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CAPÍTULO 1

Economia clássica: mercado de trabalho

Introdução:
O objetivo do capítulo é descrever a teoria clássica do emprego. Esse é o
primeiro passo para que seja feita a apresentação da ideia central da Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda que, em verdade, é uma teoria da
determinação do nível de emprego. Keynes tinha uma insatisfação que era
gerada pela observação da realidade. Ele via milhões de desempregados
desejosos de trabalhar. Esses trabalhadores aceitariam qualquer salário, desde
que essa remuneração lhes desse condições mínimas de sobrevivência.
Contudo, os desempregados se amontoavam em filas intermináveis e não
encontravam vagas para trabalhar.
A teoria clássica do emprego carecia de realismo porque era uma teoria que
mostrava que todos os trabalhadores desejosos de trabalhar ao salário real que
estivesse em vigor encontrariam emprego. Era uma teoria para explicar que a
economia estava sempre em pleno emprego. Keynes fez desmoronar a teoria
clássica. Mostrou seu irrealismo e sua inconsistência teórica. A Teoria Geral
apresentou uma teoria do emprego que mostra que a economia pode
apresentar diversos níveis de emprego, desde o pleno emprego ao
desemprego característico de uma depressão. Em quaisquer dessas posições
a economia pode permanecer, teoricamente, de forma infinita.
I – Os postulados da economia clássica
O capítulo 2 da Teoria Geral é dedicado à discussão sobre o modelo clássico
de representação do funcionamento do mercado de trabalho. Segundo Keynes,
a teoria clássica do emprego se apoiava em dois postulados:
1. O salário real é igual ao valor do produto marginal do trabalho;

2. Quando um determinado volume de trabalho está empregado, a


utilidade do salário real é igual a desutilidade marginal desse montante
de emprego.
É necessário explicar o conteúdo de cada postulado e a posição de Keynes em
relação a cada um deles. O primeiro postulado é uma decorrência do
comportamento empresarial. É uma regra empresarial de demanda por mão-
de-obra. O segundo postulado é derivado da observação dos gostos e
preferências dos trabalhadores, diz respeito à opção dos trabalhadores por
estarem empregados ou por desfrutarem dos prazeres do lazer. É uma norma
de oferta de mão-de-obra. Que fique bem claro: quem demanda trabalho (mão-
de-obra) são os empresários, quem oferta trabalho são os trabalhadores.

II – O primeiro postulado: a função demanda por trabalho


O salário real é igual ao valor do produto marginal do trabalho
Keynes aceitou, ou como disse, manteve, o primeiro postulado clássico. A
economia funciona, segundo Keynes, com “... rendimentos decrescentes no
curto período durante o qual o equipamento etc. é assumido ser constante ...”
(p.17). Os rendimentos decrescentes são do trabalho na medida em que o
capital (equipamento) é constante. Por essa proposição, cada trabalhador a
mais empregado na fábrica produzirá menos mercadorias que o trabalhador
empregado anteriormente, ou seja, gerará menor valor.
Keynes explicou a relação entre rendimentos decrescentes do trabalho e o
salário real oferecido pelos empresários aos trabalhadores:
O argumento se conforma da seguinte maneira: n homens estão
empregados, o enésimo homem adiciona um bushel1 por dia à
colheita, e os salários têm o poder de comprar um bushel por dia. O
enésimo+1 homem, entretanto, unicamente adicionaria 0,9 bushel por
dia, e o emprego não pode, portanto, crescer para n+1 homens a
menos que o preço do milho cresça relativamente aos salários até que
o salário diário tenha um poder de compra de 0.9 bushel. Então, os
salários agregados seriam de 0,9 (n+1) bushels em comparação com
n bushels anteriores. Assim, o emprego de um homem adicional, se

1
É uma unidade de medida utilizada para mensurar a quantidade de grãos agrícolas. Um bushel de
milho equivale a 25,4 Kg.
isso ocorrer, necessariamente envolverá a transferência de renda
daqueles anteriormente empregados para os empresários”. (p.17)
Como Keynes estava se referindo ao salário em bushels, isso significa que
estava tratando do salário real, ou seja, do poder do salário de comprar uma
determinada quantidade de mercadorias.
Um outro exemplo numérico pode ser útil. Uma fábrica de sapatos tem 100
trabalhadores. A produção mensal do 100º trabalhador é de 10 pares de
sapatos. Portanto, o salário monetário (em dinheiro) pago por mês para cada
trabalhador equivale ao valor de 10 pares de sapato. Se a fábrica contratar
mais um empregado, o rendimento do seu trabalho decrescerá em relação ao
do 100º trabalhador para, por exemplo, 9,5 pares por mês.
A fábrica somente contratará esse 101º trabalhador se o salário a ser pago
para todos for equivalente ao valor de 9,5 pares. Ou do contrário, não terá
incentivo para contratar esse 101º trabalhador já que ele receberia 10 pares de
sapatos e produziria apenas 9,5 pares. Empresários buscam maximizar os
seus lucros: a queda do valor do produto produzido na margem (produto
marginal) deve corresponder a uma queda do salário real efetivamente pago
para todos.
Para haver mais contratações, o salário real de todos deve decrescer. No
nosso exemplo, a fábrica pagava um total de salários equivalente ao seguinte
valor: 100 X 10 = 1.000 pares de sapato por mês. Quando mais um trabalhador
foi contratado (o 101º) esse total decaiu para: 101 X 9,5 = 959,5 pares de
sapatos por mês. É por isso que Keynes disse que isso “envolverá a
transferência de renda daqueles anteriormente empregados para os
empresários”. Afinal, eram 100 trabalhadores que recebiam por mês o valor
equivalente a 10 pares de sapato, mas a partir de então receberão 9,5 sapatos
por mês.
A partir dos gráficos 1 e 2 é possível observar essa relação entre rendimentos
decrescentes do trabalho e a curva de demanda por trabalho decorrente do
comportamento econômico dos empresários. No gráfico 1, é apresentada uma
função de produção de curto período para toda a economia. Por definição, o
curto período é o cenário econômico em que não há investimentos (ou seja,
não há variações do estoque de capital: não há mudanças na quantidade de
máquinas e equipamentos), somente podem existir variações do número de
trabalhadores empregados. Portanto, a quantidade produzida dependerá desse
número. No curto período, também não há variações da eficiência na utilização
das máquinas e equipamentos disponíveis, isto é, o estado tecnológico não é
modificado.
No eixo vertical do gráfico 1, representado por Y, está mensurada a quantidade
real de produto da economia. No eixo horizontal, representado por N, está
medida a quantidade de trabalhadores. A função de produção F é crescente:
quando aumenta o número de trabalhadores aumenta também a produção real
total da economia. A função de produção F cresce a taxas decrescentes: cada
trabalhador adicionado à produção gera uma quantidade de produto menor que
o seu antecessor, tal como mostrado no gráfico.2
Se o produto marginal tem valor real decrescente, então o conjunto de
empresários da economia somente poderá demandar mais trabalhadores se
houver uma redução dos salários reais. O gráfico 2 mostra essa relação que é
derivada do gráfico 1. Nesse gráfico, o eixo vertical representa o salário real
W/P, isto é, o salário medido em poder de comprar mercadorias – que é igual
ao produto marginal do trabalho. O eixo horizontal mostra o número de
trabalhadores N.
O ponto N’ do gráfico 1 corresponde ao ponto Y’ do mesmo gráfico. Para essa
mesma quantidade de trabalhadores N’, no gráfico 2, verifica-se que salário
real é (W/P)’. O aumento da quantidade de trabalhadores empregados N’ para
N’’ corresponderá a um aumento do produto de Y’ para Y’’, mas haverá uma
redução do valor do produto marginal (no gráfico 1) e uma redução do salário
real (no gráfico 2) de (W/P)’’ para (W/P)’. Portanto, a curva Nd é uma função de
demanda por trabalho estabelecida pelas condições econômicas - e utilizada
pelos empresários para o cálculo de novas contratações.
Em uma outra condição econômica de curto período, em que a produtividade 3
fosse menor, o salário real deveria também ser menor para cada nível de
emprego. É o caso da função F* que corresponderia a uma função demanda
por trabalho Nd*. Cabe ser destacado que o deslocamento de uma situação
para outra (de F para F* ou de Nd para Nd*) não é o foco de atenção dos
economistas clássicos.
A economia clássica está apenas preocupada em explicar a ocorrência dos
níveis de produto Y e de emprego N da economia que correspondem a um
determinado estoque de capital, estado tecnológico e de gostos e preferências
dos trabalhadores4. Os clássicos não estão preocupados em explicar variações
de níveis do produto e do emprego. É como se elas não existissem. É como se
existisse a economia A e depois a economia B. Para eles, o importante é o
estado já estabelecido de A ou B e não a transição de um para outro.
Foi por esse motivo que Keynes avaliou que a teoria clássica não buscava
analisar variações de quantidades (produto ou emprego). Essas seriam um
dado, mas investigava apenas a distribuição do produto na sociedade. Assim,
afirmou a teoria clássica “... é melhor considerada como uma teoria da
distribuição em condições de pleno emprego” (p.16). Na próxima seção, será
mostrado que a economia clássica é uma economia para explicar a existência
permanente do pleno emprego.

2
Em linguagem matemática pode ser dito que a função F tem primeira derivada positiva e segunda
derivada negativa.
3
Produtividade significa a quantidade de produto produzida por um trabalhador em uma jornada fixa de
horas de trabalho em um determinado período de tempo. Por exemplo, em uma fábrica de automóveis,
a produtividade poderia ser um carro/homem/mês (lê-se: um homem produz um carro por mês).
4
A introdução dos gostos e preferências dos trabalhadores no modelo será visto na próxima seção.
Gráfico 1 – Função de produção

Y F
F*
Y’’ *
Y’
Rendimentos decrescentes
Y
Y’’- Y’ < Y’- Y
N’’- N’ = N’- N

N N’ N’’ N
W/P
Gráfico 2 – Função demanda por trabalho

(W/P)’’

(W/P)’

(W/P)

Nd

Nd*

N N’ N’’ N

O que importa é a explicação do nível de produto que é resultante da situação


de pleno emprego dos trabalhadores que, por seu turno, depende da posição
da curva de demanda por trabalho (derivada do estoque de capital, do estado
tecnológico, ou seja, da função de produção) e, como será visto na próxima
seção, da posição da curva de oferta de trabalho (derivada dos gostos e
preferências dos trabalhadores). Os dois postulados clássicos, se válidos,
explicam uma economia em condição permanente de pleno emprego da força
de trabalho disponível.

III – O segundo postulado: a função oferta de trabalho


Quando um determinado volume de trabalho está empregado, a utilidade do
salário real é igual a desutilidade marginal desse montante de emprego
O termo utilidade se refere ao sentimento de satisfação ou prazer. A
desutilidade corresponde, é óbvio, ao inverso. O esforço referente ao ato de
trabalhar gera desutilidade. Para Keynes,
Desutilidade aqui deve ser entendida para explicar todo tipo de razão
que pode levar um homem, ou grupo de homens, a recusar a ofertar
trabalho no lugar de aceitar um salário que tinha para eles [segundo
seus cálculos] uma utilidade abaixo de um certo mínimo. (p.6)
De acordo com o segundo postulado, quanto maior o nível de emprego, maior
a desutilidade do trabalho. Por outro lado, o consumo de bens, a aquisição de
serviços ou a realização de poupança, proporcionados pelo salário recebido
geram utilidade. Essa é a comparação crucial: utilidade proporcionada pelo
trabalho, ou seja, pelo salário, e a desutilidade gerada pelo esforço do ato de
trabalhar.
Assim, Keynes, ao estabelecer o segundo postulado clássico, disse que para
haver mais oferta de mão-de-obra por parte dos trabalhadores, esses teriam
que receber maiores salários reais. Do contrário, não estariam maximizando
sua satisfação porque estariam aumentando a desutilidade a ser enfrentada
que não seria compensada por mais utilidade advinda do salário real.
O nível de salário real exigido para cada nível de emprego a ser ofertado
dependente dos gostos e preferências do conjunto de trabalhadores. Aqui os
gostos e preferências estão referidos à satisfação proporcionada pelo lazer
(negação ao trabalho) em comparação com a satisfação proporcionada pelo
uso do salário real recebido (aceitação do trabalho). Os gostos e preferências
não mudam em uma dada condição econômica de curto período.
Os gráficos 3 e 4 indicam como, para os economistas clássicos, era explicado
o nível de emprego (N) e produto (Y). Antes, cabe mostrar a função oferta de
trabalho Ns na qual o conjunto de trabalhadores exigiria maiores salários reais
para maiores níveis de emprego. A função Ns (positivamente inclinada) aparece
no gráfico 4. O ponto A de coincidência das curvas Ns e Nd determina o nível
de emprego N* da economia, segundo os economistas clássicos.
Gráfico 3 – Função de produção

Y F

Y’’
Y*

N N* N’’ N
Ns
W/P
Gráfico 4 – Função oferta de trabalho
e o pleno emprego

(W/P)’’
A
(W/P)*

(W/P)

Nd

N N* N’’ N
No gráfico 4, todos aqueles que desejam trabalhar ao salário (W/P)* estão
empregados. Portanto, o ponto N* corresponde ao pleno emprego. Somente
estarão desempregados aqueles que desejam um salário maior que (W/P)*. À
esquerda de N*, todos estarão empregados. À sua direita, estarão ali todos
aqueles que consideram que o salário real (W/P)* não proporciona uma
satisfação maior que o lazer. Portanto, optaram pelo lazer, estão
voluntariamente desempregados. Na economia clássica, toda a força de
trabalho disponível está empregada. Somente não estarão trabalhando aqueles
que estão na condição de desemprego voluntário.
Tal como os empresários que não contratam trabalhadores pagando um salário
real maior que o valor do produto marginal que geram, os trabalhadores não
aceitam trabalhar por um salário real menor que a desutilidade decorrente do
esforço marginal de trabalhar. A opção pelo lazer é feita quando a sua utilidade
é maior que a utilidade proporcionada pelo salário real em vigor. Nesse caso,
rejeita-se o trabalho e opta-se pelo desemprego voluntário.
O desemprego voluntário ocorreria, então, na visão clássica “... devido a recusa
ou incapacidade de uma unidade de trabalho (...) de aceitar uma remuneração
que corresponde ao valor do produto atribuível a sua produtividade marginal”
(p.6). Keynes sugeriu que, segundo os clássicos, existiriam algumas
motivações para tal recusa: legislação vigente, ações coletivas dos
trabalhadores em busca de salários reais mais elevados ou a obstinação
humana.
A economia clássica é a economia do pleno emprego para os trabalhadores.
Além do desemprego voluntário já mencionado, também é possível encontrar
outro tipo de desemprego na economia clássica, o desemprego friccional. Esse
é um tipo de desemprego temporário, passageiro, ocorre quando por exemplo
um trabalhador desempregado ainda não encontrou o estabelecimento que
necessita de seu trabalho, mas logo encontrará. Keynes explicou: “... a
mudança de um emprego para outro não pode ser efetuada sem uma certa
demora...” (p.6).

IV – A rejeição de Keynes ao segundo postulado


Keynes rejeitou o segundo postulado apresentando duas objeções: uma de
ordem empírica e outra ordem teórica. A primeira era em relação a atitude dos
trabalhadores em relação aos salários-nominais e a segunda em relação aos
salários reais. A objeção em relação aos salários reais não considerava
teoricamente fundamental, mas a segunda, relativa aos salários reais, avaliava
que era nesse aspecto fundamental.
IV.1 - Objeção empírica: os trabalhadores ofertam mão-de-obra em função do
salário nominal
O comportamento normal dos trabalhadores, segundo Keynes, é que eles
decidem aceitar (ou não) trabalhar com base no salário nominal oferecido (ou
pago) e não de acordo com o salário real. Percebe-se que os trabalhadores
podem se recusar a trabalhar devido a uma redução do salário nominal
(fazendo uma greve, por exemplo), mas não o fazem quando ocorre um
aumento do nível de preços dos bens que consomem - o que corresponderia,
portanto, a uma redução dos salários reais.
Pode parecer ilógico que trabalhadores tentem defender seus salários nominais
e não deem a importância devida aos salários reais. Afinal, o poder de compra
absoluto dos salários está na sua capacidade de fazer compras de mercadorias
e não em salários nominais (monetários) que não revelam diretamente a
utilidade que proporcionam. Contudo, a questão fundamental é que
trabalhadores defendem o poder de compra real dos salários relativamente aos
demais trabalhadores. Assim, bastaria defender os salários nominais porque
variações do nível de preços atingiriam todo trabalhador ou grupo.
Os trabalhadores defendem os salários nominais porque os salários reais não
podem ser controlados ou negociados com eficácia - já que o conjunto de
preços da economia é uma variável externa às mesas de negociação. Então, a
melhor forma do trabalhador de se defender é tentar manter o poder de compra
dos seus salários relativamente aos demais trabalhadores e isso é feito com a
defesa dos salários nominais. Nas palavras de Keynes:
... qualquer indivíduo ou grupo de indivíduo, que consente uma
redução de salários nominais relativamente a outros, sofrerá uma
redução relativa nos salários reais, o que é uma justificativa suficiente
para os trabalhadores resistir a isso. Por outro lado, seria impraticável
resistir a qualquer redução dos salários reais, decorrente de mudança
do poder de compra do dinheiro que afeta igualmente a todos os
trabalhadores... (p.14)
Em outra passagem da Teoria Geral, Keynes concluiu o argumento indicando
que os sindicatos se opõem à queda de salários nominais, mas não o fazem
em relação aos salários reais. Assim não poderiam ser considerados barreiras
ao pleno emprego dentro arcabouço clássico:
Todo sindicato estabelecerá alguma resistência a um corte nos
salários nominais, ainda que pouca. Mas já que nenhum sindicato
sonhará em fazer greve em toda ocasião de aumento do custo de
vida, eles [os sindicatos] não são obstáculo a qualquer aumento do
emprego agregado ... (p.14)
Com o objetivo de dar um veredito prático contrário ao segundo postulado,
Keynes deu um exemplo contundente:
Mais ainda, a argumentação que o desemprego que caracteriza uma
depressão é devido a recusa do trabalhador em aceitar uma redução
de salários-nominais não está claramente apoiada nos fatos. Não é
muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos em
1932 era devido ao trabalhador de forma obstinada recusar uma
redução dos salários-nominais ou devido à sua demanda obstinada
por um salário real além daquela produtividade que o sistema
econômico era capaz de propiciar. (...) O trabalhador não é mais
agressivo na depressão que na expansão – longe disso. (p.9)
IV.2 - Objeção teórica: as negociações salariais não podem determinar o
salário real
Essa objeção de Keynes é bastante simples. Dentro da visão clássica, se
existir qualquer desemprego, além do friccional e do voluntário, é porque o
salário real que está em vigor é superior ao salário real que iguala demanda e
oferta de trabalho. Assim, haveria uma concorrência entre os trabalhadores
desempregados aceitando redução do salário nominal que, dado um nível de
preços dos bens que consomem, significaria uma redução do salário real. Com
a redução do salário real, a oferta e demanda por trabalho se igualariam
eliminado qualquer desemprego (exceto, o voluntário e o friccional).
A questão lógica é que salários são custos de produção. Então, uma redução
de salários nominais é, ao mesmo tempo, uma diminuição de custos que
provoca simultaneamente uma queda dos preços de todos os bens. Portanto,
quando caem os salários nominais caem também os preços e o efeito sobre o
salário real é impreciso ou pode até ser nulo. Dessa forma, os trabalhadores
não podem pela simples aceitação de redução do salário nominal alcançar
facilmente o salário real que eliminaria o desemprego. Nas palavras de Keynes:
... a hipótese que o nível geral de salários reais depende das
negociações de salários nominais entre empregadores e
trabalhadores não é obviamente verdade. Em verdade, é estranho
que tão poucas tentativas foram feitas para provar ou refutar isso - por
estar longe de ser consistente com o conteúdo geral da teoria
clássica, que tem nos ensinado acreditar que preços são governados
pelo custo prime5 marginal em termos monetários e que os salários
monetários governam amplamente o custo prime marginal. Assim, se
os salários monetários mudam, era esperado que escola clássica
argumentasse que preços mudariam quase na mesma proporção
deixando o salário real e o nível de desemprego praticamente os
mesmos que antes ... (p.12)

V – O desemprego: Clássicos versus Keynes


Como observado no gráfico 4, a economia clássica é uma economia do pleno
emprego. Então, para os clássicos somente poderia haver um desemprego
menor se, por exemplo, ocorresse uma das mudanças indicadas a seguir ou
uma combinação favorável entre elas:

5
Os grifos são nossos. Prime cost foi traduzido livremente para custo prime que significa o custo
exclusivo da matéria-prima e da mão-de-obra utilizadas.
a) redução do desemprego voluntário através da redução da desutilidade
marginal do trabalho, ou seja, os trabalhadores passariam a aceitar
salários reais menores para rejeitar o lazer (isto é, teria que ocorrer uma
mudança de gostos e preferências dos trabalhadores);
b) redução do desemprego voluntário através de um aumento da
produtividade da economia, especialmente dos bens-salário (aqueles
que são característicos do consumo dos trabalhadores) o que provocaria
um aumento do salário real;
c) redução do desemprego fricional através de uma melhoria da
organização da economia, especialmente do estabelecimento de um
melhor sistema informacional.

A economia clássica é a economia que busca explicar a existência de uma


única situação econômica: o pleno emprego. Keynes, então, foi categórico:
“...se a teoria clássica é aplicável unicamente ao caso do pleno emprego, é
enganoso aplica-la aos problemas do desemprego involuntário – se existir tal
coisa (e quem negará isso?)”. (p16)
Keynes rejeitou a teoria clássica do emprego. Ao rejeitar o segundo postulado,
a questão aberta por Keynes era que o nível de emprego precisaria de uma
nova teoria para sua determinação. De acordo com ele,
... se a oferta de trabalho não é uma função dos salários reais como
sua única variável, seus argumentos [dos economistas clássicos]
desabam inteiramente e deixam bastante indeterminada a questão
do qual será o emprego efetivo”. (p.8)
No capítulo 3 de sua Teoria Geral, voltou a repetir: “... o volume de emprego
não é determinado pela desutilidade marginal do trabalho medida em termos
de salários reais ...” (p.30) Em referência ao gráfico 4, a curva de oferta de
mão-de-obra perdeu a sua validade. Restando no gráfico 4 unicamente a curva
de demanda por trabalho com infinitos pontos correspondentes a diferentes
níveis de emprego.
Duas questões estavam colocadas para Keynes: (1) – somente a curva
demanda por trabalho não pode determinar o nível de emprego da economia,
ou seja, algo mais tem que ser adicionado à teoria econômica para que possa
ser encontrado o nível de emprego e (2) – a economia clássica não pode
explicou a situação em que existem trabalhadores desejosos de trabalhar ao
salário real que está em vigor, mas não encontram emprego.
Para Keynes, o nível de emprego de uma economia não é determinado
exclusivamente no mercado de trabalho, tal como era para os economistas
clássicos. Na visão de Keynes, o nível de emprego dependerá principalmente
do nível de demanda no mercado de bens: gastos reais de consumo e
investimento. O nível de gastos reais pode variar e com ele o nível de emprego.
Quanto maior a demanda por bens menor será o desemprego.
É proposta por Keynes uma teoria alternativa para explicar que diversos pontos
de equilíbrio da economia com maior ou menor desemprego são passíveis de
ocorrer – e não somente o ponto de equilíbrio com pleno emprego. Será a partir
da determinação do nível de gastos reais da economia que Keynes explicou a
existência de indivíduos desejosos de trabalhar ao salário real que está em
vigor, mas não encontram emprego.
Keynes batizou a dinâmica que acontece no mercado de bens e o
correspondente nível de emprego daí decorrente de princípio da demanda
efetiva. Esse princípio resume a ideia central de Keynes exposta na sua Teoria
Geral. Para entender tal princípio é necessário também compreender a rejeição
de Keynes à teoria clássica da demanda por moeda, do incentivo à poupança e
da determinação da taxa de juros – o que é feito nos próximos dois capítulos.
Além disso, é preciso ter um claro entendimento do funcionamento da
economia e de suas partes – o que é feito do capítulo 5 ao 9 do nosso livro. No
capítulo 10, é apresentando o modelo completo da Teoria Geral, o princípio da
demanda efetiva.

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