Vocalise
Coro Madrigale - 25 anos
Por Arnon Oliveira
A
música coral, no Brasil, ainda sofre
preconceito quando comparada à mú-
sica orquestral, e isso acontece porque
há um entendimento de que um coro, usual-
mente, é um conjunto amador. Essa represen-
tação desenvolveu-se, sobretudo, a partir da
38 CONCERTISTA Julho / Agosto 2018
O universo da música vocal
Élcio Paraíso
formação de importantes coros nos anos 1950
e 60, dos quais principalmente o Madrigal Re-
nascentista e o Ars Nova tomaram para si o en-
cargo de realizarem um trabalho de divulgação
da música coral de outros tempos, e mesmo da
contemporânea. No entanto, esqueceram-se
Vocalise
“Uma das principais características de um bom coro é, jus-
tamente, a força que ele tem no conjunto, e isto o Madrigale
sempre fez questão de ter como um ponto filosófico.”
de avisar ao público que o seu trabalho era de
natureza profissional, como qualquer outra ati-
vidade musical, e isso aconteceu naturalmente
porque a maioria dos seus cantores se dedicava
a outras atividades profissionais e não enten-
diam a sua dedicação à música como algo a ser
remunerado, excetuando-se o maestro.
Ao seguir essa opção, vários coros criados
a partir desses modelos adotaram o mesmo
paradigma, subsistindo ao tempo como ins-
trumentos capacitados, mas que tinham como
principal função a formação da instituição
como um arcabouço da execução de obras
musicais tendo em vista um aprimoramento
daqueles que executavam e, também, daqueles
que os ouviam, em suas próprias comunidades.
O Madrigale não fugiu a essa regra. Cons-
tituiu-se, em 1993, a partir da união de alguns
cantores de outros coros da cidade de Belo
Horizonte e que tinham a intenção de de-
senvolver um trabalho mais específico, tendo
como referência obras tecnicamente mais ela-
boradas as quais não eram executadas por ou-
tros grupos vocais da comunidade. Longe de
pensarem que seu trabalho se perpetuaria ao
longo de anos, a turma fundadora do grupo,
naquele primeiro momento, intentava, tão so-
mente, fazer música e com a melhor qualida-
de possível. Sendo todos muito jovens e com
39 CONCERTISTA Julho / Agosto 2018
Madrigale
uma dose de irresponsabilidade e ousadia, tão
necessária a todos os iniciantes em música,
realizavam renascenças esquecidas e peças po-
pulares com arranjos elaborados, sempre com
uma formação mínima de cantores.
Com o passar do tempo, o coro se modi-
ficou estrutural e tecnicamente, tornando-se
um dos conjuntos mais respeitados da sua ci-
dade natal, além de reconhecido por músicos
do país inteiro como um grupo de excelência.
Não seguiu um caminho de perpetuação pelos
repertórios mais populares, mas pelo reconhe-
cimento de uma qualidade técnica desenvol-
vida no eruditismo e que não prioriza a indi-
vidualidade, mas o conjunto. Aliás, uma das
principais características de um bom coro é,
justamente, a força que ele tem no conjunto,
e isso o Madrigale sempre fez questão de ter
como um ponto filosófico. Os cantores que o
constituem não são todos músicos profissio-
nais, mas experientes na linguagem coral, e
que atuam como profissionais quando assu-
mem qualquer repertório.
É possível entender o percurso, a evolução
e o crescimento, e as consequentes modifi-
cações do Madrigale em etapas muito bem
determinadas. A primeira seria a que vai da
formação do grupo, com proporções míni-
mas (um madrigal), até a sua participação no
Vocalise
Madrigale, o prazer de fazer música de
qualidade que cativa surpreende e emocio-
na; a responsabilidade de formar cantores
com técnica e sensibilidade. Marília Ruas
Minas Cantat, festival de coros mineiros, em
1997. Naquela ocasião, após uma crescente
vertiginosa, não fomos selecionados para uma
apresentação posterior que envolveria os me-
lhores coros do estado. Por ter se apresentado
bem nas edições anteriores, tinha como con-
vicção que isso aconteceria e, por tal objetivo
não ter se concretizado, teve a sua auto esti-
ma minada de maneira muito séria. A decisão
pelo prosseguimento, apesar do percalço, foi
uma opção que demonstrou um importante
momento de maturidade do grupo. Até esse
momento, o repertório se baseava em peças
renascentistas, arranjos elaborados de música
popular brasileira e peças contemporâneas.
Numa análise rápida, uma assimilação do que
tinha sido o Madrigal Renascentista nos seus
primeiros anos de existência.
Um segundo momento de extrema im-
portância para o desenvolvimento aconteceu
a partir de um convite feito pelo Padre Sérgio
Palombo, da Basílica do Cura D’Ars naque-
le mesmo ano. O convite foi para que o coro
cantasse uma missa solene no final do ano.
Isso aconteceu porque o Madrigale pesquisava
obras do período colonial mineiro, dentre as
quais missas completas. Após a missa, o pa-
dre convidou o coro para participar de outras
missas, o que uniu o conjunto àquela igreja até
40 CONCERTISTA Julho / Agosto 2018
Madrigale
”Sou grata ao Madrigale por todo apren-
dizado, pelo valoroso e emocionante fazer
musical e principalmente, pela amizade
cultivada.” Patrícia Cardoso
2004. Apresentações mensais aconteceram lá,
moldando um grupo maior de cantores que
tinham que aprender repertórios com maior
velocidade a cada vez, já que cantavam pelo
menos uma missa por mês.
Mas o mais importante foi o desenvolvi-
mento técnico fora do meio musical principal
da cidade, longe de uma cobrança que, muitas
vezes, restringe a liberdade de escolha de re-
pertórios e de caminhos a seguir. Ali surgiu a
priorização de um repertório sacro e elabora-
do. Vivendo uma funcionalidade em música, o
Madrigale aprendeu a repetir um repertório até
um completo domínio dos seus elementos téc-
nicos e interpretativos, o que se tornou uma das
suas principais características até os dias atuais.
Somente com o falecimento do amigo
padre, e com a boa ocasião de patrocínios, o
Madrigale saiu da Basílica para a aquisição de
sua sala própria, situada no centro da capital
mineira. E da Cura D’Ars, saiu um grupo mui-
to mais maduro e tecnicamente desenvolvido.
Tendo o seu espaço próprio, adquirido e
equipado em 2006, o Madrigale teve as condi-
ções propícias para viver um terceiro momen-
to, que vem até os dias atuais. Sempre com um
cuidado primoroso com o desenvolvimento
dos repertórios, já se apresentou nas principais
salas de concerto do estado (Palácio das Artes,
Vocalise
“O Madrigale é uma escola para quem
busca se desenvolver na música e para
quem acredita no potencial de comunica-
ção da mesma.” Carolina Claret
Sesiminas, Conservatório da UFMG, Sala Ser-
gio Magnani) e de outros estados (Teatro Mu-
nicipal do Rio de Janeiro), tendo se firmado no
cenário principal de Minas Gerais, além de ser
reconhecido no país como um coro respeitado
e criterioso no seu fazer musical.
Chegando aos 25 anos, uma grande quanti-
dade de cantores passou pelo Madrigale, sendo
alguns deles professores e outros performers
profissionais de música. Tendo aumentado o
número de cantores ao longo dos anos, a for-
mação madrigal deixou de existir, mas aban-
donar o nome Madrigale nunca foi uma opção,
o que fez com que esse passasse a ser, simples-
mente, o nome principal do coro, e eventual-
mente, passou a se chamar Coro Madrigale.
A execução de obras maiores do repertório
coral, ou sinfônico-coral, é a principal escola
de formação desse instrumento. Ao longo des-
ses vários anos, obras como o Requiem e a Mis-
sa da Coroação, de W. A. Mozart; a Missa em
si menor, o Magnificat e a Paixão segundo São
João, de J.S. Bach; O Messias, de G. F. Haendel;
a Nona Sinfonia, de L. v. Beethoven; o Requiem
Alemão, de J. Brahms; o Magnificat, de John
Rutter; tornaram-se parceiras em vários con-
certos. Mas a exploração e a interpretação de
compositores brasileiros fazem parte de uma
importante parcela da história de concertos:
41 CONCERTISTA Julho / Agosto 2018
Madrigale
“Há 24 anos, dos 25 do Madrigale, tenho
a satisfação de participar do fazer musi-
cal que emociona a nós integrantes e ao
público!” Joubert Oliveira
obras de compositores coloniais, mineiros e
brasileiros, e contemporâneos. Dentre vários,
há que se salientar a interpretação de obras
de Lobo de Mesquita (Missas em Fá e Mi be-
mol) e do Padre João de Deus de Castro Lobo
(Matinas de Natal), além dos quais, sobretu-
do, o compositor Hostílio Soares (1898-1988),
esquecido por muito tempo e resgatado pelas
interpretações de suas obras As Sete Palavras e
Missa São João Batista.
Tendo vivido intensamente esses 25 anos,
o coro tem com muita clareza o que é a sua
missão: formar e EMOCIONAR. ◆
madrigale.com.br
Élcio Paraíso
Arnon Oliveira
Professor na
Escola de Música
da UFMG, Mestre
em Musicologia,
Doutor em Histó-
ria e regente do
Coro Madrigale.