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Simbologia e Alegoria na Linguagem


Alquímica
P . FONTES DA COSTA*

À Helena Castro Silva protagonizou o aparecimento dos pri- deiro alquimista, mais importante do
meiros laboratórios, estando na base do que propriamente alcançar a transfor-
No seu Vocabulário Português e Latino
desenvolvimento de aparelhos, procedi- mação dos metais era atingir o seu aper-
(1716), Raphael Bluteau refere-se à al-
mentos e conhecimentos práticos es- feiçoamento pessoal, a transformação
quimia como sendo "Arte occulta, esta
senciais à formação da ciência moderna da sua alma 4 . Um exemplo de uma
he particularmente a de converter qual-
( ver figuras 2 e 3) 2 . Por outro lado, a al- comparação explicita entre a Doutrina
quer metal em ouro; que se hà tal arte
quimia pode ser percepcionada como Cristã e a teoria alquímica encontra-se
no mundo, he na realidade taô oculta,
uma visão mística do mundo 3 . Neste na seguinte passagem atribuída a Nico-
que ou todos a ignorão, ou nenhum dos
contexto, a tarefa do verdadeiro alqui- las Flamel:
que a sabem, a manifesta". Deste modo,
o autor ridiculariza e denuncia o secre- mista era a de assistir a natureza no seu Behold... our Saviour... who shall eter-
tismo comum à prática da alquimia re- processo de aperfeiçoamento tendo nally unity unto him all pure and clean
cusando-se, no entanto, a negar com- como base não só a sua experiência la- souls, and will drive away all impurity
pletamente a possibilidade da existência boratorial mas também a sua dedicação and uncleaness, as being unworthy to
da pedra filosofal. Bluteau atesta, deste e inspiração divina. A sua matéria prima his divine Body. So by comparison (but
modo, alguns dos problemas da alqui- não seria tanto a que reagia nos fornos first asking leave of the Catholic, Apos-
mia mas também sugere um continua- e alambiques, mas o indivíduo que tolic and Roman Church, to speak in
do e genuíno interesse na mesma em reage sobre ele próprio. Para o verda- this manner...) see here our white Elixir,
Portugal no século XVIII. A obra Ennaea
ou Aplicação do Entendimento sobre a
figura 1 Laboratório Alquimico, David Teniers, século XVII. Teniers foi um dos artistas que
Pedra Filosofal, publicada em 1732 (1.°
tratou com mais frequência o tema da alquimia.
vol.) e 1733 (2.° vol.), é particularmente
ilustrativa desta continuada presença. É
da autoria do médico do Reino Anselmo
Caetano Munhos de Avreu e assume-se
como 'o primeiro Tratado português de
alquimia explicitamente apresentado
como tal". Na mesma, o autor insiste
sobre o carácter espiritual da alquimia.

Tal como é sugerido em Ennaea, a al-


quimia deve ser entendida como tendo
uma natureza dupla (ver figura 1). Na
realidade, ao longo do seu percurso mi-
lenar, a alquimia englobou dois aspec-
tos distintos mas complementaresl.
Uma das suas ve rt entes centralizou-se
na sua componente prática e permite
encarar a alquimia como uma arte ou
ofício no qual são estudadas as relações
e afinidades das coisas através de testes
empíricos. Neste âmbito, a alquimia

Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa.


30 I QUÍMICA

disso, a simbologia da linguagem alquí- terra como femininos). De utilização fre-


mica está intimamente ligada a uma quente eram também as associações da
concepção holística do universo, na conversão do chumbo em ouro à altera-
qual tudo estava interligado e a nature- ção do carácter humano de baixeza
za devia ser entendida como uma enti- para nobreza; a imutabilidade do ouro à
dade activa, orgânica e animista. Nesta vida eterna que aguardaria os eleitos de
concepção, o conhecimento seria obti- Deus; e o homem mais nobre (rei) ao
do através dos sentidos e do estudo das metal mais nobre (ouro).
relações espirituais e simbólicas subja-
A simbologia da linguagem alquímica
centes à unidade do mundo e que
encontra-se também patente na desig-
unem os seus vários componentes'.
_.^^^•'r_: _ / s nação de metais pelos nomes e símbo-
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los dos planetas: ouro/Sol, prata/Lua,
Uma relação bastante importante para
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os alquimistas era a analogia microcos- ferro/Marte, mercúrio, estanho/Júpiter,
mos/macrocosmos 8 . Ela consubstancia- chumbo/Saturno, cobreNénus (ver fi-

va um entendimento holistico do lugar gura 5). De modo análogo, a associção

do Homem e no Universo ao pressupor das várias operações laboratoriais aos


figura 2 Laboratório alquímico com urna que todos os aspectos do microcosmos signos do zodiaco é ilustrativa da lin-
balança. In Theatrum Chemicum
(humanidade) estavam de algum modo guagem alegórica própria da alquimia
Britannicum, ed. Elias Ashmole, 1652.
reflectidos no macrocosmos (universo) e da importância de analogias basea-

e sujeitos à sua influência (ver figura 4). das na astrologia: calcinação/carneiro,


which from henceforward will insepa- A relevância desta analogia permite en- congelação/touro, fixacão/gémeos, dis-
rably unite unto itself every pure Metalic tender a frequente correlação entre as solução/caranguejo, digestão/leão, des-
nature, changing it into its own most fine doenças humanas e a imperfeição dos
tilação/virgem, sublimação/balança, se-
silvery nature, rejecting all that is impu- paração/escorpião, ceração/sagitário,
metais (por exemplo, a designação da
re, strange, Heterogeneal, or of another fermentação/capricórnio. A utilização
prata como ouro leproso); a classifica-
kind .
ção das substâncias em corpos (subs-
frequente de alegorias baseadas na as-
tronomia e na astrologia fazia com que,
O hermeticismo habitualmente associa- tâncias sólidas) e espíritos (substâncias
por vezes, fosse difícil identificar como
do à alquimia foi especialmente veicula- voláteis); a correlação entre as fases da
pertencendo à alquimia determinados
do através da sua linguagem simbólica e vida humana e as fases do trabalho al-
textos. Um exemplo significativo é o se-
figurativa. Uma das razões subjacentes químico (por exemplo, a preparação da
guinte excerto da obra alquímica Turba
ao secretismo típico da linguagem alquí- pedra filosofal era usualmente descrita
Philosophorum (1613):
mica está relacionada com uma con- como tendo a duração de nove meses);
cepção fechada do conhecimento na a utilização de uma simbologia sexual I signify that the envious have narrated
qual este não pode ser revelado a todos na classificação dos corpos (por exem- and said that the splendour of Saturn
por ser entendido como um domínio sa- plo, o ouro, enxofre, fogo e ar como does not appear unless it perchance the
grado e retentor de poder. Para além masculinos e a prata, mercúrio, água e dark when it ascends in the air, that

figura 3 "0 oratório e o laboratório", Heinrich


Khunrath, 1609. 0 nome de Deus aparece em
caracteres hebraicos em cima do oratório; a
inscrição latina significa "quando nos
deuotamos apenas ao nosso trabalho, Deus
ajuda-nos". A mesa central contém
instrumentos musicais simbólicos da
importância da música e da harmonia nas
tarefas alquimicas.
QUÍMICA 31

figura 4 0 Homem como o microcosmos


ligado ao seu criador pela cadeia da natureza
representada por uma mulher. É de notar os
retratos de Hermes Trimegisto e de Paracelso,
respectivamente à esquerda e à direita da
figura, bem como o diagrama dos quatro
elementos e dos três princípios paracelsianos.
In Tobias Scutz, Harmonia macrocosmi
cum microcosmi, 1654).

Mercury is hidden by the rays of the quência, representado por dois pássa- Que a coroa do Rei seja de ouro muito
sun, that quicksilver (argenturn vivum) ros voando em sentido contrário.lo puro, e que o juntem com a sua casta
vivifies the body by its fiery strength, and esposa. Assim pois, se queres operar
A riqueza simbólica da linguagem alquí-
thus the work is accomplished. But nas nossas matérias pega um lobo esfo-
Venus when she becomes oriental, pre- mica incluia também representações
meado e resplandecente ligado por
cedes the sun. pictóricas tais como as apresentadas
9 causa da etimologia do seu nome ao
nas figuras 7 e 8. A primeira destas fi-
guerreiro Marte, mas tendente à de Sa-
Analogias baseadas no reino animal
guras pretende descrever as quatro turno por ser seu filho.
eram também utilizadas com alguma
operações dos processos alquímicos,
frequência na linguagem alquímica. Encontra-se nos vales e nas montanhas,
Solutio, Ablutio, Conjunctio e Fixio, re-
Para além da mítica e tradicional ser- sempre agonizante. Deita-lhe o corpo de
presentadas respectivamente da es-
pente que morde a própria causa, sím- Rei para que se sacie, e depois de o ter
querda para direita no interior dos ba-
bolo ao mesmo tempo da unidade cós- comido, deita-os num grande fogo para
mica e da longevidade e eternidade da lões posicionados na cabeça das quatro
que sejam completamente consumidos
matéria (ver figura 6), outros dos ani- mulheres. Esta figura representa tam-
e o Rei será libertado. Depois de teres
mais representados incluiam o leão bém os quatro elementos Terra, Água,
feito isto três vezes, o Leão terá ultra-
verde para designar o cobre, a águia Ar e Fogo, respectivamente da esquerda
passado completamente o Lobo e o
para referenciar o sal amoniacal, e os para a direita nas esferas que se encon-
Lobo já não poderá exterminar o Rei, e
peixes para aludir ao mercúrio. Determi- tram na parte inferior da figura. No que a nossa matéria estará preparada e
nados pássaros eram por vezes utiliza- respeita à figura 8, trata-se da primeira pronta para começar a obra.
dos para indicar uma alteração de cor ilustração da obra As Dose Chaves da
num processo alquímico (em especial, o Na linguagem simbólica e multifacetada
Filosofia (1609) do célebre alquimista
pavão, o corvo e o cisne) ou a volatilida- da alquimia, a natureza era apresentada
Basílio Valentim.'t Esta ilustração sim-
de (normalmente simbolizada pela como uma rede de relações. À riqueza
boliza o processo de purificação do ouro
águia). Os pássaros podiam ser usados desta linguagem correspondiam, no en-
e da prata representados, respectiva-
não só para designar substâncias ou tanto, graves dificuldades em termos de
mente, pelo Rei e pela Rainha. No lado
cores mas também para indicar opera- acessibilidade e comunicação. Um dos
esquerdo, o lobo significa o antimónio
ções laboratoriais tais como o processo problemas mais imediatos consistia nas
que era normalmente utilizado na purifi-
de destilação. Este processo era muitas dificuldades em identificar a complexa
vezes considerado como sendo com- cação do ouro. No lado direito encontra-
simbologia verbal e pictórica associada
posto por uma evaporação e uma con- se representada a purificação da prata à linguagem alquímica. A interpretação
densação representadas, respectiva- pelo chumbo. Este metal é identificado desta linguagem exigia não só o exercí-
mente, por um pássaro a subir e outro a pelo homem idoso com uma gadanha. cio renovado da leitura mas também um
descer. Sendo assim, o processo com- No enigmático texto que acompanha a verdadeiro processo de iniciação. É pre-
pleto da destilação era, com alguma fre- gravura pode ler-se: cisamente nesta base que é fundamen-

32 I QUÍMICA

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figura 5 Tabela de símbolos químicos. In N. e '^`:^?'- ^4
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Lémery, Cours de Chimie (1675)

tado um dos primeiros ataques ao se- ainda, no facto de o mesmo nome poder they will now and the give diverse things,
cretismo da linguagem alquímica. Na corresponder a substâncias diferentes one name; so they will oftentimes give
sua obra Alchemia (1597), Andreas Li- (por exemplo, a substância actualmente one thing, many names; and some of
bavius critica as incongruências e ambi- designada por Su fato de Potássio podia them (perhaps) such as do much more
guidades da terminologia metafórica ser nomeada por nove nomes diferentes properly signifie some distinct Body of
desta linguagem, destacando que a res- incluindo panacea duplicata, panacea another kind; may even in the Technical
ponsabilidade do alquimista não deve holsatica, arcanum duplicatum, sal du- Words or Terms of Art, they refrain not
ser só perante Deus, mas também pe- plicatum, arcanum holsteinense, tarta- from this Confounding Liberty; but will,
rante a sociedade. 13 rum vitriolum, nitrium vitriolum, sal as I have Observed, call the same Subs-
polychrestum glaser, vitriolum potas- tance, sometimes the Sulphur, and so-
Outro dos principais problemas dos tex-
sium). No século XVI, um autor chegou metimes the Mercury of a Body. 15
tos alquímicos e também dos primeiros
mesmo a dar cerca de cem nomes ao
tratados de química consistia no facto Também Christopher Glaser no seu Tra-
mercúrio, incluindo designações como
de vários nomes poderem corresponder tado de Química (1668) ataca a prática
"água viva", "águia voadora" "cauda do
a uma única substância e, mais grave comum de autores anteriores "terem es-
dragão", "fumo branco" e "segredo
crito de um modo tão obscuro e terem
total". 14 Para além disso, outra dificulda-
figura 6 Manuscrito alquímico grego de consistia no facto de o nome, muitas retirado prazer ao confundir as mentes e
mostrando a serpente Uroboros. ao conduzi-las para labirintos". Ao dis-
vezes não traduzir a composição das
substâncias mas, em vez disso, traduzir tanciar-se de publicações anteriores, as

não só analogias alquímicas, como tam- declarações de Glaser funcionavam


T^`l'► 4 nrTn aLrgro,õóv[(opup<..rr.7wR
w °".wP!riAy ^
^17^.rtv.\.)7u>^^JH+7^r bém analogias culinárias (por exemplo, também como uma estratégia de auto-
t ^i ^... , tu^.. , bnv^vh) . rf rï^j ;V^• 1'r
±
^ L ;' r(r^ ^rYv.r,.^^^..^.y^ óleo de vitriol, manteiga de antimónio, fí- promoção da sua obra e carreira no en-

—_
`^4^.v4•^ ri`ior.i4 q.ér.
4T `- gado de enxofre, creme de tártaro, açú- sino da química.
^n>. _ ^
l'.N car de Saturno), ou o local onde as A ausência de um sistema para a desi-
substâncias podiam ser encontradas gnação das substâncias químicas co-
(por exemplo, o nome cobre provém da meçou a ser especialmente crítica na
palavra Cubrum porque este metal se segunda metade do século XVIII, quan-
w..7 encontrava principalmente na ilha de
fv0. ,.;: ,t do novos elementos foram descobertos
T.33,3.'v'w334or..:on,.,y,tì,^ 2t<' w.
TT? .. :7^.ri*r^.,47..=-•n;, 'q.iV,^ Chipre (Cuprius)). Alguns destes proble-
e novos compostos foram preparados
;H,oiul.rt've :,. tr7o1N
r5yr... .i.r.0`.¡t-i,:4imXV' •4 nK.1Z ma foram explicitamente abordados por
.QvrY^tr^,.^^^^ «T V -yr,^..In.icy., . pela primeira vez. Em 1780, tinha-se já
`:+L,rn¡.,.f ^ y: M 'p.. y^7t • •• - yy,;L; Robert Boyle na sua obra The Sceptical
procedido à identificação de 17 novos
^ Chymist (1661) :
^_"^7í¿n`b°h`rwp7: hS%
metais. Por outro lado, as experiências
^1i1 . ^'r1;.i.+i..<.r,7r p.r; d.g t .._
^^^ de Joseph Black, Henry Cavendish e Jo-
I find that even Eminent Writers do so
'•/^
abuse the terms they employ, that as seph Priestley (1733-1804) iniciavam o
QUÍMICA 33

figura 7 Os quatro Estados do Processo


Alquímico e os quatro elementos. In J. D.
Mylius, Philosophic Reformata, Frankfort,
1662.

novo ramo da Química pneumática, fa- das na cor, nas propriedades medicinais do modelo da álgebra resultaria no aper-
zendo com que os compostos gasosos ou no país de origem. Utilizou o latim feiçoamento do raciocínio. Condillac de-
aumentassem a lista dos compostos co- uma nomenclatura binomial, com o fendia, também, que as ideias estavam
nhecidos: "o ar tirado do espírito do sal" nome do género a proceder o da espé- interligadas aos signos. Daí a importân-
"o ar tirado do óleo de vitriol ' , "o ar alca- cie. Apenas em alguns casos deixou cia da linguagem, não apenas como um
lino" "o ar flogisticado", "o ar desflogisti- persistir nomes triviais que exprimiam veículo, mas como um fonte do pensa-
cado", "o ar inflamável". 16 Para evitar a uma propriedade das plantas ou cujo mento (são as palavras que perpetuam
ambiguidade de alguns dos termos corr- uso se tinha generalizado. O sistema foi os erros e os preconceitos; a lingua não
rentes, alguns autores começaram a uti- aceite ainda durante a sua vida e trouxe é apenas a expressão do pensamento,
lizar longas frases descritivas quando fa- grandes vantagens à Botânica. Muitas ela é também o instrumento da sua pro-
lavam dos compostos. Na década de das alterações da nova nomenclatura dução).Cada linguagem é considerada
1780, Antoine Laurent Lavoisier estabe- química teriam como modelo as altera- como sendo um método analítico e a
lece definitivamente a composição do ar ções de Lineu na classificação botâni- análise é o método científico privilegia-
atmosférico e a composição da água ca.v do. Condillac justifica também um corte
(pondo em causa a teoria dos quatro radical com a tradição ao defender que
Seria, no entanto, a associação de Guy-
elementos) e argumenta para a necessi- a história nos afasta da natureza e da
ton de Morveau a Lavoisier, Claude-
dade de se fixar um nome para cada verdade e que se deve fazer tábua rasa
Louis Berthollet e Antoine François de
uma das novas subtâncias. Até à refor- do passado. Este corte vai de encontro
Fourcroy que permitiria levar a cabo a
ma da nomenclatura, Lavoisier acaba aos propósitos revolucionários de Lavoi-
reforma da nomenclatura química em
por utilizar vários nomes para designar o
1787. 0 novo Méthode de Nomenclatu- sier, patentes na reforma da nomencla-
oxigénio: "parte salubra do ar", "ar
re Chimique então publicado apresenta tura.
puro","ar vital", "ar eminentemente res-
pela primeira vez uma sistematização A substituição do simbologia alquímica
pirável" e "princípio oxigínio".
racional da linguagem química tendo
pela racionalização da linguagem foi um
Torbern Olof Bergman foi um dos como base a associação do nome das
dos passos decisivos para a emergência
primeiros químicos a defender a neces- substâncias à sua composição e nature-
da química como ciência moderna no
sidade de uma sistematização da lin- za química (nomenclatura binomial). 18
século XVIII. Entretanto, o legado da al-
guagem química. A reforma da nomen- nas teses do abade de Condillac que
quimia como arte tinha sido incorporado
clatura na Botânica empreendida por Lavoisier e os seus colaboradores irão
nas operações e conhecimentos práti-
Lineu, seu compatriota, parece ter in- encontrar a justificação filosófica para a
cos da nova química.
fluenciado a atitude de Bergman relati- reforma da nomenclatura química. A
vamente à linguagem química. Lineu sua obra Lógique, publicada em 1780,
tinha classificado as plantas de acordo apresentava a teoria de que todo o ra-
Notas
com os seus elementos constituintes, ciocínio é algébrico em carácter e que o
As origens da alquimia estão envoltas em
abstraindo-se de considerações basea- aperfeiçamento da linguagem a partir
mistério. Os dados mais antigos da sua apa-
34 QUÍMICA

figura 8 A primeira chave de Basílio Valentim,


s.d.

rição remontam ao Egipto e à Babilónia. De- acontecimentos: refinamento das operações, tipo são os denominados "assopradores ",
senvolveu-se também na China (300 a.c.), melhoramento de alguns instrumentos, intro- cuja actividade se restringe praticamente ao
na India e na Grécia (100 a.c. a 1000 d.c.). dução de novos reagentes e indicadores quí- laboratório (a sua cultura literária é diminu-
A alquimia árabe vai estabelecer-se no sécu- micos, mudança nos objectivos das opera- ta) e está mais próxima dos artesãos ou da-
lo VIII e desempenhar um papel fundamen- ções e nas concepções sobre a natureza das queles que manejam o ferro na forja. Muitos
tal na sua transmissão ao ocidente no século substâncias químicas. No século XIX e parti- deles acreditavam na existência da Pedra Fi-
XII. Sobre as origens da alquimia ver B. cularmente no século XX, os desenvolvimen- losofal e procuravam-na durante toda a vida,
Bensaude-Vincent e I. Stengers, História da tos da ciência experimental tiveram como acabando por morrer na miséria. Ver J.
Química (Lisboa: Instituto Piaget, 1996), Ca- consequência o crescimento espectacular Read, J., Through Alchemy to Chemistry
pítulos I e II; Serge Hutin, L'Alchimie (Paris: do número de instrumentos utilizados num (New York: Harper & Row Publishers, 1963).
Presses Universitaires de France, 1951), Ca- laboratório químico. Assistiu-se a um au- 5 "Vejam ... o nosso Salvador ... que eterna-
pítulo I; Victor Zalbidea (ed.), Alquimia e mento da sua normalização e grau de preci- mente unificará no seu corpo todas as almas
Ocultismo (Lisboa: Edições 70, 1980), pp. 9- são. Passou a gastar-se cada vez mais di- puras e limpas e afastará toda as impurezas
10. nheiro com o equipamento de um por não serem merecedoras do seu Corpo
2 laboratório, o que teve como consequência a divino. Assim e em comparação (mas pri-
Durante um longo período de tempo, o la-
redução quase total do número de laborató- meiro pedindo licença às Igrejas Católicas,
boratório químico foi uma instituição estável
rios privados. A prática experimental passou Apostólicas e Romanas, para falar desta ma-
mas não estática. O fogo e os fornos foram
necessariamente a estar ligada a Instituições neira...) eis aqui o nosso Exlixir branco que
visual e operacionalmente predominantes
e a ser um empreendimento colectivo. O la- de ora em diante unificará inseparavelmente
até ao século XVIII (não devemos esquecer
boratório passou também a ser o local indis- nele toda a natureza Metálica pura, transfor-
que no séculos XVII e XVIII a definição mais
pensável para o ensino e treino do cientista. mando-a na prata mais fina, rejeitando tudo
comum de Química considerava-a uma arte
de separar as substâncias que entram na 3 Para o endimento da alquimia como uma o que seja impuro, estranho, Heterogéneo,

composição dos corpos e de reobter estes visão mística do mundo, ver Costa, A. M. ou de outra espécie. ", citado em M. Cros-
Amorim da, Alquima, Um Discurso Religio- land, Historical Studies in the Language
corpos a partir das mesmas substâncias,
sendo o fogo considerado o agente mais po- so (Lisboa: Vega, 1999). of Chemistry, pp. 3-24. (New York: Dover
Publications, 1962), p. 11.
deroso das transformações químicas). Nos 4 Podemos considerar a existência de três
laboratórios alquímicos também já se efec- tipos de alquimistas. Os primeiros seriam 6 Exemplos de alguns títulos de antigos trata-
tuavam as operações de destilação, sublima- aqueles que apenas tinham como objectivo dos de alquimia onde está patente esta lin-
ção, calcinação e cristalização. A principal o enriquecimento pessoal e que muitas guagem alegórica são: De Occulta Philoso-
novidade nos laboratórios químicos dos fi- vezes enganavam os cidadãos com falsas re- phia de H. C. Agrippa (1531); Basilica
nais do século XVIII está na utilização cres- ceitas da Pedra Filcsofal. Este tipo de alqui- Chymica de 0. Crollius (1609); De interitu
cente de alguns instrumentos de precisão mista (ou se quisermos pseudo-alquimista) alchemiae de G. D. Guiebertus (1614); De

(balanças, termómetros, barómetros) e na foi motivo de sátira em alguma literatura da secretes naturae de R. Lull (1567) (Bolton,

utilização de bombas pneumáticas e outros época, como na peça-poema de Ben Jon- 1882).

instrumentos para recolha de gases (os son, The Alchemist (1612). 0 segundo tipo Ver G. Debus, Man and Nature in the Re-
gases passam a ter um estatuto químico que de aquimistas englobava aqueles que procu- naissance (Cambridge: Cambridge University
até aqui não tinham). Em relação a outros ravam um aperfeiçamento pessoal através Press, 1978), Capítulo. 2.; C. Merchant, C.,
aspectos, os laboratórios praticamente não da meditação, da leitura e, por vezes, do tra- The Death of Nature: Women, Ecology and
se diferenciavam dos de épocas anteriores. balho laboratorial. Criticava-se, sobretudo, o the Scientific Revolution (San Francisco:Har-
No entanto, o aspecto do laboratório modifi- carácter de secretismo da sua actividade e o per Collins, 1983), Capítulo IV; J. Henry,
car-se-ia gradualmente devido aos seguintes hermetismo da sua linguagem. O terceiro "Magic an Science in the Sixteenth and Se-
QUÍMICA 135

venteenth Centuries.", in Companion to the des inerentes à interpretação dos textos al- 14 M. Toxites, Onomasticon (Argentorati,
History of Modern Science, R. C. Colby, G. químicos. 1574), p. 11-13.
N. Cantor, J. R. R. Christie e M. J. S. Hodge 13
Segundo Owen Hannaway, as origens da 16 R. Boyle, The Sceptical Chymist or Chymi-
(eds.) (London and New York: Routledge,
Química como uma disciplina distinta e pas- co-physical Doubts and Paradoxes (Oxford,
1990), pp. 583-596.
sível de instrução, remontariam precisamen- 1680), pp. 200-1.
8 G. Debus, G., Man and Nature in the Re- te ao livro Alchemia de Andreas Libavius e 16
Os estudos de J. B. van Helmont, J.
naissance (Cambridge: Cambridge University que viria a ser um modelo para muitos dos
Mayow e S. Hales já tinham sugerido a exis-
Press, 1978), Capítulo II; e Costa, A. M. tratados de Química posteriores. Este livro
tência de diferentes tipos de gases, mas não
Amorim da, Alquimia, Um Discurso Religio-
representaria a primeira síntese que preten-
foram convincentes para os químicos da
so (Lisboa: Vega, 1999), pp. 65-81.
dia integrar as técnicas e preparações da
época. Ver A. J. lhde, The Development of
9 Citado em M. Crosland, Historical Studies Química, apresentando -a como uma matéria
Modern Chemistry (New York: Dover Publi-
in the Language of Chemitry, (New York: digna de estudo devido ao seu valor intrínse-
cations, 1984), Capítulo II.
Dover Publications, 1962), p. 6. co: "Alchemia is the first text which concei-
17 T. Frangsmyr, "Linnaeus and the Classifi-
1° Victor Zalbidea (ed.), Alquimia e Ocultis- ves of chemistry as an independent and in-
mo (Lisboa: Edições 70, 1980),pp. 123-124. cation Tradition in Sweden", in The Structure
tegral discipline divorced from its pplications
11 of Knowledge: Classifications of Science and
Basílio Valentim, segundo rezam os seus and which seeks to organize the techniques
Learning Since the Renaissance (Berkeley:
escritos, foi um monge pe rtencente à Ordem and prescriptions of the subject in such a
University of California, 2001), pp. 77-92.
Beneditina de S. Pedro de Erfurt e viveu nos way that can be taught. As such, it is more
princípios do século XV. No entanto, segun- than a late sixteeth-century encyclopedia of Sobre a reforma da nomenclatura química
do alguns estudiosos, os manuscritos não operations and recipes of the various chemi- em 1787 ver A. M. Nunes dos Santos, 'Nota
podem ser anteriores ao século XVII. Victor cal arts. It marks the appearence of a new de Apresentação" e "Prefácio" à edição fac-
Zalbidea (ed.), Alquimia e Ocultismo (Lis- scholarly discipline on the intellectual hori- similda do Méthode de Nomenclature Chimi-
boa: Edições 70, 1980), p 117. zon - the discipline of chemistry.' O. Hanna- que (Lisboa: Edição da Petrogal, s.a., 1991)
12
A máxima lege, lege, relege, ora, labora, way, The Chemists and the Word: the didac- e B. Bensaude-Vincent e I. Stengers, Histó-
popular entre os alquimistas traduzia a im- tic origins of chemistry (Baltimore: Johns ria da Química (Lisboa: Instituto Piaget,
po rtância renovada da leitura e as dificulda- Hopkins University Press, 1975), p. 143). 1996), Capítulo XIV.

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Ficha de inscrigão Socra,x
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