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Introdução:
O objetivo do capítulo é descrever a teoria clássica do emprego. Esse é o
primeiro passo para que seja feita a apresentação da ideia central da Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda que, em verdade, é uma teoria da
determinação do nível de emprego. Keynes tinha uma insatisfação que era
gerada pela observação da realidade. Ele via milhões de desempregados
desejosos de trabalhar. Esses trabalhadores aceitariam qualquer salário, desde
que essa remuneração lhes desse condições mínimas de sobrevivência.
Contudo, os desempregados se amontoavam em filas intermináveis e não
encontravam vagas para trabalhar.
A teoria clássica do emprego carecia de realismo porque era uma teoria que
mostrava que todos os trabalhadores desejosos de trabalhar ao salário real que
estivesse em vigor encontrariam emprego. Era uma teoria para explicar que a
economia estava sempre em pleno emprego. Keynes fez desmoronar a teoria
clássica. Mostrou seu irrealismo e sua inconsistência teórica. A Teoria Geral
apresentou uma teoria do emprego que mostra que a economia pode
apresentar diversos níveis de emprego, desde o pleno emprego ao
desemprego característico de uma depressão. Em quaisquer dessas posições
a economia pode permanecer, teoricamente, de forma infinita.
I – Os postulados da economia clássica
O capítulo 2 da Teoria Geral é dedicado à discussão sobre o modelo clássico
de representação do funcionamento do mercado de trabalho. Segundo Keynes,
a teoria clássica do emprego se apoiava em dois postulados:
1. O salário real é igual ao valor do produto marginal do trabalho;
1
É uma unidade de medida utilizada para mensurar a quantidade de grãos agrícolas. Um bushel de
milho equivale a 25,4 Kg.
isso ocorrer, necessariamente envolverá a transferência de renda
daqueles anteriormente empregados para os empresários”. (p.17)
Como Keynes estava se referindo ao salário em bushels, isso significa que
estava tratando do salário real, ou seja, do poder do salário de comprar uma
determinada quantidade de mercadorias.
Um outro exemplo numérico pode ser útil. Uma fábrica de sapatos tem 100
trabalhadores. A produção mensal do 100º trabalhador é de 10 pares de
sapatos. Portanto, o salário monetário (em dinheiro) pago por mês para cada
trabalhador equivale ao valor de 10 pares de sapato. Se a fábrica contratar
mais um empregado, o rendimento do seu trabalho decrescerá em relação ao
do 100º trabalhador para, por exemplo, 9,5 pares por mês.
A fábrica somente contratará esse 101º trabalhador se o salário a ser pago
para todos for equivalente ao valor de 9,5 pares. Ou do contrário, não terá
incentivo para contratar esse 101º trabalhador já que ele receberia 10 pares de
sapatos e produziria apenas 9,5 pares. Empresários buscam maximizar os
seus lucros: a queda do valor do produto produzido na margem (produto
marginal) deve corresponder a uma queda do salário real efetivamente pago
para todos.
Para haver mais contratações, o salário real de todos deve decrescer. No
nosso exemplo, a fábrica pagava um total de salários equivalente ao seguinte
valor: 100 X 10 = 1.000 pares de sapato por mês. Quando mais um trabalhador
foi contratado (o 101º) esse total decaiu para: 101 X 9,5 = 959,5 pares de
sapatos por mês. É por isso que Keynes disse que isso “envolverá a
transferência de renda daqueles anteriormente empregados para os
empresários”. Afinal, eram 100 trabalhadores que recebiam por mês o valor
equivalente a 10 pares de sapato, mas a partir de então receberão 9,5 sapatos
por mês.
A partir dos gráficos 1 e 2 é possível observar essa relação entre rendimentos
decrescentes do trabalho e a curva de demanda por trabalho decorrente do
comportamento econômico dos empresários. No gráfico 1, é apresentada uma
função de produção de curto período para toda a economia. Por definição, o
curto período é o cenário econômico em que não há investimentos (ou seja,
não há variações do estoque de capital: não há mudanças na quantidade de
máquinas e equipamentos), somente podem existir variações do número de
trabalhadores empregados. Portanto, a quantidade produzida dependerá desse
número. No curto período, também não há variações da eficiência na utilização
das máquinas e equipamentos disponíveis, isto é, o estado tecnológico não é
modificado.
No eixo vertical do gráfico 1, representado por Y, está mensurada a quantidade
real de produto da economia. No eixo horizontal, representado por N, está
medida a quantidade de trabalhadores. A função de produção F é crescente:
quando aumenta o número de trabalhadores aumenta também a produção real
total da economia. A função de produção F cresce a taxas decrescentes: cada
trabalhador adicionado à produção gera uma quantidade de produto menor que
o seu antecessor, tal como mostrado no gráfico.2
Se o produto marginal tem valor real decrescente, então o conjunto de
empresários da economia somente poderá demandar mais trabalhadores se
houver uma redução dos salários reais. O gráfico 2 mostra essa relação que é
derivada do gráfico 1. Nesse gráfico, o eixo vertical representa o salário real
W/P, isto é, o salário medido em poder de comprar mercadorias – que é igual
ao produto marginal do trabalho. O eixo horizontal mostra o número de
trabalhadores N.
O ponto N’ do gráfico 1 corresponde ao ponto Y’ do mesmo gráfico. Para essa
mesma quantidade de trabalhadores N’, no gráfico 2, verifica-se que salário
real é (W/P)’. O aumento da quantidade de trabalhadores empregados N’ para
N’’ corresponderá a um aumento do produto de Y’ para Y’’, mas haverá uma
redução do valor do produto marginal (no gráfico 1) e uma redução do salário
real (no gráfico 2) de (W/P)’’ para (W/P)’. Portanto, a curva Nd é uma função de
demanda por trabalho estabelecida pelas condições econômicas - e utilizada
pelos empresários para o cálculo de novas contratações.
Em uma outra condição econômica de curto período, em que a produtividade 3
fosse menor, o salário real deveria também ser menor para cada nível de
emprego. É o caso da função F* que corresponderia a uma função demanda
por trabalho Nd*. Cabe ser destacado que o deslocamento de uma situação
para outra (de F para F* ou de Nd para Nd*) não é o foco de atenção dos
economistas clássicos.
A economia clássica está apenas preocupada em explicar a ocorrência dos
níveis de produto Y e de emprego N da economia que correspondem a um
determinado estoque de capital, estado tecnológico e de gostos e preferências
dos trabalhadores4. Os clássicos não estão preocupados em explicar variações
de níveis do produto e do emprego. É como se elas não existissem. É como se
existisse a economia A e depois a economia B. Para eles, o importante é o
estado já estabelecido de A ou B e não a transição de um para outro.
Foi por esse motivo que Keynes avaliou que a teoria clássica não buscava
analisar variações de quantidades (produto ou emprego). Essas seriam um
dado, mas investigava apenas a distribuição do produto na sociedade. Assim,
afirmou a teoria clássica “... é melhor considerada como uma teoria da
distribuição em condições de pleno emprego” (p.16). Na próxima seção, será
mostrado que a economia clássica é uma economia para explicar a existência
permanente do pleno emprego.
2
Em linguagem matemática pode ser dito que a função F tem primeira derivada positiva e segunda
derivada negativa.
3
Produtividade significa a quantidade de produto produzida por um trabalhador em uma jornada fixa de
horas de trabalho em um determinado período de tempo. Por exemplo, em uma fábrica de automóveis,
a produtividade poderia ser um carro/homem/mês (lê-se: um homem produz um carro por mês).
4
A introdução dos gostos e preferências dos trabalhadores no modelo será visto na próxima seção.
Gráfico 1 – Função de produção
Y F
F*
Y’’ *
Y’
Rendimentos decrescentes
Y
Y’’- Y’ < Y’- Y
N’’- N’ = N’- N
N N’ N’’ N
W/P
Gráfico 2 – Função demanda por trabalho
(W/P)’’
(W/P)’
(W/P)
Nd
Nd*
N N’ N’’ N
Y F
Y’’
Y*
N N* N’’ N
Ns
W/P
Gráfico 4 – Função oferta de trabalho
e o pleno emprego
(W/P)’’
A
(W/P)*
(W/P)
Nd
N N* N’’ N
No gráfico 4, todos aqueles que desejam trabalhar ao salário (W/P)* estão
empregados. Portanto, o ponto N* corresponde ao pleno emprego. Somente
estarão desempregados aqueles que desejam um salário maior que (W/P)*. À
esquerda de N*, todos estarão empregados. À sua direita, estarão ali todos
aqueles que consideram que o salário real (W/P)* não proporciona uma
satisfação maior que o lazer. Portanto, optaram pelo lazer, estão
voluntariamente desempregados. Na economia clássica, toda a força de
trabalho disponível está empregada. Somente não estarão trabalhando aqueles
que estão na condição de desemprego voluntário.
Tal como os empresários que não contratam trabalhadores pagando um salário
real maior que o valor do produto marginal que geram, os trabalhadores não
aceitam trabalhar por um salário real menor que a desutilidade decorrente do
esforço marginal de trabalhar. A opção pelo lazer é feita quando a sua utilidade
é maior que a utilidade proporcionada pelo salário real em vigor. Nesse caso,
rejeita-se o trabalho e opta-se pelo desemprego voluntário.
O desemprego voluntário ocorreria, então, na visão clássica “... devido a recusa
ou incapacidade de uma unidade de trabalho (...) de aceitar uma remuneração
que corresponde ao valor do produto atribuível a sua produtividade marginal”
(p.6). Keynes sugeriu que, segundo os clássicos, existiriam algumas
motivações para tal recusa: legislação vigente, ações coletivas dos
trabalhadores em busca de salários reais mais elevados ou a obstinação
humana.
A economia clássica é a economia do pleno emprego para os trabalhadores.
Além do desemprego voluntário já mencionado, também é possível encontrar
outro tipo de desemprego na economia clássica, o desemprego friccional. Esse
é um tipo de desemprego temporário, passageiro, ocorre quando por exemplo
um trabalhador desempregado ainda não encontrou o estabelecimento que
necessita de seu trabalho, mas logo encontrará. Keynes explicou: “... a
mudança de um emprego para outro não pode ser efetuada sem uma certa
demora...” (p.6).
5
Os grifos são nossos. Prime cost foi traduzido livremente para custo prime que significa o custo
exclusivo da matéria-prima e da mão-de-obra utilizadas.
a) redução do desemprego voluntário através da redução da desutilidade
marginal do trabalho, ou seja, os trabalhadores passariam a aceitar
salários reais menores para rejeitar o lazer (isto é, teria que ocorrer uma
mudança de gostos e preferências dos trabalhadores);
b) redução do desemprego voluntário através de um aumento da
produtividade da economia, especialmente dos bens-salário (aqueles
que são característicos do consumo dos trabalhadores) o que provocaria
um aumento do salário real;
c) redução do desemprego fricional através de uma melhoria da
organização da economia, especialmente do estabelecimento de um
melhor sistema informacional.