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D E S MI S T I F I CAN D O O CON T R AP ON T O
T ON AL
OU
Como vencer seu medo de compor exercícios de contraponto
Chr is topher Dylan B ailey (1998)
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A primeira coisa que vamos observar é o quão flexível são as relações entre a estrutura e o material da composição. Isto é, dado um
“esqueleto” estrutural e algum “material” (como um motivo ou dois), haverá muitos modos de compor trechos musicais. O que significa que uma
composição é menos similar com um quebra-cabeça, com uma única solução, e mais como um processo de invenção – que pode ser divertido e
interessante.
Para mostrar isso, vamos tomar um par de exemplos de Mozart e Haydn, e re-arranjar os materiais melódicos (os motivos), retendo a
estrutura de fundo original (o “esqueleto”).
O exemplo 1 mostra a abertura de uma sonata de Haydn:

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Christopher Dylan Bailey – Desmistificando o contraponto tonal http://www.marcelomelloweb.cjb.net

Familiar, sem dúvida, para alguns. Eu rotulei o “material”, os motivos, com letras. Agora, a idéia aqui é mostrar que qualquer re-arranjo
do material motívico pode funcionar, na medida em que associarmos os motivos às notas apropriadas da estrutura, e fizermos ajustes
apropriados. Talvez devamos alterar um pouco os motivos, alargando ou estreitando seus intervalos ou processos parecidos, mas eles
permanecerão bem parecidos com o original. Então, vamos simplesmente reordenar os motivos aleatoriamente, e recompor o trecho. Eu vou
escolher estas ordens: EDCBA, e DBECA. Os resultados são mostrados nos exemplos 2 e 3:

Embora estes trechos não soem certamente tão elegantes quanto o original de Haydn, o mero fato de soarem OK, depois de terem sido
combinados de maneira tão randômica, são um testemunho da flexibilidade da idéia de associar motivos a uma estrutura subjacente. Havendo
uma estrutura, e associando os motivos da maneira correta, vai funcionar – com provavelmente qualquer material (e possivelmente ajustes
necessários).
O próximo exemplo vem da abertura de uma sonata de Mozart, com 6 motivos rotulados (ou, no caso da letra F, não um motivo, mas
uma figuração de acompanhamento com acordes).

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Novamente, eles serão recombinados de forma aleatória: DCCBBA na linha superior, com F seguido de E, repetidamente, na linha
inferior. O resultado é mostrado abaixo:

Novamente, não tão elegante quanto o original de Mozart, mas certamente uma ilustração adequada da flexibilidade da qual falamos,
uma flexibilidade que atua a favor de qualquer prática de composição.

COMPOSIÇÃO
Agora, vamos falar sobre compor “do zero”. Para resumir, o segredo será simplesmente evitar a idéia de estar compondo “do zero”, isto é,
não cultivar uma situação do tipo “OK, esta é a primeira nota, agora o que eu faço para a segunda nota?”. Ao invés disso, pode ser elaborada uma
estrutura geral da condução de vozes, e então pode-se tanto observar o material temático quanto procurar outros materiais.
Nós usaremos a estrutura geral mostrada no exemplo ao lado. Passando os olhos aleatoriamente neste
material, eu escolhi o motivo rotulado como M para meu material inicial. Comecei então devaneando com o
motivo M, e tentando encaixá-lo na primeira nota da linha de soprano. Adicionando uma nota de passagem
acentuada, para levar ao Sol#, o resultado é o compasso 1.

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Agora, eu observei que as vozes do soprano e do baixo no esboço trocam


seus materiais melódicos, a partir da terceira nota do baixo, um detalhe do qual
eu poderia tirar vantagem simplesmente invertendo seus materiais melódicos no
compasso 2.

No final da frase, a linha do


soprano do esboço é o motivo M.
Assim, para "incrementar" o esboço, eu
inverti o motivo M de cabeça para
baixo, tentando encaixá-lo no esboço.
O resultado foi a linha superior do
compasso 3 (C#-B-F# -- motivo M de
cabeça para baixo e expandido) e então
uma simples linha descendente até o
Si.

No baixo, enquanto tentava encaixar o motivo, em movimento retrógrado, na sucessão LA-RE


do esboço, eu vi uma oportunidade para uma possível suspensão (do D ao C#). Para fazer a suspensão
funcionar, eu pensei que teria que adicionar uma terceira voz. Qual seria o dissonância na segunda
batida do compasso 3, que faria do Re no baixo uma agradável suspensão em C#? Bem, Mi na voz
média seria agradável, mas, infelizmente, entraria em conflito com o Fa# do soprano. Finalmente, a
suspensão se tornou uma suspensão "consonante", com o F# na voz aguda.

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Então, voltando à voz média, eu pensei, ok, queremos agradáveis tríades simples com fundamental, 3a, e 5a tanto quanto possível.
Decidi então começar com as terças paralelas no compasso 2, que cria a progressão de acordes de I6 e IV . As terças paralelas criam uma
pequena estranheza na última batida do compasso 2, mas como nosso esboço subjacente está guiando todo o movimento melódico, nosso ouvido
aceita a simultaneidade A-C#-B na última batida da barra 2 como uma espécie de dupla nota de passagem. Note também que entrando no
compasso 3, o baixo e a voz intermediária dão forma a um movimento paralelo para uma quinta, mas porque ocorre em uma voz interna, e as
vozes exteriores estão seguindo nas velhas e boas terças, nós a aceitamos amigavelmente.

A suspensão no compasso 3 incomodou-me um bocado, ritmicamente. Eu notei que o Re precisaria, talvez, ser preparado por mais
tempo. Além disso, o ritmo rápido e repentino de todas as partes no começo desse compasso, ainda que um tanto interessante, talvez estrague o
fluxo melódico. Assim, eu notei que o compasso 3 queria realmente estar em 4/4, não 3/4. Será que eu poderia fazer a coisa toda fluir mais em
4/4? Não era muito difícil, e o resultado foi o exemplo seguinte. Eu adicionei um pouco de substância para preencher o tempo adicional, como eu
creio que você pode ver claramente:

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