultura, como o Dark Ambient.

Deste modo, fica claro que a subcultura possui bases sólidas e nítidas em sua origem e desenvolvimento, e continua
sendo cultivada, ampliando-se em todas as partes do mundo. Compondo, assim, um constante processo de renovação há
mais de duas décadas.

Cultura Obscura
A Cultura Obscura caracteriza-se por valores individuais. Neste caso, aborda-se personalidades que convergem em
aspectos comportamentais semelhantes e tendem a buscar expressões artísticas identificáveis com a própria
personalidade.

Assim, na cultura obscura e, consequentemente, entre seus adeptos, é possível determinar alguns elementos comuns,
como a valorização e contemplação das diversas manifestações artísticas. Além de uma perspectiva poética e subjetiva
sobre a própria existência; uma visão positiva sobre solidão, melancolia e tristeza; introspecção, medievalismo, entre
outros. Essas e outras características podem ser associadas a alguns elementos comuns ao romantismo do século XVIII.
Por outro lado, a cultura obscura também pode abrigar aspectos que sugerem um “contramovimento social”, embora não
haja uma apologia social ou política.

Não há um ponto de partida específico para designar a origem da cultura obscura. Mas, pode-se supor, que tenha surgido
na segunda metade da década de 90, como um “derivado” da subcultura gótica, reunindo indiretamente e intensificando
seus elementos românticos.

Ao abordar as manifestações artísticas reunidas pela cultura obscura, encontra-se elementos aparentemente díspares, mas
que, mesmo não sendo consumidos por todos os seus adeptos, também não são rejeitados.

Nesse contexto, na música, podemos citar estilos derivados do Metal, como o Gothic Metal, Doom Metal e Metal
Sinfônico, por exemplo. Mas há ainda outros estilos como o Ethereal (Dark Ambient) e uma parcela do que foi
denominado pós-punk. A literatura abriga autores do ultrarromantismo e do Romantismo de uma forma geral. Ainda,
escritores (poetas e contistas) da Literatura Gótica, como Byron e Allan Poe.

Não há necessariamente uma interação entre os adeptos da cultura obscura, pois não se caracteriza como um grupo
(coletividade) ou uma “tribo urbana”, mas apenas um conjunto de indivíduos que se identificam com determinados
aspectos comportamentais e artísticos.
Há alguns pontos comuns; mas há também grandes diferenças entre cultura obscura e subcultura gótica. A “área de
intersecção” é muito sutil. Porém, ambas são manifestações autênticas que consolidaram uma identidade ao longo do
tempo.

Conclusão
“Creio ter reunido evidências suficientes para concluir que os góticos (tanto os clássicos quanto os neogóticos)
constituem a tribo mais culta de todo o universo underground. Há amplas evidências a favor disso (ainda que alguns
góticos clássicos como eu não sejam “do underground” em concepção).
As produções literárias, artísticas e cinematográficas acumuladas por muitas décadas e que configuram expressões do
goticismo são em número imensamente superiores a qualquer outro agrupamento difuso (perdendo para organizações
mais antigas como a Maçonaria e semelhantes, que tiveram coesão grupal e mais tempo para influenciar culturas).
Eu vejo o goticismo como um dos grandes celeiros da pós-modernidade. Se o interesse coletivo dos góticos fosse
unificado em um objetivo comum, e devido às características que configuram o goticismo, se teria força para engendrar
perspectivas críticas que poderiam ser muito úteis para a sociedade. Num mundo onde a violência parece transbordar
todos os limites, a noção do pensamento e atitude pacífica dos góticos ressalta seu papel até mesmo social, como exemplo
de possibilidade de tribos urbanas que podem viver em paz. Aliás, eu vejo o goticismo como uma expressão viva da
liberdade de pensamento e do respeito à individualidade.

Enfim, onde se parece haver um contraste tão grande entre o racional e o emocional, e onde fala-se tanto sobre a escolha
entre ser um ou outro, o goticismo traz uma mensagem de que é possível o conhecimento científico e a erudição sem a
perda do encanto, da poesia e do romantismo. E de que, numa analogia bem específica mas que deve ser estendida a
todas as outras esferas, tão importante quanto “aprender a técnica de pintar” seria aprender a ter prazer com a pintura.
Mesmo como está, o mundo e a vida ainda têm belezas suficientes para encantar os espíritos sensíveis. Eu acredito que
essa pode ser a nossa grande mensagem, tanto dos góticos tradicionais quanto dos surrealistas.”

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