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SOBRE A FUNGAO SOCIAL DA ESCOLA* Rosell Salete Caidart™ 1. A necessidade social da educag&o; 2. A fungdo social da nova escola: perspectiva popular; 3. Sobre a relacdo entre escola e produto; 4, Sobre a relardo entre escola e cidada- nia; 5. Sobre a relagdo entre escola e “alegria cultural”. A fungdo social da escola diz respeito a relacao entre educago, escola e sociedade. Est, pois, definitivamente inserida na polarizag4o conservac4o-transformacdo social. 1. A necessidade social da educacéo “O homem nasce na sociedade mas ndo nasce social” (Luporini, apud Manacorda, 1979, p. 8). Chega a sé-4o somente através da educaco. Isto quer dizer também que o homem nasce homem mas s6 enquanto possibilidade que, para realizar-se, necessi- ta de uma aprendizagem num contexto social adequado, Por isso a humanidade in- ventou tantas formas especificas de educagSo. Quanto mais a sociedade se toma histérica (menos natural), mais necessita de estruturas educativas que preparem as novas geragées para se integrarem nela. Foi depois do advento da sociedade capitalista (= complexificaco crescente da pro- que precisa dar conta da preparacdo direta dos sujeitos produtivos (que antes se formavam no préprio trabalho). Antes a escola era vista “como lugar de aquisi¢&o de conhecimentos da técnica cultu- tal que permitisse (...) a contemplac4o e a conservacao dos doutos; educava (...) para desfrutar, mais que para criar bens cutturais...” (Manacorda, 1979, p. 12). Agora, a propria ciéncia 6 vista como meio de interven¢&o humana na natureza e na sociedade: a escola precisa se preocupar com a produc4o e a difusdo da ciéncia que permita o avango da producdo. * Texto originariamente produzido para patticipagdo no curso de Atualizagdo em Fundamentos da Eueagao @ Mtedologia Clefica pasos prefesores esas do Colégo Bam Pastor — Chapecd, ** Mestre em educago; professora na Fundaco Alo Uruguai para a Pesquisa e o Ensino Superior (Fapes), Erexim, RS. Forum educ. Rilo de Janeiro, 12(3)61-84, jul/set 1968 Esta alterag&o provocou uma verdadeira revolucdo copemicana na investigagao pe- dagégica (idem, p. 14), tendo em vista a adequagao da escola (que, pelo certo, deve- tia até ter mudado de nome — “escola”, etimologicamente significa “lugar de écio”) as novas exigéncias historicas. Na prdtica esta revolugdo néo chegou a se realizar integralmente e continua havendo graves reclamacées contra a escola. Ninguém est contente: nem liberais nem socia- listas, nem conservadores nem progressistas. A escola est4 em crise. Sua estrutura continua sendo excessivamente reaciondria. E sé pensar no tipo de organizagao inter- Na ou ent&éo comparar, por exemplo, os avangos de nossa ciéncia com os contetidos trabalhados em nossas salas de aula — do primeiro ao quarto grau. Contradi¢ao entre ‘0s centros que produzem ciéncia e os centros encarregados de sua difusao. Por isso se discute tanto hoje sobre a necessidade de uma nova escola e se atualizam 0 tratados sobre a propria fungdo social da educagdio escolar. Mas se o que se pre- tende é uma discuss&o tedrica com implicagdes praticas em nosso cotidiano escolar, n&o se pode ficar falando de uma nova escola abstrata, sem claras definicdes contex- tuais. O que interessa 6 a transformacao da nossa escola concreta, esta onde atuamos e que se caracteriza por um momento de grave crise, que por sua vez espelha uma cri- se geral da sociedade. Para atingir este propésito é preciso inicialmente ter clareza sobre alguns pontos fun- damentais: 1, A discusso € a teorizagdo que estao sendo feitas hoje no Brasil sobre a nova esco- la e sua fungao social partem de pelo menos dois projetos pollticos diferentes: 0 proje- to liberal ou burgués e 0 projeto socialista ou popular. Em termos de fundamentos, tra- ta-se de projetos irreconcilidveis. Na perspectiva liberal, e é esta a perspectiva dominante, a nova escola é exigida para evitar a desestabilizacéo social que o estado de crise econémica e polftica ameaga. Uma escola efetivamente adequada aos desafios do presente estigio de desenvolvi- mento capitalista 6 0 antidoto liberal para 0 caos e a destruigao (socialismo) prometi- dos pelo avango da mobilizagao e da organizag4o popular. A escola precisa ser mais eficaz, principalmente na difusdo dos principios neoliberais.* + Pode-se sintetizar como sendo trés os principios basicos do pensamento neoliberal: 1. antiideolo- gismo que apregoa o fim da era das ideologias e a supremacia da ciéncia, neutra, infalfvel e capaz de tunir 08 individuos em tomo de agées técnicas; 2. apelo ao realismo que chama a todos para a aco, deixando de lado utopias e sonhos véos, deixando de fazer cobrangas que desestabilizem a ordem capitalista; 3. promessa de um estilo de vida cada vez mais sofisticado e tecnologicamente avanga- do. A magia da indéstria eletrénica, da industria do lazer, dos servigos mais exéticos, colocados no horizonte capitalista como acessiveis a todos quantos provarem a sua competéncia no jogo da vida. 62 Forum 388 Por outro lado, numa perspectiva socialista, a nova escola 6 chamada a integrar © movimento social transformador (de mobilizago, de organizagao e de luta popular), fomecendo-the apoio técnico, intelectual e polftico. E preciso estar atento porque em ambas as propostas se fala na necessidade de di- fuso de um novo modo de pensar. S6 que na visdo liberal este novo pensar significa © pensar neoliberal, ou seja, a reciclagem dos principios orientadores do viver capita- lista. Na visdo socialista este novo pensar implica uma transformacdo radical do pen- ‘samento liberal, o que quer dizer um pensar dialético e socializante. Poder-se-ia dizer que na vis4o liberal trata-se de passar de Comte a Popper enquanto que na visdo so- Cialista se trata de passar de Comte ou Popper a Marx... Falar na nova escola numa perspectiva popular 6, de fato, tentar realizar uma outra “revolug4o copemicana” na educac4o, antes mesmo que a pretendida pela burguesia tenha-se realizado plenamente. Isto porque se trataria de deslocar radicalmente os ‘sujeitos e os propésitos da educacao escolar, colocando no centro as classes traba- ihadoras e seus interesses e colocando a transformac&o social como objetivo Uitimo do processo educativo. Todas as mudancas especificamente pedagégicas teriam este deslocamento como pano-de-fundo, 2. E importante ter-se clareza sobre a distingdo fundamental que existe entre estas propostas, pelo menos por dois motives principais: © Para n&o se cair na ilus&o de pensar que a construcdo de uma escola ligada aos in- teresses populares 6 algo facil e aceito pelo poder constituldo e mesmo que estas ten- tativas de inovag4o escolar patrocinadas pelo Estado estejam caminhando nesta di- fegdo, como diz Miguel Arroyo: “Buscamos safdas na pratica cotidiana da escola, porém com a lucidez suficiente para n&o cair no engano de defender esse sistema escolar como o conveniente e possfvel para os interesses dos trabalhadores (...)” (1986, p. 18). © Para que se possa avaliar, dentro da luta pela escola possivel, quais sao os momen- tos que permitem lutas comuns entre conservadores e progressistas. Exemplos impor- tantes disso: a expansdo das oportunidades escolares, a construcao e a melhoria dos prédios escolares, a titulac&o dos professores. Como se pode falar numa nova escola em espagos (e no Brasil nfo s40 poucos) onde nem a velha escola jA chegou a existir? Ou serd, como questiona Arroyo, que pode- mos chamar de escola (centro de transmissdo do saber sistematizado) aquela casinha perdida num canto da roga, no quintal da casa da professora, na sacristia, num galpao ou num rancho de palha, onde /eciona uma jovem ou senhora corajosa do lu- gar com trés ou quatro anos de ensino elementar? (idem, p. 40). E sem falar de luga- fes que nem esta escola possuem... Fungéo social 63

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