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sa)o8r2018 Carta para Joseph Bloch MIA > Biblioteca > Marx/Ensels > indice Cartas > Novidades Carta para Joseph Bloch Friedrich Engels 21-22 de Setembro de 1890 Primeira Edic&o: Texto originalmente publicado em Der sozialistische Akademiker, Berlin, October 1, 1895, em alemao. Fonte: ENGELS, F. Letters on Historical Materialism. To Joseph Bloch. [1890]. pp. 760-765. in TUCKER, Robert C. (org.) The Marx-Engels reader. 2. ed. New York: W. W. Norton & Company, 1978. Traduzido e anotad de setembro de 2009. HTML: Fernando A. S. Araijo. Direitos de Reproduc&o: A cépia ou distribuicéo deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License. Vinicius Valentin Raduan Miguel (do Inglés para o Portugués) em 22 Londres, 21-22 de setembro de 1890 De acordo com a concepcdo materialista da histéria, o elemento determinante final na histéria é a produgdo e reprodugao da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econémico é 0 Unico determinante, ele transforma esta proposicio em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condigées econémicas sdo a infra-estrutura, a base, mas varios outros vetores da superestrutura (formas politicas da luta de classes e seus resultados, a saber, constituigées estabelecidas pela classe vitoriosa apés a batalha, etc., formas juridicas e mesmo os reflexos destas lutas nas cabecas dos participantes, como teorias politicas, juridicas ou filoséficas, concepgées religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influéncia no curso das lutas histéricas e, em muitos casos, preponderam na determinagao de sua forma. Ha uma interacdo entre todos estes vetores entre os quais ha um sem ntimero de acidentes (isto é, coisas e eventos de conexdo tao remota, ou mesmo impossivel, de provar que podemos tomé-los como néo-existentes ou negligencid-los em nossa andlise), mas que o movimento econémico se assenta finalmente como necessario. Do contrario, a aplicagio da teoria a qualquer periodo da histéria que seja selecionado seria mais facil do que uma simples equaco de primeiro grau. Nés mesmos & que fazemos a histéria, mas o fazemos sob condicdes e suposigdes definidas. Entre estas, os determinantes econémicos so, ultimamente, decisivos. Mas mesmo as condicées politicas, etc., e mesmo tradicdes que assombram as mentes humanas também desempenham o seu papel, embora nao sejam decisivos. O Estado prussiano também surgiu e se desenvolveu por causas histéricas, mas de modo final, por causas econémicas. Da mesma forma, seria dificil de se argumentar sem pedantismo que muitos dos hitpsluwn-marssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim tev08o18 Carta pra Joseph Boch pequenos Estados da Alemanha do Norte, Bradenburg, foram especificamente determinados por necessidades econémicas para se tornar grandes poténcias econémicas, lingiiisticas e, apés a Reforma, também religiosa em disting&o entre © sul, e n&o por outros elementos além do econdmico (acima de tudo, o relacionamento com a Polénia devendo sua possessdo da Prussia foi também decisivo para a formacdo da poténcia dindstica austriaca, ou seja, relagdes politicas internacionais que foram determinantes). Sem ser ridiculo, seria dificil explicar em termos puramente econémicos a existéncia de cada pequeno Estado na Alemanha, no passado ou no presente, ou a origem da Alta Alemanha consoante com as alteragdes que alargaram o muro geogréfico da partilha, formado pelo conjunto sudético de montanhas do Taunus, até a extensdo de uma fissura regular cortando toda a regido Em segundo lugar, a histéria é feita de maneira que o resultado final sempre surge da conflitante relacdo entre muitas vontades individuais, cada qual destas vontades feita em condigdes particulares de vida. Portanto, é a intersecco de numerosas forcas, uma série infinita de paralelogramos de forcas, que resulta em um dado evento histérico. Isto pode ser novamente interpretado de modo equivoco, sendo visto como um produto de um poder que trabalha como um todo, inconscientemente e sem vontade. Cada vontade individual é obstrufda por outra vontade individual e 0 que emerge é uma vontade final nao antecipada pelas singularidades envolvidas. Assim, a historia procede na forma de um processo natural e é essencialmente sujeitas as leis do movimento. Mas do fato de que as vontades individuais — das quais os desejos que impelem pela constituigSo fisica ou externamente e, em ultimo lugar, pelas circunstancias econémicas (sejam pessoais ou aquelas da sociedade em geral) — ndo obtém o que querem, mas tem suas vontades amalgamadas em um sentido coletivo, um resultante comum, n&o deve ser concluido que seus valores sdos iguais a zero. Ao contrario, cada parte singular contribui para o resultado e é, em certo grau, envolvido com esta soma final No mais, eu iria pedir para que vocé estude esta teoria de fontes originais e n&o de materiais secunddrios; seré muito mais facil, Marx dificilmente escreveu algo que ele nado tomou parte. Especialmente o Dezoito Brumédrio_de Louis Bonaparte & 0 mais excelente exemplo da aplicacio desta teoria. Também existem muitas alusées n’O Capital. Também devo indicé-lo alguns de meus escritos: Herr Eugen Duhring’s Revolugao na Ciéncia e Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia alema cldssica, nestas obras eu dei, até onde sei, a mais detalhada explicacao sobre o materialismo histérico que é possivel encontrar. Eu e Marx somos aqueles a quem, parcialmente, culpar pelo fato que as pessoas mais novas freqiientemente acentuarem o aspecto econémico mais do que o necessdrio. E que nés tinhamos que enfatizar estes principios vis-a-vis nossos adversarios, que os negavam. Nés nao tinhamos sempre o tempo, o local e a oportunidade para explicar adequadamente os outros elementos envolvidos na interagdo dos fatores constituintes da histéria, Mas quando era o caso de apresentar uma seco historiografica, isto é, de aplicacdo pratica, era um assunto diferente e nenhum erro era permissivel. Infelizmente, de modo muito hitpsluwn-marssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim tev08o18 Carta pra Joseph Boch freqiiente, as pessoas pensam que aprenderam uma nova teoria e podem aplicd- la sem maiores problemas, crendo que dominaram os principais principios e isto n&o & sempre correto. E eu ndo posso também isentar os mais recentes “marxistas” do mais incrivel lixo que ja foi produzido nos ultimos trés meses. A reac&o do poder do Estado para com 0 desenvolvimento econémico pode ser um dos trés tipos: (i) pode ser que corra na mesma direcdo e entdo o desenvolvimento seja acelerado; (ii) ele pode se opor a linha do desenvolvimento, o que, nos dias de hoje faré com que o poder de Estado seja estragalhado no longo termo e; (iii) pode barrar 0 desenvolvimento econémico em algumas diregées e prescrevé-lo em outras. Isto reduz as possibilidade para uma das duas anteriores. Mas é dbvio que nos casos dois e trés, 0 poder politico pode causar grandes danos ao desenvolvimento econémico e resultar em grande dispéndio material e de energia das grandes massas Ent&o, é também um caso de conquista e destruigéo brutal de recursos econémicos, os quais, em certas condicées, um sistema econémico nacional ou local poderia ser arruinado. Nos dias de hoje, tal caso teria um efeito contrario, ao menos entre os grandes povos: em longo termo, o subjugado as vezes ganha mais em termos politicos, econémicos e morais do que o vitorioso. Similarmente com a lei, Assim que a nova diviséo do trabalho surge, na qual se tornam necessérios advogados profissionais, uma nova e independente esfera & criada e ainda especialmente capaz de reatar as esferas de producdo e comércio. No Estado moderno, a lei n&o deve apenas corresponder & condigéo econémica geral e ser sua expresso direta, mas ser expressdo internamente coerente 0 que nao se reduz ao nada, devido suas contradigdes internas. E com o objetivo de atingir isto, o fidedigno reflexo das condicées econémicas sofre cada vez mais. Assim, cada vez mais raramente que um cédigo legal é a direta, nao- suavizada e ndo-adulterada expressdo da dominag&o de uma classe — isto por si iria ofender a “concepgao de direito”. Mesmo no Cédigo Napoleénico, a pura e consistente concepgo de direito que a burguesia revolucionaria de 1792-1796 se dizia titular, é em muitas formas adulterada e, da forma como foi constituido, foi sujeita 4s atenuagdes decorrentes do nascente poder do proletariado. Isto ndo impede 0 Cédigo Napoleénico de ser o estatuto que serve de base para novos cédigos em todos os cantos do mundo. Portanto, em grande parte, 0 curso do “desenvolvimento dos direitos” apenas consiste (i) em uma tentativa de desfazer as contradigdes emergentes, sendo destarte, traducdo direta dos antagonismos de relacdes econémicas em principios juridicos e (ii) nas reiteradas brechas feitas neste sistema pela influéncia e pressdo do desenvolvimento econémico seqiiente, envolvendo contradigdes posteriores para estabelecer um sistema juridico harmonioso. (Neste momento, eu estou apenas falando no Direito Civil). 0 reflexo de relagées econémicas em principios juridicos é necessariamente confuso e desordenado: ele age sem a pessoa que estd atuando ser consciente deste processo; o jurista imagina que esta operando com proposigdes a priori, quando 0 que ele esté manuseando verdadeiramente so reflexos das relagdes econémicas; assim, tudo esta invertido. Para mim, parece dbvio que esta hitpsluwn-marssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim tev08o18 Carta pra Joseph Boch inverséo que, enquanto permaneca desconhecida sob a forma do que nés chamamos de concepgao ideolégica, reage e retorna 4 base econdmica podendo, dentro de certas limitacées, modificar esta ultima. A base do direito de heranga (assumindo que os estagios atingidos no desenvolvimento da familia sejam iguais) é econémica e n&o a priori juridica. No entanto, seria dificil de provar, por exemplo, que a absoluta liberdade do testador na Inglaterra e as severas restrigdes impostas a este na Franca séo decorrentes, em cada detalhe, as causas econémicas. Ambas (causas juridicas e causas econémicas) reagem entre si, sem podermos, no entanto, reconhecer a esfera econémica em consideravel extensio, pois a heranca afeta a distribuicdo de propriedade. No reinados da ideologia que deslizam ainda alto nos céus, religiao, filosofia, etc., tem um estoque pré-histérico que encontra sua exist€ncia no e é tomada pelo periodo histérico do que chamamos nonsense. Estas variadas falsas concepgées da natureza, do ser, de espiritos, forgas magicas, etc., tém, na maior parte das vezes, apenas um fundamento econdmico negativo; 0 baixo desenvolvimento econdmico do periodo pré-histérico € suplementado e parcialmente condicionado e mesmo criado por falsas concepgées de natureza. E mesmo que a necessidade econémica seja a principal forca motriz do conhecimento progressive sobre a natureza e se torna cada vez mais assim, seria certamente pedante tentar encontrar e indicar causas econémicas para este nonsense primitivo. A histéria da ciéncia é a histéria da gradual substituicdo deste nonsense ou sua eliminag&o por formas mais recentes, mas nem sempre menos absurdas de tolices. As pessoas que tomam parte nisto, aderem a dimensées especiais da diviséo do trabalho e isto aparenta para eles como se estivessem trabalhando em um campo independente. E na medida em que eles formam um grupo separado dentro da divisao social do trabalho, a sua producio, incluindo seus erros, reage novamente e influencia o desenvolvimento total da sociedade, e mesmo o desenvolvimento econémico. Mas todos estes estado, novamente, sob a dominante influéncia do desenvolvimento econémico. Na filosofia, por exemplo, isto pode ser mais prontamente demonstrado através do periodo burgués. Hobbes foi o primeiro materialista moderno (no sentido possivel dos limites do século XVIII), mas ele era um absolutista no periodo em que a Monarquia absolutista estava em seu mais alto ponto por toda a Europa e quando a luta da monarquia contra o povo estava se iniciando na Inglaterra. Locke era uma crianga no compromisso de classe de 1688 tanto em matéria de religido como de politica. Os deistas ingleses e seus mais consistentes continuadores, os materialistas franceses, eram verdadeiros filésofos da burguesia, sendo os franceses 0 mesmo até durante a revolucao burguesa. 0 filistinismo aleméo corre através da filosofia germanica de Kant até Hegel, algumas vezes positivamente enquanto outras negativamente. Mas a filosofia de cada época, considerando que é uma dimensdo definida na divisio do trabalho, tem por pressupostos certos pensamentos guiados por seus predecessores, dos quais toma como ponto de partida. E é por esta razéo que paises economicamente atrasados podem fraudar com vantagens na filosofia: a Franga no século XVIII comparada com a_ Inglaterra, em cuja filosofia os préprios franceses se basearam, e a filosofia alema posterior hitps:luwnzmanssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim tev08o18 Carta pra Joseph Boch relativamente baseada em ambas. Mas na Franga, assim como na Alemanha, a filosofia e a literatura floreada do periodo eram resultantes de um crescente progresso econémico. Eu também considero a supremacia do desenvolvimento econémico estabelecendo-se nestas esferas, mas ocorre dela atuar dentro de condicgées impostas pela prépria drea do conhecimento em si: na filosofia, por exemplo, através da operacdo de influéncias econémicas (que geralmente atua sob um encobrimento que aparenta ser politico) sobre a existéncia filoséfica material criada por seus antecessores. Aqui, a economia cria nada em formas renovadas, mas ela determina o modo pelo qual o pensamento material encontra a existéncia e o altera, posteriormente progredindo e isto na maior parte das vezes sob formas indiretas, sejam filoséficas, legais ou morais, reflexos que exercitam grande poder sobre a filosofia Sobre religio, eu disse 0 que era mais importante na ultima sesséo sobre Feuerbach. Se, no entanto, Barth supée que nés negamos toda e qualquer reacdo do politico, etc., reflexos do movimento econémico sobre 0 movimento em si, ele esta simplesmente lutando contra moinhos de vento. Ele sé precisa olhar para o Dezoito Brumério de Marx, que lida quase que exclusivamente o papel particular desempenhado pelas lutas politicas e outros eventos; é claro que dentro da dependéncia geral das pré-condigées econémicas. Ou O Capital, no capitulo sobre a jornada de trabalho, por exemplo, onde a legislacéo, que é certamente um ato politico, tem efeito incisive. Ou entéo a parte sobre a histéria da burguesia (capitulo XXIV). Ou por qual raz&o nés lutamos pela ditadura politica do proletariado se 0 poder politico € economicamente impotente? Forca (isto é, poder estatal) é também poder econémico! Mas eu nao tempo agora para criticar este livro. Eu devo agora pegar 0 volume III e no mais, penso que Bernstein, por exemplo, poderia efetivamente lidar com estes assuntos. © que falta para estes cavalheiros ¢ a dialética. Eles simplesmente olham aqui a causa e ali o efeito. Esta é abstracéo vazia e estas oposicées polares metafisicas sé existem no mundo real durante crises quando todo o vasto processo na forma de interagéo (embora por forcas muito desiguais, com o movimento econémico sendo, de longe, o mais poderoso, inicial e mais decisivo) & aqui muito mais relativo e nada absoluto (isto, eles nunca enxergaram). Hegel nunca existiu para eles. Leia a traducSo das Edicdes Avante! (versio resumida) Inicio da pagina Nota: [1] Friedrich Engels (1820-1895) contribuiu enormemente para o desenvolvimento do materialismo dialético, Juntamente com Karl Marx assinou “A Sagrada Familia” (1844) e 0 “Manifesto Comunista” (1848), além de ter escrito importantes textos para 0 marxismo, como “Socialismo utépico e cientifico” (1880) e "As origens da familia, da propriedade privada e do hitpsluwn-marssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim sains2018 Carta para Joseph Bloch Estado” (1884). Este pequeno texto é parte da vasta correspondéncia trocada, contestando a (ainda hoje) freqiiente acusacdo de um hiper-determinismo econémico sobre outros fatores, 0 que seria um anti-cientificismo do materialismo histérico. Engels responde a este ponto e explica a Inter-relacdo entre a legislagio e o direito no capitalismo, bem como 0 papel do Estado. O texto € pequeno, e embora nao seja de facil leitura, ¢ fundamental pela sagacidade dos conceitos elaborados e explicados. [_tndlusso __][02/10/2009] [Grima ateracéol[25/09/2011 hitpsluwn-marssts.orgfportugues!mars/1890/08/22.nim

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