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Santa Maria, RS
2017
2
Santa Maria, RS
2017
3
___________________________________
___________________________________
Ana Lúcia Oderich (UFSM)
___________________________________
Cássio F. Lemos (UFSM)
Santa Maria, RS
2017
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
A pesquisa apresenta um método de avaliação da percepção que será utilizado por parte dos
usuários que frequentaram o ambiente no dia da tragédia. Seu principal objetivo é avaliar a eficiência
da sinalização de emergência e segurança, considerando as recomendações das normas nacionais
vigentes. Em relação ao proposto, a pesquisa é classificada como exploratória, tendo no seu
processo a utilização de Mapas Mentais como ferramenta para a busca de informações/elementos
que irão auxiliar nas análises e interpretações futuras. As inúmeras variáveis consideradas no estudo
proporcionaram a criação de um protocolo básico que serviu de roteiro para as entrevistas e
representações, considerado premissa para validação do processo.
ABSTRACT
The research presents a method of evaluating the perception that will be used by the users who
attended the environment on the day of the tragedy. Its main objective is to evaluate the efficiency of
the emergency and safety signaling, taking into account the recommendations of the current national
regulations. In relation to the proposed, the research is classified as exploratory, having in its process
the use of Mental Maps as a tool for the search of information / elements that will help in the analysis
and future interpretations. The many variables considered in the study provided the creation of a basic
protocol that served as a script for interviews and representations, considered a premise for validation
of the process.
LISTA DE TABELAS
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
1.2 OBJETIVOS ........................................................................................................ 13
1.3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 13
1.3.1 Histórico das tragédias .................................................................................. 13
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 17
2.1 PERCEPÇÕES DO ESPAÇO ............................................................................. 17
2.2 CARACTERÍSTICAS DAS ATIVIDADES MENTAIS E SUAS
DEFINIÇÕES DE REPRESENTAÇÕES ............................................................. 19
2.2.1 As representações ......................................................................................... 19
2.3 MAPAS MENTAIS ............................................................................................... 20
2.4 CRONOLOGIAS REFERENTE À LEGISLAÇÃO E A
SEGURANÇA DOS AMBIENTES ....................................................................... 23
2.4.1 Associações Internacionais .......................................................................... 23
2.4.1.1 IAFSS - The international association for fire safety science......................... 23
2.4.1.2 NFPA - National fire protection association ................................................... 24
2.4.1.3 SFPE - Society of fire protection engineers ................................................... 24
2.4.1.4 FPA - Fire protection association .................................................................. 25
2.4.2. A Legislação de segurança contra incêndio do Brasil .............................. 25
2.4.2.1 Nível federal .................................................................................................. 27
2.4.2.2 Nível estadual e municipal............................................................................. 36
2.4.2.2 “Lei kiss” federal ............................................................................................ 40
3. MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO ............................................................................ 42
3.1 O AMBIENTE E A OPORTUNIDADE DA AÇÃO PROPOSTA ............................ 43
3.2 DESCRIÇÃO DAS ETAPAS DO MODELO APRESENTADO –
COLETA DE DADOS .......................................................................................... 44
3.3 MODELO APRESENTADO E SUAS APLICAÇÕES ........................................... 49
4. RELATOS E DIAGNÓSTICO DOS RESULTADOS DAS ENTREVISTAS ........... 50
5. COMPILAÇÃO DOS DADOS APRESENTADOS ................................................ 80
6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 83
6.1. SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS ................................................... 89
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 91
11
1. INTRODUÇÃO
Dia 27 de janeiro de 2013 – Santa Maria, “a fumaça nunca foi tão negra no
Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.”. Palavras que repercutiram
do poeta e escritor gaúcho Fabrício Carpinejar ao trágico fato ocorrido na Boate
Kiss, a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio.
Santa Maria naquela manhã de domingo não acordou.
No centro da cidade, Rua dos Andradas, 1925, é organizada na Boate Kiss
por estudantes dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária, Zootecnia,
Tecnologia de Alimentos, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia da Universidade
Federal de Santa Maria, a festa intitulada “Agromerados”, no qual se aguardava para
aquela noite aproximadamente mil pessoas. Bem antes das 23h, horário inicial de
funcionamento do estabelecimento, a fila para a entrada já se formava dobrando a
Rua dos Andradas, sendo a maioria usuários universitários da faixa etária entre 18 e
30 anos.
No evento “Agromerados” havia duas atrações em destaque: as bandas
“Pimentas e seus comparsas”, e como atração principal, “Gurizada Fandangueira”.
Em torno de 3h da manhã, o vocalista desta banda, Marcelo Jesus Dos Santos, no
refrão de umas das músicas tocadas, acende um artefato de pirotecnia. O Teto logo
foi consumido pelas chamas, no qual se espalharam rapidamente. Um segurança
tenta apagar o fogo, sem sucesso, pois o extintor de incêndio apresentava
problemas. Com a casa superlotada, a animação universitária se transforma em
pânico, terror, desespero e, em meio à confusão e falta de ar, a luta por
sobrevivência.
As chamas tomavam conta da boate, a espuma que revestia o teto pingava
queimando quem estava na frente do palco onde a banda Gurizada Fandangueira se
apresentava ao passo que, quem estava mais ao fundo longe do palco, sem visão
dos fatos, demorou a perceber o que acontecia. Enfim, quando todos estão cientes
já era tarde para uma reação efetiva de evacuação. Com a queima da espuma de
revestimento causada pelo artefato, se iniciou uma reação química liberando
monóxido de carbono e cianeto, substâncias altamente tóxicas.
A formação de uma fumaça densa e negra engole por inteiro a boate, com o
incêndio propagado as luzes do espaço se apagam, aumentando mais ainda a
12
dificuldade de enxergar algo à frente. Todos de alguma forma tinham que chegar à
saída. Mil e quinhentas pessoas, enclausuradas em meio à fumaça ardente e quente
onde também se impregnou nas vias aéreas de cada um. Para piorar, a escuridão
prevalece e somando aos tantos obstáculos e dificuldades para tentar sair vivo, o
estabelecimento não tinha o espaço adequado para evacuação em casos de
emergência. A tragédia da Boate Kiss vitimou 242 pessoas, deixando ao menos
outras 680, marcados pela catástrofe deixando suas saúdes físicas e psíquicas
abaladas.
As dimensões da casa noturna eram de 650 metros quadrados, entretanto o
projeto interno foi muito questionado pelas autoridades após o ocorrido, pois não
cumpria normas técnicas básicas de segurança contra incêndios, como capacidade
de lotação e número suficiente de saídas de emergência. Além de a boate parecer
um labirinto, foram colocadas inadequadamente barras na parte externa na calçada
para controle de filas e na parte interna da boate. Estas barras só contribuíram
negativamente o aumento do número de mortes, servindo como obstáculo para o
usuário. Com várias obstruções à saída, aumentava cada vez mais o número de
vítimas fatais.
Segundo os laudos da necropsia entregues à polícia pelo Instituto-Geral de
Perícias (IGP), todas as mortes ocorridas dentro da boate Kiss durante o incêndio
foram causadas por asfixia provocada pela inalação dos gases tóxicos cianeto e
monóxido de carbono. O CO2 reduz a capacidade de transporte de oxigênio, a
fumaça danifica as vias aéreas (áreas nasais, faringe e pulmão) e provoca tosse. A
sensação de falta de ar faz com que a respiração fique mais rápida aumentando a
concentração de CO2 e de outros gases tóxicos nos pulmões. O cérebro, então,
passa a sofrer com a falta de oxigênio, o que causa tontura e sonolência. Em até
três minutos a pessoa desmaia e poucos minutos depois, a morte cerebral causa
parada cardíaca.
As condições de conforto e segurança no uso dos ambientes projetados,
especialmente onde ocorrem aglomerações de pessoas, normalmente são
condicionados à observação de leis e normas que tratam do assunto. Este fato pode
ser hoje verificado na maioria dos países, resultados de acontecimentos como é o
caso da Boate Kiss e que servem de exemplo para evitar futuros acidentes
semelhantes. Diante desta constatação, podemos nos perguntar: porque então
continua a acontecer este tipo de acidente? A bem dizer, se causa espanto que
13
tragédias como da Boate Kiss tenha uma singularidade de tantas vezes repercutidas
pelo mundo, algumas com datas anteriores e outras posteriores a data da tragédia.
1.2 OBJETIVOS
1.3 JUSTIFICATIVA
Nos anos 1940, como fala Silveira (2014), devido a um acidente com um
palito de fósforo, 207 pessoas morreram no Rhythm Club, Natchez (EUA), em 1942
o fogo iniciado em uma palmeira, no qual fazia parte da decoração da Boate
Coconut Grove, Boston (EUA), espalhou-se causando a morte de 492 pessoas,
devido à superlotação do local e ao mau funcionamento das portas de emergência.
Em 1971, novamente um palito de fósforo e o material altamente inflamável
empregado na construção consumiram em pouco tempo a boate Cinq-sept, St.
Laurent du Pont, (França), matando 143 pessoas, a maioria adolescentes.
O fato é que o fogo teve início no 20º andar do edifício com 63 andares,
resultando num saldo de 14 pessoas com ferimentos leves, decorrentes da operação
para evacuação do prédio, não foi constatada nenhuma tragédia com perda de vidas
17
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
homem ao seu meio ambiente. O homem percebe seu espaço através de suas
experiências com o meio, estas que são armazenadas na memória como
informação”. Rio e Oliveira (1999, p.4), falam que “embora essas percepções sejam
subjetivas para cada indivíduo, admite-se que existam recorrências comuns, seja em
relação às percepções e imagens, sejam em relação às condutas possíveis. ’’.
Conforme Wapner e Werner (1952), “a maioria das teorias perceptivas dá
ênfase a um aspecto interativo, argumentando a relação entre o sensório, o
cognitivo e o conotativo de modo que as propriedades perspectivas de um objeto
estão em função da maneira através da qual os estímulos que vêm do objeto afetam
o estado do organismo”. Rio, Duarte e Rheingantz (2002, p. 205), nos lembram que
“nossos processos perceptivos abrem possibilidades para entendermos onde nos
encontramos, permitindo referências para que nos situemos espacial e socialmente
e nos levando a adotar determinado comportamento.”.
Para que se possa entender de que maneira os Mapas Mentais podem nos
conduzir para elementos bases referentes à percepção do meio pelas pessoas e no
que o ambiente afeta seu comportamento, compreende-se que há necessidade de
uma breve verificação sobre formação das atividades mentais.
Como Cremonini (1998, p. 33) nos fala, “uma das características das atividades
mentais é que estas constroem representações. As representações são
essencialmente interpretações que consistem em atribuir um significado de conjunto
aos elementos resultantes da análise perceptiva. ”. Pode-se dizer também que as
atividades mentais estão inclusas nas atividades cognitivas, no qual estão à frente
do tratamento das informações sensoriais, ambientais e de cunho linguístico.
(RICHARD,1990).
Complementam-se outras definições às atividades mentais:
2.2.1. As representações
Num sentido mais amplo, mapas no nosso cotidiano têm uma participação
bastante forte. Como instrumento de orientação, informação e ou localização o mapa
como instrumento auxiliou o homem, tanto em atividades profissionais como em
21
Souza (2010, apud Montoito; Leivas, 2012, p. 30), nos explica que a partir da
“construção informal do conceito de medida gera a compreensão da ideia de
distância, da qual surge, por sua vez, as relações euclidianas”, o autor ainda
completa dizendo que “nesta fase, adquirem-se os conceitos através da noção dos
objetos no espaço, projeta-se o espaço no plano, visualiza-se a ideia do objeto.”
A The International Association for Fire Safety Science (IAFSS) foi fundada
com o objetivo principal de incentivar a pesquisa sobre a ciência de prevenir e
mitigar os efeitos adversos dos incêndios e de fornecer um fórum para a
apresentação dos resultados dessa pesquisa. “Ela procura cooperação com outras
organizações com aplicações ou envolvidas com a ciência que é fundamental para
24
Percebe-se, até então, que o Brasil não tirou nenhum aprendizado com estes
exemplos de grandes incêndios ocorridos no passado do país, muito menos com
incêndios fora do território brasileiro, como por exemplo, “antes que ocorressem
incêndios com grande perda de vidas nos Estados Unidos da América (EUA), a
segurança contra incêndio, ou suas técnicas, eram difundidas com ênfase na
proteção ao patrimônio.” (GIL et al., 2008, p. 20)
(continuação)
31
(conclusão)
A lei vigente Rio Grande do Sul (2016, p. 2), diz no seu Art. 4.° que:
As edificações e áreas de risco de incêndio deverão possuir Alvará de
Prevenção e Proteção Contra Incêndio – APPCI –, expedido pelo Corpo de
Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul – CBMRS.
A prevenção e proteção das pessoas é algo que deveria estar no topo dos
ensinamentos de qualquer currículo de cursos relacionados a esta área. As
edificações também devem estar neste patamar de importância visto que
são elas que influenciarão diretamente na assistência das pessoas no
segurança contra incêndio. (PALMA, 2016, p.22)
3. MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO
À coleta proposta, foi frisada aos atores pesquisados a suma importância que
todos representam com suas participações na pesquisa, onde cada um colaborou
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com informações extremamente valiosas não somente para este trabalho, mas
também uma contribuição positiva para reflexões futuras à nossa sociedade de
medidas em prol à vida. Foi-se fornecido como material à confecção dos Mapas
Mentais aos voluntários de lápis, borracha e caneta.
Para uma graficação tranquila dos atores deixou-se claro que não precisaria a
preocupação de estar bem feito o trajeto do desenho na maquete, não existindo
desenho feio ou bonito, tal como desenho certo ou errado. Somente foi pedido de
cada participante, a partir de suas lembranças da noite da tragédia, representasse
em forma de desenho trajeto no interior da casa noturna.
Ator “A”
O Ator pesquisado do sexo masculino, com 31 anos de idade na época da
tragédia, já havia frequentado a casa noturna cinco ou seis vezes,
aproximadamente. O sujeito relata que teve dificuldades de chegar à parte externa
da boate. Quando percebeu a situação inicial de fogo, como mostra no seu Mapa
Mental na figura abaixo, graficado com a letra “I”, logo tentou se retirar, entretanto
chegando ao segundo ponto acabou caindo devido à confusão já disseminada. Não
conseguindo respirar foi perdendo seus sentidos no terceiro ponto do trajeto, pensou
que iria entrar em óbito, pois outras pessoas o pisotearam.
52
Conta ainda que tomou forças erguendo-se do chão da boate com o auxílio
dos guarda-corpos, usou a camisa em seu rosto para facilitar a respiração, tateou
pela parede até a porta de saída. Por aproximadamente 20 segundos forçou a porta,
tentando abri-la para sair.
No quarto ponto de seu trajeto a sua frente avistou uma luz em meio à neblina
de fumaça, esta o ajudou a guiar-se à parte externa. Saindo da Boate ficou cerca de
15 minutos na frente da casa noturna, posteriormente não tendo mais consciência
de nada, foi ajudado por um casal que o levaram ao hospital. O ator “A” estimou um
intervalo tempo de 5 a 8 minutos para completar seu trajeto do início ao fim.
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Ator “B”
A entrevistada do sexo feminino, 36 anos de idade na época, estava no
banheiro feminino ao fundo da Boate Kiss, em seu ponto inicial de trajeto dentro da
casa. Detalha que todas as luzes do banheiro estavam ligadas. Já tinha frequentado
a boate antes da tragédia pelo menos duas vezes. Após 30 segundos, já no
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segundo ponto do trajeto, uma funcionária da casa informou para sair por causa do
incêndio.
No terceiro ponto de sua caminhada, sabendo sobre o perigo, comenta com a
funcionária de ir avisar os amigos da situação, mas a funcionária avisa que todos já
haviam saído. Neste momento do trajeto, saindo do banheiro a participante da
pesquisa percebe que a casa noturna esta em completa escuridão, perde o sapato,
com dificuldades para respirar mesmo assim continua, escutou barulho de cadeira
caindo e madeira queimando.
Ator “C”
O participante “C” de sexo masculino, com a idade de 20 anos no ano da
tragédia, já havia frequentado a Boate Kiss pelo menos cinco vezes antes do
ocorrido. No ponto inicial de seu trajeto, ele e seu amigo viram o tumulto, contudo
não deram muita importância à situação e nesta hora o amigo que estava junto com
56
o ator “C” foi ao encontro de outro amigo, retornando assim para que os três
saíssem juntos do interior da boate.
Na altura do ponto dois, como mostra a Figura 14, perceberam que as luzes
se apagaram, muita fumaça, impossível de evitar inalação. No ponto três O Ator “C”
caiu sobre as cadeiras onde estavam nas mesas fixas, vários batiam e o
pisoteavam, seus olhos ardiam. Ele deduz que, por ter caído esta primeira vez, a
própria queda o ajudou a ter sobrevivido, pois assim conseguira respirar tendo
forças para levantar e seguir o trajeto.
Chegando ao ponto quatro novamente cai ao chão. Muita gente forçando a
saída. Mas sabia que a saída era em linha reta. No último ponto da sua caminhada,
à parte externa da boate, vai ao chão outra vez com pessoas caindo e passando
umas por cima das outras. A aglomeração era tanta que ficou preso no chão.
Cansado ainda tentou sair fazendo muita força, todavia não obteve sucesso e
no mesmo lugar ficou até que um casal ajudou-o, puxando-o e, finalmente,
conseguindo tirá-lo arrastado de dentro da boate.
57
Ator “D”
Com 18 anos de idade na data da tragédia, havia frequentado
aproximadamente três ou quatro vezes a casa noturna, a participante pesquisada é
do sexo feminino.
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No seu ponto inicial, ela estava com mais outra amiga no banheiro localizado
na parte da frente do interior da boate, se dando conta do tumulto apenas no ponto
dois onde pensou que a correria poderia ser de fogo ou de briga. Neste momento
cogita em sair da boate.
No ponto três, como mostra o Mapa Mental na Figura 16, foi o ponto em que
demorou a sair. A participante relata que já saiu com queimaduras nas mãos e nas
costas, deduz que todo trajeto teria feito com rapidez, mas pela gravidade das
queimaduras, acha que realmente demorou até estar fora da Boate Kiss. Na parte
exterior, já na rua, relata que respirou e sentiu que queimava internamente, quando
deu alguns passos e caiu. Lembra da calçada e das ambulâncias no local. Nesta
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parte entende-se, então, que o edifício da boate já estava com fogo na hora que a
pesquisada “D” ainda estava no banheiro.
Finalizando seu relato, ela nos conta que ficou deitada num estacionamento
de um mercado em frente da boate e que foi levada de carro para o hospital por
outra pessoa. Fala também que não escutou de ninguém que a boate estivesse
pegando fogo e se recorda que havia luz no banheiro onde estava no ponto inicial.
Ela ainda diz que se lembra de pouca coisa, por isso acredita que apagou muito de
sua memória.
Esteve internada em função do incêndio da Boate Kiss;
Esteve internada no hospital sob ventilação mecânica;
Fez queimadura de pele;
Fez ou faz tratamento psiquiátrico e/ou psicológico;
60
Ator “E”
Com 21 anos de idade o pesquisado, sexo masculino, havia frequentado a
boate anteriormente à tragédia, em torno de 10 vezes. Em seu relato daquela noite
trágica nos conta que, no ponto um de seu trajeto o pesquisado estava de costas
para o palco, lugar onde iniciou o fogo dentro da boate a partir do acendimento de
um artefato pirotécnico por um dos integrantes da banda que tocava naquela noite.
Ator “F”
A participante que nos conta este depoimento é do sexo feminino e no ano da
tragédia tinha 18 anos de idade, nunca havia frequentado a boate. Partindo do ponto
um ela relata que estava com mais cinco pessoas e que enxergando a pista um da
boate, logo viram outras pessoas correndo, bem como também um clarão. Pensou
que pudesse ser briga, mas alguém disse então que era fogo. Logo tudo escureceu
por causa de queda de energia elétrica e não demorou a começar arder seus olhos
por causa da fumaça que tomava conta da boate. Sabendo do risco que a situação
poderia se agravar, a pessoa que avisou sobre o incêndio pegou-a pela mão para
tentarem sair em meio a inúmeros empurrões.
sair, pois avistou uma luz. A pesquisada fala que era um automóvel do lado de fora
iluminando para o lado de dentro da boate.
Em meio à confusão, fumaça, alta temperatura e excesso de pessoas em
pânico tentando sair, a sobrevivente recebe ajuda de outra menina para guiá-la até a
saída onde ajudaram-na puxando-a para fora do ambiente. Nesta situação de terror
infelizmente acabou sendo empurrada batendo a cabeça no automóvel que ajudara
iluminar em direção a parte interna do estabelecimento. Já na parte externa na rua a
sobrevivente nos fala que ficou procurando seus outros amigos que estavam com
ela anteriormente por mais ou menos uma hora. Seu corpo já não aguentando mais
desmaia e toma consciência já sob cuidados médicos em um dos hospitais de Santa
Maria.
quando viu alguns corpos deitados na rua onde estes mesmo corpos não eram
levados para os hospitais da cidade, pois já se encontravam em óbito. A autora
deste depoimento termina dizendo que não sai mais a noite, a não ser em ambientes
que sejam abertos.
Figura 20 – Mapa Mental da participante pesquisada “F”
Ator “G”
A participante que nos conta este relato, sexo feminino, acadêmica de
Educação Física na Universidade Federal de Santa Maria, tinha 19 anos de idade no
ano de 2013, quando ocorreu o incêndio, estando pela primeira vez dentro do
edifício.
Iniciando no ponto um, ela nos diz que em um momento sentiu cheiro de
fumaça, mas pensou que pudesse ser dos equipamentos de ventilação, pois
próximo a ela tinha dois ventiladores de teto. Pensou em ir para a pista dois,
contudo, antes foi à pista um buscar uma amiga.
Já na pista um, no ponto dois, Figura 22, observou que o incêndio já havia
iniciado e uma pessoa desconhecida, pelo que podemos interpretar já estava antes
ciente do início do incêndio, segurou na mão da entrevistada e de sua amiga
conduzindo-as em direção a saída. Ela lembra que tentaram sair, entretanto não se
recorda como saíram.
66
Conforme tentam sair foi obstruída no ponto três por um banco, recorda que a
porta estava fechada e os seguranças do estabelecimento impedindo os usuários
saírem. Depois que se rompeu o impedimento de chegar à parte externa e após a
queda ao chão, conseguiu levantar e, finalmente, sair de dentro da boate no ponto
quatro.
Passado a dificuldade para estar fora da boate, a sobrevivente pesquisada foi
para o outro lado da rua, em frente de um supermercado local, ela acredita que foi
uma das primeiras pessoas a sair da casa noturna. Ela entrou com mais oito amigos
e descreve que apenas fala sobre o assunto quando necessário, pois nunca teve a
real noção da gravidade da tragédia, haja vista que ainda é algo muito forte de se
lembrar. A realidade grave da situação foi ainda mais perceptível quando outra
pessoa começou vomitar fuligem próxima a autora desde depoimento. No desespero
e preocupada com o risco de vida que seus amigos corriam porque ainda estavam
67
dentro da boate, ela ainda tentou entrar novamente para procurá-los, mas sem
sucesso, porque foi impedida de entrar pela pessoa que a salvou.
Este tipo de reação dos sobreviventes que conseguiram sair sem maiores
ferimentos e quiseram entrar para salvar seus amigos no qual não tiveram a mesma
possibilidade de evacuação rápida, foi muito comum na noite da tragédia. Inúmeros
civis, bem como já vimos em relatos de outros atores pesquisados acima, forçaram a
entrada ajudando no salvamento e a retirada de outras pessoas. Muitos perderam
heroicamente a vida por esta escolha de salvar seus amigos, isto nos ilustra bem a
gravidade em que tudo se encontrava, onde o pavor e desespero eram os principais
agentes no enredo da tragédia.
Finalizando sua busca, um tempo depois teve a triste notícia que quatro
amigos do grupo que estavam com ela dentro da boate faleceram. Sua amiga que
saíram juntas, posteriormente, foi induzida ao coma por causa de seu agravamento
de risco à saúde. Outro amigo dela felizmente conseguiu se salvar. A sobrevivente
relatou seu depoimento com relativa emoção. A percepção da autora deste
depoimento era que a boate estava superlotada.
Não esteve internado em função do incêndio da Boate Kiss;
Não esteve internado no hospital sob ventilação mecânica;
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Ator “H”
A entrevistada nesse depoimento é do sexo feminino, com idade de 23 anos
na época da tragédia, já tinha frequentado a Boate Kiss pelo menos quatro vezes.
Fazia parte da turma organizadora do curso de Agronomia da UFSM, havia ido à
boate numa quinta-feira anterior à tragédia para divulgar a festa do dia 27, no
sábado.
Iniciando seu relato fala que quando estava no ponto um, como podemos ver
na Figura 25, localizava-se na frente do palco sendo testemunha do acionamento do
artefato pirotécnico que propagou o fogo na boate. Como era uma cena muito
assustadora decidiu sair com sua colega em direção a porta de saída da casa
noturna. No caminho dois, encontrou mais três colegas de turma e avisou o que
acabara de ver, mas os colegas não deram muita importância.
No ponto três sentiu dificuldade para se deslocar à saída, tanto por causa do
tumulto, quanto pela dificuldade para respirar. Ao ponto quatro caiu ainda
consciente, mas conseguiu sozinha levantar e sair. Sua colega saiu junto.
chegou a ver os seguranças barrarem a saída, que tem consciência de que caiu
porque houve tumulto das pessoas lá confinadas, não justificando a fumaça como
motiva da queda.
Não esteve internado em função do incêndio da Boate Kiss;
Não esteve internado no hospital sob ventilação mecânica;
Não fez queimadura de pele;
Fez ou faz tratamento psiquiátrico e/ou psicológico;
Fez uso de algum tipo de medicação;
Não se lembra de sinalização indicativa de saída na noite da festa, apenas de
muita fumaça.
Ator “I”
O autor desse relato nos descreve seu trajeto a partir do ponto um. Chegou à
boate entorno de 1 hora da manhã e que ficou neste ponto conversando com as
outras pessoas que ali estavam. Como aquela noite a casa noturna estava muito
cheia preferiu ficar neste local. Iniciado o momento do incêndio em outro local da
boate, sem estar ciente do que havia ocorrido alguma briga ou se era fogo, vendo
outras pessoas indo em direção à única saída, resolveu seguir o fluxo. O
sobrevivente sabia onde era a direção da saída, pois já tinha frequentado mais de 50
vezes a boate. Do sexo masculino, tinha 27 anos de idade e é graduado em
Administração.
72
Alguns entrevistados nos afirmam que a contaminação das vias aéreas pela
fumaça provocava vômitos nas pessoas. Com este sobrevivente que nos conta sua
73
história não foi diferente, como tinha respirado a fumaça com fuligem na sua saída
deram água para assim vomitar.
O ator “I” fala que saiu mais pela intuição, pois não tinha ideia do que estava
acontecendo, porque do ponto inicial, como podemos visualizar na Figura 27, onde
se encontrava, não tinha possibilidade de ver o que estava acontecendo no ponto
onde se iniciou o incêndio na Boate Kiss, no palco da pista um.
entrada da casa, entretanto, se recorda de ter passado pelo corrimão que tinha na
parte interna.
Hoje em dia faz acompanhamento médico a cada seis meses para ele ser
comunicado caso haja qualquer anormalidade em sua saúde. O autor do relato teve
queimadura leve externa na perna e, queimadura interna, nas vias respiratórias.
Ficou 12 dias internado no hospital, cinco dias em coma. Ele ainda salienta que não
estava tão debilitado, contudo a demora à saída da boate foi decisiva para ter tantas
complicações na sua saúde posteriormente.
Esteve internado em função do incêndio da Boate Kiss;
Esteve internado no hospital sob ventilação mecânica;
Fez queimadura de pele;
Não fez ou faz tratamento psiquiátrico e/ou psicológico;
Fez uso de algum tipo de medicação;
Não se recorda de alguma sinalização indicativa de saída na noite da festa.
Sugere que havia uma luz verde indicando a saída sobre as portas.
Ator “J”
Sexo feminino, com 19 anos de idade quando ocorreu a tragédia da Boate
Kiss, a participante deste relato começa seu depoimento dizendo que nunca havia
entrado na casa noturna antes daquela noite e desde já fala que a superlotação foi
algo que dificultou sua saída.
Após perceber que algo errado estava acontecendo foi caminhando até o
ponto três, Figura 29, não conseguindo seguir adiante porque tinha muita gente
tentando sair ao mesmo tempo. Foi então que as luzes se apagaram, as pessoas
começaram a gritar e a se debaterem, umas puxando as outras. Em meio a esta
confusão, então, a sobrevivente conta que caiu por causa de um esbarrão e
prejudicada pela fumaça teve dificuldades para respirar.
76
Sua amiga que estava junto, conhecendo a casa, foi quem a levou para a
saída. Em seu trajeto não se lembra de sinalização indicativa de saída de
emergência, assim como não se lembra de nenhum corrimão nem de algum tipo de
elemento bloqueando a saída. A amiga também sobreviveu.
Durante seu trajeto não desmaiou, entrou na boate por volta da meia noite e
recorda mais uma vez que a casa estava lotada. A sobrevivente comenta que saiu
da frente da Boate Kiss antes que o Corpo de Bombeiros chegasse, mas lembra de
ver a imprensa chegar antes mesmo do resgate. Pela situação ser tão impactante
emocional e fisicamente não conseguia reagir a tudo que estava acontecendo.
Finaliza dizendo que ficou paralisada com aqueles momentos terríveis no qual
passou. Hoje em dia não frequenta mais boates.
Esteve internado em função do incêndio da Boate Kiss;
Não esteve internado no hospital sob ventilação mecânica;
Não fez queimadura de pele;
Fez ou faz tratamento psiquiátrico e/ou psicológico;
Fez uso de algum tipo de medicação;
Não se recorda de alguma sinalização indicativa de saída na noite da festa.
Sugere que a placa de número dois fosse mais interessante para perceber.
Ator “K”
A sobrevivente que descreve esse relato é do sexo feminino, com idade de 35
anos em 2013. Havia frequentado a boate outras duas vezes além da noite da
tragédia. Frequentava a casa por lazer e naquela noite foi acompanhada de uma
amiga.
Sentiu cheiro de fumaça e viu o fogo, mas não foi avisada. No ponto um início
da sua posição, começou a caminhar, todavia como muitas pessoas estavam
tentando sair ao mesmo tempo, logo o congestionamento se estabeleceu. Chegando
ao ponto dois trancou a respiração para poder aguentar e ficar consciente. No ponto
três diz que seguranças da boate barraram a saída. Entre o ponto dois e o ponto três
descreve que a fumaça já tomava conta da boate. Chegando ao ponto quatro cai
sobre um corrimão junto ao meio fio da rua.
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A autora deste relato nos conta que antes do início do fogo a amiga que a
acompanhava foi ao banheiro, não a vendo mais. Após a noite da tragédia ficou
sabendo que sua amiga faleceu. A sobrevivente fala que em nenhum momento de
seu trajeto perdeu seus sentidos, ficando sempre consciente mesmo machucada,
ela não se recorda de avistar nenhuma sinalização indicativa de saída durante o
trajeto percorrido. Só sabia que tinha sinalização por causa das outras duas idas na
boate. Termina dizendo que é impossível mensurar o tempo de percurso, mas
calcula que conseguiu sair em torno de 10 minutos, aproximadamente.
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É importante registrar que do total 100% (11) atores entrevistados, 82% (9)
informaram que habitavam (residiam) onde não havia nenhuma sinalização
indicativa. Apesar deste contexto, um percentual significativo 60% indicou a
sinalização de acordo com o modelo normativo. Isso não elimina o condicionamento
da memória de longo prazo para o indivíduo que frequenta ambientes equipados
com a sinalização preventiva.
Fez ou faz
tratamento
psiquiátrico
e/ou N S S S S N S S N S S
psicológico
Faz uso de
algum tipo
S S N S N S S S S S N
de
medicação
Fonte: produção própria do autor.
6. CONCLUSÃO
aos indivíduos usuários da casa noturna naquela noite. Na figura 36, onde mostra
um dos sanitários da Boate em que se encontrava o maior número de vítimas fatais.
Podemos ter uma noção de como a situação na hora da tragédia foi totalmente
desesperadora na busca de referencial em meio a fumaça para encontrar a saída do
estabelecimento.
Assim, vale reforçar uma atenção maior para uma revisão minuciosa na
construção das leis no que se refere à segurança contra incêndio. Devem ser
considerados estudos e pesquisas que trabalhem na temática da percepção do
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No início do ano de 2017 foi sancionada com alguns vetos pela Presidência
da República, a “Lei Kiss Federal”. Isso foi resultado do apelo da população em
decorrência da tragédia que impôs a realização de uma revisão da lei vigente no
sentido de propor adequações. Considerando a contextualização dos fatos, esta
nova lei pode-se considerar tímida no aspecto de solução.
Até os dias atuais e por muito mais tempo teremos sempre vivo nas nossas
memórias os fatos e acontecimentos da tragédia. Além das 242 vítimas fatais, temos
ainda mais de 600 feridos que até hoje estão em tratamento de saúde, sejam físicos
ou psicológicos. Eu, autor dessa monografia, também sou sobrevivente e assim
como os onze (11) atores pesquisados, tenho sequelas daquela trágica noite.
Considerada como a segunda maior tragédia do Brasil, ultrapassou as
fronteiras e se destacou em todo o mundo. A perplexidade dos fatos que culminaram
com o evento, proporciona até hoje debates na sociedade em geral no sentido de
prevenir outras tragédias similares. Ainda hoje, decorridos quase cinco anos da
tragédia, percebe-se com muita evidência a dificuldade dos sobreviventes em lidar
com o fato. Relembrar daqueles trágicos momentos é difícil e incompreensível para
muitos.
REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
RIO, V.D; DUARTE. C.R; RHEINGANTZ. P.A. Projeto do Lugar: Colaboração entre
psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria , 2002.