DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO
1/2018 - BEATRIZ ROMÃO DE LIMA 12/0027071
A conquista do fato
"A familiaridade com o universo social" é, em “Ofício de sociólogo”, abordada
como o maior obstáculo epistemológico da sociologia, pois produz "concepções ou
sistematizações fictícias", ao mesmo tempo que são as condições primeiras de sua
credibilidade.
A separação, que para o físico é nítida na oposição laboratório/vida cotidiana,
para as ciências humanas se encontra ainda mais difícil pela falta de instrumentos
que permitam uma recusa clara (radical) do "senso comum", o que leva, em busca
de uma ‘legitimação’, à supervalorização do método, em oposição à teoria.
Bourdieu propõe algumas estratégias para fazer a ruptura entre opinião
comum e discurso científico, sempre considerando a “vigilância epistemológica”, que
é uma estratégia para adicionar a importância da teoria à pesquisa legitimada, junto
ao método. São elas:
1. As técnicas de objetivação - "uma crítica lógica e lexicológica" seria uma das
condições principais de uma elaboração controlada de noções científicas. O
sociólogo, por reter seus dados por observação ou experimentação1,
estabelece uma relação com o objeto que nunca é puro conhecimento. O ato
da invenção que conduz à solução de um problema deve quebrar as relações
aparentes - como por exemplo, a maçã de newton, na perspectiva de que
“não era só a maçã que caiu” - para criar um novo sistema de relações entre
os elementos;
2. A sociologia como ciência objetiva só é possível porque existem relações
além das vontade individuais - relações estas somente apreendidas através
de observação e experimentação objetivas. É necessário contradizer ponto
por ponto o que Bourdieu chama de sociologia espontânea, ou "filosofia
primeira" do social, em prol de tal objetividade;
2.1. Sociologia “espontânea” é a apreensão superficial das experiências
que todos somos capazes de ter - todo o esforço de Bourdieu aqui é
em torno de separar a sociologia como ciência objetiva da observação
que fazemos do mundo como seres sociais, que é “sociológica”
também.
3. O cuidado com a utilização ingênua de critérios de análise, como por
exemplo, "sexo" e "idade", quando concebidos como "dados naturais", que
possam ser depreendidos das condições históricas e sociais que constituem
sua especificidade em determinada sociedade e em determinado momento. É
importante recorrer a explicações de outras ciências apenas quando forem
esgotadas as comprovações da eficácia das explicações propriamente
sociológicas. Determinadas explicações só devem ser utilizadas como último
recurso como parte do cuidado em se manter uma eficácia epistemológica;
4. O cuidado com utilizações recorrentes das palavras, com a noção de que
algo é intrínseco à palavra, e não dependente do contexto em que ela se
encontra, como elucida Winch2, em texto abordado anteriormente. O recurso
da linguagem é um dos que podem ser mais úteis para fazer a ruptura entre a
sociologia informal da formal. Isto não é dizer que deve-se lançar mão da
1
Não é todo cientista que retém seus dados através de experimentação? A experimentação aqui
referida é a “subjetiva”, que precisa ser “objetivada”
2
Baseando-se inteiramente em Wittgenstein, que Bourdieu também cita.
linguagem mais erudita possível, ao invés disso, propõe-se uma "análise que
dê ao sociólogo um meio de redefinir palavras comuns no interior de um
sistema de noções expressamente definidas e metodicamente depuradas";
5. Evitar a tentação do profetismo, que apenas sistematiza falsamente
proposições da sociologia espontânea. É uma armadilha fácil de cair, uma
vez que conquista o público, pois “uma explicação qualquer é melhor que
nenhuma”.
6. Evitar a pretensão de encontrar em sua própria ciência o seu embasamento
teórico. A "ciência é sempre descontínua, porque o refinamento de uma
grade de descontinuação (...) termina sempre pela substituição (...) de uma
grade por outra." Há de se recusar as certezas do saber definitivo, ao invés
de reinterpretar indefinidamente as contradições a fim de que se reconciliem.
Bourdieu também denuncia que devem se levar em consideração os
problemas que as "tradições"3 sugerem indignos de serem levados em
consideração, e não necessariamente elaborar os que as mesmas tradições
elevam na hierarquia dos temas de pesquisa.
7. “A confusão entre a teoria do conhecimento sociológico que faz parte da
metaciência, e as teorias parciais do social que envolvem os princípios da
metaciência sociológica na organização sistemática de um conjunto de
relações e princípios explicativos de tais relações, leva o pesquisador a
condenar-se a renunciar a fazer ciência na expectativa de que uma ciência
da metaciência ocupe o lugar da ciência, ou a considerar uma síntese
necessariamente vazia das teorias gerais (ou, até mesmo, das teorias
parciais) do social como a metaciência que é a condição de qualquer
conhecimento científico possível.”
3
Nada mais que “modismos”, só que antigos.
A construção do fato
Bourdieu nesta obra está sempre em busca de “caminhos do meio”. Na
primeira parte ofereceu alternativas a sociologia espontânea que não fossem a
réplica da metodologia das ciências naturais, e nesta segunda parte, oferece
alternativas para a abordagem de categorias muito próximas ao que denomina
“sociologia espontânea” que não tenham como base “achismos” e nem a empiria
por si só.
Para esta elaboração, a empiria sem considerar as relações conceituais entre
os problemas, fixando-se nas relações ‘reais’ entre as coisas, pode tornar-se uma
experimentação manipulada, em que se tem uma conclusão pré-proposta e se
procura um meio de comprová-la através de empiria.
Cito:
Poderíamos ver os elos que ainda ligam a sociologia erudita às
categorias da sociologia espontânea no fato de que, muitas vezes, ela
se submete às classificações por campos aparentes, sociologia da
família ou sociologia do lazer, sociologia rural ou sociologia urbana,
sociologia dos jovens ou sociologia da velhice. De forma geral, por
considerar a divisão científica do trabalho como partilha real do real é
que a epistemologia empirista concebe as relações entre ciências
vizinhas- por exemplo, psicologia e sociologia- como conflitos de
fronteira. (BOURDIEU et. al, 1930)