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Bell Hooks: Por uma pedagogia interseccional - Geledés 02/05/18 21:23

Bell Hooks: Por uma pedagogia interseccional

“É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado
momento, a tua fala seja a tua prática.” – Paulo Freire

Por Andrersa Ribeiro da Silva Do Pretaepistemica


(https://pretaepistemica.wordpress.com/2016/09/02/188/) e nviado por e-mail para o Portal
Geledés

Fundamentando-se em sua história de superação pessoal por meio da teoria libertadora, Bell
Hooks (https://www.geledes.org.br/?s=Bell+Hooks) nos mostra que, na educação quando a nossa
experiência de vida está intrinsecamente ligada à teorização, não existe uma separação entre a
teoria e a prática. Na teoria como prática libertadora, a autora traz a teorização como um processo
crítico e reflexivo que pode levar a uma mudança, uma prática, uma cura do indivíduo ou do
coletivo, desde que seja direcionada para este fim. Como feminista negra interseccional, a escritora
reivindica constantemente a teoria dentro do ativismo (tanto na forma escrita, quanto na forma
oral) e desenvolve o capítulo propondo centralizar a discussão pedagógica voltando-se para esse
movimento sociopolíticoracial.

Para as mulheres negras (https://www.geledes.org.br/?s=mulheres+negras) ocidentais, lecionar é


um ato essencialmente político, contra hegemônico e que possui raízes na luta anti-escravocrata e
antissegregacionista. O movimento feminista (https://www.geledes.org.br/?
s=movimento+feminista) afro-americano possui um marco importante no sistema educacional
porque foram elas que sempre lutaram contra as desigualdades de maneira plural e não
dominante. No final da década de 80, a contribuição dessas mulheres para a reconstrução de um
feminismo multicultural e crítico a respeito de raça, gênero, classe, orientação sexual e teorias
feministas brancas, foi inestimável e alcançou as discussões modernas sobre a pedagogia. E isso é
fundamental para compreender a constante preocupação da escritora com a descolonização do
conhecimento e seus questionamentos diante da parcialidade das práticas de ensino.

Alicerçada nas obras de Paulo Freire, Hooks acredita que a construção de uma educação
humanista – antirracista, antissexista, anti-homofóbica e etc. – que reconheça as peculiaridades do
indivíduo e que garanta a voz dos estudantes, é capaz de estimular o senso crítico dos mesmos e
avançar para uma prática que liberte as minorias das opressões. Mas para isso, se faz necessário
combater os métodos pedagógicos arcaicos, descentralizar o conhecimento teórico e reconhecer a
falta de compromisso da academia em aproximar a teoria da prática. A supervalorização da
produção acadêmica feminista formulada num ambiente elitista/branco cujas obras escritas por
“pessoas de nome”, privilegiadas, muitas vezes, invisibilizam as fontes poucos conhecidas,
hierarquizam o debate e não contribuem na prática para o coletivo. Esses “dogmas teóricos”
rigorosamente seguidos são paradoxais porque, é inconcebível um desempenho teórico que só

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pode ser entendido por um círculo mínimo de pessoas e não serve para educar o público. Ou seja, o
pensamento inútil, produzido na academia para manter o status quo da classe dominadora
intelectual, sem nenhuma pretensão de intervenção prática na realidade social, só será desafiada,
segundo a escritora, através da teoria da libertação.

“É evidente que um dos muitos usos da teoria no ambiente acadêmico é a produção de uma
hierarquia de classes intelectuais onde as únicas obras consideradas realmente teorias são as
altamente abstratas, escritas em jargão, difíceis de ler e com referências obscuras (HOOKS, 1994,
89).”

Segundo a ativista, a criação de um abismo entre a teoria e a prática na academia é intencional


porque é esse o artifício utilizado para perpetuar o elitismo intelectual que produz teorias
irrelevantes para o todo e promove uma falsa dicotomia entre a teoria e a prática. Por não se
enxergarem dentro dessa hegemonia, muitas mulheres negras tentaram resistir à teorização
acreditando apenas que a prática poderia trazer uma solução concreta para a comunidade. Porém,
Bell Hooks rebate essa crítica colocando a complexidade do feminismo
(https://www.geledes.org.br/?s=feminismo) e do movimento negro como um parâmetro para
grandes fenômenos que não se prendem a uma teoria única. Entretanto, em um determinado
momento “as mulheres negras perceberam que permanecer calada (sem teorizar) só ajudaria a
perpetuar a ideia que podemos engajar sem teoria”, pesando na teoria como algo apenas abstrato,
o que na visão da autora é inconcebível.

“Infinitas vezes, os esforços das mulheres negras para falar, quebrar o silêncio e engajar-se em
debates políticos progressistas radicais enfrentam a oposição. Há um elo entre a imposição de
silêncio que experimentamos e censura anti-intelectualismo em contextos predominantemente
negros que deveriam ser um lugar de apoio (como um espaço onde só há mulheres negras), e
aquela imposição de silêncio que ocorre em instituições onde se dizem as mulheres negras e de cor
que elas não podem ser plenamente ouvidas ou escutadas porque seus trabalhos não são
suficientemente teóricos (HOOKS, 1994, 95).”

Hooks rejeita os formatos acadêmicos tradicionais e inclusive defende que a teoria não acadêmica
(como a tradição oral, por exemplo) seja tão valorizada quanto à acadêmica e também concorda
na existência da prática sem a teoria. Mas não descarta em hipótese nenhuma a importância da
mesma. Por isso ela acredita que os negros, em especial as mulheres negras, precisam teorizar e
subverter o feminismo branco (https://www.geledes.org.br/?s=feminismo+branco), o patriarcado e
o racismo epistêmico dominante – já que para a autora a prática envolve o processo de teorização.
Entretanto, alguns negros ainda menosprezam a teoria e acreditam que a luta pode se dá sem a
mesma. Por outro lado, intelectuais negros tentam superar a barreira do pensamento hegemônico
para mostrar que as palavras servem para compreendermos a natureza da nossa situação e os
meios pelos quais podemos engajar e transformar a nossa realidade. Nesse contexto, a feminista
ressalta que, mesmo tentando subverter o sistema, não devemos tratar toda teoria dominante
como inútil, pois essa atitude reacionária é similar ao que os brancos fazem quando rejeitam como
teoria a produção intelectual dos grupos marginalizados.

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a posse de um termo não dá existência a um processo ou prática; do mesmo modo, uma pessoa
pode praticar a teorização sem jamais conhecer/possuir o termo (HOOKS, 1994, 86).”

A teoria como prática libertadora, pressupõe uma educação que não reproduz o status quo, que
traz o pensamento crítico, reflexivo e desconstrutivo para a sala de aula. Mas para isso, se faz
necessário reconhecer a diversidade teórica; e a diversidade teórica, nada mais é, do que as
experiências de vida. Para a escritora, todas as pessoas levam algum conhecimento para a sala de
aula e essa pluralidade deve ser respeitada e utilizada como metodologia pedagógica: Escambo de
vivências (o professor não deve ser uma autoridade e deve participar da troca de conhecimento),
debates abertos, descentralização de condutas e etc. Num contexto multicultural, os alunos devem
ser convidados a conhecer a diversidade epistemológica num espaço criado pelo professor para
incluir temas que tragam, por exemplo, consciência de raça, sexo e classe associando-as a
disciplina oferecida. Uma educação que liberta e que não faz dos estudantes pessoas meramente
passivas e engessadas, não apenas exige o despertar da criticidade acerca da sociedade que
vivemos, mas também, a visibilidade dos não brancos, das mulheres, dos LGBT’s e dos
marginalizados. Só com a “educação engajada” [3] conseguiremos visualizar como as relações de
poder interferem na educação e desarticularemos a escola como um lugar opressão.

[1]HOOKS, Bell; A teoria como prática libertadora. In:_____ Ensinando a transgredir: a


educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. Cap.5, p.83-104.

[2] Feminista negra que reivindica sua pauta como mulher negra que sofre com o racismo e o
machismo, mas acreditando que há uma intersecção entre diversas opressões: de gênero,
orientação sexual, raça e classe social, não acreditando assim haver uma hierarquia entre elas.

[3] Uma educação que venha na direção oposta da ideologia mercantilista e dominante, que
atenda as necessidades da população excluída dos direitos básicos da existência humana e que
forme sujeitos críticos, conscientes e construtores de sua própria história.

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