Você está na página 1de 3

Rainhas da noite

Visuais extravagantes e pluralidade têm presença garantida na noite de


Salvador

Yuri Silva

Como ir ao show da ex-participante de RuPaul’s Drag Race Latrice


Royale? Essa foi a dúvida do publicitário Rodrigo Andrade, 23 anos. Ele não
queria ir de boy, então, pensou em brincar com a barba por meio das cores,
principalmente rosa e roxo, inspirada no movimento Club Kids, que surgiu na
década de noventa, em Nova York, com jovens de visuais elaborados e
extravagantes. Em 2016, um ano depois da apresentação da artista americana,
nasce Amethyst. A rainha barbada faz parte da nova geração de drag queens
soteropolitanas.

O boom do movimento veio com o reality da lendária RuPaul, que é


inspiração para as novatas. Entretanto, essa arte tem ponto de partida no
teatro da Grécia Antiga – onde personagens femininos e masculinos eram
interpretados somente por homens –, e sofreu modificações ao longo dos anos.

Até mulheres têm vez. A arte drag não tem nada a ver com gênero ou
sexualidade. É uma forma de expressão e existem aspectos que diferenciam.
“Temporalidade porque a drag tem um tempo ‘montada’, outro ‘desmontada’ e,
ainda, aquele em que ‘se monta’. Diferente de travestis e transexuais, as
mudanças no corpo são feitas, de modo geral, com truques e maquiagem. A
corporalidade drag é marcada pela teatralidade, perspectiva que é importante
para compreender esses sujeitos”, escreve a pesquisadora Anna Paula
Vencato no trabalho Confusões e estereótipos: o ocultamento de diferenças na
ênfase de semelhanças entre transgêneros, baseado na sua dissertação de
mestrado.

Fora do meio, mas no meio

É comum ver os jovens se montarem só para ir à balada, principalmente


as alternativas, e causar na fila e também na pista. Quem começou assim foi o
Lucas Bechtinger, estudante de 21 anos. Há cerca de três anos, ele dá vida
Mamie Vergara, uma rainha vintage que vive em um universo paralelo e
inspirada em pessoas como a cantora Etta James e a atriz Jane Russell. “Por
causa da forma diferente de se vestir e extravasar na pista, eu acabei fazendo
amizades com pessoas influentes na noite e um amigo me chamou para
recepcionar os clientes de sua festa, em dezembro de 2014”, conta. Nesta
festa, ele foi vestido de baiana de acarajé e, a partir daí, outras oportunidades
surgiram.

Bechtinger não sabia o que era essa arte, nem RPDR assistia. “Não me
levava a sério e não me considerava drag. Isso mudou quando trabalhei com
Duda Dello Russo [artista paulistana] em uma festa. Ela me ensinou um pouco
sobre a arte e aquilo que eu fazia era drag”, lembra.

Sobrevivência

Viver da arte drag em Salvador é possível, no entanto, “a cena é difícil e


precisa trabalhar muito”, destaca Amethyst. As artistas enfrentam alguns
obstáculos na carreira.

Para Mamie Vergara, a pasteurização na arte drag é o maior desafio


como drag, principalmente para as artistas pretas e/ou periférica. Além disso,
“os produtores e público não lhe valorizam o quanto deveriam valorizar”.

A energética Sasha Heels também segue nessa linha de pensamento.


“As casas de shows não dão suporte que a gente precisa. Monetário, físico e
material. Não temos um espaço de show legal aqui. O cachê é muito pouco.
Basicamente, garantem o transporte ida e volta para o show. Às vezes, a
reposição da maquiagem, que é um material caro. A gente trabalha para
sustentar a drag e, às vezes, nem isso sustenta”, afirma.

Heels é conhecida como a drag vereadora. “Eu gosto de falar com as


pessoas, saber quem está no show, cumprimentá-las e saber que me viram
também. Preciso passar por todo mundo, as pessoas pedem fotos. Eu acho
incrível e isso faz se sentir um artista, uma celebridade. É uma sensação
maravilhosa”, conta o professor de dança e bailarino Elvis Barbosa, 26, que se
encantou pela arte da transformação há dois anos e meio.

Com uma estética burlesca, cabaré, a queen leva o empoderamento e


reflexões sobre a luta negra e lgbt ao público “Eu sempre tento trazer, porque é
algo que agrega a arte. Eu sempre aprendi que quem tem o microfone, tem o
poder. Então, você poder passar uma mensagem, é sempre bom. Você nunca
sabe quem vai assistir ao show”, conclui Barbosa.

Oportunidade

O tradicional Revelação Marujo dá visibilidade às novatas na cena.


Testemunha disso é a dama da noite, como Aurora Blanc se autodefine, que foi
uma das participantes da edição do ano passado. “É uma ótima porta para
expressar seu trabalho para o público, além de ser uma boa oportunidade para
um crescimento pessoal e profissional”, destaca o estudante de publicidade
Alisson Cardoso, 21, que há cerca de um ano vive a persona dark.

Mamie Vergara, que participou da primeira edição, define o concurso


como “um divisor de águas”, que lhe ajudou a colocar para fora sua estética
vintage e não reproduzir o que via na cultura pop atual.

Mesma visão compartilhada por Amethyst, que ficou em terceiro lugar de


2017. “O Revelação me fez crescer como drag e querer continuar. Lá, eu
consegui a fazer coisas incríveis, que nunca imaginei. Eu acho que Amethyst
começou ali no concurso”, ressalta.

A competição é apresentada pela drag DesiRée Beck no bar Âncora do


Marujo, localizado no centro de Salvador, e testa as participantes em diversas
habilidades, como dublagem e costura. No final do concurso, a ganhadora
recebe prêmio em dinheiro, além de acessórios de show.

E onde encontrá-las? Além do Âncora, as artistas brilham no palco das


boates Tropical (Gamboa), Amsterdam (Aflitos) e dos bares Caras & Bocas
(Carlos Gomes) e Burlesque (Mouraria).

Você também pode gostar