Você está na página 1de 21

:V *

ISBN 85-225-0545-4

Copyright © Flávio M. Heinz

Direitos desta edição reservados à


EDITORA FGV
Praia de Botafogo, 190 — 14s andar
22250-900 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil
Tels.: 0800-21-7777 — 21-2559-5543
Fax:21-2559-5532
e-mail: editora@fgv.br — pedidoseditora@fgv.br
web site: www.editora.fgv.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo


ou em parte, constitui violação do copyright (Lei n fi 9.610/98).

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

Ia edição — 2006

Revisão de originais: Claudia Martinelli Gama

Editoração eletrônica: Cristiana Ribas

Revisão: Aleidis de Beltran e Marco Antonio Corrêa

Capa: Studio Creamcrackers

Todas as traduções foram feitas por Flávio M adureira Heinz, exceto a do capítulo “A
elite nacional” (“The national elite”), de Michael Conniff, realizada p o r Geraldo
Korndõrfer.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca


Mario Henrique Simonsen/FGV

Por outra história das elites / Flávio M. Heinz, organizador. — Rio


de Janeiro : Editora FGV, 2006.
224p.
t/t
Inclui bibliografia.

1. Elites (Ciências sociais). I. Heinz, Flávio Madureira. II. Funda- "o


ção Getulio Vargas. jã

\J^ O O O CDD — 301.4492 -o


E
Biblioteca de Ciências Humanas e Educação-Antropologia (/>
Berton e Cosmo Ltda CO
Por outra história das elites od
T erm o. 75/2008 R e g is tr o 453285 Q_
R$ 14,50 18/01/2008 lic ita ç ã o ^
Elites rurais entre re p rese n ta ç ão e política:
e xe rcício prosopográfico*
F l á v i o M. H ei nz

O m o d e lo d a s re la ç õ e s p o lític a s e n tr e E sta d o e a to re s so c ia is e m e rg e n te s , a d o ­
ta d o p e lo s n o v o s d e te n to r e s d o p o d e r u n g id o s p e la R e v o lu ç ã o d e 1930, é a q u e le d o
c o r p o r a tiv is m o , e o s p r in c íp io s e a b a se d o a c o rd o so c ia l so b q u a l se fu n d a m a rc a ­
r ã o p o r m u ito te m p o a v id a p o lític a e s in d ic a l d o p aís. A o r g a n iz a ç ã o p r o fis s io n a l
n o s m e io s u r b a n o e r u r a l s o fre rá d if e r e n te m e n te se u s e fe ito s. A ssim , c o m p a r a d a a
u m s in d ic a lis m o o p e r á r io em v e r tig in o s o d e s e n v o lv im e n to , a o rg a n iz a ç ã o p r o fis s io ­
n a l n o m e io r u r a l é p o u c o e x p re ssiv a , e a p e n a s le n ta m e n te p e n e tr a n e sse m e io re-
f r a tá r io ao s m o d e lo s so c ia is f u n d a d o s n a r e a lid a d e d a s s o c ie d a d e s d e classe c o n ­
te m p o r â n e a s . 1
É a i n d a e m 1 930, e a p e n a s u m m ê s a p ó s a a s c e n s ã o d e V arg as ao p o d e r , q u e
é c r ia d o o i n s t r u m e n t o p r in c i p a l q u e p e r m i t i r á ao E s ta d o r e v o lu c io n á r io , n o s
a n o s s u b s e q ü e n te s , a i n t r o d u ç ã o d e u m s in d ic a lis m o d e tip o c o r p o r a ti v is ta : o
M in i s té r io d o T r a b a lh o , d a I n d ú s t r i a e d o C o m é r c io ( M T I C ) . T rê s m e s e s m a is
ta r d e s e rá p r o m u lg a d a a p r i m e i r a d a s le is s o b r e a o r g a n iz a ç ã o d a r e p r e s e n ta ç ã o

* Versão resu m id a de artig o pu b licad o sob o títu lo “Elites rurais: rep resen tação p ro fissio ­
nal e p o lítica no Brasil, 1930/1960” (H einz, 2001). Este tex to reto m a, com m odificações,
considerações feitas nos capítulos 3 e 7 de m in h a tese de d o u to ra d o (H einz, 1998b). Em
relação aos tó p ico s aq u i desenvolvidos, a abord ag em p ro so p o g ráfica do tem a já foi objeto
de dois artigos (H einz, 1998a e 1999). %
1 Sobre o co rp o rativ ism o na ag ricu ltu ra brasileira, ver so b retu d o o trab a lh o de Stein (1991).
P ara o d ebate relativo à represen tação dos grandes p ro p rie tá rio s fu n d iário s, no âm b ito dos
trab a lh o s da C om issão Sindical da A gricultura Brasileira, e às m o d alid ad es de organização
sindical da ag ric u ltu ra, ver so b retu d o o capítu lo 2, “A em ergência de u m m o d elo de o rg a­
nização co rp o rativ a p ara a a g ric u ltu ra ”, de Esteves (1991:41-75).
124 Por outra história das elites

s in d ic a l.2 O re g im e de sin d ic a to ú n ic o , cujas lin h a s g erais esta v a m p re se n te s já n a le ­


g islação de 1931, é re fo rç a d o p elas n o v as m e d id a s de 1932 e p ela A ssem b léia C o n s titu ­
in te de 1934. E sta ú ltim a d a rá a in d a u m n o v o e s tím u lo ao p ro c e sso de sin d ic a liz a ç ã o
de p a trõ e s e a s sa la ria d o s p elo re c o n h e c im e n to d a re p re se n ta ç ã o classista, isto é, da
re p re se n ta ç ã o de o rg a n iz a ç õ e s ‘^le classe” o fic ia lm e n te re c o n h e c id a s, p a ra a q u al d o r a ­
v a n te se d e s tin a v a u m q u in to das ca d eira s na C â m a ra d o s D e p u ta d o s .3

Uma le g isla çã o sindical para o cam po

A p a r tir d a c o n s o lid a ç ã o p o lític a d o reg im e in s ta la d o co m o g o lp e d e n o v e m b ro


d e 1937, o g o v e rn o d e c id e criar, em 1941, u m a co m issã o e n c a rre g a d a d e p e n s a r e su g e­
r ir so lu ç õ es p a r a o p ro b le m a d a o rg a n iz a ç ã o sin d ica l d o m e io ru ra l. A co m issã o tin h a
à fre n te o p re s id e n te da S o cie d ad e N a c io n a l d e A g ric u ltu ra ,4 A rth u r T o rres F ilho, e

2 A Lei n 2 19.970, de 19 de m arço de 1931, constitui com efeito um prim eiro esforço no sentido
da estruturação de sindicatos de profissionais urbanos e sua subordinação à tutela estatal. P ri­
m eiram ente, a nova lei reconhecia o direito de patrões e em pregados a, paralelam ente, consti­
tu ir sindicatos. Em seguida, ela previa que cada “profissão” — a utilização do term o é retom ada
e vulgarizada pelos novos ideólogos e legisladores de 1930 — só poderia contar com u m sindi­
cato por base local. Para fazê-lo, o reconhecim ento oficial das organizações representativas das
“categorias econôm icas” (o patronato), por um lado, e das “categorias profissionais” (assalaria­
dos em geral), p o r outro, é vinculado à observância das norm as estabelecidas pelo MTIC.
3 Sobre a rep resen tação classista e profissional na C o n stitu in te de 1934, ver B arreto (2001).
4 Criada em 1897, a Sociedade N acional de A gricultura (SNA) é a prim eira entidade criada no
Brasil com am bições de representação nacional dos interesses agrários (há referências a um a
Société Brésilienne p o u r 1’A nim ation de 1’A griculture et de Pélevage, fundada em Paris já em
1895, pelo diplom ata e futuro m inistro da A gricultura J. F. de Assis-Brasil). Entidades locais
(com o os Clubs da Lavoura, do período im perial) e regionais já haviam sido criadas na segun­
da m etade do século XIX e há pelo m enos um registro de organização representativa de in te­
resses agrícolas ainda na prim eira m etade do século XIX: a Sociedade de A gricultura, C om ér­
cio e In dústria da Província da Bahia (1832). U m a idéia geral da difusão de entidades agrícolas
na segunda m etade do século XIX pode ser obtida em Ridings (1994) e Pang (1981). Sobre a
entidade fundada em Paris, há poucas inform ações (ver Scherer, 1973). A SNA nos interessa
aqui m enos po r sua ação específica no cam po da representação patronal que p o r ser a respon­
sável pela idealização e pela prom oção da grande entidade do patro n ato rural que será criada
em 1951, a Confederação Rural Brasileira (CRB). É certo que a SNA segue existindo após 1951,
mas sua ação será eclipsada pela CRB a p onto de se transform ar, ao longo dos anos, em um a
entidade de cunho m ais “cultural” e “social” que profissional. Com efeito, a SNA será responsá­
vel pela gradativa incorporação, entre os representantes das elites regionais, da necessidade de
que a representação patronal agrícola se investisse do m odelo do sindicalism o corporativista já
am plam ente dissem inado nos setores urbanos. Sobre a SNA, ver Poliano (1942 — história
laudatória, mas bem docum entada, escrita pelo ex-secretário da entidade) e G om es (1988).
Elites rurais entre representação e política 125

co n tav a e n tre seus m e m b ro s com re p re se n ta n te s d o g o v e rn o e de d ife re n te s seto res


r e p re se n ta tiv o s d a g ra n d e p r o p rie d a d e fu n d iá ria . Essa co m issã o , q u e se r e u n ir a pela
p r im e ira vez e n tre ag o sto e se te m b ro de 1941, e la b o ro u u m p ro je to d e lei cu ja in ic ia ti­
va cab ia em g ra n d e p a rte ao re p re s e n ta n te do M in isté rio d a A g ric u ltu ra e q u e, ap e sa r
de n ã o te r a a p ro v a ç ã o u n â n im e de seus m e m b ro s, a c a b o u se n d o e n v ia d o ao g o v ern o
c o m o re su lta d o de seu s tr a b a lh o s .5
P a ra le la m e n te , a S o cie d ad e N a c io n a l de A g ric u ltu ra s u b m e te ra , n o fin al de m aio
de 1943, seu p r ó p r io esb o ço de p ro je to de lei, q u e e sta ria n a o rig e m d o D ec re to -L e i na
7.449, de 9 de a b ril de 1945, p re c o n iz a n d o a u tiliz a ç ã o d as e s tru tu ra s ru ra is já ex iste n ­
tes — o u seja, as a sso cia çõ e s e so c ied a d es v o lu n tá ria s de fa z e n d e iro s — c o m o b ase de
u m siste m a p ro v is ó rio d e s tin a d o a p r e p a ra r o te rre n o p a r a u m a f u tu r a sin d ic a liz a ç ã o
d o m e io ru ra l. A SN A a firm a v a q u e, e m b o ra d ific ilm e n te se p u d e s se re a liz a r a sin d ic a ­
lização r u ra l n a q u e le m o m e n to , e ra n ã o o b s ta n te n e c e ssá rio p re p a rá -la . N o e n ta n to ,
esse d e c re to -le i a c a b a ra p o r su sc ita r crítica s e n tre os p r o p rie tá rio s — s o b r e tu d o re la ­
c io n a d a s ao e s ta tu to fu tu ro das associações e so cied ad es ru ra is n a ép o c a ex isten tes6 — ,
e u m a n o v a c o m issã o se rá c o n s titu íd a co m o o b je tiv o d e av a lia r a n e c e s sid a d e d e n o ­
vas m o d ific a ç õ e s n a lei e de p ro c e d e r à su a re g u la m e n ta ç ã o .7 D e seu s tra b a lh o s , re a li­
zad o s d u r a n te o m ês de ag o sto de 1945, re su lta u m n o v o p ro je to d e lei, a p re s e n ta d o ao

5 Poliano, 1951:8. D epois de ter sido analisado no M inistério do Trabalho, o projeto foi tra n s­
form ado no D ecreto-Lei n a 7.038, de 10 de novem bro de 1944. O p ro jeto em questão dizia
respeito à sindicalização do p atro n a to e dos trabalhadores agrícolas, p revendo u m a repre­
sentação sindical do m eio ru ral brasileiro em m u ito sem elhante ao qu e já existia nos centros
u rb an o s, m as ele p erm anecerá sem efeito. De fato, é apenas em 1963 que u m a lei especifica­
m ente d irecionada à sindicalização dos trabalhadores agrícolas, o E statuto do T rabalhador
Rural, é efetivam ente prom ulgada. A reação dos fazendeiros a essa lei n ão será estran h a ao
clim a de extrem a tensão política que reinará no país nos anos 1963 e 1964. É, p o rtan to ,
possível im aginar que a não-aplicação — o boicote institucional, de certa form a — da lei de
sindicalização de 1944 evitara um a reação sem elhante, ainda que a c o n ju n tu ra política da
prim eira m etade dos anos 1940 fosse bem diferente daquela do início dos anos 1960.
6 C om efeito, m u ito s fazendeiros e dirigentes locais tem em a p erd a de a u to n o m ia de suas
en tid ad es u m a vez q u e passassem a algum a esfera de fiscalização do E stado, co m o o M i­
nistério do T rabalho o u o M in istério da A gricultura.
7 A com issão cham ad a a d isc u tir as m odificações no Ç ecreto-L ei n a 7.449 era com p o sta
p o r A rth u r T orres Filho, seu p residente e rep resen tan te da SNA; íris M einberg, p residente
da U nião A g ropecuária do Brasil C entral; O scar D au d t Filho, rep rese n tan te da Federação
das A ssociações R urais do Rio G ran d e do Sul; C â n d id o G om es de Freitas, rep rese n tan te da
Sociedade M ineira de A gricultura; A n tô n io A rru d a C âm ara, rep rese n tan te do M inistério
da A gricultura; e Luiz M arques P oliano, secretário da com issão.
126 Por outra história das elites

g o v e rn o e p r o m u lg a d o a p e n a s alg u m as se m a n a s m ais ta rd e : tr a ta - s e d o D ec re to -L e i
n 2 8.127, de 24 de o u tu b r o de 1945. Ele re to m a v a u m p o n to im p o r ta n te e c ritic a d o d a
lei a n te rio r, a saber, a c ria ç ã o de u m sistem a v ertical d e re p re se n ta ç ã o , c o n tro la d o do
alto p o r u m a p o d e ro s a c o n fe d e ra ç ã o n a c io n a l, m as q u e te rá m u ita d ific u ld a d e p a ra se
im p o r: p a s sa d o s a p e n a s cinc<5 dias de sua p ro m u lg a ç ã o , V argas é a fa sta d o d o p o d e r
p o r u m a m a n o b r a d o s chefes m ilita re s; é o fim d a d ita d u r a d o E sta d o N ovo.
E m rela çã o ao P ro je to de Lei n 2 7.038, de 1944, os d o is d e c re to s d e 1945 a p re s e n ­
ta v a m p r o fu n d a s m o d ific a ç õ e s: os tra b a lh a d o re s ag ríc o las e ra m ex c lu íd o s d o sistem a
de re p re s e n ta ç ã o sin d ic a l — a lei q u e fin a lm e n te irá re g e r a “p ro fis sã o a g ríc o la ” n ão
in c lu i os a s sa la ria d o s — e a sin d ic a liz a ç ã o d o m u n d o r u ra l d e ix a rá a tu te la d o M in is ­
té rio d o T ra b a lh o p a r a v o lta r à q u e la d o M in isté rio d a A g ric u ltu ra . C o m o re su lta d o
desse p ro c e sso de re g u la m e n ta ç ã o p ro fissio n a l, o c o n ju n to d a a g r ic u ltu r a b ra sile ira
v ai se e n c o n tr a r im p lic a d o n a c o n s titu iç ã o de u m a “exceção r u r a l” n o seio d o a p a re lh o
sin d ic a l d o p aís. C o n tra ria m e n te ao q u e o c o rria n as cid ad e s, o n d e e m p re sá rio s e t r a ­
b a lh a d o re s se re la c io n a v a m em d o is sistem a s p a ra le lo s d e re p re s e n ta ç ã o d e in teresses,
tu te la d o s p o r u m E sta d o q u e b u sc av a c o n s o lid a r seu p a p e l d e p r o te to r so cial e ag en te
d o d e s e n v o lv im e n to e c o n ô m ic o , n o esp aço r u ra l a n u n c ia v a -s e , e n tã o , u m a fo rm a h í­
b rid a de re p re se n ta ç ã o . P re ssio n a d o s p ela am ea ça de e x ten sã o p u r a e sim p le s das leis
sin d ic a is u r b a n a s às áreas ru ra is e de seus p o ssív eis efeito s em te rm o s d e m o b iliz a ç ã o
social d o s tra b a lh a d o re s ru ra is , os fa z e n d e iro s d e lin e ia m u m s iste m a d e re p re se n ta ç ã o
sin d ic a l a m e io c a m in h o e n tre o sin d ic a to e a asso cia çã o civil, co m a n o tá v e l au sên c ia
de p e q u e n o s a g ric u lto re s e tra b a lh a d o re s ru ra is. A fó rm u la e n c o n tr a d a irá ig n o ra r a
id é ia de u m a re p re s e n ta ç ã o “de classe”, d e fe n d e n d o u m a h ip o té tic a u n id a d e d o c o rp o
so cial ru ra l. P o r ela, os fa z e n d e iro s a trib u e m a su as “asso cia çõ e s r u r a is ” o p a p e l “s in d i­
ca l” de in te r lo c u to r d o E sta d o n as q u e stõ e s re la c io n a d a s à “p ro fis sã o ag ríc o la ” e a s su ­
m e m esta n o v a fu n ç ã o de m a n e ira exclusiva, sem a b d ic a r d e seu p o d e r tra d ic io n a l
so b re as áreas ru ra is , p o d e r re fo rç a d o p ela im p o s sib ilid a d e leg al d e c o n s titu iç ã o de
s in d ic a to s de tr a b a lh a d o r e s ru ra is.
D essa fo rm a , o fim d o p r im e iro p e río d o V argas (1 9 3 0 -4 5 ) in v ia b iliz a rá a a p lic a ­
ção d o d isp o s itiv o legal c ria d o sob seu g o v ern o . Se a Lei n 2 8 .127 — c o m o aliás su c e ­
d eu à m a io r p a r te d a le g islação v a rg u ista — n ã o foi a n u la d a p o r u m P o d e r L egislativo
q u e re to m a v a su as fu n ç õ e s a p ó s o ito an o s de a u s ê n c ia fo rç a d a , ela su sc ita n ã o o b sta n te
q u e stõ e s q u a n to à su a le g itim id a d e . Se é v e rd a d e q u e as leis tra b a lh is ta s e os sin d ic a to s
o p e rá rio s se h a v ia m to r n a d o tã o o n ip re s e n te s n o c e n á rio n a c io n a l q u e q u a is q u e r p r e ­
ten sõ es a m o d ific á -lo s em p ro fu n d id a d e d ific ilm e n te p ro s p e ra ria m , o m e sm o n ão a c o n ­
tece c o m a re c e n te leg islação so b re o d ire ito à asso ciação n o m u n d o ru ra l. D e fato, o
d e b a te q u e se in s ta u r a d esd e os p rim e iro s dias d a n o v a d e m o c ra c ia vai r a p id a m e n te
to r n a r a tu a l u m a a n tig a clivagem e n tre d o is p ó lo s o p o s to s d a re p re se n ta ç ã o d o s in te ­
resses fu n d iá rio s n o p aís: d e u m lad o , aq u e le q u e p o d e ría m o s c h a m a r e s ta tis ta , r e p r e ­
s e n ta d o s o b r e tu d o p e la S o cie d ad e N a c io n a l d e A g ric u ltu ra , e, d e o u tro , aq u e le qu e
Elites rurais entre representação e política 127

c h a m a ría m o s p riv a tis ta , re p re s e n ta d o p ela S o cie d ad e R u ral B ra sile ira .8 A ssim , a SNA
se e m p e n h a ra d esd e ce d o em d o ta r o esp aç o r u ra l d o p aís d e u m a e s tr u tu r a a m p la e
u n ifo rm e , à im a g e m d o q u e se p ro d u z ira n o s m e io s so ciais e e c o n ô m ic o s u r b a n o s ao
lo n g o d o p e río d o 1 9 3 0 -4 5 ,9 ao passo q u e a SRB b u scav a, co m ra ra s exceções, p ô r u m
freio n essas in ic ia tiv a s e m a n te r d istâ n c ia d a c u ltu ra sin d ic a l c o rp o ra tiv is ta . A aç ão de
re p re s e n ta ç ã o dessas e n tid a d e s revelava a in d a o u tr a s cliv ag en s, s o b r e tu d o a a tu a lid a d e
da q u e s tã o re g io n a l. S o b re este p o n to , v o lta re m o s m ais a d ia n te .

A criação da C R B e a co n co rrên cia pela re p re se n ta çã o


dos fa z en d e iro s

A C o n fe d e ra ç ã o R ural q u e nasce em 1951 é em to d o s os asp ecto s tr ib u tá ria d a SNA:


h e rd a v ário s de seus d irig e n te s, o c u p a suas instalaçõ es n o R io d e Jan eiro e se faz c o n h e ­
cer através das p á g in as de seu ó rg ão oficial, A L a vo u ra .10 N o seu c o n ju n to , a cria çã o da
CRB é re su lta d o de u m a te n az c o n tin u id a d e p o lític a e a o rg an iz aç ão q u e e n tã o surge
n ão difere em n a d a d a q u e la q u e fo ra id ealizad a seis an o s an tes. Se a C o n fe d e ra ç ã o R ural

8 F u n dada em 1919, a S ociedade R ural B rasileira (SRB), e m b o ra se apresentasse com o


en tid ad e defen so ra dos interesses do co n ju n to de p ro p rie tá rio s ru ra is do Brasil, recrutava
seus m em b ro s, so b retu d o , no estado de São Paulo e p o d e ser co n sid erad a a p rin cip al e n ti­
dade p a tro n a l agrícola do país até o final dos anos 1940; re p re se n ta n d o fo rm a lm e n te d ife­
rentes setores da eco n o m ia agrícola, a SRB priorizava com o ativ id ad e a defesa dos in te res­
ses dos cafeicultores pau listas e dos estados vizinhos. D esde o in ício dos anos 1920, a
S ociedade R ural estivera in te rv in d o d iretam e n te ju n to aos governos federal e estadual,
exigindo p olíticas de su sten tação do preço do café n o s m ercad o s in te rn acio n ais. T am bém ,
a SRB estará na origem da criação do In stitu to do Café do E stado de São Paulo, em 1925,
e vários de seus m e m b ro s serão cham ad o s nos anos su b seq ü en tes a assu m ir p o sto s a d m i­
nistrativ o s e políticos, so b re tu d o o cargo de secretário da A g ricu ltu ra de São Paulo. V ários
au to res afirm a ria m que a fundação da SRB fora in sp ira d a na S ociedad R ural A rgentina.
Ver Silva (1992).
9 C abe le m b rar que u m perfil “oficial” ou govern am en tal n u n ca fora es tra n h o à trajetó ria
da SNA. D esde sua fundação, u m a das principais dem andas da en tid ad e fora a reestru tu ração
do M in istério da A gricu ltu ra, ex tin to desde os p rim eiro s anos (1892) do regim e rep u b lica­
n o e co n sid erad o pela e n tid ad e de vital im p o rtâ n cia p ara os d estin o s da a g ric u ltu ra b ra si­
leira. Os ca m in h o s da en tid ad e e do M inistério da A g ricu ltu ra (re e stru tu ra d o em 1907) se
cru zariam rep etid as vezes: além de vários m em b ro s que eram ta m b ém altos fu n cio n ário s,
seriam m inistros da A gricultura antes de 1930 três presidentes da entidade, Ildefonso Simões
Lopes, G e rm in ian o Lyra C astro e M iguel C alm o n d u P in e A lm eida.
10 C om efeito, A Lavoura p erm an ece com o p rin cip al p u b licação a e s tim u la r o m odelo
sindical co rp o rativ o brasileiro até a criação pela CRB, em 1955, d a revista Gleba.
128 Por outra história das elites

prevista n o D ecreto-L ei n 2 8.127, de 24 de o u tu b ro de 1945, n ão foi desde logo estru tu ra d a,


é p o rq u e o p r ó p rio p ro je to de criação de u m a co n fed eração sin d ical re u n in d o os p ro p rie ­
tá rio s fu n d iá rio s se m o stra v a indissociável da in iciativ a estatal n a área da rep rese n taç ão
sin d ical ru ra l tal c o m o v ig o rav a n o E stado N ovo. É a q u e d a de V argas, m e n o s de u m a
se m a n a a p ó s a p ro m u lg a ç ã o cftsse d ec reto -lei, q u e irá b lo q u e a r a s itu a ç ã o .11 A ex ten são
ao c a m p o de u m m o d e lo sin d ical de re p rese n taç ão p ro fissio n al so frerá viva co n testaçã o
de p a rte sig n ificativ a das elites p ro p rie tá ria s reg io n ais. As elites ru ra is de São Paulo, e
so b re tu d o os seto res re p re se n ta d o s n a SRB, desco n fiav am d e u m a re d istrib u iç ã o de p o ­
d e r e n tre elites reg io n a is, elites u rb a n a s e g ru p o s sociais em erg en tes.
O im p a sse q u e vive e n tã o o p ro ce sso de cria çã o d a C o n fe d e ra ç ã o R u ral n ão p a r e ­
ce o rig in a r-s e em u m a aç ã o c o o rd e n a d a de re p re s e n ta n te s d o p a tr o n a to ru ra l. T ra ta -se
a n te s de u m a re a ç ã o re la tiv a m e n te e s p o n tâ n e a de líd e res p o lític o s e re p re s e n ta n te s de
asso ciaçõ es a g ríc o la s id e n tific a d o s co m o se to r lib e ra l e re fra tá rio s ao in g resso d o es­
p a ç o r u ra l n a era c o rp o ra tiv is ta . T am b ém , tra ta -s e d e u m a re a ç ã o a c e n tu a d a m e n te
m a rc a d a p elo re g io n a lism o p a u lista . Essa c o m p o siç ã o de fo rças d iz re sp e ito , é claro, a
p o lític o s u d e n is ta s ,12 ra d ic a is o p o sito re s de u m a sin d ic a liz a ç ã o ca lcad a n o b e m -s u c e ­
d id o m o d e lo d o s sin d ic a to s u r b a n o s d o p ó s-1 9 3 0 , m a s ta m b é m a re p re s e n ta n te s de
u m P S D 13 p o litic a m e n te v in c u la d o a V argas. O PSD, c o n tu d o , p a re c ia e n c a rn a r na
é p o c a u m a v isão m e n o s “ id e o ló g ic a ” q u e aq u e la d a U D N , n o s e n tid o de q u e ele p arece
p r e o c u p a r-s e m a is co m a m a n u te n ç ã o d o sta tu s quo fu n d iá r io q u e co m p e rig o s e v e n ­
tu a is q u e a e x p a n sã o d o c o rp o ra tiv is m o sin d ica l p u d e sse r e p re s e n ta r p a r a as lib e r d a ­
des d e m o c rá tic a s . A lém disso, é p rec iso le m b ra r q u e o PSD re c u p e r a r a u m a p a rte c o n ­
sid e rá v el d o e sta b lish m e n t p o lític o da P rim e ira R e p ú b lic a (1 8 8 9 -1 9 3 0 ), p o r ta n to , u m
c o n tin g e n te ex p ressiv o d e “c o ro n é is ” e chefes p o lític o s lo c a is .14
O s o p o sito re s à fu n d aç ão da CRB irão co n testar o d ecreto -lei qu e a in stau rara. U m
g ru p o de d e p u ta d o s, em sua m a io ria co m p o sto p o r p au listas e m in e iro s, te n d o à frente o
pau lista A ltin o A rantes, do P artid o R epublicano, ap re sen ta rá o P ro jeto de Lei n 2 928, de 9

11 M esm o que a Lei n2 8.127 te n h a definido o q u ad ro ju ríd ico , p e rm itin d o a criação de


num ero sas associações locais e estaduais — será este o caso da F ederação das Associações
R urais do E stado de São Paulo (Faresp), recon h ecid a em 1946 — , a estru tu ra çã o de um
órgão nacional en c o n tra r-se -á inviabilizada pela co n ju n tu ra desfavorável.
12 De U D N , U nião D em o crática N acional, g ran d e associação p a rtid á ria liberal co n serv a­
do ra e p rin cip al o p o sito ra da heran ça política varguista no p ó s - 1945.
13 P artid o Social D em ocrático, criad o p o r Vargas em 1945.
14 Ressalve-se, p o ré m , que os engajam entos de rep resen tan tes p o lítico s e sindicais — no
que tange a questõ es nacionais — sofrem forte influ ên cia de seus co m p ro m isso s locais ou
regionais. De fato, estes, seguidam ente, pesam m ais em suas decisões qu e eventuais o b ri­
gações de tip o p a rtid á rio o u sindical.
Elites rurais entre representação e política

de ja n eiro de 1948, v isan d o revogar o D ecreto-L ei n a 8.127, de 1945.13 S eg u n d o eles, este


ú ltim o visava tã o -so m e n te à subm issão da classe de p ro p rie tá rio s ru ra is ao a rb ítrio do
governo e ia de en c o n tro aos p rin cíp io s co n stitu cio n ais de lib erd ad e de organização. Eles
criticavam a in d a o rec o lh im e n to de u m a taxa sindical g eneralizada ao co n ju n to dos p ro ­
p rietário s ru ra is — m e m b ro s o u n ão das entid ad es oficiais — e d e n u n c ia v am o prejuízo
sofrido pela S ociedade R ural B rasileira e o u tras associações de p ro p rie tá rio s fu n d iário s no
to c an te ao seu re c o n h ecim en to co m o legítim os rep resen tan tes do espaço ru ral.
Três a n o s d ep o is, 13 fe d e ra çõ es16 — além d a S ocied ad e N ac io n al d a A g ric u ltu ra —
p a rtic ip a ria m , em 26 e 27 de se te m b ro de 1951, n o Rio de Janeiro, d a fu n d a ç ã o d a C o n ­
fed eração R u ral B rasileira. P o r o casião da p rim e ira e le iç ã o 17 o b je tiv a n d o fo rm a r a d ire ­
ção n a c io n a l d a CRB, a discu ssão sobre a p resid ê n cia d a e n tid a d e u m a vez m ais e v id e n ­
ciava as d ific u ld ad e s de im p la n ta ç ã o de u m p ro je to asso ciativ o fed erativ o q u e n ão levas­
se em c o n ta o peso p o lítico e e c o n ô m ic o das elites ag rárias p au listas. O im p asse n a p r i­
m e ira eleição foi re su lta d o dessa situação. O s dois ca n d id a to s e ra m o g aú c h o Luiz Sim ões
Lopes, v ic e -p re sid e n te da SNA e lid e ran ça n ac io n a l d o p a tro n a to , cu ja tra je tó ria fora
m u ito m a rc ad a pela evolução política d o p ó s - 1930 e p o r sua p articip a çã o ju n to a ap o iad o -
res das m u d a n ç a s o p e ra d a s na so ciedade brasileira do p erío d o , e o p au lista íris M einberg,
d e p u ta d o federal pela U D N , p residente da Faresp e u m dos articu la d o re s das m odificações

13 T rata-se dos d e p u ta d o s A ureliano Leite (U D N ), Toledo Piza (U D N ), M orais A n d rad e


(U D N ), P lín io C avalcanti (PSD ), B aptista Pereira (PSD) e A n tô n io Feliciano, de São P au ­
lo; Felipe Balbi (PR ), José M aria Lopes C ançado (U D N ), Jacy de F igueiredo (PR ), Faria
Lobato (PR ), de M inas G erais; D o lo r de A nd rad e (U D N ), de M ato G rosso; e H am ilto n
N ogueira (U D N ), do D istrito Federal. É ú til su b lin h a r a presença, en tre os d ep u tad o s
paulistas, de três o p o n en tes históricos de Vargas, os “co n stitu c io n alista s” de 1932: Leite,
A rantes e A nd rad e, além do d ep u tad o Toledo Piza, que será, três anos m ais tarde, eleito
p ara a p residência da Sociedade R ural Brasileira.
16 É o n ú m e ro total de federações estaduais existentes na época: Rio de Janeiro, Pará, Paraíba,
Paraná, M inas G erais, São Paulo, Rio G rande do Sul, M aran h ão , G oiás, P ern am b u co , Piauí,
Santa C a ta rin a , C eará.
!/ A direção da CRB era com posta por um presidente, três vice-presidentes, um prim eiro e um
segundo secretários, u m prim eiro e um segundo tesoureiros, e 10 diretores técnicos, escolhidos
entre os m em bros das federações associadas (mais dois representantes da SNA) pela assem ­
bléia geral da entidade. A assembléia era, por sua vez, form ada de dois representantes de cada
federação (u m dos quais seu presidente), mais um representante de cada grupo de 30 associa­
ções m unicipais afiliadas em cada estado. Além da direção, a assem bléia geral elegia os 30
m em bros do Conselho Superior da CRB (anualm ente renovado em um terço). Os dirigentes
das federações eram , p o r sua vez, escolhidos pelos presidentes das associações m unicipais entre
seus m em bros. Os dirigentes das associações m unicipais eram escolhidos pelo conjunto dos
m em bros, a lei facultando a proprietários e arrendatários a participação nas associações rurais.
Por outra história das elites

efetu ad as n a lei de sin d icalização de 1944 e das ten tativ as de re fo rm a d a Lei n 2 8.127, de
1945. D e fato, a eleição d o p rim e iro p re sid e n te d a C o n fed e raçã o R u ral B rasileira ac ab a­
ria resolvida, n u m a so lu ç ão de co m p ro m isso , pela in d ic aç ão de u m te rc eiro c a n d id a to .18
O s esfo rço s q u e a C o n fe d e ra ç ã o e suas asso ciaçõ es rea liza m , d u r a n te os a n o s 1950-
60, p a r a im p o r-s e c o m o in stâftcias leg ítim as de re p re s e n ta ç ã o d o s in te resse s d a a g ri­
c u ltu ra , so fre m , re ite ra d a s vezes, u m a o p o siç ã o firm e d a p a rte d a S o cie d ad e R u ral B ra­
sileira. D e f o rm a geral, a o p o siç ã o e n tre as d u a s e n tid a d e s se fa rá p re se n te em te m as
co m o a re fo rm a a g rá ria e a sin d ica liza çã o d os tra b a lh a d o re s ru ra is e p e q u e n o s p r o p rie ­
tá rio s. N a m a io r p a rte d o s casos, essa o p o siç ão , n o e n ta n to , n ã o re m e te a d iferen ças
p ro fu n d a s de p e rc e p ç ã o acerca desses te m a s e a m b a s as e n tid a d e s v êe m co m m u ita s
reservas os p ro ce sso s q u e sin alizam m u d a n ç a s n o m u n d o ru ra l. A ssim , a re fo rm a ag rá ria
e o p ro c e sso de sin d ic a liz a ç ã o de tra b a lh a d o re s ag ríc o las só se c o n s titu e m em o b je to
de d e b a te e n tre as e n tid a d e s à m e d id a q u e estão v in c u la d o s à q u e s tã o d o s lim ite s d a
in te rfe rê n c ia le g ítim a d o E stad o n o s esp aço s so ciais, em g eral, e n o m e io ru ra l, em
p a rtic u la r. P ara a CRB, essa in te rv e n ç ã o é n ec essária e o E sta d o é a ú n ic a in s titu iç ã o
c a p az de c o rrig ir d isto rç õ e s sociais e e lim in a r e n tra v e s e s tru tu ra is à m o d e rn iz a ç ã o d a
so c ie d a d e e d a e c o n o m ia ; p a ra a SRB, a in te rv e n ç ã o e sta ta l é s o b r e tu d o in te rfe rê n c ia ,
m ais c ria d is to rç õ e s q u e as c o rrig e .19

Q uem são os re p re se n ta n te s dos fa z e n d e iro s ?

A b io g rafia coletiva d os d irig en tes p a tro n a is n o s p e rm ite c o m p re e n d e r o perfil social


dessas en tid a d e s e esclarece sobre a existência de v ín cu lo s desses d irig e n tes co m o se to r
p o lítico . É ce rto q u e as características gerais das en tid a d e s n o s in d ic a m já esses perfis.
A ssim , p o d e m o s d e fin ir a SRB co m o e n tid a d e cuja base era e ssen c ialm en te regional,
paulista, lib e ral-co n se rv ad o ra, fo rte m e n te iden tificad a co m a velha R epública oligárquica,
n o stá lg ic a de u m ce rto p o d e r ru ra l irrev ersiv elm en te d e c lin a n te , a n tiv a rg u ista , cons-
titu c io n a lista em 1932 e sem p a rtid o em 1945 — e m b o ra “n a tu ra lm e n te ” p ró x im a aos

18 T rata-se do an tig o v ice-presidente da SNA, ex -d ireto r do D e p a rta m e n to N acional de


P ro d u ção A nim al do M in istério da A gricultura e rep resen tan te da Federação das A ssocia­
ções R urais do E stado do Rio G rande do Sul, M ário de O liveira. A p resid ên cia da CRB
conferia u m a posição-chave a seus ocupantes. Em um característico a rra n jo de tip o clien-
telista, ela g ara n tia ao titu la r as funções de com an d o de u m a vasta e s tru tu ra de rep rese n ta­
ção co rp o rativ a e, p o r conseguinte, a posição de in te rlo c u to r dos g ran d es p ro p rie tá rio s e
de suas associações nas d em an d as relativas à red istrib u içã o dos favores do Estado.
19 P ara u m a análise co m p arad a das posições das en tid ad es no qu e se refere aos grandes
“tem as ru ra is ” na p o lítica brasileira dos anos 1950-60, sugerim os a le itu ra dos cap ítu lo s 4,
5 e 6 de H einz (1998b).
Elites rurais entre representação e política 131

liberais u d e n ista s. A SRB a in d a era capaz de e n c a rn a r a recusa tip ic a m e n te “elitista” das


m u d a n ç a s sociais q u e a b ria m o c a m in h o p ara o re c o n h e c im e n to de n o v o s ato res n o
c e n á rio p o lítico . N o p ó lo o p o sto , a C o n fed eração R u ral B rasileira ap arece co m o e n tid a ­
de n ã o -o lig á rq u ic a m as clientelista, de am b ição tra n sre g io n a l, p a rtid a ris ta e p a rla m e n ­
tar, “o ficial”, sin d ical e “m o d e rn a ” na ó p tic a das tra n sfo rm a ç õ e s do p ó s - 1930.
A a m o stra com q u e tra b a lh a m o s rea g ru p a ap ro x im ad am en te u m terço d a p o p u lação
de d irig e n tes d a CRB e d a SRB com , respectiv am en te, 64 de 194 (3 2 ,9 % ), e 27 de 76
(35,5% ).20 A p o p u la çã o orig in al era c o n stitu íd a pelo c o n ju n to dos d irig en tes — diretores,
vice-presidentes, presidentes e m e m b ro s dos conselhos su p e rio r e co nsultivo — de cada
organização, co rre sp o n d e n d o aos p erío d o s 1951-67 p ara a CRB e 1949-66 p ara a SRB.21

20 Para a p rep a ra ção de 62 biografias de dirigentes da CRB (d u as o u tra s foram realizadas


através da rec u p eração de inform ações diversas), co n su ltam o s 89 n o tas biográficas — 33
do D icionário histórico-biográfico brasileiro (Beloch e A breu, 1983) e 28 do Repertório
biográfico dos deputados brasileiros, 21 em publicações com o Q uem é quem no Brasil, Who's
who in Brazil e W ho’s who in L atin Am erica (H ilto n , 1971), e sete em n ecrológios ou o u ­
tros. Juntos, os d ic io n ário s históricos e políticos rep resen tam 68,5% das fontes que u tiliza­
m os c o n tra 23,5% de d icio n ário s “de sociedade”, o que tra d u z o viés acen tu ad a m en te “p o ­
lítico” da am o stra. O s n ú m e ro s se invertem p ara os rep resen tan tes d a SRB, o n d e 27 das
biografias elaboradas foram baseadas em 30 notas biográficas (21% ou 70% delas publicadas
nos W ho’s who brasileiro e latin o -am e rica n o ).
21 Nossa escolha não se fez ao acaso; em face do problem a fundam ental da falta de inform ações
gerais sobre as carreiras desses dirigentes, analisamos aqueles que estiveram no centro do m o ­
vim ento de representação patronal rural nos anos 1945-67 e cujas notas biográficas d isponí­
veis, parciais ou integrais, nos possibilitavam reconstituir as estratégias profissionais e/ou polí­
ticas. Nossa escolha não é, pois, aquela que poderia garantir m aior “confiabilidade sociológica”,
u m a vez que nossa am ostra foi construída através de procedim entos não aleatórios de seleção,
sujeita, portanto, à intervenção de critérios que não controlávam os. Se decidim os interessar-
nos pelo estudo de dirigentes previam ente “selecionados” p o r fontes do tipo W ho’s who — um
procedim ento im posto pelo caráter esparso ou incom pleto de outros docum entos — , é preciso
reconhecer o quanto esta pré-seleção “editorial” pode orientar o resultado de nosso trabalho.
C om efeito, o que aparece no W ho’s who ou nos dicionários biográficos — notoriedade pú b li­
ca, laços familiares, riqueza, influência política, excelência profissional — constitui capitais
que não se encontram igualm ente distribuídos ou disponíveis ao conjunto de dirigentes. As­
sim, a terça parte de dirigentes incluídos na am ostra possuí^ provavelm ente capitais mais im ­
portantes que as duas terças partes restantes, ao m enos no que se refere a seu capital político de
tipo predom inantem ente “nacional”. Realizamos u m a escolha difícil, mas ponderada, entre o
estudo de um grupo restrito e único, um a elite da elite dirigente, sobre o qual podíam os estabe­
lecer um perfil, e aquele de um a am ostra talvez mais “representativa” do conjunto dos dirigen­
tes patronais, m as cuja exeqüibilidade era rem ota.
132 Por outra história das elites

E n tre o s d irig e n te s o r iu n d o s d a C o n fe d e ra ç ã o R u ra l B ra s ile ira , 55 d o s 64 d ir i­


g e n te s a n a lis a d o s (8 5 ,9 % ) p o s s u e m d ip lo m a d e e s tu d o s s u p e rio re s , d o is d eles p o s ­
s u in d o , in c lu siv e , u m a se g u n d a titu la ç ã o u n iv e rs itá r ia .22 E n tre esses 57 d ip lo m a d o s ,
23 ( 4 0 , 3 5 %) h a v ia m e s tu d a d o d ire ito ; 17, a g ro n o m ia ; o ito , m e d ic in a ; seis e ra m e n ­
g e n h e iro s ; d o is, z o o te c n is ta s e u m h a v ia c o m p le ta d o o u tr a fo rm a ç ã o . O s n ú m e ro s
são d ife re n te s n o q u e ta n g e à SRB. E n tre os re p re s e n ta n te s d a e lite f u n d iá r ia p a u lista ,
o d ip lo m a s u p e r io r p a re c e se n siv e lm e n te m e n o s im p o r ta n te : a p e n a s 17 d o s 27 r e ­
p r e s e n ta n te s e s tu d a d o s (6 2 ,9 % ) h a v ia m c o n c lu íd o e s tu d o s s u p e rio re s ; ta m b é m a q u i,
d o is p o s s u ía m d u p la fo rm a ç ã o u n iv e rs itá ria . D esses 19 d ip lo m a s , 12 e ra m de d ir e i­
to ; as f o rm a ç õ e s m é d ic a , a g ro n ô m ic a e de e n g e n h a ria p o s s u ía m ca d a u m a d o is r e ­
p r e s e n ta n te s , ao p a s so q u e u m d ir ig e n te re a liz a ra o u tr o p e rc u rs o u n iv e rs itá r io n ã o
id e n tific a d o .
C o m f o rm a ç ã o “ i n f e r i o r ” à q u e la d o s r e p r e s e n ta n te s d a C R B , os d ir ig e n te s da
SRB re v e la m , n o e n ta n to , m a io r id e n tif ic a ç ã o c o m a su a re g iã o : 12 d e le s r e a liz a ­
r a m e s tu d o s n o p r ó p r io e s ta d o de São P a u lo , n a m a io r p a r te d o s c a so s n a F a c u ld a ­
d e de D ir e ito de S ão P a u lo ; tr ê s e s tu d a r a m n o e x te r io r , s o b r e tu d o n o s E sta d o s
U n id o s ; d o is n o R io d e Ja n e iro , e n tã o c a p ita l fe d e ra l; e n fim , as in f o r m a ç õ e s so b re
u m ú ltim o r e p r e s e n ta n te , c u jo lo c a l de f o rm a ç ã o fo i im p o s s ív e l p re c is a r, in d ic a m
c o m o p ro v á v e l re g iã o d e fo rm a ç ã o ta m b é m o e s ta d o d e S ão P a u lo . O b s e rv e m o s
q u e essa “p e q u e n a ” ta x a d e d ip lo m a d o s e n tre os d ir ig e n te s d a SRB n ã o p a re c e , em
p r in c íp io , in d ic a r u m m o d e lo de c a r r e ir a o n d e a e s tra té g ia e s c o la r e s te ja d e lib e ­
r a d a m e n te a u s e n te , m a s s im p le s m e n te a p o n ta se u c a r á te r m e n o s d e c isiv o q u e e n ­
tr e os d ir ig e n te s m a is “p o lít ic o s ” c o m o os d a C R B .23 Se o s n ú m e r o s d ife re m b a s ­
ta n te q u a n d o tr a t a m o s d a CR B, é p o r q u e se tr a t a d e u m a e n tid a d e q u e é a e s t r u t u ­

22 A penas a títu lo de com paração, e guardadas todas as ressalvas de o rd em m etodológica,


le m b ram o s os n ú m e ro s levantados p o r Sylvain M aresca relativos ao capital escolar dos
dirigentes cam poneses franceses: em um a popu lação de 175 d irig en tes nacionais, 67%
haviam realizado estudos secundários, 41% tin h a m o b tid o o baccalauréat e apenas 37%
chegado ao en sin o superior.
23 É certo que neste caso se observa o efeito da so b re-rep resen tação , em nossa am o stra, de
u m estra to de gran d es fazendeiros paulistas, aqueles qu e os d ic io n ário s biográficos “de
sociedade” escolhem re tra ta r em razão de suas carreiras de p ro jeção p red o m in a n te m e n te
econôm ica e privada. A ssim , n u m extrem o oposto, o estra to de rep rese n tan tes da SRB
m enos m a rcad o s p o r seu capital econôm ico e m ais p o r seu capital p o lítico exclusivam ente
regional — n o caso, os d ep u tad o s exercendo m an d ato s na assem bléia estad u al — escapa à
nossa grade excessivam ente d ep e n d en te dos critério s de seleção das n o tas biográficas co n ­
sultadas. É preciso ter em m ente que nossa análise é sem p re in flu en ciad a pelas condições
p articu lares de co n stitu ição de nossas fontes básicas, seja os d icio n ário s histó rico s p o líti­
cos, seja os d ic io n ário s “de sociedade”.
Elites rurais entre representação e política 133

ra s u p e r io r e d ir e tiv a d e u m s is te m a n a c io n a l d e r e p r e s e n ta ç ã o , c u jo c o r p o d i r i ­
g e n te e s tá , p o is , r e g io n a lm e n te d is p e rs o . É n o R io d e Ja n e iro , a c a p ita l fe d e ra l, q u e
os d ir ig e n te s da C o n f e d e r a ç ã o r e a liz a r a m p r io r i ta r ia m e n t e se u s e s tu d o s (3 1 ,5 % ).
E sse n ú m e r o é b a s ta n te sig n ific a tiv o , u m a v ez q u e a p e n a s 9 ,3 % d o s d ir ig e n te s e ra m
o r ig in á r io s d a q u e le e s ta d o e a p e n a s 6 ,2 % a li d e s e n v o lv ia m a tiv id a d e s p r o f is s io ­
n a is .24 E ssa s o b r e - r e p r e s e n ta ç ã o d o R io d e J a n e iro p o d e se r e x p lic a d a p e la p a r t i c i ­
p a ç ã o d e d ir ig e n te s filh o s d e p a r la m e n ta r e s e a lto s f u n c io n á r io s n a c io n a is q u e,
m e s m o g u a r d a n d o f o rte v ín c u lo re g io n a l, c o n s tr u í r a m c a r r e ir a s p ú b lic a s n a c a p i­
ta l fe d e ra l a p a r t i r d e 1930.
O s e g u n d o e s ta d o em im p o r tâ n c ia na fo rm a ç ã o u n iv e rs itá ria d o s d irig e n te s é São
P au lo , co m 12 d ip lo m a d o s (2 1 % ). Recife, ca p ita l d o e sta d o de P e rn a m b u c o e “c a p ita l”
c u ltu ra l e p o lític a d a reg iã o N o rd e ste , vem em te rc e iro lu g ar, co m sete d ip lo m a d o s ;
se g u e m -se trê s o u tr o s g ra n d e s e sta d o s q u e ta m b é m e ra m c e n tro s u n iv e rs itá rio s re g io ­
nais: M in a s G erais (c o m q u a tro d ip lo m a d o s ), B ah ia e R io G ra n d e d o Sul (c o m três
ca d a u m ).

Id e n tid a d e s pro fissio nais

E m u m te x to q u e r e to m a re su lta d o s de trê s ex ten so s e stu d o s sin c rô n ic o s so b re


elites p o lític a s re g io n a is n o B rasil, Jo seph Love e B ert B a ric k m a n n o s in fo rm a m que,
e n tre 1889 e 1937, d o is te rç o s d a elite p o lític a b ra sile ira e ra m c o m p o s to s p o r a d v o g a ­
dos; a m é d ia d o n ú m e ro de p ro fissõ es p o r in d iv íd u o dessas elites e ra d e 2,5 e d e q u ase
3 e n tre a elite p a u lis ta (“p o lític o ” n ã o se c o n ta b iliz o u p a ra este e fe ito ).25 P ara os a u to ­
res, “o p e q u e n o n ú m e ro de d ip lo m a d o s u n iv e rsitá rio s fazia fre n te [à ép o c a] a u m n ú ­
m e ro m u ito elev a d o de d e m a n d a s e de o p o r tu n id a d e s p a ra q u e estes p e rm a n e c e sse m
c o n fin a d o s em a p e n a s u m a c a rre ira , o q u e os levava a m u ltip lic a r o c a m p o d e a tiv id a ­
d e s”.26 A in d a , essa m é d ia é m u ito p ró x im a d a q u e la q u e o ferece M ic h ae l C o n n iff (2,4)
em e s tu d o so b re a elite p o lític a b ra s ile ira .27 E m n o ssa p e sq u isa so b re os d irig e n te s

24 Para efeitos da análise, reag ru p am o s o estado do Rio de Janeiro e o D istrito Federal


(o n d e estava a cidade do Rio de Janeiro), que se en co n trav a em seu interior.
25 Love e B arickm an, 1991.
26 Ibid., p. 7. Os au to res a p o n ta m que, p o r volta de 1940, apenas u m a em 370 pessoas n u m
c o n ju n to destes três estados (São Paulo, M inas G erais e P ern am b u co ) p o ssu ía títu lo u n i­
v ersitário , o que significa q u e a p ro b a b ilid a d e de u m m e m b ro d a elite am p lia d a ser
d ip lo m ad o p o r u m a u n iversidade era 345 vezes m a io r do qu e em relação ao cidadão co ­
m u m (dados ed ucacionais e o cupacionais referentes ao censo de 1940).
27 C onniff, 1991.
134 Por outra história das elites

p a tro n a is ru ra is , essa m é d ia é u m p o u c o in fe rio r: 2,1 p ro fissõ es p o r in d iv íd u o , cifra


id ê n tic a p a ra os d irig e n te s d a CRB o u da SRB.28
N o q u e se refere à p ro fis sã o o u o c u p a ç ã o (n ã o foi feita d is tin ç ã o e n tre essas c a te ­
g o ria s), aq u e la s q u e a p a re c e m co m m a io r fre q ü ê n c ia e n tre os d irig e n te s d a CRB são as
d e a g ric u lto r (5 0 % ), ad v o g a d ^ (3 5 ,9 % ), a g rô n o m o (2 6 ,5 % ), in d u s tria l (1 7 ,1 % ), f u n ­
c io n á rio (1 4 % ), m é d ic o (1 2 ,5 % ), e n g e n h e iro (9 ,3 % ), p ro fe s so r (1 2 ,5 % ) e jo rn a lis ta
(1 0 ,9 % ).29 O s d irig e n te s d a SRB são, em su a m a io ria , d e p o is d e a g ric u lto re s, ad v o g a ­
d o s (4 0 ,7 % ) e in d u s tria is (1 8 ,5 % ).
C o m o p o d e m o s c o n s ta ta r, e n c o n tra m o s u m a m a io ria de “p r o p r ie tá r io s ” e n tre os
d irig e n te s d a SRB, além d o fato de q u e n ão e n c o n tra m o s f u n c io n á rio s e n tre seu s d ir i­
g en tes (eles são 14% n a C R B ); a m é d ia de p ro fissõ es q u e p o d e r ía m o s c o n s id e ra r “s o c i­
a lm e n te s u p e rio r e s ” é de 1,18 (SRB) c o n tra 0,76 (C R B ).30

28 Sobre a questão das m últiplas profissões en tre os m em b ro s das elites brasileiras, vale
le m b rar as palavras de Sérgio B uarque de H olan d a, em seu ensaio clássico Raízes do Brasil:
“A inda hoje são raros, no Brasil, os m édicos, advogados, en g en h eiro s, jo rn alistas, p ro fes­
sores, fu n cio n á rio s que se lim item a ser hom ens de sua profissão. Revem os c o n sta n te m e n ­
te o fato o b servado p o r B urm eister nos com eços de nossa vida de nação livre: ‘N inguém
aqui p ro c u ra seguir o curso n a tu ra l da carreira iniciada, m as cada q u al alm eja alcançar aos
saltos os altos p o sto s e cargos rendosos: e não raro co nseguem ’. ‘O alferes de lin h a’, dizia,
‘sobe aos pulos a m a jo r e a coronel da m ilícia e cogita, depois, em v o ltar p ara a tro p a de
linha com essa graduação. O fu n cio n á rio público esforça-se p o r o b te r a colocação de e n ­
genheiro e o m ais ta len to so engenheiro m ilitar ab a n d o n a sua carreira p ara o cu p a r o cargo
de a rrec ad ad o r de d ireito s de alfândega. O oficial de m a rin h a asp ira ao u n ifo rm e de chefe
de esquadra. O c u p a r cinco o u seis cargos ao m esm o te m p o e não exercer n e n h u m é coisa
n ad a ra ra ”’ (H o lan d a , 1995:156).
29 Em u m estu d o a m p lam en te conhecido sobre re c ru ta m e n to p a rla m e n ta r federal no p e ­
ríodo 1946-65, D avid Fleischer, trab a lh an d o com u m a p o p u lação de 1.047 d ep u tad o s fe­
derais brasileiros, e n c o n tro u 14,2% de advogados ou m ag istrad o s, 13,2% de profissionais
da saúde (so b re tu d o m édicos), 11,3% de fu ncion ário s, 10,2% de p rofissionais de im p re n ­
sa, 10,1% de com erciantes e financistas, 9,7% de professores, 9,1% de ag ricu lto res, 7,9%
da in d ú stria , 4,8% de m ilitares, 9,5% exercendo o u tras profissões. P ara c o m p o r este g ru p o
e resolver o p ro b lem a colocado pelas carreiras com m ú ltip las profissões, Fleischer decidiu
deter-se apenas na o cupação prin cip al, o que explica, so b retu d o , a provável subestim ação
do n ú m e ro de advogados o u de agricultores. O p ró p rio a u to r a firm a que, no p erío d o 1945-
75, m ais da m e ta d e dos p a rla m e n ta re s brasileiros (51,2% ) p o ssu ía d ip lo m a de d ireito
(Fleischer, 1979:5).
30 C o n sid eram o s aqui “p ro p rie tá rio s” ou “socialm ente su p e rio r” as categorias de b a n q u e i­
ro, ag ricultor, in d u stria l e com erciante e a m édia o b tid a co rresp o n d e ao c o n ju n to dos d iri­
gentes estudados, 27 p ara a SRB, e 64 para a CRB.
Elites rurais entre representação e política 135

P r e s e n ç a c o m p a r a d a de p r o f i s s õ e s r e p r e s e n t a d a s e n t r e os d i r i g e n t e s
d a s du as e n t i d a d e s p a t r o n a i s *

Profissão CRB % SRB %

A g rô n o m o 17 26,5 2 +
A dvogado 23 35,9 11 40,7
B a n q u e iro 3 4,6 3 11,1
A g r ic u lto r * * 32 50 21 77,7
F u n c io n á rio 9 14 0 0,0
In d u s tria l 11 17,1 5 18,5
E n g e n h e ir o 6 9,37 2 7,4
Jo r n a lis t a 7 10,9 2 7,4
M é d ic o 8 12,5 3 11,1
M a g is tr a d o 1 1,5 1 3,7
C o m e r c ia n t e 3 4,6 3 11,1
P r o fe s s o r 8 12,5 3 11,1
O u tra 9 14 2 7,4
Total 137 100 58 100
* Percen tagem dos dirigentes da C R B (n = 64) e da S R B (n = 27) que exerciam ou declaravam
ex ercer a profissão.
** C ate g o ria com posta onde incluím os fazendeiro, grande p ro p rietário fundiário, lavrador,
em presário ag rícola.

F ato c u rio s o , em se tr a ta n d o de d irig e n te s p a tro n a is ru ra is , d ire ta m e n te lig ad o s,


p o r ta n to , à defesa e ao s in te resse s da p ro p rie d a d e fu n d iá ria , a p e n a s u m em ca d a dois
d irig e n te s d a CRB d e c la ra -se o u é re c o n h e c id o , em su a b io g ra fia , c o m o faz en d eiro ,
p r o d u to r ru ra l, p r o p rie tá rio de te rra s o u o u tr a d e n o m in a ç ã o e q u iv a le n te , e n q u a n to
m a is de trê s em ca d a q u a tro d irig e n te s d a SRB se re c o n h e c e m o u são re c o n h e c id o s
nessas c a te g o ria s. E sta in fo rm a ç ã o p arece in d ic a r u m a id e n tific a ç ã o p re fe re n c ia l dos
re p re s e n ta n te s d a CRB o u d o m o d e lo c o rp o ra tiv is ta o ficial co m as c a rre ira s u rb a n a s
o u u n iv e rs itá ria s em d e trim e n to das p ro fissõ es d o m u n d o ru ra l, s o b r e tu d o a de a g ri­
cu lto r. C o m efeito, são m u ito s os casos de d irig e n te s cu ja ex ib içã o d o títu lo de ad v o g a ­
d o “e s c o n d ia ” u m a c a rre ira e s se n c ia lm e n te r u ra l e ag ríc o la. M e sm o se, c o m o v erem o s
em se g u id a, o p e rfil das e q u ip e s d irig e n te s ( s o b re tu d o n o q u e se re la c io n a à CR B) é
u r b a n o — alto s f u n c io n á rio s , in d u s tria is , p ro fissõ es lib e ra is, p a rla m e n ta re s e d irig e n ­
tes p o lític o s n a c io n a is — , n ã o p o d e m o s ig n o r a r a o rig e m ig u a lm e n te r u ra l dessa re ­
p re se n ta ç ã o . Se é v e rd a d e q u e ela se m a n ife sta de m a n e ira m a is su til e n tre os r e s p o n s á ­
veis d a CRB, e n tre os d irig e n te s da SRB h á u m a ev id e n te lig ação co m c e rta id e n tid a d e
“a ris to c r á tic a ” ru ra l. E sse n c ia lm e n te “p o lític a s ”, as b io g ra fia s d o s p rim e iro s p are cem
te r rele g ad o a faceta a g ríc o la de suas ca rre ira s a u m se g u n d o p la n o .
As d e fin iç õ e s q u e en v o lv em a p ro fissão ag ríc o la são p a r tic u la rm e n te co m p lex as.
C o m efeito, m e sm o q u e fa ze n d e iro tr a d u z a u m a re p re se n ta ç ã o m ais “fu n d iá r ia ” e “p o ­
lític a ”, e lavrador o u criador ex p re ssem u m a c o n d iç ã o s o b re tu d o “e c o n ô m ic a ”, vê-se
c o m fre q ü ê n c ia esses te rm o s serem u sa d o s p a ra q u a lific a r a a tiv id a d e de u m m e sm o
in d iv íd u o . N o te -se ta m b é m q u e o em p re g o de n o v as d e n o m in a ç õ e s , c o m o “e m p re s á ­
Por outra história das elites

rio agrícola” não sig n ific a u m a r u p tu r a co m as re p re se n ta ç õ e s tra d ic io n a is q u e c o n ti­


nuam sendo u tiliz a d a s.

Vínculo regio nal e re p re se n ta çã o

As cifras s o b re o rig e m d o s re p re se n ta n te s in d ic a m o p eso a c e n tu a d a m e n te re g io ­


nal da defesa d o s in te resse s a g rá rio s. A CRB re c ru ta d irig e n te s em d ife re n te s regiões
do p aís — e m b o ra co m m a io ria o r iu n d a dos g ra n d e s e s ta d o s 31 — , e n q u a n to a SRB o
faz q u ase e x c lu siv a m e n te em su a p r ó p ria região : 24 d o s 27 d irig e n te s e s tu d a d o s (o u
88,8% d o to ta l) p ro v in h a m d o e stad o de São P au lo e d o is o u tro s d o v iz in h o e stad o de
M in a s G erais. C o m refe rê n c ia à reg ião o n d e in ic ia ra m su as c a rre ira s p ú b lic a s o u p r i­
v adas, a m a io ria de d irig e n te s da CRB estava d isp e rsa n o p aís (c o m a exceção d o e s ta ­
d o de São P au lo , q u e c o n c e n tra 12 dos 64 d irig e n te s e s tu d a d o s ), ao p asso q u e, em 13
casos, u m a clara id e n tific a ç ã o q u a n to à o rig em g eo g rá fic a n a tr a je tó r ia p ro fissio n a l
n ão p o d e ser o b tid a . Q u a n to à S o cie d ad e R u ral B rasileira, os n ú m e ro s são in q u e s tio ­
náveis: to d o s os 27 d irig e n te s e stu d a d o s d esen v o lv iam su as a tiv id a d e s n o e stad o de
São P aulo.
E n tre os d irig e n te s d a CRB, 62,5% d e ra m in íc io a su as c a rre ira s em seu e stad o de
o rig e m , 17,1% em o u tro s e sta d o s q u e n ã o o seu e s ta d o de o rig e m o u o D is trito F ed e­
ral; os 20,3% o u tr o s c o n s titu ía m u m g ru p o de re p re s e n ta n te s p o lític o s o rig in á rio s de
d ife re n te s reg iõ e s d o país e in sta la d o s n a ca p ita l fed e ra l (em v á rio s casos, tra ta -s e de
filhos de p a rla m e n ta re s o u de alto s fu n c io n á rio s d o E sta d o ). O s d irig e n te s d a SRB n ão
rev elam , de su a p a rte , u m g ra u ín fim o de m o b ilid a d e esp ac ial em su as c a rre ira s: 88,8%
deles p e r m a n e c e r a m e c o n ô m ic a e p ro fis sio n a lm e n te lig a d o s ao seu e sta d o d e o rig em ,
São P aulo.
O local o n d e fo ra m realizados os estu d o s se cu n d á rio s e u n iv e rsitário s c o n stitu i o u tro
in d ic a d o r de m o b ilid a d e a ser levado em conta: en tre os d irig e n tes d a C o n fed e raçã o
R ural B rasileira, 25 dos 46 d ip lo m a d o s cujo p e rc u rso esco lar p ô d e ser refeito se g u ira m
estu d o s se c u n d á rio s e u n iv e rsitá rio s em seu estad o de o rig em , e os 21 resta n te s o fizeram
em o u tro s estad o s. Essa m o b ilid a d e b a sta n te significativa p o d e ser ex p licad a pelo c u id a ­
d o das fam ílias de elite em in teg rar, n a fo rm a çã o de seus filhos, in stitu iç õ e s u n iv e rsitária s
de m a io r p restíg io , co m o a F acu ld ad e de D ireito de São P au lo o u do Recife, a Escola

31 E ntre os 64 dirig entes estu d ad o s, 12 eram paulistas (18,7% ), sete m in eiro s, sete gaúchos,
seis flum inenses, seis p ern a m b u ca n o s, q u atro cearenses e três baian o s. N ote-se que dois
paulistas d irig iram a CRB entre 1952 e 1967: A lkindar M o n teiro Ju n q u e ira (seg u n d o p re ­
sidente da en tid ad e ) e íris M einberg. D eve-se, co n tu d o , an alisar estes d ad o s com certa
cautela: há u m a clara dispersão dos dirigentes da CRB q u an to à origem regional p o r força
m esm o de seu sistem a federativo de representação.
Elites rurais entre representação e política 137

N ac io n al de M e d icin a d o Rio de Janeiro o u , ain d a, as Escolas S u p erio re s de A g ricu ltu ra


de P iracicab a, n o e stad o de São Paulo, o u de V içosa, n o e stad o d e M in a s G erais. Bem
p o u c o “m ó v e is”, ao c o n trá rio , os rep rese n tan tes d a SRB ra ra m e n te d eix am seu estado
p a ra realizar seus estu d o s. A qui, p erc eb em -se d eslo ca m en to s n ão de u m estad o a o u tro ,
m as de u m a cid ad e a o u tra . D e 12 (sobre 19) d irig e n tes d ip lo m a d o s so b re os q u ais foi
possível refazer o c o n ju n to d o p e rc u rso escolar, cinco rea liza ram estu d o s se cu n d á rio s e
u n iv e rsitá rio s n a m e sm a cidade, n o caso São Paulo.

P o lític a

O s d irig e n te s d as e n tid a d e s p a tro n a is a p re se n ta m fo rte c o n c e n tra ç ã o d e ca p ita l


so cial e p o lític o , s o b r e tu d o aq u e le s d a C o n fe d e ra ç ã o R u ral B rasile ira . C o n tra ria m e n te
à S o cie d ad e R u ra l B rasile ira , q u e seguia as lin h a s g erais d a p o siç ã o d as elites p a u lista s
d esd e a c h e g a d a de V argas ao p o d e r, a C o n fe d e ra ç ã o R u ral p o s su ía u m b o m n ú m e ro
de d irig e n te s q u e c o m p u n h a m o esta b lish m e n t p o lític o o rig in a d o n o m e sm o p ro ce sso
a m p lo q u e le v a ra V argas ao p o d e r e q u e c o n s o lid a ra su a in flu ê n c ia n o p e río d o p ó s-
1930. Isso n ã o im p lic o u , p o ré m , a lin h a m e n to às in ic ia tiv a s p o lític a s d o c a m p o var-
guista: de 40 d irig e n te s (e n tre 64 e s tu d a d o s) so b re os q u ais p u d e m o s id e n tific a r filiação
p o lític a , to d o s p a rla m e n ta re s fed erais o u estad u a is, 17 p e rte n c ia m à U n iã o D e m o c rá ­
tic a N a c io n a l ( U D N ), o g ra n d e p a r tid o lib e r a l- c o n s e r v a d o r de o p o s iç ã o ao b lo c o
v a rg u ista , e 14 ao P a rtid o S ocial D e m o c rá tic o (P S D ), p rin c ip a l a p o io d este m e sm o
b lo c o e n tre os p a r tid o s , re u n in d o g ra n d e s p ro p rie tá rio s e n o tá v e is locais.
À exceção de q u a tro re p re se n ta n te s d o P a rtid o T ra b a lh ista B rasile iro (P T B ), os
d irig e n te s da CRB p e rte n c ia m a fo rm a ç õ e s q u e se situ a v a m a b e rta m e n te à d ire ita o u à
c e n tr o -d ire ita n o c e n á rio p o lític o n a c io n a l, c o n s titu in d o u m b ra ç o p a r la m e n ta r im ­
p o r ta n te p a ra a e n tid a d e . A ssim , d u r a n te o p e río d o a n a lis a d o (1 9 5 1 -6 7 ), a CRB c o n ­
to u , em seus q u a d ro s d ire tiv o s, co m 29 d e p u ta d o s fed erais e o ito se n a d o re s, além de
20 o u tro s d e p u ta d o s de assem b léias e s ta d u a is.32 E m te rm o s d a c o m p o siç ã o d a c a rre ira
p o lític a , 13 f o ra m d e p u ta d o s e s ta d u a is e d ep o is fed erais, três d e p u ta d o s e s ta d u a is, fe­
d era is e d e p o is se n a d o re s, e o u tro s d o is d e p u ta d o s fed erais e se n a d o re s. C o n s id e ra n d o
q u e trê s o u tr o s d irig e n te s e x e rceram ap e n a s m a n d a to s d e se n a d o r, o n ú m e ro d e d e p u ­
ta d o s q u e n ã o e x e rc e ra m n e n h u m o u tr o p o s to p o lític o e s ta d u a l o u fed e ra l além de

32 Se estam os certos dos n ú m e ro s referentes aos d ep u tad o s e senadores da CRB en tre 1951
(sua fu n d ação ) e 1967, o m esm o não acontece com os n ú m e ro s aq u i ap resen tad o s relati­
vos aos d e p u ta d o s estaduais, que, acreditam os, esteja su b estim ad o : nossa análise, qu e trata
apenas de 64 dos 194 dirigentes nacionais, desconhece p ro v avelm ente os d ad o s sobre res­
ponsáveis p atro n a is estaduais cujas carreiras políticas regionais n ão receb eram a atenção
dos d icio n ário s biográficos nacionais consultados.
138 Por outra história das elites

d e p u ta d o à C â m a ra F ed era l cai p a ra 11. N o to ta l, a m a io ria d o s 29 d e p u ta d o s fed erais


q u e o c u p a r a m p o siç õ e s de d ireç ão n a CRB n o p e río d o foi de p a rla m e n ta re s “d u r á ­
v eis”, u m a vez q u e 12 deles a s su m ira m dois m a n d a to s , trê s o u tr o s trê s m a n d a to s e
q u a tro e x e rc e ra m q u a tro o u m a is m a n d a to s n a C â m a ra F e d e ra l.33 O s 29 d irig e n te s-
d e p u ta d o s d a CRB a c u m u la ra fh a té o final d o s a n o s 1960 m a is d e 60 m a n d a to s na
C â m a ra .
A a lta ta x a d e r e c o n d u ç ã o e n tre p a r la m e n ta r e s n ã o é e s tr a n h a à su a in c o r p o r a ­
çã o às in s tâ n c ia s d ire tiv a s d a e n tid a d e . C o m efeito , m u ito s d eles u tiliz a ra m su a c o n ­
d iç ã o de p a r la m e n ta r p a r a a v a n ç a r as teses d a CRB, s o b r e tu d o q u a n d o d o s tr a b a lh o s
d as c o m issõ e s e n c a rre g a d a s d a d e fin iç ã o d a p o lític a f u n d iá r ia , d a r e fo rm a a g rá ria
o u d a p o lític a a g ríc o la . U m a c o n s u lta às b io g ra fia s d e d irig e n te s p e r m itir ia c o m p r e ­
e n d e r o fo rm id á v e l tr u n f o q u e c o n s is tia p a r a a e n tid a d e a c o o p ta ç ã o e a p e r m a n ê n ­
cia e m se u s q u a d r o s d ire tiv o s desses d irig e n te s m a is “p o lític o s ”. P o d e m o s , é ce rto ,
e m itir d ú v id a s so b re as e v e n tu a is v a n ta g e n s e le ito ra is q u e p o d e r ia m r e s u lta r d a p a r ­
tic ip a ç ã o a s so c ia tiv a e p ro fis s io n a l desses in d iv íd u o s : a CRB n ã o p o d e r ia se r c a r a c ­
te riz a d a c o m o u m a v itr in a p a r tic u la r m e n te ú til a p a r la m e n ta r e s já o c u p a n d o p o s i­
çõ es de d e s ta q u e n a v id a p ú b lic a n a c io n a l e, p o r ta n to , p o u c o d e p e n d e n te s d e e s tr a ­
té g ias d e sim p le s re c o n d u ç ã o de seu s m a n d a to s . P o r o u tr o la d o , a e n tid a d e d e p e n d e
e m m u ito d esses d irig e n te s “v isív e is” e co m liv re tr â n s ito n a p o lític a fe d e ra l. P o u co
in c lin a d a à m o b iliz a ç ã o m a c iç a de su as b ases re g io n a is, a C o n fe d e ra ç ã o f u n d a v a su as
e s tra té g ia s de r e p r e s e n ta ç ã o p ro fis s io n a l n a c a p a c id a d e d e m a n te r p re s e n ç a p e r m a ­
n e n te n o s c e n tr o s d e c is ó rio s e de se fazer o u v ir lá o n d e r e p e rc u tia m os g ra n d e s p r o ­
je to s n a c io n a is — s o b r e tu d o a r e fo rm a a g rá ria — e o n d e s e ria m r e in te r p r e ta d o s à
lu z d o jo g o de fo rç a s p o lític a s .34
A p a rtic ip a ç ã o d a SRB n esse jo g o é m e n o s ev id en te . A p en a s c in c o 35 d o s 27 d ir i­
g en tes e s tu d a d o s f o ra m d e p u ta d o s federais e q u a tro fo ra m d e p u ta d o s à assem b léia
e sta d u a l. Isso n ã o sig n ific a d iz e r q u e a SRB n ã o p a rtic ip a v a d e u m a ló g ica se m e lh a n te :
g raças à su a id e n tid a d e re g io n a l, a SRB a p ro p ria v a -s e , so b re tu d o , d o p eso p o lític o da

33 Para esses dirigentes p atro n a is de perfil político, o fato de assu m ir u m m a n d ato federal
parece te r sido, com freqüência, um dos requisitos p ara o acesso às in stân cias n acionais da
CRB: 19 se to rn a ra m dirigentes após obter m a n d ato com o d ep u tad o , três o u tro s com o
sen ad o r e cinco co m o d e p u ta d o s estaduais. De fato, dois terço s dos d ep u tad o s federais que
o cu p a ram funções diretivas na CRB aí chegaram após terem sido investidos em seus m a n ­
d atos p arla m en tares.
34 P ara u m a descrição d etalh ad a do extenso rol de com issões e agências públicas onde
tin h a assento a CRB, ver H einz (1998b:406,n.l05).
35 E ntre os dirigentes da SRB, apenas dois eram d ep u tad o s federais n o m o m e n to de sua
in c o rp o raç ão à d ireção da entidade.
Elites rurais entre representação e política 139

b a n c a d a re g io n a l p a u lis ta n a C â m a ra F ed era l,36 e isso e s p e c ia lm e n te em m a té ria de


p o lític a a g ríc o la p a r a os se to re s d o café e d o alg o d ão , q u e s tõ e s p a ra as q u a is ela c o n ta ­
va a in d a c o m a m o b iliz a ç ã o de p a rla m e n ta re s d o s e sta d o s v iz in h o s p r o d u to re s e dos
p a rla m e n ta re s q u e fo rm a v a m o “b lo c o ru ra lis ta ” n a C â m a ra d o s D e p u ta d o s .
N ã o é a p e n a s n as in stâ n c ia s d o P o d e r L egislativo q u e as e n tid a d e s p a tro n a is e n ­
c o n tra m seus a p o io s p o lític o s. A ssim , n o p e río d o e s tu d a d o , 29 d irig e n te s (4 5 ,3 % ) da
CRB o c u p a r a m fu n ç õ e s à fre n te de u m a se c re ta ria e s ta d u a l — co m fre q ü ê n c ia , a p asta
d a A g ric u ltu ra — e m e n o r n ú m e ro co m o d ire to re s de u m a ag ê n cia o u d e p a r ta m e n to
e s ta d u a l o u fed e ra l lig a d o ao setor. Se, e n tre as fu n çõ e s d e s e m p e n h a d a s n o s alto s esca­
lões d o E xecutivo, a s e c re ta ria de e sta d o é a fu n ç ã o ex ecu tiv a m a is fre q ü e n te e n tre os
d irig e n te s d a SRB (sete casos em 27), a e n tid a d e p a u lis ta a p re s e n ta , c o n tu d o , u m p erfil
p o lític o - a d m in is tra tiv o m e n o s a c e n tu a d o : 18 o u d o is te rç o s d e seu s d irig e n te s n u n c a
e x e rc e ra m q u a is q u e r fu n ç õ e s de g o v ern o . Essa p ro p o rç ã o é b a s ta n te in fe rio r e n tre os
d irig e n te s d a CRB: a p e n a s 29 d o s 64 d irig e n te s (4 5 ,3 % ) n u n c a e x e rc e ra m ativ id a d e s
d e g o v e rn o em n ível e s ta d u a l o u federal.
D e 29 d irig e n te s q u e d e s e m p e n h a ra m fu n çõ e s d e s e c re tá rio d e e s ta d o , 14 n ão
c o n h e c e ra m o u tr a s fu n ç õ e s de g o v ern o , ao p asso q u e os d e m a is 15 d irig e n te s a s su m i­
r a m em u m m o m e n to o u o u tr o ta m b é m fu n çõ e s d e p re fe ito (seis c a so s ),37 de g o v er­
n a d o r d o e s ta d o (trê s ) o u de m in is tro ( q u a tro ), d o is e x e rc e ra m fu n ç õ e s de p refeito ,
s e c re tá rio de e sta d o , g o v e rn a d o r e m in is tro (em u m d o s caso s). F in a lm e n te , d o is d ir i­
g entes d a CRB f o ra m m in is tro s e g o v e rn a d o re s de e sta d o e o u tr o s trê s fo ra m ap e n a s
p refeito s. A CRB a c o lh e u , assim , sete m in is tro s o u e x -m in is tro s (o u 4% d o to ta l de
seus 194 d ire to re s e c o n s e lh e iro s d u r a n te o p e río d o a n a lis a d o ) e seis g o v e rn a d o re s de

36 S egundo o n ú m e ro de fevereiro de .1950 de A R ural, órgão de im p ren sa da SRB, a e n tid a ­


de recebera em 10 de ja n eiro de 1950, em sua sede, a visita da b an cad a p au lista no C o n ­
gresso N acional. D ep u ta d o s e senadores receberam , n a ocasião, “a expressão de reco n h eci­
m e n to de seus concid ad ão s lavrad o res”. O edito rial da revista re p ro d u z iu o d iscurso feito à
ocasião pelo d e p u ta d o federal A ltino A rantes (PR ), ex -p resid en te do estado de São Paulo:
“E um fato a ltam en te lisonjeiro p ara nós, q u an d o há u m a confusão geral e to d o s os espí­
ritos divergem (...) v erm os que a ban cad a deste estado, em qu e se fazem re p rese n tar to d o s
os p artid o s, se acha u n â n im e ao lado da Sociedade R ural B rasileira, p ara p leitear n o C o n ­
gresso as suas justas aspiraçõ es”. E o editorialista acrescentará: “Isto é a p o lítica, no m ais
dignifícan te se n tid o associativo (...)” (A Rural, fev. 1950).
37 É preciso lem brar as observações sobre o caráter “naciongl” de nossa am ostra, que tende, no
caso preciso, a superestim ar o núm ero de secretários de estado nos quadros da CRB. D isputar
essa função constitui de fato estratégia im portante para aspirantes a carreiras políticas nacio­
nais (por exemplo, um a eleição com o deputado federal) e nossa am ostragem se encontra, p o r­
tanto, p rejudicada pela (sobre)notoriedade dos personagens repertoriados nos dicionários b io­
gráficos, m ais representativos de carreiras políticas bem -sucedidas que outras.
140 Por outra história das elites

estad o . Esses n ú m e ro s , b a s ta n te expressivos p a ra u m a e n tid a d e re p re se n ta tiv a de in te ­


resses se to ria is, a p ó ia m a tese da p ro fu n d a im b ric a ç ã o e n tre re p re s e n ta n te s d e fa z e n ­
d e iro s, s o b r e tu d o d a CRB, e os alto s escalões d o p o d e r p ú b lic o n o Brasil.
D e su a p a rte , a SRB p arece n ã o a trib u ir a m e sm a im p o r tâ n c ia ao p e rfil p o lític o n a
esco lh a de seus d irig e n te s, já ^ p ie c o n ta n o p e río d o co m “a p e n a s ” sete m a n d a to s de
se c re tá rio s de e stad o , trê s de p re fe ito e u m de m in is tro d a A g ric u ltu ra , r e p a rtid o s e n ­
tre s o m e n te n o v e d irig e n te s o u u m te rç o d a a m o stra . A re p re s e n ta ç ã o p o lític a m e n o s
ex p ressiv a d a SRB n ã o sig n ificav a su a a u sê n c ia d o s d e b a te s q u e se tra v a v a m n o P a rla ­
m e n to e nas altas esferas d o E stado: a S o cied ad e R u ral, co m o a CRB, ac io n a v a co m
fre q ü ê n c ia u m c e rto n ú m e ro de p a rla m e n ta re s so lid á rio s a su as teses e q u e c o s tu m a ­
v am v o ta r de f o rm a a r tic u la d a , e s p e c ia lm e n te n o s te m a s d a r e fo rm a a g rá ria e da
sin d ic a liz a ç ã o c a m p o n e sa . Esse g r u p o era c o n h e c id o p e lo n o m e d e “b lo c o r u ra lis ta ”.38
S e g u n d o B e n e d ita Esteves, as relações e n tre a CRB e o P o d e r L egislativo fed eral fo ra m
c o n s tru íd a s a tra v é s d o s c o n ta to s de seus d irig e n te s — q u e e ra m ta m b é m p a r la m e n ta ­
res o u alto s fu n c io n á rio s — co m o u tro s p o lític o s n a C â m a ra F e d e ra l.39

Hom ens e e n tid a d e s

O s r e p re s e n ta n te s situ a d o s n a s p o siç õ es d e d ire ç ã o d as e n tid a d e s d as elites p r o ­


p r ie tá ria s a p re se n ta v a m u m im p o r ta n te ca p ita l social, e c o n ô m ic o e p o lític o p esso al.
P ara a lg u n s deles, era a c o m b in a ç ã o e q u ilib ra d a desses d ife re n te s c a p ita is e sua p r o je ­
ção e v a lo riz a ç ã o em u m a c a rre ira p ú b lic a q u e d e te rm in a v a m o seu p eso p o lític o e
sin d ica l. E m o u tr o s casos, foi a p re v a lê n c ia de u m tip o esp ecífico d e c a p ita l q u e asse­
g u ro u o acesso a p o sto s de re sp o n sa b ilid a d e n a e s tru tu ra sin d ic a l. N o e n ta n to , à m e d i­
d a q u e as e n tid a d e s te n ta r a m p re se rv a r u m a c a p a c id a d e de rá p id a in se rç ã o n o s c e n ­
tro s de decisão, fo ra m os cap itais social e p o lítico q u e elas v a lo riz a ra m , p rio rita ria m e n te .
P o r ú ltim o , é possív el a firm a r — ao m e n o s n o q u e se refere à CRB — q u e, se a n em
to d o fa z e n d e iro e ra m d a d a s as co n d iç õ e s p a ra ch e g ar a u m a p o s iç ã o d e re p re se n ta ç ã o
p ro fis sio n a l, alg u n s n ã o faz en d eiro s p o ssu ía m as c o m p e tê n c ia s — o p re stíg io p ú b lic o ,
as relaçõ es, a c u ltu r a — n ec essárias p a ra p a rtic ip a r d o “m e rc a d o ” d a p a la v ra e, p o r ta n ­
to, p a ra fala r em n o m e d o s fazen d eiro s.
D essa fo rm a , a rele v ân c ia e a d is trib u iç ã o d o s c a p ita is q u e g a ra n te m e le g itim a m
a aç ão d o s d irig e n te s v a ria m sig n ific a tiv a m e n te de u m a o rg a n iz a ç ã o à o u tra . Se a SRB
re c ru ta v a seus m e m b ro s m a is im p o r ta n te s p r in c ip a lm e n te n o e sta d o de São P au lo —

38 Em 1956, o bloco ru ralista era com posto, segundo lista p u b licad a n a im p re n sa associativa
{Gleba, set. 1956), p o r 64 d ep u tad o s federais (sobre u m to tal de 326), dos quais 29 do PSD,
12 do PTB, oito da U D N , seis do PSP, q u atro do PR, três do PSB, u m do PRP e u m do PDC.
39 Esteves, 1991:146.
Elites rurais entre representação e política 141

to d o s os 27 d irig e n te s da o rg a n iz a ç ã o e stu d a d o s d esen v o lv iam a tiv id a d e s p riv a d a s ou


p ú b lic a s em São P a u lo — , é ta m b é m p o rq u e era e s p e ra d o q u e estes in c o rp o ra s s e m
u m a id é ia d o p o d e r o n d e a p a rte d o “re g io n a l” é decisiva. F o rm a n d o d irig e n te s id e n ti­
ficados — e id e n tificá v eis — co m a im a g e m q u e ela p r o c u r o u d if u n d ir de asso ciação
tra d ic io n a l, e litis ta e lib e ra l, a SRB m o s tra u m p erfil tã o “f u n d iá r io ”, e c o n ô m ic o e p r i­
v ad o , c o m se u n ú c le o de ca feic u lto res, q u a n to o p erfil d e su a c o n c o rre n te d ire ta é
“p o lític o ” e g e n e ra liz a n te . P ara esta, a e s tru tu ra sin d ic a l fe d e ra tiv a h e rd a d a d o m o d e lo
v a rg u ista exigia u m a m o d a lid a d e de re c ru ta m e n to q u e ab ra n g e sse as d ife re n te s regiões
d o país. S em c o n d iç õ e s — o u in te n ç ã o — de b u sc a r su a le g itim id a d e e in flu ê n c ia na
m o b iliz a ç ã o p o lític a de u m a “b a s e ” so cial de fazen d eiro s, a e n tid a d e r e c ru to u se letiv a­
m e n te p e rso n a g e n s “n o tá v e is” da p o lític a reg io n a l, co m g ra n d e c a p a c id a d e de m o b ili­
zação c lie n te lístic a e p eso p o lític o c o n so lid a d o . D e sta rte , su a e s tr u tu r a le m b rav a u m
siste m a de re p re s e n ta ç ã o “p elo a lto ” q u e fu n cio n a v a c o m o u m a esp écie de assem b léia
de n o táv eis.

R e fe rê n cias b ib lio g rá fica s

ASSOCIAÇÃO ru ra l e po lítica eleitoral. A Rural, órgão de im p re n sa d a Sociedade Rural


Brasileira, n. 351, fev. 1950. E ditorial.
BARRETO, Á lvaro A ugusto de Borba. Aspectos institucionais e políticos da representação
das associações profissionais, no Brasil, nos anos 1930. Tese (D o u to ra d o ) — PUC-RS, Porto
Alegre, 2001.

BELOCH, Israel; ABREU, A lzira (C oords.). D icionário histórico-biográfico brasileiro 1930-


1983. Rio de Janeiro: Forense-U niversitária/FG V , 1983.

CO N N IFF, M ichael. T he n atio n al elite. I n : _________; M cCA N N , F rank. M o d em Brazil:


elites an d m asses in histo rical perspective. Lincoln: U niversity o f N ebraska Press, 1991.
ESTEVES, B enedita M aria G om es. Confederação Rural Brasileira: origem e p ro p o sta. D is­
sertação (M estrad o ) — CPDA-UFRRJ, Rio de Janeiro, 1991.
FLEISCHER D avid. As bases socioeconômicas do recrutam ento partidário, 1945-1965. C o ­
m u n icação ao S im pósio “Os p artid o s políticos no B rasil”, Rio de Janeiro: A npocs, 28-30
m ar. 1979. 22 p.
GOM ES, E duardo. Sociedade N acional de Agricultura, 90 anos. Rio de Janeiro: SNA, 1988.

H E IN Z , Flávio M. E ntre a fazenda e o plenário: os rep resen tan tes do p a tro n a to ru ra l na


p olítica brasileira dos anos 1940/1960. In: REU N IÃ O DÃ SOCIEDADE BRASILEIRA DE
PESQUISA H ISTÓ R IC A , 18., 1998. Anais... Rio de Janeiro: S ociedade B rasileira de Pes­
quisa H istórica, 1998a.

_________ Les fazen d eiro s à V heure syndicale: re p ré se n ta tio n p ro fe ssio n n e lle , in té rêts
agraires et p o litiq u e au Brésil, 1945-1967. V illen eu v e-d ’Ascq: Presses U niversitaires du
142 Por outra história das elites

S ep te n trio n , 1998b. O rig in alm en te apresen tad a com o tese de d o u to ra d o , U niversidade de


Paris X — N an terre, 1996.

__________ D o uso do W ho’s who e de o u tro s dicio n ário s biográficos na co n stru ç ão de b io ­


grafias coletivas das elites sociais e políticas do Brasil c o n tem p o rân e o . Barbaroi, Santa
C ruz do Sul, n. 10, p. 49-60, ja n .fju n . 1999.

Elites rurais: represen tação profissional e p o lítica n o Brasil, 1930/1960. A nuário


IEH S, n. 16, 2001.

HILTON, R odney (Ed.). W ho’s who in Latin Am erica. 3. ed. D etroit: B laine-E thridge-B ooks,
1971.

HOLA N D A, Sérgio B uarque de. Raizes do Brasil. [1936], São Paulo: C o m p an h ia das Le­
tras, 1995.

LOVE, Joseph; BARICKM AN, Bert. Regional elites. In: CO N N IFF, M ichael; M cCA N N ,
Frank. M odern B razil: elites an d m asses in historical perspective. Lincoln: U niversity of
N ebraska Press, 1991.

PANG, L aura Jarn agin. The state a nd agricultural clubs o f Im perial Brazil, 1869-1889. Tese
(D o u to ra d o ) — V anderbilt U niversity, 1981.

POLIA NO , Luiz M arques. A Sociedade N acional de Agricultura: resu m o h istó rico . Rio de
Janeiro: G ráfica E conôm ica, 1942.
__________ A C onfederação R ural Brasileira. A Lavoura, se t./o u t. 1951.

Q U EM é qu em no Brasil. São Paulo: Sociedade B rasileira de E xpansão C om ercial, 1948-


1967. 9 t.
REPERTÓ RIO biográfico da C âm ara dos D eputad o s, 1946-1967. In tro d u ç ã o e pesquisa
de D avid Fleischer. Brasília: C âm ara dos D eputad o s, 1981.

R ID IN G S, Eugene. B usiness interest groups in n in e tee n th -ce n tu ry Brazil. C am b rid g e:


C am bridge U niversity Press, 1994.

SCHERER, Use. Le syndicat et le changem ent de la société agraire du Rio Grande do Sul. Tese
(D o u to ra d o ) — École P ra tiq u e des H autes E tudes, Paris, 1973.

SILVA, O svaldo H idàlgo. Representación de intereses y organizaciones patronales en la agri­


cultura brasilena. Tese (D o u to ra d o ) — U niversidad de C ó rd o b a, E spanha, 1992.
STEIN, Leila. Sindicalism o e corporativism o na agricultura brasileira, 1930-1945. D isserta­
ção (M estrad o ) — PUC-SP, 1991.

WHO’S w ho in Brazil. São Paulo: W h o ’s W ho in Brazil E ditorial, 1968-1971. 3 t.

Você também pode gostar